Estudo Mídia Sonora

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Natal, RN – 2 a 6 de setembro de 2008 E sem piruá. Que tal? Mídia sonora através do estudo do jingle “Pipoca e Guaraná” 1 Gabriel de Oliveira MORAIS 2 Eneus TRINDADE 3 Universidade de São Paulo, São Paulo, SP RESUMO O artigo visa uma reflexão sobre a mídia publicitária sonora utilizando um dos grandes clássicos brasileiros “Pipoca com Guaraná” de 1991. Através das análises dos dêiticos de espaço, sujeito e tempo e explorando os elementos de letra e música, há um caminho teórico percorrido que envolve a enunciação e a semiótica. Autores como Tatit, Schaffer e Wisnik nos auxiliam nessa reflexão sobre som na publicidade. O trabalho faz parte do projeto de iniciação científica: “A enunciação publicitária em linguagem sonora: estudos dos jingles do Guaraná Antártica” e se mostra como um passo para a consolidação de uma metodologia de estudo. PALAVRAS-CHAVE: Publicidade; Jingles; Guaraná Antártica; Semiótica; Som. Do Corpus sonoro na publicidade e suas possibilidades teóricas O material sonoro, natural ou produzido, é o nosso ponto de partida. Na verdade não sua definição ou o que consideramos som, e sim como o estudamos. O som é estudado como lugar de memória e história, sob um olhar mais antropológico e estático. Pouco se estuda sobre o som como linguagem, muito menos publicitária, o que também lhe dá uma carga de dinamismo. A reflexão aqui presente visa sanar essa ausência de estudo e até mesmo revitalizar a importância da mídia sonora para os mais variados suportes midiáticos. Para tal missão escolhemos o jingle “Pipoca com Guaraná” de 1991. Tendo em vista a abrangência e a responsabilidade da análise de um clássico da propaganda brasileira, nosso foco e intenção aqui se restringem em duas instâncias: a análise da enunciação publicitária pelo estudo dos dêiticos de espaço, tempo e sujeito presentes na canção e pelos estudos semióticos percebendo como eles se mostram 1 Trabalho apresentado na Sessão Comunicação organizacional, relações públicas e propaganda , da Intercom Júnior – Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Estudante de Graduação 3º. semestre do Curso de Publicidade e Propaganda da ECA-USP, email: [email protected] 3 Orientador do trabalho. Professor do Curso de Publicidade e Propaganda da ECA-USP, email: [email protected]. 1

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    E sem piru. Que tal? Mdia sonora atravs do estudo do jingle Pipoca e Guaran1

    Gabriel de Oliveira MORAIS2Eneus TRINDADE3

    Universidade de So Paulo, So Paulo, SP

    RESUMO

    O artigo visa uma reflexo sobre a mdia publicitria sonora utilizando um dos grandes clssicos brasileiros Pipoca com Guaran de 1991. Atravs das anlises dos diticos de espao, sujeito e tempo e explorando os elementos de letra e msica, h um caminho terico percorrido que envolve a enunciao e a semitica. Autores como Tatit, Schaffer e Wisnik nos auxiliam nessa reflexo sobre som na publicidade. O trabalho faz parte do projeto de iniciao cientfica: A enunciao publicitria em linguagem sonora: estudos dos jingles do Guaran Antrtica e se mostra como um passo para a consolidao de uma metodologia de estudo.

    PALAVRAS-CHAVE: Publicidade; Jingles; Guaran Antrtica; Semitica; Som.

    Do Corpus sonoro na publicidade e suas possibilidades tericas O material sonoro, natural ou produzido, o nosso ponto de partida. Na verdade no

    sua definio ou o que consideramos som, e sim como o estudamos. O som estudado

    como lugar de memria e histria, sob um olhar mais antropolgico e esttico. Pouco se

    estuda sobre o som como linguagem, muito menos publicitria, o que tambm lhe d

    uma carga de dinamismo.

