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    Cad. Sade Pblica, Rio de J aneiro, 16(3):595-617, jul-set, 2000

    DEBATE DEBATE

    O conceito de espao em epidemiologia:

    uma interpretao histrica e epistemolgica

    The concept of space in epidemiology:a historical and epistemological interpretation

    1 Departamento deEpidemiologia e MtodosQuantitativos em Sade,

    Escola Nacional de SadePblica, Fundao

    Oswaldo Cruz.Rua Leopoldo Bulhes 1480,

    8o andar, Rio de Janeiro, RJ21041-210, Brasil.

    [email protected]@mailbr.com.br

    Dina Czeresnia 1

    Adriana Maria Ribeiro 1

    Abstract This study provides an interpretation of the concept of space in epidemiology. The au-thors highlight that the epistemological orientation of the space concept in epidemiology is thetheory of disease, emphasizing the importance of the concept of specific etiologic agents andtheir transmission as the central structure for grasping the relationship between space and thebody. Characterization of the space for circulation of etiologic agents was the epistemologicalbase shaping the use of various theoretical developments in geography, allowing for the con-struction of different explanatory watersheds in the concept of space. The article specifically an-alyzes the Latin American watershed, reviewing the main authors orienting these studies, likePavlovsky, Max Sorre, and Samuel Pessoa. The authors highlight Milton Santos thinking as afundame ntal reference in re cent research on the social organization of space and disease e mer-gence or prevalence. The authors also approach contemporary changes in the understanding ofspace as they are reflected in epidemiological studies.Key words Medical Geography; Geographical Space; Spatial Analysis; Epidemiology

    Resumo Este trabalho apresenta uma interpretao a respeito da utilizao do conceito de es-pao em epidemiologia. Destaca que o que orienta epistemologicamente a concepo do espaoem epidemiologia a teoria da doena, assinalando a importncia do conceito de transmissode agentes especficos como estrutura nuclear da apreenso da relao entre espao e corpo. Acaracterizao do espao de circulao de agentes etiolgicos das doenas foi a base epistemol-gica que configurou a utilizao de sucessivos desenvolvimentos tericos da geografia, possibili-tando a construo das diferentes vertentes explicativas do conceito de espao. O artigo analisaespecificamente a produo da vertente latino-americana, revisando os principais autores queorientam esses estudos, como Pavlovsky, Max Sorre e Samuel Pessoa. Ressalta o pensamento deMilton Santos como referncia fundamental das pesquisas mais recentes acerca da organizaosocial do espao e emergncia ou prevalncia de doenas. Aborda, ainda, transformaes con-temporneas na apreenso do espao e seus reflexos nos estudos epidemiolgicos.Palavras-chave Geografia Mdica; Espao Geogrfico; Anlise Espacial; Epidemiologia

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    Introduo

    Este trabalho apresenta uma interpretao arespeito da utilizao do conceito de espaoem epidemiologia. Revisa especificamente aproduo da vertente que enfatiza o estudo dasrelaes entre espao e doena na Amrica La-

    tina, analisando as principais referncias queorientam esses estudos.

    Espao um conceito bsico em epidemio-logia. Os estudos epidemiolgicos tradicionaisabordam a categoria lugar, que, diferenciadodas caractersticas tempo e pessoas, consti-tui um dos seus principais elementos de anli-se. Reconhecem que o estudo da distribuiogeogrfica da enfermidade importante paraa formula o d e hipteses etiolgicas , almde ser til para propsitos administrativos(MacMahon & Pugh, 1978). O espao com-preendido, separado do tempo e das pessoas,como o lugar geogrfico que predispe a ocor-rncia de doenas. No contexto da clssica tra-de ecolgica de Leavell & Clarck (1976), o meio percebido como um recipiente que facilita ouno o contato entre pessoas, ou hospedeiros, eagentes etiolgicos.

    Contudo, o espao no , a priori, cindidodo tempo e das pessoas. O lugar pode ser com-preendido como topos em que se d um acon-tecimento. Nessa perspectiva, o espao consti-tui-se e distingue-se dos corpos no momentoda vivncia concreta dos fenmenos, atravsde uma interface que se configura no decorrerda prpria experincia.

    O vnculo entre corpo e espao no se apre-senta claramente, pois o processo de emergn-cia das cincias foi tambm o de fragmentaodo modo de pensar o homem e as suas rela-es. No contexto da elaborao dos conceitoscientficos, o espao foi concebido, segundo osmais diferentes pontos de vista, como algo an-terior, que existe independente da constituiodos seres que o habitam. A compreenso docorpo separado e situado em um espao e tem-po concebidos como previamente existentes,construiu representaes que cindiram o eloentre corpo e suas circunstncias.

    A epidemiologia define-se como estudo dadistribuio e dos determinantes das doenasem populaes humanas. Considerando-seque a doena ocorre em uma interface em quecorpo e espao constituem-se e distinguem-seno decorrer da prpria experincia, pode-se di-zer que o pensamento cientfico cindiu o elo dainterface em que ocorre a doena. A doena pensada tendo como referncia no o corpo eo espao concretos, mas as distintas represen-taes de corpo e espao que, atravs de lin-

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    guagens estranhas, entre si fragmentaram ohomem e as suas relaes.

    O ponto de vista central deste trabalho queo ncleo epistemolgico que orienta a apreen-so do espao em epidemiologia a teoria dadoena. Os elementos do espao que so in-corporados na explicao epidemiolgica inte-

    gram-se aos que explicam como a doena ocor-re no corpo.

    A epidemiologia estruturou-se como disci-plina cientfica mediante o conceito de trans-misso de agentes especficos de doenas, de-finindo a explicao da propagao das epide-mias atravs de uma determinada compreen-so da relao entre corpo e meio. O termotransmisso refere-se concepo de corpoenquanto organismo, conceito biolgico defi-nido no sculo XIX como unidade morfolgicacomposta de partes que realizam, de formacoordenada, diferentes funes.

    A compreenso do ser vivo como articula-o entre estrutura, funo e meio estruturou,na poca, uma nova representao dos seresvivos no espao (Jacob, 1983). O espao internoao corpo correspondeu a estruturas anatmi-cas e funes fisiolgicas, e o espao externo aocorpo, aos elementos que constituem o prpriocorpo (Foucault, 1995). O meio foi concebidocomo os fluidos, o ar ou a gua em que o orga-nismo est imerso, constitudo de condiesde calor, luz, umidade, presso, presena decompostos qumicos, teor de oxignio e gs car-bnico ( Jacob, 1983). Nesse contexto, os movi-mentos e as articulaes do corpo com seu meioreduziram-se a fenmenos fsico-qumicos.

    Em epidemiologia, o espao foi inicialmen-te compreendido como resultado de uma inte-rao entre organismo e natureza bruta, com-preendida independente da ao e percepohumanas. Da mesma forma, na geografia cls-sica, o espao foi entendido como substrato defenmenos naturais, como o clima, a hidrogra-fia, a topografia, a vegetao, etc. Porm, naorigem do desenvolvimento do objeto da epi-demiologia, assim como na da geografia, j semanifesta a tenso que interrogou a lgica des-se conhecimento que ops natureza e cultura,natural e artificial, corpo e mente, subjetivo eobjetivo, entre outras dualidades clssicas quecaracterizaram a emergncia das cincias. Ainadequao dessas dualidades apreensodos fenmenos que se propunham estudar sinalizada no discurso dessas disciplinas, reve-lando polmicas que acompanharam a histriadesde o seu nascimento.

    Durante o desenvolvimento da higiene p-blica, que floresceu em um perodo i mediata-mente anterior ao surgimento das cincias bio-

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    lgicas e humanas, predominava uma apreen-so dinmica e integrada dos fenmenos epi-dmicos. Ainda no havia amadurecido o pro-cesso que aprofundou a fragmentao e dico-tomias do conhecimento. A herana da Higie-ne Pblica marcou a origem tanto da epidemio-logia como da geografia (Urteaga,1980). Vincu-

    lada essa herana, velhas teorias, como a daconstituio epidmica, inspirada no pensa-mento hipocrtico, permaneceram represen-tando uma forma de pensar que portava valo-res a serem preservados. Mesmo valendo-se deuma linguagem anacrnica em relao ao dis-curso cientfico que se estrutura a partir do scu-lo XIX, essa teoria foi significativamente resgata-da na construo de novos discursos sobre a rea-lidade da sade e da doena (Czeresnia, 1997).

    O estranhamento e a dificuldade em reco-nhecer seu objeto a partir das distines dico-tmicas, que cindiram cincias naturais e cin-cias sociais, repercutiram de maneira especialna geografia e tambm na epidemiologia. Astransformaes contemporneas no discursocientfico, ao questionar essas dicotomias, re-tomam contradies que se apresentaram des-de a origem e o desenvolvimento dessas disci-plinas (Santos, 1987), estreitamente vinculadasao contexto dos estudos sobre as relaes entreespao e doena.

    Em epidemiologia, o uso do conceito de es-pao acompanhou o desenvolvimento tericoda geografia, especialmente da vertente cha-mada geografia mdica. Pensando a especifici-dade desses estudos, destaca-se, mais uma vez,a importncia da teoria de transmisso de ger-mes como estrutura nuclear da apreenso darelao entre espao e corpo, constituindo-setambm em limite epistemolgico intenode compreender o espao como uma totalida-de integrada. As tentativas de redefinir o con-ceito de espao em epidemiologia, acompa-nhando o desenvolvimento terico-conceitualda geografia, buscaram incluir na compreen-so do processo da doena, dimenses sociais,culturais e simblicas. Porm, todas essas re-definies esbarraram no limite imposto pelateoria da doena. Pensar o homem como umaintegrao biopsicossocial manifesta-se atravsda tentativa de superpor conceitos que no dia-logam com facilidade. Mesmo tentando pensaro espao como totalidade integrada, esta ex-pressa atravs de conceitos estruturados a par-tir de lgicas distintas e fragmentadas entre si.

    Considerando esses limites, ressalta-se queo conceito de transmisso, mesmo assim, al-cana expressar melhor a articulao entre cor-po e meio do que o conceito de risco, desenvol-vido posteriormente. No contexto do estudo das

    doenas transmissveis, por exemplo, foi poss-vel construir modelos matemticos que repre-sentam relaes entre o indivduo e o que ex-terno a ele agentes microbiolgicos e o meio.Conceitos como suscetibilidade, resistncia dohospedeiro, assim como o de virulncia do ger-me e sua infecciosidade integram-se numeri-

    camente no modelo, construindo uma repre-sentao matemtica que expressa o resultadode relaes entre corpo e espao. O conceito deimunidade de grupo expressa o resultado detais relaes.

