(Estilhaça-me #4) Restaura-me - lelivrosaqui.com · Irritada, solto o ar em meus pulmões. –...

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TAHEREHMAFI

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Restoreme©2018byTaherehMafiAllrightsreserved.

©2018byUniversodosLivrosTodososdireitosreservadoseprotegidospelaLei9.610de19/02/1998.Nenhumapartedestelivro,semautorizaçãopréviaporescritodaeditora,poderáserreproduzidaoutransmitidasejamquaisforemosmeiosempregados:eletrônicos,mecânicos,fotográficos,gravaçãoouquaisqueroutros.

Diretoreditorial:LuisMatosEditora-chefe:MarciaBatistaAssistenteseditoriais:LetíciaNakamuraeRaquelF.AbranchesTradução:MauricioTamboniPreparação:MilenaMartinsRevisão:GuilhermeSummaeSandraScapinCapa:ColinAndersonFotodecapa:ShareeDavenportAdaptaçãodacapa:AlineMariaArte:AlineMariaeValdineiGomesProjetográfico:AlineMariaColaboração:GuilhermeSumma

DadosInternacionaisdeCatalogaçãonaPublicação(CIP)AngélicaIlacquaCRB-8/7057

M161rMafi,Tahereh

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CDD813.6

Restaura-me/TaherehMafi;traduçãodeMauricioTamboni.––SãoPaulo:UniversodosLivros,2018.352p.(Estilhaça-me;4)ISBN:978-85-503-0299-1987Títulooriginal:Restoreme

1.Ficçãonorte-americanaI.TítuloII.Tamboni,Mauricio

18-0296

UniversodosLivrosEditoraLtda.RuadoBosque,1589–Bloco2–Conj.603/606CEP01136-001–BarraFunda–SãoPaulo/SPTelefone/Fax:(11)3392-3336www.universodoslivros.com.bre-mail:[email protected]:@univdoslivros

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AJodiReamer,quesempreacreditou

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Juliette

Nãoacordomaisgritando.Nãosintonáuseaaoversangue.Nãotremoantesdeapertarogatilhodeumaarma.Nuncamaispedireidesculpasporsobreviver.Eaindaassim…Fico imediatamente assustada com o barulho de uma porta se abrindo

bruscamente. Disfarço um arquejo, dou meia-volta e, por força do hábito,descansoasmãosnopunhodeumasemiautomáticanocoldrepresoàlateraldomeucorpo.–J,temosumsérioproblema.Kenjime encara, olhos estreitados,mãos na cintura, camiseta justa no peito.

EsseéoKenji furioso.OKenjipreocupado.Jásepassaram16diasdesdequetomamos o Setor 45, desde que me coroei comandante suprema doRestabelecimento, e tudo tem permanecido em silêncio. Em um silêncioenervante. Todos os dias, acordo tomada em parte por terror, em parte porsatisfação, ansiosamenteaguardandoosataques inevitáveisdasnações inimigasquedesafiarãominhaautoridadeedeclararãoguerracontranós.Eagorapareceque esse momento finalmente chegou. Então respiro fundo, estalo o pescoço eolhonosolhosdeKenji.–Fale.Eleapertaoslábios.Olhaparaoteto.–Então…Certo…Aprimeiracoisaqueprecisasaberéqueoqueaconteceu

nãofoiculpaminha,entendeu?Eusóestavatentandoajudar.Hesito.Franzoocenho.–Oquê?–Querdizer,eusabiaqueaqueleidiotaeraextremamentedramático,masoque

aconteceuultrapassouoníveldoridículo…–Perdão,mas…oquê?–Afastoamãodaarma;sintomeucorposeacalmar.–

Kenji,doquevocêestáfalando?Nãoédaguerra?–Guerra?O quê?! J, você não está presentado atenção? Seu namorado está

tendoumacessode raivaabsurdoagoraevocêprecisaacalmaraquelebundãoantesqueeumesmofaçaisso.

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Irritada,soltooaremmeuspulmões.–Vocêestáfalandosério?Outravezestabobagem?PeloamordeDeus,Kenji!

–Soltoocoldrepresoemminhascostasejogo-oparatrás,nacama.–Oquefoiquevocêfezdestavez?–Estávendo?–Eleapontaparamim.–Estávendo?Porquevocêseapressa

tantoemjulgar,hein,princesa?Porquepartedopressupostodequefuieuquemfezalgoerrado?Porqueeu?–Cruzaosbraçosnaalturadopeito,baixaavozecontinua:–E,sabe,paradizeraverdade,jáfazalgumtempoquequeroconversarcomvocê,porquetenhoasensaçãodeque,comocomandantesuprema,nãopodedemonstrartratamentopreferencialassim,masclaramente…Derepente,Kenjificaparalisado.Ao ouvir o ranger da porta, arqueia as sobrancelhas; um leve clique e seus

olhossearregalam;umfarfalharabafadoindicandomovimentoe,deumsegundopara o outro, o cano de uma arma é pressionado contra a parte de trás da suacabeça. Kenji me encara. De seus lábios não sai nenhum som enquanto elearticulaapalavrapsicopatarepetidasvezes.Deondeestá,opsicopataemquestãopiscaumolhoparamim,sorrindocomo

senãoestivesse segurandoumaarmacontraa cabeçadeumamigoemcomum.Consigodisfarçararisada.– Continue – Warner ordena, ainda sorrindo. – Por favor, conte o que

exatamenteelafeznaposiçãodelíderparadecepcioná-lo.–Ei…–Kenji ergueosbraçospara fingirqueestá se rendendo.–Eununca

dissequeelamedecepcionouemnada,estábem?Evocêclaramenteexageraemsuasreações…WarnerbateaarmanalateraldacabeçadeKenji.–Idiota.Kenjidámeia-volta.PuxaaarmadamãodeWarner.–Qualéoseuproblema,cara?Penseiqueestivéssemosbem.–Estávamos–Warnerretrucafriamente.–Atévocêencostarnomeucabelo.–Vocêmepediuparacortá-lo.–Eunãofaleinadadisso,não,senhor!Pediparavocêapararaspontas!–Efoiissoquefiz.– Isto aqui –Warner diz, virando-se paramimpara que eu possa avaliar os

danos.–Istonãoéapararaspontas,seuidiotaincompetente…Ficoboquiaberta.Aparte traseiradacabeçadeWarnerestáumabagunçade

fios cortados dos mais diversos tamanhos combinados com outras áreascompletamenteraspadas.Kenjisearrepiaaoolharoprópriotrabalho.Epigarreia.–Bem…– diz, enfiando asmãos nos bolsos. –Assim, tipo…Não importa,

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cara.Belezaéumacoisasubjetiva…Warnerapontaoutraarmaparaele.– Ei! –Kenji grita. –Não vou aceitar esse tipo de relacionamento abusivo,

entendeu?–Vira-separaWarner.–Eunãotopeiparticiparparaterquelidarcomestamerda.Warner lança um olhar fulminante eKenji recua, saindo do quarto antes que

Warnertenhaoutrachancedereagir.Eentão,justamentequandodeixoescaparumsuspirodealívio,Kenjipassaoutravezacabeçapelaportaeprovoca:–Paradizeraverdade,acheiqueocorteficouumagracinha.EWarnerbateaportanacaradele.

Bem-vindoàminhanovavidacomocomandantesupremadoRestabelecimento.

Warner continua olhando para a porta enquanto exala, liberando a tensão deseusombros,econsigoenxergaraindamaisclaramenteabagunçaqueKenjifez.Oscabelos espessos, lindos edouradosdeWarner–um traçomarcantede suabeleza–agorapicotadospormãosdescuidadas.Umdesastre.–Aaron–chamobaixinho.Eleparececabisbaixo.–Venhaaquicomigo.Eledámeia-volta,espiando-medecantodeolho,comosetivessefeitoalguma

coisadequeseenvergonhar.Empurroasarmasqueestãosobreacama,abrindoespaçoparaqueseajeiteaomeulado.Comumsuspiroentristecido,eleafundaocorponocolchão.–Estouhorroroso–resmungabaixinho.Sorrindo,negocomacabeçaetocosuabochecha.–Porquevocêodeixoucortarseucabelo?AgoraWarnerolhaparamimcomolhosredondos,verdeseperplexos.–Vocêmepediuparapassarumtempocomele.Douumarisadaescandalosa.–EsóporissovocêdeixouKenjicortarseucabelo?–Eunãodeixeininguémcortarmeucabelo–insiste,fechandoacara.–Foi…

– hesita. – Foi um gesto de camaradagem. Um ato de confiança que já vi serpraticado entre meus soldados. De todo modo… – Ele vira o rosto antes deprosseguir:–Nãotenhonenhumaexperiênciaemfazeramigosecriaramizades.–Bem…Nóssomosamigos,nãosomos?Minhaspalavrasofazemsorrir.

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–Hein? –Cutuco-o. – Isso é bom, não é?Você está aprendendo a sermaisgentilcomaspessoas.–Sim,bem,eunãoquerosermaisgentilcomaspessoas.Nãocombinacomigo.–Achoquecombinamuitobemcomvocê–retruco,comumsorrisoenormeno

rosto.–Euadoroquandovocêégentil.–Paravocê,éfácilfalar.–Warnerquasedárisada.–Massergentilnãoéalgo

queacontecenaturalmenteparamim,meuamor.Vocêterádeserpacientecomomeuprogresso.Segurosuamão.–Não tenhoamenor ideiadoqueestá falando.Paramim,vocêé totalmente

gentil.Warnernegacomacabeça.–Seiqueprometifazerumesforçoparasermaisbondosocomseusamigos,e

continuareimeesforçandonestesentido,masesperonãotê-lalevadoaacreditarquesoucapazdealgoimpossível.–Oquequerdizercomisso?–Sóestoudizendoqueesperonãodecepcioná-la.Euconsigo,sepressionado,

produzir algum grau de calor humano, mas você precisa saber que não tenhointeresseemtratarninguémdamaneiracomoatrato.Istoaqui–diz,tocandooarentrenós–éumaexceçãoaumaregramuitodura.–Seusolhosagorafocammeuslábios;suasmãostocammeupescoço.–Isto…Istoéalgomuito,muitoincomum.Euparoparoderespirar,defalar,depensar…Warnermalmetocouemeucoraçãojáestáacelerado;lembrançasseapoderam

demim,escaldam-meemsuasondas;opesodeseucorpocontraomeu;osabordesuapele;ocalordeseutoqueesuasarfadasdesesperadasembuscadeareascoisasqueelemefalounoescuro.Souinvadidaporlevedesejoeforço-meaafastarasensação.Issoaindaétãonovo,otoquedele,apeledele,ocheirodele.Tãonovo,tão

novoetãoincrível…Warnersorri, inclinaacabeça; imitoomovimentoe,comumalevelufadade

ar,seuslábiosseentreabremeeuficoparada,meuspulmõesquasesaltandopelaboca,meusdedossegurandosuacamisaeansiandopeloquevemdepoisdissoatéqueelediz:–Sabe,vouterquerasparacabeça.Eseafasta.Pisco,perplexa,eWarneraindanãoestámebeijando.–E,sinceramente, tenhoesperançasdequevocêcontinuemeamandoquando

euvoltar–conclui.

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Eleentãose levantaevaiemboraeeucontoemumadasmãosonúmerodehomens que matei e me impressiono com quão pouca ajuda essas mortes mederamparamanterocontrolenapresençadeWarner.Assintocomacabeçaquandoele sedespedecomumaceno, reúnomeubom

senso de onde o abandonei e caio para trás na cama, a cabeça girando, ascomplicaçõesdeguerraepazdominandoaminhamente.

Não pensei que seria exatamente fácil ser líder,mas acho que acreditei queseriamaisfácilqueisso:Pego-meatormentadapordúvidasatodomomento,dúvidassobreasdecisões

que tomei. Fico furiosamente surpresa toda vez que um soldado segue minhasordens.Estoucadavezmaisaterrorizadacomapossibilidadedequeteremos–dequeeuterei–dematarmuitos,muitosmaisantesqueessemundoseacalme.Masachoqueéosilêncio,maisdoquequalqueroutracoisa,quetemmedeixadoabalada.Jásepassaram16dias.Fiz discursos sobre o que está por vir, sobre nossos planos para o futuro;

fizemoshomenagensàsvidasperdidasnabatalhaeestamosnossaindobememnossas promessas de implementarmudanças. Castle, fiel à sua palavra, já estátrabalhandoduro, tentandoenfrentarosproblemasde agricultura, irrigaçãoe, omaisurgente,buscandoamelhor formade fazera transiçãodoscivispara foradoscomplexos.Noentanto,issoseráfeitoemestágios;seráumaconstruçãolentaecuidadosa–uma lutapeloplaneta,uma lutaquepodedurarumséculo.Achoquetodosentendemosessaparte.Eseeusóprecisassemeconcentrarnoscivis,nãoestaria tãopreocupada.Contudo, fico tensaporqueseimuitobemquenadapode ser feito para consertar esse mundo se passarmos as próximas váriasdécadasemguerra.Mesmoassim,sinto-meprontaparalutar.Nãoéoquequero,masireitranquilaparaaguerraseelafornecessáriapara

promover mudanças. Só queria que fosse simples. Neste exato momento, meumaiorproblematambéméomaisconfuso:Para lutarumaguerraéprecisohaver inimigos, eparecequeeunãoconsigo

encontrarnenhum.Nos 16 dias desde que atirei na testa de Anderson, não enfrentei nenhuma

oposição.Ninguémtentoumeprender.Nenhumcomandantesupremomedesafiou.Dos 544 outros setores existentes só neste continente, nenhum me insultou,declarou guerra ou falou mal de mim. Ninguém protestou; as pessoas nãopromoveramnenhummotim.Poralgummotivo,oRestabelecimentoestájogando

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omeujogo.Fingindojogá-lo.Eissomeirritamuito,demais.Estamosemum impasseestranho,paradosemposiçãoneutraenquantoquero

desesperadamentefazermais.MaispelopovodoSetor45,maispelaAméricadoNorte,mais pelomundo como um todo.Mas esse estranho silêncio nos deixoudesequilibrados. Tínhamos certeza de que, com Anderson morto, os outroscomandantes supremos se levantariam – que enviariam seus exércitos para nosdestruir–paramedestruir.Emvezdisso,oslíderesdomundodeixaramclaraanossa insignificância: estão nos ignorando como ignorariam uma mosca,prendendo-nos debaixo de um copo onde ficamos livres para zumbir quantoquisermos,parabaternossasasasquebradasnasparedessomentepelotempoqueo oxigênio durar. O Setor 45 me deixou livre para fazer o que eu quiser;recebemosautonomiaeautoridadepararevisarnossainfraestruturasemqualquerinterferência. Todos os demais lugares – e todas as demais pessoas – estãofingindo que nada nomundomudou.Nossa revolução aconteceu em um vácuo.Nossavitóriasubsequentefoireduzidaaalgotãopequenoquetalveznemmesmoexista.Jogospsicológicos.Castle sempre dá as caras, traz conselhos. Foi sugestão dele que eu fosse

proativa–quemefortalecesseparacontrolarasituação.Emvezdesimplesmenteesperar ansiosa e na defensiva, eu deveria agir, ele disse. Deveria marcarpresença. Reivindicar meu poder, ele disse. Ocupar um lugar na mesa denegociação.Etentarformaraliançasantesdedarinícioaataques.Mantercontatocomos5outroscomandantessupremosespalhadospelomundo.Afinal, euposso falarpelaAméricadoNorte,mas eo restodomundo?Ea

AméricadoSul?Europa?Ásia?África?Oceania?Promovaumaconferênciaentrelíderesinternacionais,eledisse.Converse.Busqueprimeiroapaz,eledisse.–Elesdevemestarmorrendodecuriosidade–Castlemefalou.–Umamenina

dedezesseteanosassumindoocontroledaAméricadoNorte?UmaadolescentequemataAndersonesedeclaragovernantedestecontinente?SenhoritaFerrars,você precisa saber que possui um enorme poder neste momento! Use-o a seufavor!–Eu?–repliqueiimpressionada.–Quepodertenhoeu?Castlesuspirou.–Certamente,émuitocorajosaparaasuaidade,senhoritaFerrars,massinto

por ver sua juventude tão intrinsicamente ligada à inexperiência. Vou tentar

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colocar de maneira clara: você tem uma força sobre-humana, uma pele quaseinvencível,umtoqueletal,sódezesseteanose,sozinha,derrubouodéspotadestanação.Eaindaassimduvidaquepodesercapazdeintimidaromundo?Suaspalavrasmefizeramestremecer.–Velhoshábitos,Castle–respondibaixinho.–Hábitosruins.Vocêestácerto,

obviamente.Éclaroqueestácerto.Elemeolhoudiretamentenosolhos.–Precisa entenderqueo silêncio coletivo eunânimede seus inimigosnãoé

nenhuma coincidência. Eles certamente estão em contato uns com os outros,certamenteconcordaramemadotaressaabordagem.Porqueestãoesperandoparaveroquevocêfaráaseguir.–Castlebalançouacabeça.–Estãoaguardandoseupróximomovimento,senhoritaFerrars.Eimploroquefaçaumbommovimento.Então,estouaprendendo.Fizoqueelesugeriue3diasatrásenvieiumanotaporDelalieuefizcontato

comos5outros comandantes supremosdoRestabelecimento.Convidei-osparaumencontroaqui,noSetor45,emumaconferênciade líderes internacionaisnopróximomês.Exatamente15minutosantesdeKenjientraremmeuquarto,euhaviarecebido

aprimeiraresposta.AOceaniaconcordou.

Masnãoseidireitooqueissosignifica.

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Warner

Ultimamente,nãotenhosidoeumesmo.Averdadeéquenãosoueumesmoháoquepareceserumbomtempo,tanto

que comecei a me perguntar se eu, em algum momento, soube quem fui. Sempiscar, encarooespelhoenquantoo chiadodamáquinade raspar cabelos ecoapelocômodo.Meu rosto sóestá levemente refletidonaminhadireção,maséobastante para eu perceber que perdi peso. Minhas bochechas estão afundadas;meus olhos,maiores; asmaçãs do rosto,mais pronunciadas.Meusmovimentossão ao mesmo tempo lúgubres e mecânicos enquanto raspo meus próprioscabelos,enquantooquerestavademinhavaidadecaiaosmeuspés.Meupaiestámorto.Fechoosolhos,preparando-meparaodesagradávelpesonopeito,amáquina

aindachiandoemmeupunhofechado.Meupaiestámorto.Jásepassarampoucomaisdeduassemanasdesdequeelefoiassassinadocom

doistirosnatestaporalguémqueeuamo.Elaestavamefazendoumagentilezaaomatá-lo.Foimaiscorajosaqueeufuidurantetodaavida,apertouumgatilhoqueeununcaconseguiapertar.Eleeraummonstro.Mereciaalgoaindapior.Eaindaassim…Essador.Respirocomdificuldadeeforçomeusolhosaseabrirem,gratopelaprimeira

vez por estar sozinho; grato, de algumamaneira, pela oportunidade de extirparalgumacoisa,qualquercoisa,quesejapartedaminhapele.Existeumaestranhacatarsenoqueestoufazendo.Minhamãeestámorta,penso,enquantodeslizoalâminapormeucrânio.Meu

paiestámorto,penso,enquantoosfioscaemnochão.Tudooquefui,tudooquefiz,tudooquesoufoiforjadopelasaçõeseinaçõesdeles.Quemsoueu,indago,naausênciadosdois?Cabeçaraspada,máquinadesligada,passoamãopelolimitedaminhavaidade

e inclino o corpo, ainda tentandovislumbrar o homemqueme tornei. Sinto-mevelhoeinstável,coraçãoementeemguerra.Asúltimaspalavrasquedisseameupai…

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–Oi.Meucoraçãoaceleraedoumeia-volta;imediatamentefinjoindiferença.– Oi – respondo, forçando minhas mãos a se acalmarem, a permanecerem

estáveisenquantoespanoosfiosdecabelocaídosemmeusombros.Elameobservacomolhosenormes,lindosepreocupados.Lembro-medesorrir.–Comofiquei?Esperoquenãoestejahorríveldemais.–Aaron–falabaixinho.–Estátudobemcomvocê?–Tudocerto–respondo,eolhooutravezparaoespelho.Passoamãopelos

míseroscentímetrosdefiosmacioseespetadosquemerestaramepensoemcomoocortemeconferiuumaaparênciamaisdurona,alémdefria,doqueantes.–Masconfessoque, sinceramente, nãome reconheço– acrescento, tentando rir.Estouparadonomeiodobanheiro,usandoapenasumacuecaboxer.Meucorponuncaesteve tãomagro, a linhamarcadadosmúsculosnunca foram tãodefinidas; e aaparência terrível domeu físico agora está combinando como corte de cabelogrosseiro de umamaneira que parece quase bárbara, tão diferente demim queprecisodesviaroolhar.Julietteagoraestábemdiantedemim.Suasmãosdescansamemmeusquadrisemepuxamparaafrente;tropeçoum

poucoparaacompanhá-la.– O que está fazendo? – começo a falar, mas quando nossos olhos se

encontram, deparo-me comdoçura e preocupação.Alguma coisa derrete dentrodemim.Meusombrosrelaxameeuapuxoparaperto,respirandofundodurantemeusmovimentos.–Quandovamosfalarsobreesseassunto?–eladiz,encostadaemmeupeito.–

Sobretudo?Tudooqueaconteceu…Estremeço.–Aaron.–Euestoubem–mintoparaela.–Ésócabelo.–Vocêsabequenãoédissoqueestoufalando.Desviooolhar.Fitoovazio.Ficamosemsilêncio,osdois,poruminstante.ÉJuliettequem,finalmente,rompeessesilêncio.–Vocêestábravocomigo?–sussurra.–Poratirarnele?Meucorpoficaparalisado.Osolhosdela,arregalados.–Não…não – respondo,pronunciandoaspalavras rápidodemais,mascom

sinceridade.–Não,éclaroquenão.Nãosetratadisso.Juliettesuspira.–Nãoseisevocêsabe,masénormalficardelutopelaperdadopai,mesmo

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queeletenhasidoumapessoaterrível.Sabe?–Elaolhanosmeusolhos.–Vocênãoéumrobô.Enguloonóseformandoemminhagargantae,comdelicadeza,desvencilho-me

deseusbraços.Beijoabochechadelaeficoaliparado,contrasuapele,sóporumsegundo.–Precisotomarbanho.Ela parece inconsolável e confusa,masnão sei o quemais fazer.Adoro sua

companhia,verdadesejadita,masagoramesintodesesperadoporummomentodesolidãoenãoseidequeoutraformaconsegui-lo.Então, tomo uma chuveirada. Tomo banhos de banheira. Faço longas

caminhadas.

Façomuitoisso.

Quandofinalmentevouparaacama,elajáestádormindo.Quero estender amão em sua direção, puxar seu corpomacio e quente para

pertodomeu,masestouparalisado.Essesofrimentohorrívelfazqueeumesintacúmplice na escuridão. Tenho medo de que a minha tristeza seja interpretadacomoumavaldasescolhasdele–da suaprópriaexistência–e,quantoaesseassunto,nãoquerosermalinterpretado,entãonãopossoadmitirquesintodorporele,quemeimportocomaperdadessehomemtãomonstruosoquemecriou.E,naausênciadeumaaçãosaudável,continuo inerte,umapedrasenciente, resultantedamortedemeupai.Vocêestábravocomigo?Poratirarnele?Euoodiava.Euoodiavacomumaintensidadeviolentaquenuncamaisvolteiasentir.Mas

ofogodoverdadeiroódio,percebo,nãopodeexistirsemooxigêniodaafeição.Eunãosentiriatantadoroutantoódiosenãomeimportasse.E isso, minha afeição indesejada por meu pai, sempre foi minha maior

fraqueza.Entãoficodeitadoaqui,cozinhandoemfogolentoumadorsobreaqualnuncapossofalar,enquantooarrependimentocorróimeucoração.Souórfão.–Aaron?–elasussurra,esouarrastadodevoltaparaopresente.–Sim,meuamor?Juliette semovimenta sonolenta, ajeita-se de lado e cutucameubraço coma

cabeça. Não consigo conter o sorriso enquanto acomodo o corpo para abrirespaço para ela se aconchegar emmim. Juliette rapidamente preenche o vazio,encostando o rosto em meu pescoço e envolvendo o braço em minha cintura.

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Meusolhossefechamcomoseemoração.Meucoraçãovoltaabater.–Sintosuafalta–eladizemumsussurroquequasenãoconsigocaptar.–Estoubemaqui–respondo,tocandocomcarinhosuabochecha.–Estoubem

aqui,meuamor.Maselafazquenãocomacabeça.Mesmoenquantoapuxomaisparapertode

mim,mesmoenquantovoltaadormir,elafazquenão.

Eeumeperguntosenãoestáerrada.

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Juliette

Estoutomandocafédamanhãdesacompanhada–sozinha,masnãosolitária..Osalãodocaféestárepletoderostosfamiliares,todosnósbotandoopapoem

dia a respeito de alguma coisa: sono, trabalho, conversas não concluídas. Osníveis de energia aqui sempre dependem da quantidade de cafeína queconsumimose,nessemomento,tudoaindaestábemsilencioso.Voltominha atenção paraBrendan, que está bebericando domesmo copo de

caféamanhãtoda,eeleacenaparamim.Acenodevolta.Éoúnicoentrenósquerealmentenãoprecisadecafeína.Seudomdecriareletricidadetambémfuncionacomo um gerador reserva para todo o seu corpo. Ele é a exuberânciapersonificada.Aliás,seuscabelostotalmentebrancoseolhosazuisdacordogeloparecem emanar uma energia própria, mesmo estando do outro lado da sala.Começo a pensar que, com o copo de café, Brendan está tentando manter asaparências em grande parte por solidariedade a Winston, que parece nãoconseguirsobreviversemabebida.Osdoissetornaraminseparáveisultimamente–emboraWinstonàsvezesseressintadavivacidadenaturaldeBrendan.Elesjápassarampormuitacoisajuntos.Todospassamos.Brendan e Winston estão sentados com Alia, que mantém seu caderno de

desenho aberto ao lado, sem dúvida esboçando alguma ideia nova eimpressionante para nos ajudar na batalha. Estou cansada demais para sair dolugar, senãome levantariaparameuniraogrupo.Então,emvezdisso,apoiooqueixoemumadasmãoseestudoorostodecadaumdemeusamigos,sentindogratidão.Porém,ascicatrizesnorostodeBrendanenodeWinstonmelevamdevoltaaummomentoqueeuprefeririaesquecer–devoltaaummomentoemquepensamos tê-los perdido. Quando perdemos outros dois. E de repente meuspensamentos são pesados demais para o café damanhã. Então desvio o olhar.Tamboriloosdedosnamesa.EraparaeuencontrarKenjinocafédamanhã–éassimquecomeçamosnossos

diasdetrabalho–,eesseéoúnicomotivopeloqualaindanãopegueimeupratodecomida.Infelizmente,seuatrasojácomeçaafazermeuestômagoroncar.Todosnasalajáestãoatacandosuaspilhasdepanquecasmaciasque,porsinal,parecemdeliciosas. Tudo é tentador: os pequenos frascos de maple syrup, os montes

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perfumados de batatas, as tigelinhas de frutas frescas. No mínimo, matarAnderson e assumir o Setor 45 nos trouxe opções muito melhores de café damanhã.Masachoquetalvezsejamososúnicosqueapreciamessamelhoria.Warnernuncatomaseucaféconosco.Basicamente,elenuncaparadetrabalhar,

nemmesmopara comer.O café damanhã é sómais uma reunião para ele, e otomahabitualmentecomDelalieu,osdoissozinhos,emesmoassimnãoseiseelecome alguma coisa.Warner parece nunca sentir prazer com os alimentos. Paraele,comidaécombustível–necessáriae,namaiorpartedotempo,umestorvo–,algo de que seu corpo precisa para funcionar. Certa vez, quando estavaintensamenteenvolvidoemumtrabalhoburocráticoduranteojantar,coloqueiumbiscoito emumprato à sua frente, sóparaveroque acontecia.Eleolhouparamim,olhououtravezparaseuspapéis,sussurrouumdiscreto“obrigado”ecomeuo biscoito comgarfo e faca. Sequer pareceu desfrutar do sabor.Desnecessáriodizer que isso o tornao exato oposto deKenji, que amadevorar tudoo tempotodo e que depois me confessou ter sentido vontade de chorar ao verWarnercomendoobiscoito.PorfalaremKenji,ofatodeele ter furadocomigohojedemanhãébastante

estranho, então começo a me preocupar. Estou prestes a olhar o relógio pelaterceiravezquando,derepente,Adamsurgeaoladodaminhamesa,parecendodesconfortável.–Oi–cumprimento-oumpoucoaltodemais.–Está…tudobem?Adameeu interagimosalgumasvezesnasúltimasduassemanas,massempre

poracaso.Claroqueéincomumvê-loparadodepropósitonaminhafrente,então,porummomento,ficotãosurpresaquequasenãopercebooóbvio.Suaaparênciaestápéssima.Desleixado.Abatido.Visivelmenteexausto.Aliás,senãooconhecesse,juraria

queandouchorando.Nãopelofimdonossorelacionamento,espero.Mesmo assim, antigos impulsos me atormentam, mexendo com sentimentos

profundos.Falamosaomesmotempo:–Vocêestábem…?–pergunto.–Castlequerfalarcomvocê–elediz.– Castle mandou você vir me procurar? – indago, deixando de lado os

sentimentos.Adamdádeombros.–Imaginoqueeutenhapassadopelasaladelebemnahoracerta.– Ah, entendi – tento sorrir. Castle está sempre tentando melhorar minha

relaçãocomAdam;elenãogostadetensão.–Elefalousequermeveragora?–É.–Adamenfiaasmãosnosbolsos.–Agorinhamesmo.

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–Tudobem–respondo,easituaçãotodaparecedesconcertante.Adamficaaliparado enquanto reúno minhas coisas, e quero dizer-lhe para ir embora, paraparardemeencarar,queissoéestranho,queterminamosháumaeternidadeequefoiestranhoequevocêdeixouasituação tãoestranha,masentãoperceboqueelenãoestámeencarando.Estáolhandoparaochão,comoseestivessepresoouperdidoemalgumlugardasuaprópriacabeça.–Ei…Vocêestábem?–perguntooutravez,agoracommaisdelicadeza.Espantado,eleergueoolhar.–Oquê?–gagueja.–Oque,é…ah…eu,sim,estoubem.Ei,vocêsabe,é…–

Elelimpaagarganta,olhaemvolta.–Você,é…hum…–Euoquê?Adamficairrequieto,percorrendooutravezasalacomoolhar.–Warnernuncaapareceaquinocafédamanhã,né?Minhassobrancelhassearqueiamatéinvadirematesta.–VocêestáprocurandoporWarner?– O quê? Não. Eu só… só fiquei curioso. Ele nunca está aqui. Sabe? É

esquisito.Encaro-o.Elenãodiznada.– Não é tão esquisito assim – respondo lentamente, estudando seu rosto. –

Warnernãotemtempoparatomarcafécomagente.Estásempretrabalhando.–Ah!–exclamaAdam,eapalavraparecedeixá-losemar.–Quepena.–É?–Franzoatesta.Mas Adam parece não me ouvir. Ele chama James, que está devolvendo a

bandeja do café da manhã. Os dois se encontram no meio da sala e depoisdesaparecem.Nãotenhoideiadoquefazemodiatodo.Nuncaperguntei.

OmistériodaausênciadeKenjiésolucionadoassimquepassopelaportadeCastle:osdoisestãoali,pensandojuntos.Batoàportaemumgestodepuraeducação.–Olá–cumprimento-os.–Queriammever?– Sim, sim, senhorita Ferrars – responde um Castle ansioso. Levanta-se e

gesticula,convidando-meparaentrar.–Sente-se,porfavor.E,porgentileza…–Apontaparaalgoatrásdemim.–Fecheaporta.Nomesmoinstante,ficonervosa.DouumpassocomcuidadoparadentrodoescritórioimprovisadodeCastlee

observoKenji,cujorostoapáticonãoajudaaaliviarmeusmedos.

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–Oqueestáacontecendo?–pergunto.Emseguida,faloapenasparaKenji:–Porquenãofoitomarcafédamanhã?Castlegesticulaparaqueeumesente.Façojustamenteisso.–SenhoritaFerrars–falacomurgência.–RecebeuasnotíciasdaOceania?–Perdão?–Aresposta.Recebeusuaprimeiraresposta,nãorecebeu?– Sim, recebi – confirmo lentamente. – Mas ninguém deveria saber sobre

isso…EuplanejavacontaraKenjiduranteocafédamanhãdehoje.– Bobagem – Castle me interrompe. – Todo mundo sabe. O senhorWarner

certamentesabe.AssimcomooTenenteDelalieu.–Oquê?–OlhoparaKenji,quedádeombros.–Comoissoépossível?–Não fique assim tão emchoque, senhoritaFerrars.Obviamente, toda a sua

correspondênciaémonitorada.Meusolhossearregalam.–Comoéqueé?Castlefazumgestofrustradocomamão.–Tempoéessencial,então,sepuder,eupreferiria…–Tempoéessencialparaquê?–questiono,irritada.–Comopossoajudarse

nemseidoqueestãofalando?Castleapertaapontedonariz.–Kenji–falaabruptamente–,podenosdeixarasós,porfavor?–Claro.–Kenji fica rapidamenteempéesimulaumasaudaçãodedeboche.

Vaiandandoacaminhodaporta.–Espere–peço,agarrandoseubraço.–Oqueestáacontecendo?–Nãotenhoideia,filha.–Eleriesoltaobraço.–Essaconversanãomediz

respeito.Castlemechamouaquimaiscedoparaconversarsobrevacas.–Vacas?– Sim, você sabe…–Arqueia a sobrancelha. –Gado. Ele vemme pedindo

para fazer o reconhecimento de várias centenas de acres de fazendas que oRestabelecimentotemmantidoescondidas.Muitasemuitasvacas.–Queempolgante.–Naverdade, é sim.–Seusolhos se iluminam.–Ometano facilitamuitoo

trabalhoderastreamento.Oquenoslevaaquestionarporquenãofizeramnadapraevitar…–Metano?–indago,confusa.–Issonãoéumgás?–Perceboquevocênãosabemuitosobreestrumedevaca.Ignoroocomentáriodele.Emvezdisso,digo:–Então, foi por isso que você não foi tomar café hoje cedo?Porque estava

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analisandococôdevaca?–Basicamenteisso.–Bem,pelomenosissoexplicaocheiro.Kenji demora um instante para entender meu gracejo, mas, quando o faz,

estreitaosolhos.Encostaumdedoemminhatesta.–Vocêvaidiretoparaoinferno,sabia?Abroumsorrisoenorme.–Agentesevêmaistarde?Aindaquerofazeraquelanossacaminhadamatinal.Elebufa,semsecomprometer.–Qualé?–digo.–Dessavezvaiserdivertido.Garanto.–Ah, sim, superdivertido. –Kenji revira os olhos enquanto dámeia-volta e

lançamaisumasaudaçãoparaCastle.–Atémaistarde,senhor.Castleassenteparasedespedir,mantendoumsorrisoradiantenorosto.Kenjilevaumminutoparafinalmentepassarpelaportaefechá-la,mas,nesse

minuto,orostodeCastlesetransforma.Osorrisotranquiloeosolhosanimadosdesaparecem.Agoraqueeleeeuestamostotalmentesozinhos,pareceumpoucoabatido,umpoucomaissério.Talvezaté…commedo?Evaidiretoaoponto.–Quando a resposta chegou, o que dizia? Percebeu algo fora de comum na

mensagem?–Não.–Franzoatesta.–Nãosei.Setodasasminhascorrespondênciasestão

sendomonitoradas,vocêjánãoteriaarespostaparaessapergunta?–Éclaroquenão.Nãosoueuquemmonitorasuascorrespondências.–Quemfazisso,então?Warner?Castleapenasolhaparamim.–SenhoritaFerrars,háalgoextremamente incomumnessacorrespondência.–

Hesita.–Especialmentesendosuaprimeirae,atéagora,únicaresposta.–Certo–falo,confusa.–Oquetemdeincomumnela?Castleolhaparaasprópriasmãos.Paraaparede.–QuantosabesobreaOceania?–Muitopouco.–Poucoquanto?Doudeombros.–Consigoapontarnomapa.–Masnuncaestevelá?–Estáfalandosério?–Lançoumolharincréduloparaele.–Éóbvioquenão.

Nunca estive em lugar nenhum, lembra? Meus pais me tiraram da escola.Entregaram-meaosistema.Nofim,mejogaramemumhospício.Castlerespirafundo.Fechaosolhosaodizercomtodoocuidadodomundo:

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–NãohaviamesmonadaforadocomumnamensagemdocomandantesupremodaOceania?–Não–respondo.–Achoquenão.–Vocêachaquenão?–Talvezfosseumpoucoinformal?Masnãomepareceu…–Informalcomo?Desviooolharparatentarlembrar.–Amensagemerarealmentecurta–conto.–Diziamalpossoesperarparavê-

la,semassinaturanemnada.–Malpossoesperarparavê-la?–Derepente,Castleparececonfuso.Façoumgestodeconfirmação.–Nãoeramalpossoesperarparaencontrá-la,masparavê-la?–questiona.Confirmooutravez.–Como disse, um pouco informal.Mas pelomenos era educado.O queme

pareceuumsinalmuitopositivo,considerandotudo.Castlesuspirapesadamenteenquantogiranacadeira.Agoraestáencarandoa

parede,dedos reunidos soboqueixo.Estouestudandoosângulospronunciadosdeseuperfilquandoelefalabaixinho:– Senhorita Ferrars, o que exatamente o senhor Warner lhe contou sobre o

Restabelecimento?

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Warner

Estousentadosozinhonasaladeconferências,passandoamãodistraidamentepormeunovocortedecabelo,quandoDelalieuchega.Trazumcarrinhodecaféeo sorriso tépido e trêmulo no qual aprendi a me apoiar. Nos últimos tempos,nossosdiasde trabalho têmsidomaiscorridosdoquenunca.Porsorte, jamaisusamosnossotempojuntosparadiscutirosdetalhesdesconcertantesdoseventosrecentes,eduvidoqueemalgummomentopassaremosafazê-lo.Sintoumaespéciedegratidãoporascoisassemanteremassim.Aqui,comDelalieu, tenhoumespaçoseguroondeposso fingirqueascoisas

mudarammuitopouconaminhavida.Continuo sendo o comandante-chefe e regente dos soldados do Setor 45; e

continua sendominhaobrigaçãoorganizar e liderar aquelesquenos ajudarão aenfrentar o resto do Restabelecimento. E, com esse papel, também vem aresponsabilidade. Temos muitas coisas a reestruturar enquanto coordenamosnossos próximos passos; Delalieu tem se mostrado fundamental para essesesforços.–Bomdia,senhor.Faço um gesto para cumprimentá-lo enquanto serve uma xícara de café para

cada um de nós.Um tenente na posição dele não precisaria servir seu própriocafédamanhã,masnósdoispreferimosaprivacidade.Tomoumgoledolíquidopreto–recentemente,aprendiadesfrutardeseutoque

amargo–esoltoocorponacadeira.–Algumainformaçãonova?Delalieupigarreia.– Sim, senhor – confirma, apoiando apressadamente a xícara no pires e

derrubando um pouco de café com o movimento. – Esta manhã recebemosalgumasinformações,senhor.Inclinoacabeçanadireçãodele.–A construção da nova estação de comando está correndo bem. Esperamos

concluirtodososdetalhesnaspróximasduassemanas,masosaposentosprivadosjámudarãoamanhã.

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–Ótimo.–Nossanovaequipe,supervisionadaporJuliette,agoraécompostapormuitaspessoas,cominúmerosdepartamentosparaadministrare–àexceçãode Castle, que criou um pequeno escritório para si no andar superior – até omomento todos estão usandominhas instalações pessoais de treinamento comoquartel-general central.Embora, a princípio, essa tenha parecido ser uma ideiaprática,sóépossívelteracessoàsminhasinstalaçõesdetreinamentodepoisdepassarpormeusaposentospessoais.Agoraqueogrupoviveandandolivrementepelabase,comfrequênciaentramesaemdosmeusaposentossemsequerseremanunciados.Éevidentequeessasituaçãoestámedeixandolouco.–Oquemais?Delalieubateoolhoemsualistaeresponde:–Finalmenteconseguimosprotegerosarquivosdoseupai,senhor.Demoramos

todoessetempoparalocalizarereaveroslotesdedocumentos,masdeixamosascaixasnoseuquarto,senhor,paraquepossaabri-lasquandoquiser.Penseique…– Ele pigarreia. – Pensei que talvez quisesse ver as últimas propriedadespessoaisdeleantesquesejamherdadaspornossanovacomandantesuprema.Umterrorpesadoegeladoseespalhapormeucorpo.– Receio que sejam muitos documentos – Delalieu prossegue. – Todos os

registros diários dele, todos os relatórios por ele produzidos. Conseguimosencontraratémesmoalgunsdiáriospessoais.–Delalieuhesita.Eentão,emumtomque só eu seria capazde decifrar, conclui: –Esperoque as notas dele lhesejamúteisdealgumaforma.ErgoorostoeolhonosolhosdeDelalieu.Percebotensãoali.Preocupação.–Obrigado–agradeçobaixinho.–Eutinhaquasemeesquecido.Umsilênciodesconfortávelseinstalae,poruminstante,nenhumdenóssabeo

que dizer.Ainda não discutimos esse assunto, amorte demeu pai.Amorte dogenro de Delalieu. Domarido horrível da sua finada filha, minha mãe. Nuncaconversamos sobreo fatodeDelalieu sermeu avô.De ele ter passado a ser aúnicafigurapaternaquemerestounestemundo.Nãoéissooquefazemos.Porisso,écomumavozhesitanteenadanaturalqueeletentadarcontinuidade

àconversa.– A Oceania, como você certamente ouviu falar, senhor, afirmou que

participaria de um encontro organizado por nossa nova senhora, nossa SenhoraSuprema…Assinto.–Masosoutrosnãovãoresponderantesdeconversaremcomosenhor–diz,

aspalavrasagorasaindoapressadas.

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Aoouvirisso,meusolhosficamperceptivelmentearregalados.– Eles são… –Delalieu pigarreia outra vez. – Bem, senhor, como o senhor

sabe,sãotodosamigosdafamíliaeeles…bem,eles…–Sim–sussurro.–Claro.Desvio o olhar, encaro a parede. De repente, a frustração parece fazermeu

maxilartravar.Nofundo,eujáesperavaqueissofosseacontecer.Mas,depoisdeduassemanasdesilêncio,realmentecomeceiateresperançadequecontinuassemse fingindo de mortos. Não recebemos nenhuma comunicação desses antigosamigos de meu pai, nenhuma oferta de condolências, nenhuma rosa branca,nenhumtipodecompaixão.Nenhumacorrespondência,comocostumávamosfazerdiariamente, por parte das famílias que conheci quando criança, famíliasresponsáveis pelo inferno em que vivemos agora. Pensei que, felizmente, comtodoprazer,tivessesidoexcluídodessegrupo.Masparecequenão.Parecequetraiçãonãoéumcrimegraveosuficienteparaalguémserdeixado

em paz. Parece que as várias missivas diárias de meu pai expondo minha“obsessãogrotescaporumexperimento”nãoforamsuficientesparameexcluirdogrupo.Eleadorava reclamaremvozalta,meupai, adoravadividir seusmuitosdesgostosedesaprovaçõescomseusvelhosamigos,asúnicaspessoasvivasqueo conheciampessoalmente.E todos os diasme humilhava bemdiante daquelesque conhecíamos. Fazia meu mundo, meus pensamentos e meus sentimentosparecerempequenos.Patético.Etodososdiaseucontavaascartasseempilhandoemminhacaixadecorreio,ladainhasenormesdeseusvelhosamigosimplorandoparaqueeuusassearazão,conformeelesdefiniam.Paraqueeumelembrassedequem realmente era. Para deixar de constrangerminha família. Para ouvirmeupai.Paracrescer,serhomemeparardechorarporminhamãedoente.Não,esseslaçossãoprofundosdemais.Fechoosolhosbemapertadoparaafastarasequênciaderostos,lembrançasda

minhainfância,enquantopeço:–Digaaelesqueentrareiemcontato.–Nãoseránecessário,senhor–Delalieuafirma.–Perdão?–OsfilhosdeIbrahimjáestãoacaminho.Acontecemuitorápido:umaparalisiarepentinaebrevedosmeusmembros.–Oquequerdizercomisso?–pergunto,jáquasenolimite,prestesaperdera

calma.–Acaminhodeonde?Daqui?Delalieuconfirmacomumgesto.Uma onda de calor se espalha tão rapidamente por meu corpo que sequer

perceboqueestoudepéantesdeterqueescorarasmãosnamesaembuscade

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apoio.–Comoseatrevem?–prossigo,dealgumaformaaindaconseguindomemanter

nolimitedacompostura.–Ocompletodesprezodeles…Essamaniainsuportáveldeacharemquetêmodireitodefazerqualquercoisa…–Sim,senhor.Euentendo,senhor–Delalieuafirma,agoratambémparecendo

aterrorizado.–Ésóque…comosabe…éojeitodeagirdasfamíliassupremas,senhor.Uma tradição que vem de longa data.Uma recusa deminha parte teriasidointerpretadacomoumatodeclaradodehostilidade…EaSenhoraSupremameinstruiuaserdiplomáticoenquantoforpossível,entãopenseique…Eu…Eupenseique…Ah,sintomuito,muitomesmo,senhor…– Ela não sabe com quem está lidando – digo bruscamente. – Não existe

diplomacia com essa gente. Nossa nova comandante suprema não teria comosaber,masvocê…–Agoraadotoumtommaisdeaborrecimentodoquederaiva.–Vocêdeviaterimaginado.Valeriaapenaenfrentarumaguerraparaevitarisso.Nãoergooolharparamirá-lodiretamentequandoelediz,comavoztrêmula:–Sintomuito.Sintomuitomesmo,senhor.Umatradiçãodelongadata,sim,defato.O direito de ir e vir foi uma prática acordada hámuito tempo. As famílias

supremassempreforambem-vindasnasterrasdasdemais,emqualquermomento,sem a necessidade de um convite. Enquanto omovimento era novo e os filhoseram jovens, nossas famílias se agarraram a esses princípios. E agora essasfamílias–eseusfilhos–governamomundo.Essafoiaminhavidadurantemuitotempo.Naterça-feira,acriançadareunida

naEuropa;nasexta,umjantarnaAméricadoSul.Nossospaiseramloucos,todoseles.Osúnicosamigosqueconhecitinhamfamíliasaindamaisloucasqueaminha.

Nãoquerovoltaravernenhumdeles,nuncamais.Eaindaassim…MeuDeus,precisoavisarJuliette.–Quantoa…Quantoàquestãodoscivis…–Delalieucontinuatagarelando.–

AndeiconversandocomCastle,conforme…conformeseupedido,senhor,sobrecomoprocederduranteatransiçãoparaforados…paraforadoscomplexos…

Masorestantedareuniãodamanhãpassacomoumborrão.

QuandofinalmenteconsigomedesprenderdasombradeDelalieu,voudiretoao meu alojamento. Juliette costuma estar aqui a essa hora do dia, portanto,esperoencontrá-laparapoderavisá-laantesquesejatardedemais.

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Logosouinterceptado.–Ah,hum…oi…Distraído, ergo o rosto e, no mesmo instante, paro onde estou. Meus olhos

ficamligeiramentearregalados.–Kent–constatoemvozbaixa.Umabreveavaliaçãoé tudodequeprecisoparasaberqueelenãoestánada

bem. Aliás, sua aparência está terrível. Mais magro do que nunca; olheirasescuraseenormes.Totalmenteacabado.Emeperguntoseelemevêdamesmaforma.– Estive pensando… – diz e vira o rosto, um semblante tenso. Pigarreia. –

Estive…–Pigarreiaoutravez.–Estivepensandosepoderíamosconversar.Sintomeupeitoapertar.Observo-oporummomento,registrandoseusombros

tensos,oscabelosdesgrenhados,asunhasroídas.Kentvêqueoestouencarandoerapidamenteenfiaasmãosnosbolsos.Quasenãoconseguemeolharnosolhos.–Conversar–consigorepetir.Eleassente.Expiro silenciosamente, lentamente.Não trocamos umapalavra sequer desde

quedescobriqueéramos irmãos,háquase trêssemanas.Penseiquea implosãoemocional daquela noite tivesse terminado tão bem quanto se poderia esperar,masmuita coisa aconteceudesdeentão.Não tivemosaoportunidadede reabriressaferida.–Conversar–repitomaisumavez.–Éclaro.Eleengoleemseco.Olhaparaochão.–Legal.E de repente sou levado a fazer a pergunta que deixa a nós dois

desconfortáveis:–Vocêestábem?Impressionado, ele ergue o rosto. Seus olhos azuis estão arredondados,

avermelhados.Seupomodeadãomexenagarganta.–Nãoseicomquemmaisfalarsobreesseassunto–sussurra.–Nãoseiquem

maisentenderia.Eeuentendo.Imediatamente.Euentendo.Entendoquandovejoseusolhosabruptamentevidrados,tomadosporemoção;

quandovejoseusombrostremerem,mesmoenquantoeletentasemanterimóvel.Sintomeusprópriosossossacudirem.–Éclaro–digo,surpreendendoamimmesmo.–Venhacomigo.

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qualdependerotempotodo.Façaissoporeles–pediu.–Mantenhaofingimento.Nãopodemosmudartudodeumasóvez,meuamor.Seriadesorientadordemais.Então,aquiestoueu.Sendoseguida.Warnertemsidomeuguiaconstantenessasúltimassemanas.Temmeensinado

todososdiassobreasmuitascoisasqueseupai faziaesobre tudoaquilopeloqueelepróprioéresponsável.HáumnúmeroinfinitodeatividadesqueWarnerprecisa cumprir todos os dias para cuidar de seu setor, isso semmencionar abizarra–eaparentementeinfinita–listadeobrigaçõesqueeutenhodecumprirparaliderartodoumcontinente.Estariamentindosenãodissesseque,àsvezes,tudoissopareceimpossível.Tive1dia,só1dia,pararespirareaproveitaroalíviodepoisdeterderrubado

AndersonetomadoocontroledoSetor45.1diaparadormir,1diaparasorrir,1diaparamedaraoluxodeimaginarummundomelhor.FoinofinaldoDia2queencontreiumDelalieuaparentementemuitonervoso

paradodooutroladodaminhaporta.Elepareciafrenético.–SenhoraSuprema– falou,comumsorrisoensandecidono rosto.– Imagino

que deva estar sobrecarregada nesses últimos tempos. São tantas coisas parafazer!–Baixouoolhar.Balançouasmãos.–Masreceioque…queseja…achoque…–Oquefoi?–indaguei.–Algumproblema?–Bem, senhora…Eu não queria incomodá-la…A senhora passou por tanta

coisaeprecisavadetempoparaseajustar…Eleolhouparaaparede.Euesperei.–Perdoe-me–prosseguiu.–Ésóque…quasetrintaeseishorassepassaram

desde que assumiu o controle do continente e a senhora ainda não visitou seuquartelnemumavez–eleexpôs,todoapressado.–Ejárecebeutantascartasquenemseimaisondeguardá-las…–Oquê?Nessemomento,elecongelou.Finalmenteolhou-menosolhos.–Oquequerdizercomessahistóriademeuquartel?Eutenhoumquartel?Estupefato,Delalieupiscourepetidamente.– É claro que tem, senhora. O comandante supremo conta com seu próprio

quartelemcadasetordocontinente.Temostodaumaalaaquidedicadaaosseusescritórios. É onde o falecido comandante supremo Anderson costumava ficarsemprequevisitavanossabase.EtodossabemqueasenhoratransformouoSetor45 em sua residência permanente, então é para cá que enviam todas as suas

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correspondências,sejamelasfísicasoudigitais.Éondeosbriefingsproduzidospelosistemadeinteligênciaserãoentreguestodasasmanhãs.Éparaondeoutroslíderesdesetoresenviamseusrelatóriosdiários…–Vocênãopodeestarfalandosério–retruquei,espantada.–Seriíssimo,senhora.–Delalieupareciadesesperado.–Preocupo-mecoma

mensagem que a senhora possa estar transmitindo ao ignorar todas ascorrespondênciasnesseestágioinicialdeseutrabalho.–Eledesviouoolhar.–Perdoe-me,eunãoquisirlongedemais.Eusó…Euseiqueasenhoragostariadefazer um esforço para fortalecer suas relações internas… Mas temo asconsequênciasqueasenhorapodeviraenfrentarpornãorespeitartantosacordoscontinentais…–Não, não, claro. Obrigada, Delalieu – respondi, com a cabeça confusa. –

Obrigadapormeavisar.Ficomuito…Ficomuitogrataporvocêintervir.Eunãotinhaamenorideiadequeissoestavaacontecendo…–Naquelemomento,batiamão na testa. – Mas, talvez amanhã cedo? Amanhã cedo você poderia meencontrardepoisdacaminhadamatinalememostrarondeficaessetalquartel?–Éclaroque sim– respondeu, comuma leve reverência. –Seráumprazer,

SenhoraSuprema.–Obrigada,tenente.– Sem problemas, senhora. – Ele pareceu tão aliviado. – Tenha uma noite

agradável.Atrapalhei-meaomedespedirdele,tropeçandoemmeusprópriospés,tamanho

omeuentorpecimento.

Poucacoisamudou.Meus tênis batemno concreto, tocamuns nos outros nomomento emqueme

espantoemearrastodevoltaaopresente.Douumpassomaisdeterminadoparaafrente,dessavezmepreparandoparamaisumgolperepentinoegeladodevento.Kenji me lança um olhar cheio de ansiedade. Olho em sua direção, mas semrealmente prestar atenção nele. Na verdade, estou concentrada no que há atrásdele, estreitando meus olhos para nada em particular. Minha mente segue seucurso,zumbindonomesmotomdovento.–Estátudobem,mocinha?Ergoavista,olhandodesoslaioparaKenji.–Estoubem,sim.–Nossa,queconvincente!Consigosorrirefranziratestaaomesmotempo.– Então… – Kenji diz, exalando a palavra. – Sobre o que Castle queria

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conversarcomvocê?Desvioorosto,imediatamenteirritada.–Nãosei.Castleandameioesquisito.MinhaspalavrasatraemaatençãodeKenji.Castleécomoumpaiparaele–

certamente, se tivesse que escolher entre Castle e mim, escolheria Castle –, eKenjiclaramenteexpõesualealdadeaodizer:–Como assim?Que história é essa deCastle andarmeio esquisito? Eleme

pareceunormalhojecedo.Doudeombros.–Elesómedeuaimpressãodeterficadomuitoparanoicodeumahoraparaa

outra.EfaloualgumascoisassobreWarnerquesó…–Interrompoamimmesma.Balançoacabeça.–Nãosei.Kenjiparadeandar.–Espere.QuecoisassãoessasqueelefalousobreWarner?Aindairritada,doudeombrosoutravez.–CastleachaqueWarnerestáescondendocoisasdemim.Tipo,nãoexatamente

escondendo coisas demim…Mas parece que hámuita coisa sobre ele que eudesconheço.Então,falei:“Ora,sevocêsabetantosobreWarner,porquenãomecontaoqueprecisosaberarespeitodele?”.ECastlerespondeu:“Não,blá-blá-blá,oprópriosenhorWarnerdevecontaravocê,blá-blá-blá”.–Reviroosolhos.–Basicamente,elemedissequeéestranhoeunãosabermuitosobreopassadodeWarner.Mas issoneméverdade–continuo,agoraolhandodiretamenteparaKenji.–SeidemuitacoisadopassadodeWarner.–Tipo?–Tipo,porondecomeçar?Seitudoarespeitodamãedele.Kenjidárisada.–Vocênãosabecoisanenhumasobreamãedele.–Éclaroquesei.–Atéparece,J.Vocênãosabenemonomedamulher.As palavras dele me fazem hesitar. Busco a informação em minha mente,

Warnercertamentecitouonomedasuamãeemalgummomento…enãoencontroaresposta.Sentindo-mediminuída,olhooutravezparaKenji.–ElasechamavaLeila–eleconta.–LeilaWarner.Eeusóseidissoporque

Castlefazsuaspesquisas.Tínhamosarquivosdetodasaspessoasdeinteresseláem Ponto Ômega. Mesmo assim, eu nunca soube que ela tinha poderes que afizeramadoecer.Andersonfoimuitobomemesconderessasinformações.–Ah–étudoqueconsigodizer.–EntãoeraporissoqueCastleestavaagindoesquisito?–Kenjiquersaber.–

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Porqueeleressaltou,corretamente,diga-sedepassagem,quevocênãosabenadasobreavidadoseunamorado.–Nãosejacruel–peçobaixinho.–Euseidealgumascoisas.Masaverdadeéquerealmentenãoseimuito.OqueCastleme falouhojecedode fatome incomodou.Estariamentindose

dissessequenãopenseiotempotodosobrecomoeraavidadeWarnerantesdenosconhecermos.Aliás,comfrequênciapensonaqueledia–aquelediahorrível,terrível–,emumabelacasinhaazulemSycamore,acasaondeAndersonatirouemmeupeito.Estávamostotalmentesozinhos,Andersoneeu.NuncaconteiaWarneroqueseupaimefalounaqueledia,mastambémnãome

esquecidesuaspalavras.Emvezdisso,tenteiignorá-las,tenteimeconvencerdequeAndersonestava investindoem joguinhospsicológicosparameconfundireme imobilizar. Porém, independentemente de quantas vezes eu tenha repassadoessaconversaemminhacabeça–tentandodesesperadamentediminui-laeignorá-la –, nunca fui capaz de afastar a sensação de que, talvez, só talvez, nem tudofosseprovocação.TalvezAndersonestivessemerevelandoaverdade.Ainda consigover o sorriso em seu rosto enquanto pronunciava as palavras.

Aindaconsigoouviracadênciaemsuavoz.Estavasedivertindo.Atormentando-me.Ele contou a você quantos outros soldados queriam assumir o controle do

Setor45?Quantosexcelentescandidatostínhamosparaescolher?Elesótinhadezoitoanos!Elealgumavezcontouavocêoquetevedefazerparaprovarseuvalor?Meu coração acelera quando lembro. Fecho os olhos, meus pulmões

queimando…Elealgumavezcontoupeloqueeuofizpassarparamereceroquetem?Não.Suspeito que ele tenha preferido não citar essa parte, ou estou errado?

Apostoquenãoquiscontaressapartedeseupassado,nãoé?Não.Elenuncacontou.Eeununcaperguntei.Achoquenuncaquisecontinuosemquerersaber.Nãosepreocupe,Andersonmedissenaocasião.Eunãovouestragaragraça

paravocê.Melhordeixarelemesmocompartilharessesdetalhes.

Eagora,hojepelamanhã,ouçoamesmafrasedabocadeCastle.–Não, senhoritaFerrars – ele falou, recusando-se a olhar emmeusolhos. –

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Não,não.Contarseriameintrometeremumespaçoquenãomecabe.OsenhorWarnerquerseraquelequevailhecontarashistóriasdesuavida.Nãoeu.–Nãoestouentendendo–respondi,frustrada.–Qualéarelevânciadisso?Por

que de uma hora para a outra você passou a se preocupar com o passado deWarner?EoqueissotemavercomarespostadaOceania?–Warner conhece esses outros comandantes. Ele conhece as outras famílias

supremas. Sabe como o Restabelecimento funciona internamente. E ainda temmuitacoisaalherevelar.–Castlesacudiuacabeça.–ArespostadaOceaniaéextremamenteincomum,senhoritaFerrars,pelosimplesfatodeseraúnicaqueasenhoritarecebeu.Tenhocertezadequeosmovimentosdessescomandantesnãosão apenas coordenados,mas também intencionais, e começo ame sentirmaispreocupado a cada instante com a possibilidade de realmente existir outramensagem implícita naquela correspondência, uma mensagem que ainda estoutentandotraduzir.Naquele momento, eu senti. Senti minha temperatura subindo, meu maxilar

tensionandoconformearaivatomavacontademim.–Masfoivocêquemdisseparaentraremcontatocomtodososcomandantes

supremos! Foi ideia sua! E agora está commedo da resposta de um deles? Oque…Eentão,imediatamente,entendioqueestavaacontecendo.Minhaspalavrassaíramleveseatordoadasquandovolteiafalar:–Ah,meuDeus,vocêpensouqueeunãoreceberiarespostaalguma,nãoé?Castleengoliuemseco.Nãofalounada.–Vocêpensouqueninguém responderia? – insisti,minha vozmais aguda a

cadasílaba.–SenhoritaFerrars,asenhoritaprecisaentenderque…–Porqueestáfazendojoguinhoscomigo,Castle?–Fecheiasmãosempunhos.

