Estratégias para motivar os alunos

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Educação, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 21-29, jan./abr. 2008 Estratégias para motivar os alunos Strategies to motivate students SAUL NEVES DE JESUS* RESUMO – Neste artigo sintetizamos as principais implicações práticas decorrentes de algumas investigações anteriores que desenvolvemos sobre estratégias que os professores podem utilizar no sentido de uma maior motivação dos alunos para a aprendizagem e para apresentarem comportamentos mais adequados na sala de aula. Descritores – Motivação; aprendizagem; disciplina; alunos ABSTRACT – In this paper are pointed out the main practical implications from some previous researches about student motivation to learn and to more appropriate behaviours in the classroom. Key words – Motivation; learning; discipline; students. * Professor Catedrático de Psicologia da Universidade do Algarve; Doutor em Psicologia da Educação; Director do Mestrado em Psicologia da Educação e do Mestrado em Psicologia da Saúde. E-mail: <[email protected]>. Artigo recebido em: agosto/2007. Aprovado em: setembro/2007. Este artigo foi escrito com um objectivo prático de explicitar estratégias concretas que possam ser utilizadas na prática pedagógica, ajudando os professores a en- contrar soluções para as situações de falta de motivação dos seus alunos, as quais são cada vez mais frequentes e com implicações por vezes graves, sobretudo ao nível dos comportamentos de indisciplina na sala de aula. No entanto, convém salientar que as estratégias práticas aqui propostas não surgiram por acaso, sendo o resultado de trabalhos de reflexão teórica e de inves- tigação empírica anteriores, os quais nos permitiram formular um Modelo Integrativo da Motivação Humana (JESUS, 1996a; JESUS e LENS, 2005), com base em diversas teorias cognitivistas da motivação, nomea- damente a Teoria Relacional de Nuttin (1980), a Teoria da Atribuição Causal de Weiner (1985), a Teoria da Auto-Eficácia de Bandura (1977), a Teoria do Locus de Controlo de Rotter (1966) e a Teoria da Motivação Intrínseca de Deci (1975). Neste artigo, distinguimos uma parte que diz respeito à apresentação de estratégias para motivar os alunos para as aprendizagens escolares, de outra que se centra sobre a problemática da indisciplina dos alunos na sala de aula, uma das principais consequências da desmotivação dos alunos, apresentando algumas estratégias que podem ajudar o professor a resolver estas situações. Termina com a apresentação de alguns aspectos de três filmes que ilustram várias das estratégias que explicitamos. Retomamos desta forma a dimensão mais prática de trabalhos anteriores em que procurámos estudar este tema da motivação dos alunos, em particular nos livros “Influência do Professor sobre os Alunos” (JESUS, 1996), “Bem-Estar dos Professores” (JESUS, 1998), “Motivação e formação de professores” (JESUS, 2000) e “Psicologia da Educação” (JESUS, 2004). 1 ESTRATÉGIAS PARA MOTIVAR OS ALUNOS PARA AS APRENDIZAGENS ESCOLARES O professor na sala de aula é um líder, pois procura influenciar os seus alunos para que estes se interessem pelas aulas, estejam atentos, participem, apresentem comportamentos adequados e obtenham bons resultados escolares. Neste contexto, importa analisar que factores podem permitir aos professores influenciar os seus alunos ou, no mesmo sentido, o que é que leva os alunos a dei- xarem-se influenciar pelo professor. Na linha de French e Raven (1967), podemos distinguir quatro grandes factores de influência dos professores sobre os alunos: o reconhecimento do estatuto do professor pelos alunos; o reconhecimento

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Estratégias para motivar os alunos

Strategies to motivate students

SAUL NEVES DE JESUS*

RESUMO – Neste artigo sintetizamos as principais implicações práticas decorrentes de algumasinvestigações anteriores que desenvolvemos sobre estratégias que os professores podem utilizar no sentidode uma maior motivação dos alunos para a aprendizagem e para apresentarem comportamentos maisadequados na sala de aula.Descritores – Motivação; aprendizagem; disciplina; alunos

ABSTRACT – In this paper are pointed out the main practical implications from some previous researchesabout student motivation to learn and to more appropriate behaviours in the classroom.Key words – Motivation; learning; discipline; students.

* Professor Catedrático de Psicologia da Universidade do Algarve; Doutor em Psicologia da Educação; Director do Mestrado em Psicologia da Educaçãoe do Mestrado em Psicologia da Saúde. E-mail: <[email protected]>.Artigo recebido em: agosto/2007. Aprovado em: setembro/2007.

Este artigo foi escrito com um objectivo prático deexplicitar estratégias concretas que possam ser utilizadasna prática pedagógica, ajudando os professores a en-contrar soluções para as situações de falta de motivaçãodos seus alunos, as quais são cada vez mais frequentes ecom implicações por vezes graves, sobretudo ao níveldos comportamentos de indisciplina na sala de aula.

No entanto, convém salientar que as estratégiaspráticas aqui propostas não surgiram por acaso, sendo oresultado de trabalhos de reflexão teórica e de inves-tigação empírica anteriores, os quais nos permitiramformular um Modelo Integrativo da Motivação Humana(JESUS, 1996a; JESUS e LENS, 2005), com base emdiversas teorias cognitivistas da motivação, nomea-damente a Teoria Relacional de Nuttin (1980), a Teoriada Atribuição Causal de Weiner (1985), a Teoria daAuto-Eficácia de Bandura (1977), a Teoria do Locus deControlo de Rotter (1966) e a Teoria da MotivaçãoIntrínseca de Deci (1975).

Neste artigo, distinguimos uma parte que diz respeitoà apresentação de estratégias para motivar os alunos paraas aprendizagens escolares, de outra que se centra sobrea problemática da indisciplina dos alunos na sala de aula,uma das principais consequências da desmotivação dosalunos, apresentando algumas estratégias que podemajudar o professor a resolver estas situações. Termina

com a apresentação de alguns aspectos de três filmes queilustram várias das estratégias que explicitamos.

