ENTRE O PENUMBRISMO E A DICÇÃO MODERNISTA: …

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LITERATURA MESTRADO EM LITERATURA BRASILEIRA E TEORIA LITERÁRIA Ana Carolina Botelho dos Santos ENTRE O PENUMBRISMO E A DICÇÃO MODERNISTA: PROCESSOS DE REELABORAÇÃO ESTÉTICA NA POESIA INAUGURAL DE DRUMMOND NOS ANOS 20 Niterói 2020.2

Transcript of ENTRE O PENUMBRISMO E A DICÇÃO MODERNISTA: …

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LITERATURA

MESTRADO EM LITERATURA BRASILEIRA E TEORIA LITERÁRIA

Ana Carolina Botelho dos Santos

ENTRE O PENUMBRISMO E A DICÇÃO MODERNISTA:

PROCESSOS DE REELABORAÇÃO ESTÉTICA NA POESIA

INAUGURAL DE DRUMMOND NOS ANOS 20

Niterói

2020.2

Ana Carolina Botelho dos Santos

ENTRE O PENUMBRISMO E A DICÇÃO MODERNISTA:

PROCESSOS DE REELABORAÇÃO ESTÉTICA NA POESIA

INAUGURAL DE DRUMMOND NOS ANOS 20

Dissertação apresentada à coordenação do Programa de

Pós-Graduação em Estudos de Literatura do Instituto de

Letras da Universidade Federal Fluminense como requisito

para a obtenção do grau de Mestre. Área de concentração:

Estudos Literários. Subárea: Literatura Brasileira e Teoria

literária.

Orientadora: Profª Drª Flávia Vieira da Silva do Amparo

Niterói

2020.2

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________

Profª Drª Flávia Vieira da Silva do Amparo (Orientadora – UFF)

_____________________________________________________________

Profª Drª Matildes Demétrio dos Santos (UFF)

_____________________________________________________________________

Prof. Dr. Marcos Estevão Gomes Pasche (UFRRJ)

_____________________________________________________________

Prof. Dr. Luiz Guilherme Ribeiro Barbosa (Colégio Pedro II)

Suplente

______________________________________________________________________

Prof. Dr. Pascoal Farinaccio (UFF)

As almas são árvores. De vez em quando uma

folha da minha vai avoando poisar nas raízes

da de você. Que sirva de adubo generoso.

Com as folhas da sua, lhe garanto que cresço

também.

- Mário de Andrade

Como fugir ao mínimo objeto

ou recusar-se ao grande? Os temas passam,

eu sei que passarão, mas tu resistes,

e cresces como fogo, como casa,

como orvalho entre dedos,

na grama, que repousam.

- Carlos Drummond de Andrade

AGRADECIMENTOS

Muitas foram as pessoas que, de formas diferentes, participaram da minha

trajetória e me ajudaram a ter força, serenidade e inspiração para ingressar na Graduação

de Letras da Universidade Federal Fluminense e, posteriormente, dar prosseguimento aos

meus estudos no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura pela mesma

Universidade.

À minha mãe, Roberta, que nunca mediu esforços para que eu tivesse uma

excelente educação e, por muitos anos sozinha, assumiu a responsabilidade de me educar,

vestir, alimentar, zelar pela minha saúde mental e física e investir na minha carreira. É a

ela que devo a possibilidade de crescer em um lar repleto de afeto.

Ao meu dindo, Amaury, que foi o único pai que tive. Meus sinceros

agradecimentos a tudo que fez por mim em vida e também por me fazer acreditar que era

possível ir longe.

À minha dinda, Lourdes, que sempre me motivou a estudar e me ensinou, quando

da luta contra seu terceiro câncer, que é preciso força e coragem para alcançar nossos

objetivos.

Ao meu namorado, Raphael, que, há quase cinco anos, tem sido meu porto seguro

com sua paciência e disposição infinitas.

Às amigas que fiz na Graduação, Nathália Primo e Marina Campos, que até hoje,

independente da hora, oferecem-me suporte não só acadêmico, como também emocional.

Às minhas amigas de longa data, Anna Marina, Juliana Melo, Juliana Póvoa e

Bárbara, que acompanham minha trajetória e vibram com minhas conquistas.

À minha querida orientadora, Flávia Amparo, que vem, desde a Graduação,

ajudando-me a evoluir acadêmica, profissional e humanamente.

Aos excelentes professores que integram a banca examinadora, Matildes

Demétrio, Marcos Pasche e Luiz Guilherme Barbosa, que aceitaram participar desta

importante etapa de minha carreira acadêmica.

Ao meu professor de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental da E. M. João

Monteiro, Waldemar, que foi o primeiro a depositar em minhas mãos um livro de

Literatura Brasileira, abrindo uma porta que nunca mais se fechou.

RESUMO

A presente pesquisa analisa as ressonâncias penumbristas em Os 25 poemas da

triste alegria (1924), de Carlos Drummond de Andrade, livro que reúne poemas iniciais

da carreira literária do poeta quando o jovem itabirano se inspirava em autores que

encabeçaram a tendência penumbrista, como Ronald de Carvalho, Álvaro Moreyra e

Ribeiro Couto. A fim de alcançar esse objetivo, elucidamos as bases da formação do

Penumbrismo brasileiro e suas características, assim como analisamos poemas

selecionados de Os 25 poemas da triste alegria. Em seguida, discutimos de que forma

Drummond materializa, em Alguma poesia (1930), o amadurecimento de uma dicção

modernista, também investindo em uma análise de poemas selecionados dessa segunda

obra. São analisados textos críticos e periódicos da época a fim de entendermos como

Drummond ligou-se aos dois movimentos nessa década de riquíssimo experimentalismo.

PALAVRAS-CHAVE: Penumbrismo; Modernismo; poesia; Belle Époque; Carlos

Drummond de Andrade.

ABSTRACT

The present research analyzes the echoes of a gloomy tendency in Carlos

Drummond de Andrade’s Os 25 poemas da triste alegria (1924), a book that gathers the

early poems of the poet’s literary trajectory when Drummond was inspired by writers

who led the gloomy tendency, such as Ronald de Carvalho, Álvaro Moreyra and Ribeiro

Couto. In order to achieve this objective, we elucidate the bases of the Brazilian gloomy

tendency’s formation and its characteristics, as well as we explore selected poems of Os

25 poemas da triste alegria. Then, we discuss how Drummond materializes, in Alguma

poesia (1930), a strictly and mature Modernist look, analyzing select poems of this book

to prove this proposition. We also analyze texts withdrawn from journals and magazines

of the 20’s in order to understand how Drummond has connected to both movements in

this decade of very rich experimentalism.

KEYWORDS: Penumbrism; Modernism; poetry; Belle Époque; Carlos Drummond de

Andrade.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 10

1. UM PEDAÇO DA EUROPA NO BRASIL ............................................................. 15

1.1 O Decadentismo francês ........................................................................................... 16

1.1.1 O outono e a cidade de Mallarmé e Rimbaud ........................................................ 23

1.2 O veio penumbrista ................................................................................................... 28

2. A POESIA CREPUSCULAR DE OS 25 POEMAS DA TRISTE ALEGRIA ........ 40

2.1 Fortuna crítica e recepção do “quase livro” .............................................................. 43

2.2 A alegria melancólica de um jovem poeta ................................................................ 51

3. MAIS DO QUE UMA ESTÉTICA, UM ESTADO DE ESPÍRITO .................... 61

3.1 Pré-modernismo: uma nomenclatura, vários tensionamentos ................................. 62

3.1.1 Antecedentes da Semana de Arte Moderna .......................................................... 69

3.2 A vez do sapo-cururu: a Semana e o Modernismo de 1922 .................................... 77

4. NO MEIO DO CAMINHO TINHA UM DRUMMOND ..................................... 88

4.1 “Era tão gostoso brincar de Modernismo...” ........................................................... 90

4.2 O homem que espia a vida: o Modernismo de Alguma poesia ............................. 102

4.2.1 “Vai, Carlos! ser gauche na vida” ...................................................................... 106

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 122

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 126

ANEXOS ..................................................................................................................... 132

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INTRODUÇÃO

Em entrevista radiofônica a Lya Cavalcanti, Carlos Drummond de Andrade

(1987) recuperou, em síntese, uma boa parte de sua trajetória literária, mencionando não

só a infância em Itabira, sua cidade natal, como também o início do movimento

modernista em Minas e alguns desdobramentos de sua filiação a essa estética que

revolucionou as artes brasileiras, sobretudo a partir de 1922.

O atraso cultural de Itabira, onde sequer havia circulação de jornal por volta de

1918, e os periódicos que recebia de um farmacêutico chamado Eurico Camilo

impactaram de forma decisiva a formação da primeira base de influência do poeta

Drummond. “Essas revistas, lidas, relidas, alisadas no excelente papel couché”

(ANDRADE, 1987, p. 17) transformaram-se na “iniciação literária, muito imperfeita mas

decisiva” (ANDRADE, 1987, p. 17), do itabirano.