    A reflexo aqui presente visa sanar essa ausncia de estudo e at mesmo revitalizar a

    importncia da mdia sonora para os mais variados suportes miditicos. Para tal misso

    escolhemos o jingle Pipoca com Guaran de 1991.

    Tendo em vista a abrangncia e a responsabilidade da anlise de um clssico da

    propaganda brasileira, nosso foco e inteno aqui se restringem em duas instncias: a

    anlise da enunciao publicitria pelo estudo dos diticos de espao, tempo e sujeito

    presentes na cano e pelos estudos semiticos percebendo como eles se mostram

    1 Trabalho apresentado na Sesso Comunicao organizacional, relaes pblicas e propaganda , da Intercom Jnior Jornada de Iniciao Cientfica em Comunicao, evento componente do XXXI Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao.2 Estudante de Graduao 3. semestre do Curso de Publicidade e Propaganda da ECA-USP, email: [email protected] Orientador do trabalho. Professor do Curso de Publicidade e Propaganda da ECA-USP, email: [email protected].

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    eficazes em favor da identidade e do consumo. A outra instncia est no casamento

    entre som e letra, como essa juno se mostra eficaz enquanto apelo e como isso leva ao

    nascimento de um novo meio de interao.

    Com o conceito Este o sabor, a campanha do Guaran Antrtica de 1991,

    desenvolvida pela agncia DM9DDB, concebeu o seguinte jingle:

    EPipoca na panela EComea a arrebentar EPipoca com sal EQue sede que d APipoca e Guaran. Que programa legal F# S eu e voc BE sem piru. Que tal? EQuero ver pipoca pular EPipoca com Guaran EQuero ver pipoca pularEPipoca com Guaran E G# FEu quero ver pipoca pular, pular E ESoi louca por pipoca e Guaran A A (EABE)Ah Ah Gua-ra-n

    Este o sabor 1991 ( Acesso em 30 de junho de 2008)

    Como apresentado, cabe agora uma reflexo sobre os diticos e como eles esto

    dispostos no jingle. Concebemos como ditico o vnculo presente entre a mensagem e

    as representaes de pessoa (interlocutor e/ou de quem se fala); de tempo (momento da

    comunicao) e de espao em que esta comunicao acontece. Ou seja, a relao entre

    os signos e o vnculo que eles mantm com o referente. A anlise dos diticos torna-se

    essencial para a busca de intencionalidades do emissor e tambm o caminho de

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    decodificao da mensagem pelos receptores. Os diticos tambm permitem a

    descoberta e estudo dos hibridismos no discurso e suas influncias na mensagem.

    por essa caracterstica que consideramos os diticos porta para o estudo e parte de

    uma metodologia eficiente para anlise nas propostas. Como a comunicao abre espao

    para uma anlise interdisciplinar entre as teorias de enunciao e os estudos semiticos,

    encontramos aqui apoio para o direcionamento pretendido do estudo. Entende-se por

    enunciao a ao de construo dos discursos, ou seja, daquilo que dito

    (BENVENISTE,1966). Expandindo o conceito, essa ao comunicativa no se limita

    apenas ao dito, mas tambm ao que pode se dar a ver, a escutar e ao sentir, como

    manifestao de linguagem que inclui o verbal e o no-verbal. (BARBOSA

    &TRINDADE, 2003. P.10). Ou seja, mesmo que haja poucos estudos sobre o enfoque

    interdisciplinar dado, o estudo das teorias enunciativas so importantes pois permitem

    que os enunciados se revelem, principalmente quanto aos valores de consumo da

    sociedade. Entender que os enunciados publicitrios so, na verdade, um processo

    dinmico, passo fundamental para a anlise de qualquer material publicitrio e, no

    nosso caso, do jingle atravs dos diticos.

