Exercício 02 – Projeto de Paisagem – Forma urbana e espaços livres.
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XI COLÓQUIO QUAPA SEL – QUADRO DO PAISAGISMO NO BRASIL SALVADOR – BAHIA - UFBA
ESPAÇOS LIVRES NAS MARGENS DE RIOS URBANOS:
Padrões de acessibilidade em Goiânia e Florianópolis
CARINNA, Soares de Sousa (1); ALMIR, Francisco de Reis (2);
(1) Universidade Federal de Santa Catarina; Mestranda; Florianópolis, SC; [email protected]
(2) Universidade Federal de Santa Catarina; PhD, Professor do PósARQ; Florianópolis, SC; [email protected]
RESUMO
Este artigo parte das investigações iniciais de uma pesquisa que busca o aprofundamento na
problemática em torno das relações construídas entre ambiente natural e construção urbana, mais
especificamente sobre os conflitos existentes nas margens de cursos d’água em meio urbano. Foram
realizadas análises descritivas das características do meio natural em duas cidades, assim como as
influências sobre seus diferentes processos de construção urbana. Os objetos de estudo foram duas
Bacias Hidrográficas, uma em cada cidade, a fim de estudar as diferentes inter-relações
desenvolvidas entre tecido urbano e margens dos cursos d’água. Entendendo como cada situação
interferiria no processo de reconectar homem e meio natural, é defendido o equilíbrio entre a
intangibilidade de leis ambientais e a apropriação das margens como forma de verdadeiramente
preservar o meio ambiente nas cidades.
Palavras-chave: Morfologia urbana; Cursos d’água; Integração; Urbanidade;
OPEN SPACES ON URBAN WATER STREAM MARGINS:
Accessibility patterns in Goiânia and Florianópolis
ABSTRACT This article comes from an initial investigation of a research that search for deepening on the
problematic behind the relations between natural environment and urban development, more
specific on the existent conflicts between the margins of water streams and urban spaces.
Descriptive analyses were made on the natural environment characteristics of two different cities
and on the influences of their different urbanization process. The study objects were two
watersheds, one in each city, in order to study the different interrelation developed between urban
fabric and the water stream margins. Understanding how each situation would interfere on the
process of trying to reconnect men and natural elements, it is defended a balance between
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intangibility of preservations laws and the appropriation of those natural elements by the local
population as the right way of preserving natural environment.
Key-words: Urban Morphology; Water streams; Integration; Urbanity;
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
As cidades, em geral, tem se desenvolvido com uma relação crítica com seus cursos d’água. Estes,
antes essenciais para validar a escolha de um território, perderam parte de suas funções e se
transformaram em áreas marginalizadas e irreconhecíveis por sua população após as transformações
dos modos de produção e transporte no século XIX. No presente, como foi apontado por Otto,
McCormick e Lecese (2004), após anos de exploração dos rios urbanos, através de uso intenso e
posterior negligência, constatou-se que eles são valiosos econômica e socialmente.
Este trabalho deriva desta nova postura ante os problemas urbano-ambientais, visando compreender
as especificidades da relação construída entre espaço urbano e cursos d’água em diferentes cidades,
a fim de poder contribuir para o restabelecimento de um contato equilibrado entre ambos. Baseada
em leituras contemporâneas (entre outros, Mello, 2009 e Gorski, 2010), parte da ideia de que este
equilíbrio só é possível através da criação de condições de urbanidade nas margens dos cursos
d’água. Urbanidade, palavra chave neste contexto, é o termo utilizado por Holanda (2002) como
“aquilo que qualifica a vida urbana, no sentido da interação entre os cidadãos no espaço coletivo, da
promoção do encontro e do convívio social” e, no que diz respeito ao tema em tela, “da interação
harmônica entre as pessoas e o corpo d’água” (MELLO, 2008: 42).
Também é compreendida a necessidade de estabelecer um ponto de equilíbrio entre duas visões
extremistas existentes sobre a preservação de cursos d’água em meio urbano - uma estritamente
ambientalista e a outra estritamente urbanística. Este equilíbrio é alcançado buscando alternativas
entre o princípio da intangibilidade dos cursos d’água, defendido pela legislação, e a excessiva
artificialização de suas margens, promovida pela urbanização especulativa. Esse meio-termo
recupera a função urbana e a função ambiental dos mananciais através de uma relação efetiva entre
os mesmos e o tecido urbano, preservando-os e ao mesmo tempo permitindo sua apropriação –
consequentemente o cuidado – pela população.