Retomamos desta forma a dimensão mais prática detrabalhos anteriores em que procurámos estudar estetema da motivação dos alunos, em particular nos livros“Influência do Professor sobre os Alunos” (JESUS,1996), “Bem-Estar dos Professores” (JESUS, 1998),“Motivação e formação de professores” (JESUS, 2000)e “Psicologia da Educação” (JESUS, 2004).

1 ESTRATÉGIAS PARA MOTIVAR OS ALUNOS PARA

AS APRENDIZAGENS ESCOLARES

O professor na sala de aula é um líder, pois procurainfluenciar os seus alunos para que estes se interessempelas aulas, estejam atentos, participem, apresentemcomportamentos adequados e obtenham bons resultadosescolares.

Neste contexto, importa analisar que factores podempermitir aos professores influenciar os seus alunos ou,no mesmo sentido, o que é que leva os alunos a dei-xarem-se influenciar pelo professor.

Na linha de French e Raven (1967), podemosdistinguir quatro grandes factores de influência dosprofessores sobre os alunos: o reconhecimento doestatuto do professor pelos alunos; o reconhecimento

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pelos alunos da capacidade de recompensar ou de punirdo professor, através das avaliações e das estratégias degestão da indisciplina; o reconhecimento pelos alunos dacompetência do professor nos conhecimentos que estelhes pretende ensinar; o reconhecimento de certas qua-lidades pessoais e interpessoais no professor, apreciadaspelos alunos, desenvolvendo-se processos de identi-ficação (JESUS, 1996b).

No passado, os alunos deixavam-se influenciar peloprofessor por aceitarem pacificamente o seu estatuto, poro considerarem competente na área de conhecimentosque devia ensinar e também por lhe reconhecerem poderpara recompensar ou punir através das avaliações e dasestratégias de gestão da indisciplina, não sendo postasem causa as decisões tomadas pelo professor a este nível.Actualmente, devido a múltiplos factores (JESUS, 2002,2003, 2007; LENS e JESUS, 1999), muitos alunos nãose deixam influenciar pelo professor apenas devido aofacto de ser o “senhor doutor” ou “senhor professor” asugerir, desvalorizam a escola como fonte de acesso aosaber ou conhecimento, colocando muitas vezes emdúvida a competência do professor, para além destetambém ter vindo a perder poder no que diz respeito àcapacidade de gestão da aprendizagem e da disciplinados alunos. Inclusivamente, são freqüentemente contes-tadas as suas decisões pelos próprios alunos e pelos paisdestes, para além de todo o trabalho burocrático exigidoao professor nas situações em que pretende reprovaralgum aluno. Assim, dos quatro factores de influênciadistinguidos, aquele que parece ter maior importância naactualidade é a identificação do aluno com o professor.Isto é, o sucesso do professor junto dos alunos passamuito pelo reconhecimento de certas qualidades pessoaise relacionais no primeiro que os últimos apreciam.

A identificação do aluno com o professor passamuito pela satisfação obtida na relação estabelecida. Noentanto, muitas vezes há uma insatisfação recíproca narelação entre os professores e os alunos. Esta conclusãofoi obtida por Gilly (1976) quando investigou as re-presentações recíprocas dos professores e dos alunos, aoverificar que o docente previligia na sua representaçãodos alunos os aspectos cognitivos, enquanto estespreviligiam na sua representação dos professores osaspectos afectivos e relacionais. Neste sentido, parecehaver um “mal-entendido” na relação pedagógica, sendoimportante que os professores se aproximem das ne-cessidades relacionais e de desenvolvimento dos alunos,no sentido de os conseguirem influenciar ou motivar parao alcance dos objectivos da educação escolar no planocognitivo. No passado, os alunos tinham que se adaptaraos métodos dos professores, mas actualmente oprofessor deve procurar ir ao encontro dos interesses eda linguagem dos alunos, sendo flexível (de acordo como provérbio “professor, se eu não aprendo como tu me

ensinas, ensina-me de forma que eu aprenda”) e dando oexemplo (um líder não pode funcionar segundo oprincípio “faz o que eu digo e não o que eu faço”).

Para potencializar a criação de “laços” com os alunose a motivação destes, os professores devem evitar odistanciamento, a “neutralidade afectiva” e o auto-ritarismo, devendo, ao contrário, fomentar uma “relaçãode agrado” (RIBEIRO, 1991), caracterizada pelo diá-logo, pela negociação e pelo respeito mútuo.

Embora os professores tenham perdido poder nosúltimos anos, dificultando a utilização de alguns factoresde influência sobre os alunos que no passado resultavam,continuam a possuir um instrumento fundamental paraconseguirem criar laços de identificação com os alunos,influenciando-os: a linguagem utilizada na relaçãopedagógica, quer verbal, quer não verbal.

Algumas das frases que o professor pode utilizarpara uma “relação de agrado” são as seguintes: “deviasestar orgulhoso dos teus resultados”, em vez de “estouorgulhoso de ti” (no sentido de responsabilizar o alunopelo seu comportamento, indo ao encontro da suanecessidade de auto-determinação); “estás quase lá”, emvez de “está quase tudo errado” ou “não fazes nada dejeito” (no sentido de promover uma percepção deaperfeiçoamento pessoal e o esforço do aluno); “estejamà vontade para perguntar sempre que não compre-enderem alguma explicação ou queiram apresentaralgum comentário relevante”, em vez de “não meinterrompam, se tiverem dúvidas perguntem no fim” (nosentido de promover a participação dos alunos e acompreensão e o acompanhamento das explicações doprofessor); “vez como hoje te estás a portar bem”, emvez de “para brincar estás sempre pronto” ou “tinhas queser tu” (no sentido de evidenciar os comportamentos dedisciplina dos alunos e não apenas os de indisciplina).