Sob esse aspecto, é a essência desses periódicos que deve ser mencionada e é dela

que partiremos a fim de traçarmos o objetivo desta pesquisa. Reproduzindo o que de mais

tradicional e purista havia em poesia brasileira, a Careta, revista carioca, propiciava a

Drummond o deleite das formas fixas de Bilac, por quem o mineiro sempre guardou uma

intensa admiração, “embora não o confessasse no período modernista” (ANDRADE,

1987, p. 17). Em contraposição à rigidez formal parnasiana, também era lida por

Drummond a Fon-Fon!, periódico que distribuía “os últimos ecos do simbolismo”

(ANDRADE, 1987, p. 17) com sua literatura um pouco mais livre na forma, porém

extremamente intimista, atenuante e melancólica no conteúdo.

Foi por meio das leituras dessa última que Drummond passou a conhecer e a

apreciar a “arte delicada de escrever” (ANDRADE, 1987, p. 26) de Álvaro Moreyra,

importante figura do simbolismo tardio no Rio de Janeiro. Seja pela falta de grandes

modelos a serem seguidos em Itabira, seja por uma afinidade psicológica estabelecida

com o tipo de literatura que Moreyra fazia, fato é que Drummond, em sua juventude,

enxergou no escritor carioca uma referência para sua iniciação na poesia, chegando a

reproduzir alguns “cacoetes” do estilo de Moreyra:

Como as reticências alongavam, refinavam, musicalizavam o bloco de

palavras, fazendo com que elas continuassem suspensas no ar, depois

de concluído o texto! Não me envergonho do meu alvaromoreyrismo

descarado, de simples repetidor canhestro, sempre aquém do modelo.

Entre modelos de banalidade ou mau gosto, vigentes na época, sua

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prosa sensível e irônica seduzia pela finura. Fiquei fascinado

(ANDRADE, 1987, p. 27).

Álvaro Moreyra não se tornou o único escritor de viés Neo-simbolista que

Drummond iria ler e apreciar em sua juventude. A própria Fon-Fon! e outros periódicos

que custosamente arranjava em Itabira trataram de apresentar ao mineiro diferentes faces

da literatura intimista carioca, como a poesia de Ribeiro Couto e de Ronald de Carvalho,

a quem Drummond certamente deve a ressonância do cotidiano humilde e do ambiente

crepuscular em seus passos poéticos iniciais. Devemos juntar à influência penumbrista o

apego que o itabirano tinha aos romances de estilo cético e decadentista do escritor

francês Anatole France.

Toda essa bagagem – aqui extremamente simplificada – corroborou a edificação

de uma personalidade que materializava, na poesia que escrevia, nos artigos que

publicava e nas opiniões que tinha acerca da tradição literária de seu país, o rosto de uma

geração ambígua. Desse modo, o jovem Drummond, a um só tempo, evidenciava a

existência de uma nostalgia do passado, inspirada nos artistas da Belle Époque e do

Decadentismo francês, e as incertezas das novas tendências artísticas de vanguardas

europeias, que já podiam ser notadas no material penumbrista que o mineiro guardava,

com carinho, em sua mesa de cabeceira.

Assim, marcado por um decadentismo fin-de-siècle que atravessou o Atlântico e

se instaurou em alguns setores intelectuais do Brasil, o que ajudou o surgimento do que

muitos críticos literários chamam de Penumbrismo, Drummond mostrava-se, nessa época,

extremamente pessimista, variando o tom entre uma ternura quase sempre triste e um

evidente ceticismo. Não é à toa que Mário de Andrade, tão logo iniciado o contato

epistolar com Drummond, em 1924, percebeu essas características tanto no espírito do

itabirano quanto nos seus escritos. Diante desse contexto, o escritor paulista decretou:

Drummond não tinha provado, pelas suas conversas até então, “peraltice, vida, vitalidade,

fraqueza juvenil” (ANDRADE, 2002, p. 67)

Sua aproximação com a poética finissecular francesa e, por conseguinte, com a

estética penumbrista rendeu ao primeiro livro de poesia de Drummond, Os 25 poemas da

triste alegria – datilografado em 1924, mas de publicação póstuma em 2012 –, um tom

cético, passadista, melancólico e de observação das coisas sem grande aprofundamento

psicológico. Nas cartas trocadas entre Mário de Andrade e Drummond, muitos dos

poemas contidos nessa primeira obra foram compartilhados, comentados e discutidos

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pelos dois escritores, possibilitando que o autor de Pauliceia desvairada pudesse criticar

a postura decadentista, isolacionista e pessimista do poeta mineiro.

Incontáveis palavras colocadas em papel pautado foram utilizadas por Mário de

Andrade para, insistentemente, convocar Drummond a produzir uma literatura que

estivesse mais vinculada às suas experiências e às mudanças culturais por que o Brasil

estava passando. A solução, então, seria única, porém não menos simples por isso: era

necessário abrasileirar-se, aprender a amar a pátria, ir às ruas e tirar do contato com o povo

o alimento vivo de sua poesia.

Assim, quando lançada Alguma poesia (1930) – obra essencialmente modernista

do poeta –, foi perceptível a mudança de postura de Drummond refletida na construção

de seus versos. Aparentemente, a resposta encontrada pelo poeta para abandonar seus

ídolos do passado e depositar sua atenção na matéria viva do presente foi tirar do próprio

equívoco cosmopolita (SANTIAGO, 2007, p. 10) – fomentado pela literatura

decadentista francesa – os recursos necessários para entrar em contato com a realidade

nacional. Dessa maneira,

Coube a Drummond transformar o equívoco cosmopolita, gerado pela

macaqueação do colono nos trópicos, em certeza inabalável, verdadeiro

motor do seu fazer poético. (...) A convivência com a realidade

provinciana torna cego o observador e empobrece o analista. Por mais

nocivo que seja o despaisamento, ele sempre alarga o raio de visão do

intelectual para que enxergue de maneira provocadora ou irônica o que

não consegue ver na naturalidade do dia a dia (SANTIAGO, 2007, p. 16-

17).

Atribuindo crítica e autocrítica, a partir de um recorrente tom de ironia e humour,

à sua visão da realidade brasileira, Drummond encerra, com a publicação de Alguma

poesia, o isolamento até então existente entre o poeta mineiro e a vida presente, sem se

coadunar, no entanto, ao nacionalismo típico dos modernistas de 1922 – resultado

permitido pelo distanciamento de olhar que o despaisamento provocava.

Não é à toa que são encontrados na obra de 1930 poemas que expõem

particularidades do tempo moderno, longe de qualquer idealização. Nesse sentido, é

recorrente a caracterização do poeta não como herói, mas como “qualquer homem da

terra” (ANDRADE, 2013, p. 43), assim como a consciência dos dramas de seu tempo,

como a Primeira Guerra Mundial, e da inconformidade perante o embate entre o poder do

capital e a fragilidade do homem, evidente na indagação do poema “Cota zero”: “a vida

parou ou foi o automóvel?” (ANDRADE, 2013, p. 60). Por outro lado, há ainda nesse

livro o testemunho quase sempre irônico da vida cotidiana e provinciana das origens do

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poeta itabirano: “um homem vai devagar” (ANDRADE, 2013, p. 49), reencenando o

despaisamento de uma outra forma, na medida que o eu lírico encontra-se como um

deslocado – seja na cidade, seja no campo – sempre tropeçando naquela pedra que estava

“no meio do caminho” (ANDRADE, 2013, p. 36).

Essa interessante reelaboração estética drummondiana motivada por um novo

olhar do sujeito poético levando em consideração as obras Os 25 poemas da triste alegria

(1924) e Alguma poesia (1930) é, portanto, o foco desta pesquisa. Pretende-se, nesse

sentido, analisar como Drummond, com seu inquietante espírito, materializou nessas

obras a rica e híbrida influência literária sofrida na década de 1920 e o amadurecimento

de sua escrita – fatores responsáveis pela edificação de uma poética tão singular logo no

início de sua carreira.

Daí a importância de discutirmos, em um primeiro momento, as bases do

Penumbrismo – tendência a que se liga Drummond em seus primeiros passos como poeta

– para que, posteriormente, em poemas selecionados de Os 25 poemas da triste alegria,

seja possível identificar as ressonâncias penumbristas na obra. A análise desses versos

revela, sobretudo, um jovem poeta em repetição irrestrita e quase acrítica de valores

temáticos e estilísticos de importantes figuras dessa atitude estética, como Álvaro

Moreyra, Ribeiro Couto e Ronald de Carvalho.

Em seguida, a fim de chegarmos ao estudo da afirmação de uma poética singular

drummondiana logo no início de sua carreira, sobretudo motivada pela dicção modernista

expressa e evidente em Alguma poesia, será igualmente necessária a discussão da

consolidação do Modernismo no panorama cultural brasileiro. Para isso, o capítulo III, de

caráter mais teórico, torna-se fundamental à análise dos processos e dos agentes que

corroboraram a “explosão” do movimento em São Paulo no ano de 1922, bem como dos

programas estéticos e ideológicos idealizados pelos modernistas paulistas. A exposição

dessas características permitirá que reconheçamos o lugar que ocupou Drummond na

tentativa de institucionalização de uma tradição literária mais nacional.

Após a explanação dos fatores literários e extraliterários que levaram à elaboração

da Semana de Arte Moderna, em 1922, e dos desdobramentos do Modernismo nos oito

anos seguintes ao evento no Teatro Municipal de São Paulo, o capítulo IV ocupa-se da

interiorização do movimento, que apresentou uma face vanguardista-tradicional em Belo

Horizonte, e do amadurecimento da dicção modernista de Drummond. Para realizar essa

tarefa, serão discutidas a influência de Mário de Andrade nesse processo e a relação que

Drummond passou a estabelecer com o Modernismo.