Para possibilitar um estudo dos resultados de diferentes processos urbanos em relação aos cursos
d’água, foram escolhidas duas bacias hidrográficas, em áreas urbanas já consolidadas, situadas em
biomas diferentes e com um histórico de ocupação também diferente: a bacia do Córrego Cascavel,
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na cidade de Goiânia, e a bacia do Rio Itacorubi, na cidade de Florianópolis. Estas permitiram uma
comparação ideal para este trabalho, pois mesmo com diferenças significativas possuem, junto a
seus mananciais, paisagens e processos de marginalização semelhantes.
Nesta linha de pensamento, a hipótese central testada neste trabalho é de que, apesar de
observarmos o mesmo comportamento de desvalorização nas margens de cursos d’água em cidades
diferentes, determinadas características geomorfológicas e processos específicos de urbanização
criam inter-relações diferentes entre as margens dos mananciais e o tecido urbano.
Consequentemente, cada inter-relação teria um papel importante, como facilitador ou inibidor, no
desenvolvimento de urbanidade e restabelecimento do equilíbrio entre estes elementos.
Assim, o objetivo principal do trabalho é identificar as semelhanças e diferenças das inter-relações
criadas entre as ocupações urbanas e cursos d’água internos às duas bacias hidrográficas
selecionadas.
Constituem objetivos específicos do trabalho:
Relacionar as características geomorfológicas das duas bacias hidrográficas;
Estudar os processos de crescimento urbano internos às bacias, relacionando-os com o
processo de desenvolvimento das cidades em que se inserem;
Analisar a relação entre o traçado urbano e os cursos d’água nas duas realidades através da
inter-relação entre a rede dos cursos d’água e os mapas sintáticos.
Com estas finalidades, foram combinados estudos bibliográficos com mapeamentos, análises e
agrupamento de informações geomorfológicas e de desenvolvimento urbano. Também foi preciso
estabelecer uma linha temporal sobre a construção do tecido urbano das duas cidades utilizando as
leituras de Solá-Morales (1997), Reis (2012) e Ribeiro (2004) como apoio para compreender as
especificidades de cada desenvolvimento e expansão urbana.
Para analisar melhor a relação desenvolvida entre tecido urbano e elementos naturais, foi realizada
uma análise com o auxílio das técnicas desenvolvidas pela Sintaxe Espacial e apresentadas por Hillier
(1993), Peponis; Wineman (2002) e Holanda (2002).
A teoria da Sintaxe Espacial surge na década de 80 como uma nova abordagem à análise
configuracional, social e cultural do espaço urbano através de Bill Hillier, Allan Penn e Julienne
Hanson (1984), entre outros colaboradores, com a intenção de, por meio da Sintaxe Espacial, utilizar
métodos analíticos capazes de lidar com diferentes escalas, investigando o sistema através de suas
partes, que são exploradas e percebidas, com o objetivo de descrever o sistema como um todo,
medindo e definindo o padrão de suas relações (KARIMI, 2012. PEPONIS, 1992).
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Ao analisar o sistema e suas partes, se iniciava uma compreensão sobre os padrões de movimento
criados sobre determinada estrutura espacial. Logo, a possível previsibilidade dos movimentos se
tornou um foco tão importante da análise quanto à configuração do sistema em si.
Assim, ao adotar a teoria da Sintaxe Espacial como ferramenta de leitura do espaço, entende-se que
a estrutura espacial urbana gera uma malha que predetermina segmentos que serão mais integrados
e conectados ao todo. Na Sintaxe Espacial, a Integração mede o potencial de acessibilidade
topológica de um segmento da malha urbana – medida que não leva em conta a distância métrica e
sim a quantidade de mudanças de direção realizadas em relação ao sistema como um todo. Assim,
define o quão rasa (mais integrada) ou profunda (mais segregada) uma linha é em relação ao seu
próprio sistema.