    O conceito epidemiolgico de risco tornouessa relao ainda mais abstrata. O clculo dorisco traduz uma relao probabilista entreeventos. No se integram no modelo do riscovariveis que representam conceitos capazesde expressar um processo que ocorre entre cor-po e meio. Se o conceito de transmisso repre-senta a interface do corpo como interao en-tre orgnico e extra-orgnico, o de risco pres-cinde dessa relao (Ayres, 1997), aprofundan-do o nvel de fragmentao e rarefao do ob-jeto da epidemiologia. A concepo express apelo conceito de risco a de um corpo virtual.O homem representado como receptor vigi-lante de causas que podem lhe trazer danos ouproteo. O espao torna-se percebido comocomplexo de estmulos irradiados e exterioresao corpo, que se impe centralmente a todos(Teixeira, 1993). O contato entre os homens e anatureza tendeu a ser progressivamente repre-sentado como vnculo indireto, mediado porimagens cada vez mais abstratas, tanto do cor-po, como do espao, deixando de ser simboli-zado como vnculo direto e concreto.

    em decorrncia desse processo em que oespao, ao ser abstrado como multiplicidadede causas, perde tanto materialidade quantosubjetividade, que a apropriao dessa catego-ria em epidemiologia desenvolveu-se preferen-cialmente no contexto do estudo das doenastransmissveis. Mais especificamente, foi atra-vs do estudo das doenas transmitidas por ve-tores que a abordagem espacial pde ser maisobjetiva, explicitando elos capazes de integrarmaior nmero de elementos e alcanando, as-sim, maior materialidade na compreenso darelao entre espao e ocorrncia de doenas.

    A idia de circulao de agentes especficosno espao fundamental a esse desenvolvi-mento conceitual. buscando caracterizar deforma mais elaborada o espao de ci rculaode agentes que, utilizando os sucessivos desen-volvimentos tericos da geografia, constru-ram-se as diferentes vertentes explicativas des-se conceito em epidemiologia, como veremosa seguir.

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    Pavlovsky e o conceito de f oco naturaldas doenas

    Uma das mais importantes elaboraes teri-cas do conceito de espao geogrfico vincula-do ao estudo de doenas transmissveis foi fei-ta por Pavlovsky na dcada de 30. O conceito

    de foco natural expressa uma apreenso espa-cial que integra o conhecimento das doenastransmissveis com a geografia e a ecologia.

    Um foco natural de doena existe quandoh um clima, vegetao, solo especficos e mi-cro-clima favorvel nos lugares onde vivem ve-tores, doadores e recipientes de infeco. Em ou-tras palavras, um foco natural de doenas re-lacionado a uma paisagem geogrfica especfi-ca, tais como a taiga com uma certa composi-o botnica, um quente deserto de areia, umaestepe, etc., isto , uma biogeocoenosis.

    O homem torna-se vtima de uma doenaanimal com foco natural somente quando per-manece no territrio destes focos naturais emuma estao do ano definida e atacado comouma presa por vetores que lhe sugam o sangue(Pavlovsky, s/d:19).

    O conceito de foco natural , portanto, apli-cado a ambientes que apresentam condiesfavorveis circulao de agentes, indepen-dentemente da presena e da ao humanas.Pode ocorrer em paisagens geogrficas varia-das, desde que haja uma interao entre biti-pos especficos. A definio de foco natural cir-cunscreve-se a doenas transmitidas atravsde vetores, no se referindo ao estudo de doen-as que, mesmo apresentando um agente etio-lgico definido, propagam-se atravs do conta-to direto ou mesmo pela inalao de ar conta-minado, como difteria, sarampo, escarlatina edoenas respiratrias.

    A existncia de qualquer doena transmis-svel depende do trnsito contnuo de seu agen-te causal, do corpo do animal doador (animaldoente, portador assintomtico, hospedeiro doparasita) para o corpo do vetor. Essa transmis-so geralmente ocorre quando o vetor suga osangue do doador e subseqentemente transmi-te o agente causal para o receptor animal, fre-qentemente, quando suga seu sangue tambm;o receptor infectado pode por sua vez, tornar-seum doador para outro grupo de vetores, etc.Desta maneira, ocorre, como dizemos, a circula-o(grifo meu) (Pavlovsky, s/d:18).

    O conceito de foco an troprgico, tambmdesenvolvido por Pavlovsky, introduziu a idiada transformao do espao de circulao deagentes de doena pela ao humana. Porm,d conta apenas da transformao inicial dosfocos naturais no apresentando elementos

    suficientes para o estudo das doenas trans-missveis em situaes onde a dinmica demodificao do espao pelo homem ocorreude forma mais ampliada e acelerada.

    Posteriormente, realizaram-se estudos que,partindo da teoria dos focos naturais de Pa-vlovsky, dedicaram mais ateno influncia

    (milenar) humana na transformao das paisa-gens geogrficas onde se desenvolvem doenasassociadas a focos naturais. Rosicky (1967:114)ressaltou como, desde a origem da sociedadehumana baseada na agricultura e domesticaode animais, um foco natural manifesta-se sob ainfluncia indireta de atividades humanas. Du-rante a construo de trabalhos tcnicos de ca-rter industrial e agrcola, as condies de exis-tncia de certos vetores e reservatrios animaispodem ser erradicadas ou acentuadas.

    Sinnecker (1971) props o conceito de ter-ritrio nosognico, articulando aspectos eco-lgicos e sociais. As condies naturais de umaregio integram esses aspectos, condicionandoa sade dos homens e dos animais. As doenastm diferentes distribuies nos distintos terri-trios, e a atividade das populaes transformaas condies de desenvolvimento das doenas.As transformaes podem remover as pr-con-dies para uma doena e, ao mesmo te mpo,criar condies para o surgimento de outras. Oautor ressalta ainda que a grande concentraodas pessoas nas cidades gera novas condiesecolgicas e sociais, propiciando a emergnciade doenas vinculadas aos processos de urba-nizao.

    Max Sorre e o conceito de complexopatognico

    Max Sorre foi alm da abordagem de Pavlovskyao trabalhar a importncia da ao humana naformao e dinmica de complexos patogni-cos. O conceito de complexo patognico am-pliou o poder analtico e explicativo de umaconcepo antes praticamente restrita des-crio do meio fsico (Ferreira, 1991). Ao assu-mir a ecologia como eixo central, o conceito deespao que Sorre utiliza , por um lado, o mes-mo que se formula atravs da biologia: as rela-es entre um meio externo que varia e ummeio interno que necessita adaptar-se paramanter suas constantes fisiolgicas. Por outrolado, o autor explicita que, ao se tratar de sereshumanos, o conceito de meio deve enriquecer-se e incluir tambm o ambiente produzido pe-lo homem. Refere-se, assim, ao conceito de g-nero de vida que considera o conjunto da orga-nizao social humana em seus aspectos ma-

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    teriais e espirituais. compreendido comocombinao de tcnicas, cujo uso e desenvol-vimento adaptam-se s diferentes condiesgeogrficas onde se inserem grupos humanos.Transforma-se com as necessidades e ativida-des dos grupos, assegurando sua sobrevivncia(Sorre, 1984).

    A constituio do gnero de vida de gruposhumanos, alm de influenciar a formao psi-colgica dos indivduos, pode modelar a pr-pria aparncia fsica destes. O gnero de vidatambm se expressa atravs de variantes decomportamento nas situaes cotidianas, co-mo alimentao e grau de atividade fsica. Es-sas vivncias, como aponta Sorre, so peculia-res a cada grupo, e as aes e costumes prati-cados na esfera individual, na verdade, consti-tuem a formao tnica e cultural de um povo.

    A riqueza do conceito gnero de vida, con-tudo, no se expressa totalmente no conceitode complexo patognico, que tambm buscaintegrar as dimenses fsica, qumica, biolgi-ca, econmica, social e cultural. O conceito decomplexo patognico tem como objetivo expli-citar uma compreenso sinttica (Gadelha,1995). Como a idia de constituio epidmi-ca, esse conceito trabalha com uma perspecti-va dinmica, referindo-se ao conjunto de cir-cunstncias que predispem um lugar, em de-terminado perodo, ao surgimento de doenas.Porm, apesar dessa inteno sinttica, Sorreestuda os complexos patognicos, classifican-do-os de acordo com agentes microbiolgicosque definem doenas especficas, e coloca seutrabalho sob uma perspectiva analtica:

    ... A interdependncia dos organismos pos-tos em jogo na produo de uma mesma doenainfecciosa permite inferir uma unidade biolgi-ca de ordem superior: o complexo patognico.Compreende, alm do homem e do agente cau-sal da doena, seus vetores e todos os seres quecondicionam ou comprometem a sua existn-cia...(Sorre, 1951, apudFerreira, 1991:306).

    A est rutura nuclear do conhecime nto dadoena mediante a idia de causa, que se impsatravs da teoria dos germes, como foi afirmadoanteriormente, tornou-se um limite epistemo-lgico inteno sinttica de todos os autoresposteriores elaborao da teoria dos germes.

    Samuel Pessoa e a geografiamdica no Brasil

    Sorre e Pavlovsky forneceram uma importantebase conceitual em geografia mdica, que fun-damentou o desenvolvimento dos trabalhosposteriores que buscaram uma perspectiva in-

    terdisciplinar. A linha de investigao constru-da por Samuel Pessoa inspirou-se nessas duascontribuies, especialmente nos trabalhos dePavlovsky. Ele criou uma escola de estudos emgeografia mdica no Brasil, no contexto dachamada medicina tropical. Estudou as ende-mias prevalentes no Brasil, tambm, e espe-

    cialmente, as transmitidas atravs de vetores,como esquistossomose, doena de Chagas, fi-lariose, malria, etc.

    O meio geogrfico cria, indiscutivelmente,condies constantes e necessrias para a inci-dncia e propagao de inmeras molstias rei-nantes nos trpicos e, principalmente, em rela-o s doenas metaxnicas, isto , quelas queexigem para sua transmisso vetores biolgicos,como por exemplo, a malria, a febre amare-la, as filarioses transmitidas por mosquitos, aesquistossomoses por moluscos. O desenvolvi-mento dos vetores bem como a multiplicao doagente patognico nestes hospedeiros esto es-tritamente ligados ao meio geogrfico e espe-cialmente s condies climticas (Pessoa,1978:151).

    Pessoa (1978) afirmou a necessidade de re-cuperar a velha tradio hipocrtica. A nfa-se na bacteriologia relegou a um segundo pla-no o estudo acerca da influncia do ambientesobre a ocorrncia das doenas. Ressalta que oambiente refere-se ao conjunto de causas queatuam sobre o homem e no apenas ao meio f-sico. Mesmo assim, evidente, tambm no dis-curso formulado por este autor, que o elemen-to que se mantm como eixo da apreenso darelao entre homem e meio na explicao dadoena a sua causa microbiolgica especfica.