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Por fim, por meio da análise de poemas selecionados de Alguma poesia,

procuramos evidenciar, ainda no capítulo IV, as múltiplas características que compõem a

reunião de 1930 e mostrar como essa heterogeneidade contribuiu para uma filiação

singular de Drummond ao movimento. Afinal, o gauchismo, o ceticismo e o humour

drummondianos acrescentaram ao Modernismo uma outra face ainda mais complexa e

interessante.

Ressaltamos, enfim, a necessidade de (re)pensarmos a importância da década de

1920 para Drummond, sobretudo porque ainda é muito recente o contato da crítica

literária com Os 25 poemas da triste alegria, que de certa forma reconfiguram a trajetória

poética do escritor. Por isso, assim como coube ao poeta achar um caminho singular em

que pudesse inscrever a sua poesia em uma época de híbrida influência intelectual e de

grande experimentalismo, compete a esta pesquisa investigar seu percurso e discuti-lo à

luz dos maiores nomes da crítica literária brasileira.

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1. UM PEDAÇO DA EUROPA NO BRASIL

Dada a importância do contexto finissecular francês para o surgimento de uma

literatura brasileira de viés penumbrista, antes de adentrarmos nas especificidades dessa

tendência literária e compreendermos as suas ressonâncias nos primeiros escritos de

Drummond, é necessário explorar, a princípio, as raízes do Decadentismo e as

características desse movimento francês que chegaram às nossas letras. Para isso,

contaremos como aporte teórico, principalmente, os apontamos de Fulvia M. L. Moretto,

em Caminhos do Decadentismo Francês (1989), e de alguns outros críticos que se

empenharam em desenvolver um estudo a respeito desse importante período literário.

Desde muito jovem, antes mesmo de deixar sua pequena província itabirana,

Drummond entrou em contato com a literatura estrangeira, principalmente a europeia, por

meio de suas infinitas leituras, implicando a grande afinidade que tinha – no início de sua

carreira como poeta, na década de 1920 – com alguns escritores franceses, principalmente

Anatole France. O interesse pela cultura e pela literatura francesa, todavia, não era uma

particularidade exclusivamente de Drummond, mas uma tendência de sua geração:

muitos jovens literatos viam a França, sobretudo Paris, como modelo e inspiração,

seguidos, é claro, de inúmeros setores da sociedade brasileira que também adotavam

como parâmetro o estilo de vida e os traços da cultura do país europeu.

Em Belle époque tropical (1993), livro voltado exclusivamente à vida cultural e

literária do Rio de Janeiro na virada do século, Jeffrey D. Needell analisa as

consequências da influência francesa sobre as nossas letras, em especial para a produzida

na capital fluminense, e as implicações dessa relação passional que os brasileiros

estabeleceram, desde o século XVIII1, com a França. Esse elo foi intensificado com a

vinda da Corte para o Rio, aflorando – entre o século XIX, com o Romantismo, e o início

do século XX – uma literatura, sobretudo a carioca, que constantemente adaptava e

assimilava modelos franceses de escrita. A consequência, inevitavelmente, “foi um gosto

carioca fin-de-siècle, formado e alimentado por obras francesas de uma forma cumulativa

e discriminatória” (NEEDELL, 1993, p. 231).

1 Segundo Needell, as raízes dessa relação foram criadas por volta do século XVIII, quando, sob o comando

do déspota esclarecido Marquês de Pombal, foram inauguradas em Portugal, inspiradas nos modelos de

instrução do Iluminismo francês, inúmeras instituições de educação superior. Academias similares a essas

também foram construídas na Colônia brasileira, favorecendo o vínculo de admiração que uma parte dos

setores médios e da elite da Colônia teria pela França, sobretudo pelos seus costumes e literatura

(NEEDELL, 1993, p. 211-212).

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Com um histórico de influência que ultrapassa os séculos, o que vale para esta

pesquisa, todavia, é atentar-nos à interferência francesa na literatura brasileira, sobretudo

a carioca e a mineira, nas duas primeiras décadas do século XX. Assim, mais que hábitos

e traços estilísticos e arquitetônicos, a França também exportou um modelo decadentista

fin-de-siècle de escrita, que, em meio a uma poesia juvenil brasileira inserida em um

período de transição entre o Simbolismo e o Modernismo, encontrou possibilidades

oportunas de desenvolvimento. A adoção de aspectos decadentistas fomentou a criação

de uma poesia brasileira de penumbra2, à qual se liga o iniciante Drummond, cujos

poemas vinculados a essa estética penumbrista foram datilografados em 1924 e reunidos

na obra Os 25 poemas da triste alegria, que será analisada pontualmente mais adiante.

Vale ressaltar, por fim, que Gentil de Faria, em A presença de Oscar Wilde na

Belle Époque literária brasileira (1988), tece um interessante estudo não somente sobre

a influência do escritor inglês em nossa literatura durante a Belle Époque, como também

a respeito de um comportamento comum entre escritores brasileiros. Essa prática fez uma

parcela significativa das obras literárias produzidas no Brasil nas duas primeiras décadas

do século XX recorrer à literatura francesa como referência técnica e temática de

inspiração e de adaptação, afirmando serem essas manifestações brasileiras um “reflexo

de toda a literatura decadente reinante na França nas últimas décadas do século XIX”

(FARIA, 1988, p. 55).

1.1 O Decadentismo francês

A instabilidade peculiar de momentos de transição, caracterizados frequentemente

por releituras de uma tradição aparentemente consolidada, costuma promover a

construção de novos importantes paradigmas, processo ainda mais evidente quando da

passagem de um século para outro. A dicotomia “melancolia” versus “desejo de

renovação” ilustra essa perspectiva, o que se percebe quando, geralmente, em poéticas

finisseculares coexistem ímpetos de ruptura e desejos por novas opções estéticas. Nesse

sentido, como evidencia Moretto (1989), nas últimas décadas do século XIX surgiu, em

2 A expressão “poesia da penumbra” foi usada, pela primeira vez, em um artigo de mesmo nome escrito

por Ronald de Carvalho, publicado em O Imparcial, com data de setembro de 1921. Nesse artigo, o poeta

trata do lançamento do livro de poesia O Jardim das Confidências (1921), de Ribeiro Couto, tecendo

inúmeros elogios à forma com que Couto construiu seus poemas, uma vez que nas páginas de O Jardim

das Confidências havia versos que se distanciavam do estilo brasileiro tecnicista de escrita do

Parnasianismo (BEZERRA, 2007, p. 139).

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meio à elite francesa3, “um mal-estar, uma agitação que se volta contra a ideologia

positivista” (MORETTO, 1989, p. 14), fazendo com que o sentimento em comum fosse

o “de um mundo em decomposição” (MORETTO, 1989, p. 14), no mesmo momento em

que se buscava por uma renovação do objeto literário caracterizado, principalmente, pelo

Naturalismo de Zola. Essas questões contribuíram para o desenvolvimento de um

movimento decadentista historicamente localizado entre o Naturalismo e o Simbolismo.

Não obstante, ainda que grande parte dos críticos e estudiosos literários conceba

o Decadentismo como um movimento pré-simbolista, há uma parcela da crítica que

entende as duas estéticas como um só grupo, frequentemente relegando ao Decadentismo

o papel de simples ramificação do Simbolismo, sendo, inclusive, muito inferior a este.

Dessa questão nos fala Fernando Monteiro de Barros (2009), em “Ressonâncias

baudelairianas na poesia decadentista: Emiliano Perneta”, ao apontar a reivindicação,

pelos dois movimentos, da influência da poesia de Charles Baudelaire e a flutuação de

vários autores entre esses estilos como os dois fundamentais motivos para,

frequentemente, analisarem as duas tendências como uma só (BARROS, 2009, p. 291).

Ainda assim, Barros (2009) acredita na imprescindibilidade de pensarmos o

Decadentismo e o Simbolismo como movimentos distintos, sobretudo porque, em

contraposição à sacralidade e à produção de uma poesia metafísica simbolista, estavam o

niilismo, o hedonismo e o negativismo decadentistas. Por isso, “o Decadentismo, no seu

desejo de afrontar e transgredir, cultivou tédios, nevroses, perversões sexuais e satanismo,

a resposta decadentista à sede de sacralidade dos simbolistas” (BARROS, 2009, p. 293).

Antes de serem discutidas as características do Decadentismo, é necessário,

primeiramente, expor, ainda que de forma breve, as raízes do movimento. Por isso, é

fundamental atentar-nos ao fato de que a sensação de um mundo em ruínas enfrentada

pelos escritores da elite francesa a partir, sobretudo, de 1880, fundamenta-se,

primordialmente, em uma base histórico-filosófica. Essa questão se deve ao fato de, nas

últimas décadas do século XIX, o corpo intelectual francês estar inserido em um contexto

de eclosão dos ideais de modernidade definidos por Baudelaire, cujos estudos sobre o

assunto e lançamento de As Flores do Mal, em 1857, agitaram a elite francesa, o que

levou o jornalista Anatole Baju4, em 1887, a dizer que o fundador da tradição moderna

3 Moretto nos elucida que, diferentemente do que ocorreu entre a elite francesa, o povo em geral e algumas

classes mais ricas ainda viviam, naquela época, sob um “falso otimismo da Belle Époque que se esfacelará

em 1914” (MORETTO, 1989, p. 11). 4 As citações dos textos de Anatole Baju, Paul Bourget, Paul Verlaine, Mallarmé e Rimbaud foram retiradas

de Moretto (1989), haja vista a dificuldade de obtenção desses textos traduzidos para o português.