    Diticos de tempo

    Aqui cabe uma anlise sobre marcas do tempo dentro do prprio jingle e sobre suas

    marcas de contexto. No jingle h um enredo das aes que vo se apresentando. Devido

    a seu formato e ps adaptao para televiso como videoclipe no h uma

    superposio rpida de informaes. Nos primeiros versos h uma clara definio das

    aes, at o quarto verso, quando atravs da palavra sede o produto inserido e

    apresentado ao receptor no verso posterior Pipoca e Guaran. Que programa legal.

    O ditico de tempo tambm se mostra semelhante ao ato do estouro da pipoca. Isso

    ser mais aprofundado quando a msica for analisada. Por ora, percebe-se que no incio

    apresenta carter mais descritivo, simulando quando o milho ainda no se transformou

    em pipoca. No refro acontece um estouro e a juno entre a pipoca e o Guaran.

    Holenstein (1978, P.83) nos d uma prvia Jackobsoniana sobre a nfase da percepo

    dos signos: signos visuais a dimenso espacial que predomina, nos signos auditivos,

    a dimenso temporal.

    Sobre o contexto, sabemos que o jingle foi veiculado nacionalmente em 1991,

    contando principalmente com a divulgao na televiso e rdio. No h meno

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    explcita sobre acontecimentos marcantes no ano. Apenas o apelo garrafa (som de

    abridor no verso Que sede que d) diferentemente de hoje com apelos s latas e as

    marcas lingsticas (expresso Soi loca). Aqui explcita a lngua como marca das

    relaes sociais e temporais. Ou seja, a importncia do apelo lingstico se deve a

    influncia poderosa que exerce a organizao hierarquizada das relaes sociais sobre

    as formas de enunciao (BAKTHIN, 2002, P. 43).

    Analisando a trajetria das campanhas do Guaran Antrtica, vemos que a de 1991

    surgiu com um elemento novo. Mesmo preservando a caracterstica de jingles, as

    campanhas percorriam um caminho de identidade nacional (ligao Guaran - Brasil) e,

    o que foi potencializado mais tarde, um produto jovem. A campanha anterior, 1990,

    um bom exemplo4. A associao de Guaran Antrtica com outros produtos nunca

    havia sido feita e mostrou-se inovadora e eficaz. Prova maior a repetio dessa

    associao nas campanhas de 20015 associando Guaran Antrtica com Sanduches (X-

    Tudo e Hot Dog). A campanha de 1991 contava com outras duas peas, lanada logo

    em seguida Pizza com Guaran tambm foi um grande sucesso, e no comeo de 1992

    Sanduba com Guaran, lembrando o vero, mas que no teve tanta repercusso como as

    outras.

    Diticos de espao

    Diferentemente da anlise anterior, os diticos de espao se concentram num mbito

    de referncias externas, pois uma definio de espao para a ao e o formato de jingle

    informaes apresentadas de maneira simples, rpida e em excesso tornam-se

    secundria para a elaborao e compreenso da mensagem.

    Esse formato designa tambm um constante apelo ao receptor para a manuteno do

    canal construdo. Versos como S eu e voc e Que tal? so necessrios para que

    uma interao acontea, no mbito da codificao pelo emissor e pela recodificao do

    receptor.

    4 Guaran Antrtica/ Brasileiro Antrtica/ Todo mundo um dia vira um Guaran/ Uhh...Antrtica (back vocal)/ Guaran Antrtica/ Vira e mexe a gente vira um Guaran/ Eu fico na minha/ Vira e mexe eu fico no meu Guaran/ Guaran An-tr-ti-ca Transcrio de Acesso em 29 de junho de 20085 X...Burguer/X Salada/ X Calabresa/ Com Guaran Antrtica o sabor fica beleza/ Chapeiro aqui meu chapa/ Sabe preparar/ Sabor que sai da chapa s com Guaran Antrtica/ Esquenta a chapa e chama um Guaran/ Tudo pede Guaran Antrtica/ Esquenta a chapa e chama um Guaran/ Tudo pede Guaran Antrtica Tudo Pede Guaran Antrtica 2001 Transcrio de Acesso em 29 de junho de 2008