    Os fatores que intervm na incidncia epropagao das doenas infecciosas e parasit-rias em uma regio, so numerosos e complexos.Atribu-los somente s condies geogrficas eclimticas to errneo como incriminar so-mente a presena do germe. claro que, porexemplo, sem o bacilo virgula da clera no po-de existir esta grave enfermidade, porm nin-gum nega a existncia de uma geografia da c-lera. No se deve limitar, todavia, o termo geo-grafia de uma doena, no sentido estrito que seentende por esta cincia. Se se pode, em um ma-pa, delimitar as reas de endemicidade ou epi-demicidade da clera, da peste, da malria, dasleishmanioses, etc., que pelo termo geografiadeve-se considerar no s a geografia fsica, oclima e os demais fenmenos meteorolgicos,que caracterizam geograficamente a regio, masainda as geografias humana, social, poltica eeconmica. E os fatores que mais intervm navariao e propagao das doenas, so justa-mente os humanos(Pessoa, 1978:153).

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    Mil t on Santos e os estudosepidemiolgicos sobre organizaodo espao e doena

    Os conceitos geogrficos propostos por MiltonSantos constituem uma das referncias maisimportantes para as anlises da relao entre

    espao e doena, especialmente as produzidasno Brasil. Esse autor conceitua espao comoum conjunto indissocivel de sistemas de obje-tos e sistemas de aes (Santos, 1996:18); umconjunto de fixos e fluxos que interagem (San-tos, 1996:50). O espao aquilo que resulta darelao entre a materialidade das coisas e a vi-da que as animam e transformam. A configura-o territorial uma produo histrica resul-tante dessas relaes. As aes provm das ne-cessidades humanas: materiais, espirituais,econmicas, sociais, culturais, morais, afetivas.Sistemas de objetos e de aes interligam-se.No h como separar natural e artificial: o es-pao hoje um sistema de objetos cada vez maisartificiais, povoado de sistemas de aes igual-mente imbudos de artificialidade (...) De umlado, os sistemas de objetos condicionam a for-ma como se do as aes e, de outro lado, o sis-tema de aes leva criao de objetos novos ouse realiza sobre objetos preexistentes. assimque o espao encontra sua dinmica e se trans-forma (Santos, 1996:51-52).

    A tcnica um elemento fundamental paracompreender o processo de organizao espa-cial. a tcnica que intermedeia a interaohomemnatureza. Atravs dela, cria-se uma na-tureza humanizada. No se adiciona tcnica aum pretenso meio natural. A tcnica produz umespao que um misto, um hbrido, um com-posto de formas contedo (Santos, 1996:35).

    Milton Santos caracteriza o espao do mun-do contemporneo (aps a segunda guerramundial) como meio tcnico-cientfico-infor-macional, quando as idias de tecnologia, decincia e de mercado globais so encaradas co-mo um conjunto. A partir desse perodo, os ob-jetos tcnicos so ao mesmo tempo inf orma-cionais. A base e o substrato da produo, utili-zao e funcionamento do espao so a cin-cia, a tcnica e a informao. por essa lgicaque os espaos so requalificados e incorpora-dos s novas correntes mundiais. O meio tc-nico-cientfico-informacional a cara geogrfi-ca da globalizao (Santos, 1996:191).

    O conceito de rede torna-se indissocivelao de espao. Definidas como conjunto de cen-tros funcionalmente articulados, as redes inte-gram os espaos configurando-se basicamenteem dois aspectos: o material e o social. As re-des atravessam contextos materiais e scio-

    culturais diversificados e podem ser compreen-didas como constituindo espaos de circulaoe difuso de agentes de doenas.

    Foi tambm nos estudos a respeito das do-enas endmicas e epidmicas que a elabora-o terica de Milton Santos a respeito do es-pao foi mais utilizada. Buscou-se estudar a

    sua distribuio como resultado da organiza-o social do espao. As sociedades humanasproduziram uma segunda natureza por meiodas transformaes ambientais oriundas doprocesso de trabalho. O conceito de meio am-biente, do ponto de vista ecolgico, envolve oespao de reproduo das espcies e a fonte derecursos para essa reproduo. Considerando-se grupos humanos, o conceito substitudopelo espao socialmente organizado, ou seja,o espao onde se realizam processos econmi-cos e sociais (Sabroza & Leal, 1992:53).

    Utilizando essa abordagem, o trabalho deLuiz Jacintho da Silva Organizao do Espao eDoena(Silva, 1985a) conseguiu encontrar umelo explicativo entre a dimenso biolgica e asocial, na histria da doena de chagas em SoPaulo. O autor analisa como as transformaesdas atividades produtivas ligadas economiacafeeira condicionaram mudanas fsicas ebiolgicas que configuraram as condies ma-teriais de distribuio da endemia.A estruturaepidemiolgica da doena se modificou com atransformao do espao. Com base na teoriade foco natural e antroprgico de Pavlovsky, eleestudou os elementos da paisagem geogrficapropcios ao surgimento, circulao e trans-misso do vetor, como clima, vegetao e solo.Por meio do conceito de espao socialmenteorganizado, conseguiu integrar esses elemen-tos em uma compreenso mais complexa: o es-pao foi organizado no contexto da histria daocupao econmica, e esta forma de organi-zao criou um sistema de relaes que trans-formaram as condies fsicas do meio. As con-dies necessrias para o crescimento e declnioda endemia de chagas surgiram historicamen-te atravs da superposio de paisagens geo-grficas, que se construram no processo de de-senvolvimento econmico da regio estudada.

    Barreto (1982) tambm ressaltou, em estu-do sobre a prevalncia de esquistossomosemansnica em municpios do estado da Bahia,as caractersticas da organizao social do es-pao rural na configurao da endemia. A e s-quistossomose foi introduzida no Brasil com amigrao africana de indivduos infectados du-rante o perodo da escravido. A intensidadedo processo endmico e o desenvolvimento denovos focos, contudo, no puderam ser expli-cados apenas pela existncia de condies eco-

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    lgicas favorveis. O autor analisou como a or-ganizao das relaes de produo e os deslo-camentos humanos mediados por estas rela-es foram fundamentais para a reteno e pa-ra a disseminao espacial da endemia.

    A disseminao das endemias no se res-tringiu aos ambientes rurais. A urbanizao

    das fronteiras agrcolas e a migrao e mobili-dade social cidadecampo possibilitaram quese criassem focos em rea urbana. Um exem-plo disso foi a adaptao da esquistossomoseaos espaos da periferia da cidade de So Pau-lo (Silva, 1985b). Os migrantes representam umgrupo particularmente vulnervel, por sua pre-cria insero social na cidade e pela ausnciade imunidade em relao a doenas existentesnos centros urbanos (Carvalheiro, 1986). A di-versidade das formas de insero social refletea desigual distribuio territorial e, tambm,diferentes perfis epidemiolgicos, nos quais apopulao de baixa renda a que mais sofre oimpacto das epidemias e endemias.

    A vertente da epidemiologia social, com ba-se em abordagem marxista, realizou estudosque alcanaram identificar origens e condicio-nantes sociais e econmicos dos processos epi-dmicos. Considerou epidemia como um acon-tecimento social, e no apenas a soma de casosde uma mesma doena. Os autores enfatiza-ram a problemtica do subdesenvolvimento e,principalmente, das desigualdades sociais co-mo seus principais condicionantes. A erradica-o e o controle das epidemias no dependemapenas de diagnstico e interveno biolgica,mas de todos os elementos que participam daorganizao social do espao.

    A maior parte des ses estudos associou aemergncia de doenas ao espao urbano. A ci-dade a protagonista da configurao espacial:o crescimento, a superlotao, a precria redede infra-estrutura (em especial nas periferias),a intensa movimentao de pessoas, favore-cem a circulao de parasitas. No s antigasdoenas coabitam com novas, como doenasanteriormente erradicadas ressurgem. As epi-demias de meningite, clera, dengue, leptospi-rose so algumas das apontadas pelos autores.

    Breilh et al. (1983), em estudo sobre a mor-talidade infantil em cidades latino-americanas,afirmaram que as principais causa mortissoas doenas infecto-contagiosas e a desnutri-o, conseqncias do subdesenvolvimento la-tino-americano. Mesmo nos pases de maiorcrescimento e modernizao econmica, per-sistem graves desigualdades sociais, e parte dapopulao encontra-se em pssimas condiesde vida. Os autores criticam os estudos que seapiam apenas em causas biolgicas, negli-

    genciando aspectos econmicos e sociais dasdoenas e mortes infantis.

    Ao estudar a epidemia de doena meningo-ccica na cidade de So Paulo na dcada de 70,Barata (1988) apontou para o momento hist-rico em que o pas vivia: o milagre econmico.Apesar do crescimento econmico, constru-

    ram-se condies sociais favorveis ao apare-cimento e disseminao da epidemia, como apoltica salarial restritiva, sustentada com basena represso poltica e os movimentos migra-trios, que impuseram o crescimento acelera-do da periferia dos grandes centros urbanos.Dentro deste contexto, surgiram os elementosque interferiram no processo epidmico: o des-gaste do trabalhador, e, indiretamente, de seusfamiliares, decorrentes dos baixos salrios e daincorporao feminina na fora de trabalho. Osdados analisados pela autora demonstraramclaramente que, apesar da epidemia atingirfortemente todas as reas da cidade, as reasmais pobres apresentaram riscos mais altoscomparados s reas central e intermediria dacidade.

    Nesse mesmo estudo, Barata (1988), combase em Foucault, introduz uma abordagem, arespeito da relao entre espao e a epidemiameningoccica, no decorrente da explicaoestritamente epidemiolgica. Ressalta como asrelaes de poder, dominao e excluso no es-pao hospitalar interferem na sade e recupe-rao dos indivduos. As relaes de poder, queproduzem a excluso da participao nas deci-ses, no ocorrem apenas no mbito poltico esocial mais geral, mas tambm nas relaes co-tidianas que se e stabelecem, por exemplo, nohospital. Essas relaes constituem-se espaosnormativos e repressivos que acentuam os as-pectos de insegurana e carncia afetiva carac-tersticos da situao de estar doente. Os fato-res ambientais que interferem no processo doadoecer individual e coletivo so fsicos, so-ciais, como tambm mentais e afetivos.

    Transfor maes recentes naabord agem do espao e da relaoentre espao e doena

    A complexidade das transformaes, principal-mente nos centros urbanos, imps novas for-mas de elaborao terica acerca do espao. Avelocidade da transformao das redes que in-tegram os espaos uma das caractersticasmais marcantes da chamada condio ps-moderna. Essas mudanas interferem nas rela-es sociais, nos valores, nos modos de agir, vi-ver e pensar. O seu ritmo cada vez mais acele-

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    rado produziu uma crise na experincia do es-pao e do tempo, desafiando a nossa prpriacapacidade perceptual de acompanhar. Osnossos hbitos de percepo espacial no seestruturaram para lidar com essa velocidade.Tornou-se ainda mais evidente que as idias dosenso comum, aparentemente naturais, a res-

    peito do que o espao escondem ambigida-des e conflitos. A experincia subjetiva conduza caminhos muito diferenciados de percepoe imaginao. Distintas culturas e grupos so-ciais possuem diferentes concepes acerca doespao (Harvey, 1996).

