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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA QUÍMICA
Estudo da interface água/óleo no âmbito da
indústria do petróleo com ênfase em software de simulação fluidodinâmica (CFD)
Jeferson Correia
Florianópolis, Março de 2009
Programa: PRH-ANP/MCT Nº 34 Formação de Engenheiros nas Áreas de Automação, Controle e Instrumentação para a Indústria do Petróleo e Gás Universidade Federal de Santa Catarina
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Identificação
Nome: Jeferson Correia
CPF: 051.378.269/95
Matrícula PRH-ANP/MCT N0: 2001.1021-0
Tipo de Bolsa: Graduação
Orientador: Prof. Marintho Bastos Quadri, Dr.
Tema: Estudo da interface água/óleo no âmbito da indústria do petróleo
com ênfase em software de simulação fluidodinâmica (CFD).
Programa: PRH-ANP/MCT Nº 34 Formação de Engenheiros nas Áreas de Automação, Controle e Instrumentação para a Indústria do Petróleo e Gás Universidade Federal de Santa Catarina
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AGRADECIMENTOS
Aos familiares pelos conselhos que me fizeram crescer na vida.
À Barbara Y. De Oliveira pelo desenvolvimento em conjunto do projeto.
À Gabriel C. Mariano pela orientação e boa vontade para com o
desenvolvimento deste trabalho.
Ao professor Marintho B. Quadri pela seriedade e paciência na orientação do
trabalho.
Aos colegas do LCP pelos bons momentos.
À Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombusííveis (ANP) e `a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), pelo o apoio financeiro fornecido através do Programa de Recursos Humanos da ANP para o Setor do Petróleo e Gás (PRH-34 ANP/MCT);
À Deus...
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RESUMO
Diversas operações e procedimentos na indústria do petróleo estão relacionados
ao deslocamento imiscível de um fluido por outro, podendo-se citar: a elevação natural
e artificial do óleo a partir dos poços, o bombeamento através de dutos de óleos de
viscosidade elevada mediante a injeção conjunta de água e a recuperação secundária de
petróleo. A eficiência deste último tipo de processo é uma conseqüência direta dos
fenômenos interfaciais característicos de sistemas água-óleo. Nestes sistemas ocorre o
fenômeno da digitação viscosa, na qual a água penetra na fase óleo, formando os
chamados fingers. O presente trabalho propõe o estudo das propriedades que
influenciam neste fenômeno utilizando o programa de simulação fluidodinâmica Ansys
CFX. Desta forma, será possível desenvolver soluções e técnicas para a melhoria de
operações envolvendo a recuperação, transporte e manejo do petróleo onde uma fase
água esteja presente.
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Sumário
1� OBJETIVOS............................................................................................................. 6�
2� INTRODUÇÃO........................................................................................................ 7�
3� REVISÃO BIBLIOGRÁFICA................................................................................. 9�
3.1� Contextualização................................................................................................ 9�
3.2� Aspectos Econômicos ...................................................................................... 10�
3.3� Fingers ............................................................................................................. 11�
3.4� A célula de Hele-Shaw .................................................................................... 12�
3.5� Modelagem matemática ................................................................................... 13�
3.5.1� Fluidodinâmica computacional (CFD) ..................................................... 15�
4� MATERIAIS E MÉTODOS................................................................................... 17�
4.1� Estudo do Programa CFD ................................................................................ 17�
4.2� Criação da Malha da Célula de Hele-Shaw ..................................................... 18�
4.3� Coleta do Resultados Experimentais ............................................................... 20�
4.4� Simulações ....................................................................................................... 20�
4.4.1� Teste da molhabilidade............................................................................. 21�
4.4.2� Refino do Passo de Tempo ....................................................................... 23�
5� CONCLUSÕES...................................................................................................... 26�
6� REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 27�
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1 OBJETIVOS
O presente trabalho apresenta como objetivos os seguintes tópicos:
• Estudo dos fenômenos físicos envolvidos assim como análise da estabilidade da
interface;
• Identificação de fenômenos decorrentes de processos de exploração de jazidas;
• Elaborar modelo matemático que possibilite uma comparação do modelo
computacional, com respostas experimentais;
• Desenvolver simulação computacional tornando o estudo Hele-Shaw, mais
prático e de baixo custo;
O trabalho foi realizado em conjunto com Barbara Y. De Oliveira e Gabriel C. Mariano, sob a orientação de Marintho B. Quadri.