–Aondequerchegarcomisso?–Não estou fazendo joguinhos coma senhorita – ele respondeu, as palavras

saindo apressadas. – Eu só… pensei que… – gaguejou, gesticulandointensamente.–Foiumexercício.Umaexperiência…Senti golpes de calor acendendo como fogo atrás dos meus olhos. A raiva

entalouemminhagarganta,vibrouaolongodaminhaespinha.Eupodiasentirairaganhandoforçaemmeuinteriorepreciseireunirtodasasminhasforçasparadomá-la.–Eunãosoumaisexperiênciadeninguém–retruquei.–Eprecisosaberque

drogaestáacontecendo.– A senhorita deve conversar com o senhor Warner – afirmou. – Ele vai

explicar tudo. Você ainda tem muito a descobrir sobre este mundo e sobre o

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Restabelecimento, e o tempo é um fator essencial. –Olhou-me nos olhos. –Asenhoritaprecisa estarpreparadaparaoque estáporvir.Precisa sabermais eprecisasaberjá.Antesqueosproblemasseintensifiquem.Desvieioolhar,asmãostremendocomoacúmulodeenergianãoextravasada.

Euqueria–euprecisava–quebraralgumacoisa.Qualquercoisa.Emvezdisso,falei:–Quantabobagem,Castle!Quantabobagem!Eelepareciaohomemmaistristedomundoquandofalou:–Eusei.

Desdeentão,estouandandodeumladoparaooutrocomumadordecabeçainsuportável.EnãomesintomelhorquandoKenjicutucameuombro,trazendo-medevoltaà

realidadeparaanunciar:– Eu já disse isso antes e vou repetir: vocês dois têm um relacionamento

estranho.–Não,nãotemos–retruco,easpalavrassaemcomoumreflexo,petulantes.–Sim–Kenjirebate.–Vocêstêm,sim.Elesaiandando,deixando-mesozinhanasruasabandonadas,saudando-mecom

umchapéuimaginárioenquantosedistancia.Jogoumdosmeussapatosnele.O esforço, todavia, é inútil; Kenji pega o sapato no ar. Agora está me

esperando, dez passos à frente, com o calçado na mão enquanto vou saltandonumapernasóemsuadireção.Nãoprecisomevirarparaverosorrisonorostodossoldadosatrásdenós.Tenhocertezadequetodosmeachamumapiadacomocomandantesuprema.Eporquenãoachariam?Maisdeduassemanassepassaramecontinuomesentindoperdida.Parcialmenteparalisada.Não tenho orgulho da minha incapacidade de liderar as pessoas; não me

orgulhoda revelaçãode que, no fimdas contas, não sou inteligente o bastante,rápida o bastante ou perspicaz o bastante para governar o mundo. Não tenhoorgulhode,nosmeuspioresmomentos,olharparatudooquetenhoafazeremumúnico dia e me impressionar, espantada, com como Anderson era organizado.Comoerahabilidoso.Comoeraterrivelmentetalentoso.Nãotenhoorgulhodepensarisso.Ou de, nas horas mais silenciosas e solitárias da manhã, ficar deitada,

acordada,aoladodofilhodeAnderson,umhomemtorturadoatéquaseamorte,edesejar que o pai ressuscitasse e levasse consigo a carga que tirei de seus

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ombros.Entãosurgeessepensamento,otempotodo,otempotodo:Quetalvezeutenhacometidoumerro.–Olá-á?Terrachamandoprincesa?Confusa,ergooolhar.Hojeestoumesmoperdidaempensamentos:–Vocêfaloualgumacoisa?Kenji balança a cabeça enquanto me devolve o sapato. Ainda estou me

esforçandoparacalçá-lo,quandoelediz:–Entãovocêmeforçouasairparacaminharnessaterrahorrívelecongelada

demerdasóparameignorar?Arqueioumaúnicasobrancelhaparaele.Elearqueiaasduasemresposta,esperando,ansioso.–Qualé,J?Istoaqui…–Eapontaparaomeurosto.–Istoémaisdoquetoda

acargadeesquisiticequevocêrecebeudeCastlehojedemanhã.–Eleinclinaacabeça na minha direção e percebo uma preocupação sincera em seus olhosquandoindaga:–Eentão?Oqueestáacontecendo?Suspiro,eaexpiraçãofazmeucorpoenfraquecer.AsenhoritadeveconversarcomosenhorWarner.Elevaiexplicartudo.MasWarnernãoéexatamenteconhecidoporsuashabilidadescomunicativas.

Nãogostadeconversafiada.Nãodividedetalhesdesuavida.Nãofaladecoisaspessoais. Sei queme ama – posso sentir em cada interação quanto se importacomigo–,mas,mesmoassim,sómeofereceuinformaçõesvagassobresuavida.Warneréumcofreaoqualsótenhoacessoocasionalmente,ecomfrequênciameperguntoquantoaindamerestadescobrirsobreele.Àsvezes,issomeassusta.–Eusóestou…Nãosei–finalmenterespondo.–Estoumuitocansada.Estou

commuitacoisanacabeça.–Teveumanoitedifícil?EncaroKenji,protegendoorostodosraiosgeladosdosol.–Sequer saber, euquasenemdurmomais– admito. –Acordoàsquatroda

manhã todos os dias e ainda não consegui ler as correspondências da semanapassada.Nãoéumaloucura?Surpreso,Kenjimeolhadesoslaio.– E tenho que aprovar um milhão de coisas todos os dias. Aprovar isso,

aprovar aquilo.Emuitas coisas nem são assim tão importantes – relato. –Sãocoisinhasridículas,como,como…–Puxoumafolhadepapelamassadadobolsoe sacudo-a na direção do céu. “Como essa bobagem aqui: o Setor 418 queraumentar o horário do almoço de uma hora para uma hora e três minutos eprecisamdaminhaaprovação.Trêsminutos?Quemseimportacomisso?Kenjitentadisfarçarumsorriso;enfiaasmãosnosbolsos.

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–Todososdias.Odiatodo.Nãoconsigofazernadadeverdade.Penseiqueeufosse fazer algo realmente relevante, sabe? Pensei que seria capaz de, sei lá,unificaros setores epromover apazoualgoassim.Emvezdisso,passoodiatodotentandoevitarDelalieu,queaparecenaminhafrenteacadacincominutosporque precisa que eu assine alguma coisa. E estou falando só dascorrespondências.Aparentemente,nãoconsigomaisparardefalar,porfimconfessandoaKenji

todas as coisas que sinto nunca poder dividir com Warner por medo dedecepcioná-lo.Élibertador,mastambémpareceperigoso.Comosetalvezeunãodevessecontaraninguémquemesintoassim,nemmesmoaKenji.Entãohesito,esperoumsinal.Ele não estámais olhando paramim,mas ainda pareceme ouvir. Sustenta a

cabeçainclinadaeumsorrisonabocaquando,depoisdeuminstante,pergunta:–Issoétudo?Nego com a cabeça com veemência, aliviada e grata por poder continuar

reclamando:–Eutenhoqueregistrartudo,otempotodo.Tenhoquepreencherrelatórios,ler

relatórios, arquivar relatórios. Existem quinhentos e cinquenta e quatro outrossetoresnaAméricadoNorte,Kenji.Quinhentosecinquentaequatro.–Encaro-o.–Issoquerdizerqueprecisolerquinhentosecinquentaequatrorelatóriostodosantodia.Impassível,eletambémmeencara.–Quinhentosecinquentaequatro!Cruzaosbraços.–Cadarelatóriotemdezpáginas!–Aham.–Possocontarumsegredo?–Manda.–Essetrabalhoéumsaco.AgoraKenjirialto.Mesmoassim,nãodiznada.–Oquefoi?–pergunto.–Emqueestápensando?Elebagunçameuscabelosediz:–Ah,J.Afastoacabeçadamãodele.–Issoétudooquerecebo?Sóum“ah,J”enadamais?Kenjidádeombros.–Oquefoi?–exijosaber.–Seilá–responde,umpoucoconstrangidocomsuaspalavras.–Vocêpensou

queseria…fácil?

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–Não–falobaixinho.–Sópenseiqueseriamelhordoqueisso.–Melhoremquesentido?–Achoque…Querdizer,penseiqueseria…maislegal?– Pensou que estariamatando ummonte de carasmalvados agora? Fazendo

política na base da porrada? Como se fosse só matar Anderson e então, derepente,tchã-rã,pazmundial?Nãoconsigoencará-loporqueestoumentindo,mentindomuito,quandodigo:–Não,éclaroquenão.Nãopenseiqueseriaassim.Kenjisuspira.–Épor issoqueCastle sempre semostrou tão apreensivo, sabia?EmPonto

Ômega, o negócio era ser devagar e constante. Era uma questão de esperar omomento certo. De conhecer nossos pontos fortes… e também nossos pontosfracos.Haviamuitacoisaacontecendoemnossasvidas,massempresoubemos,eCastlesemprefalouquenãopodíamosderrubarAndersonantesdenossentirmosprontos para sermos líderes. Foi por isso que não o matei quando tive aoportunidade.Nemmesmoquandoelejáestavaquasemortoeparadobemdiantedemim.–Kenjificaemsilêncioporuminstante.–Simplesmentenãoeraahoracerta.–Então…Vocêachaquecometiumerro?Kenjifranzeatesta,ouquaseisso.Desviaorosto.Olhaparamimnovamente,

deixaumbrevesorrisobrotar,massódeumladodaboca.–Bem,achovocêótima.–Masachaquecometiumerro.Eledádeombroscomummovimentolentoeexagerado.– Não, eu não disse isso. Só acho que precisa de um pouco mais de

treinamento,entende?Achoqueohospícionãoapreparouparaessetrabalho.Estreitomeusolhosnadireçãodele.Eleri.–Olha, você é boa com as pessoas.Você fala bem.Mas esse trabalho vem

acompanhado de muita burocracia e também de um monte de besteiras. E demuitasocasiõesemqueprecisasefazerdeboazinha.Muitopuxa-saquismo.Vejabem, o que estamos tentando fazer agoramesmo? Estamos tentando ser legais.Certo? Estamos tentando, tipo, assumir o controle, mas sem provocar umacompletaanarquia.Estamostentandonãoentraremguerranestemomento,certo?Nãorespondorápidoobastanteeelecutucameuombro.– Certo? – insiste. – Não é esse o objetivo? Manter a paz por enquanto?

Apostarnadiplomaciaantesdeexplodirmosamerdatoda?– Sim, certo – apresso-me em responder. – Sim. Evitar uma guerra. Evitar

mortes.Fazerpapeldebonzinhos.

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– Está bem – diz, desviando o olhar. – Então você precisa se controlar,mocinha.Porque,sabeoqueacontecesecomeçaraperderocontroleagora?ORestabelecimento vai comê-la viva. E é precisamente isso o que eles querem.Aliás,provavelmenteéoqueesperam…Esperamquevocêdestruasozinhatodaessamerdaparaeles.Então,nãopodedeixá-losperceberisso.Nãopodedeixarasfissurasaparecerem.Encaro-o,sentindo-mederepenteassustada.Elepassaumbraçopelosmeusombros.–Vocênãopodeseestressarassimporcausadeumtrabalhoburocrático.–Ele

nega com a cabeça. – Todo mundo está de olho em você agora. Todos estãoesperandoparaveroqueestáporvir.Ouentraremosemguerracomosoutrossetores…Querdizer,comorestodomundo…Ouconseguimosmanterocontroleenegociar.Vocêprecisasemantercalma,J.Mantenha-secalma.Masnãoseioquedizer.Porque a verdade é que ele está certo. Encontro-me em uma situação tão

complicadaquenemseiporondecomeçar.Nemmeformeinocolegial.Eagoraesperam que eu tenha toda uma vida de conhecimentos em relaçõesinternacionais?Warnerfoiprojetadoparaessavida.Tudooquefaz,tudooqueé,emana…Elefoifeitoparaliderar.Jáeu?MeuDeus,noquefoiquememeti?,reflito.Ondeeuestavacomacabeçaquandopenseiqueseriacapazdegovernarum

continenteinteiro?Porquemepermitiimaginarqueumacapacidadesobrenaturalde matar coisas com a minha pele de repente me traria um conhecimentoabrangenteemciênciaspolíticas?Fechoospunhoscomforçaexcessivae…dor,dorpura…enquantominhasunhascravamacarne.Como eu achava que as pessoas governavamomundo? Imagineimesmo que

seria tão simples? Que eu poderia controlar todo o tecido social a partir doconfortodoquartodomeunamorado?Só agora começo a perceber a amplitude dessa teia delicada, intrincada,

compostaporpessoas,posiçõesepoderesjáexistentes.Eudissequeaceitavaatarefa.Eu,umaninguémde17anosecompouquíssimaexperiênciadevida;eumevoluntarieiparaessaposição.Eagora,basicamentedodiaparaanoite,tenhoqueacompanharoritmoporelaimposto.Enãotenhoamenorideiadoqueestoufazendo.Eoqueaconteceseeunãoaprenderaadministraressasmuitasrelações?Se

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eu,pelomenos,nãofingirterumavagaideiadecomovougovernaromundo?Orestodelepoderiafacilmentemedestruir.

Eàsvezesnãotenhocertezadequesaireivivadessasituação.

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Warner

–ComoestáJames?Soueuquemquebraosilêncio.Éumasensaçãoestranha.Novaparamim.Kentassenteemresposta,seusolhosfocadosnasprópriasmãos,unidasàsua

frente.Estamosnotelhado,cercadosporfrioeconcreto,sentadosumaoladodooutroemumcantosilenciosoparaoqualàsvezesmeretiro.Daquiconsigovertodo o setor. O oceano no horizonte. O sol do meio-dia se movimentandopreguiçosamente no alto do céu. Civis parecendo soldadinhos de brinquedomarchandodeumladoparaooutro.–Jamesestábem–Kent,enfim,responde.Suavozsaitensa.Elevesteapenas

umacamiseta e parecenão se incomodar como frio cortante.Respira fundo. –Querodizer…eleestábem,entende?Estáótimo.Superbem.Façoquesimcomacabeça.Kent ergue o rosto, solta uma espécie de risada nervosa e curta, e desvia o

olhar.–Issoéloucura?–indaga.–Nóssomosloucos?Ficamosumminutoemsilêncio,enquantooventosopracommaisforçadoque

antes.–Nãosei–respondo,porfim.Kentbateopunhonaperna.Soltaoarpelonariz.–Sabe,eununcadisse issoavocê.Antes.–Ergueorosto,masnãomeolha

nos olhos. – Naquela noite. Eu não falei, mas queria que soubesse que aquilosignificoumuitoparamim.Oquevocêdisse.Apertoosolhosemdireçãoaohorizonte.Éalgorealmenteimpossíveldesefazer,desculpar-seportentarmataralguém.

Mesmoassim,eutentei.Disseaelequeentendiaoquefizeranaépoca.Suador.Suaraiva.Suasações.Dissequeeletinhasobrevividoàcriaçãodadapornossopaiesetornadoumapessoamuitomelhordoqueeujamaisseria.–Erampalavrassinceras–reafirmo.Kentagorabateopunhofechadonaboca.Pigarreia.–Sabe,eutambémsintomuito.–Suavozsairouca.–Ascoisasderammuito

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errado.Tudo.Estáumabagunça.–Sim–concordo.–Éverdade.–Então,oquefazeragora?–Kentfinalmenteseviraparaolharparamim,mas

aindanãoestouprontoparaencará-lo.–Como…comopodemosconsertarisso?Seráquedáparaconsertar?Ascoisasforamlongedemais?Passoamãopormeuscabelosrecém-raspados.–Nãosei–respondobaixo.–Masgostariadeconsertar.–É?Confirmo,acenandocomacabeça.Kentassenteváriasvezesaomeulado.–AindanãomesintopreparadoparacontaraJames.Surpreso,hesito.–Ah,é?– Não por sua causa – apressa-se em explicar. – Não é com você que me

preocupo.Éque…explicarsobrevocê implicaexplicarumacoisamuito,muitomaior.Enãoseicomocontarqueopaideleeraummonstro.Porenquanto,não.EurealmenteachavaqueJamesnuncafosseprecisarsaber.Aoouvirsuaspalavras,ergooolhar.–Jamesnãosabe?Denada?Kentnegacomacabeça.– Ele era muito pequeno quando nossa mãe morreu e eu sempre consegui

mantê-lolongequandonossopaiaparecia.Eleachaquenossospaismorreramemumacidentedeavião.–Impressionante–digo.–Émuitagenerosidadedesuaparte.OuçoavozdeKentfalharquandoelevoltaafalar:– Meu Deus, por que fico tão transtornado por causa dele? Por que me

importo?–Nãosei–admito,negandocomacabeça.–Estoutendoomesmoproblema.–Ah,é?Assinto.Kentsoltaacabeçanasmãos.–Elefodeumesmocomanossacabeça,cara.–Sim,éverdade.OuçoKentfungarduasvezes,duasdurastentativasdemantersuasemoçõessob

controle, e, ainda assim, invejo sua capacidade de ser tão aberto sobre seussentimentos.Puxoumlençodobolsointernodajaquetaeoentregoaele.–Obrigado–agradece,comagargantaapertada.Assintonovamente.–Então,hum…Oqueroloucomoseucabelo?

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Fico tão surpreso com a pergunta que quase tremo. Considero de verdade ahipótesedecontarahistória todaaKent,mas tenhomedoquemepergunteporquedeixeiKenjitocaremmeuscabelos,eentãoeuteriadeexplicarosinúmerospedidosdeJulietteparaqueeumetornasseamigodaqueleidiota.EnãoachoqueJuliettesejaumassuntoseguroparanósdoisainda.Então,apenasrespondo:–Umpequenoacidente.Kentarqueiaassobrancelhas.Dárisada.–Entendi.Surpreso,olhoemsuadireção.Elefala:–Tudobem,sabe.–Oquê?Kentagoraestásentadocomacolunaereta,encarandoaluzdosol.Começoa

versombrasdemeupaiemseurosto.Sombrasdemimmesmo.–VocêeJuliette–esclarece.Aspalavrasmefazemcongelar.Elemeencara.–Sério,tudobem.Atordoado,nãoconsigomesegurareacabodizendo:– Não sei se estaria tudo bem se fosse comigo, se nossos papéis fossem

inversos.Kentofereceumsorriso,masparecetriste.–Eufuiumgrandeidiotacomelanofinal–admite.–Então,achoquerecebio

quemerecia.Mas não foi por causa dela, sabe?Nada daquilo.Nada foi culpadela.–Elemeolhadesoslaio.–Parasersincerocomvocê,euvinhaafundandojáháalgumtempo.Estavarealmenteinfelizemuitoestressadoeentão…–Eledádeombros,desviaoolhar.–Paraserhonesto,descobrirquevocêémeuirmãoquasemematou.Maisumavezsurpreso,piscoosolhos.–Poisé.–Eleri,balançandoacabeça.–Seiquepareceestranhoagora,mas

naépocaeusó…Seilá,cara,penseiquevocêfosseumsociopata.Fiqueimuitopreocupado com a possibilidade de você descobrir que éramos irmãos e, querdizer…Seilá…Penseiquevocêtentariamemataroualgoassim.Elehesita.Olhaparamim.Aguarda.Esóentãopercebo–maisumavez,surpreso–queelequerqueeuneguesua

suspeita.Querqueeudigaquenãoeranadadisso.Maspossoentendersuapreocupação.Então,respondo:–Bem,eutenteimatá-loumavez,nãotentei?

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Kentarregalaosolhos.–Écedodemaispara fazerpiadacom isso, cara.Essamerdaaindanão tem

graça.Desviooolharaodizer:–Eunãoestavatentandoserengraçado.PossosentirosolhosdeKentsobremim,estudando-me,achoquetentandome

entenderouentenderminhaspalavras.Talvezasduascoisas.Masédifícilsabero que se passa em sua cabeça. É frustrante ter um dom sobrenatural que mepermitesaberasemoçõesdetodos,excetoasdele.IssofazqueeumesintaforadeprumopertodeKent.Comoseeutivesseperdidoavisãooualgoassim.Porfim,elesuspira.Parecequepasseiemumteste.–Enfim–diz,masagorasoaumtantoincerto–,eutinhacertezadequevocê

viriaatrásdemim.Esóoqueconseguiapensareraque,seeumorresse,Jamesmorreria. Eu sou tudo o que ele tem nomundo, entende? Se vocêmematasse,vocêomataria.–Olhaparasuasmãos.–Passeianãodormirmaisànoite.Pareide comer. Estava ficando louco. Não conseguia mais aguentar nada daquilo, evocê estava, tipo… vivendo com a gente? E então tudo o que aconteceu comJuliette…Eusó…Seilá…–Suspirademoradaetremulamente.–Fuiumidiota.Acabei descontando tudo nela. Culpei-a por tudo. Por eu ter me afastado dasúnicascoisasqueacreditavaseremcertasnaminhavida.Étudoculpaminha,naverdade.Questõespessoaisdopassado.Euaindatenhomuitacoisapararesolver–enfim,admite.–Tenhoproblemascomaideiadeaspessoasmedeixaremparatrás.Porummomento,ficosempalavras.Nunca imaginei que Kent seria capaz de reunir pensamentos tão complexos.

Minha capacidade de perceber emoções e sua capacidade de anular donssobrenaturais sem dúvida nos tornam uma dupla muito peculiar. Sempre fuiforçadoaconcluirqueeleeradesprovidodepensamentoseemoções.Nofimdascontas,Kentémuitomaisemocionalmentepreparadodoqueeupoderiaesperar.Esincero,também.Contudo, é estranho ver alguém com o mesmo DNA que eu falando tão

abertamente.Admitindo emvoz alta seusmedos e limitações.É francodemais,comoolhardiretoparaosol.Precisodesviaroolhar.Porfim,digoapenas:–Euentendo.Kentpigarreia.–Então…sim–elediz.–AchoquesóqueriadizerqueJulietteestavacerta.

Nofimdascontas,nósdoisacabamosnosafastando.Tudoisso–apontaparanós

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dois – me fez perceber muitas coisas. E ela estava certa. Sempre vividesesperadoporalgumacoisa,algumtipodeamorouafeiçãooualgumacoisa.Não sei…–Nega com a cabeça. –Acho que eu queria acreditar que ela e eutínhamosalgoque,naverdade,nãotínhamos.Euestavanumasintoniadiferente.Caramba, eu era uma pessoa diferente. Mas agora sei quais são as minhasprioridades.Fito-ocomumaperguntanosolhos.–Minhafamília–esclarece,olhando-menosolhos.–Ésóoquemeimporta

agora.

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Juliette

Estamosvoltandolentamenteàbase.Não tenho pressa de encontrarWarner e enfrentar o que provavelmente será

uma conversa complicada e estressante, então me dou o direito de demorar otemponecessário.Passopelosdestroçosdaguerraepelosescombroscinzadoscomplexos conforme deixamos para trás um território não regulamentado e osresquícios borrados que o passado produziu. Sempre fico triste quando nossacaminhadaseaproximadofim;sintoumaenormesaudadedascasasquepareciamtersaídotodasdeumaforma,dascercasdemadeira,daslojinhastampadascomtábuas e dos bancos e construções velhos e abandonados que compunham apaisagemdasruas tomadaspelagramairregular.Gostariadeencontrarumjeitodefazertudoissovoltaraexistir.Respiro fundo e saboreio o ar frio que queima meus pulmões. O vento me

envolve, puxando e empurrando e dançando, chicoteando freneticamente meuscabelos,enelemeperco,abroabocaparainalá-lo.EstouprestesasorrirquandoKenjilançaumolharsombrioemminhadireção,fazendo-metremer,fazendo-mepedirdesculpascomosolhos.Meupedidodedesculpasdesanimadopoucofazparaaplacá-lo.Forço-oa fazeroutrodesvioacaminhodomar,quecostumaserminhaparte

preferidadanossacaminhada.Kenji,porsuavez,detestaessapartedotrajeto–assimcomoseuscoturnos,umdosquaisagoraseafundanalamaquenopassadoeraareialimpa.–Aindanãoconsigoacreditarquevocêgostedeolharparaessaáguanojenta,

infestadadeurinae…–Nãoestáexatamenteinfestada–destaco.–Castledizque,definitivamente,há

maiságuaquexixi.Kenjisóconseguemelançarumolharfulminante.Continua resmungando em voz baixa, reclamando que seus coturnos estão

ensopadosde“águademijo”,comogostadechamar,enquantoentramosna ruaprincipal. Fico feliz em ignorá-lo, permaneço decidida a aproveitar os últimosmomentos de paz – afinal, é uma das poucas horas que tenho para mimultimamente.Olhooutravezparaascalçadasrachadasetelhadosesburacadosde

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nosso antigo mundo, tentando – e às vezes conseguindo – me lembrar de umaépocaemqueascoisasnãoeramtãodesoladoras.–Vocêsentesaudadeemalgummomento?–perguntoaKenji.–Decomoas

coisascostumavamser?Kenji está com o peso do corpo apoiado em apenas um dos pés, limpando

algumasujeiradooutrocoturno,quandoergueoolharefranzeatesta.–Não sei exatamentedoquevocê achaque se lembra, J,mas as coisasnão

erammuitomelhoresdoqueestãoagora.–Oquequerdizercomisso?–pergunto,apoiandoocorpoemumdosvelhos

postesdeluz.–Oquevocêquerdizercomisso?–elerebate.–Comopodesentirsaudadede

algumacoisa da sua antigavida?Pensei quedetestasse a vida que levava comseuspais.Penseiquetivesseditoqueeleseramhorríveiseabusivos.–Sim,defatoeram–afirmo,virandoorosto.–Enãotínhamosmuitosbens.

Mas há algumas coisas que gosto de lembrar, alguns momentos agradáveis…Antes de o Restabelecimento chegar ao poder. Acho que só sinto saudade dascoisinhasquemefaziamfeliz.–Olhooutravezparaeleesorrio.–Entende?Elearqueiaumasobrancelha.Então,decidoesclarecer:– Sabe… o barulho do carrinho de sorvete todas as tardes, ou o carteiro

passandonarua.Eumesentavapertodajanelaeassistiaàspessoasvoltandodotrabalhopara casa ao anoitecer. –Desvionovamenteoolhar, nostálgica. –Eragostoso.–Hum.–Vocênãoachava?OslábiosdeKenjiserepuxamemumsorrisoinfelizenquantoinspecionasua

bota,agorajásemaquelasujeira.–Nãosei,mocinha.Essescarrinhosdesorvetenuncapassavamnomeubairro.

Omundodoqualmelembroeradeterioradoeracistaevolátilpracacete,prontoparaserhostilmentetomadoporalgumregimedemerda.Jáestávamosdivididos.Aconquistafoifácil.–Respirafundoesuspiraaodizer:–Enfim,eufugideumorfanatoquando tinhaoitoanos,entãonão tenhomuitasmemóriasemocionantesoupositivas.Congelo,surpresa.Precisodeumsegundoparaencontrarminhavoz.–Vocêmorouemumorfanato?Kenjiassenteantesdemeoferecerumarisadacurtaedestituídadehumor.–Sim.Passeiumanomorandonasruas,cruzandooEstadocomoumandarilho.

Vocêsabe,antesdetermossetores.AtéCastlemeencontrar.– O quê? – Meu corpo fica rígido. – Por que você nunca me contou essa

história?Convivemosessetempotodoe…evocênuncafalounadadisso…

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Eledádeombros.–Chegouaconhecerseuspais?–indago.Eleassente,masnãoolhaparamim.Sintomeusanguegelar.–Oqueaconteceucomeles?–Nãoimporta.–Éclaroqueimporta–digo,tocandoseucotovelo.–Kenji…– Não tem importância – responde, afastando-se. – Todos nós temos

problemas. Todos temos questões pessoais do passado. Precisamos aprender aconvivercomelas.–Nãosetratadesaberlidarcomseupassado–retruco.–Eusóquerosaber.

Suavida,seupassado…sãoimportantesparamim.Porummomento,lembro-meoutravezdeCastle–seusolhos,suaurgência–e

suainsistênciadequehámaiscoisasqueprecisosabertambémsobreopassadodeWarner.Tenhotantoadescobrirsobreaspessoascomasquaismeimporto.Kenjienfimabreumsorriso,maséumsorrisoqueofazparecercansado.Por

fim,suspira.Soberapidadamentealgunsdegrausrachadosquelevamàentradadeuma antiga biblioteca e senta-se no concreto frio. Nossa guarda armada nosespera,masforadenossocampodevisão.Kenjibateamãonochãoaseulado.Apresso-mepelosdegrausparamesentar.Daqui olhamos para um antigo cruzamento, semáforos velhos e fios de

eletricidadedestruídoseemaranhadoscaídosnacalçada.Eelediz:–Então,vocêsabequeeusoujaponês,nãoé?Assinto.–Bem,ondecresci,aspessoasnãoestavamhabituadasaveremrostoscomoo

meu. Meus pais não nasceram aqui; falavam japonês e um inglês bem ruim.Algumas pessoas não gostavam nada disso. Enfim, morávamos em uma regiãobem complicada, com muitas pessoas ignorantes. E pouco antes de oRestabelecimentocomeçarsuacampanha,prometendosanar todososproblemasdanossapopulaçãoaoextinguirculturase línguasereligiõese todooresto,asrelações raciais estavam em seu pior momento. Havia muita violência nocontinente comoum todo.Comunidades emguerra,matandoumas às outras. Sevocêtivesseacorerradanahoraerrada…–eleusaosdedosparasimularumaarma e atirar no ar –, as pessoas o faziam desaparecer. Nós evitávamosproblemas, sempre que possível. As comunidades asiáticas não sofriam tantoquantoascomunidadesnegras,porexemplo.Osnegrosestavamnapiorsituação.Castle pode contarmais sobre isso a você.Ele temas históriasmais terríveis.

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Mas o pior queminha família teve de enfrentar foi, comuma certa frequência,ouvirgentefalarmerdaquandosaíamosjuntos.Lembroquechegouummomentoemqueminhamãenuncamaisquissairdecasa.Sintomeucorpoficandotenso.–Mas enfim… – Ele dá de ombros. –Meu pai só… você sabe… ele não

conseguia suportaraquele lugarnemouviraspessoas falandomerdada famíliadele, entende?Ele ficava realmente furioso.Nãoque isso acontecesse o tempotodo nem nada assim, mas quando de fato acontecia, às vezes terminava emdiscussão, outras vezes não.Não parecia ser o fim domundo.Masminhamãesempreimploravaparameupaiignorar,deixarparalá,maselenãoconseguia.–Seu semblante fica sombrio. – E não o culpo. Certo dia, as coisas terminarammuitomal.Naquelaépoca,todomundoandavaarmado,lembra?Oscivis tinhamarmas.Éumaloucuraimaginaralgoassimagora,soboRestabelecimento,masnaépoca todos andavam armados, tinham suas próprias armas. – Kenji fica emsilêncio por um instante. – Meu pai também comprou um revólver. Disse queprecisávamos ter aquela arma, por precaução. Para nossa própria segurança. –Kenjinãoolhaparamimaocontinuar:–E,quandovieramfalarmerdadenovo,meupairesolveuserumpoucocorajosodemais.Elesusaramaarmacontraele.Meupaitomouumtiro.Minhamãetomouumtiroquandofoitentaracabarcomabriga.Eutinhaseteanos.–Vocêestavalá?–ofego.Eleassente.–Vitudoacontecer.Cubro a boca com as duas mãos. Meus olhos ardem com as lágrimas não

derramadas.–Eununcaconteiessahistóriaparaninguém–confessa,franzindoocenho.–

NemmesmoparaCastle.–Oquê?–Baixoasmãos.Estoudeolhosarregalados.–Porquenão?Elenegacomacabeça.–Não sei – responde baixinho, olhando ao longe. –Quando conheciCastle,

tudo ainda eramuito recente, entende?Ainda era real demais.Quando ele quisconhecer a minha história, falei que não queria tocar nesse assunto. Nunca. –Kenjiolhaparamim.–Depoisdeumtempo,eleparoudeperguntar.Impressionada,sóconsigoencará-lo.Estousempalavras.Kenjiviraorosto.Parecefalarconsigomesmoaodizer:–Étãoestranhocontartudoissoemvozalta.–Elerespiracomdureza,ficade

pébruscamenteeviraacabeçaparaqueeunãoconsigaolharemseurosto.Ouço-ofungaralto,2vezes.Eentãoeleenfiaasmãosnosbolsosparadizer:–Sabe,acho que talvez eu seja o único de nós que não teve problema com o pai. Eu

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amavameupai.Pracaralho.

AindaestoupensandonahistóriadeKenji–eemquantascoisasaindatenhoadescobrir sobreele, sobreWarner, sobre todosaquelesquepasseiachamardeamigos–quandoavozdeWinstonmearrastadevoltaaopresente.–Aindaestamosbuscandoumamaneiradedividirosquartos–anuncia.–Mas

está dando certo. Aliás, estamos um pouco adiantados na programação dosquartos. Warner acelerou o trabalho na asa leste, então podemos começar amudançaamanhã.Ouçoumabrevesalvadepalmas.Alguémgritaanimado.Estamosfazendoumrápidotournonossonovoquartel.A maior parte do espaço aqui ainda está em construção, então o que mais

vemos é uma bagunça barulhenta e empoeirada, mas fico animada ao notar oprogresso.Nossogrupoprecisavadesesperadamentedemaisquartos,banheiros,mesaseescritórios.Etemosdecriarumverdadeirocentrodecomando,deondepossamos efetivamente trabalhar. Espero que esse seja o começo de um novomundo.Omundonoqualsouacomandantesuprema.Pareceloucura.Por enquanto, os detalhes do que faço e controlo ainda estão sendo

esclarecidos.Nãodesafiaremososoutrossetoresouseuslíderesatétermosumaideia melhor de quais podem ser nossos aliados, e isso significa queprecisaremosdeumpoucomaisdetempo.“A destruição do mundo não aconteceu do dia para a noite, portanto, sua

salvação também não acontecerá”, Castle gosta de dizer, e acho que ele estácerto. Precisamos tomar decisões conscientes para avançar, e investir em umesforço paramanter a diplomacia pode ser a diferença entre a vida e amorte.Seria muito mais fácil realizar um progresso global se, por exemplo, nãofôssemososúnicostrabalhandoporumatransformação.Precisamosforjaralianças.Contudo, a conversa entre mim e Castle hoje cedo me deixou muito

incomodada.Nãoseimaisoquesentir–ouoqueesperar.Sóseique,apesardamáscara de coragem que visto para falar com os civis, nãoquero sair de umaguerraparaentraremoutra;nãoqueroterdematartodomundoqueficarnomeucaminho.Aspessoas doSetor 45 estão confiando seus entes queridos amim–inclusive seus filhos e cônjuges, que se tornarammeus soldados – e nãoqueroarriscarmaissuasvidas,anãoserque issoseproveabsolutamentenecessário.Esperomeadaptaraessasituação.Esperoqueexistaumachance,pormenorqueseja, de alguma cooperação conjunta com os demais setores e os 5 outros

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comandantes supremos.Algo assim poderia render bons frutos no futuro. Emeperguntosepoderíamosconseguirnosunirsemderramarmaissangue.–Issoéridículo.Eingênuo–Kenjidiz.Ergoorostonadireçãodesuavoz,olhoemvolta.EstáconversandocomIan.

IanSanchez,umcaraalto,magro,umpoucoconvencido,verdadesejadita,masde bom coração. O único sem superpoderes entre nós. Não que isso tenhaimportância.Ianmantém a coluna ereta, os braços cruzados na altura do peito, a cabeça

viradaparaolado,osolhosvoltadosparaoteto.–Nãomeimportocomoquevocêpensa…–Bem,eumeimporto–ouçoCastleinterromper.–Eumeimportocomoque

Kenjidiz.–Mas…–Etambémmeimportocomoquevocêpensa,Ian–Castleprossegue.–Mas

precisa entender que, nesse caso especificamente, Kenji está certo. Temos queabordar tudo commuito cuidado.Não há como saber ao certo o que está paraacontecer.Exasperado,Iansuspira.–Nãoéissoqueestoudizendo.Oqueestoudizendoéquenãoentendoporque

precisamosdetodoesteespaço.Édesnecessário.–Espere…Qualéoproblemaaqui?–questiono,olhandoemvolta.Eentãome

dirijoaIan:–Porquevocênãogostadestenovoespaço?LilypassaobraçopelosombrosdeIan.–Iansóestátriste–elacomenta,sorrindo.–Nãogostadeestragarafestado

pijama.–Oquê?–pergunto,franzindoocenho.Kenjidárisada.Ianfechaacara.– Eu só acho que estamos bem onde estamos – explica. – Não sei por que

precisamosnosmudar para tudo isto. –Ele abre os braços enquanto analisa oespaço cavernoso. – Parece um destino tentador. Ninguém se lembra do queaconteceudaúltimavezemqueconstruímosumenormeesconderijo?VejoCastletremer.Achoquetodosnoslembramos.OPontoÔmega,destruído.Bombardeadoatésetransformaremnada.Décadas

detrabalhoárduovarridasemuminstante.–Nãovaiacontecerdenovo–garanto,comfirmeza.–Alémdomais,estamos

mais protegidos do que nunca aqui. Temos todo um exército conosco agora.Estamosmaissegurosnesteprédiodoqueestaríamosemqualqueroutrolugar.

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Minhas palavras são recebidas com um coro imediato de apoio, mas aindaassimmepegoarrepiada,porqueseiqueaspalavrasqueacabeidedizersãosóparcialmenteverdadeiras.Nãotenhocomosaberoquevaiacontecerconoscoouquantotempoduraremos

aqui.Oquerealmenteseiéqueprecisamosdeumnovoespaço–eprecisamosresolver isso enquanto ainda temos fundos.Ninguém tentou nos boicotar ainda;nenhuma sanção foi imposta pelos demais continentes ou comandantes. Pelomenos, não por enquanto. O que significa que precisamos passar pela fase dereconstruçãoenquantoaindatemosfinanciamento.Masisso…Esseespaçoenormededicadotãosomenteaosnossosesforços?IssoétudocoisadeWarner.Elefoicapazdeliberarumandarinteiroparanós–oúltimoandar,o15odo

quartel do Setor 45. Foi necessário um esforço hercúleo para transferir edistribuiroequivalenteatodoumandardepessoal,trabalhoemóveisparaoutrosdepartamentos, mas, de alguma maneira, ele conseguiu resolver tudo. Agora oandarestásendoreformadoespecificamenteparaatenderàsnossasnecessidades.Quandotudoestiverconcluído,teremostecnologiadepontaquenospermitirá

teracessonãoapenasàspesquisasesegurançadequeprecisamos,mastambémàs ferramentas para Winston e Alia continuarem criando novos aparelhos,dispositivoseuniformesdequepossamosprecisarumdia.MuitoemboraoSetor45játenhasuaalamédica,precisaremosdeumlocalseguroparaSonyaeSaratrabalharem,umlugarondeserãocapazesdecontinuardesenvolvendoantídotosesorosqueumdiapoderãosalvarvidas.EstouprestesaexplicartudoissoquandoDelalieuentranasala.–Suprema–diz,assentindoemminhadireção.Aosomdesuavoz,todosdamosmeia-volta.–Sim,tenente?Umlevetremorpermeiasuavozquandoelediz:–Asenhoratemumvisitante.Eleestápedindodezminutosdoseutempo.– Visitante? – Instintivamente me viro para Kenji, que parece tão confuso

quantoeu.– Sim, senhora – confirmaDelalieu. –Ele está esperando no térreo, na sala

principaldarecepção.–Masqueméessapessoa?–pergunto,preocupada.–Deondeelaveio?–SeunomeéHaiderIbrahim.ÉofilhodocomandantesupremodaÁsia.Sinto meu corpo travar com a apreensão repentina. Não sei se sou tão boa

assimemesconderopânicoqueseespalhapormimquandodigo:–FilhodocomandantesupremodaÁsia?Elefalouoqueotrouxeaqui?

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Delalieunegacomacabeça.–Sintomuito,masovisitanteserecusouadarqualquerdetalhe,senhora.Estou arquejando, a cabeça girando. De repente, só consigo pensar na

preocupação de Castle com a Oceania ainda hoje demanhã. Omedo em seusolhos.Asmuitasperguntasqueserecusouaresponder.–Oquedevodizeraele,senhora?–Delalieuinsiste.Sintomeucoração acelerar.Fechoosolhos.Você é a comandante suprema,

digoamimmesma.Ajacomotal.–Senhora?–Sim,claro.Digaaelequeeujá…– Senhorita Ferrars. – A voz aguda de Castle atravessa a névoa em meu

cérebro.Olhoemsuadireção.–SenhoritaFerrars–repete,agoracomumtomdeadvertêncianosolhos.–Talvezdevesseesperar.–Esperar?–indago.–Esperaroquê?– Esperar para encontrá-lo só quando o senhorWarner também puder estar

presente.Minhaconfusãosetransformaemraiva.–Obrigadapelapreocupação,Castle,maseupossoresolverissosozinha.– Senhorita Ferrars, imploro para que reconsidere. Por favor – pede, agora

commaisurgêncianavoz.–Asenhoritaprecisaentender…Nãoestamosfalandode um assunto menor. O filho de um comandante supremo… pode significarmuito…– Como eu disse, obrigada por sua preocupação – interrompo-o, minhas

bochechasqueimando.Ultimamente, tenho sentido que Castle não tem fé em mim – como se não

estivesse torcendonemumpoucopormim–,oqueme fazpensaroutraveznaconversadestamanhã.Emelevaaquestionarsepossoacreditaremalgumacoisado que ele diz. Que tipo de aliado ficaria ali parado, expondo minha inépciadiantedetodosospresentes?Façotudooqueestáaomeualcanceparanãogritarcomelequandoprossigo:–Possolheassegurardequevoumesairbem.Então,viro-meparaDelalieu:–Tenente,porfavor,digaaonossovisitantequedescereiemummomento.–Sim,senhora.Eleassenteevaiembora.Infelizmente,minhabravatasaipelaportacomDelalieu.IgnoroCastleenquantobuscoorostodeKenjinasala;apesardetudoquefalei,

nãoqueroenfrentaressasituaçãosozinha.EKenjimeconhecemuitobem.– Oi, estou aqui. – Ele cruza a sala com apenas alguns poucos passos; em

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segundosestáaomeulado.–Vocêvemcomigo,nãovem?–sussurro,puxandoamangadesuablusacomo

seeufosseumacriança.Kenjidárisada.–Estareiondevocêprecisardemim,mocinha

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Warner

Sintoumenormemedodemeafogarnooceanodomeuprópriosilêncio.No tamborilar contínuo que acompanha a quietude, minha mente é cruel

comigo.Pensodemais.E sinto, talvezmuitomaisdoquedeveria.Seriaapenasum leve exagero dizer que meu objetivo na vida é vencer a minha mente, asminhaslembranças.Então,tenhoquecontinuarmeempenhando.Costumavame recolher ao subsolo quandoqueria ummomento de distração.

Costumava encontrar conforto emnossas câmaras de simulação, nos programascriados para preparar os soldados para o combate. Porém, como recentementefizemosumgrupodesoldadossemudaremparaosubsoloemmeioatodoocaosdanovaconstrução,nãoconsigoencontraralívio.Nãotenhoescolhasenãosubir.Entro no hangar a passos rápidos que ecoam pelo vasto espaço enquanto

caminho,quaseinstintivamente,nadireçãodohelicópteromilitarnaextremidadedaaladireita.Ossoldadosmeveemeseapressamemsairdomeucaminho,seusolhosentregandoaconfusãomesmoenquantobatemcontinênciaparamim.Façoum gesto breve na direção deles, sem oferecer explicações enquanto subo naaeronave. Coloco os fones no ouvido e falo baixinho no rádio, avisando aoscontroladores de tráfego aéreo que tenho intenção de levantar voo, e aperto ocintonobancodafrente.Oleitorderetinameidentificaautomaticamente.Tudopronto.Ligoomotoreorugidoéensurdecedor,mesmocomosfonesqueabafamoruído.Sintomeucorpocomeçandoarelaxar.Elogoestounoar.

Meupaimeensinouaatirarquandoeutinhanoveanos.Quandocompleteidez,elerasgouapartetraseiradaminhapernaemeensinouasuturarmeusprópriosferimentos. Quando tinha onze, ele quebrou meu braço e me abandonou nanaturezaporduassemanas.Aosdoze,aprendiafazeredesarmarminhasprópriasbombas.Ele começou ame ensinar a pilotar aeronaves quando completei trezeanos.Meupainuncameensinouaandardebicicleta.Tivedeaprendersozinho.

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Quando estou a milhares de pés do chão, o Setor 45 parece um jogo detabuleiro parcialmente montado. A distância faz o mundo parecer pequeno etransponível,umcomprimidofácildeengolir.Masseimuitobemqueessaideiaéilusória, eéaqui, acimadasnuvens,que finalmenteentendo Ícaro.TambémmesintotentadoavoarpertodemaisdoSol.ÉapenasminhaincapacidadedenãoserpráticoquememantémamarradoàTerra.Então,respiroparameacalmarevoltoaotrabalho.Hojeestoufazendomeuvoomaiscedoquedecostume,porissoasimagenslá

embaixosãodiferentesdaquelasqueaprendiaesperartodososdias.Emumdiacomum,euestariaaquiemcimanofimdatarde,verificandooscivisquesaemdotrabalhoe trocamseudinheironosCentrosdeAbastecimento.Emgeral,voltamapressados a seus complexos logo em seguida, cansados, levandopara casa osprodutosbásicosrecém-adquiridoseaideiadesanimadoradequeterãodefazertudooutraveznodiaseguinte.Agora todosaindaestãono trabalho,deixandoaTerra sem as formigas operárias.A paisagem é bizarra e bela quando vista delonge, com o vasto oceano, azul, de tirar o fôlego.Mas conheçomuito bem asuperfíciemarcadadonossomundo.Essarealidadeestranhaetristequemeupaiajudouacriar.Fecho os olhos com força enquanto minha mão agarra o acelerador.

Simplesmentehácoisasdemaisparaenfrentarhoje.Emprimeirolugar,atranquilizadoraideiadequetenhoumirmãocujocoração

étãocomplicadoeproblemáticoquantoomeu.Em segundo lugar, e talvez o mais desagradável: a chegada iminente de

assuntosligadosaomeupassado,eaansiedadequeosacompanha.Ainda não conversei com Juliette sobre a chegada iminente de nossos

convidados e, para ser sincero, nem seimais se quero falar sobre isso.Nuncadiscutimuito aminha vida com ela.Nunca contei histórias demeus amigos deinfância, seus pais, a história do Restabelecimento e meu papel dentro dele.Nuncativetempo.Nuncachegouomomentocerto.Julietteécomandantesupremajáhádezessetedias,enossorelacionamentotemsódoisdiasamaisdoqueisso.Nósdoisandamosocupados.Emesmoassimsuperamostantascoisas–todasascomplicaçõesquesurgiram

entrenós,todaadistânciaeaconfusão,todososmal-entendidos.Elapassoutantotemposemconfiaremmim.Seiqueaculpaésóminhapeloqueaconteceuentrenós, mas tenho medo de as coisas ruins do passado gerarem em Juliette uminstinto de desconfiança emmim; provavelmente, já estou acostumado a isso aessaalturadavida.E tenhocertezadeque lhecontarmais sobreaminhavidaexecrávelsóvaipiorarascoisaslogonoiníciodeumrelacionamentoquequerotãodesesperadamentemanter.Proteger.

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Então,porondecomeço?No ano em que completei dezesseis anos, nossos pais, os comandantes

supremos,decidiramquedeveríamosnosalternarematirarunsnosoutros.Nãoparamatar, sópara ferir.Queriamquesoubéssemosqualeraa sensaçãode seratingido por uma bala. Queriam que entendêssemos o processo deconvalescência. Acima de tudo, queriam que soubéssemos que nossos amigospodiamnosatacaraqualquermomento.Sintoabocarepuxaremumsorrisoinfeliz.Suponhoquetenhasidoumaliçãoimportante.Afinal,agorameupaiestásete

palmosabaixodaterraeseusvelhosamigosparecemnãodaramínima.Masoproblema naquele dia foi ter sido ensinado por meu pai, um atirador deexcelência.Piorainda:eujápraticavatodososdiashácincoanos–doisanosamais que os outros – e, como resultado, era mais rápido, mais cruel e maistreinado que meus companheiros. Não hesitei. Atirei em todos antes que elessequerconseguissempegarsuasarmas.Aquelefoioprimeirodiaemquesenti,comalgumgraudecerteza,quemeupai

tinhaorgulhodemim.Haviapassadotantotempobuscandodesesperadamentesuaaprovaçãoe,naqueledia,sentiquefinalmenteaconquistara.Elemeolhoucomoeusemprequisquemeolhasse:comoumpaiqueseimportavacomigo.Comoumpai que via um pouquinho de si em seu filho. Perceber isso me fez ir para afloresta,ondelogovomiteinomeiodosarbustos.Sófuiatingidoporumabalaumaveznavida.Amemória aindamemata de vergonha,mas nãome arrependo de tê-la. Eu

mereci. Por não entendê-la, por tratá-lamal, por estar perdido e confuso.Mastenho tentadomuitoserumhomemdiferente; ser, senãomaisgentil,nomínimomelhor.Nãoqueroperderoamorqueconseguiconquistar.NãoqueroqueJuliettesaibadomeupassado.Não quero dividir histórias da minha vida, histórias que só me enojam e

revoltam,históriasquemaculariamaimpressãoqueelatemdemim.Nãoqueroque saiba como eu passavameu tempo quando criança. Ela não precisa saberquantasvezesmeupaimeforçouavê-loarrancarapeledeanimaismortos,nãoprecisasaberqueaindasintoavibraçãodeseusgritosemmeusouvidosenquantoele me chutava várias e várias vezes porque me atrevia a desviar o olhar.Preferiria não ter de relembrar as horas que passei algemado em um quartoescuro, forçadoaouvirosbarulhos fabricadosdemulheres e criançasgritandodesesperadasporajuda.Tudo issoeraparame tornarmais forte,eledizia.Eraparameajudarasobreviver.Emvezdisso,avidacommeupaisómefezdesejaramorte.Não quero contar a Juliette que sempre soube que meu pai era infiel, que

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abandonaraminhamãehámuitotempo,queeusemprequismatá-lo,quesonhavaqueomatava,planejavasuamorte,esperavaumdiaquebrarseupescoçousandojustamenteashabilidadesqueeleprópriomefizeradesenvolver.Nãoquerocontarquefalhei.Todasasvezes.Porquesoufraco.Nãotenhosaudadedele.Nãotenhosaudadedavidadele.Nãoqueroosseus

amigos ou o seu impacto emminha alma.Mas, por algummotivo, seus velhoscamaradasnãovãomedarpaz.Elesestãovindoparacáparapegaroseuquinhão,e receioquedessavez–

comoaconteceuemtodasasoutrasvezes–acabareipagandocommeucoração.

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Juliette

Kenji e eu estamos no quarto deWarner – que passou também a ser omeuquarto–,paradosnomeiodocômodoondeficaoguarda-roupa,enquantolançoroupasnadireçãodele,tentandodecidiroqueusar.–Oqueachadesta?–indago,jogandoumapeçabrilhanteemsuadireção.–Ou

desta?–Elançooutraboladetecido.–Vocênãosabenadasobreroupas,sabe?Doumeia-volta,inclinoacabeça.–Ah,desculpa,masquandofoiquetiveoportunidadedeaprendersobremoda,

Kenji?Enquantocresciasozinhaetorturadaporpaishorríveis?Ah,não…Talvezenquantoapodreciaemumhospício?Minhaspalavrasodeixamemsilêncio.–Então,oqueacha?–insisto,apontandocomoqueixo.–Qual?Eleseguraasduaspeçasquelanceiemsuadireçãoefranzeatesta.–Vocêestámefazendoescolherentreumvestidocurtoebrilhanteecalçasde

pijama?Bem,digamosque…achoqueeuescolheriaovestido?Masnãoseisevaificarbomcomessestênissurradosquevocêsempreusa.–Oh.–Olhoparameus tênis.–Bom,nãosei.Warnerescolheuessascoisas

paramimhámuitotempo,antesdesequermeconhecer.Sótenhoeles–admito,olhandoparacima.–EssasroupassãosobrasdoquerecebilogoquechegueiaoSetor45.–Porquenãousaaroupaquefizeramparavocê?–Kenjiquestiona,apoiando

ocorponaparede.–OtrajenovoqueAliaeWinstonconfeccionaramparavocê?Negocomacabeça.–Elesaindanãoconcluíramosúltimosajustes.Eaindahámanchasdesangue

dequandoatireinopaideWarner.Alémdisso…–Respirofundoeprossigo:–Eueradiferente.Usavaaquelestrajesquemecobriamdacabeçaaospésquandopensava ter de proteger as pessoas daminhapele.Mas agora eu soudiferente.Possodesligaromeupoder.Possoser…normal.–Tentosorrir.–Portanto,queromevestircomoumapessoanormal.–Masvocênãoéumapessoanormal.

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–Euseidisso.–Umaondadecalorproduzidopelafrustraçãoaqueceminhasbochechas.–Eusó…achoquegostariademevestircomoumapessoanormal.Talvez só por um tempo? Nunca pude agir como alguém daminha idade e sóqueromesentirumpouco…– Eu entendo – Kenji admite, erguendo uma dasmãos parame interromper.

Olha-medecimaabaixo.Eprossegue:–Bem,digamosque,seé issoqueestábuscando, acho que já está com uma aparência normal agora. Essas roupasfuncionam.–Eapontanadireçãodomeucorpo.Estouusandocalçajeanseumsuéterrosa.Meuscabelos,presosemumrabo

decavaloalto.Sinto-meàvontadeenormal–mas tambémmesintocomoumameninade17anosdesacompanhadaefingindoseralgoquenãoé.– Mas eu supostamente sou a comandante suprema da América do Norte –

insisto. – Acha normal eu me vestir assim? Warner sempre está com ternosrefinados, sabe? Ou roupas bem legais. Sempre parece tão equilibrado… tãointimidador…–Apropósito,ondeeleestá?–Kenjime interrompe.–Querodizer, seique

vocênãoquerouvir isso,masconcordocomCastle.Warnerdeveria estar aquiparaesseencontro.Respirofundo.Tentomemantercalma.– Sei que Warner sabe de tudo, está bem? Sei que ele é o melhor em

praticamentetudo,quenasceuparaessavida.Opaideleopreparouparalideraromundo.Emoutravida,outrarealidade?Essepapeldeveriaserdele.Seimuitobemdisso.Sei,mesmo.–Mas?–Mas estenão é o trabalho deWarner, é? – respondo, furiosa. – É omeu

trabalho. E estou tentando não depender dele o tempo todo.Quero tentar fazeralgumascoisassozinhas.Assumirocontrole.Kenjinãoparececonvencido.–Nãosei, J.Achoque talvezessasejaumadaquelassituaçõesemquevocê

aindadevesse contar coma ajudadele.Warner conhece essemundomelhordoqueagentee,alémdomais,écapazdedizerquaisroupasvocêdeveriausar.–Kenjidádeombros.–Modarealmentenãoéminhaáreadeexpertise.Pegoovestidocurtoebrilhanteeoexamino.Há pouco mais de duas semanas enfrentei sozinha centenas de soldados.

Aperteiagargantadeumhomemcomminhasprópriasmãos.EnfieiduasbalasnatestadeAnderson,efiz issosemhesitaroumearrepender.Masaqui,diantedeumarmáriocheioderoupas,estouintimidada.– Talvez eu devessemesmo chamarWarner – admito, olhando por sobre o

ombro,nadireçãodeKenji.

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–Exato!–Eleapontaparamim.–Boaideia.Masentão,–Ah,não…Esqueça–contrarioamimmesma.–Está tudobem.Euvoume

sairbem,nãovou?Querodizer,qualéoproblema?Ocaraésóumdescendente,nãoé?Sóofilhodeumcomandantesupremo.Nãoéumcomandantesupremodeverdade.Certo?–Ahhh…Tudo issoéassuntodegentegrande, J.Os filhosdoscomandantes

são, tipo, outros Warners. Basicamente, são mercenários. E foram preparadosparatomarolugardeseuspais…–É…não…eusemdúvidadevoenfrentarsozinhaessasituação.–Estoume

olhandonoespelhoagora,arrumandomeurabodecavalo.–Certo?Kenjifazumanegativacomacabeça.–Sim.Exato–insisto.–É…bem…não…Achoessaumapéssimaideia.–Eusoucapazdefazeralgumascoisassozinha,Kenji–esbravejo.–Nãosou

nenhumasemnoção.Elesuspira.–Comoquiser,princesa.

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Warner

–SenhorWarner…Porfavor,senhorWarner,devagar,senhor…Parosubitamente,dandomeia-voltadecidido.Castleestámeperseguindopelo

corredor, acenando com uma mão frenética na minha direção. Adoto umaexpressãomoderadaparaolhá-lonosolhos.–Possoajudá-lo?–Ondevocêestava?–pergunta,visivelmentesemar.–Estiveprocurandopor

vocêemtodaparte.Arqueioumasobrancelha, lutandocontraanecessidadede lhedizerquemeu

paradeironãoédasuaconta.–Tivequedaralgumasvoltasaéreas.Castlefranzeatesta.–Masnãocostumafazerissomaisnofimdatarde?Suaspalavrasquasemefazemsorrir.–Entãovocêandoumeobservando…–Nãovamosfazerjoguinhosaqui.Vocêtambémandoumeobservando.Agorarealmentesorrio.–Andei?–Vocêsubestimademaisaminhainteligência.–Nãoseioquepensardevocê,Castle.Elerialto.–Ora,ora,vocêéumexcelentementiroso.Desviooolhar.–Oquevocêquercomigo?–Elechegou.Estáaquiagoraeelaestácomeleeeutenteicontê-la,maselase

recusouameouvir.Alarmado,viroorosto.–Quemestáaqui?Pelaprimeiravez,vejoaraivaseacendernosolhosdeCastle.–Agoranãoéhoradesefazerdedesentendidocomigo,garoto.HaiderIbrahim

está aqui.Sim, ele já chegou.E Juliette foi encontrá-lo sozinha, completamente

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despreparada.Ochoquemedeixamomentaneamentesempalavras.–Vocêouviuoqueeudisse?–Castlequasegrita.–Elatemumareuniãocom

eleagora.–Como?–indago,voltandoamim.–Comoelejáestáaqui?Chegousozinho?– Senhor Warner, por favor, me escute. Você precisa conversar com ela.