    A fragmentao e a indivi dual izao soum dos lados da caracterstica paradoxal deum processo que manifesta simultaneamentea tendncia homogeneizao e multiplica-o da expresso de heterogeneidades. A glo-balizao, com a formao do mercado mun-dial, reduziu as barreiras espaciais. Facilitou-se o acesso aos mais diversificados produtosoriundos de diferentes regies e aumentou-seo contato direto entre os povos. A lgica do li-vre mercado, porm, acentuou os espaos dedesigualdade e excluso. Um exemplo a cons-truo de espaos fechados e protegidos, comocondomnios e shopping-centers, para classesmdias e, ao mesmo tempo, a expulso dos po-bres para uma nova e bem tenebrosa paisagemps-moderna de falta de habitao (Harvey,1996:79).

    A distncia entre ricos e pobres aumentoude forma desenfreada. Os pobres cada vez maisse convertem nos proscritos de uma sociedadeorganizada em torno de um mercado consumi-dor cada vez mais sofisticado. A excluso socialde grupos populacionais crescentes, explosodemogrfica, mudana da estrutura etria daspopulaes, intensificao das migraes, guer-ras tornaram mais complexos os aspectos hu-manos das condies globais (Bauman, 1998).Os srios problemas epidmicos urbanos ultra-passaram a esfera das doenas transmissveis,neoplsicas e cardiovasculares. Manifestaram-se tambm como epidemia, violncia, aciden-tes de trnsito, uso de drogas, doenas psicos-somticas e comportamentos reativos.

    Ao me smo tempo, reapareceram as amea-as de grandes desastres naturais: poluio doar e da gua, progressivo aquecimento global,buracos na camada de oznio, chuva cida, sa-linizao e ressecamento do solo. As conse-qncias epidemiolgicas desse intenso pro-cesso de transformaes so radicais e impre-visveis. A emergncia de novas doenas, quepodem manifestar-se, tambm, como epide-mias fatais e devastadoras, no uma possibi-lidade apenas ficcional.

    Nesse contexto, novos temas apareceram eoutros se renovaram: orientao sexual e doen-as sexualmente transmissveis; gnero e doen-a; violncia; trfico e adio de drogas; circui-tos espaciais urbanos de grupos especficos,como crianas e velhos; espaos desiguais edoena. O reconhecimento de uma multiplici-

    dade de formas de alteridade, como gnero, se-xualidade, raa, classe e outras configuraesde subjetividade e sensibilidade encontraramexpresso no desenvolvimento recente dos es-tudos epidemiolgicos.

    Retomou-se, alm disso, o interesse a res-peito do estudo do clima como importantecausa de doena. Os surtos de doenas, como afebre hemorrgica causada pelo vrus Ebola,motivaram, mais uma vez, o interesse pelo es-tudo dos espaos pouco alterados pela aohumana. A poluio ambiental, a quantidadede radiao ultravioleta ou intensidade decampo eletromagntico vm sendo abordados,principalmente, no estudo das neoplasias (Sil-va, 1997).

    importante destacar que a teoria e prti-ca cientfica tambm constroem representa-es simblicas sobre o espao e estruturamdistintas formas de apreenso e de ao sobrea realidade. A compreenso de que mltiplosaspectos materiais e imateriais configuram oespao, engendrando praticamente todas asdimenses da existncia humana, j est pre-sente, por exemplo, no conceito gnero de vidade Sorre. O conceito de complexo patognico,contudo, no suficiente para explicar a confi-gurao de grande parte dos problemas de sa-de pblica na sociedade contempornea. Estesdemandam novos discursos e abordagens quealcancem aprofundar a perspectiva multi outransdisciplinar, incorporando dimenses doespao no comumente utilizadas nos estudosepidemiolgicos.

    Uma tentativa recente de ampliar os usosda categoria espao manifesta-se atravs doconceito de situao de sade, que busca ex-pressar as condies especficas dos grupos so-ciais, objetiva e subjetivamente construdas earticuladas forma como esses grupos se con-figuram e se inserem socialmente em determi-nado momento histrico e circunstncias na-turais (Castellanos, 1990). Esse conceito possi-bilita a abordagem dos problemas de sade edoena de um ponto de vista especfico paracada grupo populacional e, ao mesmo tempo,de uma perspectiva interdisciplinar e interse-torial (Rojas, 1998).

    Um dos mais importantes exemplos daspermanncias e transformaes nas formas depensar a relao entre espao e doena pode

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    ser evidenciado mediante os trabalhos sobre aepidemia de AIDS. O seu surgimento, h duasdcadas, provocou um processo acelerado deelaborao, mobilizando recursos cognitivos esubjetivos que acrescentaram muitos elemen-tos para a compreenso da relao entre espa-o e epidemia. Essas abordagens no estiveram

    restritas ao campo especifico da epidemiolo-gia, manifestando outras mltiplas possibili-dades de se pensar e intervir sobre o processoepidmico, que se integram s explicaes es-tritamente epidemiolgicas.

    As redes espaciais de difuso, interao (oucirculao) do vrus da AIDS so hoje percebi-das como de difcil delimitao. Elas no seconfiguram de acordo com as caractersticasgeogrficas anteriormente estudadas no mbi-to das doenas transmissveis (Barcellos & Bas-tos, 1996). A relao entre transmisso da AIDSe sexualidade ou uso de drogas, expressa acomplexidade de dimenses que, embora con-formadas culturalmente, se situam na esferadas opes pessoais e individuais. As redes delimitao ou facilitao da transmisso socondicionadas por caractersticas macroestru-turais que configuram socialmente o acesso arecursos materiais e subjetivos, mas que se de-finem nos espaos da vida privada dos sujeitos.

    Os centros urbanos concentram atividadesde troca e interao social. Barcellos & Bastos(1996) estudaram, por exemplo, as redes so-ciais que se articulam transmisso da AIDSentre usurios de drogas. Os caminhos do nar-cotrfico percorrem espaos de maior vulnera-bilidade e incidncia da infeco. Dessa forma,podem ser identificados pontos em que os flu-xos de difuso da epidemia so mais intensos.

    As anlises espaciais que, por meio de tc-nicas de geoprocessamento, visualizam o des-locamento da difuso dos agentes e dos even-tos epidmicos evidenciam tambm a mudan-a no perfil scio-econmico da epidemia. De-tectou-se especificamente no Brasil a expansoda epidemia para os segmentos de menor ren-da e escolaridade. Grangeiro (1994) estudou adistribuio dos casos da doena na cidade deSo Paulo. Nas reas mais ricas, predominaramos casos de transmisso homossexual masculi-na, e apresentou-se uma maior razo de inci-dncia entre homens e mulheres. Nas reasmais pobres, ao contrrio, houve maior nme-ro de casos de transmisso heterossexual e re-lacionada ao uso de drogas. A razo entre casosem homens e mulheres foi menor (Grangeiro,1994). O crescente processo de pauperizaoda epidemia de AIDS demonstra que a distri-buio espacial dos mais diversificados recur-sos materiais e imateriais que favorecem a pro-

    teo contra as doenas inexoravelmente ten-dem a acompanhar a lgica mais geral da desi-gualdade e iniqidade social.

    Os trabalhos a respeito da AIDS, sem dvi-da, expressam transformaes discursivas re-centes sobre a relao entre espao e produode doenas. Um exemplo pode ser sinalizado

    atravs da construo dos modelos dinmicosde transmisso da AIDS, que ganharam um no-vo destaque. O acelerado desenvolvimento dainformtica e do conjunto das cincias permi-tiu o aperfeioamento das tcnicas de simula-o e a incorporao de inmeras novas vari-veis, que manifestam as mudanas do discursocientfico contemporneo. Mesmo mantendo amesma base lgica configurada no incio dosculo, os modelos hoje integram informaesespaciais geogrficas a dados sociais e indivi-duais, tanto comportamentais como genticos,estabelecendo redes de transmisso extrema-mente complexas.

    Concluso

    Como vimos, o ncleo epistemolgico queorienta a apreenso do espao do ponto de vis-ta epidemiolgico a teoria da doena. ne-cessrio explicao epidemiolgica alcanarexpressar, de alguma forma, o espao em queocorre o processo do adoecer, ou seja, a interfa-ce entre corpo e espao. Nesse sentido, a idiade circulao de agentes especficos, especial-mente no contexto de doenas transmitidaspor vetores, foi fundamental objetivao deum conjunto de elementos, capazes de dar ma-terialidade relao entre espao e produode doenas. Isto foi possvel tanto no contextoda abordagem estritamente ecolgica quantono da que considerou o espao socialmente or-ganizado.

    Essa configurao apresentou-se limitada,especialmente para o estudo das doenas cha-madas no-transmissveis. Atravs do conceitoepidemiolgico de risco, a interface entre cor-po e meio abstrada, representada, de modovirtual, como uma multiplicidade de estmulosirradiados. O conceito de risco no explicita ar-ticulaes entre elementos materiais e i mate-riais que possam explicar o vnculo entre espa-o (exposio) e corpo (evento de doena). Omodelo do risco constri representaes dasrelaes entre causas e a probabilidade destasprovocarem doenas que produzem uma des-conexo radical dos elos entre os homens esuas circunstncias.

    A tradi o crtica na epidemiologia, espe-cialmente na Amrica Latina, buscou superar

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    as limitaes dos conceitos epidemiolgicos,integrando contribuies da teoria social sanlises dos processos coletivos de sade edoena. Porm, os conceitos especficos da epi-demiologia foram pouco problematizados nasua referncia biologia. A corrente histrico-estrutural que fundamentou esse desenvolvi-

    mento tendeu a desvalorizar as dimenses bio-lgica e individual do adoecer. Ao buscar am-pliar a concepo de espao, deixou-se de lado,caracterizada como atribuio da clnica, a con-cepo de corpo que o reduz ao biolgico e indi-vidual. Sem repensar a concepo de corpo, res-tringem-se as possibilidades de encontrar elosque expliquem a relao entre espao e doena.

    Desenvolvimentos mais recentes questio-naram as abordagens que, por um lado, res-tringiam os processos uma dimenso biolo-gicista e, por outro, a determinantes genricose estruturais (Fleury, 1992). Buscou-se reinter-pretar o significado de individual e de biolgi-co, atravs de conceitos como sujeito e nature-za (Costa & Costa, 1990). O reconhecimento daimportncia de valores, como subjetividade,autonomia, diferena, apresentou-se no con-texto das transformaes no discurso cientfi-co, que, h cerca de uma dcada, manifesta-ram-se mais claramente na sade coletiva.