Por fim, pesquisas têm demonstrado que o grau de Integração de uma determinada linha, está
fortemente relacionado com o número de pessoas que se movem nela e esta relação sugere que
este movimento tem uma lógica espacial probabilística (PEPONIS, 1992). Logo, através da análise da
Integração em um sistema, podemos compreender a lógica com que as pessoas usam o espaço e se
movimentam nele, sendo possível prever potencialidades de apropriações nas adjacências das
margens dos cursos d’água em análise e, consequentemente, compreender qual caso em análise tem
maior predisposição de ter margens com urbanidade e equilíbrio entre uso e proteção das mesmas.
2 NATUREZA E CIDADES DIFERENCIADAS: CARACTERIZAÇÃO DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS
DO ITACORUBI EM FLORIANÓPOLIS E DO CASCAVEL EM GOIÂNIA
A Bacia Hidrográfica do Córrego Cascavel e do Rio Itacorubi se situam, respectivamente, na cidade de
Goiânia, Goiás, e na cidade de Florianópolis, Santa Catarina (figura 01).
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Figura 01: Localização de Goiânia e Florianópolis. Elaboração própria. 2016.
IMAGEM A Bacia Hidrográfica do Córrego Cascavel, com 31,42 km², está inserida no bioma do
Cerrado em um contexto urbano marcado por medidas de planejamento da década de 30. Já a Bacia
Hidrográfica do Rio Itacorubi, com 28,45 km², está inserida no bioma da Mata Atlântica em uma
cidade com um processo espontâneo de ocupação colonial que remonta ao século XVII, em meio a
um território bastante acidentado.
Na figura 02 temos uma leitura inicial dos respectivos territórios através de uma análise descritiva do
meio natural no qual estão inseridos. A primeira diferenciação entre eles diz respeito à topografia do
terreno. Foram observados, em Goiânia, poucos pontos de alta declividade, alguns morros se
destacam na paisagem, mas como veremos a seguir, estes se encontram periféricos a área de maior
concentração urbana.
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Figura 02: Leitura do território e ambiente natural de Goiânia (à esquerda) e Florianópolis (à direita). Elaboração própria
através de mapas das prefeituras de Goiânia e Florianópolis assim como dados presentes em Almir (2012). 2016.
Em Florianópolis, o território é dominado por morros com altíssimas declividades. Estes, por estarem
presentes em todo o território, estão fortemente presentes na paisagem urbana e seu cotidiano.
Outra diferenciação é a presença de cursos d’água como barreiras naturais à ocupação do território.
Em Goiânia estas barreiras se formam através dos fundos de vale, que demarcam a rede hídrica da
região. Estes fundos de vale são estreitos, porém profundos, o que gera a sensação de ser um
terreno plano interrompido por barreiras facilmente transponíveis. Para amenizar esta imposição de
barreiras e aproveitar ao máximo a situação plana do território, obtendo uma cidade compacta e
sem limites à expansão urbana, Luís Saia, responsável pelo Plano Diretor de 1962, determinava que
as margens dos cursos d’água devessem ser interligadas através de pontes a cada 50 ou 100 metros
(RIBEIRO, 2004).
Já em Florianópolis, a barreira dos cursos d’água trabalha em escalas diferentes. A primeira delimita
a ocupação urbana através de sua configuração de território insular e a segunda é delimitadora no
interior do território, através da formação de lagoas. Os cursos d’água em si não possuem um papel
delimitador na ocupação urbana, mas estão presentes na construção da paisagem urbana a partir do
momento que estão inseridos em meio a elementos naturais bastante relevantes em meio ao
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território. Estes elementos, como mangues, restingas e dunas, formam as verdadeiras delimitações
naturais ao crescimento urbano em Florianópolis e geram conflitos entre a preservação do sistema
natural e a necessidade de expansão urbana.
A partir da figura 03 podemos observar, em geral, as diferenças na construção dos processos urbanos
em cada cidade.
Figura 03: Análise da construção dos processos urbanos em Goiânia (à esquerda) e Florianópolis (à direita). Elaboração
própria através de dados de Oliveira (2005) e Almir (2012). 2016.