Precisaexplicarasituação,eprecisaexplicaragora–elealerta,agarrandomeusombros.–Elesvieramatrásdel…Castleélançadoparatrás,comforça.Gritaenquantoserecompõe,osbraçosepernasesticadosàsuafrente,comose

tivessesido levadoporumgolpedevento.Continuanessaposição impossível,pairandovárioscentímetrosacimadochão,emeencara,arfando.Lentamente,eleseajeita.Seuspésenfimtocamochão.–Vocêusariameusprópriospoderescontramim?–diz,arquejando.–Eusou

seualiado…–Nunca – aconselho-o rispidamente –, jamais coloque suas mãos em mim,

Castle.Oudapróximavezpossomatá-loporacidente.Ele pisca os olhos. E então percebo, posso sentir como se fosse capaz de

segurá-lacomminhasprópriasmãos:penademim.Estáportodaparte.Horrível.Sufocante.–Nãoseatrevaasentirpenademim–advirto-o.– Peço desculpas – fala baixinho. –Não queria invadir seu espaço pessoal.

Mas precisa entender a urgência da situação. Primeiro, aquela resposta daOceania…E agora,Haider chega? Isso é só o começo – conjectura, baixandoaindamaisavoz.–Elesestãosemobilizando.–Vocêestáprocurandopeloemovo–rebato,comavozinstável.–Achegada

deHaiderhojetemexclusivamenteavercomigo.AinevitávelinfestaçãodoSetor45porumenxamedecomandantessupremos temexclusivamenteavercomigo.Eucometi uma traição, lembra?–Balanço a cabeça e saio andando. –Eles sóestãomeio…irritados.–Pare–elepede.–Ouçaoquetenhoadizer.–Nãoprecisasepreocuparcomisso,Castle.Eudouconta.–Porquenãomeescuta?–Agoraeleestádenovocorrendoatrásdemim.–

Eles vieram para levá-la de volta com eles, garoto! Não podemos deixar issoacontecer!Eucongelo.Viro-meparaencará-lo.Meusmovimentossãolentos,cuidadosos.–Doqueestáfalando?Levá-ladevoltaparaonde?Castlenãoresponde.Emvezdisso,seurostoficainexpressivo.Confuso,olha

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naminhadireção.–Tenhomilcoisasafazer–continuo,agoraimpaciente.–Portanto,sepuder

serbreveeadiantardequedrogaestáfalando…–Elenuncacontouavocê,contou?–Quem?Contouoquê?– Seu pai. Ele nunca contou a você. – Castle passa amão no rosto. De um

instante para o outro, parece velho, prestes a morrer. – Meu Deus, ele nuncacontouavocê.–Doqueestáfalando?Oquefoiqueelenuncamecontou?–Averdade–Castleresponde.–AverdadesobreasenhoritaFerrars.Encaro-o,sintoomedocomprimiromeupeito.Castlebalançaacabeçaenquantodiz:– Ele nunca contou de onde ela realmente veio, contou? Nunca contou a

verdadesobreospaisdela.

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Juliette

–Paredetremer,J.Estamosno elevador panorâmico, a caminhode umadas principais áreas de

recepção,enãopossodeixardeficaragitada.Fechoosolhoscombastanteforça.Etagarelo:–MeuDeus,eusouumatotalsemnoção,nãosou?Oqueestoufazendo?Minha

aparêncianãoestánempertodeserprofissional…–Quersaber?Quemseimportacomassuasroupas?–Kenjifala.–Nofimdas

contas,tudoéumaquestãodeatitude.Decomovocêsecomporta.Ergooolharnadireçãodorostodele,notandomaisdoquenuncaadiferença

dealturaentrenós.–Maseusoutãobaixinha.–Napoleãotambémerabaixinho.–Napoleãoerahorrível–declaro.–Masfezmuitascoisas,nãofez?Franzoatesta.Kenjimecutucacomocotovelo.–Mesmoassim,talvezfossemelhornãomascarchiclete–aconselha.–Kenji–chamo-o,ouvindoapenasempartesuaspalavras.–Acabodemedar

contadequenuncaconhecinenhumoficialestrangeiro.–Eusei.Eutambémnão–confessa,bagunçandomeuscabelos.–Masvaidar

tudocerto.Vocêsóprecisaseacalmar.E,apropósito,vocêestáumagraça.Vaisesairbem.Afastoamãodelecomumtapa.–Possonãosabermuitoaindasobreoqueéserumacomandantesuprema,mas

seiquenãodevoestarumagraça.Eentão,oelevadoremiteumruídoeaportaseabre.–Quem foi que disse que você não pode estar uma graça e botarmoral ao

mesmotempo?–Elepiscaumolhoparamim.–Eumesmosouumagraçaebotomoraltodososdias.

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–Caramba...sabedeumacoisa?Esqueceoqueeufalei–éaprimeiracoisaque Kenji me diz. Parece constrangido e me lança um olhar de soslaio aocontinuar:–Talvezvocêrealmentedevessemelhorarseuguarda-roupa.Eupoderiamorrerdevergonha.Seja lá quem for, sejam quais forem as suas intenções, Haider Ibrahim é a

pessoa mais bem-vestida que já encontrei na vida. Ele não se parece comninguémqueeujátenhavistonavida.Ele se levanta quando entramos na sala – é alto, muito alto – e, nomesmo

instante,ficoimpressionadacomsuaaparência.Usaumajaquetadecourocinzapor cima do que imagino ser uma camisa, mas na verdade é uma série decorrentes tecidas, atravessando o peito. Sua pele é bem bronzeada e estáparcialmenteexposta;apartesuperiordocorpoficapoucoescondidapelacamisadecorrentes.Acalçapretaafuniladadesaparecedentrodoscoturnosquevãoatéacanela,eseusolhoscastanho-clarosformamumcontrasteimpressionantecomapelebronzeadaesãoemolduradosporcílioslongosenegros.Agarromeusuéterrosaenervosamenteenguloomeuchiclete.–Oi–cumprimento-oecomeçoaacenar,masKenjiégentilobastantepara

abaixaraminhamão.Pigarreio.–SouJuliette.Haider caminha naminha direção com cautela, seus olhos repuxados no que

parece ser um semblante de confusão enquanto me avalia. Sinto-medesconfortavelmente constrangida. Extremamente despreparada. E, de repente,umanecessidadedesesperadoradeusarobanheiro.– Olá – ele finalmente cumprimenta, mas a palavra soa mais como uma

pergunta.–Podemosajudá-lo?–pergunto.–TehcheenArabi?–Ah.–OlhoparaKenji,depoisparaHaider.–Hum,vocênãofalainglês?Haiderarqueiaumaúnicasobrancelha.–Vocêsófalainglês?–Sim?–respondo,sentindo-memaisnervosadoquenunca.–Quepena. –Ele bufa.Olha emvolta. –Estou aqui para ver a comandante

suprema. – Sua voz é intensa e profunda, e vem acompanhada de um discretosotaque.–Sim,oi,soueu–respondocomumsorrisonorosto.Seusolhosficamarregalados,incapazesdeesconderaconfusão.–Vocêé…–Franzeatesta.–Asuprema?–Aham.–Abroumsorrisoaindamaior.Diplomacia,digoamimmesma.Diplomacia.– Mas a informação que nos chegou foi a de que ela era forte, letal…

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Aterrorizante…Façoumaafirmaçãocomacabeça.Sintomeurostoesquentar.–Sim,soueumesma.JulietteFerrars.Haiderinclinaacabeça,seusolhosanalisandomeucorpo.– Mas você é tão pequena. – Ainda estou tentando encontrar um jeito de

respondera issoquandoelebalançaacabeçaediz:–Peçodesculpas, euquisdizerque…queétãojovem.Masclaro,tambémémuitopequena.Meusorrisojácomeçaaprovocardornorosto.–Entãofoivocê–indaga,aindaconfuso–quemmatouoSupremoAnderson?Assinto.Doudeombros.–Mas…–Perdão–Kenjientranaconversa.–Vocêtemummotivoespecíficoparater

vindoaqui?Haiderpareceimpressionadocomapergunta.OlhaparaKenji.–Queméessehomem?–Eleémeusegundoemcomando–respondo.–Epodeficaràvontadepara

responderquandoelefalarcomvocê.–Ah,estábem–Haiderafirmacomumardecompreensãonosolhos.Acena

paraKenji.–UmmembrodasuaGuardaSuprema.–EunãotenhoumaGua…– Exatamente – Kenji responde, batendo rapidamente o cotovelo emminhas

costelasparamecalar.–Perdoe-meporserumpoucosuperprotetor.–Sorri.–Tenhocertezadequeentende.–Sim,claro–Haideradmite,parecendosolidário.–Podemosnos sentar? – convido-o, apontandopara os sofás da sala.Ainda

estamosparadosnaentradaeasituaçãojácomeçaaficarconstrangedora.–Claro.–Haidermeofereceobraçoparaenfrentarajornadadequatrometros

atéossofás,elançoumrápidoolharconfusoparaKenji.Eledádeombros.Nós três tomamos nossos assentos; Kenji e eu ficamos de frente para o

visitante.Háumamesadecentrolongademadeiraentrenós,eKenjipressionaobotãominúsculoembaixodelaparachamaroserviçodecaféechá.Haidernãoparademeencarar.Seuolharnãoénemlisonjeironemameaçador

–parece genuinamente confuso.E fico surpresa ao perceber que éessa reaçãoque me deixa mais desconfortável. Se seus olhos demonstrassem raiva oudesprezo,talvezeusoubessemelhorcomoreagir.Emvezdisso,eleparececalmoeagradável,mas…surpreso.Enãoseioquefazercomisso.Kenjiestavacerto.Eu queria, mais do que nunca, que Warner estivesse aqui; sua habilidade deperceberemoçõesmedariaumaideiamaisclaradecomoresponder.

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Enfim,quebroosilêncioentrenós.–Érealmenteumprazerconhecê-lo–digo,esperandosoarmaisgentildoque

realmentemesinto.–Maseuadorariasaberoqueotrazaqui.Afinal,percorreuumlongocaminho…Nessemomento,Haidersorri.Areaçãotrazumtoquedecalortãonecessário

aoseurosto,fazendo-oparecermaisjovemdoqueantes.–Curiosidade–étudooqueofereceemresposta.Douomeumelhorparaesconderaansiedade.Acadainstanteficamaisóbvioqueelefoienviadoparacápararealizaralgum

tipo de reconhecimento e levar informações para seu pai. A teoria de Castleestava certa – os comandantes supremos devem estarmorrendo de curiosidadeparasaberquemsoueu.Ecomeçoameperguntarseessesseriamosprimeirosdosváriosolhosàespreitaquevirãomevisitar.Nessemomento,oserviçodecháecaféchega.Os homens emulheres que trabalhamnoSetor 45 – aqui e nos complexos –

andammaisanimadosdoquenuncaultimamente.Háumainjeçãodeesperançaemnossosetor,algoquenãoexisteemnenhumoutro lugardocontinente,easduassenhorasqueseapressamparadentrodasalacomocarrinhodecomidanãosãoimunesaosefeitosdoseventosrecentes.Lançamsorrisosenormesecalorososnaminha direção e arrumam a porcelana com uma exuberância que não passadespercebida. Noto que Haider observa nossa interação muito de perto,examinandoorostodasmulhereseamaneiraàvontadecomosemovimentamnaminha presença. Agradeço-as por seu trabalho, o que deixa meu visitantevisivelmente espantado. Com as sobrancelhas erguidas, ajeita-se no sofá,entrelaçaasmãossobreaspernas,umcavalheiroperfeito,totalmenteemsilêncioatéasmulheressaírem.– Vou aproveitar sua gentileza por algumas semanas – Haider anuncia de

repente.–Querodizer,seissonãoforproblema.Franzoocenho,começoaprotestar,masKenjimeinterrompe:–Claro–diz,abrindoumsorrisoenorme.–Fiquetodootempoquedesejar.O

filhodeumcomandantesupremoésemprebem-vindoaqui.–Vocêssãomuitogentis–elogia,fazendoumabrevereverênciacomacabeça.Eleentãohesita,tocaalgumacoisaemseupunhoenossasalaemuminstanteé

invadidaporpessoasqueparecemsermembrosdesuacomitiva.Haiderselevantatãorapidamentequequasenãoperceboseumovimento.Kenjieeunosapressamosparatambémficardepé.– Foi um prazer conhecê-la, Comandante Suprema Ferrars – diz o visitante,

dando um passo à frente para apertar minha mão, e fico surpresa com suacoragem. Apesar dos muitos rumores que sei que ouviu a meu respeito, não

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parece se importar em se aproximar de minha pele. Não que isso tenhaimportância,obviamente…Jáaprendialigaredesligarmeuspoderessemprequeeuquiser.Masnemtodomundosabedissoainda.Dequalquermodo,eledáumrápidobeijonascostasdaminhamão,sorriefaz

umareverênciamuitodiscreta.Consigoabrirumsorrisodesajeitadoefazerumabrevereverência.–Semedisserquantaspessoastrouxeemsuacomitiva–Kenjicomeçaadizer

–,possojáircuidandodasacomodaçõespara…Surpreso,Haidersoltaumagargalhada.–Ora,nãoseránecessário–afirma.–Eutrouxeminhaprópriaresidência.–Vocêtrouxe…–Kenjifranzeatesta.–Vocêtrouxesuaprópriaresidência?Haider assente, mas sem olhar para Kenji. Quando volta a falar, dirige-se

exclusivamenteamim:–Esperoencontrá-lacomorestantedasuaguardahojenojantar.–Jantar?–repito,piscandorapidamenteosolhos.–Hoje?–Éclaro–Kenjiapressa-seemdizer.–Esperaremosansiosamente.Haiderassente.–Porfavor,mandelembrançasminhasaoseuRegenteWarner.Jásepassaram

váriosmeses desde nossa última visita,mas espero ansiosamente vê-lo. Ele jáfalou sobremim, é claro? –Um sorriso enorme estampa seu rosto. –Nós nosconhecemosdesdeainfância.Impressionada,sóconsigoassentir.Apercepçãodosfatoscomeçaaafastara

confusão.–Sim.Certo.Éclaro.TenhocertezadequeWarner ficarámuito feliz coma

oportunidadedevê-lo.MaisumaafirmaçãocomacabeçaeHaidervaiembora.Kenjieeuficamossozinhos.–Queporrafoi…–Ah–Haiderpassaacabeçapelaporta.–E,porfavor,aviseaoseuchefque

eunãocomocarne.– Claro – Kenji confirma, assentindo e sorrindo. – Sim, certamente. Pode

deixar.

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Warner

Estousentadonoescuro,decostasparaaportadoquarto,quandoouçoalguémabri-la.Aindaéomeiodatarde,masestouhátantotemposentadoaqui,olhandoparaessascaixasfechadas,queparecequeatéoSolsecansoudemeobservar.ArevelaçãodeCastlemedeixouatordoado.AindanãoconfioemCastle–nãoacreditoquefizesseamínimaideiadoque

estava falando –, mas, ao fim da conversa, não consegui afastar uma terrívelsensação de medo, e meus instintos passaram a implorar uma verificação dosfatos.Euprecisavadetempoparaprocessaraspossibilidades.Paraficarsozinhocom meus pensamentos. E quando expressei isso a Castle, ele respondeu:“Processe tudooquequiser,garoto,masnãodeixenadadistraí-lo. JuliettenãodeveseencontrarsozinhacomHaider.Algumacoisanãomeparececertanisso,senhorWarner,evocêprecisaencontrá-loseestarcomeles.Agora.Mostreaelacomonavegarpelonossomundo”.Masnãoconseguifazerisso.Apesar de todos os meus instintos de protegê-la, eu não a limitaria assim.

Juliettenãopediuminhaajudahoje.Fezaescolhadenãomecontaroqueestavaacontecendo. Minha intromissão abrupta e indesejada só a faria pensar queconcordocomCastle,ouseja,quenãoacreditoqueelasejacapazderealizarseutrabalho. E eu não concordo com Castle. Na verdade, acho-o um idiota porsubestimá-la.Então,volteiparacá,paraestequarto,parapensar.Paraolharossegredosnãoreveladosdemeupai.Paraesperarachegadadela.Eagora…AprimeiracoisaqueJuliettefazéacenderaluz.–Oi–cumprimentacomcautela.–Oqueestáacontecendo?Respirofundoeviro-meemsuadireção.–Essessãoosarquivosantigosdemeupai–explico,apontandocomumadas

mãos.–Delalieureuniutudoissoparamim.Penseiemdarumaolhadaparaversealgumacoisaaquipoderiaserútil.–Ah,nossa!–exclama,seusolhosiluminam-seaoreconhecê-los.–Euestava

mesmomeperguntandooqueseriamessascoisas.–Atravessaocômodoparase

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agachar ao lado das caixas, passando cuidadosamente os dedos por elas. –Precisadeajudaparalevá-lasaoseuescritório?Negocomacabeça.–Querqueeuajudeasepará-las?–propõe,olhandoporcimadoombro.–Eu

ficariafelizem…– Não – respondo, muito prontamente. Levanto-me, faço um esforço para

parecercalmo.–Não,nãoseránecessário.Juliettearqueiaassobrancelhas.Tentosorrir.–Achoquequeropassarumtemposozinhocomessesarquivos.Aoouvirminhaspalavras,elaassente,masentendetudoerradoeseusorriso

compreensivo faz meu peito apertar. Sinto um instinto, uma sensação geladaesfaqueandomeuinterior.Elaachaqueeuqueroespaçoparaenfrentarminhador.Quemexernascoisasdomeupaiserádifícilparamim.MasJuliettenãosabe.Queriaeumesmonãosaber.– Então… – ela fala enquanto se aproxima da cama, deixando as caixas de

lado.–Hojefoiumdia…interessante.Apressãoemmeupeitoseintensifica.–Foi?–Acabodeconhecerumvelhoamigoseu–conta,soltandoocorponocolchão.Leva amão atrás da cabeça para soltar os cabelos, até agora presos emum

rabodecavalo,esuspira.–Umvelhoamigomeu?–repito.Mas,enquantoelafala,sóconsigoencará-la,estudaraformadeseurosto.Não

consigo,nopresentemomento,sabercomtotalcertezaseoqueCastlemefalouéverdade;masseiqueencontrareinosarquivosdemeupai,nascaixasempilhadasdentrodessequarto,asrespostasqueprocuro.Mesmoassim,aindanãotenhocoragemdeolhar.–Ei–elachama,acenandoparamim.–Vocêaindaestáaí?–Sim–respondoreflexivamente.Respirofundo.–Sim,meuamor.–Então…Vocêselembradele?–elaindaga.–HaiderIbrahim?–Haider. – Confirmo com um gesto. – Sim, claro. É o filhomais velho do

comandantesupremodaÁsia.Eletemumairmã–falo,masroboticamente.–Bem,eunãosoubedairmã–elaconta.–MasHaiderestáaqui.Evaipassar

algumassemanas.Vamostodosjantarcomelehojeànoite.–Apedidodele,certamente.–Sim.–Elari.–Comovocêsabe?Sorrio.Vagamente.–EumelembromuitobemdeHaider.

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Julietteficaemsilêncioporuminstante.Emseguida,conta:–Elemerevelouquevocêsseconhecemdesdeainfância.Eeusinto,emboranãoconsigadarnomeaessasensação,a tensãorepentina

queseespalhapeloquarto.Sófaçoumgestoafirmativo.–Issoémuitotempo–Julietteprossegue.–Sim.Muitotempomesmo.Elasemexenacama.Apoiaoqueixoemumadasmãosemeencara.–Penseiquevocêtivesseditoquenuncateveamigos.Aspalavrasdelamefazemrir,masosoméfalso.–Nãoseisechamarianossarelaçãodeamizade,exatamente.–Não?–Não.–Seráquepoderiaelaborarumpoucomais?–Hápoucoaserdito.–Bem…Sevocêsnãosãoexatamenteamigos,porqueentãoHaiderestáaqui?–Tenhominhassuspeitas.Elasuspira.Dizquetambémtemassuasemordeaparteinternadabochecha.–Achoqueéassimquecomeça,nãoé?Todosqueremdarumaolhadanoshow

de horrores. No que fizemos… Em quem eu sou. E vamos ter que dançarconformeamúsica.Massóestououvindovagamentesuaspalavras.Emvezdisso,encaroasmuitascaixasatrásdeJuliette,aspalavrasdeCastle

ainda ecoando em minha mente. Lembro que devo dizer alguma coisa a ela,qualquercoisa,paraparecerenvolvidonaconversa.Então,tentosorriraodizer:–Vocênãomedissequeeletinhachegado.Queriaterestadoláparaajudá-la

dealgumaforma.As bochechas dela, subitamente rosadas de constrangimento, contam uma

história;seuslábioscontamoutra.–Nãoacheiqueprecisassecontar tudoavocêo tempo todo.Consigocuidar

sozinhadealgumascoisas.Seu tom duro é tão surpreendente que força minha cabeça a se concentrar.

Olho-anosolhosenotoqueelaestámeencarandocomumolharrepletodedoreraiva.–Nãofoiissoqueeuquisdizer–explico.–Vocêsabequeacreditoquevocêé

capazdefazerqualquercoisa,meuamor.Maseupoderiaterdadoumaajudinhaavocê.Conheçoessagente.Agora seu rosto está aindamais ruborizado. Ela não consegueme olhar nos

olhos.– Eu sei – admite baixinho. – Eu sei. Só tenho me sentido um pouco

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sobrecarregada ultimamente. E hoje cedo tive uma conversa com Castle, umaconversa que deixou minha cabeça um pouco confusa. – Suspira. – Estou mesentindoestranhahoje.Meucoraçãocomeçaabaterrápidodemais.–VocêconversoucomCastle?Elaassente.Esqueço-mederespirar.–Ele disse que precisávamos conversar sobre algumas coisas. – Julietteme

fita.–Porexemplo,hámaiscoisas sobreoRestabelecimentoquevocênãomecontou?–MaissobreoRestabelecimento?–Sim.Háalgumacoisaquevocêdevamecontar?–Algumacoisaqueeudevacontar…–Hum, você vai continuar repetindo o que eu digo? – ela questiona, dando

risada.Sintomeucorporelaxar.Umpouquinho.–Não,não,éclaroquenão–respondo.–Eusó…Eusintomuito,meuamor.

Confesso que também estou um pouco aéreo hoje. –Aponto para as caixas dooutroladodoquarto.–Parecequetenhomuitoadescobrirsobremeupai.Elabalançaacabeça,seusolhosgrandesetristes.–Sintomuito,deverdade.Deveserhorrívelterquevertodasascoisasdele

assim.Suspiroefalomaisparamimmesmodoqueparaela:–Vocênãotemideia.–Então,viroorosto.Aindaestouolhandoparaochão,a

cabeça pesada com o que aconteceu hoje e as demandas que o dia geraram.Julietteestendeamãoparatestarminhareação,epronunciaapenasumapalavra.–Aaron?Eentãopossosentir,possosentiramudança,omedo,adoremsuavoz.Meu

coração continua batendo forte demais, mas agora por um motivo totalmentediferente.–Oquefoi?–pergunto,olhandoimediatamenteparaela.Sento-meaoseulado

nacama,estudoseusolhos.–Oqueaconteceu?Elabalançaacabeça.Olhaparasuasmãosabertas.Sussurraaodizer:–Achoquecometiumerro.Meus olhos se arregalam enquanto a observo. Seu rosto se contrai. Suas

emoçõessaemdocontrole,agredindo-mecomseuardor.Julietteestácommedo.Estácomraiva.Comraivadesimesmaporsentirmedo.– Você e eu somos tão diferentes – admite. – Ao conhecer Haider hoje, eu

apenas…–Suspira.–Eulembreidecomosomosdiferentes.Comonossacriação

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foidiferente.Estoucongelado.Confuso.Sintoseumedoeapreensão,masnãoseiondeela

querchegarcomisso.Ouoqueestátentandodizer.–Entãovocêachaquecometeuumerro?–indago.–Sobre…nós?Sintoumpânicorepentinoenquantoelaprocessaoqueestoudizendo.–Não!MeuDeus!Não sobre nós – ela se apressa em responder. –Não, eu

só…Souinundadoporumalívio.– … eu ainda tenho muito a aprender – prossegue. – Não sei nada sobre

governar… nada. – Juliette emite um ruído de impaciência e irritação. Malconseguepronunciaraspalavras.–Eunãofaziaideiadoqueestavaaceitando.Etodososdiasmesintoextremamenteincompetente.Àsvezes,nãoseiseconsigoacompanharseuritmonissotudo.–Hesitaantesdeacrescentarbaixinho:–Essetrabalhodeveriaterficadocomvocê,vocêsabedisso.Nãodeviasermeu.–Não.–Sim–elaretruca,assentindo.Nãoconseguemaisolharnomeurosto.–Todo

mundopensaisso,mesmoquenãodiga.Castle.Kenji.Apostoqueatéossoldadospensam.–Todospodemirparaoinferno.Elasorrideleve.–Achoquepodemestarcertos.–Aspessoassãoidiotas,meuamor.Aopiniãodelasnãotemomenorvalor.–Aaron–Juliettefranzeatestaaopronunciarapalavra.–Agradeçoporvocê

ficarcomraivapormim,deverdade,masnemtodasaspessoassãoidio…– Se a consideram incapaz, é porque são idiotas. Idiotas porque já se

esqueceram que você foi capaz de realizar em questão de meses o que elespassaramdécadas tentando.Esquecem-sedeondevocêpartiu,oquesuperou,avelocidade com a qual encontrou a coragem necessária para lutar quando malconseguiaficardepé.Parecendoderrotada,Julietteergueorosto.–Maseunãoseinadadepolítica.–Vocênãotemexperiência–digoaela.–Issoéverdade.Maspodeaprender

essascoisas.Aindatemtempo.Estoudispostoaajudar.–Segurosuamão.–Meuamor,vocêinspirouaspessoasdestesetoraseguirem-naemumabatalha.Elascolocaram a própria vida em risco e sacrificaram seus entes queridos porqueacreditaram em você. Na sua força. E você não as decepcionou. Jamais seesqueçadaenormidadedoquefez.Nãodeixeninguémtirarissodevocê.Ela me encara com olhos arregalados, brilhando. Pisca ao desviar o rosto,

enxugandorapidamenteumalágrimaqueescapou.

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–Omundotentouesmagá-la–digo,agoracomumtommaisgentil.–Evocêserecusouaseestilhaçar.Venceucadaumdosobstáculosesaiuumapessoamaisforte,ressurgindodascinzasedeixandotodosàsuavoltaimpressionados.Evaicontinuar surpreendendoeconfundindoaquelesquea subestimam.É inevitável.Mesmo assim, você deve estar preparada e deve saber que ser líder é umaocupação ingrata.Poucaspessoasdemonstrarãoqualquer sinaldegratidãopeloquevocêfazoupelasmudançasqueimplementa.Elastêmmemóriacurta…Aliás,elastêmmemóriasquesurgemdeacordocomaconveniência.Qualquerníveldesucessoquevocêalcançarseráescrutinizado.Suasconquistasserãodeixadasdelado, só servirão para gerarmais expectativas naqueles à sua volta. Seu poderacabaafastando-adosamigos.–Desviooolhar,negocomacabeça.–Vocêvaise sentir sozinha. Perdida. Vai desejar a aprovação daqueles que no passadoadmirou,podeagonizarentreagradarvelhosamigosefazeroqueécerto.–Ergoorosto,sintoocoraçãoinchardeorgulhoenquantoolhoparaela.–Masvocênãodevenunca,nuncamesmo,deixarosidiotasainfluenciarem.Issosóvaifazê-laseperder.OsolhosdeJuliettebrilhamcomlágrimasnãoderramadas.–Mascomo?–perguntacomumavozinstável.–Comoeutiroessaspessoas

daminhacabeça?–Ateiefogonelas.Juliettearregalaosolhos.– Mentalmente – esclareço, arriscando um sorriso. – Deixe essas pessoas

alimentaremo fogoqueamantém lutando.–Estendoamão,usoosdedosparaacariciar seu rosto.– Idiotas sãoaltamente inflamáveis,meuamor.Deixe todoselesqueimaremnoinferno.Elafechaosolhos,ajeitaorostoemminhamão.Eeuapuxoparaperto,encostandominhatestaàsua.–Aquelesquenãoaentendemsempreduvidarãodevocê–afirmo.Elaseafastaunspoucoscentímetros.Olhaparacima.–Eeu…–continuo.–Eununcaduvideidevocê.–Nunca?Negocomacabeça.–Emmomentoalgum.Juliettedesviaoolhar.Enxugaosolhos.Douumbeijoemsuabochecha,sintoo

saldaslágrimas.Elaseviraoutravezparamim.Quandome olha, consigo sentir. Sinto seusmedos desaparecendo, sinto suas

emoções se transformando. Suas bochechas coram. Sua pele de repente ficaquenteeelétricasobmeutoque.Meucoraçãobatemaisrápido,maisforte,eela

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nãoprecisadizernada.Possosentiratemperaturaentrenósmudar.–Oi–eladiz.Masestáolhandoparaminhaboca.–Olá.Elaencostaseunariznomeuealgumacoisadentrodemimganhavida.Sinto

minharespiraçãoacelerar.Meusolhossefecharemvoluntariamente.–Euteamo–eladiz.Essaspalavrasprovocamalgumacoisaemmimtodavezqueasouço.Elasme

transformam. Criam algo novo dentro de mim. Engulo em seco. Sinto o fogoconsumirminhamente.–Sabe…–sussurro.–Nuncamecansodeouvi-ladizerisso.Juliettesorri.Tocaonariznalinhadomeumaxilarenquantoseajeita,levando

os lábios àminha garganta. Estou sem ar,morrendo demedo dememexer, deperderessemomento.–Euteamo–elarepete.Minhas veias são tomadas por um calor escaldante. Sinto-a emmeu sangue,

seus sussurros esmagando meus sentidos. E por um segundo repentino,desesperado,pensonapossibilidadedeestarsonhando.–Aaron–elamechama.Estouperdendoumabatalha.Temosmuitoafazer,muitodoquecuidar.Seique

deveriaagir,sairdessasituação,masnãoconsigo.Nãoconsigopensar.E então ela sobe no meu colo e minha respiração se torna acelerada,

desesperada,umalutacontraumímpetodeprazeredor.Nãotenhocomofingirnada quando Juliette está assim, tão próxima de mim. Sei que é capaz de mesentir,queconseguesentirquantoaquero.Eutambémconsigosenti-la.Seucalor.Seudesejo.Elanãoescondeoquequerdemim.Oquequerqueeu

façacomela.Esaberdissosódeixameutormentomaisagudo.Elamedáumbeijosuave,suasmãosdeslizandoporbaixodaminhablusa,e

me abraça. Puxo-a para perto e ela se acomoda no meu colo, fazendo-menovamenterespirardeformadolorosaeangustiante.Todososmeusmúsculosseenrijecem.Tentonãomemexer.–Seiquejáétarde–eladiz.–Seiquetemosummilhãodecoisasparafazer.

Massintosuafalta.–Julietteestendeobraço,osdedosdeslizandopelozíperdasminhascalças,seutoquefazendomeucorpoarderemchamas.Minhavisãoficaturva.Porummomento,nãoouçonadaalémdomeucoraçãolatejandonacabeça.–Vocêestátentandomematar–digo.– Aaron. – Posso sentir seu sorriso quando ela sussurra nomeu ouvido, ao

mesmotempoemquedesabotoaminhacalça.–Porfavor.Eeu...eumeentrego.

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Derepente,tenhoumamãoemsuanuca,aoutraemvoltadasuacintura,eeuabeijo, fundindo-me com ela, caindo para trás na cama e puxando-a comigo.Eusonhavacomisso–commomentosassim–,comoseriaabrirozíperdesuacalçajeans, deslizar os dedos por sua pele nua, senti-la, quente emacia, contrameucorpo.Parodesúbito.Afasto-me.Queroadmirá-la,estudá-la.Lembraramimmesmo

queJulietteestárealmenteaqui,queémesmominha.Quemedesejatantoquantoeu a desejo. E quando a olho nos olhos sou tomado por um sentimentoavassalador,queameaçameafogar.Elogoelaestámebeijando,mesmoenquantomeesforçopararecuperaroar,etudo,todotipodepensamentoepreocupação,éempurradoparalonge,substituídopelasensaçãodesuabocanaminhapele.Suasmãos,reivindicandoomeucorpo.MeuDeus,issoéumadrogairresistível.Juliette me beija como se soubesse. Soubesse… como eu preciso

desesperadamentedisso,precisodela,precisodesseconfortoelibertação.Comoseelatambémprecisasse.Seguro-aemmeusbraços,viro-atãorápidoqueelachegaagemerdesurpresa.

Beijo seu nariz, as bochechas, os lábios. Os contornos de nossos corpos sefundem. Sinto-me dissolvendo, transformando-me em pura emoção quando elaabreaboca,quandomesaboreia,quandogemeemminhaboca.–Euteamo–consigodizer,cadapalavraofegante.–Euteamo.Émesmointeressantenotarquãorapidamenteme torneio tipodepessoaque

cochilanofimdatarde.Apessoaquefuinopassadojamaisdesperdiçariatantotempo dormindo. Por outro lado, aquele indivíduo do passado nunca souberelaxar.Dormirerabrutal,ilusório.Masagora…Fechoosolhos,encostomeurostoemsuanucaerespiro.Elasemexequaseimperceptivelmenteaomesentirali.Seucorponuesquentajuntoaomeu,meusbraçosaenvolvem.Sãoseishoras.

Tenhomilcoisasafazerenãoquero,dejeitonenhum,sairdaqui.Beijo seus ombros e ela arqueia as costas, suspira e vira-se parame olhar.

Puxo-aparaperto.Juliettesorri.Emebeija.Fechoosolhos,minhapeleaindaquentecomamemóriadeseucorpo.Minhas

mãosestudamaformadeseuscontornos,seucalor.Sempremeimpressionocomamaciezdesuapele.Suascurvassãosuaves.Sintomeusmúsculosseretesaremcomanseioemesurpreendocomquantoadesejo.Outravez.Rápidoassim.–Émelhornosvestirmos–elasugerecomumavozarrastada.–Aindapreciso

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meencontrarcomKenjiparaconversarsobrehojeànoite.Derepente,recuo.–Caramba–sussurro,afastando-me.–Nãoera issomesmoqueeuesperava

ouvi-ladizer.Julietteri.Muitoalto.–Hum.Kenjiéumassuntoquenãoodeixaanimado.Jáentendi.Sentindo-memesquinho,sóconsigofranziratesta.Elabeijameunariz.–Eurealmentequeriaquevocêsdoisfossemamigos.–Eleéumdesastreambulante–retruco.–Vejaoquefezcommeuscabelos.–Masémeumelhoramigo–elarebate,aindasorrindo.–Enãotenhotempo

paraescolherentrevocêsdoisotempotodo.Olhodesoslaioparaela.Agoraestásentadanacama,ocorpocobertoapenas

comolençol.Seuscabeloscastanhoselongosestãodesgrenhados;asbochechas,rosadas;osolhos,grandeseredondoseaindaumpoucosonolentos.Nãoseiseseriacapazdedizernãoaela.– Por favor, seja educado com ele – ela pede, arrastando-se sobre mim,

prendendoolençolnojoelhoeperdendoacompostura.Arranco o lençol de uma vez por todas, o que a faz arfar, surpresa com a

imagemdeseuprópriocorponu.Enãoconsigoevitar:tenhoquetirarvantagemdomomento,entãoapuxooutravezparadebaixodemim.–Porquê?–questiono,beijando seupescoço.–Porque se sente tão ligada

assimaesselençol?Juliettedesviaoolhareenrubesce,eestououtravezperdido,beijando-a.–Aaron–arfa,semar.–Eutenho…tenhomesmoqueir.–Nãová–sussurro,depositandolevesbeijosemsuaclavícula.–Nãová.Seu rosto está corado; os lábios, muito vermelhos. Os olhos, fechados,

desfrutandodoprazer.–Eunãoquero–admite,arespiraçãopresaenquantoseguroseulábioinferior

entreosmeusdentes.–Nãoquero,mesmo,masKenji…Bufo e solto o corpo no colchão, puxando um travesseiro para cobrir meu

rosto.

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Juliette

–Porondevocêandou,caramba?–Oquê?Lugarnenhum–respondo,sentindoocalortomarcontadomeucorpo.– Como assim, lugar nenhum? – Kenji insiste, quase pisando nos meus pés

enquantotentopassarporele.–Estouesperandoaquiháquaseduashoras.–Eusei…Desculpe…Elesegurameusombros,fazendo-megirar.Deslizaoolharpormeurostoe…–Quenojo,J,masquedrogaé…?–Oquê?–Arregaloosolhos,todainocente,mesmocomorostoemchamas.Kenjimelançaumolharfuzilante.Pigarreio.–Eufaleiparavocêfazerumaperguntaaele.–Eufiz.–MeuDeusdocéu!–Kenjiesfregaamãoagitadanatesta.–Horaelugarnão

significamnadaparavocê?–Hã?Eleestreitaosolhosparamim.Abroumsorriso.–Vocêsdoissãoterríveis.–Kenji–digo,estendendoamão.–Eca,nãotoqueemmim…–Estábem–respondo,franzindoatestaecruzandoosbraços.Elefazumanegativacomacabeça,desviaoolhar.Ostentaumacaretaefala:–Quersaber?Quesedane!–Esuspira.–Warnerpelomenoscontoualguma

coisaútilantesdevocêsdois…digamos,mudaremdeassunto?Kenjieeuacabamosdevoltaràrecepção,ondeaindahápoucoencontramos

Haider.– Sim, contou – respondo, determinada. – Ele sabia exatamente de quem eu

estavafalando.–E?Sentamos nos sofás. Dessa vez, Kenji escolhe tomar o lugar àminha frente.

Pigarreio.Emeperguntoemvozaltasedeveríamospedirmaischá.

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– Nada de chá. – Kenji solta o corpo no encosto do sofá, cruza as pernas,calcanhar direito apoiado no joelho esquerdo. – O que Warner revelou sobreHaider?Seuolharétãofocadoeimplacávelqueficosemsaberoquefazer.Sinto-me

estranhamente constrangida. Queria ter lembrado de ter prendido outra vez oscabelos.Tenhoqueficarotempotodoafastandoosfiosdorosto.Sentada,forçoacolunaapermanecerereta.Recomponho-me.–Eledissequenuncaforam,defato,amigos.Kenjibufa.–Atéaí,nenhumasurpresa.–Masqueselembradele–continuo,apontandoparanadaemparticular.–E?Doqueelelembra?–Ah,hum.–Coçoumincômodoimaginárioatrásdaorelha.–Nãosei.–Vocênãoperguntou?–Eu,é…esqueci?Kenjireviraosolhos.–Droga,eusabiaquedeviateridolápessoalmente.Sento-mesobreasmãosetentosorrir.–Querpedirumaxícaradechá?–Nadadechá! –Kenji lançaumolhar furiosonaminhadireção.Pensativo,

bateamãonaperna.–Vocêquer…?–OndeestáWarneragora?–Kenjimeinterrompe.–Nãosei–respondo.–Achoqueaindaestánoquartodele.Tinhaummontede

caixasláqueelequeriaanalisar.Kenjiimediatamentesecolocadepé.Ergueumdedo.–Eujávolto.–Espere!Kenji…Nãoachoquesejaumaboaideia…Maselejásefoi.Soltoocorponosofáesuspiro.

Exatamentecomosuspeitei.Nãofoiumaboaideia.Warnerestáparadocomocorpo todoenrijecidoao ladodomeusofá,quase

sem olhar para Kenji. Acho que ainda não o perdoou pelo corte de cabelodesastroso,enãopossodizerqueoculpo.Warnerficamuitodiferentesemseuscabelos dourados – não fica ruim, mas diferente. Agora os fios quase nãoalcançammeroscentímetros,todoscomtamanhouniforme,umtomdeloiroquesócomeça a aparecer agora. Contudo, a transformação mais interessante em seu

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rostoéabarbasuaveporfazer,comosetivesseseesquecidodesebarbearnosúltimosdias.Emevejosurpresaaomedarcontadequeissonãomeincomoda.Eleénaturalmentebonitodemaisparasuagenéticaseralteradaporumsimplescorte de cabelo e, verdade seja dita, eu meio que gosto do que estou vendo.Hesitoparalheconfessarisso,afinal,nãoseiseWarnerapreciariaumelogiotãopoucoconvencional,masháalgopositivonessamudança.Pareceumpoucomaisdurãoagora,umpoucomaismasculino.Estámenosbonito,mas,aomesmotempo,irresistivelmente…Maissensual.Cabelos curtos e descomplicados; aquela sombra de barba começando a

aparecer;umrostomuito,muitosério.Caibemnele.Está usando um suéter leve e azul-marinho – as mangas, como de costume,

puxadas na altura do antebraço –, e calças justas enfiadas em botas pretas elustrosas. É um visual sem esforço. E, nesse exato momento, mantém o corpoapoiadoemumpilar,osbraçoscruzadosnaalturadopeito,ospéscruzadosnaalturado tornozelo,parecendomaiscarrancudoquedecostume.Eessa imagemmuitomeagrada.Porém,nãoagradanadaaKenji.Osdoisparecemmaisirritadosdoquenunca,eperceboquesouaculpadapela

tensão. Continuo insistindo em forçá-los a passar um tempo juntos. Continuomantendo a esperança de que, por meio de experiências suficientes, Kenji vaipassar a ver o que eu amo emWarner eWarner vai aprender a admirar o queadmiro emKenji…Masmeu plano parece não estar funcionando. Forçá-los apassarumtempojuntosjácomeçaaseprovarumtironopé.–Então…–quebroosilêncio,unindoasmãos.–Podemosconversar?– Claro – Kenji responde, mas continua olhando para a parede. – Vamos

conversar.Ninguémdiznada.Cutucoo joelhodeWarner.Quando ele olhaparamim,gesticuloumconvite

paraquesesente.Eelesesenta.–Porfavor–sussurro.Warnerfranzeatesta.Finalmente,aindarelutante,suspira.–Vocêdissequetinhaperguntasamefazer.–Sim,aprimeira:porquevocêétãobabaca?Warnerselevanta.–Meuamor–falabaixinho.–Esperoquemeperdoepeloqueestouprestesa

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fazercomacaradele.–Ei,babaca,ouvioquevocêfalou.– É sério, isso precisa parar. – Estou puxando o braço deWarner, tentando

fazê-losesentar,maseleserecusa.Minhaforçasobre-humanaétotalmenteinútilem Warner; ele simplesmente absorve o meu poder. – Por favor, sentem-se.Todos.Evocê…–ApontoparaKenji.–Vocêprecisaparardeprovocarbrigas.Kenjilançaasmãosaoar,emiteumruídoquedeixaclarasuadescrença.–Ah,entãoésempreculpaminha,nãoé?Quesedane.–Não–rebatoveementemente.–Nãoéculpasua.Éculpaminha.Surpresos,KenjieWarnerviram-seaomesmotempoparameencarar.–Issoqueestáacontecendo–esclareço,apontandodeumparaooutro.–Fui

euquemprovocouisso.Sintomuitoporterpedidoquefossemamigos.Vocêsnãotêmqueseramigos.Nãotêmsequerquegostarumdooutro.Esqueçamtudooqueeudisse.Warnerdescruzaosbraços.Kenjiarqueiaassobrancelhas.– Eu prometo – asseguro. – Não teremos mais momentos de aproximação

forçada. Não precisam mais passar tempo juntos sem a minha presença.Entendido?–Jura?–Kenjilança.–Eujuro.–GraçasaDeus!–Warnerexclama.–Digoomesmo,irmão.Digoomesmo.Eeu,irritada,reviroosolhos.Essaéaprimeiravezqueconcordamemalguma

coisa emmais de uma semana: seu ódiomútuo porminha esperança de que setornemamigos.Bem,pelomenosKenjienfimabriuumsorriso.Elesesentanosofáeparece

relaxar.Warnertomaolugaraomeulado–sereno,muitomenostenso.E é isso.Era só disso que precisavam.A tensão se desfez.Agora que estão

livresparaodiaremumaooutro,parecemperfeitamenteamigáveis.Simplesmentenãoconsigoentendê-los.–Então…vocêtemperguntasamefazer,Kishimoto?–Warnerindaga.Kenjiassente,inclinaocorpoparaafrente.–Sim…Tenho.QuerosabertudoqueselembradafamíliaIbrahim.Temosque

estarpreparadosparaoquequerqueHaiderdecidajogarnamesahojeduranteojantar, o que…–Kenji olha para o relógio em seupulso, franze a testa –, porsinal, começa em vinte minutos, não graças a vocês dois, mas enfim… fiqueipensandosepoderianoscontaralgumacoisasobreaspossíveismotivaçõesdele.Eugostariadeestarumpassoàfrentedaquelecara.

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Warnerassente.–AfamíliadeHaidervai levarmais tempoparadesfazerasmalasporaqui.

De modo geral, eles são intimidantes. Mas Haider é muito menos complexo.Aliás, ele é uma escolha um tanto bizarra para uma situação como essa. FicosurpresoporIbrahimnãotermandadosuafilha.–Porquê?Warnerdádeombros.–Haiderémenoscompetente.Éhipócrita.Mimado.Arrogante.–Espereaí…EstádescrevendoHaiderouasimesmo?Warnerparecenãodaramínimaparaaprovocação.– Você não percebe uma diferença fundamental entre nós – prossegue. – É

verdadequesouconfiante.MasHaideréarrogante.Nãosomosiguais.–Paramim,parecetudoamesmacoisa.Warnerentrelaçaosdedosesuspira,parecendoseesforçaraomáximoparaser

pacientecomumacriançaterrível.–Arrogânciaéconfiançafalsa–afirma.–Brotadainsegurança.Haiderfinge

nãotermedo.Fingesermaiscrueldoquedefatoé.Mentecomfacilidade,oqueotornaimprevisívele,emcertasocasiões,umoponentemaisperigoso.Mas,namaiorpartedotempo,suasaçõessãomovidaspelomedo.–Warnerergueorosto,olhaKenjinosolhos.–Eissootornafraco.– Ah, entendi. – Kenji deixa o corpo afundar no sofá enquanto processa as

informações.–Algumacoisaparticularmente interessantea respeitodele?Algoquedevamossaberdeantemão?–Naverdade,não.Haiderémedíocrenamaioriadascoisas.Sósesobressai

ocasionalmente.Éobcecadosobretudopeloprópriocorpo,emaistalentosocomriflesdeprecisão.Kenjiergueoqueixo.– Obcecado pelo próprio corpo? Tem certeza de que vocês dois não são

parentes?Aoouvirisso,Warnerfechaacara.–Eunãosouobcecadopelo…–Estábem,estábem,acalme-se!–Kenjiacenacomamão.–Nãoprecisacriar

rugasnesseseurostinholindoporcausadomeucomentário.–Detestovocê.–Amoofatodesentirmosamesmacoisaumpelooutro.–Chega,vocêsdois–faloemvozalta.–Foco.TemosumjantarcomHaider

emcincominutoseparecequesouaúnicaaquipreocupadacomarevelaçãodequeeleéumatiradorespecialmentetalentoso.–É,talvezeleestejaaquipara…–Kenjiusaosdedosparasimularumaarma

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apontadaparaWarner,depoisparasipróprio.–Treinartiroaoalvo.Aindairritado,Warnerfazumanegaçãocomacabeça.–Haideréposer.Eunãomepreocupariacomele.Conforme jádisse,eume

preocuparia mais se sua irmã estivesse aqui. O que significa que devemoscomeçaranospreocuparmuitoembreve.–Exala.–Tenhoquasecertezadequeseráapróximaachegar.Aoouviraspalavras,arqueioassobrancelhas.–Elaémesmotãoassustadoraassim?Warnerinclinaacabeça.–Nãoéexatamenteassustadora–dizparamim.–Elaémuitoracional.–Entãoelaétipo…oquê?–Kenjipedeesclarecimentos.–Psicopata?–Longedisso.Massempretiveaimpressãodequeelasenteaspessoasesuas

emoções, e nunca consegui ler direito aquela mulher. Acho que a mente delafunciona rápido demais. Há uma coisa um pouco… volúvel em sua forma depensar.Comoumbeija-flor.–Suspira.Olhaparacima.–Enfim,nãoavejohápelomenosalgunsmeses,masduvidoquetenhamudado.–Comoumbeija-flor?–Kenjirepete.–Então,tipo,elafalarápido?–Pelocontrário–Warneresclarece.–Elacostumasermuitosilenciosa.–Hum…Entendi. Bem, fico contente por ela não estar aqui –Kenji fala. –

Essamulherpareceumtédio.Warnerquasesorri.–Elapoderiaarrancarsuastripas.Kenjireviraosolhos.Estou prestes a fazer outra pergunta quando um barulho repentino e irritante

interrompenossaconversa.

Delalieuveionosbuscarparaojantar.

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Warner

Euodeiodeverdadeserabraçado.Existempouquíssimasexceçõesaessaregra,eHaidernãoéumadelas.Mesmo

assim, todavezquenosencontramos,ele insisteemmeabraçar.Beijaoardosdois lados do meu rosto, apoia a mão em meus ombros e sorri como se eurealmentefosseseuamigo.–Helahabibishlonak?Éumprazerenormevê-lo.Finjoumsorriso.–Anizeyn,shukran.–Apontoparaamesa.–Sente-se,porfavor.–Claro,claro–concorda,eolhaemvolta.–WenhaNazeera...?–Oh–surpreendo-me.–Penseiquetivessevindosozinho.–La,habibi–diz,enquantosesenta.–Heeyashwayamitakhira.Maseladeve

chegaraqualquermomento.Estavamuitoanimadacomaoportunidadedevê-lo.–Duvidomuitodisso.–Hum,comlicença,maseusouoúnicoaquiquenãosabiaquevocê falava

árabe?–Kenjimeobservadeolhosarregalados.Haidersoltaumarisada,olhosluminososenquantoanalisameurosto.–Seus novos amigos sabembempouco sobre você. –Depois, volta-se para

Kenji:–SeuRegenteWarnerfalasetelínguas.–Vocêfalasetelínguas?!–Julietteexclama,segurandomeubraço.–Àsvezes–respondobaixinho.Ojantardehojeéparaumgrupopequeno.Julietteestásentadaàcabeceirada

mesa.Eumeencontroàsuadireita;Kenji,àminhadireita.ÀminhafrenteestáHaiderIbrahim.ÀfrentedeKenji,umacadeiravazia.–Então–dizHaider,unindoasmãos.–Essaéasuanovavida?Tantacoisa

mudoudesdenossoúltimoencontro.Seguroogarfo.–Oquevocêveiofazeraqui,Haider?–Wallah–diz, levandoamãoaopeito.–Penseiquefosseficarfelizemme

ver.Euqueriaconhecertodososseusnovosamigos.E,éclaro,tinhadeconhecer

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suanovacomandantesuprema.–Decantodeolho,avaliaJuliette;omovimentoétão rápido que quase passa despercebido. Em seguida, pega seu guardanapo,abre-o cuidadosamente no colo e fala em um tom muito leve: –Heeya jidanhelwa.Meupeitoaperta.–Eissoésuficienteparavocê?–Eleinclinaocorpoparaafrente,derepente

falando muito baixinho, de modo que só eu consiga ouvi-lo. – Um rostinhobonito?Evocêtraiseusamigoscomtantafacilidadeassim?–Sevocêveio aqui atrás de briga, por favor, nãopercamos tempo jantando

antes–retruco.Haiderdeixaescaparumarisadaalta.Seguraseucopodeágua.– Ainda não, habibi. – Toma um gole. Relaxa na cadeira. – Sempre temos

tempoparajantar.–Ondeestá sua irmã?–questiono,desviandooolhar.–Porquenãovieram

juntos?–Porquenãoperguntadiretamenteaela?Ergo o olhar eme surpreendo ao encontrarNazeera parada na passagem da

porta.Elaanalisaasala,eseuolhardetém-senorostodeJuliettesóumsegundoamais.Senta-sesemdizerumaúnicapalavra.–Meuscaros,estaéNazeera–Haideraapresenta,levantando-secomumsalto

e um sorriso enorme no rosto. Envolve a irmã com um braço na altura de seuombro,mesmoenquantoelaoignora.–Nazeeraficaráaquiduranteminhaestada.Esperoquearecebamcomomesmocalorhumanoquemereceberam.Nazeeranãocumprimentaninguém.OrostodeHaiderdemonstraumexagerodefelicidade.Nazeera,todavia,não

esboçanenhumaexpressão.Seusolhossãoapáticos;omaxilar,solene.Asúnicassemelhançasentreessesdoisirmãossãofísicas.Elatemamesmapelebronzeada,os mesmos olhos castanho-claros e os mesmos cílios longos e escuros queprotegem sua expressão do restante de nós.No entanto, cresceumuito desde aúltimavezqueavi.SeusolhossãomaioresemaisprofundosqueosdeHaider,eela ostenta umpequenopiercing de diamante abaixodo lábio inferior, alémdedoisoutrosdiamantesacimadasobrancelhadireita.Aúnicaoutradistinçãoóbviaentreosdoiséquenãoconsigoveroscabelosdela.Nazeeraostentaumxaledesedaenvolvendoacabeça.Enãoconsigoevitarochoque.Issoénovidade.ANazeeradaqualmelembro

não cobria os cabelos – e por que cobriria? Seu xale é uma relíquia, parte denossavidapassada.ÉumartefatoreligiosoeculturalquedeixoudeexistircomachegadadoRestabelecimento.Jáfazmuitotempoquenossomovimentoexpurgoutodosossímbolosepráticasdeféouculturaisemumesforçopararestabeleceridentidades e alianças, tanto que os locais de adoração foram as primeiras

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instituiçõesaseremdestruídasaoredordomundo.Oscivis,diziam,deveriamsecurvardiantedoRestabelecimentoenadamais.Cruzes,luascrescenteseestrelasdeDavi–turbantesequipásehijabsehábitosdefreiras…Tudoissoéilegal.E Nazeera Ibrahim, filha de um comandante supremo, é dotada de

impressionante coragem. Porque esse simples xale, um detalhe aparentementeinsubstancial, não é nada menos que um ato declarado de rebelião. Estou tãoimpressionadoquenãoconsigosegurarminhaspróximaspalavras:–Vocêcobreoscabelosagora?Aomeouvir,elaergueorosto,olhando-menosolhos.Tomaumdemoradogole

deseucháemeestuda.Porfim…Nãodiznada.Sintomeurostoprestesaregistrarsurpresaetenhodemeforçaraficarparado.

Elaclaramentenãosemostrainteressadaemdiscutiressetema.Decidomudardeassunto.EstouprestesadizeralgoaHaiderquando,–Então,vocêpensouqueninguémfosseperceber?Quecobreoscabelos?–É

Kenji, falando e mastigando ao mesmo tempo. Toco meus dedos nos lábios edesviooolhar,lutandoparaesconderminharepulsa.Nazeerafincaogarfoemumafolhadealfaceemseuprato.Come-a.–Querodizer,vocêdevesaberqueapeçaqueestáusandoéumaofensadigna

deserpunidacomprisão–Kenjicontinuafalandoparaela,aindamastigando.Nazeera parece surpresa ao verKenji insistindonesse assunto.Seus olhos o

analisamcomoseelefosseumidiota.–Perdão–ela falacomum tom leve,baixandoogarfo.–Masquemévocê

mesmo?–Nazeera–Haiderchamaaatençãoda irmã, tentandosorrirenquanto lança

umcuidadosoolhardesoslaioparaela.–Porfavor,lembre-sedequenóssomososconvidados...–Eunãosabiaquehaviaumcódigodevestimentaaqui.–Ah…Bem,achoquenãotemosumcódigodevestimentaaqui–Kenjiretruca

entreumamordidaeoutra,alheioàtensão.–Masissosóaconteceporquetemosumanovacomandantesupremaquenãoéumapsicopata.Porém,continuasendoilegal vestir-se assim – censura, apontando com a colher para o rosto dela. –Tipo,éilegalliteralmenteemtodososlugares.Certo?–Deslizaoolharportodosnós,masninguémresponde.–Nãoé?–insiste,concentrando-seemmim,ansiosoporumaconfirmação.Façoumgestopositivocomacabeça.Lentamente.Nazeera bebe mais um demorado gole de seu chá, tomando cuidado ao

descansaraxícaranopiresantesdeapoiarocorponoencostodacadeira,olhar-

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nosnosolhosedizer:–Oqueolevaapensarqueeumeimportocomisso?–Querodizer…–Kenji franzea testa.–Vocênão temquese importar?Seu

paiéumdoscomandantessupremos.Elesabequevocêusaessacoisa–apontaoutra vez, agora para a cabeça de Nazeera – em público? Ele não vai ficarirritado?Essejantarnãoestáindonadabem.Nazeera, que acabou de segurar outra vez o garfo para pegar um pouco de

comidaemseuprato,baixaotalheresuspira.Diferentementedoirmão,elafalauminglêssemqualquersotaque.EstáolhandoparaKenjiquandodiz:–Essacoisa?–Desculpe–eleseexpressatimidamente.–Nãoseicomochamamisso.Nazeerasorriparaele,masnãohácordialidadeemsuaexpressão.Apenasuma

advertência. – Os homens sempre ficam tão desorientados com as roupas dasmulheres. Tantas opiniões sobre um corpo que não lhes pertence. Cubra, nãocubra.–Acenacomamão,deixandoclaroseudesdém.–Vocêsparecemnuncasedecidir.–Mas…Nãoéissoqueeu…–Kenjitentaseretratar.–Sabeoque eupenso– ela o interrompe, ainda comum sorrisono rosto–

sobrealguémmedizendooqueélegalouilegalnaminhamaneirademevestir?Elaergueosdoisdedosdomeio.Kenjiengasga.– Vá em frente – Nazeera o desafia, seus olhos brilhando furiosamente

enquantopegaoutravezogarfo.–Conteaomeupai.Alerteos inimigos.Estoupoucomefodendoparaisso.–Nazeera…–Caleaboca,Haider.–Nossa!Ei…desculpe–Kenjiderepentefala,aparentandoestarempânico.–

Eunãotinhaaintençãode…–Quesedane–elaresponde,revirandoosolhos.–Nãoestoucomfome.–Ela

se levantadepronto.Comelegância.Existealgo interessanteemsua raiva.Emseuprotestonadasutil.Eelaéaindamaisimpressionantedepé.Temasmesmaspernaslongaseocorpomagrodeseuirmão,esesustentacom

muito orgulho, como alguém que nasceu com posição e privilégios. Usa umatúnica cinza feita com um tecido refinado e denso; calça de couro justa; botaspesadas;ereluzentessocosinglesesdeouronasduasmãos.Eeunãosouoúnicoencarando.Juliette,que ficaraobservandoemsilênciodurante todoo tempo,estácomo

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rosto erguido,maravilhada. Posso praticamente ver seu processo de raciocínioenquanto ela subitamente enrijece o corpo, olha as próprias roupas e cruza osbraços na altura do peito como se quisesse esconder seu suéter rosa. Puxa asmangascomosequisesserasgá-las.Étãoadorávelquequaseabeijobemali.

Umsilênciopesadoedesconfortávelse instalaentrenósdepoisqueNazeeravaiembora.TodosesperávamosquestionamentosintensosvindosdeHaiderestanoite;em

vezdelançarperguntas,todavia,elepermaneceemsilêncio,cutucandoacomida,parecendocansadoeconstrangido.Nenhumdinheiroouprestígionomundopodeprotegerqualquerumdenósdaagoniadejantaresconstrangedoresemfamília.–Porque tevequeabriraboca?–Kenjimedáumacotovelada, fazendo-me

estremecer,deixando-mesurpreso.–Perdão?– Foi culpa sua – ele resmunga, ansioso. – Você não devia ter falado nada

sobreoxaledela.– Eu fiz uma pergunta – rebato duramente. – Foi você quem insistiu no

assunto...–Sim,masvocêcomeçou!Porquetevedecomentar?–Elaéfilhadeumcomandantesupremo–argumento,esforçando-meparafalar

baixo.–SabemelhordoqueninguémqueestáusandoumapeçailegalsegundoasleisdoRestabelecimento.–Ah,meuDeus!–Kenjiexclama,balançandoacabeça.–Só…sópare,está

bem?–Comoseatreve…–Oquevocêsdoisestãocochichando?–Juliettepergunta,aproximando-se.– Só que seu namorado não sabe quando é hora de calar a boca – Kenji

responde,levandomaisumacolheradaàboca.–Évocêqueéincapazdeficarcalado.–Desvioorosto.–Nãoconseguenem

ficar de boca fechada enquantomastiga. Aliás, essa é sómais uma das coisasnojentasquevocê…–Caleaboca,cara.Estoucomfome.–Achoquetambémvoumeretirarporestanoite–Haiderderepenteanuncia.