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    Todo signo, como sabemos, resulta de um consenso entre indivduos socialmente organizados no decorrer de um processo de interao. Razo pela qual as formas do signo so condicionadas tanto pela organizao social de tais indivduos como pelas condies em que a interao acontece. (BAKTHIN, 2002, p. 44)

    Uma caracterstica interessante, que transcende um pouco o ditico espacial, mas cabe

    aqui, o estudo sobre a conveno da pipoca. Mesmo que em nenhum momento do

    jingle haja referncia explcita, a pipoca o elemento clssico presente como

    acompanhamento de filmes e cinema. Num primeiro momento, considerando o contexto

    de 1991, a conexo feita entre pipoca seria com o refrigerante Coca-Cola, e no com o

    Guaran Antrtica. Dono dos maiores mitos da publicidade, a interveno de mensagens

    subliminares nos filmes nos anos 50, a Coca Cola buscou essa associao com snacks

    sorvetes, cachorros-quentes e pipoca principalmente no incio de suas campanhas,

    unindo refrescncia ao consumo dos produtos, principalmente nos cinemas, teatros e

    drive-ins.

    No contexto brasileiro tambm havia essa relao, com uma menor fora. Essa fora

    foi a brecha encontrada para a estratgia criativa para o desenvolvimento da mensagem

    e que encontra ecos at hoje, como dito, a manuteno do contexto em 2003 e a

    reformulao em 2008 para o carnaval de Salvador. A nova verso foi gravada por

    Carlinhos Brow e foi a aposta da Guaran Antrtica, que se posicionou como

    patrocinadora oficial dos pipocas de folies. Pipoca o folio que acompanha os trios

    eltricos sem abad e fica por fora das cordas que limitam o espao dos folies

    pagantes. Ou seja, houve uma modificao da organizao social dos indivduos e das

    condies que a interao com a marca, resultando numa modificao do prprio

    signo.

    Diticos de sujeito

    Aqui os sujeitos se dividem entre enunciador e receptor. Nesse caso, os sujeitos

    aparecem em um mesmo momento nos versos: S eu e voc/ E sem piru. Que tal?

    em que o emissor prope algo ao receptor e essa proposio se mostra um convite ao

    consumo, afinal, o verso anterior a juno entre pipoca e Guaran (Pipoca e Guaran.

    Que programa legal). Explicando melhor, o jingle possui um sujeito emissor claro que

    nos trs primeiros versos explicam a ao (preparao pipoca) no quarto verso lana o

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    primeiro elemento do universo do Guaran (sede) e no quinto verso faz o encontro

    entre os dois (Pipoca e Guaran. Que programa legal).

    Os versos seguintes possuem uma grande carga expressiva devido msica que ser

    explicada mais adiante e unio do universo semntico da pipoca (panela, arrebentar,

    sal) com o universo semntico do refrigerante (sede, Guaran). Alm da unio que j

    estava proposta, os versos constroem um novo campo de significao. Em S eu e

    voc/ E sem piru. Que tal? no h apenas o universo da pipoca ou do Guaran, mas

    sim a fuso dos dois para a criao de um novo universo semntico: o da Pipoca com

    Guaran. A prova mais concreta o termo piru. Originalmente referente ao milho

    que no se transforma em pipoca, aqui ele abre para uma nova significao, pois no se

    refere simplesmente pipoca, mas sim ao modo como o encontro vai acontecer.

    Esse novo universo, e reiterando as citaes de Bakthin, esse novo signo, que

    determina o sujeito e faz com que o convite ao receptor seja mais convincente.

    tambm uma forma mais clara de se mostrar ao ouvinte. Ele prope a unio, mostra

    que ela vantajosa (Que programa legal ), convida o receptor para pertencer a esse

    universo (Que tal?) e ainda envolve um elemento de valor a marca e, se encarado

    com severidade, um convite ao consumo exacerbado (Soi loca por pipoca e Guaran).

