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Instituto de Relações Internacionais ESPAÇOS DO NEOLIBERALISMO NO PORTO MARAVILHA Aluna: Maria Carolina Coelho de Sousa Soares Orientador: João Franklin Pontes Nogueira Introdução As mudanças ocorridas na cidade do Rio de Janeiro, e especificamente no Porto Maravilha, podem ser comparadas com aquelas ocorridas em outras cidades no mundo, principalmente aquelas nominadas de Cidades Globais. As obras realizadas nesse espaço se encontram em um cenário de transformações do urbano mundial, a partir de crises econômicas. Nesse meio, ainda é aplicável o entendimento do neoliberalismo porém com restrições a serem mencionadas adiante. . O presente relatório, assim, tem como objetivo descrever alguns dos conceitos e entendimentos até agora levantados nesta fase da pesquisa. Desta forma, este trabalho se apresenta incompleto, visto que diversos pontos importantes ainda não foram concretizados em forma de conhecimento a ser relatado aqui. . Ou seja, deve-se levar em conta que a pesquisa aqui apresentada teve inicio há pouco tempo, não sendo possível dar a ela uma conclusão. Contudo, ao final, expõem-se pontos que serão desenvolvidos em sua continuação, e alguns resultados parciais. Apresenta-se aqui, como base à pesquisa mais específica sobre o Porto Maravilha, como a literatura sobre cidades globais se apresenta na disciplina de Relações Internacionais. Após, passa-se a entender a crítica ao relacionamento entre as renovações realizadas nesses projetos de cidades globais e o ideário chamado por muitos de “neoliberal”. A partir dessa introdução, passa-se à análise das mudanças realizadas na zona portuária do Rio de Janeiro no contexto do Projeto Olímpico, para depois avaliar como ideias e conceitos se articulam nos espaços concretos, observados pela autora. Por fim, ligado a este entendimento, apresentam-se ideias que se somam à pesquisa, mas que ainda não foram abordadas a fundo, principalmente ligadas a questões maiores de vivência no local por outros grupos sociais. 1. Cidades Globais Com base nas leituras feitas até agora, esta seção do relatório tem a finalidade de expor toda a base teórica que está por trás dos resultados parciais a última seção e dos possíveis futuros dessa pesquisa. Ao situar o Rio de Janeiro dentro das mudanças que ocorrem em outras cidades pelo mundo, encontra-se nessa literatura a definição de cidade global. Para chegar a ela, porém, passamos pela definição do que é o urbano. Pela literatura clássica da Era Urbana e pelo senso comum , o urbano seria o que não é rural entendimento que também foi adotado por instituições internacionais na realização de relatórios, como a ONU. Porém, a partir de críticas como as de Neil Brenner e Christian Schmid, podemos atentar que não é uma distinção tão fácil assim, sendo o urbano apenas uma categoria teórica. Segundo os autores, o urbano não pode ser entendido como algo fechado, mas dinâmico, sendo parte de um processo histórico de concentração e extensão, não sendo algo homogêneo, mas que está em constante transformação. É com esse cenário que Brenner e Schmid dizem que a urbanização passou a ser um fenômeno planetário, ofuscando a dicotomia rural/urbano [4]. Tendo esse plano de fundo do urbano, as cidades globais, segundo Simon Curtis, representariam um renascimento das cidades, a partir de mudanças na economia global e na

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ESPAÇOS DO NEOLIBERALISMO NO PORTO MARAVILHA

Aluna: Maria Carolina Coelho de Sousa Soares

Orientador: João Franklin Pontes Nogueira

Introdução

As mudanças ocorridas na cidade do Rio de Janeiro, e especificamente no Porto

Maravilha, podem ser comparadas com aquelas ocorridas em outras cidades no mundo,

principalmente aquelas nominadas de Cidades Globais. As obras realizadas nesse espaço se

encontram em um cenário de transformações do urbano mundial, a partir de crises

econômicas. Nesse meio, ainda é aplicável o entendimento do neoliberalismo – porém com

restrições a serem mencionadas adiante. .

O presente relatório, assim, tem como objetivo descrever alguns dos conceitos e

entendimentos até agora levantados nesta fase da pesquisa. Desta forma, este trabalho se

apresenta incompleto, visto que diversos pontos importantes ainda não foram concretizados

em forma de conhecimento a ser relatado aqui. . Ou seja, deve-se levar em conta que a

pesquisa aqui apresentada teve inicio há pouco tempo, não sendo possível dar a ela uma

conclusão. Contudo, ao final, expõem-se pontos que serão desenvolvidos em sua continuação,

e alguns resultados parciais.

Apresenta-se aqui, como base à pesquisa mais específica sobre o Porto Maravilha,

como a literatura sobre cidades globais se apresenta na disciplina de Relações Internacionais.

Após, passa-se a entender a crítica ao relacionamento entre as renovações realizadas nesses

projetos de cidades globais e o ideário chamado por muitos de “neoliberal”. A partir dessa

introdução, passa-se à análise das mudanças realizadas na zona portuária do Rio de Janeiro no

contexto do Projeto Olímpico, para depois avaliar como ideias e conceitos se articulam nos

espaços concretos, observados pela autora. Por fim, ligado a este entendimento, apresentam-se

ideias que se somam à pesquisa, mas que ainda não foram abordadas a fundo, principalmente

ligadas a questões maiores de vivência no local por outros grupos sociais.

1. Cidades Globais

Com base nas leituras feitas até agora, esta seção do relatório tem a finalidade de

expor toda a base teórica que está por trás dos resultados parciais – a última seção – e dos

possíveis futuros dessa pesquisa. Ao situar o Rio de Janeiro dentro das mudanças que ocorrem

em outras cidades pelo mundo, encontra-se nessa literatura a definição de cidade global. Para

chegar a ela, porém, passamos pela definição do que é o urbano.

Pela literatura clássica da Era Urbana – e pelo senso comum –, o urbano seria o que

não é rural – entendimento que também foi adotado por instituições internacionais na

realização de relatórios, como a ONU. Porém, a partir de críticas como as de Neil Brenner e

Christian Schmid, podemos atentar que não é uma distinção tão fácil assim, sendo o urbano

apenas uma categoria teórica. Segundo os autores, o urbano não pode ser entendido como

algo fechado, mas dinâmico, sendo parte de um processo histórico de concentração e

extensão, não sendo algo homogêneo, mas que está em constante transformação. É com esse

cenário que Brenner e Schmid dizem que a urbanização passou a ser um fenômeno planetário,

ofuscando a dicotomia rural/urbano [4].

Tendo esse plano de fundo do urbano, as cidades globais, segundo Simon Curtis,

representariam um renascimento das cidades, a partir de mudanças na economia global e na

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ordem política global (as quais entraremos em maiores detalhes adiante) e seriam os motores

da globalização. Elas agiriam como pontos nodais de uma rede mundial de cidades (regiões

transnacionais), por onde fluxos globais – de capital, pessoas, materiais, bens, doença, ideias,

etc. - são dirigidos [2]. O nome teria sido dado, dessa forma, àquelas cidades que se destacam

e são diferenciadas das outras por seu relativo poder e importância na política global. Ao

mesmo tempo, as Cidades Globais seriam um modelo que capturaria algumas das qualidades

das transformações urbanas contemporâneas, a fim de serem usadas por outras cidades.