18

poderia receber o título de verdadeiro pioneiro do movimento decadentista, já que

“encontramos nas Fleurs du mal o germe de todas as belezas que admiramos e sobretudo

a ideia que presidiu a concepção da escola decadente” (BAJU apud MORETTO, 1989, p.

89).

A Baju também se liga Paul Bourget, que, em texto intitulado “Teoria da

decadência”, de publicação original datada de 1883, discute a importância de Baudelaire

para o movimento, assim como aponta alguns de seus traços estilísticos que são

encontrados na poesia decadentista, afirmando que o poeta

proclamou-se decadente e procurou, sabemos com qual parti pris de

jactância, tudo o que, na vida e na arte, parece mórbido e artificial às

naturezas mais simples. Suas sensações são aquelas trazidas pelos

perfumes, porque excitam mais do que as outras este não sei quê de

sensualmente obscuro e triste que trazemos em nós. Sua estação

preferida é o final do outono, quando um encanto de melancolia

enfeitiça o céu que se turva e o coração que se crispa. Suas horas de

delícias são as horas da tardinha, quando o céu se colore, como nos

fundos dos quadros lombardos, com as nuanças de um rosa morto e de

um verde agonizante (BOURGET apud MORETTO, 1989, p. 57).

Dessa forma, não é um equívoco apontar que Baudelaire pode ser considerado

uma espécie de mentor do movimento, tendo em vista a opinião de críticos, jornalistas e

escritores que estavam ligados ao Decadentismo ou que contribuíram para a fortuna

crítica da época. Assim sendo, serão recuperados na poesia e na prosa poética

decadentistas aspectos presentes na concepção dos poemas de As Flores do Mal, como a

“ideia de modernidade através do interesse pela cidade” (MORETTO, 1989, p. 32),

característica que será melhor analisada mais adiante.

O desmantelamento da concepção de arte como expressão do sublime, importante

questão na poesia baudelairiana, foi tomada pelos decadentistas como inspiração para a

ruptura da literatura decadente com os basilares valores da burguesia, como o Bem e a

Virtude (BARROS, 2009, p. 293), transformando a poesia decadentista em uma “seiva

venenosa” (BARROS, 2009, p. 293). Além disso, também veio de Baudelaire o estímulo

à cisão entre arte e representação da verdade, o que evidencia o desejo desses escritores

finisseculares de devolverem ao objeto poético a sua condição de simulacro,

distanciando-se, portanto, da concepção utilitarista de reprodução da realidade com que

era vista a literatura pelos naturalistas.

19

Ainda sob o ponto de vista das “linhas de força”5 que ajudaram a edificar o

movimento decadentista, Moretto (1989) chama atenção para a influência inegável de

Schopenhauer à luz da concepção de que os homens são guiados por uma força

inconsciente denominada Vontade – que é uma aspiração que jamais será atingida, sendo

encarada, por isso, como um mal. Segundo Moretto (1989), a obra O Mundo como

vontade e Representação, de Schopenhauer, “é o substrato de um pessimismo total e

absoluto, baseado no mal que é a vontade de viver”, o que potencializou a formação de

uma estética pessimista decadentista finissecular. Assim, para combater o mal que é a

Vontade, a solução estaria no não-desejo e “na contemplação desinteressada da arte,

prazer puro, liberto das paixões, o único capaz de trazer felicidade” (MORETTO, 1989,

p. 19).

Ainda assim, ao pensarmos no ponto de partida para a propagação do

Decadentismo frente à ideologia positivista e racionalista da época, o que mais nos

interessa evidenciar é a influência de Baudelaire no que tange à associação que o poeta

faz entre modernidade e transformação. Nesse sentido, viver a modernidade seria, antes

de tudo, compreender que é necessário estar em constante enfrentamento com o passado

ao mesmo tempo em que se fomenta o germe da transformação contínua; grosso modo,

contestar o que se tem feito e trabalhar em uma renovação (VERNIER, 2007, p. 62).

Uma vez cultivada a semente da modernidade baudelairiana nos poetas que

formariam o movimento decadentista, foi inevitável o descontentamento com o

Positivismo e sua ideologia progressista, que valorizava exponencialmente o sistema

capitalista e a industrialização que passariam a guiar o pensamento francês por quase todo

século XIX. Essa insatisfação instigou um cenário de extrema revolta contra o

consumismo burguês desenfreado, responsável por produzir desequilíbrios sociais e

econômicos evidentes aos olhos da sociedade francesa, em especial, no panorama físico

parisiense.

É nesse contexto de expansão da importância da burguesia que Baudelaire projeta

a imagem do dandy – figura aristocrática que surge, na modernidade, como enfrentamento

crítico-estético à ideologia materialista burguesa, que tende a transformar a arte em

mercadoria. O dandy, portanto, é revestido de rebeldia e resistência a esse período do

5 Moretto usa essa expressão para discutir as grandes bases filosóficas nas quais se apoiou o movimento

decadentista para que pudesse buscar uma renovação estética. Além de Schopenhauer, a professora também

cita Richard Wagner e Edouard von Hartmann. Em Wagner ressalta o lirismo voltado ao sonho e ao

misticismo e, em Hartmann, as noções de Inconsciente e de autodestruição (MORETTO, 1989, p. 18-21).

20

século XIX encarado como um momento de ruína, de decomposição. A incorporação do

dandismo à escrita decadentista corroborou um discurso voltado ao preciosismo estético

e ao ornamentalismo, estratégias que iam de encontro ao processo naturalista de

representação objetiva e prática da realidade e aproximavam, de certa forma, os

decadentistas dos parnasianos, na medida em que tinham em comum a tendência ao

beletrismo e a uma opulenta construção verbal.

Segundo Luiz Edmundo Bouças Coutinho (2009), em “Parcerias do

Decadentismo na Belle Époque carioca”, a construção desse discurso centrado no exótico

e no esteticismo viabilizou que o termo “bizantino” pudesse ser associado às práticas

textuais decadentistas, numa clara relação entre a exuberância da arte bizantina e a

estilização hiperbólica do Decadentismo. Nesse sentido,

Submetendo a natureza ao estilo, tais flutuações disseminaram em suas

práticas o emprego do termo bizantino, que passaria a ter uma dupla

referência: “a arte altamente estilizada do oriente cristão e o esteticismo

do fim do século dos decadentes”. Por sua inclinação aguda de estilo,

Oscar Wilde destaca-se como um dos expoentes do neomaneirismo

decadentista, como o grande propagador da afetação bizantina que

estimulou a escrita a subverter a visão tradicional da arte como imitação

do real, a rescindir o contrato com o bom senso e o senso comum

positivistas (COUTINHO, 2009, p. 313).

Assim, influenciados pelos evidentes paradoxos provocados pelo progresso

científico e tecnológico, bem como aflitos pelas distorções originadas de um Positivismo

incapaz de cumprir efetivamente suas ideias de progresso, sobretudo humano, escritores

franceses, como Verlaine, Mallarmé e Rimbaud, principalmente a partir do fim da década

de 1860 e início de 1870, envolveram-se em perspectivas pessimistas e negativistas. A

literatura decadentista era, portanto, sintoma inevitável da crise do sujeito frente a um

mundo desproporcional, alijado da certeza e da segurança tão proclamadas pela corrente

filosófica positivista. Esse cenário possibilitou a esse movimento fin-de-siècle apresentar-

se “muito mais ‘meditado, mais profundo, mais passivo também e mais desesperado’ do

que o mal du siècle romântico, de Chateaubriand e do primeiro Lamartine” (MORETTO,

1989, p. 19).

A sensação, portanto, era de que “o homem de bem, exasperado pelo triunfo do

Mal e vencido pela onipotência de um destino hostil” (BAJU apud MORETTO, 1989, p.

93) estava cansado, desmotivado e marcado, principalmente, pelo tédio. Esses poetas,

para se salvarem de um mundo que se encontrava em ruínas, buscaram na solidão, no

sonho, na lenda, na arte e no preciosismo da linguagem um porto seguro. Daí uma

21

literatura voltada para si mesma e escrita pela e para elite francesa, atestando que “os

próprios decadentes tinham tomado o cuidado de se premunirem contra todo o excesso

de popularidade” (BAJU apud MORETTO, 1989, p. 108).

Em carta datada de janeiro de 1888 endereçada à revista Le Décadent, de Anatole

Baju, Paul Verlaine define o que seria, para ele, essa literatura decadentista:

(...) é propriamente uma literatura que resplandece em tempo de

decadência, não para seguir os passos de sua época, mas exatamente “às

avessas” para insurgir-se contra, para reagir pela delicadeza, pela

elevação, pelos refinamentos, se quisermos, de suas tendências, contra

a insipidez e as torpezas, literárias e outras ambientais, - isso sem

nenhum exclusivismo e com toda a confraternidade confessável

(VERLAINE apud MORETTO, 1989, p. 115).