Também a aprendizagem e a motivação dos alunosdepende da identificação destes com o professor. Noentanto, verifica-se que muitos alunos apresentaminsucesso funcional, isto é, a sua aprendizagem ou sabernão corresponde ao que seria de esperar dado o nívelde escolaridade, e muitos encontram-se desmotivadosrelativamente às tarefas escolares. Esta situação constituium dos principais problemas para os professores. Numainvestigação conduzida por Lens (1994), verificou-seque a maioria dos professores considera que mais demetade dos seus alunos se encontram desmotivados parao estudo, sentindo que, mesmo que queiram, não con-seguem resolver este problema.

Com base nestes resultados, não obstante deveremser tomadas medidas que permitam restituir o poder aosprofessores, nomeadamente serem definidos objectivosmínimos de aprendizagem necessários para que osalunos possam transitar para o ano lectivo seguinte eserem tidas em conta as notas obtidas desde o início do

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percurso escolar dos alunos para o ingresso no ensinosuperior, tornando-os mais responsáveis e motivadospara aprender logo desde os primeiros anos de es-colaridade, parece fundamental analisar algumas estra-tégias que o professor pode utilizar para se confrontar deforma mais autoconfiante e com sucesso perante assituações de desinteresse dos seus alunos.

Especificamente, existem diversas estratégias queos professores podem utilizar para motivar os seusalunos para as tarefas escolares (ABREU, 1996; CAR-RASCO e BAIGNOL, 1993; JESUS, 1996B; LENS eDECRUYENAERE, 1991):

• manifestar-se entusiasmado pelas actividadesrealizadas com os alunos, constituindo um modeloou exemplo de motivação para eles;

• clarificar, logo no início do ano lectivo, o“porquê?” da seqüência dos conteúdos progra-máticos da disciplina que lecciona, levando osalunos a aperceberem-se da coerência internaentre as matérias a aprender e a adquirirem umaperspectiva global dessas aprendizagens;

• explicitar o “para quê?” das matérias do programada disciplina que lecciona, em termos da sualigação à realidade fora da escola e da sua rele-vância para o futuro dos alunos;

• alargar a perspectiva temporal de futuro dosalunos, levando-os a valorizar certas metas paracujo alcance a escola constitui um meio ouinstrumento, contribuindo para que eles não selimitem a uma atitude imediatista e consumistaface às alternativas facultadas pela sociedadeactual;

• salientar as vantagens que poderão advir para avida futura dos alunos se estudarem, compa-rativamente às desvantagens se não estudarem,embora actualmente haja uma grande incertezaquanto às possibilidades de concretização dosprojectos pessoais;

• procurar saber quais são os interesses dos alunose o nome próprio de cada um deles;

• utilizar recompensas exteriores ao gosto e àcompetência que a realização das próprias tarefaspoderiam proporcionar, indo ao encontro dosinteresses dos alunos, apenas no início do pro-cesso de ensino-aprendizagem e quando os alunosapresentam uma motivação muito baixa;

• deixar os alunos participarem na escolha dasmatérias e tarefas escolares, sempre que possí-vel;

• criar situações em que os alunos tenham um papelactivo na construção do seu próprio saber (deacordo com o provérbio “se ouço esqueço, se vejolembro, se faço aprendo”);

• aproveitar as diferenças individuais na sala deaula, levando os alunos mais motivados, com maisconhecimentos ou que já compreenderam asexplicações do professor a apresentarem os con-teúdos aos outros alunos com mais dificuldades,contribuindo para uma maior compreensão e re-tenção da matéria por parte dos primeiros e para amodelação dos últimos;

• incentivar directamente a participação dos alunosmenos participativos, através de “pequenas” res-ponsabilidades que lhes possam permitir serembem sucedidos;

• fomentar o desenvolvimento pessoal e social dosalunos, através de estratégias de trabalho autó-nomo e de trabalho de grupo;

• utilizar metodologias de ensino diversificadas eque tornem a explicação das matérias mais clara,compreensível e interessante para os alunos;

• estabelecer as relações entre as novas matérias eos conhecimentos anteriores;

• partir de situações ou acontecimentos da actua-lidade ou da realidade circundante para ensinar asmatérias aos alunos;

• utilizar um ritmo de ensino adequado às capa-cidades e conhecimentos anteriores dos alunos,previligiando a qualidade à quantidade de ma-térias expostas;

• criar situações de aprendizagem significativaspara os alunos, contribuindo para uma retençãodas aprendizagens a médio/longo prazo;

• evitar levar os alunos a estudar apenas na pers-pectiva do curto prazo porque vão ser avaliadossobre as matérias em causa;

• diminuir o significado ansiógeno dos testes deavaliação, contribuindo para o potencializar dasqualidades dos alunos, para um maior empenha-mento destes noutras tarefas escolares e umamenor ansiedade face às provas de avaliação;

• proporcionar vários momentos de avaliação for-mativa aos alunos, levando-os a sentirem satis-fação por aquilo que já conseguiram aprender emotivação para aprenderem as matérias seguintes;

• reconhecer o progresso escolar dos alunos, com-parando os seus conhecimentos actuais com osseus conhecimentos anteriores, levando-os a per-cepcionar as melhorias ocorridas e a acreditar napossibilidade de ainda poderem melhorar mais osseus desempenhos se se esforçarem;

• reconhecer e evidenciar tanto quanto possível oesforço e a capacidade dos alunos, não salien-tando sobretudo os erros cometidos por estes;

• ter confiança e optimismo nas capacidades dosalunos para a realização das tarefas escolares,explicitando-o verbalmente;

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• contribuir para que o aluno seja bem sucedido nastarefas escolares, aumentando a sua autocon-fiança, nível de excelência e “brio” na realizaçãoescolar;