Historicamente, o fenômeno teria sido iniciado na década de 70 e mesmo com

morfologias distintas, as cidades globais tomariam o formato a partir do revigoramento do

centro de negócios. Algumas outras tendências poderiam ser identificadas, como a

gentrificação dos centros urbanos, que passam a crescer verticalmente e ter uma densidade

imensa nos locais de negócios; a polarização da riqueza, que leva a segregação e a

privatização, junto à produção de favelas e condomínios fechados; e o crescimento horizontal

da cidade em si, com a expansão dos sistemas de comunicação e transporte [1].

Soma-se a essa discrição de Curtis a literatura de Saskia Sassen, que expõe que as

cidades globais não são apenas um resultado da mudança de uma economia de manufaturados

para uma de serviços – a qual é nominada por alguns, como David Harvey, de mudança para o

“neoliberalismo”. Essas cidades teriam um componente particular em sua base econômica – o

qual estaria enraizado nas mudanças espaciais e técnicas – que lhes conferiria essa

importância.

Sassen formula sua tese a partir de três pontos. O primeiro seria a necessidade de

“novas formas de centralização para a gestão e regulação da rede global de produção e

financeira, a partir da dispersão de fábricas, escritórios e serviços” (tradução livre). Isso

levaria a uma concentração nas principais cidades. O segundo, baseado no primeiro, é que “as

mudanças na centralização implicam na mudança do local de controle e gerenciamento”

(tradução livre) – além de centro bancário e comercial, têm-se agora firmas de serviço e

outras instituições financeiras. Assim, as cidades globais seriam centros de finanças, serviços

e gerenciamento global – como são, por exemplo, Nova Iorque, Londres e Tóquio, segundo o

autor. O terceiro e último é ligado à geração de inovações, a qual “as cidades globais teriam

emergido como locais-chave para sua produção” (tradução livre) [13].

É a partir dessa definição de cidades globais, ou pelo menos do imaginário do que elas

seriam, que será exposto como esse assunto deve ser lido também a partir das teorias de

Relações Internacionais – ponto o qual é explicado por Curtis. Além, passaremos pela

literatura que tem um olhar crítico sobre essa constituição das cidades globais, ou melhor,

sobre as mudanças no urbano em si, como uma consequência do que é chamado de

neoliberalismo.

A) Cidades Globais e as Relações Internacionais

O objetivo desta seção é delinear como a literatura de Cidades Globais passou a ser

expressa – ou pelo menos citada – dentro da disciplina de Relações Internacionais. Serão

utilizados, assim, os artigos assinados por Simon Curtis, os quais têm como ponto central as

Cidades Globais e sua emergência na governança global e no sistema internacional. Segundo

o autor, a existência de cidades globais estaria impondo diversas questões à disciplina de

Relações Internacionais (RI), que se vincula a Estados-nação, e, portanto estariam em um

processo lento de se inserir nesse “desafio” [3].

O que Curtis expõe, assim, é que a partir das mudanças ocorridas na esfera

internacional no século 21, realçadas pelos novos desafios transnacionais a serem enfrentados,

o olhar tradicional das teorias das Relações Internacionais mostrava-se ultrapassado para

respondê-los. É nesse cenário de entender a emergência de uma ordem global, que deve

responder a questões para além da soberania e não intervenção estatal, que emergem também

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as cidades globais. Assim, existiria uma importância para a disciplina, segundo Curtis, em

acomodar as cidades globais em seu repertório conceitual a fim de tomar a visão de toda a

transformação internacional contemporânea [3].

Realizando uma digressão do histórico da disciplina, Curtis mostra que uma parte

significativa de teóricos das RI vêem o sistema internacional como um sistema de Estados. O

estadocentrismo, dessa forma, seria o primeiro motivo pelos quais os teóricos de RI não viam

a importância das Cidades Globais. Curtis critica esse ponto, vista à importância história das

cidades, e como foram elas o ponto de criação do Estado. Além disso, seriam o local onde

ocorrem as principais mudanças ligadas ao cotidiano, sendo a máquina das economias

nacionais.

Cidades globais teriam sido empoderadas e transformadas pela construção da

economia de mercado em uma escala global [2]. Nesse sentido, o autor argumenta que a

Cidade Global deve ser vista principalmente como um fenômeno político. A essa

consideração, o autor inclui outras: a evolução dos Estados e da sociedade internacional no

século 20, e em partícular, a crise das formas de organização estadistas, a reestruturação

econômica pós-crise, a revolução tecnológica associada a microeletrônicos e digitalização e as

revoluções culturais do fim dos anos 60.

A contribuição de John Friedmann teria sido a chave para colocar as cidades de novo

na agenda da política econômica internacional, pois segundo esse autor, elas formam e são

formadas pela natureza da economia global, através de conexões no nível internacional e suas

funções. Isso levou a uma ideia de especialização urbana a qual cidades particulares fariam

parte como elementos intrínsecos da economia global. O desenvolvimento de uma cidade

seria relacional a outras cidades globais e também a sua própria história, recursos e

localização geográfica.

A toda essa contextualização é somada as questões da globalização e em como novas

redes digitais estão produzindo novas capacidades junto às cidades globais, como também é

dita na teoria da Sassen. Em conjunto a esse fenômeno há a iluminação da cidade como

espaço onde se encontram os atores e locais da construção da globalização: a elite

corporativista internacional, junto a migrantes e culturas de trabalho. A partir desse ponto de

vista de novas infraestruturas, Curtis mostra como a tecnologia mudou os fluxos e expandiu o

universo de cidades globais que compartilham de serviços globais, mesmo que aumentando a

desigualdade dentro desses mesmos centros. Esse é o caminho que traça para mostrar como a

lógica do neoliberalismo se reinfica nas cidades globais – com privatização e fim do espaço

público –, além da dependência delas em formas pós-industriais de atividade econômica.

Depois de delinear a importância das cidades globais nelas mesmas, Curtis transfere

essa ideia para o sistema internacional, vendo elas como unidades que interagem, sendo

organizadas por uma estrutura. Ou seja, uma mudança da ontologia, que é baseada naqueles

autores da disciplina de RI que “abrem a caixa preta”. Além disso, fala que o progresso

teórico também se encontra em uma configuração particular de territorialidade, uma mudança

que envolve também o princípio da soberania. Esse ponto, junto a contribuições de Latour e

Sassen, faz com que o autor conclua que a globalização não é sinal do declínio estatal, mas de

um complexo redimensionamento, reorganização e reterritorialização do Estado. Ou seja, as

formações de cidades globais com essa mudança no Estado seriam parte de “momentos

dialéticos entrelaçados de uma dinâmica singular da reconstrução do capitalismo global

(BRENNER – tradução livre)” [1].