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2 INTRODUÇÃO
A indústria de petróleo é a principal interessada em estudos relacionados ao
deslocamento imiscível de um fluido por outro. Esse sistema pode ser observado
quando se trata de: recuperação primária e secundária, ou seja, elevação natural e
artificial do óleo a partir dos poços; e, bombeamento através de dutos, de óleos de
viscosidade elevada mediante a injeção conjunta de água (core-flow). A eficiência do
deslocamento dos fluidos na fase de recuperação de jazidas de petróleo é conseqüência
direta dos fenômenos interfaciais característicos de sistemas água-óleo. Não se deve
esquecer do fenômeno de inversão de fases, como acontece, por exemplo, no caso de
vazamento de óleo a partir de dutos submersos, cujo estudo é importante para a
quantificação de volumes vazados e definição de estratégias de remediação.
O presente trabalho traz conceitos básicos que, teoricamente, são importantes
para o entendimento do comportamento da interface existente em sistemas de
escoamentos imiscíveis; podem-se destacar as modalidades de recuperação e aumento
de produtividade dos poços; lembra-se, também, a importância desses fenômenos em
vazamento de petróleo a partir de dutos submarinos, assim como, na contaminação de
águas subterrâneas pela proximidade de uma fase óleo.
Estudos teóricos e experimentais sobre propriedades dos fluídos (densidade,
viscosidade e tensão superficial), e fenômenos físicos envolvidos no sistema (como
capilaridade, padrões de escoamento e papel da força gravitacional) podem contribuir
para o entendimento do comportamento da interface água/óleo, facilitando análises e
previsões relacionadas ao sistema. Estudos de simulação matemática em CFD buscam
representar computacionalmente o sistema numa abordagem 3D. O estudo visa
desenvolver um modelo matemático que considere as propriedades dos fluídos, assim
como os fenômenos físicos presentes no sistema e observados experimentalmente.
Assim, o presente trabalho objetiva desenvolver um estudo computacional que
retrate o sistema realísticamente, segundo os ensaios realizados no aparato experimental
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(Hele-Shaw). Deste modo, almeja-se obter conhecimentos e desenvolver ferramentas
que contribuam para a otimização e solução de problemas relacionados aos escoamentos
imiscíveis e ao aparecimento do fenômeno de digitação viscosa, com foco principal para
as operações de exploração e produção da indústria do petróleo.
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3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
3.1 Contextualização
Os reservatórios do petróleo são classificados como reservatórios de óleo ou do
gás, dependendo das condições da jazida encontrada. Os coordenadores responsáveis
pelo processo de exploração do reservatório de petróleo geralmente necessitam estudar
o comportamento dos fluidos existentes no reservatório, assim como as características
físicas do mesmo, a fim de definir uma estratégia de exploração buscando uma
lucratividade máxima do poço.
O petróleo, em geral, é encontrado alojado em rochas sedimentares, tais como
arenito, areia, argila e calcário, ao lado de depósitos de sal-gema e anticlinal. Sua
densidade varia de 0,75 a 0,95. Pode ser encontrado a poucos metros da superfície
terrestre, até acima de 10 mil metros de profundidade. Sua composição varia bastante,
dependendo do lugar em que é encontrado. A Figura 1 demonstra o posicionamento do
petróleo e do lençol de água entre as rochas.
Figura 1. Reservatório de óleo (Fonte: Fiorese, 2004)
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Os poços são perfurados com base em estudos da estrutura geológica, de modo
que a quantidade de água produzida no poço, a princípio, seja pequena. Em virtude da
produção de água, pode ocorrer o movimento da interface óleo/água (O/A) existente no
reservatório, fazendo com que a água comece a alcançar os poços produtores de óleo.