• promover a realização de tarefas de um nível dedificuldade intermédio aos alunos, pois as tarefasdemasiado fáceis ou demasiado difíceis não fo-mentam o envolvimento do aluno, nem a per-cepção de competência pessoal na sua realização;

• levar os alunos a atribuir os seus fracassos acausas instáveis (por exemplo, falta de esforço) enão a causas estáveis (por exemplo, falta decapacidade), de forma a que aumentem as ex-pectativas de sucesso e o empenhamento emsituações futuras;

• clarificar crenças inadequadas sobre os resultadosescolares que os alunos possuam e que possamestar a contribuir para um menor esforço ouempenhamento nas actividades de estudo (porexemplo, “o professor não gosta de mim e, logo,não vou conseguir obter boa nota”);

• ajudar os alunos a aproveitarem o esforço dis-pendido nas tarefas de aprendizagem, através dodesenvolvimento de competências de estudo, pois“mais vale estudar pouco e bem do que muito masmal”.

2 ESTRATÉGIAS PARA MOTIVAR OS ALUNOS PARA

A DISCIPLINA NA SALA DE AULA

A indisciplina dos alunos constitui, na actualidade,o principal factor de mal-estar docente para muitosprofessores, de acordo com os resultados obtidos emdiversas investigações (JESUS, 1996a).

Sobretudo nos últimos anos, tem-se verificado umaumento da freqüência e da gravidade das situações deviolência nas escolas e de indisciplina dos alunos na salade aula, nomeadamente das agressões verbais e físicasentre os alunos e destes aos professores e funcionários,fomentando um clima de medo e insegurança entre osalunos, sobretudo mais novos e disciplinados, os pais,receando pelo que possa acontecer aos seus filhos naescola, os professores e os funcionários, pela agressi-vidade que os alunos possam manifestar. Num estudorecentemente realizado em Portugal, a pedido do Minis-tério da Educação (Instituto de Inovação Educacional),sobre “A violência nas escolas” (VALE e COSTA,1998), em que participaram cerca de 5000 alunos dos 8ºe 11º anos de escolaridade, de 142 escolas, foram obtidosresultados que traduzem as proporções que as situaçõesde indisciplina começam a ter no nosso país, nomea-damente verificou-se que 42% dos alunos já ouviraminsultar um professor na escola.

Também numa outra investigação recentementerealizada no nosso país (CURTO, 1998), com alunos do7º ano de escolaridade, verificou-se que a maioria dosalunos inquiridos consideram que as turmas de quefazem parte são “pouco disciplinadas” (46%) ou “indis-ciplinadas” (13.3%), comparativamente aqueles queconsideram as suas turmas “disciplinadas” (34.5%) ou“muito disciplinadas” (3.5%).

Face a estas situações começam a ocorrer mani-festações de saudosismo relativamente às práticas utili-zadas no passado e, entretanto, criticadas e abandonadasem países considerados dos mais desenvolvidos domundo e que constituem modelos de democracia, liber-dade e inovação. Nos EUA é onde estas manifestaçõesocorrem de forma mais radical com a defesa do castigofísico nas escolas por responsáveis políticos, a expulsãoda escola de uma criança de 6 anos por ter beijado naface uma colega, e a oferta, por associações de pro-fessores, de cursos de judô para que os professores sedefendam dos alunos. Também alguns responsáveispolíticos de países da Europa defendem a reintroduçãodo castigo corporal, nomeadamente a Ministra da Edu-cação e do Emprego de Inglaterra. Em Portugal, emboraas situações de indisciplina (ainda) não tenham as pro-porções que se verificam nestes países, já há mani-festações de saudosismo que apontam no mesmo sentido.Nomeadamente, num estudo de opinião, metade dosparticipantes defendem a reintrodução de reguadas pelosprofessores (FERNANDES, 1996). Por seu turno, aConfederação de Pais (CONFAP) considera que deveriahaver mais castigos nas escolas, afirmando que “asestatísticas podem dar a ideia de que está tudo bem, oque não é verdade” (LIMA, 1997, 20), pois em 1996, demais de um milhão de alunos das escolas públicasportuguesas, houve apenas vinte e sete suspensões porperíodos iguais ou superiores a oito dias, quando afrequência de situações de indisciplina graves, nomea-damente a agressão aos professores, é muito superior.

Conforme já tivemos oportunidade de defender numtrabalho anterior (JESUS, 1996b), as estratégias puni-tivas, aparentemente eficazes por provocarem medo nosalunos, apenas apresentam efeitos a curto prazo, sendonecessário aumentar a intensidade e a frequência dapunição para continuar a ter os mesmos efeitos sobre ocomportamento destes. Além disso, o professor funcionacomo modelo agressivo quando deveria fornecer umexemplo de estabilidade e serenidade aos seus alunos.Por seu turno, as suspensões são entendidas por muitosalunos indisciplinados como “uns dias de férias”, nãotendo as implicações correctivas que tinham no passadoao nível do seu comportamento.

Tendo em conta que a realidade actual é comple-tamente diferente e que os problemas devem ser ana-lisados no contexto histórico-social em que ocorrem, não

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nos parece que o retorno às práticas de educação escolarutilizadas no passado possa constituir a via mais ade-quada para resolver os problemas que se colocam aosprofessores na actualidade. Passámos de uma educaçãoescolar caracterizada por um elevado autoritarismo paraum sistema demasiado permissivo, sendo fundamentalencontrar um ponto de equilíbrio.

Especificamente, no que diz respeito à gestão daindisciplina dos alunos, é necessária uma acção con-certada a vários níveis, em particular no plano sociopolí-tico, no plano da organização e gestão das escolas, noplano do trabalho dos professores em equipa e no planoda colaboração entre professores e pais, para além dasestratégias que o professor pode utilizar na sala de aula.