Eselevanta.Todosolhamosparaele.– Claro – digo. E também me levanto para lhe desejar um boa-noite

apropriado.

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–Aniaasef–Haiderdiz,olhandoparaseupratoaindaparcialmentecheio.–Eu esperava ter uma conversamais produtiva com todos vocês esta noite,masreceioqueminha irmãestejacontrariadaporestaraqui.–Suspira.–Masvocêconhece Baba – diz para mim. – Ele não deu escolha a ela. – Haider dá deombros.Tentasorrir.–Nazeeraaindanãoentendeuqueoquetemosquefazer…amaneiracomovivemosagora…–hesita–foiavidaquerecebemos.Nenhumdenósteveescolha.E, pela primeira vez esta noite, ele me surpreende; vejo alguma coisa que

reconheço em seus olhos. Uma centelha de dor. O peso da responsabilidade.Expectativas.Sei muito bem o que é ser filho de um comandante supremo do

Restabelecimento.Ecomoéseatreveradiscordardealgumacoisa.–Claro–digoaele.–Euentendo.Eurealmenteentendo.

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Juliette

WarneracompanhaHaiderdevoltaaosaposentosquelheforamreservadose,logodepoisqueosdoisseretiram,orestantedonossogrupovaiembora.Foiumjantarestranho,extremamentecurtoecommuitassurpresas,eagorasintodordecabeça.Estouprontaparairparaacama.KenjieeupercorremosemsilêncioocaminhoquelevaaoquartodeWarner,osdoisperdidosempensamentos.Éeleoprimeiroafalar.–Então…Vocêestámuitoquietahoje–diz.–Sim.–Dourisada,masnãoháqualquersinaldevidanela.–Estouexausta,

Kenji.Foiumdiaesquisito.Eumanoiteaindamaisbizarra.–Emquesentido?– Não sei, mas que tal começarmos com o fato de que Warner fala sete

línguas?–Ergoorosto,olhoemseusolhos.–Querodizer,quehistóriaéessa?Àsvezesachoqueoconheçotãobem,eentãoumacoisaassimaconteceeissosimplesmente–balançoacabeça–medeixaaturdida.Vocêestavacerto.Aindanãoseinadaarespeitodele.Alémdomais,oqueestoufazendoaessaaltura?Eunãofaleinadaduranteojantarporquenãotinhaamenorideiadoquefalar.Kenjisuspira.–É…Bem…Sete línguas éumacoisabem louca.Mas,querodizer…Você

tem que se lembrar de que ele nasceu nesse meio, entende?Warner teve umaeducaçãoquevocênuncateve.–Éexatamentedissoqueestoufalando.–Ei,vocêvaificarbem–Kenjimeconforta,apertandomeuombro.–Vaidar

tudocerto.– Eu estava começando a sentir que talvez desse conta desse desafio –

confesso-lhe.–TiveumaconversabemlongacomWarnerhojeesaímesentindomelhor.Masagoranemlembroporquê.–Suspiro.Fechoosolhos.–Eumesintotãoidiota,Kenji.Maisidiotaacadadia.–Talvezvocêsóestejaenvelhecendo.Ficandosenil.–Eledátapinhasemsua

cabeça.–Vocêsabe.–Caleaboca!–Então,é…–Kenjidárisada.–Seiquefoiumanoiteesquisitaecoisaetal,

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mas…oquevocêachou?Nogeral?–Doquê?–pergunto,encarando-o.–DeHaidereNazeera–esclarece.–Ideias?Sentimentos?Sociopatas,simou

não?–Ah!–Franzoatesta.–Bem,elessão tãodiferentesumdooutro.Haideré

muitobarulhento.JáNazeeraé…Nãosei.Nuncaconhecialguémcomoelaantes.AchoquerespeitoofatodeeladesafiaropaieoRestabelecimento,masnãoseiquaissãosuasmotivações,entãonãoseisedevolhedarmuitocrédito.–Suspiro.– Mas, enfim, ela me pareceu muito… irritada. E muito bonita. E muitointimidadora.Adolorosaverdadeéquenuncamesentitãointimidadaporoutragarotaantes

enãoseicomoadmitiralgoassimemvozalta.Passeiodiatodo–assimcomoasúltimassemanas–mesentindoumaimpostora.Umacriança.Odeioafacilidadecomaqualminhaconfiançavemevai,odeiofraquejarentrequemeueraequempoderia ser. Meu passado ainda está grudado em mim, mãos de esqueleto mepuxando para trásmesmo enquanto eume impulsiono em direção à luz. E nãoconsigo deixar de me perguntar quão diferente eu seria hoje se em algummomento,enquantocrescia,eutivessetidoalguémparameencorajar.Nuncativeum modelo feminino forte. Conhecer Nazeera hoje à noite, ver como ela semostroualtivaecorajosa,medeixoupensandosobreondeelateriaaprendidoaserassim.Chegueiadesejartertidoumairmã.Ouumamãe.Alguémcomquemaprender

ecomquemcontar.Umamulherquemeensinasseasercorajosaemmeuprópriocorpoemmeioaesseshomens.Nuncativeisso.Na verdade, fui criada sob uma dieta rigorosa de provocações e zombarias,

golpesnocoração,tapasnacara.Cresciouvindorepetidasvezesqueeunãovalianada.Queeraummonstro.Jamaisamada.Jamaisprotegidadomundo.Nazeeraparecenãose importarcomoqueoutraspessoas falam,eeuqueria

tantoterasuaconfiança.Seiquemudeimuito,quepercorriumlongocaminhoapartirdequemeuera,mas,maisdoquequalqueroutracoisa,queroserconfianteenãoterremorsossobrequemsouecomomesinto,enãoterdeficartentandoseralgootempotodo.Aindaestoudesenvolvendoessapartedomeuser.–Certo–Kenjiestádizendo.–É.Bemirritada,mas…–Comlicença?Ao ouvir a voz, nós dois giramos nos calcanhares.– Por falar no diabo… –

Kenjiresmungabaixinho.–Desculpem,achoqueestouperdida–Nazeeradiz.–Penseiqueconhecesse

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esseprédiomuitobem,mashámuitaobraereformaacontecendoaquieestou…bem,estouperdida.Seráquealgumdevocêspodemedizercomosairdaqui?Elaquasesorri.–Sim,claro–respondo,quaseretribuindoosorriso.–Naverdade…–Hesito

poruminstante.–Achoquevocêestádo ladoerradodoprédio.Lembra-sedaentradapelaqualvocêveio?Elaparaepensa.–Achoqueestamosinstaladosdoladosul–diz,lançandoumsorrisoenormee

verdadeiroparamimpelaprimeirafez.Então,titubeia:–Espere.Euachoqueeraoladosul.Sintomuito.–Efranzeatesta.–Euchegueihápoucashoras…Haiderchegouaquiantesdemim…–Entendoperfeitamente–respondo,interrompendo-acomumacenodemão.–

Nãosepreocupe…Eutambémleveiumtempoparaaprenderaandarporaqui.Naverdade,quer saber?Kenji sabeandaraquimelhordoqueeu.Apropósito,esteéKenji…Achoquevocêsdoisnãoforamformalmenteapresentadosainda.–Sim…oi–elaocumprimenta,masseusorrisosomeimediatamente.–Eume

lembrodele.Kenji a encara como um idiota. Olhos arregalados, piscando. Lábios

ligeiramenteseparados.Cutucoseubraçoeelesoltaumgrito,sobressaltado,masrecobraaconsciência.– Ah, certo – apressa-se em dizer. – Oi. Oi… É, oi, hum, sintomuito pelo

jantar.Elaarqueiaasobrancelhaparaele.E pela primeira vez desde que o conheci, Kenji fica realmente ruborizado.

Ruborizado.–Não, de verdade – ele gagueja. –Eu, hum, eu achoque o seu…xale…é,

hum,bemlegal.–Aham.–Do que é feito? – ele pergunta, estendendo amão para tocar a cabeça de

Nazeera.–Parecetãomacio.ElaafastaamãodeKenjicomumtapa.Seurecuoévisível,mesmosobaluz

fraca.–Quehistóriaéessa?Estádebrincadeira,né?–Oquê?–Confuso,Kenjipiscaosolhos.–Oquefoiqueeufiz?Nazeeradárisada;suaexpressãosetransformaemumamisturadeconfusãoe

ligeiroasco.–Comopodesertãoruimnisso?Kenjificaparalisado,boquiaberto.–Eunão…hum…Eusónãosei, tipo,quaissãoasregras.Tipo,possoligar

paravocêumdiaou…

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Soltoumarisadarepentina,altaeembaraçosa,ebeliscoobraçodele.Kenjipraguejaemvozalta.Lança-meumolharfurioso.EstampoorostocomumsorrisoenormeefalosomenteparaNazeera:–Então,sim,hum…Sequiserchegaràsaídadoladosul–digorapidamente–,

sua melhor aposta é voltar pelo corredor e virar três vezes à esquerda. Vaiencontrar portas duplas à sua direita. Lá, peça a um dos soldados paraacompanhá-la.–Obrigada–ela agradece, retribuindomeu sorrisoantesde lançarumolhar

esquisitoparaKenji.Elecontinuamassageandooombrodoloridoenquantoacenaseudiscretoadeusparaela.Ésódepoisqueelasevaioutravezqueeudoumeia-voltaeresmungo:–Qualéoseuproblema,hein?–EKenjisegurameubraço,senteosjoelhos

bambearem,ediz:–Ah,meuDeus,J,achoqueestouapaixonado.Ignoro-o.–Não,sério–eleinsiste.–Seráqueéisso?Porquenuncameapaixoneiantes,

entãonãoseiseéamorousenãopassade,seilá,umaintoxicaçãoalimentar.–Vocênemaconhece– respondo, revirandoosolhos.–Então, imaginoque

sejaapenasintoxicaçãoalimentar.–Vocêacha?Comolhosestreitados,encaro-o,massóprecisodeumaolhadelaparadeixara

raiva para trás. Sua expressão é tão estranha e apatetada – uma cara de boboalegre–quequasemesintomalporele.Suspiro, empurrando-o para frente. Ele fica parando o tempo todo pelo

caminho,semnenhummotivoespecífico.–Nãosei.Achoquetalvezvocêsóesteja…sesentindo,digamos,atraídopor

ela?Nossa,Kenji, você falou tantabesteiraparamimquandoeuagi assimporcausadeAdameWarnereagoraaíestávocê,sendotodohormônios…–Queseja.Vocêmedeveuma.Franzoatestaparaele.Kenjidádeombros,aindacomumsorrisoenormenorosto.–Querodizer,seiqueeladeveserumasociopata.Esemdúvidamemataria

enquantodurmo.Masnossa,elaé…uau!–exclama.–Elaébonitapracaralho.Temo tipo de beleza que faz um homempensar que ser assassinado durante osonopodenãoserumaformatãoruimassimdemorrer.–Claro–respondo,masbaixinho.–Nãoé?–Achoquesim.– Como assim, acha que sim? Eu não estava fazendo uma pergunta. Essa

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meninaésimplesmentelinda.–Claro.Kenjipara,segurameusombros.–Qualéoseuproblema,J?–Nãoseidoquevocêestá…–Ah,meuDeus!–exclama,espantado.–Vocêestácomciúme?–Não!–respondo,masapalavrasaipraticamentegritada.AgoraKenjiestárindo.–Queloucura!Porqueestácomciúme?Doudeombros,resmungoalgumacoisa.–Espere,comoé?–Elecolocaamãoemformadeconchaatrásdaorelha.–

Estápreocupadaqueeuvádeixá-laporoutramulher?–Caleaboca,Kenji.Nãoestoucomciúme.–Quefofa,J.–Nãoestou.Eujuro.Nãoestoucomciúme.Eusóestou…Sóestou…Estoupassandopormausbocados.Masnãotenhotempodepronunciaressas

palavras.Derepente,Kenjimelevantadochão,giracomigoediz:–Ah,vocêficatãofofinhaquandoestácomciúme…Eeuchutoseujoelho.Comforça.Ele me derruba no chão, agarra as próprias pernas e grita palavras tão

obscenas que sequer reconheço metade delas. Saio correndo, em parte mesentindo culpada, em parte me sentindo satisfeita, suas promessas de detonarcomigopelamanhãecoandonoarenquantosigomeucaminho.

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Warner

HojeparticipeicomJuliettedesuacaminhadamatinal.Ela parece extremamente nervosa agora, ainda mais do que antes, e eu me

culpo por não tê-la preparado melhor para o que teria de encarar comocomandante suprema. Ontem à noite, voltou em pânico para nosso quarto,comentou alguma coisa sobre querer falarmais línguas e recusou-se a debatermaisafundoessaquestão.Sintoqueestáescondendoalgumacoisademim.Outalvezeuestejaescondendodela.Ando tão absorto em meus próprios pensamentos, em meus próprios

problemas,quenão tivemuitachancedeconversarcomelasobrecomoestásesentindoultimamente.Ontemfoiaprimeiravezqueelaexpôssuaspreocupaçõessobreserumaboa líder,oquemefez imaginarháquanto tempoessesmedosaestão incomodando. Há quanto tempo está guardando tudo para si. Temos queencontrarmaisoportunidadesparaconversarsobretudooqueestáacontecendo,masreceioquepossamosestarnosafogandoemrevelações.Tenhocertezadequeeuestou.MinhamentecontinuatomadapelasbobagensditasporCastle.Tenhoumbom

graude certeza de quedescobriremosque ele está desinformado, que entendeuerrado algum detalhe crucial. Mesmo assim, estou desesperado por respostasverdadeiraseaindanãotiveaoportunidadedemexernosarquivosdemeupai.Portanto,permaneçoaqui,nesseestadodeincerteza.Euesperavaencontrarumtempoparamexernaquelesarquivoshoje,masnão

confio emHaider eNazeera para deixá-los sozinhos com Juliette.Dei a ela oespaçodequeprecisavaquandoconheceuHaider,masdeixá-lasozinhacomelesagora seria uma irresponsabilidade. Nossos visitantes estão aqui por todos osmotivoserradoseprovavelmenteembuscadealgumarazãoparadarinícioaumaolimpíada mental cruel com as emoções de Juliette. Ficaria surpreso se nãoestivessemtentandoaterrorizá-laeconfundi-la.Forçá-laasercovarde.Começoamepreocupar.HátantoqueJuliettenãosabe.Acho que nãome esforcei o bastante para imaginar como ela deve estar se

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sentindo.Eumenosprezomuita coisa nessa vidamilitar, tudomeparece óbvio,masparaelaaindaénovidade.Precisoterissoemmente.PrecisodizeraJuliettequeelatemsuasprópriasarmas.Quecontacomumafrotadecarrosparticulares,ummotoristapessoal.Vários jatosparticularesepilotosàsuadisposição.Ederepentemeperguntoseelajáviajoudeavião.Euparo,imersonopensamento.É claro que ela não sabe. Ela não conhece nada além da vida no Setor 45.

Duvido de que já tenha sequernadado,muitomenos pisado emumnavio e sedeslocadopelomar.Juliettenuncaviveuemnenhumlugarquenãoseuslivrosesuaslembranças.Ela ainda tem tanta coisa a aprender. Tanta coisa a superar. E, enquantome

solidarizoprofundamentecomsuaslutas,realmentenãoainvejonessesentido,naenormidadedatarefaemseuhorizonte.Afinal,háumsimplesmotivopeloqualeununcaquisotrabalhodecomandantesupremoparamim…Eununcaquisaresponsabilidadequevemcomele.Trata-sedeumaquantidadeimensadetrabalhocommuitomenosliberdadedo

que se imagina; pior ainda, é uma posição que requer uma boa carga dehabilidadesparalidarcompessoas.Otipodehabilidadequeincluitantomatarquantoseduziralguémdeumahoraparaaoutra.Duascoisasquedetesto.TenteiconvencerJuliettedequeelaeraperfeitamentecapazdeassumiroposto

demeupai,maselanãoparecetãopersuadida.Eagora,comHaidereNazeeraaqui,entendoporqueJulietteparecemaisinseguradoquenunca.Osdois–bem,na verdade, foi só Haider – pediram para participar da caminhadamatinal deJuliette hoje. Ela e Kenji vêm conversando bem baixinho, mas Haider temouvidos mais afiados do que imaginávamos. Então, aqui estamos, nós cinco,andandopelapraiamergulhadosemumsilênciodesconfortante.Haider,Julietteeeuformamosumgrupo,emboranãotenhamosplanejadoassim.NazeeraeKenjinosseguemalgunspassosatrás.Ninguémfalanada.De todomodo, apraianão éum lugarhorrível parapassar amanhã,mesmo

comofedorestranhoqueaáguaexala.Paradizeraverdade,éumlugarbastantetranquilo.Osomdasondasquebrandoformaumpanodefundorelaxanteparaoqueseráumdiamuitoestressante.– Então… – Haider enfim quebra o silêncio, dirigindo-se a mim. – Vai

participardoSimpósioContinentalesseano?–Éclaroquevou–respondobaixinho.–Participareicomosempreparticipo.

–Umbrevesilêncio.–Vocêvaivoltarparacasaparaparticipardoseupróprioevento?– Infelizmente, não. Nazeera e eu estávamos planejando acompanhá-lo no

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evento norte-americano, mas é claro que… eu não sabia se a ComandanteSupremaFerrars–eleolhaparaJuliette–,participaria,então…Julietteficadeolhosarregalados.–Perdão,masdoquevocêsestãofalando?Haiderfranzesóumpoucoatestaemresposta,masperceboaintensidadede

suasurpresa.– Do Simpósio Continental – repete. – Você certamente já ouviu falar dele,

não?Juliettemefitaconfusa,eentão…–Ah,sim,claro–responde,lembrando-se.–Váriasdascorrespondênciasque

recebifalamsobreessesimpósio,maseunãotinhamedadocontadequeeraalgotãoimportante.Lutocontraavontadedemeencolher.Essafoimaisumanegligênciademinha

parte.Julietteeeujáfalamossobreosimpósio,éclaro,massómuitoporcima.Éum

congressobianualdetodosos555regentesespalhadospelocontinente.Trata-sedeumtremendoevento.Haiderinclinaacabeça,estudando-a.– Sim, é um negócio importantíssimo. Nosso pai está muito ocupado se

preparandoparaoeventodaÁsia,então,andopensandomuitonisso.Mascomoofalecido Supremo Anderson nunca participava de reuniões públicas, acabeificandocuriosoparasabersevocêseguiriaospassosdele.–Ah,não,euestareilá–Julietteseapressaemdizer.–Eunãomeescondodo

mundocomoeleseescondia.Éclaroqueparticiparei.OsolhosdeHaiderficamligeiramentearregalados.Eledeslizaoolhardemim

paraelaeoutraveznaminhadireção.–Quandoexatamenteserá?–Juliettepergunta,esintoacuriosidadedeHaider

crescendocadavezmais.–Vocênãoviunoseuconvite?–eleindaga,todoinocente.–Oeventoseráem

doisdias.Eladerepentesevira,masnãosemqueanteseunotesuasbochechascoradas.

Sintoseuconstrangimentoimediato,oquepartemeucoração.OdeioHaiderporbrincarassimcomela.–Euandeimuitoocupada–Julietterespondebaixinho.–Foi culpaminha– intervenho. –Erapara eu acompanharodesenrolar dos

preparativos e acabei esquecendo. Mas vamos finalizar o programa hoje.Delalieujáestátrabalhandopesadoparadarcontadetodososdetalhes.–Perfeito–Haiderdizparamim.–Nazeeraeeuaguardamosansiosamentepor

participarmoscomvocês.NuncaestivemosemumsimpósioforadaÁsia.

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–Claro–respondo.–Seráumprazerenormetê-losconosco.Haiderolha Juliette de cimaabaixo e, em seguida, examina suas roupas, os

cabelos, os tênisdesgastados e simples.E, emboranãodiganada, posso sentirsuadesaprovação,seuceticismoe,acimadetudo,adecepçãoquesenteporela.Oquemefazquererjogá-lonomar.–Quaissãoseusplanosparaorestantede

suaestadaaqui?–pergunto,agoraobservando-omaisdeperto.Eledádeombros,mostrandototalindiferença.– Nossos planos são flexíveis. Só queremos passar nosso tempo com todos

vocês. –Ele olha paramim. –Afinal, velhos amigos precisam termotivoparavisitaremunsosoutros?–Eporummomento, pelomaisbrevedosmomentos,perceboadorsinceraportrásdesuaspalavras.Umsentimentodenegligência.Quemedeixasurpreso.Eentãodesaparece.–Detodomodo–continua–,acreditoqueaComandanteSupremaFerrarsjá

tenharecebidováriascartasdenossosvelhosamigos.Mesmoassim,parecequeseus pedidos para fazerem uma visita vêm sendo respondidos com o silêncio.Receio que se sentiram um pouco ignorados quando contei que Nazeera e euestávamosaqui.– O quê? – questiona Juliette, olhando para mim antes de voltar a encarar

Haider.–Quaisoutrosamigos?Estáfalandodosoutroscomandantessupremos?Porqueeunão…–Ah,não–Haiderresponde.–Não,não.Dosoutroscomandantessupremos,

não. Pelomenos, não ainda. Só nós, os filhos. Esperávamos fazer um pequenoreencontro.Nãoreunimosogrupotodohámuitotempo.–Ogrupotodo…–Julietterepetebaixinho.Depoisfranzeatesta.–Quantos

outrosfilhosexistempelomundo?AfalsaexuberânciadeHaiderderepenteficaestranha.Fria.Elemeolhacom

umamisturaderaivaeconfusãoquandodiz:–Vocênãocontounadasobrenósparaela?AgoraJuliettemeencara.Seusolhosficamperceptivelmentearregalados.Sinto

seumedoaumentar.EaindaestoupensandoemumaformadelhedizerparanãosepreocuparquandoHaidersegurameubraçocomforçaemepuxaparaafrente.–Oquevocêestáfazendo?–elesussurraemumtomurgente,veemente.–Você

virouascostasparatodosnós…eatrocodequê?Disso?Deumacriança?Intakullishghabi–elediz.–Éumacoisamuito,muitoestúpidadesefazer.Eulhegaranto,habibi,queissonãovaiterminarbem.Háumsinaldeadvertênciaemseusolhos.Então,quandoelederepentemesolta–quando libertaumsegredoguardado

dentro de seu coração – eu sinto que algo terrível se instala na boca do meu

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estômago.Umasensaçãodenáusea.Ummedoterrível.Efinalmenteentendo.Oscomandantesestãomandandoseusfilhossondaroqueaconteceaquiporque

achamquevirelepróprioséperdadetempo.Queremquesuaproleseinfiltreeexaminenossabase–queelesusemsuajuventudeparaseduziranovae jovemcomandantesupremadaAméricadoNorte,quefinjamcamaradageme,nofinal,envieminformações.Nãoestãointeressadosemformaralianças.Sóvieramaquiparadescobrirotrabalhoquedaránosdestruir.Viro-me, a raiva ameaçando acabar comminha compostura, eHaider segura

meubraçocomaindamais força.Olho-onosolhos.ÉsóaminhadeterminaçãoemmanterascoisasdentrodocampodacivilidadepelobemdeJuliettequemeimpededetirarasmãosdeledecimademimequebrar-lheosdedos.FerirHaiderseriaobastanteparadarinícioaumaguerramundial.Eelesabedisso.–Oqueaconteceucomvocê?–pergunta, ainda sibilandoemmeuouvido.–

Nãoacrediteiquandodisseramquetinhaseapaixonadoporumameninapsicóticae idiota. Eu esperavamais de você. Eu o defendi.Mas isso… – Nega com acabeça.– Issoé realmentedepartirocoração.Nãoacreditoque tenhamudadotanto.Meus dedos ficam tensos, coçando por formar um punho fechado, e estou

prestesaresponderquandoJuliette,quenosobservaaumacertadistância,diz:–Solte-o.Eháalgonafirmezadesuavoz,algoemsuafúriaquaseincontida,quecaptura

aatençãodeHaider.Surpreso,elesoltameubraço.Vira-se.–Volteatocarneleeeuarrancooseucoração–Julietteameaçabaixinho.Haideraencara.–Comoéqueé?Eladáumpassoàfrente.Derepente,ficoucomumaaparênciaassustadora.Há

fogoemseusolhos.Umaserenidadeassassinaemseusmovimentos.– Se eu voltar a pegá-lo com asmãos emWarner, vou rasgar o seu peito e

arrancaroseucoração–elarepete.Espantado, Haider arqueia as sobrancelhas. Pisca os olhos. Hesita antes de

dizer:–Eunãosabiaquevocêpodiafazeralgodessetipo.–Emvocê–assegura–,fareicomprazer.Agora Haider sorri. Ri, e bem alto. E pela primeira vez desde que chegou,

realmente parece sincero. O deleite faz seus olhos brilharem. – Você seimportaria–dizaela–seeupegasseoseuWarneremprestadoporuminstante?

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Prometoquenãovoutocarnele.Sóqueroconversarcomele.Julietteseviraparamimcomumaperguntanosolhos.Massóconsigolheoferecerumsorriso.Queropegá-laemmeusbraçosetirá-

ladali.Querolevá-laaumlugartranquiloemeperderdentrodela.Amoofatodeessa garota que enrubesce tão facilmente em meus braços ser a mesma quematariaumhomemquemecausassemal.–Nãodemoro–digoaela.Eelaretribuimeusorriso,seurostomaisumaveztransformado.Osorrisodura

apenasalgunssegundos,masdealgumaformaotempopassalentoobastanteparaeu reunir os muitos detalhes desse momento e colocá-los entre as minhaslembranças favoritas. De repente, sinto gratidão por esse dom incomum esobrenatural que tenho de perceber as emoções. Ainda é um segredo meu,conhecidoporpoucaspessoas–umsegredoqueconseguiesconderdemeupaiedosoutroscomandanteseseusfilhos.Gostodecomoissofazeumesentiràparte–diferente–daspessoasquesempreconheci.MasomelhordetudoéqueessedommepossibilitasaberquantoJuliettemeama.Sempreconsigosentiracargade emoções em suas palavras, em seus olhos.A certeza de que ela lutaria pormim.Dequemeprotegeria.Esaberdissodeixameucoração tãoplenoque,àsvezes,quandoestamosjuntos,malconsigorespirar.Emeperguntoseelasabequeeufariaqualquercoisaporela.

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Juliette

– Ai, olhe! Um peixe! – Corro na direção da água e Kenji me segura pelacintura,puxando-medevolta.–Essaáguaénojenta,J.Vocênãodeveriachegarpertodela.– O quê? Por quê? – questiono, ainda apontando. – Você não está vendo o

peixe?Nãovejoumpeixenaáguahámuito,muitotempo.–Sim,bem,eledeveestarmorto.–Oquê?–Observooutravez,apertandoosolhos.–Não…Achoquenão…–Ah,sim,semdúvidaestámorto.Nósdoisespiamos.FoiaprimeiracoisaqueNazeerafalouamanhãtoda.Temestadomuitoquieta,

observandoeouvindotudocomumacalmaassustadora.Paradizeraverdade,jápercebiqueelapassaamaiorpartedo tempoobservandoo irmão.Nãopareceinteressada em mim como Haider se mostra, e acho isso confuso. Ainda nãoentendi por que exatamente os dois estão aqui. Sei que ficaram curiosos parasaberquemsou–isso,francamente,euentendo.Masháalgomaisnoar.Eéessaparte incompreensível – a tensão entre irmão e irmã – que não consigocompreender.Então,esperoouvi-lafalarmais.MasNazeeranãofala.Continua observando seu irmão, que está distante, com Warner, os dois

discutindoalgumacoisaquenãoconseguimosouvir.Éumaimageminteressante,verosdoisjuntos.Hoje Warner está vestindo um terno escuro, vermelho-sangue. Sem gravata,

semsobretudo–muitoemboraatemperaturaaquiforaestejacongelante.Sóusaumacamisapreta soboblazer eumpardebotaspretas.Seguraa alçadeumamalaeumpardeluvasnamesmamão,esuasbochechasestãorosadaspelofrio.AoladodeWarner,oscabelosdeHaiderformamumcontrasteescuroselvagemeindomadocoma luzacinzentadadamanhã.Estávestindocalçaspretasdecorteretoeamesmacamisadecorrentesdodiaanteriorporbaixodeumcasacolongode veludo azul, e não parece, nem de longe, incomodar-se com o vento frio

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batendoeabrindoocasaco,deixandoàmostraopeitoeotóraxbemmusculosose bronzeados. Aliás, tenho certeza de que faz isso de caso pensado. Os doiscaminhando imponentes e sozinhos pela praia deserta – as pesadas botasdeixando marcas na areia – formam uma imagem impressionante, mas, semdúvida,estãovestidoscomumaformalidadeexcessivaparaaocasião.Para ser sincera, tenho de admitir queHaider é tão bonito quanto sua irmã,

apesar de sua aversão a usar camisas. Porém, ele parece profundamenteconscientedesuabeleza,oquedealgumaformaodesfavorece.Detodomodo,nadadissotemamenorimportância.Sóestouinteressadanogarotoandandoaoladodele.Então,éparaWarnerqueestouolhandoquandoKenjidizalgoquemearrastadevoltaaopresente.– Acho melhor voltarmos à base, J. – Ele olha a hora no relógio que só

recentementecomeçouausarnopulso.–Castledissequeprecisaconversarcomvocêomaisrápidopossível.–Outravez?Kenjiassente.– Sim, e tenho de conversar com as meninas sobre o progresso delas com

James, lembra?Castlequerumrelatório.Apropósito,achoqueWinstoneAliafinalmenteterminaramseuuniforme.Tambémestãocriandoumanovapeçaparavocêolharquandotiverumaoportunidade.Seiqueaindatemmuitotrabalhocomorestantedassuascorrespondênciashoje,masquandoterminar,poderíamos…–Ei! –Nazeera chama, acenando para nós dois enquanto se aproxima. – Se

vocêsvãovoltar para a base, poderiamme fazer um favor eme conceder umaautorizaçãoparadarumavoltasozinhaporestesetor?–Sorriparamim.–Jáfazumanoquenãovenhoaquiequeriadarumaolhada.Veroquemudou.–Claro–respondo,retribuindoosorriso.–Ossoldadosnarecepçãopodem

cuidardisso.SódêoseunomeaelesevoupedirparaKenjienviarminhapré-autoriza…– Ah… sim, na verdade, quer saber? Por que eu mesmo não mostro os

arredores para você? – Kenji propõe, abrindo um sorriso exagerado paraNazeera.–Estelugarmudoumuitodesdeoanopassado,eeuficariamuitofelizdeserseuguia.Elahesita.–Penseiterouvidovocêacabardedizerquetinhamuitacoisaparafazer.–Oquê?Não!–Eleri.–Nãotenhonadaparafazer.Soutodoseu.Pelotempo

necessário.–Kenji…Elebeliscaminhascostas,fazendo-metremer.Viro-meparaeleefechoacara.–Hum,estábem–Nazeeraresponde.–Bem,talvezmaistarde,sevocêtiver

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tempo…–Eutenhotempoagoramesmo–eleafirma,eagorasorricomoumidiotapara

ela.Comoumidiotadeverdade.Nãoseicomosal-vá-lodesimesmo.–Podemosir?–pergunta.–Podemoscomeçaraqui…Possomostrarprimeirooscomplexos,sequiser.Ouentão…Podemoscomeçartambémnoterritórionãoregulamentado.–Encolheosombros.–Comopreferir.Ésódizer.Nazeerasubitamenteparecefascinada.OlhaparaKenjicomosepudessecortá-

loempedacinhosefazerumasopacomsuacarne.–VocênãoéummembrodaGuardaSuprema?– indaga.–Nãodeveriaficar

comsuacomandanteatéelavoltaremsegurançaàbase?–Ah,é,sim…Não,querdizer…Elavai ficarbem–apressa-seemdizer.–

Além do mais, temos esses caras – ele acena para os soldados que nosacompanham–quecuidamdelaotempotodo,então,elavaificarbem.Beliscocomforçaabarrigadele.Kenjificasemar,vira-se.–Estamosaunscincominutosdabase–diz.–Você

vaificarbemvoltandoparalásozinha,nãovai?Fuzilo-o comos olhos.–É claro que consigo voltar sozinha – sussurromeio

quegritando.–Nãoéporissoqueestoufuriosa.Estoufuriosaporquevocêtemummilhãode coisaspara fazer e fica agindo comoum idiotana frentedeumagarotaqueclaramentenãotemomenorinteresseemvocê.Parecendomachucado,Kenjidáumpassoparatrás.–Porqueestátentandomemagoar,J?Ondeestáseuvotodeconfiança?Onde

estáoamoreoapoiodosquais tantonecessitonestemomentodedificuldade?Precisoquesejameucupido.–Vocêssabemqueconsigoouvi-los,nãosabem?–Nazeera inclinaacabeça

paraolado,seusbraçoscruzadosfrouxamentenaalturadopeito.–Estouparadabemaqui.Hojepareceaindamaisdeslumbrante,comoscabeloscobertosporumapeça

de seda que parece ouro líquido. Usa um suéter vermelho intrincadamentetrançado,leggingsdecouropretocomaltorelevoebotaspretascomplataformadeaço.Econtinuacomaquelespesadossocosinglesesdeouronasduasmãos.Queriapoderperguntarondeelaarrumaessasroupas.Só me dou conta de que Kenji e eu a estamos encarando excessivamente

quando ela, por fim, pigarreia. Solta os braços e dá passos cuidadosos para afrente,sorrindo–nãosemgentileza–paraKenji,quederepentepareceincapazderespirar.– Ouça – Nazeera diz com um tom delicado. – Você é uma graça. É, de

verdade.Temumrostobonito.Mas isso–elaapontaentreelesdois–nãovairolar.

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Kenjiparecenãotê-laouvido.–Vocêachameurostobonito?Nazeerariefranzeatestaaomesmotempo.Erguedoisdedosediz:–Tchau.Eéisso.Saiandando.Kenji não fala nada. Seus olhos permanecem focados em Nazeera, que se

distancia.Doutapinhasemseubraço,tentosoarsolidária.–Vaificartudobem.Rejeiçãoéumacoisacompli…–Foiincrível!–É…Oquê?Eleseviraparamim.–Querdizer,eusempresoubequetinhaumrostobonito,masagorasei,com

todaacerteza,quetenhomesmoumrostobonito.Eissoétãolegitimador.–Sabe,achoquenãogostodesseseulado.–Nãosejaassim,J.–Elebateodedoemmeunariz.–Nãofiquecomciúme.–Eunãoestoucomci…–Poxa,eu tambémmereçoser feliz,nãomereço?–Ederepenteeleficaem

silêncio. Seu sorriso desaparece, a risada some, deixando-o com um aspectoentristecido.–Quemsabeumdia.Sintomeucoraçãopesar.–Ei!–falocomgentileza.–Vocêmereceseromaisfelizdomundo.Kenjipassaamãopeloscabelosesorri.–É…bem…–Éelaquemsaiperdendo–afirmo.Elemeobserva.–Achoquefoibemdecente,paraumarejeição.–Elasónãoconhecevocêainda–conforto-o.–Vocêéumpartidão.–Sou,nãosou?Tentoexplicarissoparaaspessoasotempotodo.–Aspessoassãobobas.–Doudeombros.–Paramim,vocêémaravilhoso.–Maravilhoso,é?–Exatamente–confirmo,entrelaçandomeubraçoaodele.–Vocêéinteligente

eengraçadoe…–Bonito–elecompleta.–Nãoesqueçaobonito.–Emuitobonito–repito,assentindo.–Sim,ficolisonjeado,J,masnãogostodevocêassim.Suaspalavrasmedeixamboquiaberta.– Quantas vezes tenho que pedir para você parar com essa mania de se

apaixonarpormim?–brinca.

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–Ei!–exclamo,empurrando-oparalonge.–Vocêéterrível.–Penseiqueeufossemaravilhoso.–Dependedahora.EKenjicainarisada.–Estábem,mocinha.Jáestáprontaparavoltar?Suspiro,miroohorizonte.– Não sei. Acho que preciso de mais um tempo sozinha. Há muita coisa

acontecendonaminhacabeça,precisomeorganizar.–Euentendo–elegarante,lançando-meumolharcompreensivo.–Façacomo

preferir.–Obrigada.– Mas você se importa se eu já voltar? Deixando as brincadeiras de lado,

realmentetenhomuitascoisasparafazerhoje.–Euvouficarbem.Podeir.–Temcerteza?Vaificarbemsozinhaaqui?–Sim, sim– respondo, empurrando-oparaa frente.–Vou ficarmaisdoque

bem.Alémdomais,eununcaestou totalmentesozinha.–Apontocomacabeçaparaossoldados.–Essescarasestãosemprecomigo.Kenjiassente,dáumrápidoapertãoemmeubraçoesaicorrendo.Em poucos segundos, estou sozinha. Suspiro e viro-me na direção da água,

chutandoaareiaaofazê-lo.Sinto-metãoconfusa.Estou presa entre preocupações diferentes, encurralada por ummedo do que

parece ser meu inevitável fracasso como líder e meus temores envolvendo opassadoimpenetráveldeWarner.EaconversadehojecomHaidernãoajudouemnadanessesegundoponto.SeuchoqueevidenteaoperceberqueWarnersequerseimportou emme contar sobre as outras famílias – e os filhos – com as quaiscresceurealmentemedeixouincomodada.Emelevouaquestionaroquemaiseunãosei.Quantasoutrascoisastenhoparadesvendar.Sei exatamente comome sintoquandooolhonosolhos,mas, àsvezes, estar

comWarnermefazsentirumchoque.Estátãodesacostumadoacomunicarcoisasbásicas–aqualquerpessoa–que todososdiasquepassocomele façonovasdescobertas. Nem todas elas são ruins – aliás, a maior parte das coisas quedescobri a respeito dele só me fez amá-lo ainda mais. Mas até mesmo asrevelaçõesinócuasacabamsemostrandoconfusas.Na semana passada, encontrei-o sentado em seu escritório ouvindo álbuns

antigosemvinil.Eujátinhavistosuacoleçãoantes–eletemumapilhaenormeque lhe foi entregue pelo Restabelecimento em conjunto com uma seleção deobrasdearteelivrosvelhos.EraparaWarnerestarseparandoositens,decidindo

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o que ia guardar e o que queria destruir. Porém, eu nunca o tinha visto apenassentadoeouvindomúsica.Elenãonotouquandoentreinaqueledia.Estavasentado,totalmenteimóvel,olhandoapenasparaaparedeeouvindoo

que depois descobri ser um álbum do Bob Dylan. Sei qual disco era porque,muitashorasdepoisqueelesaiu,espieinoescritório.Nãoconseguicontrolaracuriosidade.Warnersóouviaumamúsicadovinil–voltavaaagulhatodavezqueafaixaterminava–eeuqueriasaberoqueera.Descobriquesetratavadeumamúsicachamada“LikeaRollingStone”.Aindanãoconteiaeleoquevinaqueledia.Queriadescobrirsecompartilharia

espontaneamente essa história comigo. Porém, Warner nunca falou nada, nemmesmoquandopergunteioqueelefizeranaquelatarde.Elenãomentiu,massuaomissãomefezrefletirsobreporquenãomecontou.Tenhoumladoquequerrevelartodaessahistória.Querosaberoladobomeo

ladoruimeexportodosossegredosetirartudoalimpo.Porque,agoramesmo,tenho certeza de queminha imaginação émuitomais perigosa do que qualquerumadesuasverdades.Masnãoseidireitocomofazerissoacontecer.Ademais, tudo está acontecendo rápido demais agora. Estamos todos tão

ocupados o tempo todo que já é difícil manter meus próprios pensamentoscoordenados. Nem sei aonde nossa resistência está indo agora. Tudo mepreocupa.AspreocupaçõesdeCastlemepreocupam.OsmistériosdeWarnermepreocupam.Osfilhosdoscomandantessupremosmepreocupam.Respirofundoesoltooar,demoradaeruidosamente.Olho para a água, tento limpar a mente me concentrando nos movimentos

fluidosdomar.Háapenastrêssemanaseumesentiamaisfortedoquejamaismesentiranavida.Tinhafinalmenteaprendidoausarmeuspoderes;comomoderaraminha força, como projetar. E, mais importante, a ligar e desligar minhashabilidades.Então,esmagueiaspernasdeAndersoncomminhasprópriasmãos.Fiquei parada enquanto os soldados enfiavam incontáveis balas de chumbo emmeucorpo.Euerainvencível.Masagora?Essenovotrabalhoémaisdoqueeuimaginava.Política,nofimdascontas,éumaciênciaqueaindanãoentendo.Matarcoisas,

quebrar coisas… destruir coisas? Disso eu entendo. Ficar furiosa e ir para aguerra,euentendo.Masparticiparpacientementedeumjogodexadrezcomumgrupodedesconhecidosespalhadosportodoomundo?MeuDeus,eurealmenteprefiroatiraremalguém.

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Estou lentamente retornando à base, meus tênis se enchendo de areia pelocaminho.Parasersincera,temooqueCastletemamedizer.Masjáestouforahátempo demais. Tenho muitas coisas a fazer, e o único jeito de deixar essesproblemaspara tráséenfrentando-os.Tenhoque lidarcomeles, sejamláquaisforem.Suspiroenquantoflexionoesoltoospunhos,sentindoopoderentraresairdomeu corpo. É uma sensação estranha para mim, ser capaz de me desarmarquando tenho vontade.É bompoder andar por aí namaior parte dos dias commeuspoderesdesligados;ébompoderacidentalmentetocarapeledeKenjisemqueeletemaqueeuváferi-lo.Pegodoispunhadosdeareia.Poderligado:fechoopunhoeaareiaépulverizada,virandopoeira.Poderdesligado:aareiadeixaumamarcavaganapele.Soltoaareia,limpoosgrãosqueficaramnaspalmasdasminhasmãoseaperto

osolhosparaprotegê-losdosoldamanhã.Estouprocurandoossoldadosquemeseguiram esse tempo todo porque, de repente, não consigo avistá-los. O que éestranho,jáqueacabeidevê-loshámenosdeumminuto.Eentãoeusinto…DorQueexplodeemminhascostas.Éumadoraguda,lancinante,violenta,quemecegaemuminstante.Doumeia-

voltaemumafúriaque imediatamentemeparalisa,meussentidossedesligandomesmoenquantotentomantê-lossobcontrole.EureúnominhaEnergia,vibrandode repente com electricum, e me surpreendo com minha própria burrice poresquecerdereligarmeuspoderes,especialmenteemumlugarabertocomoesse.Euestavadistraídademais.Frustradademais.Sintoabalaemminhaclavícula,incapacitando-me,maslutoemmeioàagoniaetentoavistarmeuagressor.Mesmoassim,soulentademais.Outra bala atinge minha coxa, mas dessa vez sinto-a apenas deixando um

hematoma superficial, ricocheteando antes de deixar suamarca.MinhaEnergiaestáfraca,ediminuindoacadaminuto,achoqueporqueestouperdendosangue–emesintofrustradaporquãorapidamentefuiatingida.Idiotaidiotaidiota…Tropeço ao me precipitar pela areia; ainda sou um alvo fácil aqui. Meu

agressorpodeserqualquerum,podeestaremqualquer lugar,enemseidireitopara onde olhar quando três outras balasme atingem: na barriga, no pulso, nopeito.Elasnãopenetrammeucorpo,masaindaconseguemarrancarsangue.Masabala enterrada, a bala enterrada emminhas costas, essa lança fisgadas de dorpelasveiasemedeixasemar,minhabocaescancarada.Nãoconsigorecuperaroareotormentoétãointensoquenãopossodeixardemeperguntarseessaseriaalgumaarmaespecial,eseessasseriambalasespeciais…

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ohObarulhoabafadoescapadomeucorpoquandoos joelhosbatemnaareia,e

agora tenho certeza, certeza absoluta de que essas balas contêm veneno, o quesignificariaqueatémesmoessasferidassuperficiaispoderiamserperig…Eucaio,cabeçagirando,decostasnaareia,entorpecidademaisparaconseguir

enxergardireito.Meuslábiosestãoformigando;meusossos,soltos;emeusangue,meusangueseesparramandorápidoeestranhoecomeçoarir,pensandotervistoumpássaronocéu–nãosóum,masmuitos,todoselesvoandovoandovoandoDerepente,nãoconsigorespirar.Alguémpassouobraçoemvoltadomeupescoço;estámepuxandoparatráse

eu estou engasgando, cuspindo, tossindomeus pulmões pra fora, e não consigosentiralínguaeestouchutandoaareiacomtantaforçaquejáperdimeustêniseacho que ela chegou, a morte outra vez, tão cedo tão cedo mas eu já estavacansadademaismesmoeentãoApressãodesapareceTãorápidoEstouarfandoetossindoeháareianosmeuscabelosenosmeusdentesevejo

coresepássaros,muitospássaros,eestougirandoe…cracAlgumacoisaquebrae soacomoumosso.Minhavisão ficaaguçadaporum

instanteeconsigoavistaralgumacoisaàminhafrente.Alguém.Apertoosolhos,sintoqueminhabocapoderiaengolirasimesmaeachoquepodeseroveneno,mas não é; éNazeera, tão bela, tão bela parada àminha frente, suasmãos emvoltadopescoçoflácidodeumhomemeelaosoltanochãoElamepeganocoloVocêétãoforteetãolindaeumurmuro,tãoforteequerosercomovocê,digoa

elaEelafalashhhemedizparaficarparada,megarantequevouficarbememecarregaparalonge.

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Warner

Pânico,terror,culpa.Medodescontrolado…Malconsigosentirmeuspésquandotocamochão,ocoraçãobatendotãoforte

que chega a doer fisicamente. Estou correndo na direção da ala médicaparcialmente construída noquinto andar e tentandonãome afogar na escuridãodosmeus próprios pensamentos. Tenho que lutar contra o instinto de fechar osolhoscomforçaenquantocorroaosubirpelasescadasdedoisemdoisdegrausporque,obviamente,oelevadormaispróximoestátemporariamentedesligadoemvirtudedosreparos.Nuncafuitãoidiota.No que eu estava pensando?No que estavapensando? Eu simplesmenteme

distanciei dela. Não paro de cometer erros. Não paro de fazer suposições. EnuncamesentitãodesesperadopelovocabuláriovulgardeKishimoto.MeuDeus,ascoisasqueeupoderiadizeragora.Ascoisasquesintovontadedegritar.Nuncamesenti tão furiosocomigomesmo.Tinha tantacertezadequeela ficariabem,totalcertezadequeJuliettejamaisirialáforaaoarlivredesprotegida…Umgolperepentinodeterrormeesmaga.Vaipassar.Vai passar, muito embora meu peito pulse com exaustão e indignação. É

irracional sentir raiva da agonia – é inútil, eu sei, ficar com raiva dessa dor.Mesmoassim,aquiestoueu.Sinto-meimpotente.Querovê-la.Queroabraçá-la.Queroperguntar-lhecomopôdebaixaraguardaenquantoandavasozinhaemumespaçoaberto…Algo em meu peito parece se rasgar quando chego ao último andar, meus

pulmões queimando em virtude do esforço. Meu coração bombeia o sanguefuriosamente.Mesmoassim,avançopelocorredor.Desesperoeterroralimentamminhanecessidadedeencontrá-la.Paroabruptamenteondeestouquandoopânicoressurge.Umaondademedofazminhascostasseinclinaremeeumedobro,asmãosnos

joelhos,tentandorespirar.Éespontâneaessador.Dilacerante.Sintoumformigarassustadoratrásdosolhos.Pisco,comforça,lutandocontraogolpedeemoção.

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Comofoiqueissoaconteceu?,queroperguntaraela.Vocênãosedeucontadequealguémtentariamatá-la?Estou quase tremendo quando chego ao quarto para o qual a levaram.

Praticamenteconsigosentirseucorpomoleemanchadodesanguesobreamesademetal.Aproximo-mecorrendo,intoxicado,epeçoaSonyaeSaraparafazeremoutravezoquefizeramantes:meajudaremacurá-la.Sóentãoperceboqueoquartoestácheio.Estou tirando o blazer quando noto a presença dos outros. Há pessoas

encostadasnasparedes–pessoasqueprovavelmenteconheço,masquenãopercotempotentandoreconhecer.Aindaassim,dealgumaforma,elasedestacaali.Nazeera.Eupoderiafecharminhasmãosemvoltadesuagarganta.–Saiajádaqui–arfo,comumavozquenãopareceminha.Nazeeraparecemesmoemchoque.–Nãoseicomoconseguiufazerisso–acuso-a–,masaculpaésua...Suaedo

seuirmão…Vocêsfizeramissocomela…– Se quiser conhecer o homem responsável –Nazeera responde em um tom

tranquiloefrio–,fiqueàvontade.Suaidentidadeaindaédesconhecida,masastatuagens em seu braço indicam que ele é de um setor vizinho. Seu corpoencontra-seguardadoemumacelanosubsolo.Meucoraçãopara,eentãoacelera.–Oquê?–Aaron?–ÉJuliette,Juliette,minhaJuliette…–Nãosepreocupe,meuamor–apresso-meemdizer.–Vamos resolveresta

situação,estábem?Asmeninasestãoaquievamosfazerissodenovo,comonaúltimavez…– Nazeera – ela pronuncia, olhos fechados, lábios se movimentando com

dificuldade.–Sim?–Congelo.–OquetemNazeera?– Salvou… – a boca de Juliette para no meio de ummovimento, então ela

engoleemsecoeprossegue:–aminhavida.OlhoparaNazeera.Estudo-a.Elaparecefeitadepedra,nãomexeummúsculo

emmeioaocaos.EncaraJuliettecomumolharcuriosonorostoesimplesmentenãoconsigodecifrá-la.Masnãoprecisodenenhumpodersobre-humanoparamedizer que tem algo errado com essa garota.Meu instinto humano básico deixaclaroparamimqueelasabedealgumacoisa…Algumacoisaqueserecusaamecontar.Eissomelevaadesconfiardela.Então, quando Nazeera finalmente se vira para mim, ostentando um olhar

profundoefirmeeassustadoramentesério,sintoumgolpedepânicoperfurarmeu

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peito.

Julietteestádormindoagora.Nuncamesentimaisgratoporminhahabilidadecruelderoubaremanifestaras

Energiasdeoutraspessoasdoquenessesmomentosinfelizes.Emváriasocasiõestivemosesperançadeque,agoraqueJulietteaprendeualigaredesligarseutoqueletal,SonyaeSaraseriamcapazesdecurá-la–seriamcapazesdeencostarsuasmãosnocorpodeJulietteemcasodeemergência,semteremdesepreocuparcomsuaprópriasegurança.MasCastlelogoapontouqueaindaexisteachancedeque,uma vez que o corpo de Juliette comece a melhorar, seu trauma apenasparcialmentecuradopoderiainstintivamentedesencadearvelhasdefesas,mesmosem permissão. Nesse estado de emergência, a pele de Juliette poderiaacidentalmente se tornar outra vez letal. É um risco – um experimento – queesperávamosnuncamaisterdeenfrentar.Masagora?Esenãoestivéssemosporperto?Eseeunãotivesseesseestranhodom?Nãoqueronempensarnisso.Então,ficoaquisentado,acabeçaenterradanasmãos.Esperosilenciosamente

do outro lado da porta enquanto ela dorme para curar seus ferimentos. Nessemomento,aspropriedadesterapêuticasestãoseespalhandoportodoseucorpo.Atélá,continuareisendoacometidopelasondasdeemoções.Éimensurável,essafrustração.FrustraçãocomKenji,porterdeixadoJuliette

sozinha.Frustraçãocomseissoldadosqueperderamsuasarmasparaesseúnicoagressornãoidentificado.Mas,acimadetudo,meuDeus,acimade tudo,nuncamesentitãofrustradocomigomesmo.Fuinegligente.Eu deixei isso acontecer.Meus descuidos.Minha ridícula obsessão pormeu

pai – o envolvimento excessivo commeus próprios sentimentos depois de suamorte–,osdramaspatéticosdomeupassado.Permitiamimmesmomedistrair;fiquei envolvido demais comigo mesmo, fui consumido por minhas própriaspreocupaçõeseproblemascotidianos.Éculpaminha.Éculpaminhaporqueentenditudoerrado.Éculpaminhapensarqueela estavabem,quenãoprecisavamaisdemim–

mais estímulo, mais motivação, mais direcionamento – diariamente. Elacontinuava exibindo esses extraordinários momentos de crescimento etransformação, e isso acabou me desarmando. Só agora percebo que essesmomentosmelevavamaenxergarascoisasdaformaerrada.Julietteprecisavademaistempo,demaisoportunidadesparasolidificarseuspontosfortes.Precisava

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deprática;eprecisavaserforçadaapraticar.Serinflexível,lutarsempreporsimesma.Eelachegoumuitolonge.Hoje é quase irreconhecível se comparada à garota insegura que conheci. É

forte.Deixoudesentirmedodetudo.Mesmoassim,continuatendosódezesseteanos.Eestánessaposiçãohápouquíssimotempo.Sempremeesqueçodisso.Eu devia tê-la aconselhado quando ela disse que queria assumir o cargo de

comandantesuprema.Deviaterditoalgonaquelaocasião.Deviacertificar-medeque ela entendia a enormidade daquilo em que estava semetendo.Devia tê-laadvertidodequeseusinimigostentariammaiscedooumaistardeatentarcontrasuavida…Tenhoquearrastarasmãosparalongedorosto.Inconscientemente,pressionei

osdedoscomtantaforçaqueprovoqueimaisumadordecabeça.Suspiroesoltoocorpocontraacadeira,abrindoaspernasesentindoacabeça

encostarnaparedefriadeconcretoatrásdemim.Sinto-meentorpecido,mas,aomesmo tempo, um tanto elétrico. Com raiva. Impotente. Com essa necessidadeinsuportável de gritar com alguém, com qualquer pessoa. Meus punhos seapertam.Fechoosolhos.Elatemqueficarbem.Elatemqueficarbemporelaepormim,porqueprecisodelaeporqueprecisoqueestejabem…Alguémpigarreia.Castlesesentanacadeiraaomeulado.Nãoolhoemsuadireção.–SenhorWarner–diz.Nãorespondo.–Comoestá,garoto?Perguntaidiota.–Isso…–elecontinua,apontandoparaoquartodela.–Éumproblemamuito

maiordoquequalquerpessoavaiadmitir.Achoquevocêtambémsabedisso.Meucorpoenrijece.Elemeencara.Viro-me apenas um centímetro em sua direção. Finalmente percebo as leves

marcasdeexpressãoemvoltadeseusolhos,natesta.Osfiosbrancosbrilhandoemmeioaosdreadlockspresosnaalturadopescoço.NãoseiquantosanosCastletem,massuspeitoquetenhaidadesuficienteparasermeupai.–Vocêtemalgoadizer?–Ela não pode liderar essa resistência – ele explica, apertando os olhos na

direção de algo ao longe. – É nova demais. Inexperiente. Raivosa. Você sabedisso,nãosabe?–Não.

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– Era para ter sido você – Castle afirma. – Eu sempre tive uma esperançasecreta, desde quando você apareceu em Ponto Ômega, de que quem ocupariaessecargoseriavocê.Dequevocêseuniriaanós.Enosguiaria.–Balançaacabeça. – Você nasceu para isso. Teria cumprido as obrigações com plenadestreza.– Eu não queria esse trabalho – respondo em um tom duro, tenso. – Nossa

naçãoprecisavasertransformada.Precisavadeumlídercomcoraçãoepaixão,eeunãosouessapessoa.Julietteseimportacomaspessoas.Elaseimportacomasesperanças,comosmedosdapopulação…evailutarporelesdeumjeitoqueeujamaisconseguiria.Castlesuspira.–Elanãopodelutarporninguémseestivermorta,garoto.–Juliettevaificarbem–retruco,furiosamente.–Agoraelaestádescansando.Castlepassauminstantequieto.Quando,enfim,quebraosilêncio,elediz:–Tenhoumagrandeesperançadeque,muitoembreve,vocêparedefingirque

não entende o que eu falo. Não tenha dúvida de que respeito demais suainteligência,porisso,nãopossoretribuirofingimento.–Castleestáolhandoparao chão, as sobrancelhas tensas. – Você sabe muito bem onde estou tentandochegar.–Eoquevocêquerdizercomisso?Ele se vira para olhar na minha direção. Olhos castanhos, pele castanha,

cabeloscastanhos.Seusdentesbrilhamquandoelediz:–Vocêdizqueaama?De repente, sinto meu coração acelerar, as palpitações ecoando em meus

ouvidos. Paramim, émuito difícil admitir esse tipo de coisa em voz alta. Emespecialparaumhomemque,nofundo,éumverdadeiroestranho.–Vocêrealmenteaama?–insiste.–Sim–sussurro.–Amo.– Então a contenha. Faça-a parar antes que eles façam. Antes que esse

experimentoadestrua.Viro-me,opeitolatejando.–Vocêcontinuanãoacreditandoemmim–diz.–Muitoemborasaibaqueestou

dizendoaverdade.–Sóseiquevocêpensaqueestámedizendoaverdade.Castlenegacomacabeça.–OspaisdeJulietteestãovindoatrásdela.Equandochegaremvocêvai ter

certezadequenãodesvieivocêsdocaminhocerto.Mas,quandoissoacontecer,serátardedemais.–Suateorianãofazomenorsentido–retruco,frustrado.–Tenhodocumentos

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declarandoqueospaisbiológicosdeJuliettemorreramhámuitotempo.Eleestreitaosolhos.–Documentossãofalsificadosfacilmente.–Nessecaso,não–respondo.–Nãoépossível.–Garantoqueépossível.Continuonegandocomacabeça.– Acho que você não entende – aponto. – Eu tenho todos os arquivos de

Juliette.Eadatademortedeseuspaisbiológicossempreestevemuitoclaraemtodos.Talvezvocêosestejaconfundindocomospaisadotivos…–Ospaisadotivossótinhamacustódiadeumafilha…Juliette…certo?–Sim.–Entãocomovocêexplicariaasegundafilha?–Oquê?!–Encaro-o.–Qualsegundafilha?–Emmaline,airmãmaisvelha.Você,obviamente,selembradeEmmaline.AgoraestouconvencidodequeCastleperdeuoquelherestavadesanidade.–MeuDeus!–exclamo.–Vocêficoumesmolouco.–Quedisparate!–responde.–VocêseencontroucomEmmalinemuitasvezes,

senhor Warner. Talvez, na época, não soubesse quem era, mas você viveu nomundodela.Interagiumuitocomela.Nãofoi?–Receioqueestejaextremamentemal-informado.–Tentelembrar-se,garoto.–Tentarlembrar-medoquê?–Vocêtinhadezesseisanos.Suamãeestavamorrendo.Haviarumoresdeque

seupai logo seria promovidodaposiçãode comandante e regentedoSetor 45paraadecomandantesupremodaAméricadoNorte.Vocêsabiaque,dentrodealgunsanos,eleolevariaparaacapital,evocênãoqueriair.Nãoqueriadeixarsuamãe para trás, então propôs assumir o lugar de seu pai. Propôs assumir oSetor45.Eestavadispostoafazerqualquercoisaparaconseguirisso.Sintoosanguesaindodomeucorpo.–Seupailhedeuumemprego.–Não–sussurro.–Vocêselembradoqueeleoobrigouafazer?Olhoparaminhasmãosabertasevazias.Meupulsoacelera.Minhamentegira.–Vocêselembra,garoto?–Quantovocê sabe?–questiono,masmeu rostopareceparalisado.–Sobre

mim...sobreisso?–Nãotantoquantovocê,masmaisqueamaioriadaspessoas.Afundoocorponacadeira.Asalarodopiaàminhavolta.Sóconsigoimaginaroquemeupaidiriaseestivessevivoparapresenciaresta

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cena.Patético.Vocêépatético.Nãopodeculparninguémalémdesimesmo,elediria. Está sempre estragando tudo, colocando suas emoções acima dasobrigações…–Háquantotempovocêsabe?–OlhoparaCastle,sintoaansiedadeenviando

ondasdeumcalorindesejadoparaasminhascostas.–Porquenuncafalounada?Castleseajeitanacadeira.– Não sei quanto exatamente devo dizer sobre isso. Não sei até que ponto

possoconfiaremvocê.–Nãopodeconfiaremmim?–exclamo,perdendoocontrole.–Foivocêquem

passouessetempotodoescondendoinformações.–Ergooolhar,derepentemedandocontadeumacoisa.–Kishimotosabedisso?–Não.Minhasfeiçõessereorganizam.Ficosurpreso.Castlesuspira.–Masvaisabermuitoembreve.Assimcomotodososoutros.Descrente,balançoacabeça.–Entãovocêestámedizendoque…queaquelagarota…aquelaerairmãdela?Castleassente.–Impossível.–Éumfato.–Comoissopodeserverdade?–questiono,ajeitandoocorponacadeira.–Eu

saberia se fosse verdade. Eu teria acesso a informações sigilosas, seriaalertado…–Vocêaindaéapenasumacriança,senhorWarner.Àsvezesseesquecedisso.