    A prpria pipoca traz com ela um elemento de exagero, mas essa afirmao s seria

    comprovada se utilizssemos os componentes visuais para anlise, o que foge da nossa

    reflexo.

    Da semitica da cano antropologia do som.

    Nesse momento a reflexo segue para a conciliao da msica com letra, na busca

    pelas possveis construes de sentido. Cabe ressaltar que a parte musical da reflexo

    limitada, pois o enfoque aqui o trabalho lingstico que permeia a comunicao

    publicitria. Para isso utilizam-se autores como Wisnik (1999), Schaffer (1991) e Tatit

    (1994), que tambm procuram esse enfoque.

    Wisnik em O Som e o Sentido (1999) busca mais o uso da msica, melhor dizendo,

    um estudo das ferramentas musicais durante a histria musical. nessas ferramentas

    que encontra a chave terica para repensar os fundamentos da histria dos sons (...) Ela

    exige que o pensamento, ele mesmo, se veja investido de uma propriedade musical: a

    polifonia e a possibilidade de aproximar linguagens aparentemente distantes e

    incompatveis (WISNIK, 1999, P. 11-12).

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    Em uma busca mais emprica, Schaffer tambm postula O ouvido pensante (1991)

    num carter descritivo de recursos didticos musicais. O diferencial que a didtica

    supera a educao musical e se torna uma reflexo, praticamente epistemolgica, do que

    msica e do que seja fazer msica.

    Finalizando a lista, Tatit em Semitica da Cano (1994) e em Anlise Semitica

    atravs das Letras (2002) investiga esse carter emprico da msica, mas em um

    mbito estritamente terico, com o auxlio da semitica, j que sua preocupao est no

    sentido. Para Tatit:

    O desafio est em definir o valor profundo e o lugar terico ocupado por essas entidades (musicais) reconhecidas em superfcie. Mais que isso, esperamos poder deduzir essas ocorrncias de um modo semitico mais amplo que, comprometido com a descrio do ser do sentido, oferea parmetros tericos homogneos para a anlise de melodias, de letras, de arranjos instrumentais, de espetculos, de videoclipes, enfim, de qualquer modelizao que o sentido receba (TATIT, 1994, P. 13)

    nesses modelos de sentidos que compreendemos os jingles e tomando como base tais

    autores, a preocupao no meramente lingstica, mas tambm musical. Nessa parte

    da reflexo, segue todos os entraves musicais que o jingle Pipoca com Guaran traz, e

    toda a influncia no campo significativo e receptivo.

    Sobre a melodia, pode-se afirmar que foi concebida em Mi sustenido. Por conveno6,

    uma tonalidade feliz, usada em msicas de carter alegre/festivo. A tonalidade

    maior tambm transparece um lado mais extrovertido em bemol (b) o jingle

    preservaria um lado mais dramtico o que a deixa adequada a sua funo: um jingle

    comercial.

    Na maioria do jingle a melodia mantm a mesma estrutura harmonia semelhante a

    canes folclricas, o que facilita a assimilao pelo ouvinte. As mudanas esto no

    verso Que sede que d e em S eu e voc/E sem piru. Que tal? que garantem maior

    expressividade melodia.

    No jingle tambm aparecem alguns sons adicionados msica. Em Que sede que d

    h o som de uma garrafa abrindo, e por toda a msica sons como manteiga na panela,

    tilintar de slidos lembrando pipoca estourando so adicionados e alternados, exceto

    nos versos S eu e voc/E sem piru, que tal? em que h um silncio.

    6 Apenas esclarecendo que no acreditamos nos tons como de natureza feliz ou triste, mas essa concluso devida a uma conveno social e no a uma caracterstica das notas.