    Essas transformaes trouxeram novos ele-mentos para se pensar o espao e, conseqen-temente, a relao entre espao e doena. Re-tomando a definio de Milton Santos (Santos,1996) do espao enquanto sistema de objetos ede aes, um conjunto de fixos e fluxos, ressal-ta-se, no contexto dos fluxos, aspectos que fo-ram pouco trabalhados em estudos epidemio-lgicos. A dimenso da comunicao no meiotecno-cientfico-informacional produz-se tam-bm atravs da circulao de palavras, ima-gens, rumores, afetos. Os elementos simbli-cos contribuem de modo significativo para aconfigurao territorial e, certamente, para oprocesso de adoecer, individual e coletivo. Su-blinhando-se a dimenso fluida do espao, des-tacam-se aspectos que enriquecem e tornamainda mais complexa a sua natureza. Porm, aapropriao de teorias a respeito do espao,produzidas em outros campos do conhecimen-to, ainda no conseguiu encontrar uma media-o to clara entre o espao e o fenmeno doadoecer como a que alcanada pela idia decirculao de agentes especficos de doenas.

    Sem dvida, desde a formulao da teoriados germes, houve um enorme desenvolvimen-to das cincias, da visualizao de estruturasbiolgicas, da compreenso de processos so-ciais e simblicos, o que acrescentou muitoselementos para pensar o espao, o corpo e o

    surgimento de doenas. No h como negar queo desenvolvimento tecno-cientfico em grandeescala trouxe como conseqncia a construode representaes da realidade cada vez maiscomplexas. O discurso da epidemiologia, assimcomo o da geografia, articulando-se ao de outrasreas de conhecimento, diversifica e amplia

    suas possibilidades. A complexidade crescentedos enfoques conceituais, contudo, dificulta aconstruo de mtodos capazes de operaciona-liz-los (Costa & Teixeira, 1999).

    O esforo de integrao entre diferentesabordagens o outro lado da acelerao daproduo de mltiplas linguagens, que frag-mentam as dimenses em que o corpo e o es-pao so apreendidos. A construo de ima-gens e discursos sedutoramente retricos podetrazer, ao em vez de saber, perplexidade e im-potncia. Pode ofuscar, ao invs de esclarecer,os caminhos para a resoluo de problemas.Nesse mundo em que se multiplicam e se frag-mentam exponencialmente imagens, informa-es e representaes da realidade, ressalta-secada vez mais a importncia de reforar os elosentre pensamento e sensibilidade. Estamos vi-vendo o paroxismo da tendncia sinalizada hmuito tempo por filsofos e poetas: o processode desmembramento e decomposio da natu-reza e do homem fez com que se perdesse a inte-gridade da referncia em seu prprio sentido(Goethe apudCassirer, 1993:225); a visibilida-de de novas estruturas na natureza e na deter-minao dos seres implicou uma cegueira emrelao ao sentido do ser (Merleau-Ponty, 1992);a visualizao progressiva de realidades ante-riormente inimaginveis tendeu a afastar o ho-mem de seu prprio referencial de medida(Arendt, 1987).

    A experincia vivida nos acontecimentos areferncia bsica a qualquer perspectiva sint-tica. No caso da epidemiologia, o sofrimentohumano que se manifesta atravs dos eventosepidmicos, que mobiliza o pensamento a pro-duzir significados e encontrar, dentre as maisvariadas possibilidades, aquelas que melhorcorrespondem necessidades. A crena na ver-dade cientfica torna-se cada vez mais relativa,colocando-se em primeiro plano a idia da uti-lidade do conhecimento. O que importa no adisputa entre mtodos e sistemas de pensa-mento definidos a priori, mas a capacidade deresolver, da melhor forma possvel, problemasconcretos. O uso do conceito de espao em epi-demiologia tem uma abertura transdisciplinar,permite uma multiplicidade de significaes,que devem ser mobilizadas, tendo como refe-rncia situaes de sade definidas a partir deinteresses devidamente explicitados.

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    Cad. Sade Pblica, Rio de J aneiro, 16(3):595-617, jul-set, 2000

    Agradecimentos

    Agradecemos as suge stes de Paulo Chagastelles Sa-broza.

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    Cad. Sade Pblica, Rio de J aneiro, 16(3):595-617, jul-set, 2000

    O artigo apresentado por Dina Czeresnia &Adriana Ribeiro nos instiga a pensar, de formaampliada, o processo sade-doena e os deter-minantes subjetivos que permeiam suas rela-es. As autoras propem uma discusso con-ceitual e histrica, considerando diversas con-cepes e aplicao da categoria de anlise es-pao em epidemiologia. O contedo aborda-do de extrema importncia nos dias atuaispara a sade pblica e, particularmente, para odesenvolvimento da epidemiologia, tendo emvista a possibilidade de apontar para horizon-tes explicativos das novas e velhas mazelas queafligem as diferentes sociedades, populaes eindivduos.

    O uso do espao enquanto categoria deanlise para a compreenso da ocorrncia e dadistribuio das doenas nas coletividades sur-ge antes mesmo da consolidao da epidemio-logia como disciplina cientfica. De fato, a rela-o do meio geogrfico com o processo sa-dedoena e sua historicidade j so estudadasdesde, aproximadamente, 480 a.C. com o tra-balho de Hipcrates intitulado Ares, guas eLugares(Pessoa, 1978), numa concepo am-bientalista, tendo uma aplicao concreta naepidemiologia a partir dos estudos de Snow(1990) sobre o modo de transmisso da cleraem Londres, no incio da Revoluo Industriale Cientfica.

    Certamente, concordamos com as autorasquando apontam que a teoria da doena quetem guiado epistemologicamente a concepodo espao em epidemiologia e verificamos queo artigo apresenta uma trajetria bastante per-tinente quando observa que, historicamente,se trabalha uma concepo de lugar cen tradano natural. Essa concepo tambm umacontribuio de fundamental importncia pa-ra a compreenso da epidemiologia das doen-as infecciosas, particularmente as de trans-misso vetorial, como explicitado por Silva(1997). Talvez isso ocorra porque as doenasinfecciosas apresentam elos entre o espao e ocorpo determinados externamente (vrus, bac-trias, fungos, etc.), transmitidos ou no porvetores, sendo mais visveis para o conheci-mento cientfico adquirido pelo homem neste

    Debate sobre o art igo de Dina Czeresnia

    & Adr iana Maria Ribeiro

    Debate on the paper by Dina Czeresnia

    & Adriana Maria Ribeiro

    Departamento de SadeColetiva, Ncleo de Estudos

    em Sade Coletiva, Centro dePesquisas Aggeu Magalhes,

    Fundao Oswaldo Cruz.Departamento de Medicina

    Social, Universidade Federalde Pernambuco.

    Eduardo Maia Freesede Carvalho

    sculo, fundamentado no paradigma biologi-cista. Em contrapartida, em relao s doenascrnico-degenerativas e considerando o mo-delo multicausal, os elos entre corpo e espaoso menos evidentes, dado que o elemento ex-terno no pode ser reconhecido na forma deagentes transmissveis.

    com a corrente marxista da geografia quea epidemiologia busca elementos explicativosdas relaes entre espao e sociedade, ten do,contudo, sempre a contribuio de epidemio-logistas como Castellanos (1987), Possas (1989),Laurell & Noriega (1989), Breilh et al. (1990),dentre outros, que procuraram evidenciar as-pectos relacionados s desigualdades existen-tes entre classes e distintos grupos sociais. Es-sas contribuies se expressam claramente pa-ra alm daquelas que se encontram estrita-mente no campo biolgico, ao considerarem ascontradies existentes no modelo econmico,no processo de industrializao, na urbaniza-o, na questo agrria e nas migraes, quetm influenciado de forma extremamente mar-cante na organizao social do espao habita-do (Santos, 1988).

    Porm, fato que as vrias concepes emodelos acima referidos no consideram asubjetividade existente entre os elos que sepa-ram espao, enquanto categoria de anlise, e oindivduo. Entretanto, os diferentes autores la-tino-americanos, ainda que centrados numaviso que privilegia a doena, tm alcanadoavanos importantes quando consideram oprocesso de adoecer como determinado social-mente, entendido enquanto processo histri-co. Estes consideram dois momentos funda-mentais:

    1) O momento da produo (trabalho), co-mo explicativo para um perfil epidemiolgicode doenas crnicas, particularmente do setorsecundrio (industrial) e tercirio (comrcio eservios), secundarizados pelas doenas infec-ciosas e parasitrias; e

    2) O momento da reproduo da fora detrabalho, que, tendo em vista o insuficiente sa-lrio, no d condies ao trabalhador de su-prir suas necessidades bsicas de sobrevivn-cia, como alimentao e moradia adequadas,saneamento bsico, lazer, etc. Em conseqn-cia, verificamos um perfil epidemiolgico compredominncia das doenas infecciosas e pa-rasitrias, secundarizadas pelas enfermidadescrnicas e degenerativas.

    Entendemos que existe, ainda, um terceiroou novo padro epidemiolgico em sociedadesemergentes, em um contexto de iniqidade so-cial, que encarnam e espelham as contradiesda forma desorganizada de ocupao dos es-

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    Cad. Sade Pblica, Rio de J aneiro, 16(3):595-617, jul-set, 2000

    paos urbanos e rurais. Nesses locais, coexis-tem, em nveis elevados, as enfermidades ar-caicas, (clera, esquistossomose, sarampo,hansenase, tuberculose), para as quais j dis-pomos de tecnologia para erradic-las ou con-trol-las, e as enfermidades da modernidade,particularmente as enfermidades crnicas e

    degenerativas, bem como eventos e danos sade, inclusive as mortes violentas (acidentede trnsito, homicdio etc.).

    Outras duas consideraes colocadas paradiscusso so:

    1) O emprego de tcnicas de georreferen-ciamento e geoprocessamento dos dados e in-formaes, que muito tm contribudo para oentendimento do espao enquanto categoriade anlise. Entretanto, essas tcnicas no de-vem ser entendidas como cincia ou panaciapara explicar o processo sadedoena, postoque suas possibilidades e potencialidades soamplas, mas tambm tm claras limitaes,pois so tcnicas apenas.

    2) A segunda considerao a reflexo so-bre os ambientes de trabalho e suas relaesconflitantes entre chefes, supervisores e os de-mais trabalhadores. Relaes geradoras de ten-so psicolgica e estresse, que debilitam a sa-de dos indivduos e que ainda no foram devi-damente explorados pela epidemiologia, namedida que pouco se conhece sobre estas e oselos existentes entre espao e corpo.

