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Prof. Flávio Martins Curso Resolução de Questões, Súmulas e Jurisprudência HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL AULA 2 – PROF. FLÁVIO MARTINS HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL 1. - Conceito de hermenêutica 1 Hermenêutica vem de Hermes, que na mitologia grega intermediava a comunicação entre os homens e os deuses. 2.- Conceito de interpretação 2 Interpres – aquele que descobria o futuro nas entranhas das vítimas. Interpretar seria desentranhar o sentido das palavras da lei 3.- Existência de uma hermenêutica constitucional? 2 posições. Sim (Celso Bastos, Konrad Hesse, Canotilho, Jorge Miranda, Luis Roberto Barroso) – sobretudo em razão da supremacia da Constituição (as outras normas precisam se compatibilizar com norma superior – a Constituição não), bem como o maior grau de abstração das normas constitucionais e maior número de dispositivos de cunho político. Não (Uadi Lammego Bulos) – aplicam-se os mesmos critérios dos outros ramos do Direito 4.- Interpretativismo e não-interpretativismo a) Corrente interpretativista: o juiz deve se limitar a captar sentido dos preceitos expressos na Constituição, ou que pelo menos, estejam claramente implícitos. b) corrente não-interpretativista: diferentemente dos interpretativistas, os não-interpretativistas defendem uma maior autonomia do juiz ao se interpretar a norma, com aplicação de “valores e princípios substantivos”– princípios da liberdade e da justiça. Assim, importa mais os valores, como a igualdade, a justiça e a liberdade demandados pela sociedade, do que a estrita vontade do legislador. 5.- duas indagações de hermenêutica: a) in claris cessat interpretatio? – DIA (art. 5º, XI, CF) b) mens legis (objetivistas) ou mens legislatoris (subjetivistas)? 1 A interpretação é a aplicação da Hermenêutica. Esta descobre e fixa os princípios que regem a interpretação, sendo a teoria científica da arte de interpretar (Carlos Maximiliano. Hermenêutica e Aplicação do Direito). 2 A palavra intérprete “tem origem latina – interpres – que designava aquele que descobria o future nas entranhas das vítimas. Tirar das entranhas ou desentranhar era, portanto, o atributo do interpres, de que deriva para a palavra interpretar com o significado específico de desentranhar o próprio sentido das palavras da lei, deixando implycito que a tradução do verdadeiro sentido da lei é algo bem guardado, desentranhado, portanto, em sua própria essência” (Fernando Coelho, apud Alexandre de Moraes, Direito Constitucional).

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HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL AULA 2 – PROF. FLÁVIO MARTINS

HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

1. - Conceito de hermenêutica1 Hermenêutica vem de Hermes, que na mitologia grega intermediava a comunicação entre os homens e

os deuses.

2.- Conceito de interpretação2 Interpres – aquele que descobria o futuro nas entranhas das vítimas. Interpretar seria desentranhar o sentido das palavras da lei 3.- Existência de uma hermenêutica constitucional? 2 posições. Sim (Celso Bastos, Konrad Hesse, Canotilho, Jorge Miranda, Luis Roberto Barroso) – sobretudo em razão da supremacia da Constituição (as outras normas precisam se compatibilizar com norma superior – a Constituição não), bem como o maior grau de abstração das normas constitucionais e maior número de dispositivos de cunho político. Não (Uadi Lammego Bulos) – aplicam-se os mesmos critérios dos outros ramos do Direito 4.- Interpretativismo e não-interpretativismo a) Corrente interpretativista: o juiz deve se limitar a captar sentido dos preceitos expressos na Constituição, ou que pelo menos, estejam claramente implícitos. b) corrente não-interpretativista: diferentemente dos interpretativistas, os não-interpretativistas defendem uma maior autonomia do juiz ao se interpretar a norma, com aplicação de “valores e princípios substantivos”– princípios da liberdade e da justiça. Assim, importa mais os valores, como a igualdade, a justiça e a liberdade demandados pela sociedade, do que a estrita vontade do legislador. 5.- duas indagações de hermenêutica: a) in claris cessat interpretatio? – DIA (art. 5º, XI, CF) b) mens legis (objetivistas) ou mens legislatoris (subjetivistas)?