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    Nos versos em que a letra encontra maior expresso de sentido semntico (S eu e

    voc. E sem piru. Que tal?) tambm quando a msica ousa mais e permite uma

    maior variao harmnica. A insero do Guaran no jingle se d no verso Que sede

    que d, verso esse em que a melodia tambm sucumbe em uma maior expressividade.

    Assim, no h como desconsiderar a melodia na anlise do jingle, pois a descrio

    acima permite afirmar que a melodia no neutra perante a letra e que uma das

    responsveis para a assimilao e expressividade do jingle. Principalmente no que tange

    as diferenas tonais, h uma similaridade com que afirma Tatit - Em se tratando de

    cano, contudo, o plano da expresso no se caracteriza apenas pela ordenao

    fonmica e prosdica, que geralmente pouco elaborada, mas, sobretudo, pela

    estabilizao e conservao do elemento meldico (TATIT 1994, p. 237). Tambm nos

    permite ir para um caminho terico entre a juno de letra e msica, que d base para

    desvendar os mistrios desse suporte miditico e de considerar som e letra um novo

    meio de interao.

    Focando nossa ateno na letra musical, percebemos que o universo semntico

    tambm engloba um universo fontico semelhante (pipoca, panela, pular, piru) nos

    remetendo ao som lingstico Jakobsoniano e suas implicaes - Os sons lingsticos,

    so, em compensao, caracterizados por uma inteno de significao e por uma

    orientao social. (HOLENSTEIN,1978,p. 84). Ou seja, os jingles mesmo se

    apresentando como pea musical, manteriam o carter lingstico, pois seriam revestido

    de inteno e sentido estritamente direcionados. Transparece tambm um carter de

    objetividade do jingle e sua funo. Essa objetividade adequada estrutura musical

    porque a msica trabalha, como dizia Hegel, na objetivao sonora em que a

    subjetividade se reconhece e se supera, com a concordncia, a oposio e a mediao

    dos sons. (WINISK, 1999, P. 169).

    Quanto ao carter lingstico, Schaffer (1991) nos apresenta um contraponto:

    Para que a lngua funcione como msica, necessrio, primeiramente, faz-la soar e, ento, fazer desses sons algo festivo e importante. medida que o som ganha vida, o sentido definha e morre (...) quando a fala se torna cano, o significado verbal deve morrer (SCHAFFER, 1991, p. 240).

    Para Schaffer, haveria um mximo significado, restrito a fala convencional, e um

    mximo som, manipulados eletronicamente, logo os jingles estariam entre esses dois

    extremos, mas seria vazio de significado lingstico. Continua:

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    A lngua e a msica precisam ser mutuamente excludentes? Ou podem integrar-se num equilbrio que satisfaa todas as necessidades de cada uma delas? (...) Ser que esse delicado equilbrio entre as palavras e a msica perdeu-se desde a Idade Mdia? Poder ser redescoberto? (SCHAFFER, 1991, p. 240).

    Devemos considerar que em nenhum momento da obra O Ouvido Pensante

    Schaffer (1991) se props a analisar jingles. Sua obra estuda msica e composio. A

    nica atividade proposta a seus alunos que envolvia jingles foi uma pequena atividade

    utilizando o rdio, mas para estudo do conceito de som e rudo.

    Aps a citao acima, Schaffer (1991, P. 242) apresenta uma figura:

    Figura 1: Words and Music - Palavras e Msica. (SCHAFFER, 1991, p. 242)

    Como vimos, para ele o sentido se perderia aps essa fuso. Depois de todas as

    consideraes feitas aqui, fica impossvel acatarmos as idias do autor pelo menos

    nesse quesito. Compreendemos que no estamos tratando de msica em seu sentido

    artstico, mas sim na anlise de um jingle com intenes estritamente comerciais, e

    essas intenes nos fazem compreender que o sentido lingstico essencial para o

    jingle sendo letra e msica. Voltando a Jakobson Som e sentido so os dois aspectos

    correlativos irredutveis um ao outro, de todo o signo lingstico (HOLENSTEIN, 1978, P. 83).