Por fim, o autor compara as estruturas espaço-temporais do sistema internacional

moderno e uma nova série imanente de estruturas. Segundo Curtis, cidades globais provem

uma infraestrutura de simultaneidade e um suporte material para uma forma nova qualitativa

de um espaço social desmaterializado. É a partir desses pontos que Curtis atualiza o escopo

das cidades globais na governança global (e não só globalização), como “instrumento” dos

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Estados em uma nova ordem global. Ou seja, Curtis afirma que a emergência tanto das

cidades globais quanto da governança global são resultados da nova sociedade internacional

de Estados do fim do século 20. Essa nova sociedade, que passa por uma revolução

normativa, sendo relacionada com atores (como as cidades), passa a ter uma enorme

interdependência, a qual é ligada a resolução de problemas transnacionais/ação coletiva, a

partir de um ideal neoliberal. Essas, então, levam a novas práticas/formas de governança

global, ligadas localmente à cidade [1].

Essas novas formas de governança, segundo o autor, levariam a um sistema no qual a

autoridade politica e a governança são compartilhadas por uma variedade de atores, não sendo

uma anarquia nem uma hierarquia. A partir disso, portanto, o que estaria surgindo é uma nova

ordem global, que é descentralizada e híbrida, tendo a participação das cidades na influência

de resultados ligados à política, à economia e a segurança, inserindo-se na agenda

internacional, e tomando para si alguns papéis historicamente ligados ao Estado. Entretanto, a

cidade global não seria, segundo Curtis, um desafio para a agência estatal, pois essa impõe

limites. Seria, portanto, um produto das estratégias estatais e da mudança na estrutura da

sociedade internacional, mostrando-se como um sucesso do projeto neoliberal, sendo sua rede

representativa da infraestrutura material que sustenta essa sociedade de mercado global, sendo

um fenômeno contingente da produção de interdependência [1].

B) Cidades Globais e o Neoliberalismo

O objetivo dessa seção do relatório é entender como a literatura crítica relaciona as

mudanças urbanas nas cidades e o que é enunciado como neoliberalismo. Anteriormente, já

vimos a concepção de Curtis para o assunto, dizendo que essas mudanças globais na

economia e na ordem política, ligadas a um ideal neoliberal, foram a base para a emergência

das cidades globais. Aqui, veremos o que Brenner e Schmid sugerem, somada às colocações

de Neil Smith. Por último, relacionando-se com a literatura de Henri Lefevbre, veremos uma

colocação que se diverge em alguns termos dessa “doutrinação” neoliberal, enunciada por

Colin McFarlane.

A já mencionada contestação de Brenner e Schmid pelo movimento urbano segue a

linha de Curtis, sobre as crises ocorridas e a intensificação da integração econômica global.

Assim, eles lêem as mudanças ocorridas no urbano a partir da década de 80 dentro de um

cenário de crise dos modelos de desenvolvimento territorial do desenvolvimento nacional, de

colapso do Estado socialista e da subsequente intensificação da integração da economia

global.

Segundo os autores, é a partir desse plano de fundo que ocorreu uma desestabilização

dentro dos Estudos Urbanos, o qual se manteria até hoje [5]. Porém, isso poderia ser visto não

necessariamente como uma crise intelectual, mas como um renascimento criativo.

Anteriormente, os pesquisadores dos Estudos Urbanos davam “a cidade” como dada,

estudavam e nomeavam as novas formas urbanas, como megalópoles e megacidades, e

processos como o de conurbação. A virada ocorrida atualmente seria não só epistêmica, mas

incertezas de fundamento sobre os próprios objetos e focos da teoria e pesquisa urbana dentro

do capitalismo contemporâneo.

A partir desta perspectiva, Brenner e Schmid questionam a epistemologia do urbano

através de entender quais categorias, métodos e cartografia deveriam a vida urbana ser

entendida. Antes de entrarem nos estudos críticos, os autores enunciam a metanarrativa

contemporânea mais influente: a noção de uma “era urbana”. Tal é influenciada pelos

discursos de demógrafos ligados à ONU, de pessoas públicas e de acadêmicos, os quais

reproduzem que “mais da metade da população mundial agora mora dentro das cidades”

[4]. O que os autores observam é que essa noção leva a certa homogeneização dos padrões e

caminhos da urbanização que emergiram com a economia mundial.

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Nesse âmbito, novas abordagens da tese da Era Urbana surgiram, as quais debatem o

triunfalismo urbano sobre o rural; o uso de tecnologia, tanto em planejamento quanto na

infraestrutura da cidade, as definindo como cidades inteligentes; o uso de pensamento verde,

ligado à sustentabilidade urbana; e debates sobre megacidades, particularmente do Sul global,

a partir de um boom de industrialização e proliferação do urbano. De acordo com Brenner e

Schmid, as várias vertentes desta metanarrativa agora estão sendo usadas como molduras

discursivas para legitimar uma ampla gama de propostas neoliberalizantes para transformar

ambientes urbanos já existentes [5].

O que Brenner e Schmid acreditam é que “The simple message that the city has assumed unprecedented

planetary importance has thus come to serve as an all purpose,

largely depoliticized ideological rubric around which, in diverse

contexts, aggressively market-oriented and/or authoritarian

contemporary projects and prescriptions of urban transformation are

being narrated, justified and naturalized”. [5]

As mesmas estariam no discurso da esfera pública, do planejamento, do design, e das arenas

acadêmicas, servindo para reafirmar a viabilidade de todas as epistemologias urbanas citadas

anteriormente. Os autores chamam essa prática de contexto do contexto, como se fosse uma

literatura que justificasse o sistema mundial capitalista e seu impulso para a acumulação de

capital sem fim, por estratégias neo-imperiais, e por diversas formas de desenvolvimento

espacial e capital desiguais [5].

Essas visões mudariam a partir de abordagens reflexivistas, como as pós-coloniais.

Porém, a argumentação dos autores vai além, por entender que os pensadores anteriores

continuam reinficando a noção de cidade [5]. Brenner e Schmid acreditam que se necessita

averiguar certa urbanização prolongada, a qual evita a separação binária entre urbano e rural.

Assim, eles verificam alguns pontos a fim de iluminar a variedade de processos de

urbanização que ocorrem e remodelam o mundo, pretendendo gerar uma estrutura

epistemológica geral para analisar essa situação do mundo, a partir de uma noção reflexiva,

que não dá tudo como dado. Essa estrutura se divide em sete teses enunciadas pelos autores.

Algumas delas serão mais eficientes para a discussão desse relatório, porém evidenciaremos

cada uma, a fim de construir o sentido os quais os autores dão a esse seu entendimento.

A primeira tese é de que o urbano é um conceito essencialmente contestado e tem sido

sujeito a uma reinvenção frequente em relação aos desafios engendrados pela pesquisa,

prática e luta. Ou seja, o urbano e a urbanização seriam uma forma analítica, mas não algo

construído empiricamente. A segunda, ligada à primeira, é de que o urbano é um processo,

não uma forma universal, um tipo de assentamento ou uma unidade delimitada. Esse ponto é

explicado pelo seu sequente: a urbanização envolveria três momentos mutuamente

constitutivos: “urbanização concentrada, urbanização prolongada e urbanização diferencial

(tradução livre) [5]”.