1 A interpretação é a aplicação da Hermenêutica. Esta descobre e fixa os princípios que regem a interpretação, sendo a teoria científica da arte de interpretar (Carlos Maximiliano. Hermenêutica e Aplicação do Direito). 2 A palavra intérprete “tem origem latina – interpres – que designava aquele que descobria o future nas entranhas das vítimas. Tirar das entranhas ou desentranhar era, portanto, o atributo do interpres, de que deriva para a palavra interpretar com o significado específico de desentranhar o próprio sentido das palavras da lei, deixando implycito que a tradução do verdadeiro sentido da lei é algo bem guardado, desentranhado, portanto, em sua própria essência” (Fernando Coelho, apud Alexandre de Moraes, Direito Constitucional).

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Posição quase unânime: objetivistas Peter Schneider: “a lei é mais sábia que o legislador” Interpretação evolutiva ou progressiva – decorre da teoria objetivista3.

(TCE/RS-2011) Sobre a interpretação das normas constitucionais, assinale a alternativa correta. b) Conforme a denominada teoria subjetiva da interpretação, é tarefa da interpretação constitucional identificar ou descobrir a vontade objetiva da Constituição, afastando-se qualquer interferência, no processo interpretativo, da vontade e das pré-compreensões do intérprete (ERRADA)

(TJ/SP – 2009) Quando o intérprete, observando que a expressão contida na norma sofreu alteração no correr dos anos e por isso procura adaptar-lhe o sentido ao conceito atual, ocorre a chamada interpretação a) sistemática. b) histórica. c) extensiva. d) progressiva.

6.- Classificação da interpretação: a) quanto ao sujeito: doutrinária4, judicial5, autêntica6 e aberta7. Admitem interpretação autêntica: Paulo Bonavides, Celso Bastos, Carlos Maximiliano, Canotilho, Jorge Miranda. Interpretação aberta: Peter Häberle (TJ/AL – 2008 – CESPE) Acerca das espécies e métodos clássicos de interpretação adotados pela hermenêutica jurídica, assinale a opção correta.

3 “A interpretação evolutiva é um processo informal de reforma do texto da Constituição. Consiste ela na atribuição de novos conteúdos à norma constitucional, sem modificação de seu teor literal, em razão de mudanças históricas ou de fatores politicos e sociais que não estavam presents na mente dos constituintes” (Anna Candida da Cunha Ferraz, apud Luiz Roberto Barroso, p. 144). 4 Interpretação doutrinária: “produto do trabalho intellectual dos jurisconsultos, professors e escritores em geral. Também os advogados, elaborando teses jurídicas e ousando criativamente na defesa dos interesses que patrocinam, prestam importante contribuição de cunho doutrinário” (Luis Roberto Barroso. Interpretação e Aplicação da Constituição, p. 118). 5 Interpretação judicial: ocorre na aplicação direta de um preceptivo constitucional (questão constitucional) e na verificação da compatibilidade da norma em face da Constituição (controle de constitucionalidade). 6 “É plausível, em face do ordenamento constitucional brasileiro, o reconhecimento da admissibilidade das LEIS INTERPRETATIVAS, que configuram instrument juridicamente idôneo de veiculação da denominada INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA. Tais leis não traduzem usurpação das atribuições constitucionais do Judiciário e, em consequência, não ofendem o postulado fundamental da divisão functional do poder” (ADI 605/DF – Rel. Min. Celso de Mello). A maior parte da doutrina, tanto brasileira como portuguea, admite a interpretação constitucional autêntica, desde que se faça pelo órgão competente para a reforma constitucional, com observância do mesmo procedimento desta” (Luis Roberto Barroso. Op. cit., p. 119). 7 “Todo aquele que vive no context regulado por uma norma e que vive com este context é, indireta ou, até mesmo, diretamente, um intérprete dessa norma. O destinatário da norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, do processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes jurídicos da Constituição que vivem a norma, não detêm eles o monopólio da interpretação da Constituição” (Peter Häberle).