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    Uma nova interpretao da figura poderia ser feita, sendo a fuso entre words and

    music no com uma em detrimento da outra, mas sim na criao de um novo campo de

    significao. Podemos afirmar com certeza que esse campo compreende um campo de

    significao lingstica. Podemos afirmar tambm que h um novo campo de

    significao musical, contudo, estamos buscando um caminho para melhor entend-lo.

    O jingle se mostra a maior tentativa desse entendimento, pois o instrumento de unio

    desses dois campos. No caso do Pipoca com Guaran no podemos ousar em explicar

    tamanho sucesso e repercusso, s podemos considerar que esse casamento perfeito

    entre som e letra que permitiu a criao de um novo campo de significao, facilitando

    a apreenso e explicando, em parte, o porqu do jingle ser to marcante na histria da

    publicidade e na memria das pessoas.

    Consideraes Finais

    A proposta aqui foi propor uma reflexo sobre os recursos sonoros, sua avaliao,

    influncia e estudo, visto que h uma desvalorizao muito grande sobre o ambiente

    sonoro principalmente do rdio justificado por uma busca de interao. Vale

    lembrar que a maioria dos sucessos televisivos se resume a bons jingles, e isso inclui as

    campanhas do Guaran Antrtica. Essa busca por uma interao desconsidera as

    correntes de significao j criadas e campo frtil para a rea criativa. H aqui a

    expanso do conceito de interao e cabe aos estudiosos o estudo das plataformas

    miditicas, j que todas mantm esse vnculo interativo.

    Um pequeno comeo foi dado de um estudo que parte agora para a busca da

    investigao do receptor, e de como esses apelos enunciativos so decodificados e

    armazenados na memria dos consumidores. Esse assunto ser fruto de outras

    discusses tericas no cabveis aqui.

    Finalizamos a misso de anlise e esquematizao total de um dos jingles mais

    famosos, seno o mais, da Guaran Antrtica e toda a mudana de percepo de marca

    que ele proporcionou. Acreditamos que a reflexo e metodologia se mostrou eficaz e

    atendeu ao objetivo do artigo.

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    REFERNCIAS

    BARBOSA &TRINDADE Por uma enunciao Publicitria. II Congresso Latino-Americano de Estudos do Discurso. Puebla.Universid Autnoma Benemrita de Puebla/ALED. 2003.

    BAKTHIN, M. (V.N. Volochnov) Marxismo e Filosofia da Linguagem. So Paulo: Editora Hicitec AnnaBlume, 2002.

    BENVENISTE, E. Problmes de linguistique gnrale. Paris: Gallimard, 1966.

    HOLENSTEIN, E. Introduo ao pensamento de Roman Jakobson. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

    TATIT, L. Semitica da Cano melodia e letra. So Paulo: Editora Escuta, 1994.

    ________ .Anlise Semitica atravs das Letras. So Paulo: Editora Ateli, 2a ed., 2002.

    SCHAFFER, M. R. O Ouvido Pensante. So Paulo: Editora Unesp, 1991.

    WISNIK, M. J. O Som e o Sentido uma outra histria das msicas. So Paulo: Companhia das Letras, 1999.

    Sites

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  • Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da ComunicaoXXXI Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Natal, RN 2 a 6 de setembro de 2008

    Campanhas

    Guaran Antrtica 1990 Acesso em 29 de junho de 2008

    Pipoca e Guaran 1991 . Acesso em 30 de junho de 2008

    Pizza com Guaran 1991 Acesso em 30 de junho de 2008

    Sanduba com Guaran 1992Acesso em 30 de junho de 2008

    Tudo Pede Guaran Antrtica X-Tudo - 2001 Acesso em 29 de junho de 2008

    Tudo Pede Guaran Antrtica Hot Dog 2001Acesso em 30 de junho de 2008

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