Esquece-sedequeseupainãolhecontoutudo.–Comovocêsabe,então?Comosabedetudoisso?Castlemeestuda.–Seiquemeacha tolo–elediz–,masnão sou tão simplórioquanto talvez

imagine. Eu também tentei liderar esta nação certa vez e, durante o tempo quepassei no submundo, fizmuitas pesquisas. Passei décadas construindo o PontoÔmega. Acha que fiz isso sem também entender meus inimigos? Eu tinha trêsarquivos de um metro de altura contendo informações sobre cada comandantesupremo,suasfamílias,seushábitospessoais,suascorespreferidas.–Estreitaosolhos.–Você,certamente,nãopensavaqueeufossetãoingênuo.Oscomandantessupremosaoredordomundoguardammuitossegredos,eeutiveoprivilégiodeconhecer alguns deles. Contudo, as informações que reuni no início doRestabelecimentoseprovaramverdadeiras.Sóconsigoencará-lo,sementenderdireito.– Foi com base no que descobri que fiquei sabendo de uma jovem com um

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toque letal trancafiada em um hospício do Setor 45. Nossa equipe já vinhaplanejando uma missão de resgate quando você descobriu a existência dela…comoJulietteFerrars,umnomefalso...eentãopercebeuqueelapoderiaserútilnassuaspesquisas.Porisso,nós,doPontoÔmega,esperamos.Ganhamostempo.Nesseínterim,fizKenjisealistar.Elepassouváriosmesesreunindoinformaçõesantes de seu pai, finalmente, aprovar o pedido que você fez para tirá-la dohospício. Kenji se infiltrou na base do Setor 45 seguindo ordens minhas; suamissãosemprefoirecuperarJuliette.Desdeentão,passeiaprocurarEmmaline.–Continuosementender–sussurro.– Senhor Warner – ele diz, impaciente –, Juliette e sua irmã estão sob a

custódiadoRestabelecimentohádozeanos.Asduassãopartedeumexperimentocontínuo que envolve testes e manipulação genética, mas cujos detalhes aindaestoutentandodesvendar.Minhamentepareceprestesaexplodir.–Agoraacreditaemmim?–pergunta.–Jáfizobastanteparaprovarquesei

maisdasuavidadoquevocêimagina?Tento falar, masminha garganta está seca; as palavras raspam o interior da

boca.–Meupaieraumhomemdoenteesádico,masnãoteriafeitoisso.Nãopode

terfeitoissocomigo.–Masfez–Castleresponde.–EledeixouquevocêlevasseJulietteàbase,e

fez isso sabendo muito bem quem ela era. Seu pai tinha uma obsessãoperturbadoraportorturaeexperimentos.Sinto-medesligadodaminhamente,domeucorpo,mesmoenquantomeforçoa

respirar.–Quemsãoospaisverdadeirosdela?Castlebalançaacabeça.–Ainda não sei. Seja lá quem forem, sua lealdade aoRestabelecimento era

profunda.Essasmeninasnãoforamroubadasdeseuspais.Elasforamoferecidasporelesdelivreeespontâneavontade.Ficodeolhosarregalados.Derepente,estounauseado.A voz de Castle muda. Ainda sentado, ele puxa o corpo para a frente na

cadeira,mantendoumolharpenetrante.– Senhor Warner, não estou dividindo essas informações com você com o

objetivodeprovocardor.Saibaqueessasituaçãotodatambémnãoéfácilparamim.Ergooolhar.– Eu preciso da sua ajuda – fala, estudando-me. – Preciso saber o que fez

durante aqueles dois anos. Preciso saber dos detalhes da sua obrigação com

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Emmaline.O que você tinha de fazer? Ela estava sendomantida como cativa?Comoausavam?Balançoacabeça.–Eunãosei.–Sabe,sim–eleresponde.–Temquesaber.Pense,garoto.Tentelembrar.–Eunãosei!–grito.Surpreso,Castlerecua.–Elenuncamecontou–prossigo,quasesemar.–Esseeraotrabalho.Seguir

asordens semquestioná-las.FazeroqueoRestabelecimentomepedia.Provarminhalealdade.Desanimado,Castlesoltaocorponacadeira.Parecerealmenteabatido.–Você era a única esperança queme restava – admite. – Pensei que, enfim,

conseguiriasolucionaressemistério.Encaro-o,coraçãoacelerado.–Eucontinuosemteramenorideiadoquevocêestáfalando.–Háummotivoparaninguémconhecer averdade sobreessas irmãs, senhor

Warner. Há um motivo para Emmaline ser mantida sob alta segurança. Ela éfundamental, de algumamaneira, para a estrutura doRestabelecimento, e aindanãoseicomonemporquê.Nãoseioqueelaestáfazendoparaeles.–Olhadiretonomeurosto,umolharquemeatravessa.–Porfavor,tentelembrar.Oqueeleoforçou a fazer com ela? Qualquer coisa que conseguir se lembrar…Qualquercoisa,mesmo…–Não–sussurro,masavontadeédegritar.–Nãoquerolembrar.–SenhorWarner,entendoquesejadifícilparavocê…–Difícilparamim?–Derepente,melevanto.Meucorpotremederaiva.As

paredes, as cadeiras, asmesas à nossa volta começam a tremer.As lumináriasbalançam perigosamente no teto, as lâmpadas piscam. –Você achadifícil paramim?Castlenãofalanada.–OquevocêestámedizendoagoraéqueJuliettefoiplantadaaqui,naminha

vida, comopartedeumexperimentomaior…Umexperimentodoqualmeupaisempreesteveapar.EstámedizendoqueJuliettenãoéquemeupensoser.QueJuliette Ferrars sequer é seu nome verdadeiro. Está me dizendo que ela nãoapenaséumagarotacompaisvivos,mastambémquepasseidoisanostorturandosuairmãsemsaber.–Meupeitolatejaenquantooencaro.–Éisso?–Temmais.Deixoescaparumarisadaalta.Obarulhoéinsano.–SenhoritaFerrarslogovaidescobrirtudoisso–Castlemealerta.–Portanto,

eu o aconselharia a sermais rápido com essas revelações.Conte tudo a ela, e

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contequantoantes.Vocêprecisaconfessar.Façaissoagoramesmo.–Oquê?–indago,espantado.–Porqueeu?– Porque se não contar logo a ela, senhorWarner, posso garantir que outra

pessoacontará…–Nãoestounemaí–respondo.–Vávocêcontaraela.–Vocênãoestámeouvindo.É imperativoqueelaouçaessahistóriada sua

boca. Julietteconfiaemvocê.Elaoama.Sedescobrir sozinhaoupormeiodealgumafontemenosfidedigna,podemosperdê-la.–Nunca vou deixar isso acontecer.Nunca vou permitir que ninguém volte a

feri-la,mesmoqueissosignifiquequeeumesmotenhadeprotegê-la…–Não,garoto–Castlemeinterrompe.–Vocêmeentendeuerrado.Eunãoquis

dizerqueaperderíamosfisicamente.–Elesorri,masaimageméestranha.Pareceassustado.–Euquisdizerqueaperderíamos…aqui…–eletocasuacabeçacomumdedo–eaqui–etocaemseucoração.–Oquequerdizercomisso?–Simplesmente que você não pode viver emnegação. JulietteFerrars não é

quemvocêpensaserenãoéalguémcomquempossamosbrincar.Elaparece,emalguns momentos, completamente indefesa. Ingênua. Até mesmo inocente. Masvocênãopodesepermitiresquecerdequeaindaháraivanocoraçãodela.Surpreso,meuslábiosseentreabrem.–Vocêleusobreisso,nãoleu?Nodiáriodela?–eleindaga.–Jáleuarespeito

deatéondeamentedelapodeir...decomopodesersombria…–Comofoiquevocê…–Eeu–continua,interrompendo-me–,eujávi.Eujáavi,commeuspróprios

olhos, perdendo o controle dessa fúria silenciosamente contida. Juliette quasedestruiutodosnósemPontoÔmegamuitoantesdeseupai.Elaarrebentouochãoemum ataque de loucura inspirado por ummeromal-entendido – ele conta. –Porque ficounervosa comos testesque estávamos fazendocomo senhorKent.Porque ficou confusa e um pouco assustada. Ela não ouvia racionalmente… Equasematouanóstodos.–Láeradiferente–retruco,negandocomacabeça.–Issofoihámuitotempo.

Agora ela é diferente. – Desvio o olhar, fracassando em minha tentativa decontrolarafrustraçãogeradaporsuasacusaçõesligeiramenteveladas.–Elaestáfeliz…–Comopodeestarrealmentefelizsenuncaenfrentouseupassado?Nuncadeu

atenção a ele, apenas o deixou de lado.Nunca teve tempoou ferramentas paraexaminá-lo.Eessafúria…essetipoderaiva…–Castlebalançaacabeça–nãodesaparecedeumahoraparaaoutra.Elaévolátile imprevisível.Eescrevaoqueeudigo,garoto:afúriadeJuliettevairessurgir.

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–Não.Elemeencara.Seuolharmedeixaabalado.–Vocênãoacreditanoqueestádizendo.Nãorespondo.–SenhorWarner…–Nãoseráassim–respondo.–Seessafúriaressurgir,nãoseráassim.Raiva,

talvez,masnãoessafúria.Nãoafúriadescontroladaesemlimites…Castlesorri.Éumsorrisotãorepentino,tãoinesperado,quemefazinterromper

afala.–SenhorWarner –, o que acha que vai acontecer quando a verdade sobre o

passado de Juliette, enfim, vier à tona? Acha que ela vai aceitar tudotranquilamente? Calmamente? Se minhas fontes estiverem corretas, e em geralcostumam estar, os rumores no submundo afirmam que o tempo dela aqui estáchegando ao fim. O experimento já foi concluído. Juliette assassinou umcomandantesupremo.Osistemanãovaideixá-lasairimpune,comseuspodereslivres.EouvidizerqueoplanoéextinguiroSetor45.–Castlehesita.–QuantoaJuliette,éprovávelqueamatemoualevemparaoutrolugar.Minhamentegira,explode.–Comosabedisso?Castledeixaescaparumarisadarápida.–VocênãopodeacharmesmoquePontoÔmegatenhasidooúnicogrupode

resistência na América do Norte, senhor Warner. Eu tenho muitos contatos nosubmundo.Eoqueeudissecontinuavalendo.–Fazumapausa.– Juliette logoteráacessoàsinformaçõesnecessáriasparaunirtodasaspeçasdoquebra-cabeçade seu passado. E vai descobrir, de um jeito ou de outro, qual foi a suaparticipaçãoemtudooqueaconteceu.Desviooolhar antes de encará-lo outra vez.Sintomeusolhos arregalados e

minhavozinstávelaosussurrar.–Vocênãoentende.Elajamaismeperdoaria.Castlenegacomacabeça.–SeJuliettedescobrirporintermédiodeoutrapessoaquevocêsempresoube

queelaeraadotada?Seouvirdabocadeoutrapessoaquevocêtorturouairmãdela?–Assente.–Sim,éverdade.Émuitoprovávelquejamaisoperdoe.Por um terrível momento, deixo de sentir meus joelhos. Sou forçado a me

sentar,meusossostremendo.–Maseunãosabia–declaro,detestandoosomdaspalavras,detestandome

sentircomoumacriança.–Eunãosabiaquemeraaquelagarota.NãosabiaqueJuliettetinhaumairmã…Eunãosabia…–Não importa. Sem você, sem contexto, sem uma explicação ou pedido de

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desculpas, será muito mais difícil ela perdoar tudo o que aconteceu. Mas secontarvocêmesmoecontaragoraaela?Orelacionamentodevocêstalvezaindatenhaumachance.–Balançaacabeça.–Deumjeitooudeoutro,precisacontaraela,senhorWarner.Porquetemosdeadverti-la.Julietteprecisasaberoqueestápor vir e temos que começar a traçar nossos planos. Seu silêncio acerca desteassuntosóvaiterminaremruína.

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Juliette

Souumaladra.Roubeiestecadernoeestacanetadeumdosmeusmédicosquandoelenão

estava olhando, subtraí de um dos bolsos de seu jaleco, e guardei emminhacalça. Isso foi pouco antes de ele dar ordens para aqueles homens viremmebuscar. Os homens com ternos estranhos e máscaras de gás com uma áreaembaçadadeplásticoprotegendoseusolhos.Eramalienígenas, lembro-medeterpensado.Lembro-medeterpensadoquedeviamseralienígenasporquenãopodiamserhumanosaquelesquemealgemaramcomasmãosparatrás,quemeprenderamemmeuassento.UsaramTasersemminhapeleváriaseváriasvezespornenhummotivoquenãosuavontadedemeouvirgritar,maseunãogritava.Chegueiagemer,masemmomentoalgumpronuncieiumapalavrasequer.Sentiaslágrimasdescerempelasbochechas,masnãoestavachorando.Achoqueosdeixeifuriosos.Eles me bateram para eu acordar, muito embora meus olhos estivessem

abertos quando chegamos. Alguém me soltou do assento sem tirar minhasalgemasechutoumeujoelhoantesdedarordensparaqueeumelevantasse.Eeutentei.Eutentava,masnãoconseguia,e finalmenteseismãosmepuxarampelaportaemeurostopassoualgumtemposangrandonoasfalto.Nãoconsigolembrardireitodomomentoemquemeempurraramparadentro.Sintofriootempotodo.Sintoovazio,umvaziocomosenãohouvessenadadentrodemim,nadaalém

dessecoraçãopartido,oúnicoórgãoquerestounestacasca.Sintoopalpitardentrodemim,sintoasbatidasreverberandoemmeuesqueleto.Eu tenhoumcoração,afirmaaciência,massouummonstro,afirmaasociedade.Eéclaroqueseidisso.Seioquefiz.Nãoestoupedindocomiseração.Masàsvezespenso–àsvezesreflito:seeu fosseummonstro,éclaroque já teriasentidoaessaaltura,não?Eume sentiria nervosa e violenta e vingativa.Conheceria a raiva cega, o

desejoporsangue,anecessidadedevingança.Emvezdisso,sintoumabismoemmeu interior,umabismo tãogrande, tão

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sombrio,quesequerconsigoenxergardentrodele;souincapazdeveroqueeleguarda.Nãoseioquesououoquepodeacontecercomigo.Nãoseioquepossofazeroutravez.

–EXCERTODOSDIÁRIOSDEJULIETTENOHOSPÍCIO

Estououtravezsonhandocompássaros.Queria que fossem embora logo. Estou cansada de pensar neles, de ter

esperança neles. Pássaros, pássaros, pássaros… por que não vão embora?Balanço a cabeça como se tentasse limpá-la, mas imediatamente percebo meuerro.Minhamenteaindaestádensa,pesada,nadandoemconfusão.Abroosolhosmuito lentamente, sondando, mas não importa quanto eu os force a abrir, nãoconsigoabsorvernenhumaluz.Levotempodemaisparaentenderqueacordeinomeiodanoite.Umaarfadabrusca.Sou eu,minha voz,minha respiração,meu coração batendo acelerado.Onde

estáminhacabeça?Porquepesatanto?Meusolhossefechamrapidamente,sintoareia nos cílios, grudando-os.Tento afastar o entorpecimento, tento lembrar doqueaconteceu,maspartesdemimaindaparecemsemvida,comomeusdentes,osdedosdospéseosespaçosentreascostelas,edourisada,derepente,enemseiporquê…Fuibaleada.Abroosolhosnumímpeto,minhapeledeixaescaparumsuorfrioerepentino.MeuDeus,eufuibaleada,fuibaleadafuibaleadaTentomesentarenãoconsigo.Sinto-metãopesada,tantopesoproduzidopor

sangue e ossos, e de repente estou congelando, minha pele se transforma emborrachafriaeúmidacontraamesademetalnaqualmeencontroedeuminstanteparaooutroquerogritarederepentemevejooutraveznohospício,ofrioeometaleadoreodelírio,

tudo me confunde e então estou chorando, em silêncio, lágrimas quentesescorrendo porminhas bochechas e não consigo falar,mas tenhomedo e ouçosuasvozes,euouçoosoutrosgritandoCarne e osso se rompendo na noite, vozes apressadas, abafadas – gritos

suprimidos–,oscolegasdeprisãoquenuncavi…Quemerameles?,indago.

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Nãopensoneleshámuito tempo.Oqueaconteceucomaquelaspessoas?Deondevinham?Quemdeixeiparatrás?Meusolhosestãogrudados;oslábios,separadosemumterrorsilencioso.Não

mesintotãoassombradaassimdesdemuitotempomuitotempomuitotempoatrásSãoosmedicamentos,imagino.Tinhavenenonaquelasbalas.Éporissoqueconsigoverospássaros?Sorrio. Dou risada. Conto-os. Não só os brancos, os brancos com faixas

douradas comocoroas em suas cabeças,mas tambémos azuis eospretos eosamarelos. Vejo-os quando fecho os olhos, mas também os vi hoje, na praia, epareciamtãoreais,tãoreaisPorquê?Porquealguémtentariamematar?Mais um tranco repentino emmeus sentidos e então estoumais alerta, mais

comoeu sou, opânico afastandoovenenoporumúnicomomentode clareza econsigomelevantar,apoiar-menoscotovelos,cabeçagirando,olhosdesvairadosque analisam a escuridão e estou prestes, muito prestes a me deitar, exausta,quandovejoalgumacoisae…–Vocêestáacordada?Inspiro bruscamente, confusa, tentando decifrar o som. As palavras são

caóticas, como se eu as ouvisse debaixo d’água, então nado em sua direção,tentando,tentando,meuqueixocaindocontraopeitoenquantopercoabatalha.–Vocêviualgumacoisahoje?–avozquersaberdemim.–Algumacoisa…

estranha?–Quem…onde…ondevocêestá?–pergunto,estendendocegamenteamãono

escuro, olhos só entreabertos agora. Sinto uma resistência e a seguro emmeusdedos.Umamão?Mãoestranha.Éumamisturademetalepele,umpunhocomumtoquefortedeaço.Nãogostodisso.Solto.–Vocêviualgumacoisahoje?–insiste.Edourisadaaolembrar.Euconseguiouvi-los–ouvirseusgrasnadosenquanto

voavamsobreomar,ouvir suaspatinhaspisandonaareia.Eram tantos.Asasepenas,bicosegarrasafiadas.Tantomovimento.–Oquevocêviu?–avozinsisteemsaber,emefazsentir-meestranha.–Estoucomfrio–digo,antesdemedeitaroutravez.–Porquefaztantofrio?Um breve silêncio. Um farfalhar de movimento. Sinto um pesado cobertor

sendoestendidosobreolençolsimplesquejácobriameucorpo.–Vocêdeviasaberquenãoestouaquiparaferi-la–avozafirma.

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–Eusei–respondo,emboraeunãoentendaporquefaleiisso.–Mas as pessoas nas quais você confia estão mentindo para você – a voz

alerta.–Eosoutroscomandantessupremossóqueremmatá-la.Abroumsorrisoenormeenquantomelembrodospássaros.–Olá–digo.Alguémbufa.–Vouvê-lapelamanhã.Conversaremosemoutromomento–anunciaavoz.–

Quandosesentirmelhor.Estou tão aquecida agora, aquecida e cansada e outra vez me afogando em

sonhoscaóticosememóriasdistorcidas.Sinto-menadandoemareiamovediça,equantomaistentosair,maisrapidamentesoudevoradaesóconsigopensarqueaquinoscantosescuroseempoeiradosdaminhamentesintoumalívioestranhoaquisempresoubem-vindaemminhasolidão,emminhatristezaneste abismo existe um ritmo do qual me lembro. As lágrimas caindo em

compasso,atentaçãoderecuar,asombradomeupassadoavidaqueescolhiesquecernuncajamaismeesquecerá

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Warner

Passeianoitetodaacordado.Vejo infinitas caixas à minha frente, os conteúdos que elas guardavam

espalhados pelo quarto. Papéis empilhados nas mesas, abertos no chão. Estoucercado de arquivos. Muitos milhares de páginas de burocracia. Os velhosrelatóriosdemeupai,seutrabalho,osdocumentosquegovernaramsuavida…Litodoseles.Obsessivamente.Desesperadamente.Eoqueencontreinessaspáginasnãoajudaameacalmar…Sinto-meangustiado.Estou sentado aqui, com as pernas cruzadas, no chão do meu escritório,

sufocadoportodososladospelaimagemdeumafontefamiliareosgarranchosilegíveisdemeupai.Minhamãodireitaestápresaatrásdacabeça,desesperadaporalgunscentímetrosdefiosdecabeloparapoderpuxá-losparaforadocrânio,massemencontrá-los.Émuitopiordoqueeutemia,enãoseiporquefiqueitãosurpreso.Nãofoiaprimeiravezquemeupaiguardousegredosdemim.Foi depois que Juliette escapou do Setor 45, depois que fugiu com Kent e

Kishimotoemeupaiveioaquiparaarrumarabagunça…Foientãoquedescobrique meu pai tinha conhecimento do mundo deles. De outras pessoas comhabilidadesespeciais.Elemanteveessainformaçãoescondidademimpormuitíssimotempo.Euouvia rumores,éclaro–dossoldados,doscivis–,ouvia falardemuitas

imagensehistórias incomuns,masachavaque tudonãopassavadeumagrandebobagem.Aspessoasprecisamencontrarumportalmágicoparaescapardador.Masaliestava,tudoverdade.Depois da revelação de meu pai, minha sede por informação se tornou

insaciável.Euprecisavasabermais–quemeramessaspessoas,deondevinham,quantosabiam…Edescobriverdadesquetodososdiaspasseiadesejarnãoterdescoberto.Existem hospícios, exatamente iguais aos de Juliette, espalhados por todo o

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mundo.Osnãonaturais,conformeoRestabelecimentopassouachamá-los,erampresosemnomedaciênciaedasdescobertas.Masagora,finalmente,começoaentender como tudo começou.Aqui, nestas pilhas de papéis, estão as respostashorríveisqueeubuscava.Juliette e sua irmã foram as primeiríssimas não naturais encontradas pelo

Restabelecimento.Adescobertadashabilidadesincomunsdessasgarotaslevou-osaencontraroutraspessoascomoelasemtodoomundo.ORestabelecimentopassou a capturar todos os não naturais que conseguisse encontrar; alegou aoscivisqueestavamlimpandooantigomundoesuasdoenças,aprisionando-osemcamposparaanalisesmédicasmaiscuidadosas.Averdade,entretanto,eramuitomaiscomplicada.ORestabelecimento rapidamente separouos nãonaturais úteis dos inúteis.E

fezissoporinteressepróprio.Aquelescomasmaisrelevanteshabilidadesforamabsorvidos pelo sistema, espalhados ao redor do mundo pelos comandantessupremos, para seu uso próprio no trabalho de perpetuar a ira doRestabelecimento. Os outros foram jogados no lixo. Isso, por fim, levou àascensão do Restabelecimento e, com ela, ao surgimento dosmuitos hospíciosquepassaramaabrigarosnãonaturaispeloglobo.Paraquemaisestudosfossemrealizados,alegavam.Paraexperimentos.Juliette ainda não tinha manifestado suas habilidades quando seus pais a

doaramaoRestabelecimento.Não.Foisuairmãquemcomeçoutudo.Emmaline.Foram os dons sobrenaturais de Emmaline que deixaram todos à sua volta

espantados;foiEmmaline,airmãdeJuliette,que,semquerer,atraiuatençãoparasiprópriaeparasuafamília.Ospais,cujosnomescontinuamdesconhecidospormim,sentirammedodasdemonstraçõesfrequenteseincríveisdepsicocinesedafilha.Tambémeramfanáticos.Osarquivosdemeupaitrazeminformaçõeslimitadassobreamãeeopaique,

de livre e espontânea vontade, entregaram suas filhas para a realização deexperiências. Analisei cada documento e só consegui descobrir pouquíssimasinformaçõessobreseusmotivos,eacabeirecolhendo,emváriasnotasedetalhesextras,umadescriçãoassustadoradessaspersonagens.ParecequeosdoistinhamumaobsessãodoentiapeloRestabelecimento.OspaisbiológicosdeJulietteeramdevotos da causa muito antes de essa causa sequer ganhar força como ummovimento internacional, e acreditavam que entregar a filha para ser estudadapoderiaajudaralançarluzsobreomundoatualesuasmuitasdoenças.Suateoriaera a seguinte: se aquilo estava acontecendo com Emmaline, talvez tambémestivesse acontecendo com outras pessoas. E talvez, de alguma maneira, as

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informaçõesencontradaspudessemserusadasparaajudar amelhoraromundo.Rapidamente,oRestabelecimentoobteveacustódiadeEmmaline.Juliettefoilevadaporprecaução.Se a irmã mais velha tinha se mostrado capaz de feitos incríveis, o

Restabelecimento acreditava que o mesmo poderia valer para a mais nova.Juliettetinhasócincoanosefoimantidasobvigilância.Depois de ummês emuma instalação doRestabelecimento, ela nãomostrou

nenhum sinal de qualquer habilidade especial. Injetaram-lhe uma droga quedestruiriapartes fundamentaisde suamemóriaantesdeenviá-laparaviver sobsupervisãodomeupai,noSetor45.Emmalinemanteveseunomeverdadeiro,masairmãmaisnova,soltanomundoreal,precisariadeumnomefalso.Passaramachamá-ladeJuliette,plantarammemóriasfalsasemsuacabeçaelheencontrarampaisadotivosque,felizesdemaiscomaoportunidadedelevaremumafilhaparacasa,jáquenãotinhamfilhos,seguiramainstruçãodenuncacontaraninguémquea menina fora adotada. Também não sabiam que estavam sendo monitorados.Todos os outros não naturais inúteis foram, em geral, mortos, mas oRestabelecimento escolheu monitorar Juliette em um ambiente mais neutro.Esperavam que uma vida em uma casa comum inspiraria a habilidade latentedentrodamenina.PorterlaçosdesanguecomatalentosíssimaEmmaline,Julietteeraconsideradavaliosademaisparasimplesmenteselivraremdelatãorápido.ÉapróximapartedavidadeJuliettequemeeramaisfamiliar.Eu sabia de seus problemas em casa, de suas muitas mudanças. Sabia das

visitasdesuafamíliaaohospital.Dostelefonemasqueelesfaziamàpolícia.Elaficouemcentrosde reabilitaçãoparamenores.Viveuna regiãoquenopassadoforaosuldaCalifórniaantesdeseinstalaremumacidadequesetornoupartedoquehojeéoSetor45,sempredentrodosdomíniosdemeupai.Suacriaçãoentrepessoas comuns foi consistentemente documentada em relatórios policiais,queixasdeprofessoresearquivosmédicos,emumatentativadeentenderemqueela estava se transformando. Por fim, depois de finalmente descobrirem osperigos do toque letal de Juliette, as pessoas maldosas escolhidas para seremseuspaisadotivospassaramaabusardela–pelorestodaadolescência–e,porfim, acabaram devolvendo-a ao Restabelecimento, que se mostrou de braçosabertospararecebê-laoutravez.FoioRestabelecimento–meuprópriopai–quecolocouJuliettedevoltano

isolamento.Paraquefossemfeitosmaistestes.Paramaisvigilância.Efoientãoquenossashistóriassecruzaram.Esta noite, nestes arquivos, finalmente fui capaz de compreender algo ao

mesmotempoterrívelealarmante:OscomandantessupremosdomundosempresouberamdeJulietteFerrars.

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Passaramessetempotodoobservando-acrescer.Elaeairmãforamentreguespor seus pais insanos, cuja aliança com o Restabelecimento reinava acima detudo. Explorar essas meninas – entender seus poderes – foi o que ajudou oRestabelecimentoadominaromundo.Foipormeiodaexploraçãodeoutrosnãonaturais inocentes que o Restabelecimento conseguiu conquistar e manipularpessoaselugarescomtantarapidez.Foi por isso, agorame dou conta, que semostraram tão pacientes com uma

garotadedezesseteanosqueseproclamougovernantedetodoumcontinente.Foiporissoquepermaneceramtãosilenciosossobreofatodeelaterassassinadoumdosoutroscomandantes.EJuliettenãotemideiadenadadisso.Nãotemideiadequeestásendopeçadeumjogo,umapresa.Nemimaginaque

nãotemnenhumpoderrealnomeiodetudoisso.Nenhumachancedemudarnada.Nemamenorchancedefazeradiferençanomundo.Elafoi,esempreserá,nadaalémde umbrinquedo para eles – uma experiência científica para se observarcomatenção,paratercertezadequeamisturanãovaiferverrápidodemais.Masferveu.Poucomais deummês atrás, Juliette nãopassounos testes deles, emeupai

tentoumatá-la por isso. Tentoumatá-la porque chegou à conclusão de que elatinha se tornado um empecilho. Essa não natural, dessa vez, havia setransformadoemadversária.

Omonstroquecriamos tentoumatarmeupróprio filho.Depois,atacou-mecomo um animal feroz, atirando em minhas duas pernas. Nunca vi tamanhaselvageria – uma raiva tão cega e desumana. Sua mente se transforma sememitirqualqueraviso.Elanãomostrounenhumsinaldepsicoseaochegarnacasa, mas pareceu dissociada de qualquer estrutura de pensamento racionalenquanto me atacava. Depois de ver com meus próprios olhos suainstabilidade, fiqueimaiscertodoqueprecisavaser feito.Agoraescrevo istonacamadohospital, comoumdecreto, ecomoprecauçãoparameuscolegascomandantes.Nocasodeeunãomerecuperardessesferimentoseserincapazdedar sequênciaaoqueprecisaser feito, vocês, que estão lendo isto agora,precisamreagir.Terminaroqueeunãoconseguiterminar.Airmãmaisnovaéum experimento fracassado. Vive, conforme temíamos, alheia à humanidade.Pior: tornou-seumempecilhoparaAaron.Ele ficou–emumaguinadamuitoinfelizdoseventos– terrivelmente interessadoporela,aparentemente semseimportar sequer com sua própria segurança. Eu não tenho ideia do que elaprovocou na mente dele. Só sei que jamais devia ter alimentado minha

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curiosidadeepermitidoqueeleatrouxesseparaabase.Éumapena,mesmo,que ela em nada se pareça com a irmã mais velha. Pelo contrário: JulietteFerrars se transformou em um câncer incurável, que devemos extirpar denossasvidasdeumavezportodas.

–EXCERTODOSREGISTROSDIÁRIOSDEANDERSON

JulietteameaçouoequilíbriodoRestabelecimento.Ela foi um experimento que deu errado. E se transformou em um estorvo.

Precisavaserexpurgadadaterra.Meupaitentoucomafincodestruí-la.E agora vejo que seu fracasso foi de grande interesse para os demais

comandantes. Os registros diários de meu pai foram compartilhados; todos oscomandantes supremos dividiam seus registros uns com os outros. Era a únicamaneiradeosseissemantereminformados,otempotodo,dosacontecimentosnavidadecadaum.Portanto,elesconheciamessahistória.Sabiamdemeussentimentosporela.EtodosreceberamaordemdemeupaiparamatarJuliette.Masestãoesperando.Esópossoimaginarquehajamaiscoisaescondidapor

trásdetudoisso–algumaoutraexplicaçãoparaofatodeestaremhátantotempohesitando. Talvez estejam pensando que podem reabilitá-la. Talvez estejam seperguntando se Juliette não poderia continuar a servir a eles e à causa,basicamentecomosuairmãtemservido.AirmãdeJuliette.Souimediatamenteatormentadopelalembrança.Cabelos castanhos, magra. Tremendo descontroladamente debaixo d’água.

Longasmechascastanhassuspensascomoenguiasfuriosasaoredordeseurosto.Fios elétricos enfiados debaixo de sua pele. Vários tubos permanentementeligadosaopescoçoeaotronco.Elaviviasubmersahátantotempoque,quandoavipelaprimeiravez,malpareciaumapessoa.Suapeleeraleitosaeenrugada,abocaabertaemum“O”grotescoemvoltadeumaparelhoqueforçavaoarparadentrodeseuspulmões.ÉapenasumanomaisvelhaqueJuliette.Efoimantidaemcativeiropordozeanos.Aindaestáviva,masporpouco.Eunãofazia ideiadequeaquelagarotaera irmãdeJuliette.Aliás,não tinha

ideia sequerdequeaquelagarotaeraumapessoa.Quando recebiminha tarefa,ela não tinha nome. Sóme foram passadas instruções, ordens para seguir.Nãosabiaoqueouquemmehaviasidoatribuído.Sóentendiqueeraumaprisioneira

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e sabiaque estava sendo torturada–masnão sabia, ali, naquelemomento, quehaviaalgosobrenaturalnaquelagarota.Eueraumidiota.Umacriança.Batoapartedetrásdacabeçanaparede.Umavez.Comforça.Fechoosolhos

bemapertado.Juliette não faz ideia de que já teve uma família de verdade – uma família

horrível,insana,masmesmoassimumafamília.EsepudermosacreditarnoqueCastle diz, o Restabelecimento está atrás dela. Para matá-la. Para explorá-la.Então,precisamosagir.Temosdealertá-la,eprecisofazerissoquantoantes.Mascomo…comopossocomeçaracontarissoaela?Comofaçoparacontar

semexplicaromeupapelnissotudo?SempresoubequeJulietteerafilhaadotiva,masnuncalheconteiessaverdade

simplesmente porque pensei que pioraria as coisas. Para mim, seus paisbiológicosestavammortoshámuitotempo.Paramim,contaraelaquetinhapaisbiológicosmortosnãotornariasuavidamelhor.Masissonãomudaofatodequeeusabia.Eagoratenhoqueconfessar.Nãosóisso,mastodaaverdadeenvolvendosua

irmã. Preciso contar que Emmaline continua viva e sendo torturada peloRestabelecimento.Queeucontribuiparaessatortura.Ouentão:Que sou um verdadeiro monstro, completamente, totalmente indigno de seu

amor.

Fecho os olhos, tapo a boca com as costas da mão e sinto meu corpo sedesfazer. Não sei comome desenredar da sujeira criada pormeu próprio pai.Umasujeiradaqual,semquerer,fuicúmplice.Umasujeiraque,aoserrevelada,destruirácadafragmentodafelicidadequeamuitocustoconseguicriaremminhavida.Juliettenunca,nuncamesmo,vaimeperdoar.

Euvouperdê-la.Eissovaimematar.

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Juliette

Tenho curiosidade de saber o que estão pensando. Meus pais. Tenhocuriosidade de saber onde estão. Tenho curiosidade de saber se estão bemagora, se estão felizes agora, se enfim conseguiram o que queriam. Tenhocuriosidadedesaberseminhamãe teráoutro filho.Desabersealguémserábondosoobastanteparamemataredesaberseoinfernoémelhordoqueestelugar. Tenho curiosidade de saber como meu rosto está agora. Tenhocuriosidadedesabersevoltareiarespirararpuro.Tenhocuriosidadedesabertantascoisas.Às vezes, passo dias acordada, apenas contando tudo o que consigo

encontrar.Contoasparedes,asrachadurasnasparedes,meusdedosdasmãos,meus dedos dos pés.Conto asmolas da cama, os fios do cobertor, os passosnecessáriosparacruzaresteespaçoevoltarparaondeeuestavaantes.Contomeus dentes e os fios de cabelo e quantos segundos consigo segurar arespiração.Àsvezes, ficotãocansadaqueesqueçoquenãopossodesejarmaisnada,e

então me pego desejando aquilo que sempre quis. Aquilo com que sempresonhei.Otempotododesejoterumamigo.Sonhocom isso. Imaginocomoseria.Sorrire receberumsorriso.Teruma

pessoa em quem confiar, alguém que não jogue coisas em mim ou coloqueminhamãonofogooumeespanqueporternascido.Alguémqueouçaquefuijogadanolixoetentemeencontrar,quenãotenhamedodemim.Alguémqueentenderiaqueeujamaistentariaferi-lo.Estou curvada emum canto deste quarto e enterro a cabeça nos joelhos e

embalomeucorpoparaa frenteepara trásparaa frenteepara trásparaafrenteeparatrásedesejoedesejoedesejoesonhocomcoisasimpossíveisechoroatédormir.Tenhocuriosidadedesabercomoseriaterumamigo.E então, me pergunto quem mais está preso neste hospício. E fico me

perguntandodeondevêmosoutrosgritos.Eficomeperguntandoseestãovindodemim.

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–EXCERTODOSDIÁRIOSDEJULIETTENOHOSPÍCIO

Sinto-meestranhanestamanhã.Sinto-me lenta, como se andasse na lama, como se meus ossos estivessem

preenchidoscomchumboeminhacabeça,ai…Estremeço.Minhacabeçanuncaestevemaispesada.Indagoseessesseriamosúltimossinaisdovenenoaindaassombrandominhas

veias, mas alguma coisa em mim parece errada hoje. As lembranças do meutemponohospícioderepentesetornampresentesdemais–empoleiradasbemnafrentedaminhamente.Penseiqueconseguiriaafastaressaslembrançasdaminhacabeça,masnão,elasestãoaquioutravez,arrastadasparaforadapenumbra.Emtotalisolamentopor264dias.Quase1anosemacessoouescapatóriaaomundoexterior.Aoutroserhumano.Tanto tempo, tanto tempo, tanto mas tanto tempo sem o calor do contato

humano.Tremoinvoluntariamente.Empurroocorpoparaafrente.Oquehádeerradocomigo?SonyaeSaradevemterouvidomeusmovimentos,porqueagoraestãoparadas

diante demim, suas vozes claras,mas, de algumamaneira, vibrando. Ecoandopelasparedes.Meusouvidosnãoparamdezumbir.Apertoosolhospara tentarenxergarmelhorseusrostos,masderepentemesintozonza,desorientada,comosemeucorpoestivessedeladooucomosetalvezestiradonochãooutalvezeupreciseestarnochãoouaiai,achoquevouvomitar…

–Obrigadapelobalde–agradeço,aindacomnáusea.Tentomesentar,mas,poralgummotivo,nãomelembrooquetenhoquefazerparamesentar.Minhapelecomeçoua suar frio.–Oqueaconteceucomigo?– indago.–Penseiquevocêscurassem…curassem…Apagooutravez.Cabeçagirando.Olhos fechados para protegê-los da luz. A janela que vai do chão ao teto

parece não conseguir bloquear o sol de invadir a sala e não consigo evitar ospensamentos de quando vi o sol brilhar tão forte. Ao longo da última década,nosso mundo sofreu um colapso; a atmosfera tornou-se imprevisível, o tempomudaempicosagudosedramáticos.Nevaquandonãodevianevar;choveondenãodeviachover;asnuvensestãosemprecinza;ospássarossumiramdeumavez

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portodasdocéu.Asfolhas,quenopassadoeramverdeseviçosasnasárvoresejardins,agorasãosemvida,apodrecendo.Estamosemmarçoe,mesmoenquantoaprimavera se aproxima,o céunãomostraqualquer sinaldemudança.A terracontinuafria,congelada,continuaescuraeturva.Oupelomenostudoestavaassimaindaontem.Alguémcolocaumpanofrescoemminhatesta,eessetoquefrioébem-vindo;

minha pele parece inflamada mesmo quando tremo. Meus músculos relaxampaulatinamente.Mesmoassim,queriaquealguémfizessealgoparaevitaressesolforte. Estou apertando os olhos,mesmo enquanto eles permanecem fechados, oquesófazminhaenxaquecapiorar.–A ferida está totalmente curada – ouço alguém dizer. –Mas parece que o

venenonãofoiexpurgadodoorganismo.–Nãoconsigoentender–respondeoutravoz.–Comoissoépossível?Porque

vocêsnãopuderamcurá-lacompletamente?–Sonya?–consigodizer.–Sara?–Sim?– asgêmeas respondemaomesmo tempo, eposso sentir seuspassos

apressados, duros como batidas de tambores em minha cabeça conforme seaproximamdaminhacama.Tentoapontarparaasjanelas.–Podemfazeralgumacoisaparaevitarosol?–pergunto.–Estáfortedemais.Elasmeajudamasentaresintominhavertigemcomeçandoaestabilizar.Pisco,

eabrirosolhosrequerumgrandeesforço,masconsigofazerissoantesdealguémmeentregarumcopodeágua.–Bebaisso–Sonyainstrui.–Seucorpoestáseriamentedesidratado.Enguloa água rapidamente, surpresacomo tamanhodaminha sede.Elasme

entregamoutrocopo.Continuobebendo.Tenhodeengolir5coposdeáguaantesdeconseguirsustentarminhacabeçasemumaenormedificuldade.Quando finalmenteme sintomais normal, olho em volta. Olhos arregalados.

Tenhoumadordecabeçainsuportável,masosdemaissintomascomeçamaficarparatrás.Primeiro,vejoWarner.Está parado em um canto do quarto, olhos vermelhos, as roupas de ontem

amarrotadas no corpo. Encara-me com um olhar demedo declarado, o quemesurpreende. Totalmente diferente de como ele costuma ser. Warner raramentemostrasuasemoçõesempúblico.Queriapoderdizeralgumacoisa,masagoranãopareceserahoraapropriada.

Sonya e Sara continuam me observando atentamente, seus olhos amendoadosbrilhandoemcontrastecomapele.Porém,algumacoisanelasparecediferente.Talvezsejaporquenuncaasolhei tãodepertoassimemnenhum lugarquenão

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fosse o subsolo,mas a luz forte do sol reduz suas pupilas ao tamanho de umapontadealfinete,fazendoseusolhospareceremdiferentes.Maiores.Novos.– A luminosidade está tão estranha hoje – não consigo evitar comentar. –

Algumavezjáestevetãoclaroassim?SonyaeSaraolhampela janela,olhamoutravezparamim, franzemocenho

umaparaaoutra.– Como está se sentindo? – perguntam. – Sua cabeça ainda dói? Está com

tontura?–Minhacabeçaestámematando–respondo,etentorir.–Oquetinhanaquelas

balas?–Usooindicadoreopolegarparaapertaroespaçoentremeusolhos.–Sabemseessadordecabeçavaipassarlogo?ÉSaraquemresponde:–Sinceramente…nãosabemosoqueestáacontecendocomvocê.–Seu ferimento cicatrizou–Sonya explica –,mas parece queo veneno está

afetando suamente.Não temos como saber ao certo se ele foi capazde causardanospermanentesantesdeconseguirmosprestarosprimeirossocorros.Aoouviraspalavras,ergooolhar.Sintoacolunaenrijecer.–Danospermanentes?–indago.–Aomeucérebro?Issoépossível?Elasassentem.–Vamosmonitorá-ladepertonaspróximas semanas, sópara ter certeza.As

alucinaçõesquevocêestátendotalveznãosejamnadagrave.–Oquê?–Olhoemvolta.OlhoparaWarner,quecontinuasemdizernada.–

Quealucinações?Eusóestoucomdordecabeça.–Apertooutravezosolhos,virando o rosto para evitar a janela. –Nossa!Desculpe – digo, estreitando osolhoscontraaluz.–Faztempoquenãotemosumdiaassim.–Dourisada.–Achoqueestoumaisacostumadaàescuridão.–Usoamãoparaformarumaespéciedeviseira,demodoaprotegerosolhos.–Precisamosarrumarumaspersianasparaessasjanelas.AlguémmelembredepedirissoaKenji.Warnerficapálido.Suapeleparececongelada.SonyaeSaracompartilhamumolhardepreocupação.–Oquefoi?–pergunto,sentindoumfrionoestômagoenquantoolhoparaos

três.–Qualéoproblema?Oqueestãoescondendodemim?–Nãohásolhoje–Sonyarespondebaixinho.–Estánevandooutravez.–Escuroenublado,comotodososoutrosdias–Saracomplementa.–Oquê?Doqueestãofalando?–retruco,rindoefranzindoatestaaomesmo

tempo.Consigosentirocalordosoltocandomeurosto.Perceboqueprovocaumimpacto direto nos olhos delas, que suas pupilas se dilatam quando vão paraalgum canto com menos luminosidade. – Vocês estão brincando comigo, nãoestão?Osolestámuitoclaro,malconsigoolharpelajanela.

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SonyaeSaranegamcomacabeça.Warnerolhaparaaparede,mantémasmãosentrelaçadasnanuca.Sintomeucoraçãocomeçandoaacelerar.–Entãoestouvendocoisas?–pergunto.–Estoutendoalucinações?Todosassentem.–Porquê?– indago,esforçando-meparanãoentrarempânico.–Oqueestá

acontecendocomigo?–Nãosabemos–Sonyaresponde,olhandoparaasprópriasmãos–,mastemos

esperançadequeessesefeitossejamapenastemporários.Tentoapaziguarminharespiração.Tentopermanecercalma.–Certo.Bem,euprecisoir.Estouliberada?Tenhomilcoisasafazer…–Talvezdevesseficarmaisumtempoaqui–sugereSara.–Deixe-noscuidar

devocêpormaisalgumashoras.Masjáestounegandocomacabeça.–Euprecisotomarumpoucodear.Precisoirláfora…–Não…–ÉaprimeiracoisaqueWarnerdizdesdequeacordei,eelequase

gritaapalavranaminhadireção.Mantémamãoerguidaemumapelosilencioso.–Não,meu amor – ele diz, soando estranho. –Você não pode voltar a sair.

Não…Aindanão.Porfavor.Aexpressãoemseurostoésuficienteparapartirmeucoração.Tentomeacalmar,sintomeupulsoaceleradovoltandoaonormaleoencaro.–Desculpe–falo.–Desculpeporterassustadotodomundo.Foiummomento

deburriceetudofoiculpaminha.Baixeiaguardasóporumsegundo.–Suspiro.–Achoquealguémandoumeobservando,àesperadomomentocerto.De todomodo,nãovaivoltaraacontecer.Tentosorrir,maselenãosemexe.Sequerretribuiosorriso.– Sério – tento outra vez. – Não se preocupe. Eu devia ter imaginado que

existem pessoas por aí esperando para me matar assim que eu parecessevulnerável, mas… – Dou uma risada. – Acredite, tomarei mais cuidado dapróximavez.Vouatépedirumaguardamaiorparameacompanhar.Elenegacomacabeça.Estudo-o,analisoseuterror.Continuosementender.Façoumesforçoparamecolocardepé.Estouusandomeiaseumacamisola

hospitalar, e Sonya e Sara se apressam para me entregar um robe e chinelos.Agradeçoaelasportudooquefizerampormimeasduasapertamminhasmãos.–Estaremosaliforaseprecisaremdealgumacoisa–SonyaeSaraavisamao

mesmotempo.– Obrigada mais uma vez – digo, mantendo um sorriso no rosto. – Eu as

mantereiinformadasdecomovãoindoas...hum…–Apontoparaminhacabeça.

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–Asvisõesestranhas.Elasassentemevãoembora.DouumpassonadireçãodeWarner.–Oi–falocomdelicadeza.–Vaificartudobem,deverdade.–Vocêpoderiatersidoassassinada.– Eu sei – respondo. – Ando tão desligada ultimamente… Eu não esperava

nadadisso.Masfoiumerroquenãovoltareiacometer.–Umarisadinharápida.–Sério.Porfim,elesuspira.Liberaatensãoemseusombros.Passaamãonorosto,na

nuca.Nuncaoviassimantes.–Sintomuitoportê-loassustado–digo.–Porfavor,nãopeçadesculpas,meuamor.Nãoprecisasepreocuparcomigo–

responde, balançando a cabeça. – Estava preocupado com você. Como está sesentindo?–Você quer dizer, tirando as alucinações? –Abro um leve sorriso. – Estou

bem.Precisei de um instante para voltar amimhoje cedo,masme sintomuitomelhoragora.Tenhocertezadequeasvisõeslogoficarãoparatrás.–Agoraabroum sorriso enorme, mais para tentar tranquilizá-lo do que por qualquer outromotivo. – Enfim, Delalieu quer que eu me encontre com ele o mais rápidopossívelparadiscutirmeudiscursonosimpósio,entãoachoque talvezeudevaresolver isso.Nemacreditoquejáéamanhã.–Balançoacabeça.–Nãopossomedarao luxodeperdermais tempo.Porém…–Olhoparabaixo,paraomeupróprio corpo. – Talvez primeiro eu deva tomar um banho, não acha? Vestiralgumasroupasdeverdade?TentosorriroutravezparaWarner,tentoconvencê-lodequeestoumesentindo

bem, mas ele parece incapaz de falar. Apenas olha para mim, seus olhosvermelhos e intensos. Se eu não o conhecesse direito, pensaria que andouchorando.Estouprestesaperguntarqualéoproblema,quandoelefala:–Meuamor.e,poralgummotivo,seguroarespiração.–Precisoconversarcomvocê–prossegue.Naverdade,estásussurrando.– Está bem – respondo, deixando o ar sair dos meus pulmões. – Converse

comigo.–Nãoaqui.Sintooestômagorevirar.Meusinstintosmedizemquedevoentrarempânico.–Estátudobem?

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Eledemoramuitopararesponder:–Nãosei.Confusa,estudo-o.Eleretribuiogesto,seusolhosverde-clarosrefletindoaluzdetalformaque,

porummomento,nemsequerparecemhumanos.Enãodizmaisnada.Respirofundo.Tentomeacalmar.–Estábem–respondo.–Estábem.Mas,sevamosvoltarparaoquarto,posso

pelomenos tomarumbanhoantes?Queromuitome livrardessaareiae sangueressecadoqueaindaestãogrudadosnomeucorpo.Eleassente.Aindasememoção.Eagoraeurealmentecomeçoaentrarempânico.

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Warner

Estou andando pra lá e pra cá no corredor em frente ao quarto, esperandoimpacientementequeJuliettetermineseubanho.Minhacabeçaestáumturbilhão.Airritaçãovemmeperturbandoháhoras.Nãotenhoamenorideiadoqueelavaidizer.Decomoreagiráaoquetenhoalhecontar.Emesintotãohorrorizadocomoqueestouprestesafazerquenemsequerouçoalguémchamandomeunome,atéessapessoametocar.Dou meia-volta rápido demais, meus reflexos conseguem ser ainda mais

aceleradosdoqueminhamente.Prendo-ocomospunhosparatráseencostoseupeitocontraaparede,esóagoraperceboqueéKent.Elenãoreage;apenasriemepedeparasoltá-lo.Façoisso.Solto seu braço. Estou espantado. Balanço a cabeça para limpar a mente.

Esqueçodemedesculpar.–Vocêestábem?–outrapessoamepergunta.É James.Ainda temo tamanhodeumacriançae,por algummotivo, issome

surpreende.Respirocomcuidado.Minhasmãostremem.Nuncaestivemaislongede me sentir bem, e estou perturbado demais pela minha ansiedade para melembrardementir.–Não–respondo.Douumpassoparatrás,colidindocomaparedeebatendo

os pés no chão. –Não – repito,mas dessa vez nem seimais com quem estoufalando.– Ah, quer conversar sobre o que está acontecendo? – James continua

tagarelando.NãoentendoporqueKentnãoomandacalaraboca.Façoumsinalnegativocomacabeça.Masessaminharespostasópareceencorajá-lo.Jamessesentaaomeulado.–Porquenão?Achoquevocêdeveriaconversarsobreoqueestáacontecendo

–insiste.–Cara,porfavor!–Kentfinalmentedizaele.–Talvezfossemelhordarum

poucodeprivacidadeaWarner.MasJamesnãoseconvence.Estudameurosto.

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–Estavachorando?– Por que vocês fazem tantas perguntas? – esbravejo, soltando a cabeça em

umadasmãos.–Oqueaconteceucomseucabelo?OlhoespantadoparaKent.–Pode,porfavor,levá-loemboradaqui?–Vocênãodeveriaresponderperguntascomoutrasperguntas–Jamesdizpara

mim,apoiandoamãoemmeuombro.Quasesaltoparaforadomeuprópriocorpo.–Porqueestátocandoemmim?– Parece que um abraço lhe faria bem – ele responde. – Quer um abraço?

Abraçossemprefazemeumesentirmelhorquandoestoutriste.–Não–retrucoduramente.–Nãoqueroabraçonenhum.Enãoestoutriste.Kent parece rir. Está a alguns passos de nós, de braços cruzados, sem fazer

nadaparamelhorarasituação.Lançoumolharfuriosoemsuadireção.–Vocêparecebemtriste,sim–Jamesinsiste.–Nesteexatomomento,sósintoirritação–rebatocomdureza.–Massesentemelhor,não?–Jamessorri.Dátapinhasemmeubraço.–Está

vendo?Eufaleiqueconversarsobreoassuntoajuda.Surpreso,pisco.Encaro-o.Suateorianãoestáexatamentecorreta,mas,pormaisestranhoquepareça,de

fatomesintomelhor.Frustrar-mecomeleaindahápouco…digamosqueajudouaafastaropânicoeafocarospensamentos.Minhasmãosseestabilizaram.Sinto-meumpouquinhomaisfortalecido.–Bem,obrigadoporserirritante–respondo.–Ei! – Ele franze a testa. Fica na ponta dos pés, passa asmãos nas calças

comosequisesselimpá-las.–Eunãosouirritante.–Semdúvida, é irritante– rebato.–Especialmenteparaumacriançadoseu

tamanho.Porqueatéhojeaindanãoaprendeuaficarquieto?Quandotinhaasuaidade,eusófalavaquandoalguémfalavacomigo.Jamescruzaosbraços.– Espere aí, o que você quer dizer com essa história de criança do meu

tamanho?Qualéoproblemacomomeutamanho?Apertoosolhosparaele.–Quantosanosvocêtem?Nove?–Estouquasecompletandoonze!–Émuitopequenoparaalguémdeonzeanos.Eentãoelemedáumsoco.Forte.Nacoxa.–Aaaaaai!–grita,exagerandoemsuareação.Sacodeosdedos.Fechaacara

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paramim.–Porquesuapernaparecefeitadepedra?– Dá próxima vez, melhor escolher alguém do seu tamanho – provoco. Ele

estreitaosolhosparamim.–Masnãosepreocupe.Tenhocertezadequelogovaiestarmaisalto.Eusópasseiacrescerbastantedepoisquefizdozeoutrezeanos,então,sevocêforparecidocomigo…Kentpigarreiacomforça,eeufocoaatenção.–Istoé,sevocêforcomo,hã,seuirmão,tenhocertezadequevaificarbem.JamesolhaoutravezparaKentesorri.Aparentemente,osocodesajeitadojá

foiesquecido.– Espero mesmo que eu seja como meu irmão – responde, agora com um

sorrisoenormenorosto.–Adaméomelhor,nãoé?Esperoserexatamentecomoele.Sinto um sorriso brotar também emmeu rosto. Esse menininho… também é

meu,meuirmão,etalveznuncavenhaasaberdisso.–Nãoé?–Jamesinsiste,aindasorridente.Ficomeioperdidonaconversa.–Perdão?–Adam–eleexplica.–Adaméomelhor,nãoé?Éomelhorirmãomaisvelho

domundo.–Ah…sim–respondo,engolindoonónagarganta.–Sim,claro.Adamé,hum,

omelhor.Oualgopertodisso.Sejacomofor,vocêémuitosortudoportê-loaoseulado.Kentlançaumolharnaminhadireção,masnãofalanada.–Eusei–Jamesresponde,inabalado.–Eutivemesmomuitasorte.Concordo com a cabeça. Sinto alguma coisa revirar em meu estômago.

Levanto-me.–Sim.Agora…semederlicença.–Sim,jáentendi–Kentassente.Acenaparasedespedir.–Agentesevêpor

aí,né?–Semdúvida.–Tchau!–JamessedespedeenquantoKentoacompanhapelocorredor.–Fico

felizporestarsesentindomelhor!Mas,nofundo,eusómesintopior.

Voltoaoquarto,agoranãotãoempânicoquantoantes,mas,poralgummotivo,mais melancólico. E tão distraído que, ao entrar, quase não percebo Juliettesaindodobanheiro.Nãousanadaalémdeumatoalha.

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Suasbochechasestãorosadasporcausadaáguaquente.Osolhos,enormeseiluminadosquandoelasorriparamim.Étãolinda.Tãoinacreditavelmentelinda.–Precisopegarroupaslimpas–diz,aindasorrindo.–Vocêseimporta?Negocomacabeça.Sóconsigoencará-la.Poralgummotivo,minhareaçãoéinsuficiente.Juliettehesita.Franzeatestaao

meolhar.Efinalmentevemnaminhadireção.Sintomeuspulmõesprestesapararem.–Ei!–chamaaminhaatenção.Massóconsigopensarnoque tenhoa lhecontareemcomoelapodereagir.

Existe uma esperança pequena e desesperada em meu coração, mas essaesperançasórepresentaumatentativadeserotimistaquantoaoresultado.TalvezJulietteentenda.–Aaron?–insiste,aproximando-se,diminuindoadistânciaquenossepara.–

Vocêdissequequeriaconversarcomigo,certo?–Sim–respondoemumsussurro.–Sim.–Sinto-meentorpecido.–Dáparaesperar?–elapergunta.–Sóotempodeeumetrocar.Nãoseioquetomacontademim.Desespero.Desejo.Medo.Amor.Masmeatingecomumaforçadolorida,esselembrete.Dequantoaamo.Meu

Deus,euaamoporcompleto.Suasimpossibilidades,suasexasperações.Euamoomodocomoelaécarinhosaquandoestamossozinhos.Comosabeserdelicadaegentilemnossosmomentosasós.Ofatodeelanuncahesitaremmedefender.Euaamo.E ela está paradabemàminha frente comumapergunta nos olhos, e eu não

consigopensaremnadaalémdequantoaqueroemminhavida.Parasempre.Mesmoassim,nãodigonada.Nãofaçonada.EJuliettenãovaiembora.Espantado,perceboqueelacontinuaaguardandoumaresposta.–Sim,claro–apresso-meemresponder.–Claroquedáparaesperar.Maselaestátentandodecifrarmeusemblante.–Qualéoproblema?–pergunta.Façoquenãocomacabeçaenquantosegurosuamão.Comdoçura,commuita

doçura. Ela dá um passomais para perto eminhasmãos se fecham levementesobre seus ombros nus. É um movimento singelo, mas sinto suas emoções setransformarem. Juliette treme quando a toco, minhasmãos deslizando por seusombros,esuareaçãoalcançaosmeussentidos.Emematatodavez,medeixasemartodavezqueelareageamim,aomeutoque.SaberqueJuliettesentealgopormim…Quemedeseja…

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Talvezelaváentender,penso.Nósdoisjápassamosportantascoisasjuntos.Superamostantosobstáculos.Talvezessetambémsejatransponível.Talvezelaváentender.–Aaron?O sangue avança emminhas veias, quente e rápido. Sua pele émacia e tem

cheirodelavandaeeumeafastosóumcentímetro.Sóparaolharparaela.Passoopolegarporseulábioinferiorantesdeminhamãodeslizarnadireçãodesuascostas.–Oi?–respondo.Eelameencontraaqui,nessemomento,poruminstante.Beija-me livremente, sem hesitar, passando os braços em volta do meu

pescoço.Esouarrebatado,pego-meperdidoemumaenxurradadeemoções…Eatoalhadesliza.Cainochão.Surpreso, dou um passo para trás, conseguindo vê-la por completo. Meu

coração bate furiosamente no peito. Nem consigo me lembrar do que estavatentandofazer.Entãoeladáumpassoadiante,ficanapontadospésemepuxaparaperto,toda

caloredoçura,eeuatragoparajuntodemim,entorpecidopelocontato,perdidona inocênciade suapele.Aindaestou totalmentevestido. Juliette,nuaemmeusbraços. E, por algummotivo, essa diferença entre nós só deixa esse momentomais surreal. Ela estáme empurrando para trás com cuidado,mesmo enquantocontinuamebeijando,mesmoenquantousaamãoparaexplorarmeucorpoporentreotecido.Eeucaionacama,arfando.Juliettemontaemcimademim.