Goiânia, uma cidade planejada na década de 30 como parte da política da Marcha para o Oeste, foi
implantada através de um núcleo central a 5 km da vila de Campinas, existente desde 1810. Assim,
sua expansão logo conectou os dois polos urbanos, absorvendo a vila ao domínio da nova capital em
1936. Na década de 50 a cidade passou a se expandir setorialmente, passando a criar diversas
centralidades no decorrer da seguinte década. Após a leitura do meio natural do sítio escolhido para
o levantamento da capital de Goiás, pode-se entender porque essa livre expansão por todo o
território foi possível, criando uma malha urbana compacta.
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Já em Florianópolis, a ocupação urbana se iniciou com a colonização vicentina e começou a se
consolidar com a colonização açoriana no século XVII, quando portugueses da ilha de Açores
receberam incentivos para mudar para a colônia no intuito de resolver o problema de
superpopulação da ilha. Esta ocupação, em meio a um território rico em barreiras naturais, se
formou de forma dispersa no território insular na tentativa de ocupar áreas próprias para
consolidação de casas e áreas de plantio, assim como ser uma forma de reforçar a ocupação
portuguesa sobre um território bastante estratégico entre os domínios portugueses e espanhóis.
Assim, a evolução histórica da ocupação urbana se deu, em primeiro momento, na densificação
destes núcleos iniciais e, em segundo momento, interligando-os através das poucas conexões viárias
possíveis entre uma topografia acidentada que reafirma a polinuclealidade ainda presente nesta
cidade.
Outro fator de diferenciação na construção das duas cidades se dá a respeito do crescimento
populacional, possuindo Goiânia, a capital do Estado de Goiás, 1.302.001 habitantes em 2010. Já
Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, contabilizava em 2010 421.240 habitantes.
Como consequência destas caracterizações naturais e urbanas, a imagem da construção urbana pode
ser sintetizada na figura 04. Possuindo Goiânia uma malha urbana claramente compacta e
homogênea, com cursos d’água que serviram como elementos de delimitação dos diferentes planos
de ocupação da cidade. Estes cursos constituíram elementos essenciais nos planos urbanísticos
criados desde 1930, que, partindo de premissas higienistas, os delimitavam como corredores verdes
em meio ao traçado urbano.
Enquanto isso, Florianópolis possui uma ocupação bastante dispersa com diferenciações muito claras
entre os diferentes núcleos urbanos com forte identificação na paisagem. Estas diferenciações abrem
o leque inicial de problemáticas e potencialidades por aonde cada cenário urbano e ambiental
conduzirá esta pesquisa.
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Figura 04: Área urbana consolidada em Goiânia (à esquerda) e Florianópolis (à direita). Elaboração própria baseada em
Oliveira (2005) e dados presentes em Google Earth. 2016.
3 TECIDO URBANO E CURSOS D’ÁGUA: UMA APROXIMAÇÃO MORFOLÓGICA
Nas análises sobre o tecido urbano e cursos d’água as Bacias Hidrográficas são analisadas. Assim, é
possível entender claramente as peculiaridades no desenho do traçado urbano, consequentes das
diferenças mencionadas no item dois deste trabalho. O presente estudo se concentra nas diferentes
inter-relações criadas entre cada malha urbana e seus respectivos cursos d’água, assim como na
previsibilidade dos padrões de movimento e apropriação identificados nas margens de cada curso
d’água em estudo.
A primeira característica diferenciadora entre as duas cidades se dá através da configuração do
tecido urbano. Como observamos na figura 05, a Bacia do Cascavel, em geral, possui um tecido
contínuo, possuindo poucos elementos de descontinuidade que se devem aos cursos d’água
existentes. Estes elementos configuram descontinuidades bem definidas, claras e rítmicas em meio
ao tecido urbano.
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Figura 05: Tecido urbano e cursos d’água internos às Bacias Hidrográficas do Cascavel, em Goiânia (à esquerda) e do
Itacorubi, em Florianópolis (à direita). Elaboração própria através de mapas das prefeituras de Goiânia e Florianópolis.
2016.