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a) A interpretação autêntica pressupõe que o sentido da norma é o fixado pelos operadores do direito, por meio da doutrina e jurisprudência (errada) (MPE-MG/Promotor MPE-MG/2005) a) a interpretação autêntica vincula os juízes, no ato interpretativo, sendo de eficácia erga omnes e efeito ex tunc. ( X ) CERTO ( ) ERRADO c) a interpretação autêntica é aquela ministrada pelo legislador mesmo, o órgão legislativo elabora uma segunda norma com o propósito de estabelecer o significado e o alcance da norma antecedente, havida por contraditória ou ambígua. ( X ) CERTO ( ) ERRADO b) quanto aos efeitos: declarativa, restritiva e extensiva (TCE/RS-2011) Sobre a interpretação das normas constitucionais, assinale a alternativa correta. d) Em direito constitucional, é vedada a interpretação extensiva, sobretudo do âmbito de proteção de normas de direitos fundamentais, porque, invariavelmente, se trata de estratagema do intérprete para usurpar a vontade do Poder Constituinte (ERRADA) 6.- métodos de interpretação constitucional

a) método jurídico (ou hermenêutico clássico) – Savigny, Forsthoff b) método tópico-problemático c) método hermenêutico-concretizador d) método científico-espiritual (Smend) e) método normativo estruturante f) método comparativo

a) método jurídico (ou hermenêutico clássico) – Savigny, Forsthoff8 A Constituição é uma lei e tem que ser interpretada pelos métodos tradicionais (literal, lógico, teleológico, sistemático, histórico etc.)

CONSTITUIÇÃO = LEI Interpretação gramatical ou literal Art. 5º, XI – “casa” Art. 5º, XII – “salvo no último caso” Interpretação lógica Art. 129, I, CF Interpretação teleológica Interpretação sistemática 8 Friedrich Carl von SAVIGNY (alemão – 1779-1861), Ernst Forsthoff (alemão – 1902-1974)

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Interpretação histórica – análise histórico-jurídica (precedentes legislativos, leis anteriores sobre o tema) Interpretação genética – análise do seu processo legislativo b) método tópico-problemático (Theodor Viehweg)9 parte-se de um problema para se chegar à norma. Tem três premissas:

a) a interpretação busca resolver problemas concretos; b) caráter aberto da norma constitucional; c) preferência pela discussão do problema

c) método hermenêutico-concretizador (Konrad Hesse)10 Konrad Hesse. A leitura de um texto se inicia pela PRÉ-COMPREENSÃO através do intérprete. O intérprete tem um papel criador, efetuando atividade prático-normativa, concretizando a norma para e a partir do problema (movimento de ir e vir = círculo hermenêutico)

d) método científico-espiritual (Rudolf Smend)11 método valorativo sociológico. Busca os valores implícitos na Constituição, não se preocupando muito com os conceitos do texto. e) método normativo estruturante (Friedrich Müller)12 Tem como premissas:

a) investigação das várias funções de realização do direito constitucional (legislação, administração e jurisdição);

9 Tópoi: expressão usada por Aristóteles (esquemas de pensamento, raciocínio, argumentação, lugares comuns, pontos de vista). Obra de Theodor Viehweg (Topik und Jurisprudenz) (Tópico e Jurisprudência) 10 Obra de Konrad Hesse: Grundzüge des Verfassungsrechts (Princípios de Direito Constitucional) 11 Rudolf Smend (alemão – 1851-1913) 12 Friedrich Müller (obra: Juristische Methodik – Metodologia Jurídica)

NORMA

PROBLEMA

Pré-compreensão

NORMA CONSTITUCIONAL PROBLEMA

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b) norma é diferente de texto normativo (este último é apenas a ponta do iceberg) c) norma é um domínio normativo, um pedaço da realidade social. d) Esse método trabalha com os dois tipos de concretização: interpretação do texto e interpretação

da norma (domínio ou região normativa).

f) Método comparativo (Peter Häberle, Canotilho)13 Comparação com o texto constitucional de outros países.