    Por ltimo, as autoras nos fazem tambmrefletir sobre a utilizao do mtodo epidemio-lgico baseado na quantificao e distribuiodas doenas infecciosas e parasitrias e no mo-delo dos fatores de risco para as doenas crni-co-degenerativas. Parece claro que tal metodo-logia no apropriada para compreender asubjetividade existente entre espao e corpo.Entretanto, parece, tambm, bvio que, parabuscar compreender a subjetividade do pro-cesso de adoecer, necessrio nos apropriar-mos do mtodo qualitativo, este sim possuidorde potencialidades capazes de explicar catego-rias de anlise subjetivas. A to preconizadatriangulao metodolgica entre as cincias,visando a interdisciplinaridade e, qui, atransdiciplinaridade, aparenta ter grande po-tencial de buscar desvendar a complexidadedo processo sadedoena, centrada, particu-larmente, na sade.

    BREILH, J., 1990. Deterioro de la Vida. Un Instrumen-to para Analisis de Prioridades Regionales en l oSocial y la Salud. Quito: Corporacin Editora Na-cional.

    CASTELLANOS, P. L., 1987. Sobre el concepto salud-enfermidad: Un ponto de vista epidemiolgico.In: Congresso Mundial de Medicina Social,Anais,

    p. 5. Medellin: Congresso Mundial de MedicinaSocial. (mimeo.)

    LAURELL, A. C. & NORIEGA, M., 1989. Processo deProduo e Sade: Trabalho e Desgaste Operrio.So Paulo: Editora Hucitec.

    PESSOA, S. B., 1978. Ensaios Mdico-Sociais. So Pau-lo: CEBES/Editora Hucitec.

    POSSAS, C., 1989. Epidemiologia e Sociedade: Hetero-

    geneidade Estrutural e Sade no Brasil. So Paulo:Editora Hucitec.SANTOS, M., 1988. Metamorfose do Espao Habitado:

    Fundamentos Tericos e Metodolgicos da Geo-grafia. So Paulo: Editora Hucitec.

    SILVA, L. J., 1997. O conceito de espao na epidemio-logia das doenas infecciosas. Cadernos de SadePblica,13:585-593.

    SNOW, J., 1990. Sobre a Maneira de Transmisso doClera. 2a Ed. So Paulo: Editora Hucitec/Rio deJaneiro: ABRASCO.

    Elos entre geografia e epidemiologia

    O artigo de Dina Czeresnia & Adriana Ribeiroapresenta uma reflexo oportuna sobre o espa-o na epidemiologia. Outros artigos com preo-cupaes semelhantes vm sendo publicadosnos prprios Cadernos de Sade Pblicanos l-timos anos, demonstrando uma retomada deuma abordagem espacial para os problemas desade. Dentre estes podem ser mencionadas ascontribuies de Maria da Conceio Costa &Maria da Glria Teixeira (Costa & Teixeira, 1999),Luiza Iigez Rojas (Rojas, 1998) e Luiz Jacinthoda Silva (Silva, 1997). Tambm em artigo nestarevista, apontamos vantagens e riscos do uso dogeoprocessamento para anlises de ambiente esade, procurando identificar problemas teri-co-metodolgicos encontrados nessa possveljuno (Barcellos & Bastos, 1996). Essa srie deartigos, entre os quais se destaca a presente re-viso, permite hoje recuperar correntes histri-cas e identificar tendn cias do uso do espaocomo categoria de anlise da epidemiologia.Diversos outros artigos, que vm sendo recen-temente apresentados nesta e em outras revistasde sade pblica, contm mapas ilustrativos oudemonstrativos da distribuio espacial de agra-vos sade, suas fontes de risco ou determinan-tes sociais e ambientais. Felizmente, a crescen-te utilizao de categorias geogrficas na anli-se de sade parece estar sendo acompanhadapor reflexes a cerca de sua formulao terica.

    Como apontado pelas autoras, geografia eepidemiologia tm histrias semelhantes, mar-

    Departamento deInformaes em Sade,

    Centro de Informaesem Cincia e Tecnologia,Fundao Oswaldo Cruz.

    ChristovamBarcellos

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    Cad. Sade Pblica, Rio de J aneiro, 16(3):595-617, jul-set, 2000

    cadas por uma intensa troca com cincias danatureza e da sociedade. A epidemiologia e ageografia talvez tenham em comum, principal-mente, as crises que costumam produzir pelasaturao de modelos ou por sua superao emrazo de novas realidades. A AIDS, lembradapelas autoras, uma dessas novas realidades

    que acabaram por derrubar antigos conceitose esquemas de anlise. Foi assim com o mode-lo proposto por Pavlovsky, superado pela urba-nizao de doenas no explicadas por umaecologia ou geografia da paisagem natural.Tanto Pavlovsky quanto Max Sorre trabalharamcom a ecologia, no sentido de cincia das rela-es entre ambiente e seres vivos, e talvez, porisso, se prenderam aos princpios de equilbriomeio interno/meio externo, homem/meio, pa-rasitas/hospedeiro. Talvez esses modelos se-jam adequados para o es tudo de algumas e n-demias, mas no para doenas no transmiss-veis e situaes epidmicas. Algumas vezes te-mos que pensar no desequilbrio, no efeito deum fato novo um novo agente infeccioso ouas migraes na determinao de doenas.Tambm parece estar em crise a chamada epi-demiologia dos fatores de risco (Castellanos,1990), que freqentemente desconsidera as in-teraes entre indivduos (unidades de obser-vao) e as condies coletivas que emergemdestas relaes. Algumas das importantes ex-presses dessa coletividade so as cidades, asredes sociais, os grupos scio-espaciais, locali-zados em guetos ou condomnios residenciais,ou organizados em torno de fatores comunsque unem pessoas, produzem subjetividadescoletivas e se manifestam no espao; em luga-res particulares (Sabroza & Leal, 1992). Essasrelaes so necessariamente coletivas e tmexpresso espacial, embora muitas vezes de di-fcil apreenso.

    O lugar, ao lado de pessoas e tempo, umadas trs principais dimenses de anlise de fe-nmenos epidemiolgicos. Essa categorizao meramente didtica, uma vez que pessoas,tempo e lugares interagem. O conjunto lugar-tempo-pessoas , em outras palavras, precisa-mente o objeto da geografia. A geografia estu-da a relao entre sociedade e espao, ou seja,como, onde, em que condies e por que cau-sas se d o desenvolvimento humano (no pro-priamente equivalente ao desenvolvimentopessoal) na superfcie da terra (lugares). Paraisso, compreende esse processo como resulta-do da acumulao de foras histricas (tempo).

    Nesse sentido, o espao no s viabiliza acirculao de agentes, como enfatizado pelasautoras, mas estabelece um elo, unindo, de umlado, grupos populacionais com caractersticas

    sociais que podem magnificar efeitos adversose, do outro lado, fontes de c ontaminao, lo-cais de proliferao de vetores. Essa ligaoacontece no s no espao, mas, principalmen-te, se d atravs da organizao espacial. Essaorganizao impe uma lgica de localizao efuncionamento, tanto para a produo quanto

    para a reproduo da sociedade. Esse encontrosingular entre condies de risco e populaesem risco determinado por fatores econmi-cos, culturais e sociais que atuam no espao. Oexemplo da sade dos trabalhadores , talvez,o mais gritante, em que a posio do indivduono espao de trabalho est fortemente relacio-nada funo por ele exercida e a toda a estru-tura de produo, utilizando categorias da geo-grafia sugeridas por Milton Santos. Esse con-junto de variveis, que indissocivel, deter-mina as condies de risco a que esto subme-tidas parcelas da populao de trabalhadores.Essas relaes no so to evidentes no cha-mado ambiente geral, isto , no espao de mo-radia, de circulao e de consumo. Nesse caso,cabe investigao epidemiolgica e geogra-fia da sade restabelecer esse elo.

    O uso do espao na rea de sade tem sidoincrementado com o crescente acesso a basesde dados epidemiolgicos e pela disponibili-dade de ferramentas cartogrficas e estatsti-cas computadorizadas. O uso dessas ferramen-tas pressupe, no entanto, modelos de explica-o do processo sade/doena baseados emvariveis espaciais, como distncia e vizinhan-a, e no inter-relacionamento com dados decaracterizao do lugar. O espao muitas ve-zes utilizado como simples plano geomtricopara a disposio e anlise de dados epidemio-lgicos, tendo como premissa os elementos es-paciais prximos compartilharem condiesscio-ambientais semelhantes. O espao temsido fragmentado para, numa segunda aborda-gem, permitir verificar a diferenciao de con-dies sociais e ambientais, tendo como pres-supostos a homogeneidade interna e a inde-pendncia das unidades espaciais de agrega-o e anlise de dados. Uma terceira aborda-gem focada na viso particular do lugar e dascircunstncias em que o espao pode produzirriscos sade. A cada uso do espao corres-ponde um conceito e um conjunto de mtodose tcnicas de anlise que podem ser emprega-das. A falta de explicitao desses conceitos emtodos prejudica no s o prprio estudo,mas o estabelecimento desse possvel elo entregeografia e sade. O uso do geoprocessamento,uma ferramenta de cada vez mais fcil acesso eutilizao entre profissionais da sade, tam-bm pressupe um embasamento metodolgi-

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    Cad. Sade Pblica, Rio de J aneiro, 16(3):595-617, jul-set, 2000

    Departamento deParasitologia, Instituto

    de Cincias Biomdicas,Universidade

    de So [email protected]

    Marcelo UrbanoFerreira

    No final do sculo XVIII, os mdicos passarama interrogar o corpo humano em busca da sededas doenas, que Morgagni e Bichat localiza-riam nos rgos e tecidos e Virchow, posterior-mente, na clula. Quase simultaneamente, amedicina social buscava compreender a distri-buio das doenas em populaes humanas eseus determinantes. A idia de territrio dasdoenas surge, portanto, em contextos distin-tos. O territrio da clnica delimitado por dis-ciplinas como a anatomia, a histologia e a pato-logia, enquanto o espao que a medicina socialinvestiga corresponde ao objeto de estudo dogegrafo. Embora tcnicas cartogrficas vies-sem sendo utilizadas, ao longo do sculo XIX,para descrever a distribuio das doenas hu-manas, o intercmbio conceitual entre a medi-cina social e a geografia somente se intensif icaem meados do sculo XX. Esse intercmbio o

    co prvio. Que paradigmas usamos e dispomosnesse caso? Estamos buscando o complexo pa-tognico? Estamos condenados geografiaquantitativa? Trabalhamos com a ecologia dasdoenas? Existe alguma maneira de se fazergeografia crtica usando geoprocessamento?No temos respostas para estas questes, mas

    o debate incitado por esse artigo permite recu-perar a histria da difcil relao entre geogra-fia e epidemiologia e apontar possveis cami-nhos a seguir.