Achoqueperdicompletamenteacabeça.

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Juliette

Esse,pensoeu,éojeitocertodemorrer.Eu poderiame afogar nessemomento e nãome arrependeria. Poderia pegar

fogo com esse beijo e alegremente ser transformada em cinzas. Poderia viveraqui,morreraqui,bemaqui,encostadaaoquadrildele, tocandoos lábiosdele.Naemoçãodeseusolhosqueme fazemafundar,emseusbatimentoscardíacos,queagorajásetornaramindistinguíveisdosmeus.Isso.Parasempre.Isso.Elemebeijaoutravez,suasarfadasocasionaisedesesperadasporartocando

minha pele, e eu o saboreio, sua boca, seu pescoço, o contorno duro de seumaxilar, e ele tenta engolir um gemido, se afasta, dor e prazer se misturandoenquanto se enterramais fundo, commais força,músculos tensos, corpo sólidofeitopedra tocandoomeu.Umadesuasmãosenvolvemeupescoçoenquantoaoutra se mantém atrás da minha coxa, e ele me puxa, impossível chegar maisperto,esmaga-mecomumprazerextraordinárioquenãoseparececomnadaquejásentinavida.Éinominável.Desconhecido,impossíveldeestimar.Édiferenteacadavez.Ehojeháalgoselvageme lindonele,algoquenãoconsigoexplicar,algona

maneiracomometoca–naformacomoseusdedospousamemminhasescápulas,nacurvadasminhascostas…Comoseeupudesseevaporaraqualquermomento,comoseessapudesseseraprimeiraeúltimavezquenostocaremos.Fechoosolhos.Entrego-me.Oscontornosdenossoscorpossefundiram.Éondadepoisdeondadegeloe

calor,derretendoepegandofogoeésuabocaemminhapele,seusbraçosfortesmeenvolvendoemamorepaixão.Estou suspensanoar, submersaemágua,noespaço sideral, tudo aomesmo tempo, e os relógios congelam, as inibições jávoaramtodaspelajanelaenuncamesentimaissegura,amadaeprotegidadoquemesintoaqui,nessafusãodenossoscorpos.Percoanoçãodotempo.Percoanoçãodamente.Sóseiquequeroqueissodureparasempre.

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Elemedizalgumacoisa,deslizaasmãospelomeucorpo,esuaspalavrassãolevesedesesperadas,sedosasaomeuouvido,masquasenãoconsigoouvi-loporsobre o som do meu coração batendo forte no peito. Mas vejo quando osmúsculos de seus braços marcam a pele, quando ele luta para ficar aqui,comigo…Eleofega,ofegaalto,apertaosolhoscomforçaenquantoestendeamão,agarra

umpedaçodo lençol, e eumevironadireçãode seupeito,passoonarizpelalinhadeseupescoço,inspirandoseucheiro,emeucorpoestápressionadocontraodele,cadacentímetrodepelequenteeexpostocomdesejoenecessidadee–Euteamo–sussurromesmoenquantosintominhamentesedesligardocorpomesmoenquantoestrelasexplodematrásdemeusolhoseocalorinundaminhas

veiasesoudominada,ficoatordoadaesoudominadatodavez,todavezÉ uma torrente de sentimentos, um sabor simultâneo e efêmero de morte e

regozijo, e eu fechoosolhos, sintoumcalor ferozatrásdeminhaspálpebras etenhoanecessidadedegritar seunome,mesmoenquantonos sintoestilhaçandojuntos,destruídoserestauradostudoaomesmotempo,eelearfa–Juliette…–elesussurra.

Adoroaimagemdeseucorponu.Especialmente nesses momentos silenciosos, vulneráveis. Essas pausas que

habitam entre sonhos e realidade são minhas favoritas. Há uma graça nessaconsciência hesitante, um retorno cuidadoso e gentil ao nosso jeito normal defuncionar. Descobri que amo esses minutos pela forma delicada como sedesenrolam.Sãotenros.Câmeralenta.Otempoamarrandoseuscadarços.EWarner fica tão sereno, tão suave.Tãodesprovidodedefesas.Seu rostoé

tranquilo;suatesta,relaxada;oslábios,imaginandosedevemounãoseseparar.Eosprimeirossegundosdepoisqueeleabreabocasãoosmaisdoces.Àsvezes,tenhoasortedeabrirosolhosantesdele.Hoje,vejo-orevirar-senacama.Vejo-opiscar,abrirosolhos,orientar-se.Masentão,otempoqueelelevaparameolhar–ojeitocomqueseurostoseiluminaaomever–,essapartefazalgopalpitardentrodemim.Descubrotudo,tudooqueimporta,sópelojeitocomoelemeolhanessemomento.Ehoje…Hojeháalgodiferente.Hoje, ao abrir os olhos, Warner parece subitamente desorientado. Pisca,

analisaoquarto, fazmovimentos rápidosdemais,comosequisessecorrer,mas

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nãosoubessecomo.Hojeháalgumacoisaerrada.Equandosuboemseucolo,eleficaparalisado.Equandoseguroseuqueixo,eleviraorosto.Quando o beijo com leveza, ele fecha os olhos e algo em seu interior se

derrete, alguma coisa solta seus ossos. E quando abre os olhos, parece tãoaterrorizadoque,derepente,mesintonauseada.Háalgomuito,muitoerrado.–Oquefoi?–pergunto,masminhavozquasenãosai.–Oqueaconteceu?Qual

éoproblema?Elenegacomacabeça.–Soueu?–Meucoraçãoacelera.–Fizalgumacoisaquevocênãogostou?Warnerficadeolhosarregalados.–Não.Não, Juliette.Você éperfeita.Você é…MeuDeus, você éperfeita–

elogia.Elelevaamãoparatrásdacabeça,olhaparaoteto.–Porquenãoolhaparamim,então?Seus olhos encontram os meus. E não consigo não ficar impressionada com

quanto amo seu rosto, mesmo agora, mesmo enquanto está tomado pelo medo.Warnertemumabelezatãoclássica.Étãonotavelmentelindo,mesmoassim:comos cabelos raspados, curtos, macios; a barba por fazer, uma sombra loiracontornadoostraçosfirmesdeseurosto.Seusolhostêmumtominconcebíveldeverde.Luminosos.Cintilantes.Eentão…Fechados.–Tenhouma coisa para contar – fala baixinho, olhandopara baixo.Ergue a

mãoparametocar,eseusdedosdeslizampelalateraldomeu torso.Delicados.Aterrorizados.–Umacoisaquedeviatercontadoantes.–Oquequerdizercomisso?Soltoocorpoparatrás.Agarroumapartedolençoleasegurocomforçajunto

aomeucorpo,derepentesentindo-mevulnerável.Elepassatempodemaishesitando.Exala.Passaamãopelaboca,peloqueixo,

pelanuca…–Nãoseiporondecomeçar.Todososmeusinstintosmedizemparasaircorrendo.Paraenfiaralgodãonos

ouvidos.Paradizer-lhequesecale.Masnãoconsigo.Sinto-mecongelada.Esintomedo.–Comecepeloinício–peço,surpresapelosimplesfatodeconseguirfalar.Nuncaoviassimantes.NãoconsigonemimaginaroqueWarnertemadizer.

Agora está entrelaçandoosdedosdasmãos com tanta força, que receioqueosquebreporacidente.

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Eentão,finalmente.Lentamente.Elefala.–ORestabelecimentotornoupúblicassuascampanhasquandovocêtinhasete

anos.Eutinhanove.Mas,antesdisso,passarammuitosanosfazendoreuniõeseplanos.–Entendi.–OsfundadoresdoRestabelecimentoerammilitares,homensemulheresque

se tornarampeças da defesa.Eram responsáveis, emparte, pelo surgimento docomplexomilitarindustrialqueformouabasedosestadosmilitaresdefato,hojeconhecidos comoRestabelecimento. Tinham seus planos definidosmuito tempoantes de esse regime ganhar vida. Suas posições lhe davam acesso a armas etecnologias das quais ninguém sequer tinha ouvido falar. Mantiveram umavigilância extensiva, instalações totalmente equipadas, muitos hectares depropriedade privada, acesso ilimitado a informações… Tudo isso durou anos,antesmesmodevocênascer.Meucoraçãoacelera.– Alguns anos depois, descobriram os não naturais, um termo que o

Restabelecimento passou a usar para descrever aqueles com habilidadessobrenaturais.Você tinhamais oumenos cinco anos quando fizeram a primeiradescoberta.–Warnerolhaparaaparede.–Foientãoquecomeçaramacoletarinformações, fazer testes e usar pessoas com habilidades para acelerar seusobjetivosdedominaromundo.– Tudo isso é muito interessante – comento. – Mas a essa altura já estou

começandoasurtareprecisoquevocêpulelogoparaapartenaqualmecontaoqueissotudotemavercomigo.–Meuamor–responde,finalmentemeolhandonosolhos.–Tudoissotema

vercomvocê.–Como?–Háalgoqueeusabiasobreasuavidaequenuncalhecontei.–Eleengoleem

seco.Olhaparaasprópriasmãosaopronunciar:–Vocêfoiadotada.Arevelaçãoécomoumatempestade.Saiocambaleandodacama,seguroo lençol juntoaocorpoeficoaliparada,

chocada, encarando-o. Tento permanecer calma, mesmo enquanto minha menteincendeia.–Fuiadotada…Eleassente.– Então, você está dizendo que aquelas pessoas que me criaram… que me

torturaram…nãosãomeuspaisverdadeiros?Elefazquenãocomacabeça.

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–Meuspaisbiológicosaindaestãovivos?–Sim–respondeemumsussurro.–Evocênuncamecontounadadisso?Não,eledizrapidamenteNão,não,eunãosabiaqueaindaestavamvivos,dizEu não sabia nada, exceto que você era adotada, diz. Só descobri

recentemente, ainda ontem, que seus pai continuam vivos porqueCastle, diz,porqueCastlemecontou…Ecadarevelaçãosubsequenteéumaondadechoque,umadetonaçãorepentina

einesperadadentrodemim…BUM

Suavidafoiumexperimento,dizBUM

Vocêtemumairmã,diz,eelaestávivaBUM

Seuspaisbiológicosaentregaram,juntocomsuairmã,aoRestabelecimentoparaquerealizassempesquisascientíficaseécomoseomundo tivessesidoarrancadodeseueixo,comoseeu tivesse

sidolançadaparaforadaTerra,diretoacaminhodoSol,comoseestivessequeimandovivae,dealgumamaneira,aindapudesseouvi-

lo,mesmoenquantominhapelederreteparadentrodocorpo,minhamenteviradoavesso,etudooquejáconheci,tudoqueopensavaserverdadesobrequemsouedeondevenhod e s a p a r e c eAfasto-medele,confusaehorrorizadaeincapazdeformarpalavras,incapazde

falar.Eledizquenãosabiaesuavozfalhaquandopronunciaessaspalavras,quando

dizquenãosabiaatérecentementequemeuspaisbiológicosaindaestavamvivos,não sabia até Castle contar, nunca soube comome contar que fui adotada, nãosabiacomoeureceberiaanotícia,nãosabiaseeuprecisavaenfrentaressador,masCastlelhedissequeoRestabelecimentoestáatrásdemim,queestãovindoparamelevardevoltaesuairmã,eledizmas agora estou chorando e não consigo enxergá-lo porque as lágrimas

embaçamminhavisãoenãoconsigofalaresuairmã,elediz,onomedelaéEmmaline,éumanomaisvelhaquevocêeé

muito, muito poderosa, e tem sido mantida como propriedade doRestabelecimentohádozeanosNãoconsigoparardenegarcomacabeça

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–Pare–eupeço–Não–elerespondePorfavor,nãofaçaissocomigo…Maseleserecusaaparar.Dizqueeutenhoquesaber.Dizquetenhoquesaber

dissoagora…Quetenhoquesaberaverdade…PAREDEMECONTARESSASCOISAS,gritoEunãosabiaqueelaerasuairmã,eleestádizendoNãosabiaquevocêtinhaumairmãJuroquenãosabia–Foramquase vinte pessoas, entre homens emulheres, que deram início ao

Restabelecimento – continua –,mas só seis deles eram comandantes supremos.Quando o homem originalmente apontado para a América do Norte ficouirremediavelmente doente, meu pai foi designado para substituí-lo. Eu tinhadezesseisanosnessaépoca.Nósvivíamosaqui,noSetor45.Naépoca,meupaitinhaumaposiçãoinferior;então,setornarcomandantesupremosignificavaqueteríamosdenosmudar,elequismelevarcomele.Minhamãe…Minhamãeteriadeficarparatrás.Porfavor,nãofalemaisPorfavor,nãodigamaisnada,euimploro–Foiaúnicamaneiradeconvencê-loeamedaressaposição–conta,agora

desesperado.–Demedeixarficarparatrásparacuidardela.Elefezojuramentocomo comandante supremoquando eu tinha dezoito anos.Eme faz passar doisanosentre…–Aaron,porfavor–peço,sentindo-mehistérica.–Eunãoquerosaber…Não

pediparavocêmecontarnadadisso…Eunãoquerosaber…–Euperpetueiatorturadasuairmã–eleconfessa,suavozfalhando,arrasada.

–Oconfinamentodela.Recebiordensparagarantiraprisãodaquelagarota.Deiordensqueamantiveramondeestava.Todososdias.Nuncamecontaramporqueela estava ali ou o que havia de errado com ela. Sóme diziam paramantê-lapresa.Foi isso.Ela só tinhavinte equatrominutosdepausa forado tanquedeágua a cada vinte e quatro horas, e costumava gritar… implorar para que eu alibertasse.Suairmãimploravapormisericórdia,eeununcalhedeimisericórdia.EeuparoCabeçagirandoSoltoolençoldocorpoenquantofujo,corroparalongeVou enfiando as roupas no corpo omais rápido possível e, quando volto ao

quarto,transtornada,presaemumpesadelo,vejo-otambémparcialmentevestido,sem camisa, só de calça, e nem sequer fala enquanto o encaro, assustada, umamãocobrindoabocaenquantonegocomacabeçaelágrimassederramandoaos

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borbotões pelo meu rosto e não sei o que dizer, não sei se conseguirei dizeralgumacoisaparaelealgumdia…–Issoédemaisparamim–consigoexpressar,soluçandoentreumapalavrae

outra.–Édemais…demais…–Juliette…Ebalançoacabeçanegativamente,minhasmãostrememenquantotentosegurar

afechadurae–Porfavor–elepede,easlágrimasescorremsilenciosamenteporseurosto;

estávisivelmenteabalado.–Vocêprecisaacreditaremmim.Eueramuitonovo.Eum idiota. E estava desesperado. Naquela época, acreditava não ter nenhummotivo para continuar vivo…Nada tinha importância paramim, nada além desalvarminhamãe,eestavadispostoafazerqualquercoisaquepudesseparamemanteraqui,pertodela…–Vocêmentiuparamim!–vocifero,araivamantendomeusolhosfortemente

apertadosenquantomeafastodele.–Vocêmentiuparamimestetempotodo.Vocêmentiuparamim…Mentiusobretudo…–Não–Warnerresponde,tomadoporterroredesespero.–Aúnicacoisaque

escondidevocêfoiaverdadesobreseuspais,eujuroque…–Comopôde esconder isso demim?Esse tempo todo, tudo isso… todas as

coisas...Tudooquevocêfezfoimentirparamim…Negandocomacabeça,eledizNão,não,euteamo,meuamorporvocênunca

foiumamentira…–Então,porquenãomecontouantes?Porquemanteveessesegredoescondido

demim?– Eu achava que seus pais tinhammorrido hámuito tempo…Pensei que se

soubessedaexistênciadelesissonãoajudariaemnada.Penseiquesaberqueostinha perdido só provocaria mais dor. E eu não sabia, não sabia nada mesmosobreseuspaisverdadeirosnemsobresua irmã.Por favor,acrediteemmim…Juroquenãosabia,atéontemeunãosabia…Seupeitopalpita tantoqueseucorpochegaase inclinar,asmãosseapoiam

nosjoelhosenquantotentarespirar,enãoolhaparamimquandosussurra:–Desculpe.Eusintomuito,mesmo.–Pare…Paredefalar…–Porfavor…–Como…Como eu vou…Comoposso confiar emvocê outra vez? –Meus

olhosestãoarregaladoseaterrorizadoseestudo-oembuscadeumarespostaquesalveanósdois,maselenãoresponde.Nãotemcomoresponder.Emedeixasemnada a que me agarrar. – Como podemos voltar a ser o que éramos antes? –pergunto. –Como posso esquecer tudo isso?Que vocêmentiu paramim sobre

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meus pais? Que torturou minha irmã? Tem tanta coisa que desconheço a seurespeito…–Minhavozsaifraca, instável.–Tantacoisa…Enãoposso…Nãoconsigo…Eleergueoolhar,congelado,encarando-mecomosefinalmenteentendesseque

nãovoufingirqueissonuncaaconteceu,quenãopossocontinuarcomalguémemquemnão confio.E eu noto, vejo a esperança deixar seus olhos, vejo suamãopresananuca.Omaxilarsolto,orostoespantado,derepentepálido,eeledáumpassoemminhadireção,perdido,desesperado,implorandocomoolharmastenhoqueirembora.estoucorrendopelocorredorenãoseiqualémeudestinoatéchegarlá.

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Warner

Entãoisso…Issoéoquechamamdeagonia.Éaissoquesereferemquandofalamemcoraçãopartido.Penseiquesoubesse

osignificadodaexpressãoantes.Pensavasaber,comperfeitaclareza,comoéterocoraçãopartido,masagora…Agorafinalmenteentendo.Antes?QuandoJuliettenãoconseguiaescolherentremimeKent?Aquelador?

Aquiloerabrincadeiradecriança.Masisso.Isso é sofrimento. É uma tortura completa, absoluta. E não posso culpar

ninguémsenãoamimmesmoporessador,oqueme impossibilitadecanalizarminharaivaparaoutrolugarquenãoparadentrodemimmesmo.Senãosoubessedenada,pensariaestarsofrendoumataquecardíacodeverdade.Asensaçãoéadequeumcaminhãopassouporcimademim,quebrandocadaossoemmeupeito,e agora está parado em cima do meu corpo, com seu peso amassando meuspulmões.Nãoconsigorespirar.Nãoconsigosequerenxergardireito.Meucoraçãolatejanosouvidos.Osangueavançarápidodemaispelacabeça,

deixando-mecomcalor,atordoado.Estouestranguladoemmudez,entorpecidoemmeus ossos. Não sinto nada além de uma pressão imensa e absurda meestilhaçando.Soltoocorpoparatrás,comforça.Acabeçabatenaparede.Tentomeacalmar,acalmarminharespiração.Tentoserracional.Nãoéumataquecardíaco,digoamimmesmo.Nãoéumataquecardíaco.Seiquenãoé.Estoutendoumataquedepânico.Jáaconteceucomigooutravezeador sematerializoucomosesaíssedeum

pesadelo,comosesaíssedonada,semqualqueraviso.Acordeinomeiodanoitetomado por um terror violento que não conseguia expressar, convencido, semqualquer sombradedúvida,dequeestavamorrendo.Oepisódioenfimpassou,masaexperiênciaseguiumeassombrando.Eagoraisso…Penseiqueestivessepronto.Penseiestarpreparadoparaopossívelresultado

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daconversadehoje.Masestavaerrado.Sintoquemedevora.Essador.Ao longoda vida, sofri de ansiedades ocasionais,mas geralmente conseguia

administrar o problema. No passado, minhas experiências sempre foramassociadas a esse trabalho. A meu pai. Mas conforme fui ficando mais velhotambémfuimetornandomenosimpotente,eencontreimaneirasdeadministrarosdesencadeadores da ansiedade; encontrei locais seguros em minha mente;informei-mesobre terapiacognitivo-comportamental;e,como tempo,aprendiasuperar.Aansiedadepassouasurgircommenorintensidadeefrequência.Muitoraramente, porém, ela se transforma em outra coisa. Alguma coisa que fogecompletamentedomeucontrole.Edessaveznãoseioquefazerparasalvaramimmesmo.Nãosei sesou forteobastanteparacombatê-la,nãoagoraquenemseimais

pelo que estou lutando. E acabei de cair de costas no chão, minha mãopressionadacontraadornopeito,quando,derepente,aportaseabre.Sintoocoraçãopegarnotranco.Ergoacabeçaumcentímetroeespero.Aesperançanasalturas.–Ei,cara,quemerda,ondevocêestá?Bufoaosoltaracabeça.Tinhaqueserjustamenteele…–Olá?–Passos.–Seiqueestáaí.Eporqueessequartoestáestazona?Por

quetemcaixaselençóisespalhadosparatodolado?Silêncio.–Cadêvocê, irmão?Acabeideencontrar Juliette e ela estava surtando,mas

nãomecontouomotivo.Seiquevocêestáseescondendoaquicomoum…Epronto,aquiestáele.Ocoturnobemaoladodaminhacabeça.Encarando-me.–Oi–cumprimento.Étudooqueconsigodizernessemomento.Kenjibaixaoolharnaminhadireção,embasbacado.–Queporraestáfazendo

aínochão?Eporquenãoestávestido?–E,emseguida:–Espereumpouco…Estavachorando?Fechoosolhos,rezoparamorrer.–Oqueestáacontecendo?–Derepente,avozdelechegamaispertodoqueeu

apercebiantes,emedoucontadequeKenjideveestaragachadoaomeulado.–Qualéoproblema,cara?–Nãoconsigorespirar–sussurro.–Quehistóriaéessadenãoconseguirrespirar?Elaatirouemvocêdenovo?Essalembrançameatravessa.Maisumadorexcruciante.

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MeuDeus,comoodeioessecara.Enguloemseco,forte.–Porfavor.Váembora.–É,não.–Ouçoobarulhode seusmovimentosquandoele se senta aomeu

lado. – O que é isso? – pergunta, apontando para o meu corpo. – O que estáacontecendocomvocêagora?Enfim,desisto.Abroosolhos.– Estou tendo um ataque de pânico, seu cuzão sem consideração. – Tento

respirar.–Egostariadeterumpoucodeprivacidade.Kenjiarqueiaassobrancelhas.–Vocêestátendoumoquê?–Ataque…–Ofego.–Depânico.–Quemerdaéessa?–Temremédios.Nobanheiro.Porfavor.Elemeolhadeumjeitoestranho,masfazoquepeço.Voltaemuminstantecom

ofrascocerto,emesintoaliviado.–Éeste?Balanço a cabeça em um gesto afirmativo. Na verdade, nunca tomei esse

medicamento antes,mas o guardei a pedido domeumédico. Para situações deemergência.–Queráguaparaengoliroremédio?Balançoacabeça.Commãostrêmulas,arrancoofrascodele.Nãomelembro

qualéadosagem,mas,comomuitoraramente tenhoumataquetãograveassim,façoumasuposição.Enfiotrêscomprimidosnabocaeosmastigocomviolência,sentindoogostoamargoehorrívelnalíngua.Apenasalgunspoucosminutosdepois,quandooremédiocomeçaafazerefeito,

o caminhão metafórico enfim é arrancado do meu peito. Minhas costelasmagicamentesereajustam.Ospulmõesselembramdefazerseutrabalho.Eentãomesintomole.Exausto.Lento.Forço-meaficardepé.–Seráqueagorapodemecontaroqueestáacontecendoaqui?–Kenjicontinua

meencarando,braçoscruzadosnaalturadopeito.–Oudevoiremfrenteepartirdo pressuposto de que você fez alguma coisa horrível e lhe dar umas boasporradas?Deumahoraparaaoutra,sinto-metãocansado.Uma risadabrota emmeupeito,masnão sei deondevem.Consigoevitá-la,

masnãoconsigoesconderumsorrisoidiotaeinexplicávelquandodigo:–Vocêdeveriasimplesmentemeespancar.

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Eperceboquefaleimerda.A expressão de Kenji muda. Seus olhos me estudam, sinceramente

preocupados, e acho que falei demais. Esse remédio está me deixando lento,entorpecendomeus sentidos. Levo amão aos lábios, imploro para que fiquemfechados.Esperonãoterexageradonoremédio.–Ei–Kenjifalacomcuidado.–Oqueaconteceu?Façoquenãocomacabeça.Fechoosolhos.–Oqueaconteceu?–repitoaspalavrasdele,agorarealmenterindo.–Oque

aconteceu, o que aconteceu… – Abro os olhos tempo suficiente para dizer: –Julietteterminoucomigo.–Oquê?–Istoé,achoqueterminou.–Ficoemsilêncio.Franzoatesta.Batoodedono

queixo.–Imaginoquesejaporissoqueelasaiudaquicorrendoegritando.–Mas…PorqueJulietteterminariacomvocê?Porqueelaestavachorando?Aoouvirsuaspalavras,voltoarir.–Porqueeu–apontoparamimmesmo–souummonstro.Kenjiparececonfuso.–Equaléanovidadenisso?Dourisada.Eleéengraçado,euacho.Caraengraçado.–Ondeeudeixeiacamisa?–Tateio,derepentesentindoumaletargiaquemeé

completamentenova.Cruzoos braços.Fechoos olhos. –Hum,vocêviuminhacamisaporaí?–Vocêestábêbado,irmão?–O quê? –Dou um tapa no ar.Caio na risada. –Acho que não.Meu pai é

alcoólatra,sabia?Eunãochegonempertodeálcool.Não,espereaí…–Ergoumdedo.–Eraalcoólatra.Meupaieraalcoólatra.Agoraeleestámorto.Mortinho.EentãoouçoKenjiofegando.Ofegandoaltaeestranhamenteantesdesussurrar:–Putamerda.–Esuaspalavrassãoobastanteparaaguçarmeussentidospor

uminstante.Doumeia-voltaparaencará-lo.Elepareceaterrorizado.–Oqueaconteceucomassuascostas?–Ah. – Desvio o olhar, agora irritado. – Isto… –Asmuitas cicatrizes que

desfiguramasminhascostas.Respiro fundo.Soltoo ar. –São só…você sabe,presentesdeaniversáriodomeuvelhopai.–Presentesdeaniversáriodoseupai?–Kenjipisca, rápido.Olhaemvolta,

falacomoar:–Emquetipodenovelaeuacabeidemeenfiar?–Passaamãonoscabelosediz:–Porqueéquesempreacaboenvolvidonasmerdaspessoaisdosoutros?Porquenãoconsigocuidardaminhaprópriavida?Porquenãoconsigo

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ficardebocafechada?–Sabe…–respondo,inclinandoligeiramenteacabeça.–Sempremeperguntei

amesmacoisa.–Caleaboca.Abroumsorrisoenorme.Iluminadocomoumalâmpada.Kenjificadeolhosarregalados,surpreso,eemseguidadárisada.Assenteao

vermeurostoefala:–Quefofo,vocêtemcovinhas.Eunãosabia.Quegracinha.–Caleaboca!–Franzoatesta.–Váembora.Elerimaisintensamente.–Achoquevocêexagerounessesremédiosaí.–Recolheofrascoquedeixei

nochão.Lêorótulo.–Aquidizquevocêdevetomarumacadatrêshoras.–Rioutra vez, agora mais alto. – Porra, cara, se eu não soubesse que você estásofrendoparavaler,filmariaestacena.–Estoumuitocansado.Porfavor,vádiretoparaoinferno.–Nemferrando,suaaberração.Nãovouperderestacenapornada.–Apoiao

corponaparede.–Emais:nãovoualugaralgumatésuaversãoentorpecidamedizerporquevocêsdoisterminaram.Negocomacabeça.Finalmenteconsigoencontraracamisaevesti-la.–Issomesmo,vistaissoaí–Kenjifala.Lançoumolharfulminanteaeleecaionacama.Fechoosolhos.–Então?–Elesesentabemaomeulado.–Possobuscarapipoca?Oqueestá

rolando?–Informaçãosigilosa.Kenjiemiteumbarulhoquedeixaclarasuadescrença.–Oqueésigiloso?Omotivodotérminoésigiloso?Ouvocêsterminarampor

algumainformaçãosigilosa?–Sim.–Dêalgumapista,cara.–Nós terminamos– respondo, puxandoum travesseiro sobreos olhos–por

causadeumainformaçãoquecompartilheicomela…Umainformação,comoeudisse,sigilosa.–Oquê?Porquê?Nãofazomenorsentido.–Uminstantedesilêncio.–Anão

serque…– Ah, ótimo. Posso praticamente ouvir as engrenagens minúsculas do seu

cérebrominúsculotrabalhando.–Você contou algumamentira a ela?Alguma coisa que devesse ter contado

antes?Algumacoisasigilosa…envolvendoela?Acenocomamãoparanadaemparticular.

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–Quecaramaisgenial!–ironizo.–Ah,merda!–Sim–concordo.–Umamerdaenorme,mesmo.Eleexpirademoradaeduramente.–Asituaçãomeparecebemséria.–Eusouumidiota.Elepigarreia.–Entãoquerdizerquedessavezvocêferroumesmoascoisas?–Bemporaí,imagino.Silêncio.–Espereumpouco, expliqueoutravezporque esses lençóis estão todosno

chão.Aoouvirisso,afastootravesseirodorosto.–Porquevocêachaqueestãonochão?Umsegundodehesitaçãoe:–Ah, espere aí…qualé, cara, que droga. –Kenji pula para fora da cama,

parecendoenojado.–Porquemedeixousentaraqui?–Caminhaapassoslargosaté o outro lado do quarto. – Vocês dois são…Putamerda! Isso não é nadalegal…–Cresça,cara.–Eu jásouadulto.–Ele fechaacaraparamim.–MasJulietteé tipominha

irmã,cara.Nãoqueropensarnessaporra…–Olha,nãosepreocupe.Tenhocertezadequenãovaivoltaraacontecer.–Estábem,estábem,rainhadodrama,acalme-se.Emefalemaissobreesse

negóciosigiloso.

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Juliette

Corra,faleiamimmesma.Corraatéseuspulmõesentrarememcolapso,atéoventochicotearerasgar

suasroupasjásurradas,atésetornarumamanchaquesemisturacomofundo.Corra, Juliette, corra mais rápido, corra até seus ossos fraturarem e sua

canelaquebrareseusmúsculosatrofiaremeseucoraçãodesfalecerporqueelesempre foi grande demais para o seu peito e bate rápido demais por tempodemaisecorra.Corracorracorraaténãoouvirospésdelesbatendoatrásdevocê.Corra

atéelesbaixaremospunhoseseusgritossedissolveremnoar.Corradeolhosabertosebocafechadaerepreseorioquecorreportrásdeseusolhos.Corra,Juliette.Corraatécairmorta.Certifique-sedequeseucoraçãopareantesdeelesaalcançarem.Antesque

consigamtocaremvocê.Corra,eufalei.

–EXCERTODOSDIÁRIOSDEJULIETTENOHOSPÍCIO

Meus pés batem contra o chão duro e batido, cada passada firme enviandochoques de dor elétrica perna acima. Meus pulmões queimam, a respiração érápida e intensa, mas eu me esforço para superar a exaustão, os músculostrabalhandomaisassiduamentedoquehámuitotempo,econtinuoemmovimento.Nunca fui boanisso.Sempre tivedificuldadepara respirar.Maspassei a fazerbastante cardio emusculação desde quememudei para a base, e fiqueimuitomaisforte.Hoje,colhoosresultadosdessestreinos.Jápercorripelomenosalgunsquilômetros,pânicoeraivameimpulsionandoa

seguiremfrente,masagoratenhoqueiralémdaminharesistênciaparamanteroembalo.Nãopossoparar.Nãovouparar.Aindanãoestouprontaparacomeçarapensar.

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Hojeéumdiaperturbadoramentelindo;osolbrilhaaltoeforte;ospássaros,queeupensavanemexistiremmais,cantamfelizesnasárvoresquejáflorescem,batemasasasnocéuazulevasto.Estouusandoumablusadealgodãofino.Calçajeans escura.Outro par de tênis.Meus cabelos, soltos e longos, formamondasatrásdemim,envolvidosemumabatalhacontraovento.Sintoosolaquecermeurosto;sintogotasdesuorescorrendoporminhascostas.Seráquetudoissoéreal?–pergunto-me.Alguém atirou em mim de propósito com aquelas balas envenenadas? Para

tentarmecomunicaralgumacoisa?Ouminhasalucinaçõesnadatêmavercomisso?Fechoos olhos e empurro as pernas commais força, insistindopara queme

levemmaisrápido.Aindanãoqueropensar.Nãoqueroparardememovimentar.Seeuparar,minhamentepodemematar.Um golpe repentino de vento atinge meu rosto. Abro novamente os olhos,

lembro-me de respirar. Estou outra vez no território não regulamentado, meuspoderestotalmenteligados,aenergiazumbindoemmeuinteriormesmoagora,emmovimento constante.As ruas do antigomundo são pavimentadas,mas tambémpontuadas por buracos e poças d’água. Os prédios estão abandonados, altos efrios;fioselétricosseespalhamnohorizontecomoapartituradeumacomposiçãonão concluída, balançando levemente sob a luzda tarde.Corropor debaixodeuma ponte decadente e por uma escada de concreto ladeada por palmeirasmalcuidadasepostescomlâmpadasqueimadas.Ocorrimãodeferroforjadosemostradesgastado,atintajádescascando.Entroesaiodealgumasruaslateraiseentãoestoucercada,portodososlados,peloesqueletodeumaantigarodoviade12 pistas, com uma enorme estrutura demetal parcialmente em colapso ali nomeio.Aproximo-meecontotrêsigualmenteimpressionantesplacasverdes,sendoqueapenasduascontinuampenduradas.Leioaspalavras…405SOUTHLONGBEACH…eparo.Dobro o corpo para a frente, cotovelos nos joelhos, mãos unidas atrás da

cabeça,eenfrentoanecessidadedecairnochão.Inspiro.Expiro.Váriaseváriasvezes.Ergooolhar,analisooqueháàminhavolta.Avistoumvelhoônibusnãomuitolongedeondeestou,suasrodasatoladasem

umapoçaenormedeáguaparada,apodrecendo,enferrujando,comoumacriançaabandonada pisando em sua própria sujeira. Placas de trânsito, vidrosestilhaçados,borrachaemfarraposeumpara-choqueesquecidoemporcalhamo

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querestoudoasfaltodestruído.Osolmeencontraebrilhanaminhadireção,umholofoteparaagarotacansada

paradanomeiodonada,e soucapturadapor seus raiosdecalorconcentrados,derretendo lentamentededentropara fora,entrandoemcolapsoenquantominhamentetentaacompanharoritmodocorpo,comoumasteroidecaindonaTerra.Eentãomedouconta…OslembretessãocomoreverberaçõesAsmemóriassãocomomãossefechandoaoredordaminhagargantaLáestáLáestáelaoutravezestilhaçada.Curvoocorpo,encostando-ocontraapartetraseiradoônibusimundo,edeixo

amão taparabocaparacalarmeusgritos,massuas tentativasdesesperadasdeescaparpormeuslábiosenfrentamumamarédelágrimasnãoderramadasquenãopossodeixarescorrereme…respireMeucorpotremecomaemoçãorepresada.Ovômitosobepeloesôfago.Váembora,sussurro,massónaminhacabeçaváembora,digoPorfavor,morraEuacorrenteiamenininhaaterrorizadadomeupassadoemalgumamasmorra

desconhecida dentro de mim, onde ela e seus medos foram cuidadosamentemantidos,isoladosdomundo.Suaslembranças,sufocadas.Suaraiva,ignorada.Nãoconversocomela.Nãomeatrevoaolharparaela.Euaodeio.Mas,nesseexatomomento,euaouçochorar.Nessemomento, posso vê-la, essa outra versão demimmesma. Posso vê-la

esfregandoasunhassujasnascâmarasdomeucoração,arrancandosangue.Eseeu pudesse alcançar meu interior e extirpá-la de mim usando minhas própriasmãos,fariajustamenteisso.Arrebentariaseucorpinhonomeio.Arremessariaseusmembrosmutiladosnomar.Eumelivrariacompletamentedela,apagariasuasmarcasdaminhaalmapara

sempre.Maselaserecusaamorrer.Continuadentrodemim,umeco.Assombraos corredores domeu coração e daminhamente, e embora eu ficasse feliz emmatá-laembuscadeumachancedeserlivre,nãoconsigo.Écomotentarsufocarumfantasma.Então, fecho os olhos e imploro a mim mesma para ser corajosa. Respiro

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fundo,váriasvezes.Nãopossodeixarameninaalquebradaqueexistedentrodemim absorver tudo o queme tornei. Não voume estilhaçar, não outra vez, norastrodeumterremotoemocional.Masporondepossocomeçar?Comofaçoparaencarar tudooqueestáacontecendo?Asúltimassemanas já

foram demais para mim; demais para enfrentar; demais para lidar. Tem sidocomplicadoadmitirquenãosouqualificada,queestouenvolvidademaisemumasituaçãodifícil,maschegueilá.Estavadispostaareconhecerquetudoisso–essanovavida,essenovomundo–requereriatempoeexperiência.Estavadispostaamededicarhorasaconfiaremminhaequipe,aserdiplomática.Masagora,àluzdetudoisso…Todaaminhavidafoiumexperimento.Tenhoumairmã.Umairmã.Epaiemãediferentes,paisbiológicos,quenãome

trataramdiferentedosadotivos,quedoarammeucorpoparapesquisascomoseeunãofossenadaalémdeumaexperiênciacientífica.Anderson e os outros comandantes supremos sempre souberam quem eu era.

Castlesempresoubeaverdadeameurespeito.Warnersabiaqueeuforaadotada.Eagora,reconhecerqueaquelesemquemmaisconfieimentiramparamim,me

manipularam…Quetodomundoestavameusando…Rasgandomeus pulmões, sai o grito repentino. Liberta-se domeu peito sem

aviso,sempermissão,eéumgritotãoalto,tãoduroeviolento,quemedeixadejoelhos.Minhasmãosempurramoasfalto,acabeçainclinadaentreaspernas.Obarulhodaminhaagoniaseperdenovento,élevadopelasnuvens.Masaqui,entremeuspés,ochãoseabriu.Surpresa, levanto-me com um salto e olho para baixo, giro. De repente não

consigomaismelembrarseessarachadurajáestavaounãoaqui.Aforçadaminhafrustraçãoeconfusãomelevadevoltaaoônibus,ondesolto

a respiração eme apoio na porta traseira, na esperança de encontrar um lugarparadescansaracabeça.Masminhasmãoseminhacabeçarasgamasparedesdoveículocomosefossemfeitasdepapeldeseda,ecaionochãoimundo,mãosejoelhosbatendodiretonometal.Poralgummotivo,issomedeixaaindamaisfuriosa.Meu poder está descontrolado, alimentado porminhamente descuidada, por

meus pensamentos ferozes. Não consigo focar minha energia como Kenji meensinoueela seespalhapor todosos lugares,por todaaminhavolta,dentroeforademim,eoproblemaéqueaessaalturanãoestoumaisnemaí.Nãomeimporto,nãonestemomento.Sempensar,estendoamãoearrancoumdosbancosdoônibuseolançocom

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força no para-brisa. Vejo vidro voar por todos os lados; um enorme caco meatingenoolhoeváriosoutrosvoamemminhabocaabertaenervosa.Ergoamãoe encontro cacos na manga da blusa, cacos que brilham como minúsculospingentes de gelo. Cuspo os pedaços que estão naminha boca. Tiro outros dablusa. E então puxo um fragmento de vidro de três centímetros de dentro dapálpebraeojogofora.Elecaicomumlevetinidonochão.Meupeitolateja.Enquantoarrancomaisumbanco,penso:oqueeufaçoagora?Jogo-odireto

emumajanela,estilhaçandomaisumvidroe rasgandomaisumapartemetálicadoônibus.Meuinstintoforçameubraçoaseerguerparaprotegerosolhosdoscacos voando, mas não consigo nem tremer. Estou furiosa demais para meimportar.Nessemomento,soupoderosademaisparasentirdor.Ovidrobateemmeu corpo e ricocheteia. Fiapos de aço parecidos com lâminas batem contraminhapeleecaemnochão.Quasetenhovontadedesentiralgumacoisa.Qualquercoisa.Oqueeufaço?Soco a parede e não encontro alívio no gesto;minhamão passa direto pelo

metal. Chuto um banco e não me sinto mais reconfortada; meu pé atravessa oestofamentobarato.Volto a gritar, emparte furiosa, empartemagoada, e dessavezobservoumalongaeperigosafendaseabrirnoteto.Issoénovidadeparamim.Emal tive tempo de pensar quando o ônibus dá um chacoalhão inesperado,

escancarando-secomumtremorrepentinoesepartindoaomeio.As duasmetades desmoronam, uma de cada lado, fazendo-me tropeçar para

trás.Caioemumapilhademetalevidromolhadoesujoe,perplexa,forço-meaficardepé.Nãoseioqueacaboudeacontecer.Eusabiaqueeracapazdeprojetarminhashabilidades–minhaforça,essasim

eusabia–,porém,nãosabiaquepodiaprojetar forçacomaminhavoz.Velhosimpulsosmefazemdesejarteralguémcomquemdebatersobreesseassunto.Masnãotenhomaisninguémcomquemconversar.Warner,foradequestão.Castleécúmplice.EKenji… o que pensar deKenji? Será que também sabia da existência de

meuspais,daminhairmã?Castlecertamentecontouaele,não?Oproblemaéquenãopossomaistercertezadenada.Nãorestaninguémemquemconfiar.Masessaspalavras–essesimplespensamento–derepentetrazemàtonauma

lembrança.Éalgonebuloso,quetenhodebuscarnamemória.Agarro-aepuxo-a.

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Umavoz?Umavozfeminina,agoralembro.Dizendo-mepara…Ficoboquiaberta.EraNazeera.Ontemànoite.Naalamédica.Eraela.Agoramerecordodesua

voz…Lembro-medeestenderminhamãoetocaradela,lembro-medetersentidoometal que ela sempre usa nos nós dos dedos, lembro-me de ouvi-la dizendoparamimque……aspessoasemquemvocêconfiaestãomentindoparavocê…eosoutros

comandantessupremossóqueremmatá-la…Viro-merápidodemais,buscandoalgumacoisaquesouincapazdenomear.Nazeera estava tentandome alertar.Ontem à noite…Elamalme conhecia e

aindaassimestavatentandomecontaraverdademuitoantesdequalquerumdosoutros…Masporquê?E então, alguma coisa dura e barulhenta pousa pesadamente na estrutura de

concreto parcialmente destruída que bloqueia a estrada. As velhas placas darodoviatrememebalançam.Mantenhooolharfocadonoqueestáacontecendo.Acompanhoemtemporeal,

cenaacenae,mesmoassim,ficotãoimpressionadacomoquevejoqueesqueçodefalar.É Nazeera, a 15 metros do chão, calmamente sentada sobre a placa que

anuncia…10EASTLOSANGELES…eelaestáacenandoparamim.Usaumcapuzdecouromarromfolgadona

cabeça,presoaumcoldrequepassaporseuombro.Ocapuzdecourocobreoscabeloseescondeosolhos,demodoqueapenasaparteinferiordeseurostoestávisíveldeondeestou.Opiercingdediamanteabaixodolábioinferiorpareceseincendiaraoreceberaluzdosol.Elapareceumavisãosaídadeumaépocadesconhecida.Naturalmente,nãosofredomesmoproblemaqueeu.–Jásesenteprontaparaconversar?–mepergunta.–Como…comofoiquevocê…–Sim?–Como veio parar aqui? –Olho àminha volta, analisandomeus arredores.

Comoelasabiaqueeuestavaaqui?Estãomeseguindo?–Voando.Viro-meparaencará-la.–Ondeestásuaaeronave?Ela ri e salta da placa.É uma queda longa e arriscada, que feriria qualquer

pessoanormal.

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–Esperorealmentequeestejabrincando–respondee,então,mesegurapelacinturaesalta,subindoaoscéus.

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Warner

Jávimuitascoisasestranhasnavida,masnuncapenseiqueteriaoprazerdeverKishimotocalarabocapormaisdoquecincomuitos.Eaquiestamosnós.Emoutrasituação,talvezeuapreciasseummomentocomoesse.Infelizmente,porém,agorasouincapazdedesfrutaratémesmodessepequenoprazer.Seusilêncioéenervante.Já se passaram cinco minutos desde que terminei de dividir com Kenji os

mesmosdetalhes que compartilhei com Juliettemais cedo, e ele nãodisse umapalavrasequer.Estásentadonumcanto,emsilêncio,acabeçaencostadaàparede,cenho franzido e se recusando a falar. Só encara o nada, olhos estreitados,focadosemalgumpontoinvisíveldooutroladodoquarto.Devezemquando,suspira.Estamosaquiháquaseduashoras, sónósdois.Conversando.E,de todasas

coisas que eu previ para hoje, certamente não imaginei que elas envolveriamJuliettecorrendoparalongedemimoueumetornandoamigodesseidiota.Ah,paraqueservemosplanos,nãoémesmo?Finalmente,depoisdoqueparece ter sidoumaenormequantidadede tempo,

elesepronuncia:–NãoconsigoacreditarqueCastlenãomecontou–éaprimeiracoisaquediz.–Todosnóstemosnossossegredos.Eleergueorostoemeolhanosolhos.Comaresnadaagradáveis.–Vocêtemmaisalgumsegredoqueeudevasaber?–Nadaquedevasaber,não.Eleri,masseurisosoatriste.–Vocênemsedácontadoqueestáfazendo,nãoé?–Medarcontadequê?–Dequeestáseenfiandoemtodaumavidadedor,irmão.Nãopodecontinuar

vivendo assim. – Ele aponta para meu rosto antes de prosseguir: – Aquele…aquelevocêdeantigamente?Aquelecaraconfusoquenuncaseexpressaenuncasorrienuncadiznadapositivoenuncadeixaninguémconhecê-lodeverdade…Vocênãopodeseressecarasequisermanterqualquertipoderelacionamento.Arqueioumasobrancelha.

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Elebalançaacabeça.– Não pode, cara, não dá. Não pode estar com alguém e guardar tantos

segredosdela.–Issonuncameimpediudeestarcomalguémantes.Nessemomento,Kenjihesita.Seusolhosficamligeiramentemaisabertos.–Quehistóriaéessade“antes”?–Antes–reitero.–Emoutrosrelacionamentos.–Então,hum,vocêteveoutrosrelacionamentos?AntesdeJuliette?Inclinoacabeçaparaele.–Paravocê,édifícilacreditar.–Aindaestou tentandoprocessaro fatodequevocê temsentimentos, então,

sim,paramimédifícilacreditar.Pigarreiomuitodiscretamente.Desviooolhar.–Então,hum…você…é…–Ele ri comnervosismo.–Desculpe,mas tipo,

Juliettesabequevocê teveoutros relacionamentos?Porqueelanuncacomentounadaarespeitoeachoquealgodessetiposeria,nãosei…relevante?Viro-meparaencará-lo.–Não.–Nãooquê?–Não,elanãosabe.–Porquenão?–Porquenuncaperguntou.Boquiaberto,Kenjimeencara.–Desculpe,masvocê…Querdizer,vocêrealmenteétãoidiotaquantoparece?

Ousóestámezoando?– Tenho quase vinte anos – respondo, irritado. – Acha mesmo tão estranho

assimeujátermeenvolvidocomoutrasmulheres?–Não.Pessoalmente,estoucagandoeandandoparaquantasmulheresvocêjá

teve.O que acho estranho é você nunca ter contado à suanamorada que já seenvolveu com outras mulheres. E, para ser totalmente sincero, isso me fazquestionarseorelacionamentodevocêsjánãoestavaindoparaoinferno.–Vocênãotemamenorideiadoqueestáfalando.–Meusolhossefecham.–

Euaamo.Jamaisfariaqualquercoisaparamagoá-la.–Então,porquementiriaparaela?–Porquevocêficainsistindonisso?Quemseimportasejátiveounãooutras

mulheres?Elasnãosignificaramnadaparamim…–Cara,vocêestácomalgumproblemanacabeça.Fechoosolhos,derepentemesentindoexausto.–Detudooquecompartilheicomvocêhoje,essaéaquestãoquevocêmais

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querdiscutir?–Só acho que seja importante, sabe, se você e J querem reparar esse dano.

Vocêprecisadarumjeitonasuavida.–Oquequerdizer com repararessedano?– indago, abrindoos olhosnum

ímpeto.–EujáperdiJuliette.Odanojáestáfeito.Aoouvirminhaspalavras,Kenjiparecesurpreso.– Então é isso? Você vai simplesmente sair andando com o rabo entre as

pernas?Todaessaconversade“euamoJulietteblá-blá-blá”paraisso?–Elanãoquerficarcomigo.Nãovoutentarconvencê-ladequeestáerrada.Kenjicomeçaarir.–Caramba!–exclama.–Achoquevocêprecisaapertarunsparafusosaínessa

suacabeça.–Perdão?Eleselevanta.–Quesedane,irmão.Avidaésua,oproblemaéseu.Eugostavamaisdevocê

quandoestavachapadãoderemédio.–Diga-meumacoisa,Kishimoto…–Oquê?–Oquemelevariaaaceitarosseusconselhosderelacionamento?Oquesabe

sobrerelacionamentosalémdofatodequenuncateveum?Ummúsculoserepuxaemseumaxilar.–Nossa!–Assente,depoisdesviaoolhar.–Quersaber?–Ergueodedodo

meio paramim. –Não venha fingindo que sabe daminha vida, cara.Você nãosabemerdanenhumaameurespeito.–Vocêtambémnãomeconhece.–Masseiqueéumidiota.Derepente,inexplicavelmente,eumetoco.Meu rosto ficapálido.Sinto-me instável.Não tenhomais forçaparabrigare

nem interesse emmedefender.Soumesmo um idiota. Sei quem sou.As coisasterríveisquefiz.Souindefensável.–Vocêestácerto–respondo,masfalandobaixinho.–Etambémtenhocerteza

dequeestácertoquandodizquetemmuitacoisaquenãoseiaseurespeito.Kenjiparecerelaxarumpouco.Seusolhosdemonstramcompaixãoquandoelediz:– Realmente, não acho que tenha que perdê-la. Não assim. Não por causa

disso.Oquevocêfezfoi…Sim,foimaisdoquehorrível.Torturarairmãdela?Tipo… Sim… Claro… Assim, são dez em dez as chances de você ir para oinfernoporcausadoquefez.Encolho-me.

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–Masissoaconteceuantesdevocêconhecê-la,nãofoi?Antesdetudoisso…–elediz,agitandoamãonoar–,vocêsabe,antesdeaconteceroquequerquetenhaacontecidoentrevocês.EeuconheçoJuliette,seioqueelasenteporvocê.Podeserqueconsigamsalvarestarelação.Eunãoperderiaasesperançasainda.Quaseabroumsorriso.Quasedourisada.Masnãofaçonemumacoisanemoutra.Apenasfalo:–Lembro-medeJuliette termecontadoquevocêfaloualgoparecidoaKent

poucodepoisqueeles terminaram.Quesecolocouexpressamente contra o queelaqueria.DisseaKentqueelaaindaoamava,quequeriavoltarcomele…Edisseexatamenteoopostodoqueelasentia.Elaficoufuriosa.–Eraoutrasituação.–Kenjifranzeocenho.–Era,tipo…vocêsabe…eusó

estava…tentandoajudar?Porqueasituaçãoeramuitocomplicada,logisticamentefalando.–Obrigadoportentarmeajudar,masnãovouimplorarparaelavoltarcomigo.

Nãosenãoéissooqueelaquer.–Desviooolhar.–Enfim,elasempremereceualguémmelhor.Talvezessasejaachancedela.– Ah, não. – Kenji arqueia uma sobrancelha. – Então se, tipo, amanhã ela

resolverficarcomalgumoutrocaraporaí,vocêvaisimplesmentedardeombrosetipo…seilá.Trocarumapertodemãoscomocara?Levarocasalzinhofelizparajantar?Sério?Ésóumaideia.Umcenáriohipotético.Mas a possibilidade acende minha mente: Juliette se divertindo, rindo com

outrohomem…E ainda pior: as mãos dele no corpo dela, ela com os olhos entreabertos e

cheiadedesejo…Derepente,sintocomosetivesselevadoumsoconoestômago.Fechoosolhos.Tentomemantercalmo.Masagoranãoconsigopararde imaginaracena:outrohomemconhecendo-a

do jeitoqueaconheci,noescuro,nashoras silenciosasantesdaalvorada–osbeijosdocesdela,osgemidosdeprazer…Nãoposso.Nãoconsigo.Estousemar.–Ei,sintomuito…Foisóumapergunta…–Achomelhorvocêirembora–peço,sussurrandoaspalavras.–Melhorvocê

ir.–Sim…Quersaber?Certíssimo.Excelenteideia.–Eleassenteváriasvezes.–

Semproblema.–Masnãosemexe.

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–Oquefoi?–esbravejo.–Eusó…é…–Depé,elebalançaparaumladoeparaooutro.–Euestava

meperguntandosevocê...sequeriamaisdaquelesremedinhos.Antesdeeudaroforadaqui.–Caia.Fora.–Estábem,cara,semproblemas.É,eusóvou…Derepente,alguémcomeçaabaternaportadomeuquarto.Olhoparacima.Olhoemvolta.–Querqueeu…–Kenjimeencaracomumpontodeinterrogaçãonosolhos.–

Querqueeuatenda?Lançoumolharfulminanteparaele.–Estábem,euatendo.–Ecorreemdireçãoàporta.ÉDelalieu,pareceempânico.Precisofazerumesforçohercúleo,masconsigomerecompor.–Nãopodiaterligado,tenente?Ostelefonesnãoservemparaisso?– Eu tentei, senhor. Fazmais de uma hora que estou tentando, mas ninguém

atende,senhor…Viroopescoçoesuspiro,alongandoosmúsculos,mesmoenquantoelesvoltam

aficartensos.Culpaminha.Desligueio telefoneontemànoite.Nãoqueriadistraçõesenquantoanalisava

os arquivos de meu pai e, com toda a loucura de hoje de manhã, esqueci dereligara linha.Jácomeçavamesmoameperguntarporque tinhapassado tantotemposemninguémmeincomodar.–Tudobem–respondo,interrompendo-o.–Qualéoproblema?–Senhor…–Engoleemseco.–Tenteientraremcontatocomosenhorecoma

SenhoraSuprema,masosdoispassaramodiatodosempoderatendere…–Oquefoi,tenente?–AcomandantesupremadaEuropaenviousuafilha,senhor.Elaapareceusem

avisarháalgumashoras,emeparecequeestádandoumescândalo,alegandoquefoiignoradaeeunãosabiaaocertooquefa-fazer…–Bem,digaaelaparasentaraqueleraboeesperar–Kenjiresponde,irritado.

–Quehistóriaéessadefazerescândalo?Nóstemosmuitamerdapararesolveraqui.Mas eu fiquei inesperadamente sólido. Como se o sangue em minhas veias

tivessecoagulado.– Certo? – Kenji continua, usando o braço para me cutucar. – Qual é o

problema,cara?Delalieu…–elechama,ignorando-me–,digaaelaquerelaxe.Nós já descemos. Este cara aqui precisa tomar um banho e se vestir direito.

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Ofereçaalmoçooualgumacoisaparaelacomer,estábem?Nósjávamos.–Sim,senhor–Delalieurespondediscretamente.EstáfalandocomKenji,mas

lançaumolhardepreocupaçãoparamim.Nãorespondo.Nãoseioquedizer.Ascoisasestãoacontecendorápidodemais.Fissãoefusãoemtodososlugares

errados,tudoaomesmotempo.SomentequandoDelalieujásefoieaportaestáfechadaéqueKenjifinalmente

fala:–Oquefoi?Porqueparecetãoassustado?Então,descongelo.Meusmembroslentamenteretomamassensações.Viro-meparaencará-lo.–VocêachamesmoqueprecisocontaraJuliettesobreasoutrasmulherescom

quemestive?–perguntocomcuidado.–Ah,sim.Masoqueissotemavercom…Encaro-o.Elemeencaraemresposta.Ficaboquiaberto.–Vocêquerdizerque…comessagarota…queestáláembaixo?–Asfilhasdoscomandantessupremos…–tentoexplicar,apertandoosolhos

enquanto falo. – Nós… nós basicamente crescemos juntos. Conheço a maioriadessasmeninasdesdemuitonovo.–Observo-o,enquantotentoparecertranquilo.–Erainevitável,deverdade.Nãodevesernenhumasurpresa.MasassobrancelhasdeKenji jáestão lánoalto.Ele tentaevitarumsorriso

enquantomedáumtapa,fortedemais,nascostas.–Prepare-se para enfrentar ummundode sofrimento, irmão.Ummundo.De.

Sofrimento.Negocomacabeça.–Nãoénecessáriofazertantodramaassim.Juliettenãoprecisasaber.Elanão

estánemfalandocomigoagora.Kenjiri.Olhaparamimcomalgoqueparecesercomiseração.– Você não sabe nada sobre mulheres, sabe? – Não respondo, o que o faz

prosseguir:–Acrediteemmim,cara,possoapostarqualquercoisaque,ondequerqueestejaagora,emqualquerlugarporaí,elajásabe.Esenãosouberainda,nãovaidemoraradescobrir.Asgarotasconversamsobretudo.–Comoissoépossível?Eledádeombros.Eususpiro.Passoamãopeloscabelosantesdedizer:–Bem,queimportânciatemisso?Seráquenãotemosassuntosmaisrelevantes

atratardoqueosdetalhesdosmeusrelacionamentosanteriores?– Em uma situação de normalidade? Sim.Mas se a comandante suprema da

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América do Norte é sua ex-namorada, e considerando que já está bastanteestressadaporquevocêandoumentindoparaela?Eentão,derepente,suaoutraex-namoradaapareceeJuliettenemsabearespeitodela?Eelapercebeque,tipo,vocêtambémmentiusobreoutrasmilcoisas…–Eununcamentiparaelasobreisso–interrompo-o.–Elanuncaperguntou…–…eentão,nossacomandantesupremapoderosapracaralhofica,tipo,super,

superputadavida?–Kenjidádeombros.–Nãoseinão,cara,masnãovejoessasituaçãoterminandobem.Soltoacabeçanasmãos.Fechoosolhos.–Precisotomarbanho.–E…hum…essaéaminhadeixaparairembora.Derepente,ergooolharepergunto:–Temalgomaisqueeupossafazerparaevitarqueessasituaçãopioreainda

mais?–Ah,entãoagoravocêresolveuouvirmeusconselhosderelacionamento?Engulooimpulsoderevirarosolhos.–Naverdade,nãosei,cara–Kenjicontinua,esuspira.–Achoquedessavez

vocêvaiterdeenfrentarasconsequênciasdasuaprópriaburrice.Desviooolhar,contenhoumarisadaeassintováriasvezesenquantodigo:–Kishimoto,váparaoinferno.–Estoulogoatrásdevocê,irmão.–Elepiscacomumolhoparamim.Sóuma

vez.