A Bacia do Itacorubi, por sua vez, possui um tecido urbano fragmentado por uma série de elementos
naturais. Estes formam um conjunto de predeterminações constituídas pela topografia, áreas não
ocupáveis, manguezais, dunas, morros e restingas que definem a polinuclealidade da cidade.
Um fator importante sobre a relação do tecido urbano interno às Bacias Hidrográficas em estudo e a
malha urbana como um todo é que em Goiânia, o tecido urbano presente na Bacia do Cascavel se
conecta diretamente com as demais porções da cidade, configurando assim uma parte pouco
destacada do sistema como um todo. Já em Florianópolis, o tecido urbano interno à Bacia do
Itacorubi constitui uma porção claramente delimitada do tecido da cidade. Deste modo, esta bacia
pode ser compreendida como parte legível dentro do sistema urbano da cidade, logo, possivelmente,
mais facilmente reconhecível no cotidiano e memória da população do que a Bacia do Cascavel, em
Goiânia.
A partir desta compreensão inicial sobre o tecido urbano é analisado o Mapa Axial de cada cidade.
Estes mapas são compostos por linhas axiais que são as maiores linhas retas capazes de cobrir o todo
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do sistema de espaços abertos de um determinado recorte urbano (HILLIER; HANSON, 1984), e
através de uma escala cromática revela o nível de acessibilidade de determinada linha axial em
relação às demais linhas do sistema. Esta escala indica os eixos mais integrados com cor vermelha, e
os mais segregados com cor azul. Em ambas as cidades foram analisadas a malha urbana contínua,
que corresponde a áreas conurbadas com cidades vizinhas. Os resultados desta podem ser
observados na figura 06.
Nesta análise é reconhecido que Goiânia possui seu núcleo mais integrado centralizado na porção
compreendida pelo núcleo inicial de ocupação do território, anterior a construção da cidade. Quanto
às áreas mais segregadas, estas se concentram em toda a periferia do sistema. Em Florianópolis, é
possível perceber que o núcleo integrador está concentrado no continente, no setor central do
território insular e na ligação entre as duas partes. Já suas áreas segregadas estão situadas nos
extremos tanto da Ilha quanto do continente.
Outra leitura importante pode ser feita através da análise da posição relativa das Bacias Hidrográficas
no Mapa Sintático de Integração Global. Como pode se observar na figura 06, a Bacia do Cascavel,
em Goiânia, está situada, em sua porção leste, no núcleo de integração do sistema. Já sua porção
oeste se dissolve em diferentes níveis de integração como transição para as linhas periféricas e mais
segregadas do sistema. Em Florianópolis, a Bacia do Itacorubi está situada em uma área
relativamente segregada do sistema. Suas poucas linhas com maior integração correspondem às vias
de fluxo rápido que fazem conexão com os extremos da ilha.
Estas configurações possuem algumas implicações. A primeira diz respeito à legibilidade das
diferentes partes componentes do tecido urbano de Florianópolis. Nesta cidade as diferentes partes
do tecido urbano correspondem a diferentes regiões geomorfológicas, criando uma clareza bastante
forte na percepção das diferentes partes urbanas e das diferentes bacias hidrográficas. Já em Goiânia
essa percepção do território da Bacia do Cascavel, como área identificável pela população, é menos
clara, em consequência da configuração entre bacia hidrográfica e tecido urbano, que se
desenvolveram como uma malha contínua.
O fato do Núcleo Integrador de Florianópolis se concentrar além da região da Bacia do Itacorubi, e
esta ser configurada por linhas de integração basicamente homogêneas, mostra que, em geral, suas
vias não constituem acessos significantes no fluxo geral da cidade. Consequentemente, a região
desta bacia hidrográfica seria menos presente no cotidiano da cidade do que a Bacia do Cascavel.
Em Goiânia, a Bacia do Cascavel encontra margens com níveis de Integração opostos, o que cria um
contraste entre o nível de movimento natural esperado em cada margem. Assim, as margens a leste
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poderiam ser presentes no cotidiano dos transeuntes e a margem a oeste estaria mais intangível.