A definição analítica dada à urbanização prolongada é a de que o urbano não se

localiza apenas na cidade, mas também se constitui naquilo que é fornecido à cidade.

Principalmente com o uso de tecnologia, o que antes era visto como o de fora, segundo

Brenner e Schmid, deve ser visto como um terreno integrante do processo de urbanização. As

urbanizações concentradas e prolongadas estariam interligadas ao processo de urbanização

diferencial, na qual as configurações socioespaciais herdadas são continuamente destruídas

criativamente em relação à dinâmica de desenvolvimento e tendências de crises mais amplas

do capitalismo moderno.

A quarta tese estabelece que o tecido da urbanização é multidimensional, ao se basear

nas dimensões de conceitualização do espaço de Lefebvre, e assim dita três outras dimensões

da urbanização: práticas espaciais, regulação territorial e a vida cotidiana. Para esse relatório,

é necessário depreender melhor o que seria esse último. Seja dentro de centros populacionais

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densos ou em locais mais dispersos incorporados no tecido urbano mais amplo, o espaço

urbano é definido pelas pessoas que usam, apropriam-se e transformam-na através de suas

rotinas e práticas diárias, que frequentemente envolvem lutas quanto à própria forma e

conteúdo do próprio urbano, sendo essência da experiência social. Esta seria uma ampla

conceituação da urbanização, a qual envolve uma ampla constelação de transformações

associadas à industrialização capitalista, à circulação do capital e à gestão do desenvolvimento

territorial em várias escalas espaciais [5].

Porém, o que os autores dizem é que a urbanização se distingue da industrialização

capitalista, mesmo ligada a ela. Ela seria a materialização do processo, incorporando-a em

configurações concretas, temporariamente estabilizadas a partir da vida socioeconômica, da

organização socioambiental e do gerenciamento regulatório. A urbanização é precisamente o

meio e a expressão dessa colisão/transformação, e cada configuração da vida urbana é

fortemente moldada pelas diversas forças sociais, políticas e institucionais que a medeiam.

A quinta tese é que a urbanização teria se tornada planetária a partir das crises

mundiais e do estabelecimento da neoliberalização da governança da economia global,

nacional e local. Tais configurações encorajaram um plano de fundo para o aumento do

investimento especulativo urbano, ligado inclusive ao processo “rural”, aumentando o uso de

tecnologia e acumulação de capital [5]. Desta forma, de acordo com Brenner e Schmid, as

aglomerações urbanas não poderiam mais ser entendidas simplesmente como concentrações

nodais organizadas e orientadas para um único núcleo urbano - o que se liga a expressões

analíticas do que é a Cidade Global. Em vez disso, elas devem ser reconceitualizadas como

campos de força densos de interação quase contínua entre os vários processos associados à

urbanização concentrada, prolongada e diferencial.

A penúltima tese dita que a urbanização se desenvolve através de padrões variados e

caminhos de desenvolvimento espacial desigual. Mesmo que a forma planetária de

urbanização não seja homogênea, uniforme e única - que constituísse um tipo ideal de cidade

-, sob o capitalismo, a urbanização sempre é articulada em formações socioespaciais

contextualmente incorporadas, difundindo espacialmente um desenvolvimento desigual

através de padrões e caminhos específicos. Desta forma, segundo os autores, os processos

abstratos e universalizadores da industrialização capitalista seriam materializados em

configurações urbanas historicamente e geograficamente específicas, que por sua vez são

implacavelmente transformadas através da interação de estratégias de acumulação, projetos

regulatórios e lutas sociopolíticas em várias escalas espaciais [5]. A última tese, a qual conclui

esse projeto epistêmico, é de que o urbano é um projeto coletivo em que os potenciais gerados

através da urbanização são apropriados e contestados, levando em conta as formas de

apropriação e modelagem do urbano.

A essa crítica de Brenner e Schmid, cabe-se certa interferência da posição de Smith,

que trabalha o fenômeno da gentrificação. O termo seria usado para caracterizar a “extensiva

reabilitação de bairros depreciados da classe trabalhadora, que estão espalhados pelas

cidades do mundo capitalista avançado” (tradução livre) [14]. O que Smith dirá é que há

uma necessidade de crescimento econômico permanente, e que quando este não ocorre, o

sistema está em crise. As crises econômicas, dessa forma, não seriam um fator exógeno nem

acidental, mas um produto histórico que põe em prática, em um pequeno período de tempo,

um número de tendências que já estavam sendo desenvolvidas na economia.

Smith liga essa situação de crise ao desenvolvimento desigual (essa definição vem do

entendimento de que o desenvolvimento societário não ocorre em todos os lugares à mesma

velocidade ou na mesma direção), visto que para sair da crise deve-se voltar à acumulação.

Ele foca, assim, na produção do espaço através do investimento de capital, assumindo não

uma tabula rasa do espaço urbano, mas uma superfície de aluguel do solo, que é o produto dos

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investimentos anteriores de capital no ambiente construído. É a diferença entre o aluguel do

solo que nortearia a relação desigual entre os subúrbios e o centro da cidade.

O que Smith conclui é a existência do que se pode chamar de “’gangorra de

localização‟: o capital salta de um lugar para outro, e de novo, criando e destruindo suas

próprias oportunidades para desenvolvimento” (tradução livre) [14]. Ou seja, cria o

desenvolvimento do centro, depois cria o subúrbio, para depois voltar ao centro que já foi

desvalorizado. A desvalorização constante do capital, a partir das crises, cria possibilidades

em longo prazo para uma nova fase de valorização, e isso é exatamente o que aconteceu no

centro da cidade. Smith utiliza-se da seguinte sequência em seus termos: desenvolvimento

sucessivo; subdesenvolvimento; e redesenho de determinadas áreas. O declínio econômico

dos bairros da cidade interna se mostra, portanto, como um resultado "racional" previsível dos

mercados da terra e da habitação da empresa gratuita. A crise econômica, segundo o autor,

exige e oferece a oportunidade para uma reestruturação fundamental da economia. Juntamente

com esta reestruturação econômica vem a reestruturação do espaço social e econômico. A

gentrificação e o redesenho do interior da cidade representariam uma continuação linear das

forças e relações que levaram à suburbanização.

As literaturas acima destacam uma visão que entende o neoliberalismo como uma

forma não somente disseminada através do sistema econômico, mas como uma base para

qualquer tipo de uso, como na nova urbanização das cidades. O problema que se constrói com

essa visão é de que haveria certa homogeneização de um modelo urbano a ser utilizado por

toda e qualquer renovação urbana acontecida pelo mundo. A crítica a esse entendimento é

detalhada pelo autor McFarlane, o qual discute as novas formas de aprendizado urbano,

através de fóruns mundiais, como a Organização Mundial de Cidades e Governos Locais

Unidos (CGLU). O ponto mais geral do autor é de que o experimento de conhecimento

urbano translocal – e conjuntamente seu sucesso – depende de um comprometimento com o

que chama de tradução, ao invés de um conhecimento através de similaridade entre cidades

[10].