    BARCELLOS, C. & BASTOS, F. I., 1996. Geoprocessa-mento, ambiente e sade, uma unio possvel?Cadernos de Sade Pblica, 12:389-397.

    CASTELLANOS, P. L., 1990. Sobre el concepto desalud-enfermedad. Descripcin y explicacin dela situacin de salud. Boletn Epidemiolgico,10:1-7.

    COSTA, M. C. N. & TEIXEIRA, M. G. L. C., 1999. A con-cepo de espao na investigao epidemiol-

    gica. Cadernos de Sade Pblica, 15:271-279.ROJAS, L. I., 1998. Ge ografa y salud: Temas y pers-

    pectivas en Amrica Latina. Cadernos de SadePblica, 14:701-711.

    SABROZA, P. C. & LEAL, M. C., 1992. Sade, ambientee desenvolvimento. Alguns conceitos fundamen-tais. In: Sade, Ambiente e Desenvolvimento. UmaAnlise Interdisciplinar (M. C. Leal, P. C. Sabroza,R. H. Rodriguez & P. M. Buss, org.), pp. 45-93, Riode Janeiro: ABRASCO/So Paulo: Editora Hucitec.

    SILVA, L. J., 1997. O conceito de espao na epidemio-logia das doenas infecciosas. Cadernos de SadePblica, 13:585-593.

    tema central do oportuno artigo de Dina Cze-resnia & Adriana Maria Ribeiro.

    A principal vertente acadmica da geografiamdica surge em 1943, com a publicao doprimeiro volume da obra magistral de Max Sor-re, Les Fondements de la Gographie Humaine,dedicado aos seus fundamentos biolgicos.

    Sorre prope aqui o complexo patognico co-mo um conceito de integrao entre a geogra-fia e as cinci as biolgicas. A geografia mdi-ca aplicada torna-se popular a partir de 1939,quando o parasitologista russo Y. N. Pavlovskylana a sua teoria dos focos naturais das doenashumanas, que teria servido de base para as ativi-dades de controle de diversas endemias ruraisno territrio sovitico. Do ponto de vista concei-tual, importa examinar como Sorre e Pavlovskyinterpretam as relaes entre o homem, o espaogeogrfico e as doenas, e em que consiste a no-vidade de suas proposies (Ferreira, 1991).

    O foco natural das doenas descrito emPavlovsky como um objeto da geografia fsica:uma paisagem caracterizada por elementosclimticos e de cobertura vegetal, onde circu-lam agentes etiolgicos, vetores e reservatriosde uma infeco. O ser humano situa-se forado foco, ainda que eventualmente sua ao so-bre a paisagem possa contribuir para a disse-minao de infeces. Sua posio hierrquicacorresponde exatamente dos demais elemen-tos paisagsticos e biolgicos em jogo. No h,no plano conceitual, nenhuma ruptura com atradio positivista; a noo de foco naturalreaparecer na trade clssica agente-hospe-deiro-meio da epidemiologia funcionalista deLeavell & Clarck (1976). No Brasil, as idias dePavlovsky teriam ampla divulgao nos escri-tos de Samuel Pessoa (1978), cujo valor residemais em seu carter de denncia social do queem seu apuro conceitual ou metodolgico.

    Por outro lado, o complexo patognico deSorre pertence ao mbito da geografia huma-na. Nele, o papel do homem no se restringe aoplano biolgico, como eventual hospedeiro deagentes infecciosos. A doena no surge ou de-saparece como fenmeno natural; a gnese oudesintegrao dos complexos patognicos condicionada pela ao humana sobre o ambi-ente. No entanto, Sorre prende-se a uma pers-pectiva ecolgica para compreender esta aohumana, sintetizada em seu conceito de gne-ro de vida. Os diferentes gneros de vida resul-tariam de modos diversos de adaptao do ho-mem s dificuldades impostas pelo meio geo-grfico. No cabem nessa perspectiva atoressociais em conflito de classes n em formaessociais que geram determinados modos deocupao do espao. A fria recepo das idias

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    Cad. Sade Pblica, Rio de J aneiro, 16(3):595-617, jul-set, 2000

    de Sorre no Brasil, pelo menos entre os epide-miologistas, pode ser medida pela inexistnciade estudos empricos que se utilizam de seuconceito de complexo patognico.

    A ge ografia crtica proporciona outro pos-svel elo de interao entre a epidemiologia e ageografia. Entre os epidemiologistas de forma-

    o positivista, no entanto, h dificuldade deabsorver conceitos de espao incompatveiscom a trade agente-hospedeiro-meio. O pro-blema bsico reside no modo como se analisa arelao entre as partes e o todo. Ora, na geogra-fia crtica o espao humano interpretado co-mo uma totalidade que resulta da ao do ho-mem organizado em sociedade sobre a paisa-gem. Nas palavras de Milton Santos, a essn-cia do espao social. Nesse caso, o espao nopode ser apenas formado pelas coisas, os obje-tos geogrficos, naturais e artificiais, cujo con-jun to nos d a Natureza. O espao tudo isso,mais a sociedade: cada frao da naturezaabriga uma frao da sociedade atual(Santos,1985). Essa totalidade no resulta meramenteda justaposio de seus componentes, nem es-tes podem ser compreendidos sem referncia totalidade.

    No plano terico, a maior contribuio so-bre espao e doena da epidemiologia brasilei-ra deve-se a Luiz Jacintho da Silva (Silva, 1991),que radicaliza a noo de foco antroprgico dePavlovsky em seus estudos sobre a doena deChagas no Estado de So Paulo. Gegrafos bra-sileiros vm realizando trabalhos metodolgi-cos e empricos valiosos, como aqueles reuni-dos na obra coordenada por Alberto Najar &Eduardo Marques (Najar & Marques, 1998), nomencionados por Czeresnia & Ribeiro. A vastaobra geogrfica de Milton Santos, que ganhacada vez mais leitores no Brasil, prope umaslida base conceitual para a epidemiologia so-cial lidar com os problemas do espao. A geo-grafia urbana, em especial, convive com fecun-das teorias do espao de orientao marxista,como as de Manuel Castells & Henri Lefebvre(Castells & Lefebvre, apud Gottdiener, 1997).Criam-se condies para que a geografia mdi-ca brasileira se liberte de sua tradio de des-crever (e eventualmente denunciar) a ocorrn-cia e distribuio das endemias rurais e se de-bruce sobre temas como, por exemplo, a emer-gncia de doenas infecciosas nas cidades.AIDS e tuberculose esto na pauta dessas futu-ras investigaes.

    FERREIRA, M. U., 1991. Epidemiologia e Geografia: Ocomplexo patognico de Max Sorre. Cadernos deSade Pblica, 7:301-309.

    GOTTDIENER, M., 1997.A Produo Social do EspaoUrbano. So Paulo: Edusp.

    LEAVELL, S. & CLARCK, E. G., 1976. Medicina Preven-tiva. So Paulo: McGraw-Hill.

    NAJAR, A. L. & MARQUES, E. C., 1998. Sade e Espao:Estudos Metodolgicos e Tcnicas de Anlise. Riode Janeiro: Editora Fiocruz.

    PESSOA, S. B., 1978. Ensaios Mdico-Sociais. So Pau-lo: CEBES/Editora Hucitec.

    SANTOS, M., 1985. Espao e Mtodo. So Paulo: Nobel.

    SILVA, L. J., 1991. Evoluo da Doena de Chagas noEstado de So Paulo. Tese de Doutorado, RibeiroPreto: Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto,Universidade de So Paulo.

    Czeresnia & Ribeiro nos trazem um tema damaior relevncia: a questo do espao em Epi-demiologia. Com efeito, tempo e espao so,como sabemos desde Kant, as intuies funda-mentais com as quais o entendimento contri-bui para a construo do conhecimento positi-vo ainda que se ponha em questo o cartertranscendental dessas categorias estticas. Comjusta razo, portanto, toda disciplina cientf icaque reflete sobre suas bases epistemolgicasprecisa, mais ou cedo ou mais tarde, examinarde que modo essas noes basilares esto ins-truindo o conhecimento que produz. Esseexerccio se torna to mais necessrio quantomais tais intuies se desdobram na constru-o da linguagem prpria de cada campo deconhecimento, na constituio de categoriasanalticas e conceitos nos quais tempo e espa-o revestem-se, eles prprios, de contedo em-prico que se busca validar. o caso da hist-ria, da geografia e, sem sombra de dvida, daepidemiologia.

    Tempo, lugar e pessoa compem a tradebsica da produo/interpretao dos cons-tructos epidemiolgicos, dizem os manuaisque fundaram as bases metodolgicas da disci-plina. O que, na verdade, poderia ser escritocomo pessoas em lugares/tempos. a distri-buio de ocorrncias que define o escopo daepidemiologia, j propem textos mais recen-tes. De qualquer modo est ali, inexorvel, oespao. Para alm de fundamento esttico, elemesmo aspecto a ser apreendido e problema-tizado, assim como o tempo, como vem discu-tindo Gil Sevalho. Quantificar e comparar ocor-rncias pressupe delimitar em termos de tem-po e espao a grandeza de eventos definidos.Assim, determinar onde os eventos acontecem, em epidemiologia, indispensvel para che-gar a identificar porque eles acontecem ou, ao

    Jos RicardoAyres

    Departamento de

    Medicina, Faculdade deMedicina, Universidade

    de So Paulo.

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    menos, como podem vir a no acontecer. Asautoras defendem, nesse sentido, que a prpriaidentidade da disciplina se construiu sobreuma figura de espacialidade, qual seja, a buscadas vias de transmisso das doenas de massa.

    No obstante seu carter central na consti-tuio da epidemiologia, o espao tambm no

    conseguiu, porm, escapar ao horror antiteor-tico que marca o desenvolvimento conceitualdessa disciplina. O espao tem sido amplamen-te usado em epidemiologia para conhecer co-mo se distribuem as doenas e seus correlatos(servios, tratamentos, respostas), mas no pa-ra pensar o que isso significa. Espao virou lu-gar, e este passou a ser apreendido como ende-reo. O endereo, enquanto tal, foi progressiva-mente deixando de ser um dado emprico dota-do de significado para transformar-se no supor-te lgico de variveis cada vez mais abstratas,altamente isoladas do conjunto indissocivelde sistemas de objetos e sistemas de aode quenos fala Milton Santos (Santos, 1996:18).

    Essa uma das questes centrais suscita-das pelo trabalho aqui apresentado. Dado que,tambm a epidemiologia, como ocorrncia, co-mo evento delimitvel espacialmente, deve sertratada como parte indissocivel de um siste-ma (ou sistemas) de objetos e aes, cabe per-guntar: o que esse deslocamento nos diz a res-peito de ns prprios? Por que o lugar repre-senta o espao no mbito da nossa prtica epi-demiolgica? Se considerarmos ainda que, en-tre nossos sistemas de objetos e aes, um de-les, o sistema lingstico, tem um lugar deter-minante na contnua reconstruo desses sis-temas, por maior razo devemos nos deter so-bre o que estamos fazendo com o espao emque vivemos quando, epidemiologicamente, odesignamos lugar.