Normalmente, antes que isso ocorra, recorre-se a métodos de recuperação. Três
processos de separação podem ser utilizados: recuperação primária, secundária e
terciária. Durante o estágio de recuperação primária a melhor produção ocorre pela
perfuração e assim o óleo flui para a superfície naturalmente, sob alta pressão de dentro
da rocha de formação e sob a pressão do gás natural dissolvido no óleo. Entretanto, ao
longo do tempo, esta pressão diminui e o fluxo de óleo declina. Este estágio não se
constitui em nenhum método especial, porém ele recupera cerca de 10 a 30% do óleo
original. A técnica de recuperação secundária utiliza a injeção de água, gás, vapor, etc.
O caso da injeção de água para recuperação secundária é um método tradicional
e amplamente conhecido. A água é injetada em um reservatório de óleo, de modo a
pressurizá-lo, aumentando a recuperação após a etapa inicial de recuperação primária.
Nesta etapa a recuperação do óleo chega a 15-30% do óleo original.
A diminuição da produção de água pode levar a otimização do custo de
produção do petróleo, refletindo nos processos de separação e tratamento do óleo.
Quando o volume de água produzida está próximo do limite que a malha de poços de
injeção pode receber, poços produtores com alta saturação de água, tem que ser
temporariamente fechados. Os poços injetores devem ter a sua injetividade melhorada.
Novos poços podem ser perfurados ou convertidos para a injeção de água.
3.2 Aspectos Econômicos
Segundo a Agência Internacional da Energia (OCDE), até 2020 não haverá
escassez de petróleo; nesse período de 20 anos, o aprovisionamento assegurado pela
OPEP mais que duplicará em valor absoluto e quase duplicará em valor relativo (entre
todos os produtores do mundo). Este cenário parece sustentado no fato de dois terços
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das reservas mundiais restantes se encontrarem no Oriente Médio, mas não revela as
suas reais dimensões, e omite a intervenção dos fatores políticos que, historicamente,
têm pontuado o nível de produção e o preço do petróleo (Fiorese, 2004).
Segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo), o Brasil apresentava uma
dependência externa equivalente a 494 mil barris por dia em 2000, o que indicava uma
carência de produto importando de 27,5%.
Um dos principais objetivos da recuperação é aumentar sua eficiência que se
traduz em maior recuperação de óleo e menor produção de água por volume de óleo
produzido.
3.3 Fingers
A injeção de água para a recuperação pode ocorrer com o objetivo de assegurar a
manutenção da pressão no reservatório, de modo que desloque o óleo existente no poço
de injeção em direção aos poços produtores. Entretanto, neste método pode ocorrer
perda de eficiência provocada basicamente pela diferença nas propriedades (viscosidade
e densidade) da água de injeção e do óleo a ser deslocado. Isso faz com que a água
penetre na fase óleo.
A água, que possui menor viscosidade comparada ao óleo, não consegue
deslocá-lo completamente, tomando caminhos preferenciais para os reservatórios
produtores formando canais no seio da fase óleo. Estes canais geralmente são chamados
de “fingers”, e são resultantes de fenômeno conhecido por digitação viscosa. Este
comportamento pode ser observado na Figura 2. Como resultado, tem-se produção
excessiva de água e baixa eficiência na recuperação do óleo.
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Figura 2. Digitação viscosa entre água/oleo
3.4 A célula de Hele-Shaw
Henry Selby Hele-Shaw (1854 – 1941), foi engenheiro naval, trabalhou de 1885
– 1904 no Departamento de Engenharia da Universidade de Liverpool. O primeiro
estudo publicado por Hele-Shaw, em 1898 foi relacionado à simulação de um fluxo
líquido em um tubo ou em uma canaleta (placas) com lados molhados, onde a
velocidade alcança seu valor máximo no meio da canaleta (placas) e desaparece nos
lados. Mais tarde, um modelo ligeiramente diferente aparece, neste modelo um fluido
viscoso ocupa domínio limitado, encontrando-se entre duas placas de área delimitada, o
líquido pode ser injetado ou removido através de um ponto, esse aparato, ficou
conhecido como célula de Hele-Shaw e é apresentado na Figura 3.
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Figura 3. Célula de Hele Shaw (Fonte: GUSTAFSSON E VASLIEV, 2004).
A célula de Hele-Shaw é um aparato muito usado em experimentos para
identificar e analisar o comportamento do sistema água/óleo. Neste procedimento, a
água é injetada através da célula, empurrando-se ofluido não umectante (óleo),
principalmente por diferencial de pressão de bombeamento.