Essas trocas de informações ocorreriam através de organizações e comunidades

epistêmicas, as quais, pelo sentido de sua semântica, gerariam conhecimento sobre o urbano.

O que essas experiências possibilitariam, segundo McFarlane, seria o aprendizado não por

conta das diferenças – como diriam os autores pós-coloniais -, mas pelas diferenças.

McFarlane adiciona a este pensamento outra literatura: como a ideologia tem um papel crucial

em estruturar as bases de ideias políticas e nas formas de como ocorre o aprendizado. O autor

utiliza-se de ideias de Richard Rose, voz proeminente do debate sobre transferência de

políticas, para dizer que “a escolha das mesmas ocorre como um processo racional, vendo

quais são as melhores opções, a partir da seleção de um objetivo, do exame de escolhas

políticas disponíveis e implementação da política” (tradução livre) [10]. Nos últimos anos,

no entanto, surgiu um novo corpo de trabalho examinando criticamente as viagens cada vez

maiores da política urbana. Tal abordagem vislumbra a forma como externalidades

incorporadas, ou seja, como uma mistura de espaço-tempo é montada em uma maneira

particular de ver um problema e solução urbanas. Assim, as mudanças ocorridas no

entendimento de como ocorre a mobilidade de políticas mostram-se como um esforço ainda

maior para conceber a cidade como um produto relacional, entendendo criticamente as formas

de poder operando na constituição e instituição de novas formas de aprendizado translocal.

O aprendizado, dessa forma, pode envolver “um monitoramento rigoroso e repetido,

ou pode envolver incentivo através de recompensas, ou pode ser inspirado por solidariedades

translocais na formação da vontade comum” (tradução livre) [10]. Esses diferentes modos de

poder funcionam lado a lado, desenvolvem e ampliam os relatos mais comuns do poder sobre

a distância, enfatizando a transformação múltipla e muitas vezes simultânea do poder através

do espaço, o que mostra a utilidade para uma topologia relacional de conjuntos de

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aprendizagem translocal urbano, ou seja, como eles são traduzidos, coordenados e habitados.

Neste contexto, a ideologia não só molda a natureza da aprendizagem das políticas urbanas,

mas tudo o que faz o aprendizado, com a exceção de que as evidências locais devem ser

localizadas e manipuladas através da tradução para sustentar uma posição pré-existente [10].

Essa base mais teórica do autor é colocada em uma prática maior entendendo como as

constituições de aprendizados do urbano ocorrem através da ideologia neoliberal – que seria,

segundo McFarlane, a ideologia atual. Ele começa sua observação através dos métodos

lançados pelo Banco Mundial, o qual teria como missão “levar” o neoliberalismo através de

uma “transferência direta de conhecimento, com a promoção agressiva de uma ideologia

neoliberal de „urbanização lean‟ nas cidades: redução nas despesas do estado; compromisso

com a privatização em infraestrutura e serviços; e desmantelamento da habitação do setor

público” (tradução livre)[10].

McFarlane entende, nesse cenário, a proposta dita por Smith, ao pontuar que essas

estratégias ideológicas precisam ser entendidas em relação ao papel das cidades capitalistas

como locais de destruição criativa. Aproxima-se também de Brenner e Schmid ao falar sobre

tipos de cidades desenhadas pela ideologia neoliberal, utilizando, porém, de uma definição de

“debate sedutor” advindo do desenvolvimento urbano: cidades designadas como "cidades do

conhecimento" "cidades criativas" ou "cidades inteligentes". Se esses discursos receberam

uma atenção surpreendente dos formuladores de políticas urbanas, é em grande parte porque o

foco e a acomodação dentro dos discursos existentes de empreendedorismo urbano,

gentrificação e privatização são ideologicamente adequados aos tempos [10].

Esta lógica neoliberal - uma ideologia do mercado competitivo de privatização,

descoletivização, redução do Estado de bem-estar e empreendedorismo público-privado

urbano - é informada por uma consultoria global em expansão e por imaginários urbanos de

elite disseminados, se manifestando em formas urbanas segregadas e exclusivas. Se a lógica

neoliberal geralmente domina os fóruns contemporâneos de aprendizagem urbana em

contextos de planejamento e políticas, segundo McFarlane, ela não circula como uma força

dominante única, abrangente, mas sim funciona como um conjunto contingente de lógicas de

tradução que reposicionam a problemática urbana de redesenvolvimento como forma de

aprendizagem ativa [10].

Portanto, o autor concebe o neoliberalismo não como projeto generalizado que se

localiza, mas como uma coleção de lógicas e processos situados e soltos que têm uma

influência generalizada e às vezes profunda, mas não predeterminada, sobre a política de

aprendizagem urbana. Ademais, a ideologia dos políticos não necessariamente seria o ponto

central, segundo o autor. Um dos elementos centrais na construção do aprendizado urbano não

são a tradução e coordenação, mas a forma de viver. E nesse meio, o autor coloca os próprios

decisores políticos como aqueles que habitam suas próprias políticas. Ou seja, a mobilização

de políticas ocorre também pela análise de suas práticas, de seus atores, de suas atmosferas e

representações. Assim, mesmo que a ideologia seja crucial no aprendizado urbano, ela não

pode ser algo que não vá de encontro com a situação urbana da cidade.

Creio ser necessário adicionar a essa discussão de McFarlane o que outro autor, o qual

o primeiro se baseia, diz sobre o direito à cidade. Os primórdios desse pensamento se

encontram em Henri Lefebvre, que aborda sobre o relacionamento social dos cidadãos com a

cidade. Assim, a criação de uma nova cidade passa pela criação de uma nova vida na cidade.

Arquitetos, planejadores, sociólogos, economistas, filósofos e políticos não poderiam criar, do

nada, novas formas e relações. Somente a vida social em sua capacidade global possuiria tais

poderes. Os anteriormente mencionados poderiam individualmente ou em times limpar o

caminho para mudanças, propondo e preparando formas – inclusive, formas utópicas [9].

O urbano, mesmo que extremamente definido, nunca seria inteiramente presente nas

reflexões, segundo Lefebvre. Mais do que qualquer outro objeto, ele possuiria uma qualidade

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muito complexa de totalidade em ato e em potencial de pesquisa nunca exaustivo. Ter o

urbano como uma verdade dada é operar com uma ideologia mitificada. Por outro lado, o

conhecimento pode construir e propor modelos, sendo cada objeto um modelo de realidade

urbana.