    Da problemtica acima desdobra-se aindaoutra ordem de questes levantadas pelo arti-go e que diz respeito s transformaes histri-cas, com a licena do trocadilho, do lugar epis-temolgico que vem ocupando esse lugarepidemiolgico no desenvolvimento cientficoda disciplina. As autoras destacam que o pontode vista central do seu trabalho o de que oncleo epistemolgico que orienta a apreensodo espao em Epidemiologia a teoria da doen-ae que os elementos do espao que so incor-porados na explicao epidemiolgica inte-gram-se aos que explicam como a doena ocorreno corpo(grifos meus). Nesse sentido, pare-cem sugerir que o lugar um dispositivo frag-mentador do espao do qual a epidemiologiaextrai alguns elementos e que o princpio des-sa fragmentao a fisiopatologia s interes-sando os fragmentos que (e proporo que)

    so capazes de evidenciar mecanismos disfun-cionais no corpo. Estamos de acordo, porm,que, desde a verdadeira revoluo epistemol-gica que foi a emergncia do conceito de riscoem epidemiologia, o desvelar de um crculodisfuncional, cujo centro estava na intimidadeorgnica e cuja circunferncia se estendia para

    tudo que, no meio externo, se relacionava comela, perdeu espao (eu disse espao?!). At osanos 30, as relaes entre microbiologia, imu-nologia e clnica permitiram epidemiologiamanter-se ainda como porta-voz de uma me-cnica internoexterno, mas, agora, j traba-lhando menos com a idia de disfuno do quecom a idia de desequilbrio (entre infectantes,infectados e suscetveis). Aps a Segunda Guer-ra Mundial, contudo, vemos a epidemiologiado risco prescindir quase totalmente no s dafisiopatologia, como tambm de qualquer me-cnica internoexterno para produzir seu co-nhecimento. Nem disfuno, nem desequil-brio, o que a epidemiologia passa a buscar e re-velar o desfavorvel. Se uma ocorrncia qual-quer tem possibilidade de estar favorvel oudesfavoravelmente associada a outra no cam-po da sade, esse fato, junto com sua extenso,passa a ser o norte e o trao distintivo da pro-duo hegemnica na epidemiologia do risco.Nesse sentido, cabe perguntar: no ter a epi-demiologia contempornea modificado sua re-lao com as teorias das doenas? Nesse con-texto, como se recomps o espao da epide-miologia? Qual princpio est gerando hoje osfragmentos que, atravs do lugar, represen-tam o espao nos estudos epidemiolgicos?

    Certamente, essas questes no so algo aque as autoras devam (e possam) responder deforma conclusiva em sua trplica. So reflexesfundamentais que seu artigo apenas levanta einicia. Cabe a ns todos, do campo da epide-miologia e da sade pblica, especialmenteaqueles que j vm dedicando esforos espe-ciais para a compreenso do problema, comoLuiz Jacintho da Silva, Maurcio Barreto, PauloSabroza, entre outros, ajudar a respond-lascom nossas melhores reflexes e prticas coti-dianas.

    SANTOS, M., 1996.A Natu reza do Espa o Tcnic a eTempo, Razo e Emoo. So Paulo: Editora Hu-citec.

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    CZERESNIA, D. & RIBEIRO, A. M.612

    Cad. Sade Pblica, Rio de J aneiro, 16(3):595-617, jul-set, 2000

    Ncleo de Estudos em

    Sade Coletiva, Centrode Pesquisas AggeuMagalhes, Fundao

    Oswaldo Cruz.Departamento deMedicina Clnica,

    Centro de Cincias daSade, Universidade

    Federal de Pernambuco.

    Maria de FtimaMilito deAlbuquerque

    O texto de Dina Czeresnia & Adriana Ribeiroapresenta um tema bastante atual e estimula oleitor a fazer algumas reflexes e questiona-mentos. Tendo como propsito interpretar autilizao do conceito de espao em epidemio-

    logia e revisar a produo terica a respeito, naAmrica Latina, sente-se falta, no entanto, deuma maior clareza a respeito da perspectivaassumida pelo artigo. Se esta era sistematizar asdiversas correntes do pensamento geogrfico,especialmente a concepo de espao, e sua in-fluncia na epidemiologia, o artigo exibe umagrande lacuna quando no considera os traba-lhos do gegrafo e mdico Josu de Castro.

    Entre as vertentes explicativas, somente fo-ram destacadas as influncias de Pavlovsky,Max Sorre, Samuel Pessoa e Milton Santos. Aobra pioneira de Josu de Castro, Geografia daFome, publicada em 1946 (Castro, 1992), ficouinexplicavelmente de fora. Do ponto de vistasocial, a obra se insere no mbito da geografiacrtica, precisamente na chamada geografia dedenncia, que, segundo Moraes, Fazia-se umadescrio da vida regional, que no encobria ascontradies existentes no espao analisado.Sendo a realidade injusta, sua mera descrioj adquiri a um componente de oposio or-dem instituda (Moraes, 1990:118).

    Vale, ento, salientar uma outra questo co-locada pelo artigo, que a suposta inadequa-o dessa abordagem para as doenas no in-fecciosas. Em sntese, o texto assume que: aidia de circulao de agentes especficos no es-pao fundamental a esse desenvolvimentoconceitual, porque expressaria melhor as rela-es do homem com o meio.

    Abordando um evento no transmissvel, nocaso a fome, a obra de Josu de Castro (Castro,1992) no ficou ancorada na trade agente, hos-pedeiro e ambiente, apreendida nas investigaesdas doenas transmissveis. Samuel Pessoa, noensaio Histrico da Geografia Mdica, afirma: Es-tudos sobre a alimentao em relao geografiatm vindo mais abundantemente luz, talvez de-vido influncia poderosa do notvel nutricionis-ta e gegrafo Josu de Castro(Pessoa, 1983:119).

    O espao, socialmente organizado peloshomens, congrega as marcas impressas por es-sa organizao, adquirindo caractersticas lo-cais prprias que expressam a diferenciao deacesso aos resultados da produo coletiva (San-tos, 1979). A ocupao do espao territorial re-fletiria, assim, as posies ocupadas pelos in-divduos na sociedade e seria conseqncia deuma construo histrica e social, sendo, por is-so, capaz de refletir as desigualdades existentes.

    Sem dvida, o conceito de transmisso pre-serva um contedo relacional que no toevidente para a ocorrncia das doenas no-transmissveis ou outros eventos de sade/do-ena em populaes (Czeresnia & Albuquerque,1998). Porm, hbitos e comportamentos con-siderados como fatores causais/protetores pa-

    ra essas doenas/eventos, tais como fumo, ali-mentao, agentes txicos, uso de preservativos,etc., parecem circular de forma diferenciada emgrupos populacionais. E, sem dvida, esse fatono depende apenas de variaes individuais.

    Assim, estudar a relao entre o uso de ca-pacetes e a mortalidade entre motociclistas diferente de estudar o efeito das leis que obri-gam o uso de capacetes por motociclistas sobrea mortalidade por acidentes de moto, em dife-rentes lugares/espaos (Morgenstern, 1998). Osestudo ecolgicos orientados pela concepode espao socialmente organizado tornam evi-dentes os efeitos de processos no perceptveisno mbito dos indivduos (Castellanos, 1998).

    A utilizao do conceito de espao redefini-do pela geografia crtica uma das propostasterico-metodolgicas no mbito da epidemio-logia que tm tentado integrar o conhecimentobiolgico do processo de adoecer aos fenme-nos sociais. um esforo que parece bem-su-cedido em enfatizar a funo estrutural da di-menso social do processo sade/doena, co-mo tm demonstrado vrios estudos orienta-dos por essa abordagem. E, principalmente,mostra-se como uma alternativa metodolgicapara identificao e anlise das necessidadesde populaes, buscando-se superar as iniqi-dades em sade (Paim, 1997). Contribuir paraa viabilizao de mudanas das prticas sani-trias, subsidiando novos modelos de interven-o sobre os problemas de sade pblica, semdvida, um dos grandes mritos desse esforo.

    preciso, contudo, no perder de vista oalerta das autoras para o fato de que nenhumaestratgia de anlise isolada capaz de darconta da pluralidade dos fatores implicados naocorrncia de eventos de sade e doena naprtica das investigaes e sero sempre apro-ximaes da realidade.

    CASTELLANOS, P. L., 1998. O ecolgico na epidemi-ologia. In: Teoria Epidemiolgica Hoje Funda-mentos, Interfaces e Tendncias (N. Almeida Filho,M. L. Barreto, R. P. Veras & R. B. Barata, org.), pp.129-147, Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.

    CASTRO, J., 1992. Geografia da Fome Dilema Brasi-leiro: Po ou Ao. 11a Ed. Rio de Janeiro: Griphus.

    CZERESNIA, D. & ALBUQUERQUE, M. F. M., 1998.Limites da inferncia causal. In: Teoria Epidemio-lgica Hoje Fundamentos, Interfaces e Tendn-cias (N. Almeida Filho, M. L. Barreto, R. P. Veras &

  • 8/11/2019 Espao e Epidemiologia

    19/23

    O CONCEITO DE ESPAO EM EPIDEMIOLOGIA 613

    Cad. Sade Pblica, Rio de J aneiro, 16(3):595-617, jul-set, 2000

    Instituto de SadeColetiva, UniversidadeFederal da Bahia.

    Maurcio LimaBarreto

    O espao e a epidemiologia: entre o conceitual

    e o pragmtico

    No movimento de construo da epidemiolo-gia social latino-americana, no decorrer da d-cada de 70, necessitava-se avidamente de no-vos conceitos que o liberasse das amarras im-postas pelo modelo epidemiolgico, surgidono ps-guerra e que se cristalizava a partir dolivro Principles and Methods in Epidemiologyde MacMahon, Pugh and Ipsen (MacMahon etal., 1960), publicado no incio da dcada ante-rior. Nesse contexto, surgem, entre outros, de-bates em torno das desigualdades sociais inter-mediados pelo conceito de classe social ou so-bre a utilizao do conceito de espao na buscade explicao para as conformaes geogrfi-cas definidas, principalmente, pelas endemias.

    Uma reviso da geografia crtica da sadenos leva a alguns autores fundamentais, comoPavlovsky, Maximilian Sorre e Milton Santos.Os trabalhos de Pavlovsky, parasitologista degrande importncia no contexto da antigaUnio Sovitica a partir da dcada de 30, erampouco conhecido fora da cortina de