Segundo Tryggvason e Aref (1983), a interface entre fluidos imiscíveis na
Célula de Hele-Shaw pode ser instável por duas razões. Se um fluido pesado está no
topo de outro mais leve, a interface é instável de forma gravitacional. Na disposição
inversa, um fluido menos viscoso é utilizado para deslocar o mais viscoso, podendo a
interface também se tornar instável. Num determinado processo, estes dois efeitos
podem ocorrer simultaneamente.
3.5 Modelagem matemática
A modelagem matemática é uma técnica que utiliza modelos experimentais e
equações matemáticas para representar a essência de uma instalação real ou proposta
sob investigação, com o objetivo de avaliar o comportamento deste sistema sob diversas
condições. A Proposta CFD não é diferente, esta propõe um sistema interativo onde são
aplicados valores e condições que são resolvidas ou “simuladas” por modelos
matemáticos.
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A simulação pode ser definida como o processo de construção de um modelo e
tratamento de dados que representa o desenvolvimento e resposta, apresentada pelo
sistema real. A simulação deve oferecer dados da condução de experimentos
possibilitando o entendimento do comportamento do sistema, assim como a avaliação
da operação do sistema. São necessários alguns parâmetros para validação e avaliação
do modelo matemático, segue os principais parâmetros que devem ser analisados para
validação do modelo:
• O modelo computacional deve ser capaz de descrever o comportamento físico,
imitando o comportamento do sistema experimental;
• O modelo matemático deve ser avaliado e comparado ao experimental, quanto
ao resultado numérico final do sistema;
• O modelo matemático deve ser capaz de apoiar teorias ou hipóteses que
explicam o comportamento observado; a ocorrência de comportamento
inexplicável pode levar a não validação do modelo;
• O modelo matemático deve ser capaz de predizer o comportamento futuro, ou
seja, os efeitos produzidos por mudanças nas variáveis do sistema ou em seu
modo de operação;
• O modelo matemático deve ser capaz de responder a mudanças de variáveis com
a mesma sensibilidade apresentada pelo modelo experimental (Fontes, 2005).
O modelo matemático deve ser capaz de oferecer todas as condições descritas
acima, com o mínimo de margem de erro. Os Parâmetros de ajuste, também aceitos,
podem usualmente substituir variáveis indescritíveis matematicamente, promovendo a
redução do erro aplicável ao modelo. Para avaliação e validação do modelo, pode-se
dizer que o principal critério é a confirmação da afinidade entre parte experimental e
computacional, que deve ser a máxima possível. Assim, modelos com pouca afinidade
podem e devem ser abandonados e substituídos por outros modelos mais convenientes e
fiéis aos estudados experimentalmente.
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3.5.1 Fluidodinâmica computacional (CFD)
A simulação matemática é uma ferramenta necessária para elaboração de
softwares computacionais. Em grande parte de estudos de sistema multifásicos, a
modelagem matemática computacional torna-se extremamente útil, já que fatores como
o tempo, o número de experimentos, e a variabilidade nas condições experimentais,
podem dificultar uma análise mais completa. Portanto, buscando desenvolver uma
metodologia adequada para caracterizar e quantificar os padrões de escoamentos
observados passa-se a utilizar modelos computacionais de fluidodinâmica, ou
Fluidodinâmica Computacional (CFD).
Fluidodinâmica Computacional (CFD) é o termo dado ao grupo de técnicas
matemáticas, numéricas e computacionais, usadas para obter, visualizar e interpretar
soluções computacionais para as equações de conservação de grandezas físicas de
interesse de um dado escoamento. A origem dessas equações de conservação é a teoria
de fenômenos de transporte. Portanto pode-se dizer que CFD é o conjunto das técnicas
de simulação computacional usadas para predizer os fenômenos físicos ou físico-
químicos que ocorrem em escoamentos que podem ser relacionados com a ação e a
interação de mecanismos envolvendo fatores como dissipação, difusão, convecção,
ondas de coque, superfícies escorregadias, condições de contorno e turbulência. No
campo de escoamento de fluidos, onde se inclui problemas com superfície livre, esses
fenômenos são governados pela equação de Navier-Stokes (Fontes et al., 2005).