O autor questiona também o uso da palavra estratégia, a qual significaria a hierarquia

de variáveis a serem consideradas para se utilizar de forma tática e com uso de poder para

aplica-las. Segundo Lefebvre, somente grupos, classes sociais e frações de classes, capazes de

iniciativas revolucionárias, poderiam pegar para si e realizar a fruição de soluções dos

problemas urbanos. É a partir dessas forças sociais e políticas que a cidade renovada se

tornará a obra (“oeuvre”) [9]. A cidade, assim, depende da presença e ação da classe

trabalhadora, a única que poderia colocar um fim a segregação. Somente essa classe, como

classe, pode contribuir decisivamente para a reconstrução da centralidade destruída por uma

estratégia de segregação. Diante desse cenário, o direito à cidade é caracterizado por Lefebvre

“como um choro e uma demanda” (tradução livre) [9]. Mesmo que esse pedido pareça

nostálgico, o direito à cidade não poderia ser concebido como um simples direito de visita ou

como retorno às cidades tradicionais. Ele só poderia ser formulado como um transformado e

renovado direito à vida urbana. Nesse âmbito, sabendo de sua base marxista, o autor dita que

apenas a classe trabalhadora poderia se tornar o agente, a operadora social ou o suporte dessa

realização do urbano.

2. O Rio de Janeiro

Essa parte do Relatório tem como objetivo entender os discursos por trás do projeto

mais atual da cidade do Rio de Janeiro, a partir do texto de Eduarda de La Roche e Petras

Shelton-Zumpano e da apresentação do Prefeito Eduardo Paes, em TED realizado em abril de

2012. Ambos se relacionam com os temas vistos nas seções anteriores, podendo ser usadas de

exemplo para alguns dos imaginários dos autores: a estratégia de desenvolvimento

sustentável, a ideia de “cidade inteligente” e o entendimento de que os TEDTalks formam

certa comunidade epistêmica.

A primeira literatura tem o propósito de descrever o conceito de desenvolvimento

sustentável e seu modelo associado à revitalização urbana, à luz do plano estratégico de

desenvolvimento do governo da cidade do Rio de Janeiro. A preposição final de La Roche e

Shelton-Zumpano é de que “alcançar objetivos de desenvolvimento sustentável é facilitado

substancialmente por parcerias multissetoriais, com mecanismos de participação cidadã”

(tradução livre) [8].

O texto narra um histórico do Rio de Janeiro frente a essas discussões de

desenvolvimento, com foco na Conferência Rio+20. Um dos pilares para atingir os objetivos

expressados em tal evento seria a boa governança, não só através da administração pública,

mas por parcerias entre governo, sociedade civil e setor privado. Com este cenário, o texto

exemplifica as mudanças ocorridas, mostrando o impacto dos megaeventos, mas

principalmente de fatores externos. Nesse âmbito, destacam-se o uso de comunidades

epistêmicas como forma de entrar em contato com outros especialistas, o que ajudou a

mobilizar recursos e trocar informações, metodologias e tecnologias rapidamente.

Por exemplo, se demonstra como a cidade do Rio utilizou-se de componentes de boa

governança do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UN-Habitat)

em seu plano estratégico de 2013-2016. A cidade, para realizar esse plano, levou 40% de seu

orçamento a ser custeado por concessões, parcerias público-privadas (PPP), transferências

intergovernamentais e empréstimos [8]. O texto também cita algumas ações tomadas pelo

prefeito Eduardo Paes para melhor as condições fiscais, a fim de atrair investimento. Uma

dessas foi o recebimento de mais de um bilhão de dólares do Banco Mundial.

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Outro ponto que surge da troca de informações é a maior participação dos cidadãos,

exemplificada no texto pela criação do centro de contato telefônico central dos serviços da

cidade e o site on-line 1746. Além desse, pode ser citado à criação do canal Rio Resiliência,

sendo uma iniciativa apoiada por uma rede de 100 Cidades Resilientes, da Fundação

Rockefeller, organismo internacional sem fins lucrativos.

Ao mesmo tempo em que busca informação, a cidade gera informação, participando

de mecanismos de cooperação internacionais, e possuindo organismos próprios de pesquisa e

monitoramento, como o Instituto Pereira Passos (IPP-Rio). O que se destaca, nesse âmbito,

foi a internacionalização das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Baseando-se na boa

governança, segundo o texto, a UPPs foram implementadas em 2008 como um projeto de

pacificação, através de polícia de proximidade, com apoio financeiro do governo municipal e

do setor privado. Com o objetivo de ajudar o governo estadual a consolidar o policiamento de

pacificação, o governo municipal do Rio de Janeiro, representado pelo IPP-Rio, estabeleceu

um projeto internacional de cooperação técnica com a ONU-Habitat. O projeto UPP Social foi

pilotado em 2010, lançado formalmente em 2011 e renomeado Rio+Social em 2014.

Nesse cenário, os autores expõe também uma conexão entre a política de pacificação e

os preços das casas no Rio de Janeiro. Há benefícios claros para muitos proprietários, visto a

valorização dos imóveis em torno de favelas pacificadas, como foi o caso da UPP do Santa

Marta, em Botafogo. Porém, alerta La Roche et al, os administradores públicos também

devem considerar o impacto da pacificação sobre gentrificação e sobre o poder de compra dos

inquilinos.

O TEDTalk do Prefeito também segue o mesmo desenho do texto, mostrando,

somente por ser uma apresentação para outros analistas, como ocorre a difusão de ideias sobre

cidades. Eduardo Paes foca no que ele chama de caminhos originais, através de mandamentos

básicos, que fazem as cidades serem bons lugares para viver. Em um cenário de “cidades

inteligentes”, o prefeito, que diz que pessoas no mesmo cargo que ele tem uma posição

política de mudar a vida das pessoas, conjuga quatro preceitos que devem existir em todas as

cidades do futuro a fim de administrá-las [15].

O primeiro deles é que “A cidade do futuro tem que ser ambientalmente amigável”

[15]. Deve-se pensar verde, abrindo espaços para as pessoas usarem. O segundo tem como

base a questão de mover as pessoas em uma cidade, através de formas originais, sendo rápido

e barato. Dando o exemplo da cidade de Curitiba, o prefeito enuncia que “A cidade do futuro

tem que lidar com a mobilidade e integração” [15]. Ao nortear a situação das favelas, o

prefeito diz que elas não são sempre um problema, e algumas vezes são a solução. Para lidar

com elas e com o contraste entre ricos e pobres, Paes diz que se deve abrir espaços nas

favelas, “urbanizar” as favelas, através da expansão de serviços básicos de alta qualidade para

dentro delas. O terceiro mandamento, assim, é que “A cidade do futuro tem que ser

socialmente integrada” [15]. Por último, através de uma demonstração em tempo real dos

trabalhos do Centro de Operações do Rio (criado com ajuda da IBM), o prefeito dita que “A

cidade do futuro tem que usar tecnologia para ser presente” [15]. Ao final, Paes conclui

ainda que, além desses meios que podem ser usados para administração, a cidade do futuro é

uma cidade que cuida de seus cidadãos, sem deixar ninguém de fora.