Um dos grandes potencializadores desse sentimento de decadência era, segundo

os decadentistas, o Naturalismo. Considerada até mesmo a mais obscena e lasciva de

todas as literaturas6, a escola literária inspirada nas ideias de Zola representaria, ainda

para os poetas finisseculares, uma imagem perfeita da sociedade em que estavam

inseridos, já que eram “tempos de carniça, quando, sem freios, sem governo, os homens

de todas as classes, torturados pelo ventre, abandonam-se a seus instintos brutais” (BAJU

apud MORETTO, 1989, p. 92). Baju acreditava que o sucesso das obras naturalistas se

devia a uma incapacidade que se arrastava por inúmeras camadas sociais francesas “de

ver ou de sentir de outra forma que não a de seus sentidos” (BAJU apud MORETTO,

1989, p. 91).

No entanto, ainda que enojado pela contemplação de uma sociedade que cedia

cada vez mais espaço para a literatura inspirada nos ideais de Zola, Baju mostrava-se

confiante com os novos rumos que seus companheiros queriam dar ao cenário literário

francês: “Era à Escola decadente que estava reservada a honra de esmagar o Naturalismo

e de criar um gosto melhor que não mais estivesse em contradição direta com o progresso

moderno” (BAJU apud MORETTO, 1989, p. 92).

Vale ressaltar que, ao lado desse espírito de decadência, no sentido usual da

palavra, havia, também, entre esses poetas, a necessidade de uma renovação do objeto

literário, o que, segundo Moretto (1989), constituía uma grande contradição: “se, de um

lado, a geração de 1880 sente um frio vento de morte e de decadência, há por toda parte

a necessidade de uma luta por algo diferente, por uma renovação” (MORETTO, 1989, p.

6 Anatole Baju chama de imoral o Naturalismo em texto intitulado “A escola decadente” (MORETTO,

1989, p. 91).

22

15). A busca pela atualização do fazer poético fez surgir entre os decadentistas uma

“revolta contra as escolas parnasiana e naturalista, contra o academismo poético e a

‘brutalidade’ que, em nome do cientificismo, se apossara da literatura narrativa”

(MORETTO, 1989, p. 15). Esses poetas finisseculares ansiavam por diferentes formas de

expressão e de percepção da sensibilidade poética baseadas, sobretudo, na retomada do

destaque ao “eu” e do verso livre. Sobre esse aspecto, para Moretto (1989),

o trabalho da Plêiade, ou seja, a enunciação do eu, o lirismo pessoal,

com a criação de uma nova linguagem e de novas formas poéticas,

foram esquecidos por mais de dois séculos: triunfou a razão, a “arte”,

isto é, a técnica do verso. A liberdade poética ressuscitou com todo o

seu brilho somente no final do século XIX, justamente com os

decadentistas e os simbolistas, conservada que fora pelas correntes

misteriosas do sonho e das “fontes ocultas do romantismo”

(MORETTO, 1989, p. 16).

Essa procura pela retomada da expressão que se volta ao sujeito poético e pelo

verso livre fez com que Moretto (1989) concluísse que o Decadentismo poderia ser

considerado uma espécie de novo Romantismo, na medida em que o movimento

finissecular tenta consolidar traços estéticos que a poesia romântica francesa não

conseguira. Acreditando que o “Romantismo não morreu mas, como bom camaleão,

mudou de roupagem” (MORETTO, 1989, p. 15), a professora completa:

O verso livre é uma das facetas, e não a menor, da liberdade poética que

o Romantismo de 1820 não pudera ou não ousara realizar. Pois a

verdade é que faltou ao Romantismo francês uma linguagem poética. O

Decadentismo e, depois dele, o Simbolismo, irão criá-la. (...) Além

disso, o vocabulário que o Decadentismo usa ou inventa é formado de

palavras arcaicas ou de neologismos, de palavras técnicas, de palavras

compostas e derivadas; há o uso plural de palavras que só possuem

singular, há deslocamentos de palavras dentro da frase, repetições,

supressões de verbos, o que significa a retomada, acentuada é claro, do

trabalho dos poetas da Plêiade, do grupo de Ronsard, no final do século

XVI (MORETTO, 1989, p. 31).

O Decadentismo foi, portanto, um movimento anticientificista e antimaterialista

que apresentou como elemento incisivo, sobretudo, o retorno à sensibilidade de um “eu”

esquecido pela arte parnasiana. Juntamente com o retorno da subjetividade, vinham o

resgate de aspectos e posturas líricas como a intuição, a imaginação e o sonho – que

representavam a fuga diante de uma sociedade em decomposição – e uma leitura

pessimista e melancólica da vida e da atitude humana, devido, principalmente, à

constatação da desproporção do sujeito perante o mundo.

23

A percepção da falibilidade do eu diante do mundo resulta artisticamente num

entendimento diferente da realidade, acarretando a pintura de um retrato quase estéril do

cotidiano e a ingenuidade da percepção de contextos banais. Portanto,

é decadentista o fascínio pelas arquetípicas lendas antigas e medievais.

(...) É decadentista, ainda, o gosto pela natureza petrificada e fria dos

bizantinos e dourados reflexos do outono; pela refinada maquiagem das

coisas, de proveniência baudelairiana; pela estranha flora da casa de

Des Esseintes; é decadentista o tema do reflexo na água, transparente

ou espelhada (obras de Samain e de Régnier); o gosto pelas pedrarias

(Huysmans, G. Moreau), pelos metais (Tetralogia de Wagner), pelos

vegetais terrestres ou submarinos, que acabarão por tornar-se parte

integrante da decoração art nouveau. (...) Finalmente, o Decadentismo

é um clima, é o extremo e exacerbado individualismo, mais acentuado

que o romântico, é um cansaço de quem vive os últimos tempos mas

que, ampliando-se, ultrapassa seus limites históricos, derramando-se

pelo século XX através das obras de arte de Yeats, D’Annunzio,

Pascoli, Malher, Thomas Mann, Joyce, Proust, Italo Svevo

(MORETTO, 1989, p. 32-33).

Essas características ficam ainda mais evidentes quando lidas as produções tanto

dos que estavam escrevendo no período entre 1870-1890 quanto dos que, alguns anos

antes, já demonstravam sinais da nova poética que estava por vir, como era o caso de

Stéphane Mallarmé e Arthur Rimbaud, que, segundo Moretto (1989), “iluminam

antecipadamente um fazer e se tornam, portanto, avant-coureurs do movimento

decadentista” (MORETTO, 1989, p. 14).

Tendo em vista essa questão, cabe analisar alguns aspectos do poema em prosa

“Lamento de outono”, de Mallarmé, publicado originalmente em 1864, e “Cidade”, de

Rimbaud, escrito em 1872. Ambos os textos representam ideias que a estética

decadentista desenvolveria posteriormente, o que nos será útil para que, mais adiante,

possamos perceber como muitas dessas particularidades serão também utilizadas pelos

poetas penumbristas brasileiros.

1.1.1 O outono e a cidade de Mallarmé e Rimbaud

Como traço importante da poesia finissecular decadentista francesa, o foco nas

explosões internas do sujeito poético fará de “Lamento de outono” (“Plainte d’automne”7)

um belo exemplar de um poema em prosa voltado ao “eu” e aos seus conflitos existenciais

7 Ver anexo F.

24

– aspectos que ressaltam a influência de Mallarmé como um dos precursores do

movimento:

Desde que Maria me deixou para ir para uma outra estrela – qual, Orion,

Altair, e tu, verde Vênus? – sempre amei a solidão. Quantos longos dias

passei sozinho com meu gato! Por sozinho, entendo sem um ser

material e meu gato é um companheiro místico, um espírito. Posso

portanto dizer que passei longos dias a sós com meu gato e, sozinho,

com um dos últimos autores da decadência latina; pois, desde que a

branca criatura não mais existe, estranhamente e singularmente amei

tudo o que se resumia nesta palavra: queda. Assim, durante o ano,

minha estação favorita são os últimos dias enlanguescidos do verão, que

precedem imediatamente o outono e, durante o dia, a hora em que

passeio é aquela em que o sol descansa antes de desvanescer-se, com

raios de cobre amarelo sobre as paredes cinzentas e de cobre vermelho

sobre as lajes. Da mesma maneira, a literatura à qual meu espírito pede

voluptuosidade será a poesia agonizante dos últimos momentos de

Roma, contudo, enquanto absolutamente não respirar a aproximação

rejuvenescedora dos Bárbaros e não balbuciar o latim fácil das

primeiras prosas cristãs.

Lia, pois, um desses caros poemas (cuja maquiagem possui para mim

maior encanto do que o colorido da juventude) e mergulhava a mão no

pelo do puro animal, quando um realejo cantou languidamente e

melancolicamente sob minha janela. Tocava na grande alameda dos

choupos, cujas folhas me parecem sombrias mesmo na primavera,

desde que Maria por lá passou, com círios, pela última vez. O

instrumento dos tristes, sim, realmente: o piano cintila, o violino

ilumina as fibras dilaceradas, mas o realejo, no crepúsculo da

lembrança, fez-me sonhar desesperadamente. Agora, quando

murmurava uma canção alegremente vulgar e que derramou alegria no

coração dos arrabaldes, uma melodia antiquada, banal: por que razão

seu refrão atingia-me na alma e me fazia chorar como uma balada

romântica? Saboreei-a lentamente e não atirei nem um vintém pela

janela por medo de desacomodar-me e de perceber que o instrumento

não cantava sozinho (MALLARMÉ apud MORETTO, 1989, p. 39-

40)8.