Além disso, a forma como se permitiu ocupar as margens dos cursos d’água em Goiânia, para fins de
agricultura familiar na década de 60 e a forma como se iniciaram projetos viários a fim de retificar os
cursos d’água, fez com que as margens naturalmente integradas se tornassem visivelmente
bloqueadas e o contato entre córrego e transeuntes se restringisse as intersecções viárias entre
margens. Desta forma, o curso d’água pode permanecer irreconhecível através da forma como se
construiu o espaço público e privado às margens do córrego e não pela configuração da malha
urbana, que teria incentivado uma proximidade através da constituição de seu desenho.
Figura 06: Mapa axial com Integração Global da área conurbada de Goiânia (à esquerda) e de Florianópolis (à direita).
Elaboração própria através de Mapas Sintáticos cedidos por Leyla Alarcón; Valério Medeiros (Universidade de Brasília,
2006) e Renato Saboya (Universidade Federal de Santa Catarina, 2015). 2016.
A segunda análise sintática se concentra no estudo direto das relações entre traçado urbano e cursos
d’água em cada Bacia Hidrográfica. Assim, foi analisado um recorte mais específico de cada Bacia
utilizando os resultados da Integração Global dentro do sistema urbano total de cada cidade (figura
07).
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Figura 07: Análise Sintática interna às Bacias Hidrográficas do Cascavel, em Goiânia (à esquerda) e do Itacorubi, em
Florianópolis (à direita). Elaboração própria através de Mapas Sintáticos cedidos por Leyla Alarcón; Valério Medeiros
(Universidade de Brasília, 2006) e Renato Saboya (Universidade Federal de Santa Catarina, 2015). 2016.
Na Bacia do córrego Cascavel, em Goiânia, pode-se observar, claramente, como as margens dos
cursos d’água se relacionam diretamente com o traçado viário. Esta relação tão próxima entre
elemento natural e meio urbano se estende inclusive às áreas de nascentes. Há, também, pontos em
que vias de fluxo rápido margeiam o leito do curso d’água, permitindo fluxos intensos em áreas
ambientalmente sensíveis.
A questão é que este contato, criado através da configuração da malha e testado pela análise
sintática, é viabilizado somente nas intersecções viárias construídas entre margens (figura 08). Já nas
vias que circundam e margeiam os cursos d’água encontramos duas situações diferentes. No
primeiro caso temos a via próxima ao curso d’água e com alto valor de Integração, porém, a
configuração natural do fundo de vale faz com que o córrego esteja bastante profundo, longe de ser
reconhecido visualmente na paisagem.
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Figura 08: Intersecção viária entre margens do córrego Cascavel, em Goiânia. Imagem obtida pelo Google Street View.
2016.
No segundo caso, as margens dos cursos d’água se encontram ocupadas por habitações unifamiliares
e comércios de pequeno porte. Logo, as vias que teoricamente estariam próximas ao curso d’água se
encontram bloqueadas visualmente ao mesmo. Desta forma, as margens do córrego Cascavel se
encontram em parte delimitadas pelos muros dos fundos de habitações que inviabilizam qualquer
contato, público ou privado, com o mesmo (figura 09).
Figura 09: Margens do córrego Cascavel, em Goiânia, ocupadas por edificações que foram, inicialmente, aprovadas como
chácaras de cultivo a fim de manter e preservar os fundos de vale da cidade. Imagem obtida pelo Google Earth. 2016.
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No caso da Bacia do Itacorubi, em Florianópolis, os cursos d’água se encontram bastante afastados
do traçado viário em meio a extensas áreas de preservação. Estas áreas se constituem em
manguezais, ao longo de seu curso e na foz do Rio Itacorubi, e em encostas de morros, em suas
nascentes. Desta forma, o leito dos cursos d’água, propriamente dito, possui um acesso
naturalmente difícil. Sendo assim, somado ao fato de que a Bacia do Itacorubi não faz parte do
núcleo mais integrado da cidade, o contato local entre transeuntes e cursos d’água não ocorre
diretamente, obtendo uma relação pontual de contato restrito e difícil entre ambos.
O último ponto observado é a facilidade com que as margens dos cursos d’água na Bacia do Cascavel,
em Goiânia, são conectadas. Nesta Bacia os cursos d’água são transpostos em inúmeros pontos
através de ligações estabelecidas pela diretriz de planejamento de Luís Saia (RIBEIRO, 2004), no
intuito de criar escoamentos para demandas futuras de tráfego e para combater o efeito de barreira
criado pela rede hídrica marcante na paisagem da planície de Goiânia.