De seguida, apresentamos algumas das estratégiasque os professores podem utilizar para prevenir e gerirsituações de indisciplina dos alunos:

• manter-se sempre calmo, sereno e seguro, nosentido de modelar o comportamento dos alunos;

• ser flexível, desde que coerente e estável, naforma de actuação, podendo alguma surpresa nocomportamento do professor em relação aosalunos permitir uma maior eficácia na influênciasobre estes (por exemplo, o professor podeaproveitar e manifestar humor nalgumas situaçõesinesperadas em vez de ficar perturbado com elas);

• evitar confrontos desnecessários, sendo maistolerante (por vezes, é preferível que o professorfaça que não percebe ou que deixe passar algumassituações menos graves do que tentar controlartodas as situações, pois pode perder a eficácia naactuação quando realmente se justifica intervir);

• nunca se esquecer que também já foi aluno,criança ou adolescente, e que também gostava debrincar;

• evitar categorizar ou rotular os alunos indisci-plinados, pois pode estar a contribuir para a ma-nutenção do comportamento destes (por exemplo,não dizer “tinhas que ser tu”);

• não se distanciar dos alunos indisciplinados,apenas estabelecendo relação com eles quandoapresentam comportamentos de indisciplina, poisnenhum aluno é sempre indisciplinado durantetodos os minutos em que decorrem as aulas;

• tendo em conta que os comportamentos dedisciplina também podem ser aprendidos, enfa-tizar os aspectos positivos do comportamento e daaprendizagem dos alunos, encorajando os seusprogressos e fomentando uma expectativa de auto-confiança (por exemplo, dizer “sei que és capaz”),não estabelecendo interacção apenas quando ocomportamento é incorrecto ou quando há in-sucesso na aprendizagem;

• dialogar com os alunos indisciplinados, procu-rando compreender os motivos que estiveram nabase dos comportamentos identificados e fazendocom que estes alunos também compreendam opapel do professor, mas sobretudo que o professortambém é uma pessoa (também é “de carne eosso”) que deve ser respeitada;

• fazer com que os alunos voltem a acreditar quepodem vir a alcançar resultados escolares posi-tivos;

• orientar a participação dos alunos para as matériasem análise, valorizando e incentivando essa parti-cipação;

• delegar funções de “assistente” no líder informalda turma, para a gestão da indisciplina na sala deaula;

• separar os alunos que perturbam;• repreender os alunos em particular e apenas

quando tal atitude é efectivamente necessária;• identificar os casos de alunos com problemas

familiares (por exemplo, agressividade na famíliaou alimentação deficiente) e tentar contribuir paraa resolução de tais situações;

• nos questionários feitos no início do ano lectivo, atodos os alunos que entram no ensino básico ousecundário, colocar questões sobre violênciaescolar, nomeadamente sobre motivos e formasde resolução que os alunos têm para propôr nosentido de diminuir a ocorrência e gravidadedestas situações;

• estabelecer contratos (gestão de contingências)que identifiquem os comportamentos a corrigirpelos alunos, no sentido de os responsabilizare de os levar a desenvolver uma “disciplinainterior”.

• Aliás, o desenvolvimento da autodisciplina deveser o objectivo de qualquer estratégia para gerira indisciplina dos alunos (ARENDS, 1995;ESTRELA, 1992).

• Os exercícios de simulação são fundamentaispara o desenvolvimento de competências profis-sionais ao nível da formação inicial (ESTEVE eFRANCCHIA, 1986). No entanto, ao nível daformação contínua de professores parece-nos queo desenvolvimento profissional passa sobretudopelo trabalho em equipa, envolvendo a troca deexperiências, num clima de autenticidade, empatiae cooperação.

A existência de regras implica o trabalho em equipapelos professores de uma mesma escola, para troca deexperiências, definição de perspectivas de intervenção eencontrar consensos quanto aos comportamentos quedevem ser considerados de indisciplina. A indisciplina

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integra todos os comportamentos que os alunos apre-sentam na sala de aula que perturbam o trabalho queo professor pretende realizar, podendo uns professoresconsiderar que certos comportamentos constituemindisciplina e outros não (por exemplo, bocejar, mastigarpastilhas elásticas, usar boné, participar sem pedir apalavra ou distrair-se facilmente). É necessário que osprofessores se reunam para encontrar consensos e definirregras claras sobre os comportamentos aceitáveis e osnão aceitáveis, evitando que os alunos possam argu-mentar “mas o professor X deixa fazer”. Estas regrasdevem ser apresentadas pelo Directores de Turma aosalunos logo na primeira aula e explicar-lhes porquê quesão necessárias, podendo também, inclusivamente, serafixadas nas salas de aula.

Tivemos oportunidade de verificar na Escola EB 2+3de Santa Iria em Tomar, em que estava afixado umdocumento, elaborado pelo Conselho Pedagógico, quedefinia as regras de actuação do aluno na sala de aula,sendo distinguido o que ele deve fazer (por exemplo,“entrar/sair ordenadamente”, “ser pontual”, “sentar-secorrectamente” e “aguardar a sua vez de falar”) e oque ele não deve fazer (por exemplo, “trazer pastilhaselásticas”, “levantar-se sem autorização” e “danificar omaterial escolar”).

Também numa outra escola, a Escola C+S Dr. JoãoRocha-Pai de Vagos, havíamos verificado que havia umdocumento afixado nas diversas salas de aula sobre“Aprender a aprender”, no sentido de ajudar os alunosa identificar e a desenvolver competências de métodosde estudo que lhes permitissem aproveitar as suascapacidades e obter melhores resultados escolares. Estametodologia de afixar e distribuir documentos, comindicações que podem ajudar o aluno a orientar o seucomportamento, parece-nos ser um exemplo a seguirpelas diversas escolas.