No poema em prosa, o eu lírico, após a morte da amada (Maria), apresenta uma

voz de resignação quanto à vida, celebrando a solidão e tudo o que melancolicamente se

associa ao declínio: “pois, desde que a branca criatura não mais existe, estranhamente e

singularmente amei tudo o que se resume nesta palavra: queda” (MALLARMÉ apud

MORETTO, 1989, p. 39).

A associação entre o declinar da vida e o esvaecer do dia (crepúsculo e pôr do

sol), assim como a afinidade do poeta com a passagem das estações, mais precisamente

com o “pranto de outono”, simbolicamente representado pelo declínio das folhas e de

todo vigor da natureza advindo do verão, dão mostras da efemeridade humana. De igual

8 Tradução de Moretto (1989).

25

modo, a ruína de Impérios parece representar o desequilíbrio da vida, o que desmente a

crença positivista no caminho ascensional da humanidade: “poesia agonizante dos

últimos momentos de Roma” (MALLARMÉ apud MORETTO, 1989, p. 39).

Une-se a essa atitude mallarmiana de aceitação da decadência da vida uma

contemplação melancólica da paisagem à sua volta. Não é à toa, portanto, que, mesmo na

primavera, pareçam-lhe sombrias as folhas da “grande alameda dos choupos”

(MALLARMÉ, 1989, p. 40), por onde passava Maria, e o som de instrumentos musicais

passem a soar melancólica e languidamente. Assim, como antecipação de uma poética

que ressaltará as dores, os prazeres e os lamentos mais profundos do “eu”, caracterizando

uma retomada do lirismo subjetivo pelos poetas decadentistas, o texto de Mallarmé nos

leva à observação de um sujeito poético que se deixa tocar agudamente pelo som que

ouve e pelos efeitos sinestésicos que este pode provocar nos sentidos, culminando em

evasão e sonho.

Ainda que partindo de um viés distinto ao de Mallarmé, Rimbaud também lançará

mão, para compor “Cidades” (“Villes”9), poema em prosa que integra a obra

Illuminations, de um traço que será muito caro aos decadentistas: desta vez, o interesse

por um olhar que se volta à observação da cidade moderna. Moretto (1989) nos aponta,

como já foi comentado anteriormente, que a inspiração em Baudelaire, mais precisamente

em As Flores do Mal, foi o motivo do gosto dos poetas decadentistas pela concepção

moderna das cidades. Em Vernier (2007), vemos que a ligação existente entre a

modernidade e a cidade se deve, sobretudo, ao fato de que é nela que se materializam as

transformações que acompanham os novos tempos:

É na cidade então que se concretizam todos os aspectos mais marcantes

da revolução industrial, é nela e nela só que de maneira maciça e

espetacular a modernidade surgiu. Imigração súbita, desordenada e

imprevista que faz engordar monstruosamente Paris, transbordar os

seus muros formando periferias improvisadas, misturando bruscamente

nos mesmos bairros miséria e luxo (a estratificação se faz por andares

conforme se constroem as casas), ruas férvidas nas quais se acotovelam

multidões de seres anônimos e contrastantes, prefiguração sensível

desse temível mundo no qual os homens nada seriam senão números

(VERNIER, 2007. P. 64).

Nesse sentido, duas leituras podem ser feitas da cidade dos tempos modernos: uma

que corresponde aos centros urbanos como materialização positiva dos feitos da

modernidade, a citar como exemplo a iluminação a gás, e outra que enxerga a cidade

9 Ver anexo G.

26

como local que, de forma negativa, altera profundamente o homem no tocante à sua

sensibilidade e ao seu estilo de vida. Sobre isso, Vernier (2007) conclui que esse espaço

“se torna nessa altura o monstro que transforma brutalmente o modo de vida e a

sensibilidade, e o citadino acaba por não se sentir mais do que uma secreção da cidade: é

ela que dá uma nova fisionomia ao amor, ao sonho ou à solidão” (VERNIER, 2007, p.

65).

Assim como em As Flores do Mal, Rimbaud, em “Cidades”, também nos

presenteia com essa dicotomia citadina, na medida em que o poeta reconhece a

necessidade de um olhar voltado ao futuro, ao novo, mas sente as consequências de um

progresso que atropela o homem, a história e a arte. Daí o sujeito poético cantar as

modificações modernas, mas também reconhecer seus prejuízos e impactos:

A acrópole oficial ultrapassa as concepções das mais colossais barbáries

modernas. Impossível exprimir a luz baça produzida pelo céu

imutavelmente cinza, o brilho imperial das construções e a neve eterna

do solo. Reproduziram-se, num gosto de enormidade singular, todas as

maravilhas clássicas da arquitetura. Assisto a exposições de pintura em

ambientes vinte vezes mais vastos do que Hampton-Court. Que pintura!

Um Nabucodonosor norueguês mandou construir as escadas dos

ministérios; os subalternos que pude ver são já mais altivos do que

brâmanes, e tremi diante do aspecto dos guardas de estátuas e oficiais

de construções. Pelo agrupamento das edificações, em squares, pátios

e terraços fechados, foram excluídos os cocheiros. Os parques

representam a natureza primitiva trabalhada por uma arte esplêndida. O

bairro alto possui partes inexplicáveis: um braço de mar, sem navios,

rola sua superfície de granizo azul entre cais carregados de candelabros

gigantescos. Uma ponte curta conduz a uma poterna situada

imediatamente sob a cúpula da Sainte Chapelle. Essa cúpula é uma

armadura de aço artística de quinze mil pés de diâmetro, mais ou menos.

Em alguns pontos, passarelas de cobra, plataformas, escadas que

contornam os hangares e os pilares, pensei poder julgar a profundidade

da cidade! É o prodígio do qual não pude me dar conta: quais são os

níveis dos outros bairros sobre ou sob a acrópole? Para o estranho à

nossa época o reconhecimento é impossível. O bairro comercial é um

circus de um único estilo, com galerias em forma de arcadas. Não se

veem lojas, mas a neve da rua está esmagada; alguns nababos, tão raros

quanto os caminhantes de uma manhã de domingo em Londres,

dirigem-se para uma diligência de diamantes. Alguns divãs de veludo

vermelho: servem-se bebidas polares cujo preço varia de oitocentos a

oito mil rúpias. À ideia de procurar teatros neste circus, respondo a mim

mesmo que as lojas devem conter dramas bastante sombrios? Penso que

há uma polícia; mas a lei deve ser tão estranha, que renuncio a imaginar

os aventureiros deste local.

O bairro, tão elegante quanto uma bela rua de Paris, é favorecido por

uma atmosfera de luz; o elemento democrático conta umas cem almas.

Aqui também as casas não se tocam; o bairro se perde, estranhamente,

no campo, o “Condado” que preenche o ocidente eterno das florestas e

das plantações prodigiosas onde os cavalheiros selvagens caçam suas

27

crônicas sob a luz criada (RIMBAUD apud MORETTO, 1989, p. 52-

53)10.

Numa explosão imagética, o poema em prosa faz uso de uma linguagem do

exagero para demonstrar a grandiosidade que é vista pelo eu lírico. Nesse sentido,

“enormidade singular”, “ambientes vinte vezes mais vastos do que Hampton-Court” e

“uma armadura de aço artística de quinze mil pés de diâmetro” são exemplos de

expressões a que recorre o poeta a fim de passar a quem não está diante daquele cenário

um simulacro da grandiloquência da transformação urbana em tempos modernos.

A cidade moderna é, então, vista como um resultado da combinação entre

inovações tecnológicas que permitem essas modificações e a incessante atuação do

homem nesse espaço. Daí os parques representarem “a natureza primitiva trabalhada por

uma arte esplêndida” (RIMBAUD apud MORETTO, 1989, p. 52) e a exclusão dos

cocheiros possibilitar a construção de edificações, squares e terraços de prédios –

estruturas sólidas e com caráter de permanência, representação perfeita da potência

capitalista que incide na metade do século XIX.

Esse olhar mais crítico aos efeitos da modernidade no espaço da cidade,

viabilizado por um poema em prosa extremamente imagético que reforça a expansão

feroz do progresso, faz com que Rimbaud se aproxime, mais uma vez, da poética

inquietante de Baudelaire. Assim, tirando o poema do universo dos temas sublimes, o

autor de Illuminations também instaura uma poesia que tende a nos tirar da zona de

conforto, devido não só à sua linguagem mais hermética, mas também a uma poesia do

confronto, do trabalho com as fissuras humanas, estruturais e econômicas da

modernidade. Não é à toa, portanto, que, tal como a poética de Baudelaire, a poesia da

crise do sujeito moderno de Rimbaud também seja de extrema importância para a

produção literária decadente francesa finissecular.