A grande quantidade de transposições de vias entre as margens dos cursos d’água pode, inclusive,
significar a facilidade com que os mesmos se tornam invisíveis diante os olhos rotineiros dos
transeuntes. Há uma monotonia rítmica no desenho dessas transposições, assim como em todo o
traçado da cidade, que provoca este desconhecimento dos cursos d’água.
Em Florianópolis, na Bacia do Itacorubi, os cursos d’água são transpostos em poucos pontos que se
configuram em vias arteriais de média integração e onde se concentram importantes fluxos intra-
urbanos.
Apesar disso, a fragmentação do tecido urbano presente na Bacia do Itacorubi parece dar uma
legibilidade indireta aos seus cursos d’água. Por mais que não sejam facilmente vistos e conectados,
são reconhecidos através da legibilidade resultante do desenho das inter-relações criadas entre as
regiões geomorfológicas, áreas de preservação e malha urbana. Ao contrário dos cursos d’água em
Goiânia, que estão conectados à malha viária e abertos ao contato visual, mas, ainda assim, não se
tornaram de fato visíveis. Esta característica é extremamente preciosa, pois diz respeito a um valor
de legibilidade naturalmente reconhecido aos elementos naturais de Florianópolis, algo que
necessita de muitos atrativos externos para que se torne possível em Goiânia.
No entanto, pelos aspectos negativos, esse afastamento entre malha urbana e cursos d’água faz com
que, em Florianópolis, as margens dos cursos d’água estejam longe do controle visual da população
sobre as mesmas. Esta falta de controle visual faz com que, por mais que eles sejam reconhecíveis
pela população, não sejam protegidos pelo transeunte. Isso ocorre pelo simples fato de que espaços
não visíveis e não ocupáveis em meio urbano se tornam espaços propícios para atividades ilícitas.
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4 TIPOLOGIAS MORFOLÓGICAS: PADRÕES DE ACESSIBILIDADE
A partir dos resultados apresentados na análise sintática, foram identificados Padrões de
Acessibilidade entre o sistema viário, os cursos d’água e seus espaços livres. Assim, definiu-se uma
tipologia representando as relações, entre estes três elementos, que provocariam uma
disponibilidade para atrair movimento e estabelecer a apropriação dos espaços livres, ou não.
Foram identificados sete padrões: Curso d’água transposto por via perpendicular Integrada; curso
d’água transposto por via perpendicular segregada; curso d’água margeado por via paralela
integrada; curso d’água margeado por via paralela segregada; curso d’água acessível por via
perpendicular integrada; curso d’água acessível por via perpendicular segregada; curso d’água com
acesso obstruído.
Após esta identificação, foi quantificada a totalidade de linhas axiais que possuem relação com os
espaços livres das margens dos cursos d’água. Também foi quantificada a porcentagem desses
padrões em cada Bacia Hidrográfica.
Foram identificadas 300 linhas axiais na Bacia Hidrográfica do Cascavel, em Goiânia, relacionadas em
proximidade com seus cursos d’água. Já na Bacia Hidrográfica do Itacorubi, em Florianópolis, foram
identificadas apenas 107 linhas axiais, 1/3 da totalidade na Bacia Hidrográfica do Cascavel.
Tabela 01: Padrões de Acessibilidade identificados. Elaboração própria. 2016.
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A quantificação específica sobre a porcentagem desses padrões (tabela 01) mostra que apesar do
alto número de vias relacionadas com os cursos d’água em Goiânia, a maior parte dessa relação é
marcada pelo padrão 07: Curso d’água com acesso obstruído, o que pode ser explicado pelo
processo de ocupação analisado anteriormente, seguido pelo padrão 04: Curso d’água margeado por
vias Segregadas. O quarto padrão mais recorrente são os dos cursos d’água margeados por vias
Integradas.