Evaiembora.

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Juliette

Háalgofervendodentrodemim.Algoemquejamaisouseitocar,algoquesintomedodereconhecer.Partede

mimsearrastapara se libertarda jaulanaqualaprendi, bateàsportasdomeucoraçãoenquantoimploraparasair.Imploraparasedesprender.Todo dia sinto que estou revivendo o mesmo pesadelo. Abro a boca para

gritar, para lutar, para sacudir os punhos, mas minhas cordas vocais foramcortadas, meus braços parecem pesados, presos em cimento úmido, e estougritando,masninguémmeouve,ninguémmealcança,emesintopresa.Eessasituaçãoestámematando.Sempre tive de me colocar no papel de submissa, subserviente, retorcida

como um esfregão suplicante e passivo só para deixar todos os outros sesentirem seguros e à vontade.Minha existência se transformou em uma lutapara provar que sou inofensiva, que não sou uma ameaça, que sou capaz deviveremmeioaoutrossereshumanossemferi-los.Eestoutãocansadaestoutãocansadaestoutãocansadaeàsvezesficotão

furiosaNãoseioqueestáacontecendocomigo.

–EXCERTODOSDIÁRIOSDEJULIETTENOHOSPÍCIO

Pousamosemumaárvore.Nãotenhoideiadeondeestamos–nemseisejáestiveemalgumlugartãoalto

assim ou tão próximo da natureza –,masNazeera simplesmente parece não seimportar.Respirobruscamenteenquantomeviroparaencará-la,adrenalinaedescrença

colidindo,mas ela não está olhando paramim. Parece calma, atémesmo feliz,enquanto observa o céu, um pé apoiado em um galho e o outro pendurado,balançandoparaafrenteeparatrásnabrisafresca.Seubraçoesquerdodescansa

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no joelhoeamãopermanece relaxada,quasecasualdemais,enquantoseguraesoltaalgumacoisaquenãoconsigover.Inclinoacabeça,separooslábiosparafazerumapergunta,maselalogomeinterrompe.–Sabedeumacoisa?–eladerepentearrisca.–Eununca,nuncamesmo,tinha

mostradoparaninguémoqueeracapazdefazer.Soupegadesurpresa.–Ninguém?Nunca?–pergunto,espantada.Nazeeranegacomacabeça.–Porquenão?–indago.Elapassauminstanteemsilêncioantesdedizer:– A resposta para essa pergunta é um dos motivos pelos quais eu queria

conversarcomvocê.–Levaumamãodistraídaaopiercingdediamantenolábio,bateapontadodedonapedrabrilhante.–Então,vocêsabedealgoverdadeirosobreoseupassado?Eadorcheganumátimo,comoaçogelado,comofacadasnopeito.Lembretes

dolorososdasrevelaçõesdehoje.– Sei de algumas coisas – enfim respondo. – Para ser sincera, descobri a

maioriadelashojedemanhã.Nazeeraassente.–Efoiporissoquesaiucorrendodaquelejeito?Viro-meparaencará-la.–Vocêestavameespionando?–Estavadeolhoemvocê,sim.–Porquê?Nazeerasorri,masdemonstracansaço.–Vocêrealmentenãolembra,nãoé?Confusa,euaencaro.Elasuspira.Balançaasduaspernaseolhaparaohorizonte.–Deixeparalá–conclui.–Não, espere aí…O que quer dizer com isso? Era para eume lembrar de

você?Elafazumgestonegativocomacabeça.–Nãoestouentendendo–digo.–Esqueça–insiste.–Nãoénada.Vocêsótemumaaparênciamuitofamiliare,

porumafraçãodesegundo,penseiquejátivéssemosnosconhecidoantes.–Ah–respondo.–Estábem.MasNazeera se recusa a olhar paramim.Tenho a estranha sensação de que

estáescondendoalgumacoisa.Mesmoassim,continuasemdizernada.

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Pareceperdidaempensamentos,mordiscaolábioenquantofitaohorizonte,enãofalanadaduranteumbomtempo.–Hum, com licença?Vocême colocou emuma árvore – enfim, digo. –Que

diabosestoufazendoaqui?Oquevocêquer?Elaseviraparameencarar.Éentãoqueperceboqueoobjetoqueseguraé,na

verdade,umsaquinhodedoces.Estendeamão,indicandocomacabeçaqueeudeveriaaceitarum.Porém,nãoconfioemNazeera.–Não,obrigada–recuso.Eladádeombros.Desembrulhaumdosdocescoloridoseolevaàboca.–Então…oqueWarnercontouavocêhoje?–Porquequersaber?–Elecontouquevocêtemumairmã?Sintoumnóderaivaseformandoemmeupeito.Nãorespondo.–Vouentenderessareaçãocomoumaafirmativa–conclui.Mordeodocinho

duro.Mastigabaixinhoaomeulado.–Elecontoumaisalgumacoisa?–Oquevocêquercomigo?–exijosaber.–Quemévocê?–Oqueelecontousobreseuspais?–Nazeeracontinua,ignorando-memesmo

enquantomeobservadecantodeolho.–Contouquevocêfoiadotada?Queseuspaisbiológicosaindaestãovivos?Apenasaencaro.Elainclinaacabeçaemeanalisa.–Warnercontouqualéonomedeles?Meusolhosficamautomaticamentearregalados.Nazeerasorri,eomovimentoiluminaseurosto.– Aí está – continua, acenando triunfantemente com a cabeça. Desembrulha

outrodoceeolevaàboca.–Hum.–Aíestáoquê?–Omomentoemquearaivaterminaeacuriosidadecomeça–responde.Irritada,suspiro.–Vocêsabeonomedosmeuspais?–Eununcadissequesabia.Derepente,sinto-meexausta.Impotente.–Seráquetodomundosabemaisdoqueeumesmaarespeitodaminhavida?Elameencara.Desviaoolhar.– Nem todo mundo. Aqueles de nós que temos posições altas no

Restabelecimento sabemos muito, de fato. É nossa tarefa saber. Especialmentenós.–Olha-menosolhosporumsegundo.–Querodizer,nós,osfilhos.Nossospaisesperamqueassumamosopoderumdia.Masnão,nemtodomundosabede

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tudo.–Elasorriparaalgumapiadainternacompartilhadaapenasconsigomesmaeprossegue:–Paradizeraverdade,amaioriadaspessoasnãosabedemerdanenhuma.–Efranzeatestaantesdeconcluir:–MasmeparecequeWarnersabemaisdoquepenseiquesoubesse.–EntãovocêconheceWarnerhámuitotempo?Nazeeraempurraocapuzumpoucopara trás,demodoqueeupossaverseu

rosto.Encostaemumgalhoesuspira.–Ouça…–falabaixinho.–Eusóseioquemeupainoscontousobrevocês.

Mas agora sou inteligente o bastante para sair atrás de informações, e acabeidescobrindoqueamaioriadascoisasqueouvierambobagens.Enfim…Elahesita.Mordeolábioehesita.– Diga logo – peço, balançando a cabeça. – Eu já ouvi tantas pessoas me

chamaremdeloucaportermeapaixonadoporele.Vocênãoseriaaprimeira.– O quê? Não. Não acho que seja louca. Quero dizer, entendo por que as

pessoaspodempensarqueWarnersejasinônimodeproblema,maseleépartedomeupovo,entende?Conheciseuspais.Parasersincera,Andersonfaziameupaiparecer um cara legal. Nós todos somos problemáticos, isso é verdade, masWarner não é uma pessoa ruim. Só está tentando encontrar uma maneira desobreviveraessaloucura,comoorestantedenós.–Ah!–exclamo,surpresa.–Enfim–elaprossegue,dandodeombros.–Sério,euentendoporquegosta

dele. Mesmo se não entendesse… Quer dizer, não sou cega. – Ergue umasobrancelha para mim, indicando que realmente compreende. – Entendo seusmotivos,garota.Continuoimpressionada.Essatalvezsejaaprimeiravezqueouçoumapessoa

defenderWarner.Nazeeraprossegue:–Veja,estoutentandodizerqueachoquepodeserumbommomentoparavocê

seconcentrarumpoucoemsimesma.Darumarespirada.Alémdisso,Lenavaichegaraqualquermomento,entãoémelhorvocêficarlongedessasituaçãopelomáximodetempoquepuder.–Lançaoutroolharcompreensivoparamim.–Nãomeparecequeprecisedemaisdramanasuavida,etodaessa…–gesticulanoar–coisaestáfadadaa,vocêentende,ficarmuitofeia.–Oquê?–Franzoatesta.–Quecoisa?Quesituação?QueméLena?AsurpresadeNazeeraétãorepentinaetãosinceraquenãoconsigodeixarde

mepreocuparimediatamente.Meupulsoaceleraquandoelaseviradecididaparamimediz,muito,muitolentamente:–Lena.LenaMishkin.ÉafilhadacomandantesupremadaEuropa.Encaro-a.Balançoacabeça.Nazeeraficadeolhosarregalados.

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–Vocêestádebrincadeira,garota?–Oquê?–pergunto,agoraassustada.–Quemelaé?–Quemelaé?Estáfalandosério?Éaex-namoradadeWarner.Quasecaiodaárvore.Engraçado,penseiquesentiriamaisdoqueisso.A Juliette de antigamente teria chorado.A Juliette submissa teria rachadono

meiocomoimpactorepentinodasmuitasrevelaçõesdepartirocoração,comotamanhodasmentirasdeWarner,comadordesesentirtãoprofundamentetraída.Porém,essanovaversãominhase recusaa reagir; emvezdisso,meucorposedesliga.Sinto os braços se afrouxarem enquanto Nazeera me apresenta detalhes do

antigorelacionamentodeWarner–detalhesquequeroenãoqueroouvir.EladizqueLenaeWarnererammuitoimportantesparaomundodoRestabelecimento,ede repente trêsdedosnaminhamãodireitacomeçamase repuxar semaminhapermissão.NazeeracontaqueamãedeLenaeopaideWarnerficaramanimadoscomumaaliançaentreas famílias, comum laçoquesódeixariao regimemaisforte,esintocorrenteselétricaspercorreremminhaspernas,dandochoqueemeparalisandoaomesmotempo.NazeeracontaqueLenaseapaixonouporWarner–realmenteseapaixonoupor

ele –, mas que Warner partiu seu coração, que nunca a tratou com nenhumaafeiçãoreal,queelapassouaodiá-loporisso,que“Lenateveataquesderaivadepois de ouvir que ele se apaixonou por você, especialmente porque você,supostamente, teria acabado de sair de um hospício, e parece que isso foi umgolpepesadíssimonoegodela”,eouvirissonãomeajudaemnadaameacalmar.Naverdade,fazcomquemesintaestranhaediferente,comoumespécimeemumtanque,comoseminhavidanuncativessesidominha,comoseeunãopassassedeumaatrizemumapeçadirigidapordesconhecidos,esintoumgolpedearpolarnopeito,umabrisaamargaenvolvemeucoraçãoefechomeusolhosenquantoosgolpesfriosaliviamador,oargeladosefechandoaoredordasferidasemminhacarne.SóentãoSóentãofinalmenterespiro,desfrutandododesligamentogeradoporessador.Ergo o rosto, sentindo-me abatida e novinha em folha, olhos frios e

inexpressivosenquantopiscolentamenteedigo:–Comovocêsabedetudoisso?Nazeerapuxaumafolhadeumgalhoaoseuladoeadobraentreosdedos.Dá

deombros.–Vivemosemumcírculominúsculoeincestuoso.ConheçoLenadesdesempre.

Elaeeununcafomosexatamentepróximas,masvivemosnomesmomundo.–Dá

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deombrosoutravez.–Elarealmenteficouloucaporcausadele.Sósabiafalardisso.Econversavacomqualquerpessoasobreesseassunto.–Quantotempoelespassaramjuntos?–Doisanos.Doisanos.A resposta é tão inesperadamente dolorosa que perfura minhas recém-

adquiridasdefesas.Doisanos?Doisanoscomoutragarotaeelenãomecontounada.Doisanos

comoutra.Equantasoutras?Umchoquededor tentaseapossardemim, tentaenvolver meu coração gelado, mas consigo combatê-lo. Mesmo assim, algoquenteehorrívelseenterraemmeupeito.Nãoéciúme.Inferioridade.Inexperiência.Ingenuidade.Quantas coisasmais vou descobrir sobre ele?Quantas outras coisasWarner

escondeudemim?Comopossovoltaraconfiarnele?Fecho os olhos e sinto o peso da perda e da resignação se instalarem

profundamenteemmeuinterior.Meusossossemexem,serearranjamparaabrirespaçoparaessasnovasdores.Espaçoparaessanovaondaderaiva.–Quandoelesterminaram?–indago.–Achoque…háunsoitomeses?Dessavezparodefazerperguntas.Quero me transformar em uma árvore. Em um fiapo de grama. Quero me

transformaremterraouarounada.Nada.Isso.Querometransformaremnada.Sinto-meumatotalidiota.–NãoentendoporqueWarnernuncacontouavocê–Nazeeracontinuafalando,

masquasenãoconsigoouvi-la.–Nãofazsentido.Foiumanotíciabombásticaemnossomundo.–Porquevocêtemmeseguido?Mudo de assunto sem a menor sutileza. Meus olhos estão entreabertos; os

punhos, fechados. Não quero mais falar sobre Warner. Nunca mais. Queroarrancarmeucoraçãodopeitoejogá-loemnossomarsujodeurinaportudoquemecausou.Nãoquerosentirmaisnada.Surpresa,Nazeeraseendireita.–Hámuitacoisaacontecendoagora.Hámuitacoisaquevocênãosabe,tantos

absurdos que só agora está descobrindo. Quero dizer… nossa! Alguém tentoumatá-laaindaontem.–Balançaacabeça.–Sófiqueipreocupadacomvocê.–Vocênemmeconhece.Porquesepreocupacomigo?

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Dessa vez, Nazeera não responde. Só me encara. Lentamente, desembrulhaoutrodoce.Leva-oàbocaedesviaorosto.–Meupaimeforçouaviraqui–revelabaixinho.–Eunãoqueriaserpartede

nadadisso.Nuncaquis.OdeiotudoqueoRestabelecimentorepresenta.Masdisseamimmesmaque,seeu tivessedevirparacá,cuidariadevocê.Então,é issoqueestoufazendoagora.Estoucuidandodevocê.– Bem, não desperdice seu tempo – retruco, sentindo-me indiferente. – Não

precisodesuapenaousuaproteção.Nazeeraficaemsilêncio.Porfim,suspira.–Ouça, eu realmente sintomuito. Pensei que você soubesse sobre Lena, de

verdade.–NãoestounemaíparaLena–minto.–Tenhocoisasmaisimportantescomas

quaismepreocupar.–Certo–elaresponde.Pigarreia.–Eusei.Mesmoassim,peçodesculpas.Nãodigonada.–Ei–elamechama.–Sério,nãoqueriachatearvocê.Sóqueroquesaibaque

nãoestouaquiparacausarnenhummal.Estoutentandocuidardevocê.–Nãoprecisoquecuidedemim.Estoumesaindobem.Elareviraosolhos.–Eunãoacabeidesalvarsuavida?Resmungoalgumabesteirabembaixinho.Nazeeranegacomacabeça.–Vocêprecisaserecompor,garota,ounãovaisairdessacomvida.Nãotem

ideiadoque está acontecendonosbastidoresoudoqueosoutros comandantesestãoreservandoparavocê.–Nãorespondo,oqueafazprosseguir:–Lenanãovai ser a última de nós a chegar, sabia? E ninguém está vindo aqui para fazerpapeldebonzinho.Ergoorostoemsuadireção.Meusolhosnãotransmitemnenhumsentimento.–Ótimo–retruco.–Quevenham.Elari,maséumarisadasemvida.–EntãovocêeWarnerbrigarameagoravocênãoseimportacommaisnada?

Quantamaturidade!Umachamaseacendeemmim.Sintomeusolhosseintensificarem.–Seestouchateadaagoraéporqueacabodedescobrirque todasaspessoas

mais próximas andam mentindo para mim! – exclamo, furiosa. – Meus paiscontinuam vivos, e aparentemente não são nem um pouco melhores que osmonstrosabusivosquemeadotaram.TenhoumairmãsendoativamentetorturadapeloRestabelecimento.Eeununcasequersoubequeelaexistia.Estou tentandoaceitarofatodequenadavaisercomoeraantesparamim,nuncamais,enãosei

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emquemconfiarouquemdevodeixarnopassado.Então, sim…–Agoraestouquasegritando.–Nestemomento,nãomeimportocomnada.Porquenãoseimaisoqueestoucombatendo.Enãoseiquemsãomeusamigos.Nestemomento,todossãomeusinimigos,inclusivevocê.Nazeeranãoseabala.–Vocêpodelutarpelasuairmã–propõe.–Eunemseiquemelaé.Olha-medesoslaio,tomadapeladescrença.–Ofatodesuairmãserumagarotainocentesendotorturadanãoéobastante?

Penseiqueestivesselutandoporumbemmaior.Doudeombros.Viroorosto.– Quer saber? Você não precisa se importar – ela continua. – Mas eu me

importo. Eu me importo com o que o Restabelecimento fez e ainda faz compessoas inocentes.Eume importocomo fatodequenossospais são todosunspsicopatas.EumeimportomuitocomoqueoRestabelecimentofez,emespecialcomaquelesdenósquetêmhabilidadesespeciais.E,pararesponderàperguntaque você fez um pouco antes: eu nunca contei a ninguém sobre meus poderesporque vi o que eles fizeram com pessoas como eu. Vi que as trancafiaram,torturaram, abusaram. – Olha-me nos olhos. – E não quero ser o próximoexperimento.Algumacoisadentrodemimficaoca.Derreteparafora.Derepente,sinto-me

vaziaetriste.–Eumeimporto–enfim,retruco.–Provavelmentemeimportodemais.–Ea

raiva deNazeera diminui. Ela suspira. –Warner falou que oRestabelecimentoquermelevardevolta–relato.Elaassente.–Éprovávelquesejaverdade.–Paraondequeremmelevar?–Issoeunãosei.–Dádeombros.–Podeserquequeiramsimplesmentematá-

la.–Obrigadapelaspalavrasdeincentivo.–Ou então… – continua, abrindo um leve sorriso. – Podem levá-la a outro

continente.Novocodinome.Novainstalação.– Outro continente? – pergunto, curiosa, mesmo contraminha vontade. – Eu

nuncanavidapiseiemumavião.Poralgummotivo,faleiacoisaerrada.Nazeeraparecequasearrasadaporumsegundo.Adorvemevainobrilhode

seusolhos e ela desvia o olhar.Pigarreia.Masquandovolta ame estudar, seurostocarregaoutravezumaexpressãoneutra.

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–É…Bem,vocênãoestáperdendomuitacoisa.–Vocêviajamuito?–pergunto.–Viajo.–Deondevocêé?–Setor2.Continenteasiático.–Eentãomeolhanosolhos.–Masnasciem

Bagdá.–Bagdá – repito.Onomeme soa familiar; tentome lembrar, tento localizar

ondeficanomapa,atéqueelaesclarece–Iraque.–Ah!Nossa!–exclamo.–Muitainformaçãoparaabsorver,nãoé?– Sim – concordo baixinho. E então, odiando-me aindamais por pronunciar

essaspalavras,nãoconsigodeixardeperguntar:–DeondeLenaé?Nazeerari.–Penseitê-laouvidodizerquenãoseimportavacomLena.Fechoosolhos.Morrendodevergonha,façoquenãocomacabeça.–ElanasceuemPeterhof,nosubúrbiodeSãoPetersburgo.– Rússia – afirmo, aliviada por finalmente conhecer uma dessas cidades. –

GuerraePaz.–Excelentelivro–Nazeeraelogia.–Umapenaquecontinuenalistadasobras

paraqueimar.–Listadasobrasparaqueimar?–Obrasquedevemserdestruídas–esclarece.–ORestabelecimentotemum

planoambiciosode recriara língua,a literaturaeacultura.Queremformarumnovotipode…–fazumgestoaleatóriocomamão–humanidadeuniversal.Horrorizada,assinto.Eujásabiadisso.OprimeiroamecontarfoiAdam,logo

depoisquefoidesignadocomomeucompanheirodecelanohospício.Eaideiadedestruir a arte, a cultura, tudooque fazos sereshumanos seremdiversos elindos…Issomedánáuseas.–Enfim–elaprossegue–,obviamenteéumexperimentogrotescoeasqueroso,

mastemosqueseguiroprotocolo.Recebemoslistasdelivrosparaanalisareoslemos,fazemosrelatórios,decidimosoquemantereoquejogarfora.–Suspira.– Finalmente terminei de ler amaioria dos clássicos há algunsmeses,mas, nocomeço do ano passado, fomos forçados a lerGuerra e Paz em cinco línguasporque queriam analisar como a cultura exerce um papel na manipulação dastraduçõesdeummesmotexto.–Hesita,lembrando.–Semdúvida,aversãomaisdivertidadelerfoiafrancesa.Masmepareceuqueamelhordetodaséarussa.Emtodasastraduções,emespecialnasdelínguainglesa,ficafaltandoaquela…

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toskanecessária.Entende?Ficoligeiramenteboquiaberta.Éojeitocomoelafala–comosenãofossenadademais,comoseestivesse

falando de algo perfeitamente corriqueiro, como se qualquer um pudesse lerTolstói em cinco línguas diferentes e guardar os livros no fim da tarde. É suaconfiança tranquila enatural que fazmeucoraçãomurchar.Precisei deummêsparalerGuerraePaz.Eminglês.–Certo–digo,virandoorosto.–É…Que…hum,interessante.Está se tornando familiar demais, essa sensação de inferioridade. Poderosa

demais.Todavezquepensoquefizalgumavançonavida,algoparecemefazerlembrar do quanto ainda tenho que progredir.Mas não acho que seja culpa deNazeera o fato de ela e os outros filhos terem sido criados para se tornaremgêniosviolentos.–Então–elafala,unindoasmãos–,háalgomaisquequeirasaber?–Sim–respondo.–Qualéadoseuirmão?Nazeeraparecesurpresa.–Haider?–Elahesita.–Oquequersaberarespeitodele?–Querdizer…–Franzoocenho.–Eleélealaseupai?AoRestabelecimento?

Édignodeconfiança?– Não sei se o chamaria de digno de confiança – responde, parecendo

pensativa. – Mas acho que todos nós temos uma relação complicada com oRestabelecimento.Haiderquerfazerpartedetudoissotantoquantoeuquero.–Sério?Nazeeraassente.–Warnerprovavelmentenãoconsideranenhumdenósseusamigos,masHaider

sim.Sabe,meu irmãopassouporumperíodomuito sombrionoanopassado.–Nazeera fica em silêncio. Puxa outra folha de um galho próximo. Dobra-a e aredobra entre os dedos enquanto diz: –Meu pai o vinha pressionando demais,forçando-o a passar por um treinamento realmente intensivo, cujos detalhesHaideraindanãosesenteprontoparadividircomigo.Algumassemanasdepois,ele entrou em uma espiral. Começou a demonstrar tendências suicidas.Automutilação.Eeu fiqueicommuitomedo.ProcureiWarnerporquesabiaqueHaider o ouviria. – Balança a cabeça. –Warner não disse uma única palavra.Apenasembarcouemumaviãoepassoualgumassemanasconosco.NãoseioqueeledisseaHaider.Nãoseioqueoucomofezparaajudarmeuirmão.–Olhaparaohorizonte,dádeombros.–Édifícilesqueceralgoassim.Etudoissoenquantonossos pais trabalhavam para nos colocar uns contra os outros. Eles queremevitar que nos tornemos sentimentais demais. – Nazeera ri. –Mas isso é umabobagemgigantesca.

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Impressionada,sintoomundoàminhavoltagirar.Há tanto a desvendar aqui e nem sei por onde começar. Não sei se quero

começar.TodososcomentáriosdeNazeerasobreWarnerparecemperfurarmeucoração.Emefazemsentirsaudadedele.Emefazemquererperdoá-lo.Mas não posso deixar as emoções me controlarem. Não agora. Nem nunca.

Então, forço esses sentimentos a se calarem, a abandonarem minha cabeça, eapenasdigo:–Nossa,eeupensandoqueHaidereraumidiota…Nazeerasorri.Acenadistraidamentecomamão.–Eleestátrabalhandoparamelhorar.–Haidertemalguma…habilidadesobrenatural?–Nenhumaqueeuconheça.–Ah.–Sim.–Masvocêpodevoar–comento.Nazeeraassente.–Queinteressante.Elaabreumsorrisoenormeeseviraparameencarar.Seusolhossãoenormes,

brilhamlindamentesoba luz filtradapelosgalhose folhas.Suaanimaçãoé tãopuraquefazalgumacoisaemmeuinteriorserecolheremorrer.–Voarétãomaisdoqueapenasinteressante–declara.Eéentãoquesintoumapontadadealgonovo:Ciúme.Inveja.Indignação.Minhashabilidadessempreforamumamaldição,umafontededoreseconflitos

infinitos.Tudoemmiméprojetadoparamataredestruir,eessaéumaverdadequenuncafuicapazdeaceitarplenamente.–Deveserlegal–concordo.Elaviraorostooutravez,sorrindoparaovento.–Eamelhorparte?Équetambémpossofazerisso…Derepente,Nazeeraficainvisível.Eumeafastobruscamente.Eentãoelavolta,comumsorrisoenormeestampadonorosto.– Não é incrível? – diz, os olhos brilhando de animação. – Nunca pude

compartilharissocomninguém.–Ah…sim.–Rio,maséumrisoquesoafalso,altodemais.–Muitolegal.–E

acrescentomaisbaixo:–Kenjivaificarirritadíssimo.

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Nazeeraparadesorrir.–Oqueeletemavercomisso?–Bem…–Olhonadireçãodela.–Querdizer,issoquevocêacaboudefazer?

ÉumacoisadoKenji,eelenãocostumagostardedividirosholofotes.–Eunãosabiaqueexistiaoutrapessoacomomesmopoder–diz,visivelmente

decepcionada.–Comoissoépossível?–Nãosei–respondo,derepentesentindoumavontadeenormederir.Nazeera

semostratãodeterminadaanãogostardeKenjiquejácomeçoameperguntaromotivoportrásdisso.Eentão,imediatamentemelembrodasrevelaçõeshorríveisdehojeeosorrisosedesfazemmeurosto.–Sabe...–apresso-meemdizer.–Devemos voltar para a base?Ainda tenhomuitas coisas a descobrir, inclusivecomo lidar comesse simpósio ridículo que acontecerá amanhã.Não sei se darcanoou…–Nãodêcano–elameinterrompe.–Sevocênãofor,elespodempensarque

vocêsabedealgumacoisa.Nãodeixeaspessoassaberemsobrevocê.Aindanão.Apenassigaosprotocolosatéconseguirconcluirseusplanos.Encaro-a.Estudo-a.Enfim,digo:–Estábem.–E,quandodecidiroquequerfazer,conversecomigo.Semprepossoajudara

evacuar as pessoas, cuidar das coisas. Lutar. O que for preciso. Apenas falecomigo.–Oquê?–Franzoocenho.–Evacuarpessoas?Doqueestáfalando?Elasorrienquantomeofereceumapertodemão.–Garota,vocêaindanãoentendeu,nãoé?Porqueachaqueestamosaqui?O

RestabelecimentoplanejadestruiroSetor45.–Olhacomseriedadeparamim.–Eissoincluitodasaspessoasdentrodosetor.

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Warner

Nãotenhonemtempodedescer.Mal tiveumsegundoparavestiracamisaquandoouçoalguémbateràminha

porta.–Foimal,mesmo,irmão–ouçoKenjigritar.–Maselaserecusaameouvir…Eentão…–Abraaporta,Warner.Eujuroquesóvaidoerumpouquinho.Suavozcontinuaamesma.Suave.Enganosamentemacia.Massemprecomum

toqueáspero.–Lena–digo.–Quebomternotíciassuas.–Abraaporta,seuidiota.–Vocênuncasegurouoselogios.–Eumandeiabriraporta…Commuitocuidado,euaabro.Emseguida,fechoosolhos.Lename dá um tapa na cara tão forte que sinto os ouvidos zumbindo.Kenji

grita,maséumgritorápido,eeurespirofundoparameestabilizar.Ergooolharnadireçãodela,massemlevantaracabeça.–Terminou?Lenaficadeolhosarregalados,enfurecidaeofendida,eentãoperceboquea

provoqueidemais.Elagolpeiasempensar;mesmoassim,osocoéperfeitamenteexecutado.Oimpactopoderia,nomínimo,quebrarmeunariz,masnãopossomaissustentarsuasilusõesdemecausardorfísica.Meusreflexossãomaiságeisqueosdela–sempreforam–econsigosegurarseupunhopoucosinstantesantesdoimpacto.Seubraçovibracoma intensidadedaenergiacontidaeela saltaparatrás,gritandoparaselibertar.–Seufilhodeumaputa!–exclama,arfando.–Nãopossodeixarquemedêumsoconacara,Lena.–Eufariacoisapiorcomvocê.–Eaindaperguntaporquenossarelaçãonãodeucerto.– Sempre tão frio – retruca, e sua voz falha quando diz isso. – Sempre tão

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cruel.Esfregoamãoatrásdacabeçaesorrio,infeliz,paraaparede.–Porqueveioaomeuquarto?Porqueapareceuemmeuambienteprivado?

Sabequetenhopoucacoisaalhedizer.–Vocênuncadissenadaparamim–berra,derepente.Seupeitopulsaquando

elacontinua:–Doisanos!Doisanosevocêdeixouumamensagemcomaminhamãepedindoparaelameavisarquenossorelacionamentotinhaacabado!– Você não estava em casa – retruco, fechando os olhos bem apertados. –

Penseiqueassimseriamaiseficiente…–Vocêéummonstro…–Sim–confirmo.–Sim,eusou.Equeriaquevocêmeesquecesse.Em um instante seus olhos ficam marejados, pesados com as lágrimas não

derramadas.Sinto-meculpadopornãosentirnada.Sóconsigoencará-la,cansadodemaisparabrigar.Ocupadodemaiscuidandodasminhasprópriasferidas.Suavozé,aomesmotempo,furiosaetristequandoeladiz:–Cadêsuanamoradanova?Estoumorrendodevontadedeconhecê-la.Desviooolharenquantosintoocoraçãosepartindonopeito.–Émelhorvocêseacalmar–advirto.–NazeeraeHaidertambémestãoaqui,

emalgumlugar.Vocêscertamenteterãomuitooqueconversar.–Warner…–Por favor, Lena – peço, agorame sentindo realmente exausto. –Você está

chateada,euentendo.Masnãoéculpaminhaquesesintaassim.Nãoamovocê.Nuncaamei.Enuncaafizpensarqueaamava.Ela fica tanto tempo em silêncio que finalmente a encaro, percebendo tarde

demais que, de alguma maneira, consegui piorar a situação. Outra vez. Lenaparece paralisada, os olhos redondos, lábios separados, mãos ligeiramentetrêmulasnalateraldocorpo.Suspiro.–Tenhoqueir–falo,baixinho.–Kenjivaimostraroprédioavocê.OlhoparaKenji,queassente.Sóumavez.Seu rostoparece inesperadamente

austero.Lenacontinuasemdizernada.Dou um passo para trás, pronto para fechar a porta, quando ela avança na

minhadireçãocomumgritorepentino,asmãossefechandonaminhagargantatãoinesperadamentequequasemederruba.Estágritandobemdiantedomeu rosto,empurrando-mepara trás, e tento aomáximomemanter calmo.Àsvezes,meusinstintossãoaguçadosdemais.Paramim,édifícilnãoreagiraameaçasfísicas.Aindaassim,forço-meamemovimentarquaseemcâmeralentaenquantoafastoasmãosdeladomeupescoço.Lenacontinuasedebatendo,dandovárioschutes

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emminhascanelasatéque,finalmente,consigoconterseusbraçosepuxá-lamaisparapertodemim.Desúbito,elapara.Aproximo os lábios de seu ouvido e pronuncio seu nome uma vez, muito

docemente.Lenaengoleemsecoaomeolharnosolhos, todafogoefúria.Mesmoassim,

sintosuaesperança.Seudesespero.Consigosenti-laseperguntandosemudeideideia.–Lena– falooutravez,agoracomaindamaisdoçura.–Sério,vocêprecisa

entenderquesuasaçõesnãomelevamagostarmaisdevocê.Elaenrijeceocorpo.–Porfavor,váembora–insisto,erapidamentefechoaporta.Soltoocorponacamanovamente, tensoenquantoelachutaaportadoquarto

com violência. Apoio a cabeça nas mãos. Tenho de suprimir um impulsorepentinoeinexplicáveldequebraralgumacoisa.Meucérebropareceprestesasairdocrânio.Comofoiquevimpararaqui?Desamparado.Desgrenhadoedistraído.Quandofoiqueissoaconteceucomigo?Não tenho foco, não tenho controle. Sou mesmo toda a decepção, todo o

fracasso,todaainutilidadequemeupaisempreafirmouqueeuera.Souumfraco.Umcovarde.Deixominhasemoçõesvenceremcommuita facilidade,eagora…Agoraperdi tudo.Tudoestásedesfazendo.Julietteestáemperigo.Agora,maisdo que nunca, eu e ela precisávamos estar juntos. Preciso conversar com ela.Precisoalertá-la.Precisoprotegê-la…Maselafoiembora.Juliettemedesprezaoutravez.Eaquiestoueudenovo.Noabismo.Lentamentemedissolvendonoácidodasemoções.

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Juliette

Asolidãoéumacoisaestranha.Ela se arrasta por você silenciosa e calma, senta-se ao seu lado na

escuridão, acaricia seus cabelos enquanto você dorme. Envolve seus ossos,apertando-oscomtantaforçaquequaseoimpedederespirar,quaseoimpededeouviropulsardosanguequecorresobsuapele.Tocadesdeseuslábiosatéapenugemdanuca.Deixamentiras em seu coração, está bemao seu ladoànoite, apaga todas as luzes imagináveis. É uma companhia constante, apertasuamão só para empurrá-la para baixo quando você tenta se levantar, pegasuas lágrimas só para forçá-las garganta abaixo. Assusta simplesmente porestaraoseulado.Vocêacordademanhãeseperguntaquemé.Vocênãoconseguedormiresua

peleestremece.VocêtemdúvidastemdúvidastemdúvidasvounãovoudevoporquenãoEmesmoquandovocê estáprontopara sedesprender.Quandoestápronto

para se libertar.Quando está pronto para ser uma pessoa nova. A solidão éuma velha amiga, parada ao seu lado no espelho, olhando-o nos olhos,desafiando-oaviversemela.Vocênãoconsegueencontrarpalavrasparalutarcontra si mesmo, para combater as palavras que gritam que você não ésuficientenuncaésuficientejamaisésuficiente.Asolidãoéumacompanhiaamargaevil.Àsvezes,elasimplesmentenãovaiembora.

–EXCERTODOSDIÁRIOSDEJULIETTENOHOSPÍCIO

AprimeiracoisaquefaçoaoretornaràbaseépediraDelalieuquelevetodasasminhas coisas para os antigos aposentos deAnderson.Ainda não pensei emcomovou lidaraoverWarnero tempo todo.Aindanãorefleti sobrecomoagir

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perto de sua ex-namorada. Não tenho ideia de como as coisas serão e, nessemomento,nãopossomedaraoluxodemepreocuparcomisso.Estoufuriosademais.SeeupuderacreditarnaspalavrasdeNazeera,tudooquetentamosfazeraqui

–todososnossosesforçosparasergentis,diplomáticos,realizarumaconferênciainternacionaldelíderes–foramemvão.Tudooquefizemosatéagoravaidiretoparaalatadolixo.EladizqueelesplanejamdestruirtodooSetor45.Todasaspessoas.Não só aquelas que vivememnosso quartel.Não apenas os soldadosquepermaneceramaonossolado.Mastambémtodososcivis.Mulheres,crianças–todomundo.VãofazeroSetor45desaparecer.Derepente,começoasentirqueestouperdendoocontrole.

Os antigos aposentos de Anderson são enormes – em comparação, fazem oquartodeWarnerparecer ridículo–, edepoisqueDelalieumedeixou sozinha,fico livre para aproveitar os muitos privilégios que meu falso papel decomandantesupremadoRestabelecimentotemaoferecer.Doisescritórios.Duassalas de reuniões. Uma cozinha ampla e equipada. Uma suíte-máster. Trêsbanheiros.Doisquartosdehóspedes.Quatroclosetstotalmentelotados–talpai,talfilho,percebo–e inúmerosoutrosdetalhes.Nuncaantespasseimuito tempoemumadessasáreas;adimensãoévastademais.Sóprecisodeumescritórioe,demodogeral,éláquepassoamaiorpartedotempo.Mashoje reservo algunsmomentosparaobservar, e o espaçoque atraimais

meuinteresseéumquenuncanoteiantes.Éaquelemaispróximodobanheiro:umcômodointeirodedicadoàcoleçãodebebidasalcoólicasdeAnderson.Nãoseimuitosobreálcool.Nunca passei por nenhum tipo de experiência adolescente tradicional; nunca

tive festas para ir; nunca estive sujeita à pressão dos colegas, como leio nosromances. Ninguém jamais me ofereceu drogas ou uma bebida mais forte,provavelmente porque tinham um bom motivo para isso. Mesmo assim, ficoimpressionadacomamiríadedegarrafasperfeitamentedispostasemprateleirasde vidro instaladas nas paredes escuras desse cômodo. Não há nenhummóvelalémdeduasenormescadeirasdecouromarromedamesinhadecaféfortementeenvernizada entre elas. Sobre amesa há uma…umamoringa?… cheia de umlíquido âmbar e um solitário copo a seu lado. Tudo aqui é escuro, um bocadodeprimente,echeiraamadeiraealgumacoisaantiga,almiscarada–velha.Estendoamão,passoosdedospelospainéisdemadeiraeconto.Dasquatro

paredes, três são dedicadas a abrigar várias garrafas antigas – 637 no total –,

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sendoamaioriacheiacomomesmo líquidoâmbar.Apenasalgumas trazemumlíquido claro. Aproximo-me um pouco mais para inspecionar os rótulos edescobrirqueasgarrafasclarassãodevodca–umabebidadaqualjáouvifalar.Porém,asgarrafasâmbarespossuemnomesdiferentes.EmmuitasdelasapareceescritaapalavraScotch.Hásetegarrafasde tequila,masamaiorpartedoqueAndersonmantinha em seuquarto se chamaBourbon–523garrafasno total –,umasubstânciasobreaqualnadasei.Parasersincera,sóouvifalarquealgumaspessoasbebemvinhoecervejaemargaritas–masaquinãotemnenhumadessasbebidas. A única parede que abriga outra coisa além de álcool guarda váriascaixas de charuto e mais desses copos pequenos e detalhadamente lapidados.Pegoumdelesequaseoderrubo;émuitomaispesadodoqueparece.Ficomeperguntandoseessaspeçassãodecristalverdadeiro.Pego-me questionando asmotivações deAnderson ao criar um espaço como

esse.Éumaideiatãoestranhadedicartodoumcômodoàexposiçãodegarrafasdeálcool.Porquenãoguardá-lasemumarmário?Ouemumageladeira?Sento-me em uma das cadeiras e ergo o rosto, distraída pelo enorme lustre

penduradonoteto.Por queme senti atraída por esse cômodo?Não sei dizer.Mas aqui sei que

estourealmentesozinha.Isoladadetodoobarulhoeconfusãododia.Sinto-medefato isolada em meio a essas garrafas, de um jeito que me acalma. E, pelaprimeira vez hoje, sinto-me relaxar. Sinto-me deixando tudo para trás. Em umretiro.Fugindoparaalgumcantoescurodeminhamente.Háumasensaçãoestranhadeliberdadeemdesistir.Háumaliberdadeemsentirraiva.Emviversozinha.Eomaisestranhodetudo:

aqui, entre as paredes do antigo refúgio de Anderson, sinto que finalmente oentendo. Finalmente entendo como foi capaz de viver do jeito que viveu. Elenuncasepermitiasentir,nuncasepermitiasemagoar,nuncaacolhiaemoçõesemsua vida. Não tinha obrigações com ninguém além de si mesmo. E isso olibertava.Seuegoísmoolibertava.Levo amão àmoringa de líquido âmbar, retiro a tampa e encho o copo de

cristalaolado.Passoalgumtempoobservandoocopo,quemeencaradevolta.Porfim,euoapanho.Um gole e quase cuspo o líquido, tusso violentamente quando alcança a

garganta.AbebidapreferidadeAndersonéasquerosa.Comomorteefogoeóleoefumaça.Forço-mea tomarumrápidogoledo líquidohorrívelantesdebaixaroutravezocopo,meusolhoslacrimejandoenquantooálcoolescorreparadentrodemim.Nemseiporquefizisso–porquequisexperimentarouoqueesperoqueesselíquidofaçapormim.Nãotenhoexpectativadenada.

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Sómesintocuriosa.Sómesintodescuidada.E os segundos passam, meus olhos se abrem e fecham no tão bem-vindo

silêncio,earrastoodedopelos lábios, contoasmuitasgarrafasoutravez,e jácomeçoapensarqueosabor terríveldabebidanãoera tão ruimassimquandolentamente, alegremente, um toque de calor surge dentro demim e libera seusraiosemminhasveias.Ah,pensoahMinhabocaserepuxaemumsorriso,maspareceumpoucodesajeitada,enão

me importo, nãomesmo, nem com o fato deminha garganta parecer um poucoentorpecida. Seguro o copo ainda cheio e tomo outro enorme gole de fogo, edessavezvousemmedo.Éagradávelestarperdidanisso,sentiracabeçatomadapornuvenseventosenadamais.Sinto-mesoltaeumpoucodesajeitadaaomelevantar,masasensaçãoéboamesmoassim,égostosa,calorosaeagradável,eme pego vagando a caminho do banheiro e sorrindo enquanto procuro algumacoisanasgavetasalgumacoisaondeestáPorfimaencontro,umcortadordecabeloelétrico,edecidoquechegouahora

de cortar meus cabelos. Estão me incomodando há muito tempo. São longosdemais, longos demais, uma lembrança, uma recordação do meu tempo nohospício, longos demais por causa de todos esses anos que fiquei esquecida edeixadaparaapodrecerno inferno,pesadosdemais, sufocantesdemais,demais,demaisisso,demaisaquilo,irritantesdemais.Meusdedostateiamembuscadobotãoatéconseguiremligaroaparelho.Sinto-

ozumbindoemminhamãoepensoquetalvezdevessetirarasroupasantes,nãoquerotercabelopratodolado,nãoémesmo?Devotirarasroupasprimeiro,semdúvida.Eentãoestouempé,vestindoapenasaroupadebaixo,pensandoemquantas

vezes secretamente desejei fazer isso, como pensei que seria tão bom, tãolibertador…Passoalâminanacabeçaemummovimentoligeiramenteirregular.Umavez.Duasvezes.Váriaseváriasvezes,eestourindoenquantoocabelocainochão,ummarde

ondascastanhaslongasdemaissecurvandoameuspésenuncamesentitãoleve,tãobobabobafelizSoltoamáquinaaindazumbindonapiaedouumpassopara trás,admirando

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meu trabalho no espelho enquanto toco os fios recém-raspados. Agora tenho omesmocortedecabelodeWarner.Osmesmospoucoscentímetrosdepenugem,comadiferençadequemeus fios são escuros enquantoosdele são claros.Deumahoraparaaoutrapareçobemmaisvelha.Maisdurona.Séria.Consigoverminhasmaçãsdorosto.Alinhadomaxilar.Pareçofuriosa,bastanteassustadora.Meusolhosbrilhamenormesnorosto,ocentrodaatenção,enormeseintensosepenetranteseosadoro.Adoro.Continuorindoenquantoatravessoocorredor,vagandoderoupaíntimapelos

aposentosdeAnderson,sentindo-memaislivredoqueemanos.Soltoocorponaenormecadeiradecouroeterminoocopoemdoisrápidosgoles.Anos,séculos,vidasinteirassepassam,elálongeouçoalgumaspancadas.Ignoro-as.Agora estou de lado na cadeira, as pernas penduradas no braço do móvel,

relaxandoenquantoolustregira…Estavagirandoantes?…maslogomeudevaneioéinterrompido,numinstanteouçovozesapressadas

quereconheçovagamente,masnãomelevanto,apenascontraioocorpoe,giroacabeçanadireçãodobarulho.–Putamerda,J…Kenji de repente entra no quarto e fica paralisado ao deparar comigo. De

repente,lembro-mevagamentedequeestouderoupaíntimaedequeumaantigaversão minha preferiria que Kenji não me visse assim… Mas isso não é obastanteparamefazeragir.Kenji,porsuavez,parecemuitopreocupado.–Ahmerdamerdamerda…Kenji e Warner estão parados à minha frente, os dois me encarando,

horrorizados,comoseeu tivessefeitoalgumacoisamuitoerradaqueosdeixoufuriosos.–Oquefoi?–pergunto,irritada.–Deemoforadaqui!–Juliette…meuamor…oquefoiquevocêfez…E então, Warner está ajoelhado ao meu lado. Tento olhar para ele, mas de

repenteficadifícilfocaravista,difícilenxergar.Minhavisãoembaçaetenhoquepensar várias vezes para fazer o rosto dele parar de semovimentar,mas entãoestouolhandoparaele,realmenteolhandoparaele,ealgumacoisadentrodemimtentase lembrardequeestamos furiosascomWarner,dequenão falamosmaiscomeleedequenãoqueremosmaisvê-looufalarcomele,masentãoeletocameurosto…eeususpiroDescansoabochechanapalmadesuamãoemerecordodealgumacoisalinda,

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algumacoisadoce,enquantoumaenxurradadesentimentosseespalhapormim–Oi–cumprimento-o.Eeleparecetãotristetãotristeeestáprestesaresponder,masKenjifala:– Irmão, acho que ela está bem bêbada, tipo, não sei, deve ter tomado uma

garrafainteiradessacoisa.Talvezmeiacaneca?Eparaalguémcomopesodela?–Praguejabaixinho.–Umaquantidadedessasdeuísqueacabariacomigo.Warner fecha os olhos. Fico fascinada com seu pomo de adão subindo e

descendonagarganta,eestendoamãoparapassarosdedosporseupescoço.–Querida…–elesussurra,aindadeolhosfechados.–Porquevocê…–Sabequantoteamo?–interrompo-o.–Euamo...amavatantovocê.Tanto.QuandoWarnervoltaaabrirosolhos,elesestão iluminados.Brilhando.Não

diznadaparamim.–Kishimoto–chama,baixinho.–Porfavor,ligueochuveiro.–Podedeixar.EKenjisai.Warnercontinuasemmedizernada.Tocoseuslábios.Levomeucorpomaisparaafrente.–Vocêtemumabocatãolinda–sussurro.Eletentasorrir.Parecetriste.–Gostoudosmeuscabelos?–pergunto.Eleassente.–Sério?– Você está linda – ele garante, mas quase não consegue pronunciar as

palavras. Sua voz falha ao prosseguir: – Por que fez isso, meu amor? Estavatentandoseferir?Tento responder,mas de repente sinto náuseas.Minha cabeça gira. Fecho os

olhosparaapaziguarasensação,maselanãovaiembora.– Chuveiro pronto – ouço Kenji gritar. E, de repente, sua voz está mais

próxima:–Vocêdáconta,irmão?Ouquerqueeuassuma?–Não.–Umapausa.–Não,podeir.Voucuidarparaqueelafiquebem.Por

favor, diga aos outros que não estoume sentindo bem agora à noite. Transmitameupedidodedesculpas.–Podedeixar.Maisalgumacoisa?–Café.Váriasgarrafasdeágua.Duasaspirinas.–Deixacomigo.–Obrigado.–Nãoporisso,irmão.Eentãoestouemmovimento,tudoestáemmovimento,tudoestádeladoeabro

osolhoserapidamenteosfechoeomundoéumborrãoàminhafrente.Warner

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estámelevandoemseusbraçoseeuenterroorostoemseupescoço.Seucheiroétãofamiliar.Segurança.Querofalar,masmesintotãoletárgica.Comosemeuslábiosdemorassemtoda

umavidaparasemexer,comosetudoestivesseemcâmeralenta;quandoenfimsemexem, é como se as palavras se comprimissem todas juntas quando aspronuncio,váriaseváriasvezes.–Jáestavacomsaudadedevocê–sussurrocontraapeledele.–Sintosaudade

disso,devocê,tantasaudadedevocê…Entãoelemecolocanochão,meajudaameequilibrareaentrardebaixodo

chuveiro.Quasegritoquandoaáguaentraemcontatocommeucorpo.Meusolhosseabremviolentamente,minhamenteficaparcialmentesóbriaum

instantedepois,enquantoaáguadescepormeucorpo.Piscorapidamente,respirofundoenquantomeapoionaparededochuveiro,olhandoferozmenteparaWarnerdooutroladodovidro.Aáguacontinuaescorrendoporminhapele,minhabocase abre. Meus ombros tremem menos à medida que o corpo se acostuma àtemperatura,conformeosminutospassam,nósdoisolhandoumparaooutro,massemdizernada.Minhamenteseacalma,masnãoficalimpa.Aindaháumanévoapairandosobremim,mesmoquandoestendoamãoparaaqueceraáguaemmuitosgraus.Consigoverseurosto–lindo,mesmodistorcidopelovidroquenossepara–

quandoelediz:–Vocêestábem?Estásesentindomelhor?Douumpassoadiante,estudando-osilenciosamente,enãodigonadaenquanto

soltoosutiã,deixando-ocairnochão.Nãorecebonenhumarespostadele,excetoseusolhosligeiramentemaisabertos,olevemovimentoemseupeito.Então,tiroacalcinha,chutando-aparatrás,eelepiscaváriasvezesedáumpassoparatrás,desviaoolhar,olhaoutravezparamim.Abroaportadevidro.–Entreaqui–convido-o.MasWarnernãoolhaparamim.–Aaron…–Vocênãoestásesentindobem–ésuaresposta.–Estouótima.–Meuamor,porfavor,vocêacaboudebeberpraticamenteseupesoemuísque.–Sóquerotocaremvocê–insisto.–Venhaaqui.Eleenfimviraorostoparameencarar,seusolhossubindolentamentepormeu

corpo, e eu vejo, vejo acontecer quando alguma coisa dentro dele parece se

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romper. Parece sentir dor e estar vulnerável e engole em seco enquanto dá umpasso naminha direção, o vapor agora preenchendo o banheiro, gotas de águaquentecaindosobremeusquadrisnus,eseus lábiosseentreabremquandoolhaparamim,quandoestendeamão,eachoquetalvezeleentreaquiquandoemvezdissoelefechaaportaentrenóseanuncia:–Esperovocênasaladeestar,meuamor.

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Warner

Julietteestádormindo.Saiu do chuveiro, subiu no meu colo e quase imediatamente caiu no sono,

encostada emmeu pescoço; durante todo o tempo, murmurou coisas das quaistenho certeza de que se arrependerá ao amanhecer. Uso cada gota do meuautocontrole para separar seu corpo suave e quente domeu.De alguma forma,consigo.Ajeitei-anacamaesaí.Adordemesentirdistantedelanãoédiferentedo que imaginei, é como arrancar a pele do meu próprio corpo. Juliette meimplorou para ficar, mas fingi não ouvir. Falou queme amava e não conseguiresponder.Elachorou,mesmodeolhosfechados.MasnãopossoconfiarqueJuliettesaibaoqueestáfazendooudizendonesse

estado alterado de consciência; não, sei que é melhor não. Juliette não temexperiênciacomálcool,massópossoimaginarque,quandoseubomsensovoltar,pelamanhã, ela não vai querer ver aminha cara.Não vai querer saber que semostroutãovulnerávelparamim.Aliás,aessaalturameperguntosevaisequerselembrardoqueaconteceu.Quantoamim,souumcasoperdido.Jápassamdastrêsdamanhãesintocomosenãodormissehádias.Malsuporto

fechar os olhos; não consigo ficar sozinho comminhamente ouminhasmuitasfragilidades.Sinto-meestilhaçado,presonessecorpoapenaspornecessidade.Já tentei, em vão, articular a bagunça de emoções se empilhando emminha

mente–tenteiarticularparaKenji,quequissaberoqueaconteceudepoisqueelefoi embora; para Castle, que me encurralou há menos de três horas, exigindosaberoqueeuhaviaditoaela;atémesmoparaKent,queconseguiuparecersóumpoucocontenteaodescobrirquemeurelacionamentorecentecomJuliette jáhaviaimplodido.Queromeafundarnaterra.Não posso voltar ao nosso quarto – ao meu quarto –, onde a prova da

existência de Juliette ainda está fresca demais, viva demais; e não possomaisescaparparaascâmarasdesimulação,poisossoldadoscontinuaminstaladoslá.

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Nãotenhocomofugirdasconsequênciasdeminhasações.Não tenho onde encostar a cabeça pormais do que um instante antes de ser

encontradoedevidamentecastigado.Lena,rindoaltobemnaminhacaraquandopasseiporelanocorredor.Nazeera,balançandoacabeçaenquantoeudavaboa-noiteaoseuirmão.Sonya e Sara, lançando olhares pesarosos para mim após me encontrarem

agachado em um canto da ala médica que ainda não está pronta. Brendan,Winston,Lily,Alia e Ian, passando a cabeçapelaporta de seusnovosquartos,parando-meenquantoeutentavairembora,fazendotantasperguntas–tãoaltaseforçosasqueatémesmoumJamessonolentoveioatrásdemim,puxando-mepelacamisaeperguntandováriaseváriasvezesseJulietteestavaounãoestavabem.Deondeveioessavida?Quemsãoessaspessoascomasquaisderepentemevejoemdívida?TodosandamtãojustificadamentepreocupadoscomJuliette–comobem-estar

denossacomandantesuprema–,queeu,porsercúmplicedeseusofrimento,nãoestou protegido em lugar algum dos olhares à espreita, das expressõesquestionadoras, dos semblantes de pena. É alarmante ver tantas pessoaspreocupadas comminhavidaprivada.Quando as coisas iambementre nós, euprecisava respondermenos perguntas; estava sujeito amenos interesse. Julietteeraquemmantinhaessasrelações;elesnãosepreocupavamcomigo.Nuncaquisnada disso. Não queria essa responsabilidade. Não me importo com aresponsabilidade ligadaaamizades.EusóqueriaJuliette.Queriaseuamor,seucoração,seusbraçosmeenvolvendo.Eissoerapartedopreçoqueeupagavaporsua afeição: essas pessoas. Suas perguntas. Seu claro escárnio por minhaexistência.Portanto,tornei-meumfantasma.Ando por esses corredores silenciosos. Fico pelos cantos e me mantenho

paradonapenumbra,esperandoalgumacoisa.Oquê?Issonãosei.Perigo.Esquecimento.Qualquercoisaqueguiemeuspróximospassos.Quero um novo propósito, um trabalho a executar. Então, imediatamente me

lembro de que sou o comandante-chefe e regente do Setor 45, que tenho umnúmeroinfinitodecoisasparacuidarenegociar–e,poralgummotivo,issonãofunciona mais para mim.Minhas tarefas cotidianas não bastam para distrair amente; minha rotina profundamente regimentada foi desmantelada; Delalieu seempenha para manter o ritmo sob o peso da minha erosão emocional e nãoconsigonãopensaremmeupairepetidaserepetidasvezes…Emcomoestavacertonoquediziaameurespeito.

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Sempreestevecerto.Asemoçõesmearruinaram,váriasvezes.Foramelasquemelevaramaaceitar

qualquertrabalho–aqualquercusto–paraficarpertodaminhamãe.Foramelasqueme levaram a encontrar Juliette, a encontrá-la na busca de uma cura paraminhamãe.Foramelasquemelevaramameapaixonar,alevarumtiroeperderacabeça,ametornaroutravezumgarotoabalado–ummeninoquecaidejoelhoseimploraaumpaiindignoemonstruosoparapouparagarotaqueeleama.Foramasemoções,minhasfrágeisemoções,quemecustaramtudo.Nãotenhopaz.Nãotenhopropósito.Quemmederaterarrancadoessecoraçãodopeitohámuitotempo.Mesmoassim,hátrabalhoaserfeito.O simpósio está agora a menos de doze horas e em momento algum tive a

oportunidadedecuidardosdetalhesaoladodeJuliette.Nãopreviqueascoisastomariam esse rumo. Jamais imaginei que os negócios continuariam como decostumedepoisdamortedemeupai.Penseiqueumaguerramaiorfosseiminente;penseiqueosoutroscomandantessupremoscertamenteviriamatrásdenósantesde sequer termos a chancede fingir estarmosno controledoSetor45.Nãomeocorreuque tinhamemmenteplanosmais sinistros.Nãomeocorreua ideiadepassarmais tempopreparando Juliette para as tediosas formalidades – aquelasrotinasmonótonas–queenvolvemaestruturadoRestabelecimento.Maseudeviaterimaginado.Deviateresperado.Eupodiaterevitadoisso.PenseiqueoRestabelecimentofossedesmoronar.Masestavaerrado.Nossa comandante suprema tem poucas horas para se preparar antes de se

dirigiraumasalacom554outrosregentesecomandantes-chefesnaAméricanoNorte.Espera-sequeelasemostreumalíder.Quenegocieosmuitosdetalhesdadiplomacia doméstica e internacional. Haider, Nazeera e Lena estarão todosansiosospor transmitirnotíciasaseuspaisassassinos.Edevoestarao ladodeJuliette,ajudando-aeguiando-aeprotegendo-a.Contudo,nãotenhoideiadequalJuliettevaisairdosaposentosdemeupaiaoamanhecer.Nãotenhoideiadoqueesperardela,decomovaimetrataroudeondesuacabeçaestará.Nãotenhoamenorideiadoqueestáprestesaacontecer.Enãopossoculparninguémsenãoeumesmo.

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Juliette

Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.Eunãosoulouca.

–EXCERTODOSDIÁRIOSDEJULIETTENOHOSPÍCIO

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Quandoabroosolhos,tudoressurgeoutravez.As evidências estão aqui, nessa dor de cabeça forte e latejante, nesse gosto

amargonabocaenoestômago,nessasedeinsuportável,comosetodasascélulasdo meu corpo estivessem desidratadas. É a mais estranha das sensações. Éhorrível.Mas o pior, pior que tudo isso, são as lembranças. São distantes, mas

permanecem intactas. Tomei o bourbon de Anderson; fiquei deitada de roupaíntimanafrentedeKenji.Eentão,comumaarfadarepentinaedolorosa…Tireiaroupanochuveiro.ChameiWarnerparatomarbanhocomigo.Fechoosolhoseumaondadenáuseasseapossademim,ameaçacolocarpara

foraopoucoquetenhonoestômago.Avergonhameinvadecomumaeficiênciaquequasemedeixasemfôlego,criandoemmimumasensaçãodeódioplenopormimmesma.Souincapazdetremer.Porfim,relutante,abronovamenteosolhosepercebo que alguém me deixou três garrafas de água e dois comprimidospequenos.Grata,engulotudo.Aindaestáescuronoquarto,mas,poralgummotivo,seiquejáédia.Sento-me

rápido demais e meu cérebro chacoalha, balança no crânio como um pênduloferoz.Pego-mecambaleando,mesmoenquantopermaneçoparada, comasmãosafundandonocolchão.Nunca,penso.Nuncamais.Andersoneraumidiota.Essasensaçãoéhorrível.