Considerando-se o estudo da interface água - óleo, e tendo em vista a
necessidade de obtenção de respostas corretas para as mais diversas condições
aplicadas, faz-se necessário a utilização da técnica CFD. Sua aplicação pode ser
facilitada pelo conhecimento de toda a parte experimental, detalhes de condições
iniciais do processo e dados que possibilitem a tradução da condição real do
experimento.
Para elaboração da metodologia de deslocamento de óleo por injeção de água em
CFD, busca-se retratar detalhadamente os dados de geometria utilizados no
procedimento experimental, propriedades de fluídos utilizados e demais condições do
meio. Utiliza-se um tipo especial de sistema operacional classificado como sistema
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distribuído, onde vários computadores são ligados em rede (cluster) e comunicam-se
através do sistema, trabalhando paralelamente como se fossem uma única máquina de
grande porte, otimizando-se assim o tempo de cálculo.
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4 MATERIAIS E MÉTODOS
4.1 Estudo do Programa CFD
A familizarização com o programa de CFD foi feita a partir dos tutoriais
presentes no mesmo, a Figura 4 apresenta dois exemplos do tutorial, um se trata do
escoamento de água num tubo e o outro apresenta uma simulação bifásica, muito útil
para absorver os conhecimentos de superfície livre.
Figura 4. Exemplos presentes no tutorial.
O estudo computacional aplicado ao trabalho em questão começou com o
estabelecimento da geometria do domínio, tal qual a célula de Hele-Shaw, como
utilizada nos experimentos realizados por Mariano (2008). Foi utilizado um software de
simulação computacional CFD, para construir a geometria e assim representar o volume
de controle através do qual os fluidos escoam. A Figura 5a apresenta o aparato
experimental da célula de Hele-Shaw enquanto que a Figura 5b mostra a geometria
criada para a sua utilização no programa CFD. A geometria da célula apresenta os
seguintes parâmetros: comprimento 100cm, largura 30cm e ângulo e espaçamento entre
placas variável nos testes.
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(a)
(b)
Figura 5. (a) Esquema do aparato experimental da célula de Hele-Shaw; (b) Respectiva geometria
criada.
Na Figura 5(b) observa-se, inclusive a realização de um teste realizado na célula.
Neste caso foi feito uma simulação bombeamento de água apenas, onde a injeção ocorre
no ponto situado na parte inferior da figura, esta água é bombeada até chegar na parte
superior da célula, onde há uma condição de saída. Pode-se observar que a maior
velocidade encontra-se nas redondezas da injeção e nula nas paredes, este último fato
ocasionado pela condição de contorno no slip imposta na simulação. O teste e o estudo
se mostraram proveitosos e com resultados coerentes.
4.2 Criação da Malha da Célula de Hele-Shaw
A primeira malha da célula criada é a mesma que foi utilizada na simulação
comentada no item anterior, neste mesmo teste pôde-se concluir que não importa qual a
forma de injeção de fluido ou da geometria do orifício de entrada, pois todo perfil do
escoamento será equalizado a partir das chicanas. Esta análise tornou possível a retirada
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de parte da célula na simulação, inclusive das chicanas. Isto diminuiu o número de
elementos da malha, conseqüentemente, consumindo um menor tempo de cálculo
computacional.
Outro importante fator relacionado à retirada das chicanas foi a possibilidade de
utilizar uma malha hexagonal estruturada. É conhecido que a malha hexagonal
possibilita uma visualização mais nítida dos fenômenos de interface, além de diminuir o
erro numérico comparado com a malha tetraédrica.
A malha final pode ser visualizada na Figura 6. Com o auxílio do programa de
CFD foi utilizada uma malha hexagonal estruturada com aproximadamente 325000
elementos, divididos em 11 camadas de 0,1mm.
Figura 6. Vista geral e aproximada da malha da célula de Hele-Shaw.
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4.3 Coleta do Resultados Experimentais
Para, no final, poder validar ou não a simulação, foi coletado material
experimental do grupo de trabalho. A Figura 7 apresenta um experimento realizado em
bancada que auxiliaram no entendimento do fenômeno da digitação viscosa e que será
útil para a comparação com as simulações.