O que se quis sinalizar nessa parte do texto é que não há, necessariamente, uma

imposição de um discurso neoliberal, mas uma localização dessas trocas de informações na

cidade do Rio. Por outro lado, as ideias de cidades inteligentes e de sustentabilidade urbana se

mostram presentes, o que seria uma crítica feita por Brenner e Schmid. Somado a isso, os

mesmos autores criticariam o uso indiscriminado feito pelo prefeito Eduardo Paes, ao utilizar

a palavra “urbanizar” para se dirigir a mudanças ocorridas nas favelas do Rio de Janeiro.

Nesse meio, o pensamento de gentrificação de Smith também deve ser iluminado, a fim de

entender os processos realizados em espaços suburbanizados. Por último, é necessário ler o

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que Paes diz sobre a posição política dos prefeitos, tendo como base o que McFahrene dita, ao

visitar Lefebvre. Os políticos – e outros modeladores de projetos de renovação das cidades –

são, claramente, os que criam essas obras. Porém, a cidade não é construída por eles. O direito

à cidade – à vida urbana – não pode deixar de ser observada através da contribuição e

apropriação da população sobre o território.

O Porto Maravilha

Nessa seção chega-se a figura espacial principal da pesquisa: o Porto Maravilha.

Novamente se utilizará o artigo de La Roche et al, mas também o livro de Álvaro Ferreira, “A

cidade no século XXI”, que norteia algumas mudanças vistas nas pesquisas de campo, as

quais foram realizadas pela autora do Relatório, e serão explorados concomitantemente.

Deve-se citar, a fim de delimitar a pesquisa, que o corte espacial da mesma leva em conta a

extensão do Porto, desde a Praça XV, passando pela Praça Mauá e seus entornos (como, por

exemplo, o Morro da Conceição), caminhando os trilhos do Veículo Leve sobre Trilhos

(VLT) até o AquaRio.

No artigo de La Roche et al., se coloca que a regeneração do distrito portuário é um

dos investimentos mais importantes da administração do prefeito Paes. O projeto de

regeneração do Porto Maravilha foi implementado através de uma parceria público-privada

composta pelo consórcio de empresas Porto Novo e a Companhia de Desenvolvimento

Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), criada em 2009. Com um custo

estimado de R $ 7,6 Bilhões, o projeto foi financiado em grande parte através da venda de

Certificados de Potencial de Construção Adicional (Cepacs), 3% dos quais serão destinados à

preservação de patrimônio e projetos de desenvolvimento social local [8].

O texto também expõe que projetos de regeneração à beira-mar são afetados por uma

tensão inerente entre dois objetivos: aumento da competitividade e aumento da qualidade de

vida dos habitantes afetados. A área de impacto do Porto Maravilha inclui a favela pacificada

Morro da Providência – a qual ainda não objeto de estudo de campo desse relatório -, um

território com 4.889 pessoas, com grande significado histórico como a primeira comunidade

de favelas no Brasil. Esta comunidade pacificada foi atendida desde 2010 pela UPP Social e

Rio + Social, que busca reduzir a tensão entre esses dois objetivos.

Segundo o artigo, existiram críticas sobre a regeneração do Porto Maravilha, por a

mesma promover gentrificação e exclusão social devido à especulação de propriedade

privada. A solução dada por La Roche et al são alianças multi-setorias equipadas com

ferramentas de planejamento participativo que envolvem cidadãos e sociedade civil, que

fortaleceriam o bem-estar e a inclusão, além de aumentar a legitimidade da representação

democrática, especialmente através do uso de tecnologias da informação e os sistemas de

apoio. Esse plano estaria em conjunto do setor público, setor privado e da academia [8].

Essa visão acaba por esconder certas realidades, principalmente da manutenção da

UPP, e de como foram feitas as concessões no Porto, sem discutir questões como desvio de

dinheiro. Mesmo que haja certa utopia necessária na solução dos autores, o que vemos

atualmente não é um planejamento, mas uma participação da sociedade na construção do que

é o Porto, e em sua apropriação pelos cidadãos.

É isso que vemos, por exemplo, no Morro da Conceição. Os cabos da rede elétrica

passaram a ser subterrâneos; o saneamento passou a ser feito com lixeiras subterrâneas; foi

realizado o asfalto de algumas ruas; bares e brechós foram abertos; e o ponto principal, a

Pedra do Sal, passou a ser um espaço mais turístico, ligando os conceitos de certa urbanização

ligada ao capital e a apropriação pela população local, e pela cidade em si.

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A Pedra do Sal– e outras entradas do Morro da Conceição - se conecta a Rua Sacadura

Cabral, local onde, agora, se encontra uma imensa quantidade de espaços para eventos

noturnos, além de ser local do prédio da Cdurp. Na mesma rua, encontram-se “pé sujos” e

restaurantes, como o Angu do Gomes. A mesma foi revitalizada, com novas placas e nova

iluminação.

O final da Rua – ou pelo menos onde acaba a área dos casarões utilizados para festas –

faz esquina com a Rua Barão de Tefé, na qual se encontra o Cais do Valongo, antigos

casarões e armazéns, hoje utilizados para eventos, além de dois prédios novos, já na esquina

da Avenida Venezuela. Seguindo por essa avenida, no sentido contrário dos carros, chega-se

ao Aquário do Rio, ou AquaRio. Antes, porém, se passa por antigos casarões e pelo Moinho

Fluminense, além da rua aberta ao final do novo túnel (Túnel Prefeito Marcello Alencar), o

qual se inicia na Praça XV.

No espaço em torno do AquaRio se encontram algumas “apropriações” as quais se

replicam por outras partes do Porto, como brinquedos para crianças (esses colocados pela

própria prefeitura), ambulantes e food trucks. Outros objetos visíveis desse ponto até a Praça

XV são os jardins, os bancos, a nova iluminação, os grafites tanto nos armazéns quanto nos

prédios antigos, o VLT e, claro, a grande quantidade de pessoas andando. Não se pode deixar

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de pontuar as obras realizadas nos armazéns, agora utilizados também para eventos –

casamentos, festivais, formaturas -, como o Armazém da Utopia.

Andando pela Rua Rodrigues Alves – a rua do porto, na qual agora só passa o VLT –

pode-se ver todas as mudanças acima, e poucas câmeras de segurança, porém uma grande

quantidade de agentes da Operação Centro Presente, utilizando bicicletas para realizar um

patrulhamento ostensivo em toda a área central, mas principalmente na zona portuária.

Passando pelas estações do VLT e por todos os armazéns, chega-se a Praça Mauá, com o

Museu de Arte do Rio (MAR) e o Museu do Amanhã. Nominada também de Boulevard

Olímpico, a área possui alguns bancos próximos ao MAR e uma área mais aberta entre esse

espaço e o Museu do Amanhã, além do monumento de Visconde de Mauá.