Na elaboração do regulamento de disciplina internotambém poderiam participar os próprios alunos, bemcomo os funcionários da escola e os encarregados deeducação, tornando o estabelecimento de regras maisparticipado, permitindo aumentar a responsabilizaçãopela sua concretização por todos os intervenientes.Muitos professores, quando os alunos apresentam com-portamentos de indisciplina, por vezes, questionam-ossobre as consequências esperadas (por exemplo, per-guntam ao aluno “o que é que tu merecias?”), ficandosurpreendidos com o nível de exigência que eles apre-sentam relativamente às consequências que deveriamdecorrer do seu próprio comportamento de indisciplina,revelando que os alunos também poderiam ser en-volvidos neste processo de definição de regras dedisciplina.

Esta abertura dos professores ao feedback forne-cido pelos alunos pode ser um factor essencial do

desenvolvimento e da aprendizagem dos professores, nosentido de regularem e aperfeiçoarem as suas própriaspráticas educativas. A investigação conduzida por Curto(1998) permitiu verificar que os alunos consideram queos professores têm muita influência no potencializar desituações de indisciplina. Nomeadamente, a maioriados alunos considera que “a indisciplina depende doprofessor” e que “a simpatia do professor diminui aindisciplina dos alunos”.

No âmbito de um projecto de investigação quecoordenámos (JESUS e XAVIER, 1997) foram obtidosresultados que evidenciam que o diálogo com os alunossobre estratégias para gerir a indisciplina destes últimospode ser factor de desenvolvimento, aprendizagem eaperfeiçoamento profissional. Inclusivamente, começa aser proposta (CARITA e FERNANDES, 1997) que nãosejam apenas os professores a identificar os compor-tamentos indesejáveis dos alunos e a formularem regrasno sentido de evitar a sua ocorrência, mas que tambémsejam os alunos a identificar os comportamentos deprofessores que perturbam o desenrolar de processos deensino e aprendizagem.

Em todo o caso, a adequação das estratégias uti-lizadas pelos professores depende também do nívelde desenvolvimento psicossocial e moral dos alunos(GOMEZ, MIR e SERRATS, 1993; SPRINTHALL eSPRINTHALL, 1993). Por exemplo, enquanto na faseem que a criança frequenta o jardim de infância podeter sentido a utilização da força física, não enquantoagressividade, mas sim para restaurar o controlo dasituação pelo educador, no 1º Ciclo parece ser maisrelevante o uso de reforços materiais, sobretudo posi-tivos, e no 2º e 3º Ciclos pode ser utilizada a força dogrupo social, em termos de aprovação ou desaprovação.A formulação de regras com a participação de todos osintervenientes, no sentido de aumentar a responsabi-lização pela sua concretização, requer que os partici-pantes se encontrem no nível pós-convencional dodesenvolvimento moral, o que ocorre durante o EnsinoSecundário. Assim, a análise da gestão da indisciplinadeve pressupor uma abordagem desenvolvimentista quese traduza na sugestão de estratégias diferenciadas paracada nível de ensino (JESUS e XAVIER, 1998).

As estratégias, atrás apresentadas, são algumas queos professores podem utilizar no sentido de uma maiorfacilidade na gestão da disciplina dos alunos na sala deaula. No entanto, não há receitas universais e cadaprofessor deve procurar aprender a partir da própriaexperiência, sendo coerente consigo próprio. Fundamen-talmente, se o professor quer ser respeitado pelos seusalunos, tem que ele próprio respeitar-se e apreciar as suasqualidades pessoais e profissionais. Assim, uma dasregras que o professor deve ter em conta é tentar analisaro seu próprio comportamento face às situações de

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indisciplina dos alunos e procurar aprender com essasexperiências, no sentido de um maior autoconhecimentoe aperfeiçoamento progressivo.

3 ABORDAGEM DE FILMES QUE ILUSTRAM

ESTRATÉGIAS PARA MOTIVAR OS ALUNOS

Algumas das estratégias para motivar os alunosreferidas anteriormente encontram-se explicitadas emtrês filmes (“Clube dos poetas mortos”, “O professor” e“Mentes perigosas”), que ilustram possíveis formasde estabelecer “laços” ou desenvolver processos deidentificação que possam contribuir para a motivaçãodos alunos.

Tendo em conta que os professores têm poucasoportunidades para serem confrontados com o desem-penho de colegas na sala de aula, os filmes em causapodem constituir bons exemplos a reter, pelo que iriamospassar a destacar alguns dos aspectos que, neste âmbito,nos parecem mais relevantes.

No “Clube dos poetas mortos” é notória a diferençaentre Mr. Keeting e os professores que aparecem noinício do filme. Estes últimos, para além duma atitudeque traduz pouca motivação para ensinar, enfatizam aavaliação dos conhecimentos como a finalidade doprocesso de ensino-aprendizagem, devendo os alunosestudar as matérias porque vão ser avaliados sobre elas.Mr. Keeting apresenta uma postura de grande entusiasmoe gosto pela docência, procurando contribuir para odesenvolvimento pessoal e social dos seus alunos. Este éum dos grandes objectivos da educação escolar naactualidade pelo que, não obstante este filme procurarretratar a realidade educativa dos anos 60 num colégiotradicional dos EUA, a atitude do Mr. Keeting per-manece bastante actual, constituindo um bom exemplopara muitos professores. Especificamente, este professorprocura desenvolver o espírito crítico dos alunos per-guntando-lhes constantemente “porque é que o autor dizisto?”. Inclusivamente, a situação em que se coloca emcima da secretária e convida os alunos a fazerem omesmo tem este objectivo: “Estou em cima da secretáriapara me lembrar que devemos olhar constantemente ascoisas de forma diferente. Não tenham só em mente oque o autor pensa. Pensem no que vocês pensam.Esforçem-se por encontrar a vossa própria voz”. Mas aparte do filme que parece melhor ilustrar o papel que oprofessor pode desempenhar a este nível é a situação emque no início da aula Mr. Keeting solicita a um aluno(Mr. Anderson), cujo comportamento revela algumatimidez e falta de confiança em si próprio, para apre-sentar o poema que todos os alunos deveriam ter feitocomo trabalho de casa e este aluno não o havia realizado.