Figura 7. Experimento realizado em bancada
Nesta figura é possível observar algumas propriedades importantes da digitação
viscosa, como o estrangulamento da base do finger e a competitividade entre eles.
4.4 Simulações
Tendo em vista os resultados dos ensaios experimentais, o modelo computacional
apresentou respostas adequadas para os valores das propriedades e parâmetros
considerados para simulação. Essas observações são capazes de certificar a validade do
modelo, por apresentar comportamentos semelhantes aos observados
experimentalmente e descritos em outros trabalhos científicos. Por meio de indução para
confirmação de efeitos teóricos previamente estudados, o modelo também apresentou as
respostas esperadas.
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Alterações nas condições operacionais e de contorno como força gravitacional,
velocidade de injeção de fluídos, adesividade das paredes e propriedades como
densidade, viscosidade dos fluídos e tensão interfacial também foram testadas. Estes
testes foram realizados a fim de estudar o comportamento da resposta ao nível da
interface no processo de deslocamento de óleo por meio da injeção de água.
4.4.1 Teste da molhabilidade
Inicialmente foram realizadas simulações onde foi estudada a influência da
adesividade da parede e tensão interfacial. Foram mantidos todos os valores que
representam as condições do problema, alterando-se somente a angulação do contato
entre interface água/óleo e paredes, que representa a adesividade.
As perturbações geradas pela alteração da adesividade são de fundamental
importância para o desenvolvimento da instabilidade. A adesividade é estabelecida
através de valores aplicáveis ao ângulo de contato da interface entre os dois fluidos e as
placas, conforme Figura 8. O ângulo é estipulado do lado do fluido primário. Como se
tem considerado a água como fluído primário, deve-se aplicar valores maiores que 90°,
pois considerou-se que o óleo em deslocamento molha mais a superfície do vidro do
que à água.
Figura 8. Esquema mostrando o ângulo de contato entre a interface dos fluidos e as placas da célula (Mariano, 2008).
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O valor dado para o ângulo de contato deve levar em conta as condições
experimentais de molhabilidade e tensão interfacial do fluido. A correta escolha da
adesividade nas paredes das placas aproxima o modelo matemático ao experimental e
atesta a importância dessa propriedade física para o escoamento água/óleo nesse
sistema. A correlação da adesividade a outras propriedades dos fluidos, como tensão
interfacial e molhabilidade é desejável para uma modelagem realística do sistema Hele-
Shaw aplicado a escoamentos imiscíveis. A Figura 9 apresenta uma simulação
utilizando um valor baixo de tensão interfacial, igual a 0,07N/m que é equivalente à
tensão interfacial água/ar.
Figura 9. Resultado da simulação para um valor baixo de tensão interfacial.
Para testes realizados com tensões interfaciais muito altas, foi observado que,
mesmo com grandes refinos de malha e menores passos de tempo, a simulação não
avança; o programa de solver não consegue realizar os cálculos matemáticos e envia
uma resposta de overflow. Isso indica que o algoritmo de solução apresenta restrições
para a convergência dos cálculos matemáticos. Quando se considera o aspecto
fenomenológico do problema, verifica-se que o aumento brusco na tensão interfacial
produz um aumento na resistência de deslocamento dos fluidos, travando o fluxo de
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entrada e inviabilizando o escoamento. Para as próximas simulações foi fixado o valor
de 0,109N/m.
4.4.2 Refino do Passo de Tempo
As primeiras simulações foram realizadas utilizando um alto passo de tempo. O
passo de tempo demasiadamente alto aumenta, e muito, o risco de ocorrer overflow na
simulação, além de impossibilitar a validação da simulação por conta dos altos erros
numéricos. A Figura 10 ilustra este aspecto, onde foi simulado a célula de Hele-Shaw
utilizando um passo de tempo de 0,01s.
Figura 10. Resposta para a simulação, com tempo total igual a de 3,5 e 6,6 s, respectivamente.
Para a verificação do erro numérico, pode-se reduzir a taxa residual, mantendo-
se o mesmo passo e forçando um aumento no número de interações para a
convergência. Porém com a redução da taxa residual e o aumento do número de
“Timesteps”, o tempo de simulação pode aumentar muito e os resultados podem ainda
não atingir o nível residual desejado. Outra forma de solucionar a questão seria
aumentar o número de elementos da malha; o refino da malha, com maior número de
pontos de discretização no domínio, possibilita soluções com maior riqueza de detalhes
e menor erro devido à difusão numérica.