Passando pela Praça, chega-se ao caminho revitalizado, que passa pela área militar,

denominado atualmente de Orla Prefeito Luiz Paulo Conde, o qual liga a Praça Mauá à Praça

XV. Nesse caminho, após contornar a área do Comando do 1º Distrito Naval, encontram-se

mais bancos, locais com brinquedos para crianças, a Pira Olímpica, e atrás a Igreja da

Candelária. Ao chegar à Praça XV em si, pode-se encontrar além da estação das Barcas, a

nova estação do VLT, além de uma praça revitalizada, usada não só pelos passageiros, mas

por skatistas, possuindo também um ponto central da Operação Centro Presente.

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Resultados Parciais e Pontos para o Futuro

A escrita desse Relatório teve como objetivo apresentar, primeiramente, as teorias que

são atualmente lidas pela crítica dos Estudos Urbanos – aquelas ligadas às transformações

realizadas no urbano, com a emergência de Cidades Globais -, e como essas podem ser

integradas à disciplina das Relações Internacionais. Em muito dos casos é assumida a

influência de uma ideologia neoliberal – mas que como vimos pode ser lida de certa forma

coercitiva ou sedutora, podendo passar por uma tradução antes de ser aplicada.

Depois, apresentamos o plano de fundo do nosso estudo – as mudanças ocorridas na

cidade do Rio de Janeiro – e o nosso objeto empírico – o Porto Maravilha, sem muito salientar

ou debruçar-se nas teorias anteriormente descritas. O motivo de tal era tentar ler as

modificações de uma forma mais “tabula rasa”, porém entendendo que isso não ocorreria,

visto que toda percepção do trabalho de campo é baseado em um passado da pesquisadora,

seja com as leituras, ideologias e formas as quais ela se entende nesse espaço. Desta maneira,

o que esta seção pretende fazer é mesclar a literatura ao objeto empírico. Porém, deve-se

lembrar de que esse resultado é apenas parcial, advindo de leituras e vivências ainda parciais.

A primeira grande conclusão a qual se pode ter é que o Rio de Janeiro não é uma

cidade global, a partir da definição dada. A cidade não é um centro econômico/financeiro,

como é a cidade de São Paulo, por exemplo. Por outro lado, o que se mostra é que os

discursos feitos pelo prefeito Eduardo Paes e aqueles que embasaram as obras realizadas vão

de encontro com as ideias de constituição de Cidades Globais. Esse ponto se justifica pela

“vontade” da cidade em torna-se um ponto nodal, seja de informações, turismo, cultura, seja

como local onde se aplicam soluções urbanísticas que servem de exemplo para outras cidades.

Ilustra esse momento a presidência do prefeito carioca no organismo C40, mostrando a

ambição da cidade em torna-se local de produção verde. Lendo esse momento a partir do

pensamento de Brenner e Schmid, se concluiria que o Rio faria parte das metanarrativas das

teorias urbanas, seguindo um modelo neoliberal que se perpetua pelas mudanças e crises

econômicas, criando privatizações e exclusões. Essa conclusão, além de ser muito rápida,

poderia entrar em um equívoco, não sendo o objetivo desse relatório.

Dois pontos, portanto, dão uma alternativa a essa visão. O primeiro advém da crítica

de McFarlane, que diserta sobre ideologia, comunidades epistêmicas e tradução. Certamente o

Rio participa de comunidades de troca de informação, exemplificado pelo próprio TEDTalk.

É visto, de igual forma, a participação de executivos nas obras do Porto Maravilha, com

concessões do governo de terrenos anteriormente públicos, que se interessam pela

acumulação e geração de capital. O ponto de divergência aqui é que isso não é um processo

neoliberal puro, que veio de um projeto neoliberalizante mundial coercitivo, que obriga as

obras nas cidades a fim de gerar maior fluxo. Entende-se, como McFarlane, que existe um

conhecimento neoliberal que é disseminado mundialmente, porém que não é enraizado, e sim

traduzido em cada local. Desta forma, não necessariamente foi um encantamento pelo

neoliberalismo, mas pelo o que “ele” produz urbanisticamente, ou seja, os estilos urbanos os

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quais, segundo autores como Brenner e Schmid, foram orientados por ele. Assim, haveria

certa sedução de tentar imitar os projetos internacionais como foram consolidados

materialmente, mas não necessariamente a base deles. Isso nos leva a questionar o quão o

projeto do Porto é realmente baseado em um neoliberalismo “limpo”, ou se seria baseado

apenas em um estilo de cidade a ser traduzido às práticas locais.

O outro ponto que se coloca - e que se inclui nos pontos do futuro - é o espaço do

Porto e vida cotidiana – ou melhor, o direito à cidade. Não se pode entender o Porto

historicamente sem entender as formas pelas quais ele foi e é apropriado. Isso pode ser

exemplificado, por exemplo, com a história do Cais do Valongo: o que ele era, o que ele é, e o

que ele pode ser. Isso passa por formas além de econômicas e políticas, mas também sociais.

Esse relatório, mesmo expondo o ponto anterior, entende que houve um processo de

gentrificação, baseando-se na definição de Neil Smith, no Porto Maravilha, a partir de

remoções, da criação da UPP no Morro da Providência e da valorização dos imóveis de um

ambiente que se mostrava deslocado da mudança urbana anterior. Baseando-se nisso, devem-

se entender todas as formas pelas quais as pessoas que circulam pelos bairros que circundam o

Porto Maravilha o utilizam: turistas que pagam valores exorbitantes para entrar em museus (a

entrada do aquário é de 80 reais, preço cheio), jovens de classe média que vão às festas da

Sacadura Cabral e nos Armazéns, adultos que participam de rodas de samba na Pedra do Sal,

etc. Além desses, deve-se entender principalmente como os moradores do Morro da

Conceição e da Providência convivem nesse espaço, além dos trabalhadores de todos esses

estabelecimentos, e até mesmo os passageiros do VLT e das Barcas.

Porém, visualizar essa forma de apropriação não é algo fácil, porém se mostra um

ponto que deve ser mantido para o futuro da pesquisa, visto que somente a visão da

pesquisadora é ínfima no meio de tantas outras. Uma das soluções observadas são

movimentos realizados por moradores, os quais podem ilustrar a utilização do espaço do

Porto. Um desses movimentos é o “Rolé Dos Favelados”, que tem como objetivo mostrar

espacialmente e através dos discursos de moradores o que aquele espaço e as mudanças nele

ocorridas representam. Outra forma de entender é através de entrevistas com os próprios

idealizadores dos projetos, e dos administradores da Cdurp, dos museus e do aquário, tarefa

que também se mantém para a futuridade. Por último, o trabalho em campo mostra resultados,

porém também realça a necessidade de ser realizado em quantidades, a fim de tentar entender

as formas pelas quais todas essas pessoas citadas e outras mais utilizam o espaço do Porto

Maravilha.

O futuro dessa pesquisa se coloca, então, em entender melhor essa apropriação, e

entender melhor a repercussão das obras para os moradores locais, para a população carioca, e

para os visitantes em geral. Buscar-se-á entender, assim, se existiu uma tentativa de barreira

sobre algumas populações, e se há, atualmente, uma tentativa de pular essas barreiras como

forma de apropriação do espaço pelos moradores.

Referências

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