Habitualmente, o que acontece nestas circunstânciasé o professor passar a um aluno seguinte até encontrar

algum que tenha feito o “TPC” e a partir daí continuar asua aula. Este tipo de alunos são categorizados como“calados”, mas até correspondem a alunos que osprofessores gostam de ter nas suas turmas porque nãosão indisciplinados e até estão com atenção e obtêmpositiva nos testes de avaliação. Só que, embora estesalunos até adquiram alguns conhecimentos curriculares,no plano do seu desenvolvimento pessoal e social poucoacontece, continuando “calados” nos anos lectivos se-guintes. Mr. Keeting revela ter uma sensibilidade par-ticular para esta situação (“Mr. Anderson pensa que tudodentro de si é inútil e embaraçoso. Engana-se, tem algodentro de si com grande valor”), incentivando este alunopara deixar emergir o seu potencial criativo ao levá-lo aser capaz de criar um poema espontaneamente na sala deaula que surpreendeu o próprio aluno e os seus colegas.

Além disso, outra particularidade, nesta situação, éo facto de Mr. Keeting no final ir junto deste alunodizendo-lhe ao ouvido “nunca te esqueças deste mo-mento”. Fundamentalmente, o que todas as pessoasprocuram são experiências de vida positivas. Também osalunos apresentam este objectivo, devendo o professortentar proporcionar-lhes este tipo de vivências, pois estastambém representam experiências gratificantes para ospróprios professores.

O filme “O professor” apresenta a particularidade detraduzir uma situação cada vez mais frequente, aquelaem que o professor inicia esta actividade profissional deforma transitória e com pouca motivação. É o caso deMr. Holland que foi ser professor porque pensava queesta actividade lhe permitia ter mais “tempo livre” paraescrever as suas músicas, conforme refere logo no inícioa um colega professor. A desmotivação de Mr. Holland ébem manifesta na relação distante que mantém com osalunos, estando apenas preocupado em cumprir oprograma e manifestando-se “irritado” quando os alunosapresentam baixos resultados nos testes. Inclusivamente,refere à sua mulher que quando era aluno queria estarnoutro sítio qualquer, mas nunca pensou que os pro-fessores sentissem o mesmo, acrescentando inclusiva-mente o seguinte: “Odei-o ensinar. Ninguém consegueensinar aqueles alunos”. Até que resolve começar a ir aoencontro dos interesses dos alunos, verificando que estese ele próprio gostaram mais desta aula do que dasanteriores. Faz então esta opção por tornar as aulas maisinteressantes para os alunos e para si próprio, cons-tituindo um bom exemplo de uma atitude fundamental atomar por qualquer professor, a de tentar tornar asexperiências ocorridas no âmbito do processo de ensino-aprendizagem tão satisfatórias quanto possível e de asvivenciar com alegria. E parece valer a pena, pois nofinal do filme, quando lhe é feita uma festa surpresa dedespedida, são significativas as palavras de uma ex-alunasua: “Mr. Holland teve uma profunda influência na

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minha vida. Em muitas vidas. Contudo sinto que eleconsidera grande parte da sua vida disperdiçada. Eleestava sempre a trabalhar na sua sinfonia. Ela ia torná-lofamoso, rico. Provavelmente as duas coisas. Mas Mr.Holland não está rico. E não é famoso. Pelo menos forada nossa pequena cidade. Portanto seria natural eleconsiderar-se um falhado. Mas estaria enganado. Porqueeu acho que ele alcançou um êxito muito superior àriqueza e fama. Olhe à sua volta. Não há uma vida nestasala que não tenha influenciado. E cada um de nós é umapessoa melhor graças a si. Nós somos a sua sinfonia Mr.Holland. Nós somos as melodias e as notas da sua obra.Nós somos a música da sua vida”.

Por seu turno, o filme “Mentes perigosas” pretendeilustrar a realidade cada vez mais actual das nossasescolas, com turmas constituídas por alunos desinte-ressados e indisciplinados. Esta situação provoca um“choque com a realidade” da Mrs. Louene, professoraem início de carreira que nunca pensou vir a encontraruma turma com estas características. Face à situaçãogeral de indisciplina dos alunos evidenciada na primeiraaula, esta professora tenta utilizar uma estratégia quehavia lido num livro sobre formas de lidar com aindisciplina, concretamente escrever o nome do alunomais indisciplinado no quadro. No entanto, esta estra-tégia não resultou, ficando Mrs. Louene desesperadacom o facto de não conseguir controlar a situação.Convém salientar que o problema não está nos livros,mas no aproveitamento que deles é feito, pois assugestões apresentadas para a resolução de situações-problema devem ser encaradas como meras hipóteses desolução e não como receitas universais. Isto é, qualquerestratégia para resultar tem que ser integrada no estilopessoal do professor que a vai utilizar e na situação emcausa, tendo em conta os alunos envolvidos.

Nesse sentido, o aproveitamento da experiência e dasqualidades pessoais por cada professor é fundamentalpara gerir situações de indisciplina. No caso de Mrs.Louene ela tenta chamar a atenção dos alunos ou criarlaços de identificação com eles indo ao encontro dos seusinteresses, ao salientar o facto de já ter sido fuzileira e deos alunos também poderem vir a ser bons fuzileiros,sendo a partir daquele momento cada um deles umaspirante. Inclusivamente, refere aos alunos que “a partirdeste momento todos têm 20 valores, só tendo que seesforçar para manter a nota”. Este discurso vai levar estesalunos a entender o sentido da escola de forma com-pletamente diferente, voltando a acreditar na possi-bilidade de obter sucesso escolar e, logo, a apresentarcomportamentos mais adequados para que a aprendi-zagem pudesse ocorrer.