Por isso, não é um equívoco apontar que a face negativa da cidade moderna é o

que mais aturde o sujeito poético de Rimbaud. Ao observar a quantidade de plataformas

e de passarelas construídas rapidamente no bairro em que se encontra, a voz que nos fala

divide com o leitor um questionamento que se liga a um desconhecimento do espaço em

que vive diante de tamanha alteração: “quais são os níveis dos outros bairros sobre ou sob

a acrópole?” (RIMBAUD apud MORETTO, 1989, p. 53). É, então, nesse momento, que

o “eu” do relato se percebe estrangeiro não só em sua cidade, como também em seu

10 Tradução de Moretto (1989).

28

tempo, o que lhe confere a incapacidade de responder à pergunta acima: “para o estranho

à nossa época o reconhecimento é impossível” (RIMBAUD apud MORETTO, 1989, p.

53).

1.2 O veio penumbrista

A análise da construção do cânone na literatura brasileira nos evidencia que, por

variados motivos, é concedido a certos autores um papel de menor destaque, rendendo-

lhes pouca visibilidade nos estudos críticos e, por conseguinte, inferior repercussão a

respeito de suas obras e de sua importância no cenário de nossas letras. Muitas vezes, essa

atitude acomete também grupos cujas tendências artísticas ficam à margem do interesse

da crítica literária, ora aparecendo raramente nos manuais de literatura, ora sendo

englobados em contextos artístico-culturais mais generalistas que acabam por minimizar

sua relevância.

Atitude parecida com esse segundo caso apresentado pode ser vista no que

concerne ao estudo das produções literárias do Brasil nas duas primeiras décadas do

século XX, na medida em que a maior parte da crítica literária limita-se a falar da

existência de um Pré-Modernismo. Esse momento da literatura nacional, segundo os

autores desses materiais, equivaleria a uma grande parte das obras produzidas no país

entre 1900 e 1922, sendo este ano também o que assinala o início do Modernismo.

Deve-se ressaltar, entretanto, que, muito além de uma nomenclatura algo genérica,

as duas primeiras décadas do século XX para a literatura brasileira, mais precisamente o

espaço de transição entre o Simbolismo e o Modernismo, foram extremamente ricas,

heterogêneas e ainda pouco estudadas. Neste tópico da pesquisa, trataremos, brevemente,

de um recorte temporal específico dentro desse contexto: a produção literária do

Penumbrismo, datada, primordialmente, dos primeiros anos da década de 1920.

A tendência penumbrista desenvolveu-se a partir de uma poética de inquietação

existencial, necessidade de adequação da poesia à cena contemporânea, inovação formal

e uma sensação de tédio diante do esfacelamento do contexto socioeconômico brasileiro.

Norma Goldstein, em Do penumbrismo ao modernismo (1983), chamará o movimento de

um “veio crepuscular, produção poética em tom menor” (GOLDSTEIN, 1983, p. 5), que,

29

inspirado nos modelos franceses decadentistas11, adequar-se-á também nessa atmosfera

de angústia existencial, caracterizando-se, sobretudo, por

uma melancolia agridoce, pelos temas ligados ao quotidiano, por uma

morbidez velada – atitude doentia de perplexidade em face do progresso

e da técnica, traduzida, no plano afetivo, por uma atenuação dos

sentimentos. Paralelamente, os poetas crepusculares praticam a

desarticulação do verso por via do ritmo dentro da métrica tradicional,

chegando a modificá-la. Poderíamos falar, portanto, num processo de

meio-tom formal correlacionado a um processo de meio-tom

psicológico. (...) Seu canto aproximar-se-ia do tom da linguagem

falada, a meia-voz, com imagens em meios-tons, com uma temática

ligada à vida quotidiana, aos ambientes provincianos, às recordações da

infância (GOLDSTEIN, 1983, p. 5-6).

Segundo Goldstein (1983), para que sejam conhecidas as raízes do Penumbrismo,

deve-se voltar o olhar à produção poética francesa do final do século XIX e início do XX,

em que havia “um estado de espírito, uma atmosfera de inquietação metafísica e de busca”

(GOLDSTEIN, 1983, p. 5), a que se ligaram várias produções poéticas, como o próprio

Decadentismo. Daí a opção da autora pela expressão “veio crepuscular” para se referir ao

Penumbrismo, uma vez que o considera um produto do movimento decadentista francês,

atribuindo-lhe a condição de uma das ramificações possíveis dessa atmosfera criada não

só na França, mas também em muitos outros centros europeus, de um desejo de ruptura

vinculado a um, igualmente profundo, anseio por renovação.

Nesse sentido, é necessário evidenciar que essa renovação do objeto estético dar-

se-ia, sobretudo, por um movimento antiparnasiano de liberação formal. Assim, os poetas

vinculados ao Penumbrismo ensaiaram uma emancipação do verso, livrando-o, muitas

vezes, da tradição clássica por meio, principalmente, da quebra rítmica. Todavia, é

importante dizer que a escolha por versos livres não pressupôs o abandono total da

métrica regular, visto que a tradição e o esboço de liberdade formal caminharam lado a

lado nas produções poéticas desse período.

Além desse desejo de ruptura com a estética parnasiana, a busca por uma evasão

do contexto em que viviam também aproximou os penumbristas dos decadentistas

franceses. Como vimos anteriormente, os autores do Decadentismo procuraram no sonho,

na lembrança e na arte um porto seguro em que podiam se esconder do avanço das

ideologias burguesas e positivistas. De maneira análoga, é possível ver esse tipo de

11 Segundo Goldstein (1983), pode-se afirmar que, da tríade decandetista Verlaine-Rimbaud-Mallarmé, os

traços que mais incentivaram a produção poética brasileira no Penumbrismo foram a musicalidade e a

inovação formal de Verlaine, principalmente porque os poetas penumbristas ficaram conhecidos por

flertarem com a quebra da rima tradicional.

30

comportamento se alastrar pelas produções poéticas do Penumbrismo, a citar como

exemplo as obras O Jardim das Confidências (1921), de Ribeiro Couto, e Epigramas

irônicos e sentimentais (1922), de Ronald de Carvalho, que evidenciam um gosto por

uma poesia intimista de valorização estética, de isolamento e de recordação da infância e

de pequenos acontecimentos. Essa reação, tal como na França, volta-se contra a noção de

utilitarismo do contexto industrial e capitalista, em que é atribuído mais valor aos bens

materiais do que aos homens, daí a presença, de igual forma, de um tom bastante

melancólico.

Norma Goldstein (1983) somará à sua análise a respeito da estética penumbrista

um fator definido pela crítica literária como chave de leitura frequentemente ligada aos

textos relacionados a esse movimento, espelhando-se nessas obras de variadas formas. A

atenuação, dessa maneira, segundo a pesquisadora, guiará os versos penumbristas seja

do ponto de vista psicológico, descritivo, sintático ou temático, a saber:

A atenuação psicológica se revela em sentimentos e atitudes:

esvaimento, languidez, indecisão, relacionamento amoroso ambíguo

(misto de paixão e amor fraternal), ou frustrado (aceitação da não-

realização amorosa), passividade. Nos poemas descritivos, surge a

atenuação na captação sensorial: meia-luz (crepúsculo, penumbra),

meio-tom (murmúrio, nasalização), movimentos lentos, suavizados.

(...) Do ponto de vista sintático, combinam-se elementos que se

atenuam mutuamente: o substantivo com seu caracterizador; o verbo

com seu objeto ou com seu predicativo. (...) Na temática – ou, se

preferir, no “assunto” –, também ocorre a atenuação. Dos temas

“nobres”, a poesia crepuscular passa para os “banais”: o quarto do

poeta; a vista encaixilhada pela janela, a praça, a árvore desfolhada, os

interiores penumbrosos, a “lâmpada velada” (Hermes Fontes), o jardim

dissolvido pela chuva, a névoa, a cena quotidiana (GOLDSTEIN, 1983,

p. 10-11).

Denominando “tendência poética” e não “escola” ou “grupo”, Goldstein (1983)

associa-se a alguns outros críticos também engajados em conceituar com certa precisão o

que foi o Penumbrismo, ainda que a poesia desse grupo, infelizmente, não tenha sido tão

analisada como necessário, permanecendo – se possível o trocadilho – na penumbra da

tradição literária brasileira. Dessa forma, mantendo a tentativa de esclarecimento desse

momento da literatura brasileira, Rodrigo Octavio Filho, em “Sincretismo e transição: o

Penumbrismo”, presente em Simbolismo e Penumbrismo (1970), trabalhará com a ideia

de período intermediário entre duas escolas (OCTAVIO FILHO, 1970, p. 69), pensando,

assim como Goldstein, na tendência penumbrista como uma etapa intermediária entre o

Simbolismo e o Modernismo.

31

Para o crítico, períodos de transição são importantes momentos para a construção

de novos caminhos para a literatura, pois “sugerem a negação e a destruição de tudo o

que tenha sido considerado norma literária definitiva” (OCTAVIO FILHO, 1970, p. 67).

Por ser “ânsia e coragem de acabar com os tabus” (OCTAVIO FILHO, 1970, p. 67), o

Penumbrismo torna-se, aos olhos de Octavio Filho, uma fase significativa, ainda que

curta, da nossa literatura.