E é só quando consigo chegar ao banheiro que lembro, com uma clarezaperfuranteerepentina,queraspeiacabeça.Fico parada na frente do espelho, os restos dos fios longos e castanhos

continuam no chão. Olho meu reflexo e fico impressionada. Horrorizada.Fascinada.Acendo a luz e tremo quando as lâmpadas fluorescentes desencadeiam uma

reação dolorosa emmeu cérebro, preciso de váriosminutos parame ajustar àluminosidade.Ligoochuveiro,esperoaáguaesquentarenquantoanalisominhanovaimagem.Comcautela, tocoopoucodecabeloque ficou.Comopassardossegundos,

vouganhandocoragematémeposicionartãopertodoespelhoquemeunariztocaovidro.Étãoestranho,émuitoestranho,maslogominhaapreensãovaificandopara trás. Não importa quanto tempo eu passe me olhando, sou incapaz dealimentarqualquersensaçãodearrependimento.Choque,sim,mas…Nãosei.Gosteimuito,muitomesmo,doresultado.Meusolhossempreforamgrandeseverde-azulados,miniaturasdogloboque

habitamos. Mas até então não os tinha achado particularmente interessantes.

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Agora,porém,pelaprimeiravezachomeurostointeressante.Comoseeutivessedeixadoparatrásassombrasdemeupróprioser;comose,finalmente,acortinaqueeuusavaparameescondertivessesidoaberta.Estouaqui.Bemaqui.Olheparamim,pareçogritaremsilêncio.Ovapor invade o banheiro em expirações lentas e cuidadosas que embaçam

meu reflexo e por fim sou forçada a virar o rosto. Mas, quando noto, estousorrindo.Porque,pelaprimeiraveznavida,realmentegostodaminhaaparência.

Ontem,pediaDelalieuquetrouxessemeuguarda-roupaparaosaposentosdeAnderson antes que eu chegasse – e agora me pego diante do armário,examinando-ocomnovosolhos.Sãoasmesmasroupasquevejo todasasvezesqueabroessasportas;mas,derepente,euasvejodemododiferente.Mastambémestoumesentindodiferente.Antes,roupasmedeixavamperplexa.Nuncaconseguientendercomocriarum

visualdamaneiraqueWarnerfaz.Penseisetratardeumaciênciaqueeujamaisconseguiria dominar; umahabilidade foradomeualcance.Mas agora estoumedandocontadequeoproblemaeraeunãosaberquemeurealmenteera.Eunãosabiavestiraimpostoraqueviviadentrodaminhapele.Doqueeugostava?Comoqueriaserpercebida?Por anos,meu objetivo foime diminuir – dobrar-me e desdobrar-me emum

polígonodenada,serinsignificantedemaisparaserlembrada.Euqueriaparecerinocente.Queriaservistacomodiscretaeinofensiva;sempremepreocupeicomamaneiracomoaminhaexistênciaaterrorizavaaspessoasefiztudooqueestavaao meu alcance para me diminuir, diminuir minha luz, minha alma. Eu queriadesesperadamenteparecerignorante.Queriamuitoagradaraosfilhosdaputaquemejulgavamsemmeconhecer,eacabeimeperdendonesseprocesso.Masagora?Agoraeurio.Alto.Agoraestoupoucomefodendo.

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Warner

QuandoJuliettenosencontrademanhã,estáquaseirreconhecível.Fuiforçado,apesardetodasasinclinaçõesdemeenterraremoutrastarefas,a

mereunircomnossogrupohojeporcontadoqueagoraparecetersidoachegadainevitáveldenossostrêsúltimosconvidados.OsgêmeosdocomandantesupremodaAmérica doSul e o filho do comandante supremo daÁfrica.A comandantesupremadaOceania não tem filhos, então, suponhoque esses sejamosúltimosvisitantes a comparecer. E todos chegaram a tempo de nos acompanhar aosimpósio.Muitoconveniente.Eudeviaterimaginado.Eutinhaacabadodeapresentarostrêsrecém-chegadosaCastleeaKenji,que

vieramcumprimentá-los,quandoJuliettefezsuaapariçãopúblicadodia.Menosdetrintasegundossepassaramdesdequeelachegoueaindaestoutentando,semsucesso,deixardeolhá-la.Estádeslumbrante.Usaumsuétersimplesepreto,bemajustadoaocorpo;jeansapertadoscinza-

escurosebotasnegrassemsalto,comcanonaalturadostornozelos.Oscabelosparecem ao mesmo tempo ausentes e presentes; são como uma coroa macia eescuraquecombinacomJuliettedeumamaneiraqueeujamaisesperaria.Semadistraçãodosfioslongos,meusolhosnãoconseguempousaremnenhumlugarquenão seja diretamente em seu rosto. E essa garota tem o rostomais incrível domundo–comolhosgrandes,hipnotizantes–eumaestruturaósseaquenuncasemostroumaispronunciada.Estáimpressionantementediferente.Forte.Aindalinda,masmaisfirme.Maisdurona.Deixoudeseramenininhacomrabo

decavaloesuéterrosa.Parecemuitomaisagarotajovemqueassassinoumeupaiedepoisbebeuquatrodedosdeseubourbonmaiscaro.OlhaparamimeparaaexpressãoatordoadadeKenjiedeCastleantesdese

concentrar na aparência confusa de nossos três convidados recém-chegados, etodosparecemosincapazesdearticularumaúnicapalavra.

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–Bomdia–Julietteenfimcumprimenta,masnãosorriaofalar.Nãohácalorou meiguice em seus olhos quando ela analisa os arredores, o que me leva avacilar.–Nossa,princesa,émesmovocê?JulietteestudaKenjirapidamente,masnãoresponde.–Quem são vocês três? – pergunta, fazendo umgesto de cabeça aos recém-

chegados.Elesselevantamlentamente.Inseguros.–Essessãonossosnovosconvidados–respondo,masnãoconsigomeforçara

olhar para ela. A encará-la. – Estava ainda agora apresentando-os a Castle eKishimo…– E não ia me incluir na lista? – anuncia uma voz que acaba de chegar. –

Tambémqueroconheceranovacomandantesuprema.Viro-me e encontro Lena parada no vão da porta, a menos de ummetro de

Juliette, deslizando o olhar pela sala como se nunca tivesse se sentido maissatisfeita em toda sua vida. Sinto meu coração ganhar velocidade, a menteacelerar.AindanãofaçoideiaseJuliettesabequemLenaé–oudoquetivemosjuntos.EosolhosdeLenase iluminam,se iluminamdemais;seusorrisoéenormee

feliz.Meusanguegela.Comasduasparadastãopertoumadaoutra,nãoconsigodeixardenotarquão

óbviassãoasdiferençasentreelas. Julietteépequena;Lenaéalta. Juliette temcabelosescuroseolhosintensos;Lenaépálidadetodasasmaneiraspossíveis.Seuscabelossãoquasebrancos,osolhostêmomaislevetomdeazul,apeleéquase transparente, à exceção das sardas que se espalham pelo nariz e pelasbochechas.Maselacompensaessacarênciadepigmentaçãocomopesodesuapresença. Sempre foi espalhafatosa, agressiva, excessivamente impulsiva.Juliette,emcomparação,hojeestámuda–quaseaumnívelextremo.Nãoentreganenhuma emoção, nem omenor sinal de raiva ou ciúme. Fica parada e quieta,analisandosilenciosamenteasituação.Suaenergiapermanece recolhida.Prontaparasaltar.E quando Lena se vira para encará-la, sinto que todos os presentes ficam

tensos.–Oi –Lena cumprimenta bem alto.A felicidade falsa desfigura seu sorriso,

transformando-a emalgo cruel.Ela estende amãoediz: –Éumprazer, enfim,conheceranamoradadeWarner.–E,emseguida:–Ah,espere…Perdão.Euquisdizerex-namorada.EstousegurandoarespiraçãoenquantoJulietteaanalisadecimaabaixo.Leva

otempoquelheénecessário,inclinandoacabeçaconformedevoraLenacomos

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olhos,econsigoperceberqueamãoestendidadeLenajácomeçaamostrarsinaisdecansaço,osdedosabertoscomeçandoatremer.Juliettenãopareceimpressionada.– Pode se dirigir amim como comandante suprema daAmérica doNorte –

responde.Esaiandando.Sintoumarisadaquasehistéricaganhandoforçaemmeupeito.Tenhoqueolhar

para baixo, forçar-me a manter uma expressão inabalada. E recupero-meimediatamenteaomelembrardequeJuliettenãoémaisminha.Nãoémaisminha,nãopossomaisamá-la,adorá-la.Nunca,emtodootempoqueaconheço,mesentimaisatraídoporessagarota,enãohánada,nadamesmo,queeupossafazerpararesolver isso.Meucoraçãobatemais rápidoquandoelaentradevezna sala–deixandoumaLenaboquiabertapelocaminho.Soutomadopeloarrependimento.Nãoconsigoacreditarqueconseguiperdê-la.Duasvezes.Queelameamou.Umavez.–Porfavor,identifiquem-se–elaexigedenossostrêsconvidados.Stephanéoprimeiroafalar:– Sou Stephan Feruzi Omondi – ele se apresenta, estendendo o braço para

oferecer um aperto de mãos. – Estou aqui como representante do comandantesupremodaÁfrica.Stephan é alto e pomposo e extremamente formal e, embora tenha nascido e

sido criado no que no passado fora Nairóbi, estudou inglês no exterior e seexpressacomumsotaquebritânico.PerceboqueoolhardeJuliettesedetémporalgumtemponorostodele,queelagostadaimagemàsuafrente.Algumacoisaseapertaemmeupeito.–Seuspaistambémoenviaramparameespionar,Stephan?–elaindaga,ainda

encarando-o.Elerespondecomumsorriso–ummovimentoqueanimatodooseurosto–e

derepentepassoaodiá-lo.–Viemossóparaofereceroscumprimentos.Sóparaumareuniãoamigável.–Aham.Evocêsdois?–Juliettesevoltaparaosgêmeos.–Amesmacoisa?Nicolás, o gêmeo que chegou aomundo primeiro, apenas sorri para Juliette.

Parecealegre.–SouNicolásCastillo–apresenta-se–,filhodeSantiagoeMartinaCastillo,e

estaéminhairmãValentina…–Irmã?–Lenase intromete.Elaacabadeencontraroutraoportunidadepara

sercruel,eeununcaaodieitanto.–Vocêscontinuamfazendoisso?–Lena–chamo-a,comumtomdeadvertêncianavoz.–Oquefoi?–Elameencara.–Porquetodomundocontinuafingindoqueagir

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assiménormal?UmdiaofilhodeSantiagoacordaedecidequequersermeninaetodosnóssimplesmente…fingimosquenãotemnadaacontecendo?– Vá à merda, Lena – é a primeira coisa que Valentina diz durante toda a

manhã.–Eudeviatercortadosuasorelhasquandotiveaoportunidade.Julietteficadeolhosarregalados.–Ah,perdão…–Kenjiinclinaacabeçaparaolado,usaamãoparaacenar.–

Estouperdendoalgumacoisa?–Valentinagostadefingir–Lenaretruca.–Cállatelaboca,cabrona–Nicolásesbravejacomela.–Não,quersaber?–Valentinadiz,apoiandoamãonoombrodeseuirmão.–

Estátudobem.Deixe-afalar.Lenaachaqueeugostodefingir,peronãovoufingircuandocuelgesucuerpomuertoenmicuarto.Lenaapenasreviraosolhos.–Valentina,nãoligueparaoqueeladiz–aconselho.–Ellanotieneninguna

ideadeloqueestáhablando.Tenemosmuchoquehacerynodebemos…–Porra,cara!–Kenjimeinterrompe.–Vocêtambémfalaespanhol,é?–Passa

amãopeloscabelos.–Vouterquemeacostumaraisso.– Todos nós falamos muitas línguas – esclarece Nicolás, com um toque de

irritaçãopermeandoavoz.–Temosqueconseguirnoscomuni…–Ouçam,pessoal,estoupoucomelixandoparaseusdramaspessoais–Juliette

anuncia de repente, pressionando a ponte do nariz. – Sinto uma dor de cabeçaterríveletenhoummilhãodecoisaspararesolver,entãoquerocomeçarlogo.–Porsupuesto,señorita.–Nicolásfazumapequenareverênciacomacabeça.–Oquê?–elapergunta,piscandoparaele.–Nãoseioquesignificaisso.Nicolásapenassorri.–Entoncesdeberíasaprenderahablarespañol.Quase rio, mesmo enquanto balanço a cabeça. Nicolás está dificultando a

situação,edepropósito.–Bastaya–censuro-o.–Dejalasola.Sabesqueellanohablaespañol.–Oquevocêsdoisestãofalando?–Julietteexigesaber.OsorrisodeNicolássócrescenorosto,seusolhosazuisbrilhandoemdeleite.– Nada que tenhamuita importância, Senhora Suprema. Só que é um prazer

conhecê-la.–Tenhoainformaçãodequetodosparticiparãodosimpósiohoje,certo?–ela

pergunta.Maisumalevereverência.–Claroquesí.–Eledissequesim–traduzoparaela.–Queoutraslínguasvocêfala?–Juliettesemostracuriosaaosevirarparame

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encarar,eficotãosurpresoporelasedirigiramimempúblicoquemeesqueçoderesponder.ÉStephanquemdiz:– Nós aprendemosmuitas línguas desdemuito novos. É fundamental que os

comandantesetodosdesuasfamíliassaibamsecomunicarunscomosoutros.–MaseupenseiqueoRestabelecimentoquisesseselivrardetodasaslínguas

–elacomenta.–Penseiqueestivessemtrabalhandoparacriarumaúnicalínguauniversal…–Sí,SenhoraSuprema–Valentinaassevera,concordandodiscretamentecoma

cabeça.–Éverdade.Masprimeiroprecisávamossercapazesdeconversarunscomosoutros,não?Julietteparecefascinada.Esqueceusuaraivatemposuficienteparaficarmais

umavezimpressionadacomavastidãodomundo;possoveremseusolhos.Possosentirseudesejodefugir.– De onde vocês são? – quer saber, seu tom de voz repleto de inocência,

admiração. Alguma coisa se parte em meu coração. – Antes de o mundo serreorganizado,qualeraonomedeseuspaíses?–NascemosnaArgentina–NicoláseValentinafalamaomesmotempo.–MinhafamíliaédoQuênia–respondeStephan.–Evocêsjávisitaramunsaosoutros?–elaindaga,virando-separaanalisar

nossosrostos.–Vocêsviajamunsaoscontinentesdosoutros?Confirmamoscomumgesto.–Nossa!–exclamabaixinho,maisprasimesmadoqueparaorestantedasala.

–Deveserincrível!– Também deve ir nos visitar, Senhora Suprema – convida um Stephan

sorridente.–Adoraríamosrecebê-la.Afinal,agoraéumadenós.O sorriso de Juliette desaparece. Cedo demais também se vai seu olhar

distante,reflexivo.Elanãodiznada,maspossosentiraraivaeatristezafervendoemseuinterior.Derepente,chama:–Warner,Castle,Kenji?–Sim?–Sim,senhoritaFerrars?Eusóaencaro.–Setivermosterminadoaqui,eugostariadeconversarasóscomvocêstrês,

porfavor.

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Juliette

Fico pensando que preciso permanecer calma, que tudo isso é coisa daminhacabeça,quevaidartudocertoealguémvaiabriressaporta,alguémvaime tirar daqui. Fico pensando que isso vai acontecer. Fico pensando quealguma coisa desse tipo tem de acontecer, porque coisas assim simplesmentenãoacontecem.Issonãoacontece.Aspessoasnãosãoesquecidasassim.Nãosãoabandonadasassim.Issosimplesmentenãoacontece.Meu rosto está sujo de sangue de quando me jogaram no chão, e minhas

mãoscontinuamtrêmulas,mesmoenquantoescrevoestaspalavras.Essacanetaéminhaúnicaválvuladeescape,minhaúnicavoz,porquenãotenhoninguémmaiscomquemconversar,nenhumpensamentoalémdosmeusparameafogar,e todos os botes salva-vidas estão tomados e todos os coletes salva-vidasdestruídos e não sei nadar e não consigo nadar e não posso nadar e estáficandotãodifícil.Estáficandotãodifícil.Écomosehouvesseummilhãodegritospresosemmeupeito,mastenhodemantê-lostodosaquiporqueparaquegritar se você nunca vai ser ouvida e ninguém nunca vai me ouvir aqui.Ninguémnuncamaisvaimeouvir.Aprendiaficarolhandoparaascoisas.Para as paredes. Minhas mãos. As rachaduras nas paredes. As linhas em

meus dedos. Os tons de cinza do concreto. O formato das minhas unhas.Escolho uma coisa e a analiso pelo que parecem ser horas. Tenho noção dotempoporquecontomentalmenteossegundos.Tenhonoçãodosdiasporqueosanoto.Hojeéodia2.Hojeéosegundodia.Hojeé1dia.Hoje.Estámuitofrio.Estámuitofrio,muitofrio.Porfavorporfavorporfavor.

–EXCERTODOSDIÁRIOSDEJULIETTENOHOSPÍCIO

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Continuo encarando os três, esperando uma confirmação quando, de repente,umKenjiespantadoresponde:–Ah,sim…É…semproblemas.–Claro–concordaCastle.MasWarnernãofalanada.Apenasmeanalisacomoseenxergassemeuinterior

e,poruminstante,sóconsigomelembrardaminhaimagemnua,implorandoparaque tomasse banho comigo; meu corpo em seus braços, chorando enquanto euafirmavasentirsaudades;meuslábiostocandoosseus.Sintotantavergonhaquechegoatremer.Umantigoimpulsotomacontadomeu

corpo,fazendo-meenrubescer.Fechoosolhos,desvioorosto,doumeia-voltaduramenteesaiodasalasem

dizerumapalavramais.–Juliette,meuamor…Jáestounametadedocorredorquandosuamãotocaminhascostaseenrijeço,

o coração acelerando em um instante. Assim queme viro para ele, percebo amudançaemseurosto,suaexpressãoindodomedoàsurpresaemumafraçãodesegundo,eficotãofuriosaporeleteressahabilidade,essedomdesercapazdesentir as emoções das outras pessoas, porque sempre sou tão transparente paraele,tãocompletamentevulneráveleissoérevoltante,revoltante.–Oquê?–retruco.Tento falar com dureza, mas dá tudo errado. Minha voz sai esbaforida.

Constrangedora.–Eusó…–Massuasmãospendemnaslateraisdocorpo.Seusolhoscapturam

osmeus e de repente me pego congelada no tempo. – Eu queria dizer a vocêque…– O quê? – E agora minha voz sai baixa e nervosa e aterrorizada, tudo ao

mesmotempo.DouumpassoparatrásparasalvarminhaprópriavidaeperceboCastle eKenji se aproximandomuito lentamente.Os doismantêm distância depropósito,paranosoferecerespaçoparaconversar.–Oquevocêquerdizer?Mas agora os olhos de Warner estão se movimentando e me estudando.

Analisam-mecomtantaintensidadequemeperguntoseeletemnoçãodoqueestáfazendo.FicocuriosaparasaberseWarnersedácontadeque,quandomeolhadesse jeito, sinto tão fortementequanto se suapelenuaestivessepressionadaàminha.Querosaberseeletemideiadequemeprovocacoisasaomeolharassim,queme deixa louca porque odeio não conseguir controlar isso, odeio que esselaçoentrenósnãosedesfaça,eeleenfimfalacomdoçuraalgumacoisaalgumacoisaquenãoouçoporque estou olhando para seus lábios e sentindo minha pele queimar com

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lembrançasdeleeaindaontem,aindaontemeleerameu,sentisuabocaemmeucorpo,pudesenti-lodentrodemim…–Oquê?–consigodizer,piscandoparaoteto.–Eudissequegosteimuitodoquefezcomseucabelo.OdeioWarner,odeioporquefazissocommeucoração,odeiomeucorpopor

sertãofraco,pordesejá-lo,porsentirsuafaltaapesardetudo,enãoseisedevochoraroubeijá-looulhedarumchutenosdentes,entãoescolhofalar,semolhá-lonosolhos:–QuandoiamecontarsobreLena?Warnerficaparado,totalmenteparalisadoporuminstante.–Ah…–Elepigarreia.–NãosabiaquevocêjátinhaouvidofalardeLena.Estreito os olhos para ele, incapaz de confiar em mim mesma para dizer

qualquer coisa. Ainda estou decidindo o melhor curso de ação quando eleprossegue:–Kenjiestavacerto.–Maselesussurraaspalavras,comosefalasseconsigo

mesmo.–Comoé?Ergueorosto.–Desculpe–falabaixinho.–Eudeviatercontadoantes.Agoraentendo.–Então,porquenãofalounada?– Ela e eu… Nós… Aquilo não foi nada. Foi um relacionamento por

conveniênciaecompanhiabásica.Nãosignificounadaparamim.Deverdade…Vocêprecisasaber…Seeununcafaleinadasobreela,foiporquenuncapenseinelatemposuficienteparasequerconsiderarcontar.–Masvocêspassaramdoisanosjuntos…Warnernegacomacabeçaantesderesponder:–Nãofoibemassim.Nãoforamdoisanossérios.Aliás,nãoforamsequerdois

anosdecomunicaçãocontínua.–Suspira.–ElavivenaEuropa,meuamor.Nósnosvíamosporperíodosbreves epouco frequentes.Erapuramente físico.Nãoeraumarelaçãodeverdade…–Puramentefísico…–ecoo,chocada.Cambaleioparatrás,quasetropeçoem

meusprópriospésesintosuaspalavrasrasgaremminhacarnecomumadorfísicalancinanteeinesperada.–Nossa.Nossa…Agoranãoconsigopensar emnadaalémde seucorpo juntoaodela,osdois

entrelaçados,osdoisanosqueWarnerpassoununosbraçosdaquelagarota…– Não, por favor – ele pede. A urgência em sua voz me força a voltar ao

presente.–Nãofoiissoqueeuquisdizer.Eusó…Euestou…Nãoseiexplicar–continua,frustradocomonuncaoviantes.Negafortementecomacabeça.–Antesdeconhecervocê,tudoeradiferentenaminhavida.Estavaperdidoetotalmente

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solitário.Nuncameimporteicomninguém.Nuncaquismeaproximardeninguém.Eununca…Vocêfoiaprimeirapessoaque…–Pare–ordeno,balançandoacabeçaemumgestonegativo.–Parecomisso,

está bem? Estou muito cansada. Minha cabeça está me matando e não tenhoenergiaparacontinuarouvindoessascoisas.–Juliette…–Quantossegredosmaisvocêguarda?–pergunto.–Quantascoisasmaisvou

descobrir sobre você? Sobre mim? Minha família? Minha história? Sobre oRestabelecimentoeosdetalhesdaminhaverdadeiravida?–Juroquenuncaquismagoá-laassim–afirma.–Nãoqueroescondernadade

você, mas tudo isso é muito novo para mim, meu amor. Esse tipo derelacionamentoémuitonovoparamimeeunão…Eunãoseicomo…–Você já mantevemuita coisa escondida demim – retruco, sentindominha

força falhar, sentindo o peso dessa terrível dor de cabeça desmontar minhaarmadura,sentindodemais,coisasdemaisdeumaúnicavezquandoprossigo:–Hátantoquenãoseiaseurespeito.Hátantoquenãoseisobreseupassado.Ousobrenossopresente.Nãoseimaisemquepossoacreditar.–Pergunteoquequiser.Eurespondoqualquercoisaquevocêqueirasaber.–Qualquercoisa,menosaverdadeameurespeito?Arespeitodosmeuspais?Warner,derepente,ficapálido.–Vocêiamanteressasinformaçõesescondidasdemimparasempre–afirmo.–

Nãoplanejavamecontarverdadenenhuma.Quefuiadotada.Ouplanejava?Seusolhosficamdesvairados,iluminadospelossentimentos.– Responda à pergunta – insisto. – Só me responda isso. – Dou um passo

adiante, fico tão próxima deWarner que consigo sentir sua respiração emmeurosto;tãopróximaquequaseconsigoouvirseucoraçãoacelerarnopeito.–Iamecontar?–Nãosei.–Digaaverdade.– Estou sendo sincero,meu amor – ele responde, balançando a cabeça. – É

muitoprovávelquesim.–Derepente,suspira.Aaçãoparecedeixá-loexausto.–Não sei o que fazer para convencê-la de que pensei estar poupando-a da dordessaverdadeemparticular.Defato,penseiqueseuspaisbiológicosestivessemmortos.Agoravejoqueesconderasinformaçõesdevocênãofoiacoisacertaafazer,maseunemsemprefaçoacoisacerta–admitebaixinho.–Mesmoassim,vocêprecisaacreditarquenuncativeaintençãodemagoá-la.Nuncaquismentirparavocêouesconderinformações.Achoque,comotempo,euterialhecontadooquesabiaserverdade.Eusóestavatentandoencontrarahoracerta.Derepente,nãoseioquesentir.

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Encaro-o,vejo-ocabisbaixo,vejoomomentoemquesuagargantaengoleumnó de emoções. E alguma coisa se rompe dentro de mim. Alguma medida deresistênciacomeçaadesmoronar.Warnerparecetãovulnerável.Tãojovem.Respirofundoedeixooarescaparlentamenteantesdeerguerorosto,olhá-lo

nosolhosmaisumavez.Eentãopercebo.Perceboomomentoemqueelesenteamudançaemmeus sentimentos.Algumacoisaganhavidaemseusolhos.Dáumpassoadianteeagoraestamostãopróximosquesintomedodefalar.Meucoraçãobatefortedemaisnopeitoenãoprecisofazernadaparaserlembradadetudo,decadamomento,decadatoquequecompartilhamos.Seucheiroestáemtodaparteà minha volta. Seu calor. Seus suspiros. Seus cílios dourados e olhos verdes.Toco seu rosto quase sem querer, com cuidado, como se ele pudesse ser umfantasma,comose tudopudessenãopassardeumsonho, e aspontasdosmeusdedosroçamsuabochecha,deslizampelalinhadeseumaxilareparoquandoeleprendearespiração,quandoseucorpotremequaseimperceptivelmenteenosaproximamoscomoseestivéssemosemumalembrançaolhossefechandolábiossetocando–Medêmaisumachance–sussurra,encostandosuacabeçaàminha.Meucoraçãodói,bateviolentamentenopeito.–Porfavor–implorasuavemente,edealgumamaneiraWarnerficaaindamais

próximo, seus lábios tocam os meus enquanto fala e me sinto presa pelasemoções,incapazdememoverenquantoelepronunciaaspalavrascontraminhaboca,suasmãoslevesehesitantesenvolvendomeurosto,eelediz:–Juropelaminhavidaquenãovoudecepcioná-laemebeijaElemebeijabem ali, no meio de tudo, na frente de todos, e sou inundada, tomada por

sentimentos,acabeçagirandoenquantoelemepuxacontraocontorno firmedeseucorpo,enãoconsigomesalvardemimmesma,nãoconsigocontero ruídoque emito quando ele separa meus lábios e me vejo perdida, perdida em seusabor,perdidaemseucalor,envolvidaporseusbraçoseprecisomeafastarafasto-me tão rapidamente que quase tropeço. Estou ofegando forte demais,

meurostovermelho,meussentimentosempânicoE ele só consegue me olhar, seu peito subindo e descendo com tamanha

intensidadequechegoa sentirdaqui, amaisdemeiometrodedistância, enãoconsigopensaremnadacertoouracionalparadizersobreoqueaconteceuouoqueestousentindoexceto

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–Issonãoé justo–sussurro,enquantoas lágrimasameaçamepinicammeusolhos.–Nãoéjusto.Nãoesperoparaouvir sua respostaantesde sairdesesperadapelocorredor,

correndoorestantedocaminhoatémeusaposentos.

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Warner

–Problemasnoparaíso,senhorWarner?Em segundos, já o agarrei pela garganta.A surpresa desfigura seu semblante

quandoempurroseucorpocontraaparede.– Você… – começo furioso. – Você me forçou a entrar nesta posição

impossível.Porquê?Castle tenta engolir a saliva em sua boca,mas não consegue. Seus olhos se

mantêm arregalados, mas não demonstram medo. Quando volta a falar, suaspalavrassaemroucas,sufocadas.–Vocêtinhadefazeroquefez–arfa.–Tinhaqueacontecer.Elaprecisavaser

avisada,etinhaquevirdevocê.–Nãoacreditoemsuaspalavras–grito,empurrando-ocommaisforçacontraa

parede.–Aliás,nãoseiporquechegueiaacreditaremvocê.–Porfavor,garoto,coloque-menochão.Solto-osóumpoucoeeledáváriaslufadasdearantesdeprosseguir:–Eunãomentiparavocê,senhorWarner.Elaprecisavaouviraverdade.Ese

tivesseouvidodabocadequalqueroutrapessoa,jamaisoperdoaria.Pelomenosagora…–Tosse.–Comotempo,podeserqueoperdoe.Ésuaúnicachancedeserfeliz.–Comoéqueé?–Baixoamão.Solto-odevez.–Desdequandoseimporta

comaminhafelicidade?Ele passa tempo demais em silêncio, massageando a garganta enquanto me

encara.Porfim,retruca:–Achaquenãoseioqueseupaifezcomvocê?Oqueeleofezpassar?Eagoradouumpassoparatrás.Castleprossegue:–Vocêachaquenãoconheçosuahistória,garoto?Achaqueodeixariaentrar

no meu mundo, que lhe ofereceria um santuário entre meu povo, se realmenteacreditassequenoscausariamal?Respirodificultosamente.Derepente,estouconfuso.Sinto-meexposto.–Vocênãosabenadaameurespeito–respondo,sentindoamentiraenquanto

aindaapronuncio.

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Castlesorri,masnotoumtomdedoremseurosto.–Você é sóumgaroto– falabaixinho.–Temapenasdezenove anos, senhor

Warner.Eachoquesempreseesquecedisso.Nãotemperspectiva,nãotemideiadequesóviveupouquíssimotempo.Aindatemmuitavidapelafrente.–Suspira.– Tento dizer a mesma coisa a Kenji, mas ele é como você. Teimoso, muitoteimoso.–Kenjieeunãosomosparecidosemnada.–Sabiaquevocêéumanomaisnovoqueele?– A idade é um fator irrelevante. Quase todos os meus soldados são mais

velhosqueeu.Castletosse.–Todosvocês, jovens…–responde,negandocomacabeça.–Vocêssofrem

demais. Carregam essas histórias horríveis e trágicas. Personalidades voláteis.Eu sempre quis ajudar. Sempre quis corrigir isso, fazer destemundo um lugarmelhorparavocês,osjovens.–Bem,podeirsalvaromundoemoutrolugar–retruco.–Efiqueàvontade

para fazer o papel de babá de Kishimoto sempre que quiser.Mas eu não souresponsabilidadesua.Nãoprecisoquesintapenademim.Castleapenasinclinaacabeçaparamim.–Nuncapoderáescapardaminhapena,senhorWarner.Meumaxilarsecontrai.Eleprossegue:–Vocês,garotos…–Seusolhosparecemdistraídosporummomento.–Vocês

mefazemlembrartantodosmeusfilhos…Ficoemsilêncioporuminstante.–Vocêtemfilhos?–Sim.–Sintoaondadedorrepentinaesufocanteapoderando-sedelequando

esclarece:–Eutinha.Dou vários passos para trás sem nem me dar conta, afastando-me de suas

emoções.Sóconsigoencará-lo.Surpreso.Curioso.Lamentando.–Olá.AoouviravozdeNazeera,viro-me,assustado.EstáacompanhadadeHaider,

osdoiscomumaexpressãomuitosérianorosto.–Oquefoi?–questiono.– Precisamos conversar. – Nazeera olha para Castle. – Seu nome é Castle,

certo?Eleassente.–Sim,seiquevocêsabemuitosobreumassunto,Castle,entãovouprecisarda

sua ajuda para também entender. –Nazeera ergue o dedo no ar para traçar um

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círculoentrenósquatro.–Precisamosconversar.Agora.

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Juliette

Issodenãoconhecerapazémuitoestranho.Issodesaberque,nãoimportaaondevocêvá,nãoexistenenhumsantuárioàespera.Queaameaçadadorseencontrasempreaumsussurrodedistância.Nãoestouseguratrancafiadaemmeioaessasquatroparedes.Nuncaestiveseguraaosairdecasaetampoucosenti qualquer segurança nos 14 anos que vivi em casa.O hospíciomata aspessoasdiaapósdia,omundojáaprendeuatermedodemimeminhacasaéomesmo lugar onde meu pai me trancava no quarto toda noite e minha mãegritavacomigoporqueeueraaabominaçãoqueelaforaforçadaacriar.Diziaqueerameurosto.Havia algo no meu rosto, alegava, que ela não suportava. Algo em meus

olhos,nojeitocomoeuaolhava,nofatodeeusimplesmenteexistir.Sempremedizia para parar de olhar pra ela. Sempre gritava isso. Como se eu pudesseatacá-la.Paredeolharparamim,gritava.Parejádeolharparamim,gritava.Certavez,colocouminhamãonofogo.Sóparaversequeimava,explicou.Sóparatercertezadequeeraumamão

normal,insistiu.Eutinha6anosquandoissoaconteceu.Lembroporquefoinodiadomeuaniversário.

–EXCERTODOSDIÁRIOSDEJULIETTENOHOSPÍCIO

– Esquece – é tudo o que digo quando Kenji aparece à porta dos meusaposentos.– Esquece o quê? – Ele estica a perna para segurar a porta, que já está se

fechando.Então,conseguepassar.–Oqueestáacontecendo?– Deixa pra lá, não quero conversar com nenhum de vocês. Por favor, vão

embora.Ou talvez possam ir direto para o inferno. Para ser sincera, não estounemaí.Kenjiparecechocado,comoseeutivesselhedadoumtapanacara.

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–Vocêestá…Espereaí…estáfalandosério?–Nazeeraeeuvamossairparaosimpósioemumahora.Precisomearrumar.–Oquê?Oqueestáacontecendo,J?Qualéoseuproblema?Viro-meparaencará-lo.–Oqueestáacontecendocomigo?Ah,claro.Comosevocênãosoubesse!Kenjipassaamãopeloscabelos.–Bem,eusoubeoqueaconteceucomWarner,éverdade,mastenhocertezade

que vi vocês dois dando uns amassos no corredor, então fiquei, hum…Fiqueimuitoconfuso.–Elementiuparamim,Kenji.Mentiuparamimessetempotodo.Mentiusobre

tantascoisas.Castletambém.Evocêtambém…–Espere,comoéqueé?–Kenjiagarrameubraçoquandoolhoparaooutro

lado. – Espere. Não menti para você sobre merda nenhuma. Não me envolvanesserolo.Eunãotivenadaavercomoqueaconteceu.Droga,atéagoranãoseioquedizeraCastle.Nãoacreditoqueelemantevetudoissoescondidodemim.De repente, fico paralisada, meus punhos se fechando, agarrando-se a uma

esperançarepentinaconformearaivavaiganhandoforça.–VocênãofezpartedetudoissocomCastle?–indago.–Não.Nemferrando.Eunãotinhaideiadessaloucuratodaatéontem,quando

Warnermecontou.Hesito.Kenjireviraosolhos.–Bem,eporqueeudeveriaacreditaremvocê?–pergunto,minhavozaguda

comoadeumacriança.–Todomundoandoumentindoparamim…–J…–chama,negandocomacabeça.–Qualé?Vocêmeconhece.Sabeque

nãocurtoessasbesteiras.Nãoémeuestilo.Engulo em seco, de repenteme sentindo pequena. De repente, sentindomeu

interior se desfazer. Meus olhos ardem enquanto tento sufocar o impulso daslágrimas.–Vocêjura?–Ei!–falabaixinho.–Venhacá,mocinha.Discretamentedouumpassoàfrenteeelemeabraça,calorosoeforteeseguro

e nuncame senti tão grata por essa amizade, pela existência constante dele emminhavida.–Vaificartudobem–sussurra.–Eujuro.–Mentiroso–fungo.–Ué,temcinquentaporcentodechancedeeuestarcerto.–Kenji?–Sim?

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–Seeudescobrirqueestámentindoparamimsobrequalquercoisaem tudoisso,juroporDeusquevouarrebentarcadaossinhodoseucorpo.Eledáumarisadarápida.–Sim,tudobem.–Estoufalandomuitosério.–Claro.–Edátapinhasdelevenaminhacabeça.–Voumesmo.–Eusei,princesa.Eusei.Algunssegundosmaisdesilêncio.Eentão–Kenji–chamo-o,baixinho.–Sim?–ElesvãodestruiroSetor45.–Quemvai?–Todomundo.Kenjiempurraocorpoparatrás.Arqueiaumasobrancelha.–Todomundoquem?–Todososcomandantessupremos–respondo.–Nazeeramecontoutudo.OrostodeKenjiéinesperadamenteestampadoporumsorrisoenorme.–Ah,entãoNazeeraédo timedobem,é?Elaestádonosso lado?Tentando

ajudar?–Ah,meuDeus,Kenji,porfavor,foco…–Sóestoudizendo…–começa,erguendoamão.–Agarotaéomáximo,ésó

issoqueestoudizendo.Reviroosolhos.Tentonãorirenquantosecoaslágrimaserrantes.–Então…–Eleacenacomacabeçaparamim.–Oqueestárolando?Preciso

dedetalhes.Quemestávindo?Quando?Como?Oquemais?–Nãosei–respondo.–Nazeeraaindaestá tentandodescobrir.Elaachaque

devemchegarnapróximasemana,maisoumenos.Osfilhosestãoaquiparamemonitorare transmitir informaçõesa seuspais,mascompareceramaosimpósioespecificamenteporqueparecequeoscomandantesqueremsabercomoosoutroslíderesdossetoresvãoreagiraomeverem.Nazeeracomentouqueachaqueasinformaçõesqueelesvãoenviarpodemservirparaajudaraplanejarospróximospassos.Aoquemeparece,podeserumaquestãodedias.Empânico,Kenjificadeolhosarregalados.–Putamerda!–Poisé,masalémdeacabarcomoSetor45,elestambémplanejammelevar

como prisioneira. ORestabelecimento querme prender outra vez, ao que tudoindica.Sejaláoqueissosignifica.

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–Prendervocêoutravez?–Kenjifranzeatesta.–Porqualmotivo?Paramaistestes?Tortura?Fazeroquequeremcomvocê?Balançoacabeçadeumladoparaooutro.– Não sei. Não tenho ideia de quem sejam essas pessoas. Minha irmã… –

Ainda sinto estranheza ao pronunciar essas palavras. – Ela parece ainda estarsendovítimadetestesesendotorturadaemalgumlugarporaí.Tenhocertezadequenãovãomelevarparaumgrandereencontrodefamília,entende?–Uau!–Kenjiesfregaamãonatesta.–Issoéumdramaquealcançatodoum

novopatamar.–Poisé.–Mas…oquevamosfazer?Hesito.–Nãosei,Kenji.ElesvirãomatartodomundodoSetor45.Nãoachoqueeu

tenhaescolha.–Oquequerdizercomisso?Ergooolhar.–Querodizerquetenhocertezadequetereidematá-losprimeiro.

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Warner

Meucoraçãobatefrenéticonopeito.Minhasmãosestãoúmidas,instáveis.Masnão tenho tempo de enfrentar minha mente. As confissões de Nazeera podemcustar minha sanidade. Só posso torcer para que esteja errada. Só posso teresperança de que o tempo provará que ela está desesperada e terrivelmenteerradaenãohátempo,temponenhum,paralidarcomnadadisso.Nãotenhocomocriarespaçonomeudiaparaessasemoçõeshumanasfrágeiseincertas.Precisovivernoaquienoagora.Emminhaprópriasolidão.Sefornecessário,hojesereiapenasumsoldado,umrobôperfeito,deespinha

ereta, olhos que não entregam nenhuma emoção, enquanto nossa comandantesupremaJulietteFerrarssobeaopalco.Hoje estamos todos aqui, um pequeno batalhão posicionado atrás dela como

suaprópriaguardapessoal:eu,Delalieu,Castle,Kenji,Ian,Alia,Lily,BrendaneWinston. Até mesmo Nazeera e Haider, Lena, Stephan, Valentina e Nicoláspermanecematrásdenós, fingindodemonstrarapoioquandoJuliettedá inícioaseudiscurso.SófaltamSonya,Sara,KenteJames,queficaramparatrás,nabase.Nosúltimostempos,KentnãoseimportamuitocomquasenadaalémdemanterJames longe de perigo, e não tenho como culpá-lo. Às vezes também sintovontadedepoderdeixaressavidadelado.Apertoosolhoscomforça.Endireitoocorpo.Sóqueroqueissoacabelogo.O local do simpósio bianual é de acesso relativamente fácil, mas em

reconhecimento à nossa comandante suprema, o evento foi transferido para oSetor45,umesforçopossibilitadoexclusivamenteporDelalieu.Possosentirtodoonossogrupopulsarcomdiferentestiposeníveisdeenergia,

mas tudo está tão misturado que sequer consigo diferenciar medo de apatia.Então,concentro-menopúblicoeemnossalíder,jáquesuasreaçõessãoopontomais importante.Ede todososmuitoseventosesimpósiosemque jáestiveaolongodosanos,nuncasentiumacargatãoelétricavindadamultidãoquantosintoagora.

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Quinhentos e cinquenta e quatro de meus colegas comandantes-chefes eregentesestãonaplateia,assimcomoseusespososouesposaseváriosmembrosde sua equipemais próxima. É algo sem precedentes: todos os convites foramaceitos. Ninguém queria perder a oportunidade de conhecer a nova líderadolescente da América do Norte. Estão fascinados. Famintos. Lobos em pelehumana,ansiososporrasgaracarnedajovemgarotaquejásubestimaram.Se os poderes de Juliette não conferissem a seu corpo um certo grau de

invencibilidade funcional, eu estaria extremamente preocupado ao vê-la paradaalisozinha,desprotegida,diantedetodososseusinimigos.Oscivisdestesetorpodem estar torcendo por ela, mas o restante do continente não tem o menorinteressenotipodeperturbaçãoqueela trouxeaessas terrasounaameaçaqueela significa às posições deles noRestabelecimento.Os homens e asmulheresdiante dela hoje são pagos para serem leais a outro grupo. Não têm nenhumasimpatiaporsuacausa,porsualutapelaspessoascomuns.Nãofaçoideiadequantotempovãodeixá-lafalarantesdeaatacarem.Masnãotenhoqueesperarmuito.Juliette mal deu início a seu discurso – apenas começou a expor as muitas

falhasdoRestabelecimentoeanecessidadedeumnovocomeço–eamultidãoderepenteficaagitada.Aspessoasselevantam,erguemospunhos,eminhamentesedesligaquandogritamcomela,oseventossedesenrolandodiantedosmeusolhoscomoseacontecessememcâmeralenta.Elanãoreage.Uma,duas,dezesseispessoasestãoempéagora,eelacontinuafalando.Metadedasalacomeçaavociferarpalavrasfuriosasemsuadireçãoe,agora,

consigo sentir Juliette ficando cada vez mais furiosa, sua frustração ganhandoforça,masdealgumamaneira ela se controla.Quantomaisprotestam,mais elaergue a voz, está falando tão alto que praticamente berra. Olho rápido para oespaço entre ela e amultidão,minhamente trabalhandodesesperadamenteparadecidiroquefazer.Kenjimeencaraenósdoiscompreendemosumaooutrosemprecisarpronunciarumaúnicapalavra.Temosdeintervir.JulietteagoraestádenunciandoosplanosdoRestabelecimentodeextinguiras

línguasealiteratura;estáexplicandosuasesperançasdelevaroscivisparaforadosgalpões;acabadecomeçaraabordaraquestãodoclimaquandoouvimosumtironasala.Eentão,sobrevémummomentodeperfeitosilêncioantesde…Juliettepuxara

balaentortadadesuatesta.Jogá-lanochão.Olevetintilardometalnomármorereverberapeloespaço.Caosemmassa.Centenasecentenasdepessoasderepenteestãodepé,todasgritandocomela,

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ameaçando-a, apontando suas armas para ela, e consigo sentir, consigo sentir asituaçãofugindodocontrole.Maistirosecoameosegundodequeprecisamosparaformularumplanojáé

tempodemais.Brendancainochãocomumaarfadarepentinaehorrível.Winstongrita,seguraocorpodocolega.Eéisso.Derepente,Julietteficaparalisada;eminhamenteficalenta.Consigosentirantesdeacontecer:sintoamudança,aestáticanoar.Ocalorem

voltadela,asondasdepoderemanandodeseucorpocomoraiosprestesacairenão tenho tempo para fazer nada além de segurar a respiração quando, derepente…Juliettedáumgrito.Demorado.Alto.Violento.O mundo parece se tornar uma mancha por um segundo – por apenas um

momento tudocessa,congela:corposcontorcidos; rostos furiososedistorcidos;tudocongeladonotempo.As placas que formam o chão se levantam e se estilhaçam. Estouram como

trovõesaoatingiremasparedes.Aslumináriasbalançamprecariamenteantesdecaíremnochão.Eentão,todomundo.Cadaumadaspessoasemseucampodevisão.Quinhentasecinquentaequatro

pessoas e todos os seus convidados. Seus rostos, seus corpos, os assentos queocupam,tudodilaceradocomosefossempeixesfrescos.Suacarneérasgadaparafora, amontoando-se lentamente enquanto uma contínua torrente de sangueacumula-seempoçasemvoltadeseuspés.Todoscaemmortos.

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Juliette

Hojecomeceiagritar.

–EXCERTODOSDIÁRIOSDEJULIETTENOHOSPÍCIO

VocêestavafelizVocêestavatristeVocêestavacommedoVocêestavacomraivaquandogritoupelaprimeiravez?Você estava lutando por sua vida sua decência sua dignidade sua

humanidadeQuandoalguématocaagora,vocêgrita?Quandoalguémsorriparavocê,vocêretribuiosorriso?Elepediuparavocênãogritareletebateuquandovocêchorou?Eletinhaumnarizdoisolhosdoislábiosduasbochechasduasorelhasduas

sobrancelhas?Eraeleumhumanoparecidocomvocê?Cor,suapersonalidade.Formasetamanhossãovariedades.Seucoraçãoéumaanomalia.Suasaçõessãoosúnicostraçosquevocêdeixaparatrás.

–EXCERTODOSDIÁRIOSDEJULIETTENOHOSPÍCIO

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Àsvezesachoqueassombrassemovimentam.Àsvezesachoquealguémpodeestarobservando.Às vezes essa ideia me assusta e às vezes essa ideia me torna tão

absurdamentefelizquenãoconsigoparardechorar.Eentãoàsvezesachoquenão tenhoamenor ideia de quando comecei a perder a sanidadeaqui.Nadamais parece real e não sei dizer se estou gritando ou se só grito emminhacabeça.Nãoháninguémparameouviraqui.Paramedizerquenãoestoumorta.

–EXCERTODOSDIÁRIOSDEJULIETTENOHOSPÍCIO

Nãoseiquandocomeçou.Nãoseiporquecomeçou.Nãoseinadadenada,excetopelosgritos.

Minhamãegritandoquandopercebeuquenãopodiamaismetocar.Meupaigritandoquandosedeucontadoqueeutinhafeitocomminhamãe.Meuspaisgritando quandome trancavam em um quarto e me diziam que eu devia sergrata.Pormedaremcomida.Pelo tratamentohumanitáriodispensadoaessacoisaquenãotinhacomoserfilhadeles.Pelometroqueusavamparamediradistâncianecessáriaparamemanterlonge.Euarruineiavidadeles,éoquemediziam.Roubeisuafelicidade.Destruíaesperançademinhamãeteroutrofilho.Eu não conseguia ver o que tinha feito? é o que me perguntavam. Não

conseguiaverquetinhaestragadotudo?Tenteitantoarrumaroquetinhaestragado.Tentavasertodososdiasoque

eles queriam. Tentava o tempo todo ser melhor, mas nunca realmente soubecomo.Sóagoraseiqueoscientistasestãoerrados.Omundoéplano.Sei porque fui jogadadabeira doabismo e tentome segurar hádezessete

anos. Venho tentando escalar de volta há dezessete anos, mas é quaseimpossívelvenceragravidadequandoninguémestádispostoalhedaramão.Quandoninguémquercorreroriscodetocaremvocê.

–EXCERTODOSDIÁRIOSDEJULIETTENOHOSPÍCIO

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Jáestoulouca?Seráquejáaconteceu?Comovousaber?

–EXCERTODOSDIÁRIOSDEJULIETTENOHOSPÍCIO

Háuminstantedesilênciopuroeperfeitoantesdetudo,tudoexplodir.Emumprimeiromomento,nemmedoucontadoque fiz.Nãoentendooqueacaboudeacontecer.Eunãoqueriamataressaspessoas…Eentão,derepenteSouacometidaporissoArepentinapercepçãodequeacabeideassassinarseiscentaspessoasemuma

sala.Pareceimpossível.Parecefalso.Nãoouvibalas.Nãohouveexcessodeforça

nemviolência.Sóumgritolongoefurioso.–Paremcomisso–gritei.Fecheiosolhoscomforçaegritei,raivaemágoae

exaustão e uma devastação esmagadora enchendo meus pulmões. O peso dasúltimas semanas, a dor de todos esses anos, o constrangimento das falsasesperançascriadasemmeucoração,atraição,aperda…Adam.Warner.Castle.Meuspais,reaiseimaginados.Umairmãqueeutalvezjamaisconheça.As mentiras que compõem minha vida. As ameaças contra os inocentes do

Setor 45.Amorte certa queme aguarda.A frustração de ter tanto poder, tantopoder,emesentirtãocompletamenteimpotente.–Porfavor–gritei.–Porfavor,parem…Eagora…Agoraisso.Meus membros ficaram paralisados de descrença. Meus ouvidos parecem

cheiosdevento;amente,desligadadocorpo.Eunãopoderia termatado tantaspessoas,penso,nãopoderiatersimplesmentematadotodasessaspessoas,issoéimpossível,penso,nãoépossívelnãoépossívelqueabriabocaeaconteceuissoKenjiestátentandomedizeralgumacoisa,algumacoisacomotemosquesair

daqui,temosqueiremboraagora…Masestouentorpecida,estoufraca,incapazdecolocarumpénafrentedooutro

ealguémestámepuxandoemeforçandoamemexereouçoexplosõesEderepenteminhamentefunciona.Arfoemeviro,procurandoKenji,maselenãoestámaisaqui.Comacamisa

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ensopadadesangue,estásendoarrastadoparalonge,olhosapenasentreabertoseWarnerestádejoelhos,comasmãosparatrás,algemadasCastleestáinconscientenochão,sangueescorrendolivrementedeseupeitoWinstoncontinuagritando,mesmoenquantoalguémoarrastaparalongeBrendanestámortoLily,Ian,Alia,mortosEaindaestou tentando religarminhamente, tentandovencerochoqueque se

apossoudomeucorpoeminhacabeçaestágirando,girando,evejoNazeeradecantodeolho,elaestácomacabeçaapoiadanasmãos,ealguémme tocaeeupuloEumeviro–Oqueestáacontecendo?–perguntoaninguémemparticular.–Oqueestá

havendo?–Vocêfezumtrabalhomaravilhosoaqui,minhaquerida.Realmentenosdeixou

orgulhosos.ORestabelecimentoagradecemuitoossacrifíciosquefez.–Quemévocê?–questiono,enquantoprocuroavozdesconhecida.Eentãoosvejo,umhomemeumamulherajoelhadosdiantedemim,esóentão

me dou conta de que estou deitada no chão, paralisada.Meus braços e pernasestão presos com fios elétricos que pulsam. Tento lutar contra eles, mas nãoconsigo.Meuspoderesforamdesligados.Ergo o rosto na direção dos estranho, meus olhos estão arregalados e

aterrorizados.–Quemsãovocês?–insisto,aindamerebelandocontraosfiosquememantêm

presa.–Oquequeremdemim?–SouacomandantesupremadaOceania–amulherseapresenta,sorrindo.–

Seupaieeuviemosaquiparalevá-laparacasa.

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Warner

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Juliette

Porque você não semata de uma vez? alguémcerta vezmeperguntounaescola.Achoqueeraumadessasperguntasquetêmcomoobjetivosercruel,masfoi

aprimeira vezque contemplei apossibilidade.Fiquei sem saberoquedizer.Talvezeu fosse loucaporconsiderara ideia,massempre tiveaesperançadequesefosseumameninaboaobastante–sefizessetudocerto,sedissesseascoisascertasousimplesmentenãodissessenada–,talvezmeuspaismudassemde ideia. Pensei que pudessem finalmente me ouvir quando eu tentasseconversar. Pensei que pudessem me dar uma chance. Pensei que pudessemfinalmentemeamar.Sempretiveessaesperançaridícula.

–EXCERTODOSDIÁRIOSDEJULIETTENOHOSPÍCIO

Quandoabroosolhos,vejoestrelas.Dezenas delas. Estrelinhas de plástico grudadas no teto. Brilham fraquinhas

coma leve luminosidade,entãomesento,cabeça latejando,e tentomeorientar.Há uma janela à minha direita, uma cortina transparente filtrando os tonsalaranjadoseazuisdopôrdosol,forçandoaluzaentraremângulosestranhosnoquarto.Estousentadaemumacamapequena.Ergoorosto,olhoemvolta.Tudoérosa.Cobertorrosa,travesseirosrosa.Tapeterosanochão.Confusa, tentomelevantaremeviro,eentãodescubroqueexisteoutracama

idênticaaqui,mascomoslençóisroxos.Etravesseirosroxos.Oquartoédivididoporumalinhaimaginária,cadametadeigualàoutra.Duas

escrivaninhas: uma rosa, uma roxa. Duas cadeiras: uma rosa, uma roxa. Duascômodas,doisespelhos.Rosa,roxo.Florespintadasnasparedes.Umamesinhaecadeirasdeumlado.Umaararacomvestidos felpudos.Umacaixade tiarasnochão.Umcavaletecomlousanocanto.Umcestodebaixodajanela,cheioatéa

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bordacombichosdepelúcia.Issoéumquartodecriança.Sintomeucoraçãoacelerar.Minhapeleesquentaeesfria.Aindasintoumaperdadentrodemim–umapercepção inerentedequemeus

poderes não estão funcionando – e só então me dou conta de que há algemaselétricas, brilhando, presas em meus punhos e tornozelos. Tento puxá-las, usotodasasminhasforçasparaabri-las,maselasnãosaemdolugar.Sintoopânicocresceracadainstante.Corro na direção da janela, desesperada por conseguir me localizar – por

algumaexplicaçãodeondeestou,poralgumaprovadequeissotudonãopassadeumaalucinação–,masmedecepciono.Avisãoquetenhodajanelasómedeixaaindamaisconfusa.Éumavista impressionante.Colinasinfinitas,montanhasaolonge.Umlagoenormeereluzente,refletindoascoresdopôrdosol.Élindo.Douumpassoparatrás,sentindo-mesubitamentemaisaterrorizada.Meusolhosapontamparaamesaeparaacadeirarosa,analisamasuperfície

embuscadealgumapista.Sóvejopilhasdecadernoscoloridos.Umacanecadeporcelana repleta de canetinhas glitter e hidrocor. Várias páginas de adesivosfluorescentes.Minhasmãostrememaoabriragaveta.Alidentro,encontropilhasdecartasefotosantigas.Numprimeiromomento,sóconsigoficarolhandoparaelas.Meusbatimentos

cardíacos ecoam na cabeça, tão fortes que quase os sinto na garganta. Minharespiração é rápida e curta. Sinto a cabeça girar e pisco uma vez, duas vezes,forçando-meamemanterfirme.Asercorajosa.Lentamente,muitolentamente,pegoapilhadecartas.Só preciso olhar para os endereços para saber que elas são de antes do

Restabelecimento. Todas foram enviadas aos cuidados de Evie e MaximillianSommers.AumaruaemGlenorchy,NovaZelândia.NovaZelândia.Entãome recordo,arfandobruscamente,do rostodohomemedamulherque

mecarregaramparaforadosimpósio.Sou a comandante suprema daOceania, ela disse. Seu pai e eu viemos aqui

paralevá-laparacasa.Fechoosolhoseestrelasexplodemnaescuridãoportrásdeminhaspálpebras,

deixando-me fraca. Sem ar. Abro os olhos. Meus dedos parecem frouxos,desajeitadosenquantoabremacartanotopodapilha.Éumanotabreve,datadadedozeanosatrás.

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M&E,Tudoestábem.Encontramosparaelaumafamíliaadequada.Aindanenhumsinaldepoderes,masficaremosdeolhonela.Todavia,devoadverti-losparaque a esqueçam. Ela e Emmaline tiveram suas memórias apagadas. Nãoperguntammaisdevocês.Estaseráminhaúltimaatualização.P.Anderson

P.Anderson.ParisAnderson.OpaideWarner.Analiso o quarto com novos olhos, sentindo um frio terrível se arrastar por

minha espinha conforme as informações absurdas sobre essa loucura recém-descobertasereúnememminhamente.Ovômitoameaçasubir.Engulo-ooutravez.Agoraestouolhandoparaapilhade fotos intocadasdentrodagavetaaberta.

Achoqueperdiassensaçõesemalgumaspartesdorosto.Mesmoassim,forço-measegurarasfotografias.Aprimeiraéumaimagemdeduasgarotinhascomvestidosamarelosiguais.As

duastêmcabeloscastanhosesãoumpoucomagras;estãodemãosdadasnatrilhadeumjardim.Umaolhaparaacâmera;aoutra,paraospés.Viroafotografia.PrimeirodiadeEllanaescola.Apilhade fotos cai deminhasmãos trêmulas, espalhando-sepor todaparte.

Todos osmeus instintos gritam comigo, soam seus alarmes, imploram-me paracorrer.Saia,tentogritarparamimmesma.Saiajádaqui.Masminhacuriosidadenãomepermite.Algumasdasfotografiascaíramviradasparacimasobreamesa.Nãoconsigo

parardeolhá-las,ocoraçãobatendofortenosouvidos.Comcuidado,recolho-as.Trêsgarotinhasde cabelos castanhos estãoparadas ao ladodebicicletas um

pouco grandes demais para elas. Olham umas para as outras, rindo de algumacoisa.Viroafotografia.Ella,EmmalineeNazeera.Semrodinhasparaajudar.Arfo e o barulho me sufoca ao escapar do peito. Sinto meus pulmões se

comprimirem e estendo amão, agarrando amesa parame equilibrar. Sinto-meflutuando,transtornada.Presaemumpesadelo.Passoasfotografias,agoradesesperada,minhamentetrabalhandomaisrápido

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queasmãosconformeasmanuseio,tentandoefracassandoemminhatentativadeinterpretaroqueestouvendo.Aimagemseguintemostraumamenininhademãosdadascomumhomemmais

velho.EmmalineePapa,diznoverso.Outrafoto,essadasmeninassubindoemumaárvore.OdiaemqueEllatorceuotornozeloEoutra,comrostosembaçados,boloevelas…Aniversáriode5anosdeEmmalineEmaisuma,dessavezaimagemdeumbelocasal…PariseLeila,vindoparaoNatalEcongelochocadasintooardeixandomeucorpo.Agoraseguroapenasumafotoesintoanecessidadedemeforçar,deimplorar

amimmesmaparaolharparaafotoemminhamãotrêmula.Éaimagemdeummenininhoaoladodeumamenininha.Elaestásentadaem

umaescada.Eleaobservaenquantoelacomeumpedaçodebelo.Viroafoto.

AaroneElla

étudooquediz.Tropeço para trás, cambaleando, e caio no chão. Todo o meu corpo está

sofrendoumataque,tremendodeterror,deconfusão,deimpossibilidade.

De repente, como se fosse uma deixa, alguém bate à porta.Umamulher – amulherdeantes,umaversãomaisvelhadamulhernasfotografias–enfiaacabeçapelaentradadoquarto,sorriparamimediz:–Ella,querida,nãoquersairumpouco?Seujantarjáestáesfriando.Etenhocertezadequevouvomitar.

Oquartopendeaomeuredor.Vejoborrõessinto-mecambaleandoeentão…derepente

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Omundoétomadopelaescuridão.

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