A tentativa de ir ao encontro dos interesses, vi-vências e linguagem dos alunos também é evidente nospoemas que começa por analisar com eles. Esta é uma

estratégia que muitos professores, sobretudo de por-tuguês, poderiam utilizar na actualidade, aproveitando asletras de algumas músicas de que os alunos gostam, emvez de rejeitarem à partida o interesse destas músicas,porque “é só barulho”. Este ir ao encontro dos interessesdos alunos é fundamental para que o professor consigafazer com que os alunos se interessem pelas matérias queefectivamente pretende que eles aprendam. Concreta-mente, Mrs. Louene procura levar os alunos a fazeremessa transferência de interesses através do concurso“Dylan-Dylan”. Os vencedores deste concurso teriamuma recompensa. Este é outro aspecto particularmenterelevante nas estratégias para motivação dos alunosevidenciadas neste filme. Isto é, a utilização de recom-pensas pode resultar numa fase inicial quando os alunosapresentam uma motivação muito baixa para as acti-vidades escolares. No entanto, quando os alunos come-çam a envolver-se nestas actividades, as estratégiasdeverão ser diferentes, incentivando a sua motivaçãointrínseca. Foi o que Mrs. Louene fez, pois numa situa-ção seguinte em que sugeriu aos alunos a realização deuma tarefa escolar, quando um aluno lhe perguntou qualera o prémio por realizarem essa actividade, ela res-pondeu: “aprenderem a ler e compreenderem é oprémio”. Depois fundamenta esta posição utilizando umexemplo e uma linguagem compreensível para os alunos:o cérebro é como um músculo e, tal como eles correrãomelhor e mais depressa se treinarem a corrida, tambémpoderão usar melhor o pensamento se aprenderem asmatérias escolares (“Cada nova ideia constrói um novomúsculo. São esses músculos que vos podem tornarpoderosos. São as vossas armas. E neste mundo insegurotêm que andar armados”). Além disso, acentua o factode os alunos terem que ir à escola e já que assim é devemaproveitar para aprender (“Tentem. De qualquer formajá estão aqui. Se no fim do período não forem maisrápidos, fortes e espertos não perderam nada. Mas se issoacontecer vão ser mais díficeis de derrubar”). É tambémparticularmente interessante a forma como Mrs. Louenecontacta os pais de um aluno suspenso, procurando-ospara evidenciar o potencial e as qualidades positivasdo seu filho, contribuindo para a criação de “laços”afectivos também com as famílias. Assim, também sobrea forma de abordar e chamar as famílias a participar noprocesso de educação e de desenvolvimento dos seusfilhos, pela positiva e em colaboração e sintonia com osprofessores, Mrs. Louene constitui um bom exemplo.

Em conjunto, estes três filmes ilustram que as aulastanto podem ser “chatas” ou “uma perda de tempo”,como interessantes, evidenciando a importância da mo-tivação dos professores para o seu próprio sucesso erealização profissional e também para a motivação dosalunos. No entanto, não há receitas, devendo cada pro-fessor descobrir o seu caminho, tendo em conta as suas

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experiência e qualidades pessoais, “fazendo uso de simesmo como instrumento” (COMBS, BLUME, NEW-MAN e WASS, 1979).

Os professores são diferentes e devem aceitar essadiferença com naturalidade, tentando aproveitá-la na suaprática pedagógica. As diferenças manifestam-se naprópria interpretação dos acontecimentos, quanto maisna forma de actuação. Por exemplo, face à mesmasituação, “um aluno ri na sala de aula”, diferentesprofessores podem apresentar interpretações diferentescomo sejam: “aquele aluno está a gozar comigo, vourepreendê-lo”; “aquele aluno está satisfeito, deve terentendido a explicação que estou a dar”; “alguém deveter-lhe contado alguma coisa engraçada”; “aquele alunori sem razão, deve ter algum problema psicológico”.

Não há um perfil universal de “bom professor”, talcomo não há um perfil de “líder universal”. Por exemplo,o Modelo Situacional de Liderança, de Blanchard,Zigarmi e Zigarmi (1986), considera que o estilo deliderança mais adequado depende do grau de compe-tência e de motivação dos sujeitos que o líder pretendeinfluenciar. Neste sentido, distingue entre quatro estilosde liderança: direcção, orientação, apoio e delegação. Nasala de aula, a adequação e eficácia do estilo a adoptarpelo professor também depende muito dos alunos e,inclusivamente, diferentes alunos preferem diferentesestilos de professor. Numa investigação realizada porVilla (1985), em que distinguiu sete tipos de professor –o didáctico (pela clareza da explicação), o organizado(pela metodologia utilizada), o dominante (pela exi-gência), o fisico (pela aparência), o cordial (pelo humor),o afectivo (pela atenção personalizada) e o entusiasta(pela motivação expressa) – verificou-se que todosos tipos são considerados importantes pelos alunos,consoante o estilo do próprio aluno, o seu nível de ensinoe as situações concretas. Inclusivamente, o mesmo alunopode preferir um estilo de professor num dado momentoe outro estilo noutro momento do mesmo ano lectivo.Por exemplo, os estilos cordial e afectivo podem ser maisvalorizados no início do ano lectivo, enquanto os estilosdidáctico e organizado podem ser preferidos mais nofinal do ano lectivo ou na proximidade de situações deavaliação de conhecimentos.

O que é importante é o professor ter uma perspectivaglobal das hipóteses de trabalho ou estratégias possíveispara poder decidir por aquela que considere mais ade-quada num determinado momento, em sintonia com oseu estilo pessoal e as situações com que se confronta.

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