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Assim, visando otimizar o tempo de processamento computacional com redução
do erro numérico, partiu-se para o refino da discretização no tempo, passando-se a
realizar várias simulações com diferentes passos de tempo.
A Figura 11 mostra as simulações de perturbação inicial da interface para uma
tensão interfacial de 0,109 N/m, a um mesmo tempo de simulação (4,0s) e passos A =
0,0005 e B = 0,0001, respectivamente. De acordo com essas figuras, pode-se observar a
tendência do surgimento de três fingers, em três porções aproximadamente iguais. A
perturbação da interface e a proporção de desenvolvimento dos fingers já começam a
apresentar alguma semelhança.
Figura 11. Perturbação da interface a um momento inicial de simulação, para diferentes passos de tempo.
Analisando ainda o desenvolvimento das simulações, foi feita comparações com
passos de tempo de 0,001 e 0,0001s, conforme a Figura 12, pode observar diferenças
importantes na forma dos fingers. Mas analisando de forma global, pode-se dizer que a
perturbação e resultado final das simulações, seja com passos de 0,001 ou 0,0001s,
mantêm a tendência de formação de 3 fingers de água igualmente espaçados.
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Figura 12. Comparação entre duas simulações, para timesteps de 0,001 e 0,0001s, respectivamentes.
Utilizando o tempo final da simulação de 0,0001s, foi comparado com o
experimento em bancada. O resultado é apresentado na Figura 13.
Figura 13. Comparação entre o resultado experimental e simulado.
Na figura acima é possível observar importantes fenômenos característicos da
digitação viscosa: presença dos dedos de óleo e água, a competitividade entre os fingers
e o achatamento da base do finger, estes fatores são observados tantos experimentais
quanto simulados. Isto é uma prova de que a simulação é útil para, no mínimo realizar
uma análise qualitativa do problema.
Programa: PRH-ANP/MCT Nº 34 Formação de Engenheiros nas Áreas de Automação, Controle e Instrumentação para a Indústria do Petróleo e Gás Universidade Federal de Santa Catarina
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5 CONCLUSÕES
O presente estudo pode ser classificado como um trabalho de pesquisa básica,
onde os principais focos envolvem: o estabelecimento de noções básicas sobre as
propriedades dos fluidos presentes no sistema; o aprofundamento e análise da
importância de cada efeito sobre o fenômeno da digitação viscosa; e o desenvolvimento
de uma simulação apta a reproduzir as observações experimentais, além de servirem
como ferramenta preditiva para o projeto e controle de processos envolvendo
escoamentos imiscíveis.
O modelo CFD desenvolvido neste trabalho mostrou-se apto a descrever o
experimento de forma realística e com riqueza de detalhes, permitindo testar a
sensibilidade de parâmetros físicos e operacionais com respostas adequadas à natureza
física do problema. Deste modo, testaram-se o aumento de adesividade nas paredes da
célula e variações na tensão interfacial. Estas variações demonstraram que para os casos
estudados, a redução da tensão interfacial do sistema permite obter melhor eficiência na
recuperação de óleo. Assim, esse modelo se constitui em uma ferramenta valiosa para
estudos fenomenológicos de sistemas de fluidos imiscíveis.
O modelo produziu padrões de escoamento semelhantes aos experimentais, com
o aparecimento de fingers, os quais são responsáveis pela perda da eficiência no
bombeamento de óleo por meio da injeção de água. Dentre as propriedades que se
assemelharam, podemos citar a presença de competitividade entre os fingers e o
estrangulamento da base deste, apresentados tanto na simulação quando nos dados
experimentais.
Com esses estudos, surge a possibilidade de se buscar a otimização das
condições operacionais na indústria com ganho de produtividade.
Programa: PRH-ANP/MCT Nº 34 Formação de Engenheiros nas Áreas de Automação, Controle e Instrumentação para a Indústria do Petróleo e Gás Universidade Federal de Santa Catarina
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6 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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