Já em Florianópolis, os quatro padrões mais recorrentes são relacionados a vias Segregadas. O
padrão mais recorrente é o do curso d’água margeado por vias Segregadas, sendo o terceiro mais
recorrente o do curso d’água com acesso obstruído. Todos os padrões relacionados a vias Integradas,
em Florianópolis, são os menos recorrentes.
Assim, é constatada a maior proximidade entre meio urbano e margens dos cursos d’água em
Goiânia. Porém, em ambas as cidades a segregação das vias que se aproximam desses espaços livres
é maior do que a integração. Podendo concluir que apesar de todas as diferenças nos processos de
crescimento urbano e das características geomorfológicas, a relação morfológica construída ao longo
do tempo entre curso d’água e traçado urbano criou espaços públicos, em suas margens, segregados
em ambas as cidades. Estes espaços, naturalmente desencorajam a apropriação dos mesmos na vida
urbana.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa, que está em fase inicial, tem resultados que confirmam que determinadas diretrizes
de construção dos processos urbanos e as características geomorfológicas de cada sítio natural
realmente podem facilitar ou dificultar uma reconexão entre homem e curso d’água. Porém,
também confirma que estes processos são bastante complexos, sendo que suas variáveis
demonstram que é necessário articular diferentes processos em busca de respostas mais concretas
sobre como é possível aproveitar diferentes processos urbanos e ambientais, já consolidados, no
processo de reconexão entre os mesmos.
Na busca por aspectos positivos nas distintas configurações urbano-ambientais, através de
comparações entre Goiânia e Florianópolis, podemos observar que a presença mais enfática de
processos de planejamento urbano higienistas na primeira, pode ter tido impactos positivos na
forma como os elementos urbanos e ambientais foram construídos possuindo, assim, aberturas para
uma reconexão física entre eles. Porém, há uma necessidade de criar atratores ao longo das margens
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dos cursos d’água e de rever a construção de cheios em seus espaços livres, a fim de garantir o
movimento, apropriação e visualização das margens dos córregos por parte da população.
Sobre as condições geomorfológicas das duas bacias, que são bastante diferentes, verificou-se que
em Goiânia a planície é recortada por cursos d’água facilmente transponíveis, com declividades
suaves e em fundos de vale estreitos. Em Florianópolis, a topografia bastante acidentada desenvolve
ora fundos de vale com alta declividade e ora extensas planícies alagadiças, cortada por cursos
d’água com grandes volumes de água. Isto implica que há, em Goiânia, uma maior possibilidade de
conexão entre as margens dos cursos d’água. Logo, quando a atração de movimento e apropriação
obtiver êxito, a conexão entre elementos naturais e urbanos se dará imediatamente pela
proximidade física entre ambos. Por outro lado, em Florianópolis, os cursos d’água com maior
dificuldade de transposição apresentam maior facilidade de serem preservados, em função de sua
menor acessibilidade.
A pesquisa deve se aprofundar em análises detalhadas das inter-relações criadas entre curso d’água
e malha urbana em ambos os casos. Para isso, pretende-se tipificar e enquadrar as inter-relações
encontradas em diferentes categorias a respeito da potencialidade de apropriação e níveis de
urbanidade potenciais e existentes. Para isso serão utilizados os métodos de avaliação de Mello
(2008) para averiguar o nível dos oito aspectos de desempenho, propostos por Holanda (2007), que
cada margem de curso d’água em meio urbano deve apresentar para que possua urbanidade. Estes
aspectos são: Funcionais, econômicos, sociológicos, topoceptivos, bioclimáticos, simbólicos, estéticos
e afetivos.
Para realizar esta análise específica, o próximo objetivo será tipificar padrões bastante específicos da
forma, uso e apropriação entre traçado urbano, curso d’água e seus espaços livres, como por
exemplo, aprofundar em como as aproximações entre vias e margens são realizadas, seus
fechamentos de visibilidade, entre outros tipos de relações criadas entre o desenho do traçado e
elementos naturais e urbanos.
Com isso, pretende-se alcançar um nível de comparação que possa determinar quais morfologias
urbanas, tipificadas em cada bacia hidrográfica e combinadas com determinadas funções urbanas e
condições naturais do sítio, possuem maior e menor potencial de reconexão entre homem e cursos
d’água.
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