7.- Princípios de interpretação constitucional

a) princípio da unidade da Constituição14 b) princípio do efeito integrador15 c) Princípio da concordância prática ou harmonização16. d) Princípio da justeza ou conformidade funcional ou constitucional17. e) Princípio da força normativa da Constituição18.

13 Obra de Häberle: Kraftfeld des Verfassungsstates: Campo de Força do Estado Constitucional 14 “Obriga o intérprete a considerer a constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar. (…) Daí que o intérprete deva sempre considerer as normas constitucionais não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno de normas e princípios” (Canotilho, p. 1208). 15 “na resolução dos problemas jurídico-constitucionais deve dar-se primazia aos critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração política e social e o reforço da unidade política” (Canotilho, p. 1208). 16 “impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros. O campo de eleição do princípoi da concordância prática tem sido até agora o dos direitos fundamentais (colisão entre direitos fundamentais ou entre direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos” (Canotilho, p. 1209). 17 “tem em vista impedir, em see de concretização da Constituição, a alteração da repartição de funções constitucionalmente estabelecida. O seu alcance primeiro é este: o órgão (ou órgãos) encarregados da interpretação da lei constitucional não pode chegar a um resultado que subserta ou perturber o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido” (Canotilho, 1208). 18 Autoria de Konrad Hesse: “na solução dos problemas jurídico-constitucionais deve dar-se prevalência aos pontos de vista que, tendo em conta os pressupostso da constituição (normativa), contribuem para uma eficácia optima da lei fundamental. Consequentemente, deve dar-se primazia às soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas

NORMA (DOMÍNIO

NORMATIVO)

Texto normativo

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f) princípio da eficiência ou (máxima efetividade)19. g) princípio da presunção de constitucionalidade das leis h) princípio da supremacia da Constituição20. i) princípio da razoabilidade (sustantive due processo of law). j) princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) k) interpretação conforme à Constituição

JURISPRUDÊNCIA RAZOABILIDADE: ADI-MC 1158 / AM E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ESTADUAL QUE CONCEDE GRATIFICAÇÃO DE FERIAS (1/3 DA REMUNERAÇÃO) A SERVIDORES INATIVOS - VANTAGEM PECUNIARIA IRRAZOAVEL E DESTITUIDA DE CAUSA - LIMINAR DEFERIDA. - A norma legal, que concede a servidor inativo gratificação de ferias correspondente a um terço (1/3) do valor da remuneração mensal, ofende o critério da razoabilidade que atua, enquanto projeção concretizadora da cláusula do "substantive due process of law", como insuperável limitação ao poder normativo do Estado. ADI 2019 / MS 02/08/2001 EMENTA: ADIN. LEI N.º 1.949, DE 22.01.99, DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL. PENSÃO MENSAL PARA CRIANÇAS GERADAS A PARTIR DE ESTUPRO. CONTRARIEDADE AO ART. 5.º, LIV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Ato normativo que, ao erigir em pressuposto de benefício assistencial não o estado de necessidade dos beneficiários, mas sim as circunstâncias em que foram eles gerados, contraria o princípio da razoabilidade, consagrado no mencionado dispositivo constitucional. Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade da lei sob enfoque.

constitucionais, possibilitam a atualização normative, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e permanência” (Canotilho, 1210). 19 “a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É u mprincípio operative em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem seja ligada à tese da atualidade das normas programáticas, é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais” (Canotilho, 1208). 20 “O postulado da supremacia da Constituição repele todo o tipo de interpretação que veha de baixo, é dizer, repele toda a tentativa de interpretar a Constituição a partir da lei. O que cumpre ser feito é sempre o contrário, vale dizer, procede-se à interpretação do ordenamento jurídico a partir da Constituição” (Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica e Interpretação Constitucional, p. 102).