Assim, caracterizando o Penumbrismo como “uma espécie de fumaça ou poeira

do Simbolismo, e que exerceu em nosso campo poético, em dado momento, a mesma

função que, sob certos aspectos, o de algumas obras de Debussy” (OCTAVIO FILHO,

1970, p. 70-71), o mesmo estudioso também não crê na ocorrência de uma escola

penumbrista, mas sim de uma

atitude, um movimento emocional, uma coincidência temática, tendente

a um acentuado intimismo poético, já nitidamente manifestado em certa

fase da obra de Mário Pederneiras e que pode ser definido numa

tentativa de enquadramento em nossa história literária como nítido

exemplo de literatura de transição ou intermediária. Foi uma espécie de

flecha de voo lento que, vindo de um decadentismo um tanto mórbido,

influenciada por certo nefelibatismo passageiro, e por hermetismo que

esteve em moda, atravessasse brilhantemente a zona simbolista para, ao

fim do voo, criar e alimentar o Modernismo (OCTAVIO FILHO,

1970, p. 72, grifo do autor).

Para chegar às conclusões publicadas nesse estudo que integra a obra Simbolismo

e Penumbrismo (1970), Rodrigo Octavio Filho, que era bastante próximo a Ribeiro

Couto, enviou uma carta ao escritor das Confidências datada de 22 de janeiro de 1957.

Na correspondência, Octavio Filho pede mais informações a Couto a respeito do

Penumbrismo, uma vez que considera o poeta o precursor dessa tendência. Pouco tempo

depois, em missiva de 10 de março de 1957, Couto responde-lhe de maneira inusitada:

para ele, não se podia falar na existência de uma escola penumbrista, a despeito de ser

conceituado por Ronald de Carvalho como o pioneiro do movimento, mas sim de uma

forma de “contágio” passageiro que acometeu um grupo de poetas entre 1920 e 1923.

Diferentemente de muitos escritores que, ao atingirem uma maturidade literária,

procuram negar a existência dos primeiros materiais produzidos, Couto, nessa carta, não

refuta seu livro inicial de poesias, porém é enfático ao dizer que, se havia algo de novo

que estava produzindo, era a inserção do cotidiano à poesia e não um inédito estilo

poético. Por isso, o que muitos identificaram como traços que talvez estivessem

inaugurando uma nova escola literária, eram, na verdade, reflexos das condições do

32

ambiente em que se encontrava o escritor quando esteve em São Paulo, entre 1915 e 1918.

Inclusive, o fato justifica a dedicatória do autor na abertura do livro às manhãs nevoentas

paulistas, o que esclarece muito da chuva e da melancolia presentes em O Jardim das

Confidências.

Assim, afirmando que foi um “certo jeito, um tom, um clima de expressão poética”

(COUTO, 1957) o que passou a ser entendido como Penumbrismo, Ribeiro Couto reduz

a questão da penumbra a um plano inferior de importância quando da análise do legado

deixado pelos seus primeiros poemas à literatura brasileira do início do século XX. Para

o poeta, então, a sua atitude de contemplação do cotidiano e de escrita desse material da

vida de forma natural e autêntica em suas poesias foi muito mais significativa à sua obra

inicial do que as sugestões de névoa, melancolia e meio-tom que fizeram fama no início

da década 1920 e impulsionaram algumas publicações nesse mesmo estilo durante,

primordialmente, os três anos seguintes.

De certo modo, fica difícil dizer se Couto estava equivocado. Ao pensarmos no

Penumbrismo como um período de antecipação do Modernismo, como apontaram

Goldstein (1983) e Octavio Filho (1970), o trabalho com a matéria simples do cotidiano

foi aprimorado com os modernistas ao passo que os cenários crepusculares e nevoentos

perderam espaço na literatura brasileira. Dessa forma, os traços que rapidamente

contagiaram uma pequena parcela de escritores no país, de igual forma, foram

abandonados, sacramentando o Penumbrismo como uma tendência literária passageira,

embora importante para o momento seguinte das nossas letras.

Localizado, assim, em um momento transitório, mas também encarado como uma

literatura de permanência, o Penumbrismo, à sua época, concentrou elogios e críticas aos

que buscaram se engajar em uma poética de penumbra. No que tange à obra O Jardim

das Confidências (1921), de Ribeiro Couto, que marcou efetivamente a constatação de

uma estética penumbrista12, Ronald de Carvalho, em capítulo intitulado “Ribeiro Couto”,

fragmento do livro Estudos Brasileiros (1931), atentará para o fato de Couto integrar um

restrito grupo de poetas que, verdadeiramente, “fazem poesia” (CARVALHO, 1931, p.

70) ao se conectar a uma vertente estética que apreciava uma exploração sutil do

12 Já foi apontado, nesta dissertação, o fato de a expressão “penumbra”, no que tange a uma estética poética,

ter surgido, diante dos dados reunidos pela crítica literária até o presente momento, em artigo de Ronald de

Carvalho intitulado “A Poesia da penumbra”, publicado em O Imparcial. O texto “Ribeiro Couto”, que faz

parte do livro Estudos Brasileiros, é uma síntese das ideias contidas nesse artigo de 1921.

33

cotidiano, atingindo, como ponto final, o despertar de emoções e de dramas profundos de

um “eu” ignorado pela poesia de grandiloquência parnasiana.

Nesse sentido, Ronald de Carvalho (1931) aponta para uma nova poesia brasileira,

que tinha sugestão de “silêncio” e de “sombra”, considerando Ribeiro Couto um mestre

desse fazer poético. É a partir da análise de alguns poemas de Couto, presentes no já

referido livro do autor, que se pode entender quais as características desse movimento

que se sobressaltaram aos olhos de Carvalho:

Ele não vai diretamente às coisas, mas parte sempre de um estado de

alma sutil para chegar ao ambiente circunstante. (...) Ribeiro Couto

soube ver no “eterno cotidiano” uma trama de motivos realmente

dramáticos. Seu pendor é para os assuntos humildes, cuja terrível

trivialidade aumenta ainda a humanidade dos símbolos. Um dia de

chuva, uma praça abandonada, um portão solitário, uma frase

murmurada apenas, um trecho de jardim, onde turbilhonam folhas,

bastam para o impressionar. E com que delicadeza transmite o poeta as

suas impressões mais sutis, com que clareza desvenda as emoções mais

imponderáveis! (CARVALHO, 1931, p. 71-72)13.

A publicação de O Jardim das Confidências também foi comemorada por outros

escritores e intelectuais brasileiros, como Claudio Ganns, que, em texto intitulado “Poesia

nova”14, publicado na revista Fon-Fon! em 1º de outubro de 1921, menciona a alegria de

ver surgir um novo fazer poético que buscava novas tonalidades em contraposição à

poética parnasiana. Ganns parecia compreender que a época em que vivia necessitava de

modificações na literatura e, possivelmente, já sentia os ventos de mudança que invadiam

o cenário literário brasileiro e que culminariam, pouco tempo depois, na organização da

Semana de Arte Moderna de 1922.

Ressaltando, ao longo de todo o texto, a maneira singela, sem grandes floreios,

com que Ribeiro Couto constrói seus poemas, Ganns (1921) conclui o que para ele

significava uma das melhores características da poesia moderna: “versos curtos, mas

intensos, sem rodeios nem perorações discursivas que, na singeleza de algumas sugestões

rápidas, vibrantes e sutis, conseguem fixar um momento, um sonho, um estado de alma”

(GANNS, 1921, p. 19).

Os elogios a Ribeiro Couto não se limitaram ao seu primeiro livro de poesia15. Em

1925, em seu volume I, a revista Estética trouxe um texto de Rodrigo M. F. de Andrade

13 As citações dos periódicos aqui feitas foram atualizadas para a forma de escrita atual da língua

portuguesa. 14 Ver anexo A. 15 O Jardim das Confidências, 1921.

34

a respeito da publicação de outra obra de Couto, Poemetos de Ternura e de Melancolia

(1924), que reunia poemas escritos entre 1920 e 1922. Nesse texto, Andrade indica Couto

como um dos grandes capítulos de nossa história, na medida em que, com esse livro, o

escritor penumbrista tornava-se um precursor da literatura moderna, uma vez que, “se não

pode dizer, rigorosamente que ele foi o iniciador do movimento abolicionista da poesia

nacional, é certo, pelo menos, que inspirou o primeiro epíteto de que foram crismados os

artistas da nova geração” (ANDRADE, 1925, p. 213).

Andrade (1925) acreditava que, mesmo mantendo o processo de apreensão sutil e

direta das sensações e das imagens do cotidiano – marca dos poemas de seu primeiro livro

–, Ribeiro Couto havia amadurecido sua escrita e agora não mais era levado pelas

emoções de maneira incontrolada, pois havia conseguido reger tudo que sentia, tornando-

se o senhor de seus sentimentos. Assim, após elencar inúmeras características que faziam

de Couto um excelente poeta, o jornalista afirmou não compreender o motivo de uma

parte da crítica conservadora ter dirigido ao poeta duros comentários, ressaltando que “o

seu lirismo melancólico é muito mais autenticamente nosso que o colorido exasperado e

as notas clangorosas de tantos versos de Castro Alves, ou mesmo dos parnasianos”

(ANDRADE, 1925, p. 214).

Ainda assim, muitos foram os intelectuais, poetas e críticos que se voltaram contra

o Penumbrismo e atacaram seus seguidores publicamente. Um dos casos que mais se

destaca é o comentado por Brito Broca, em texto datado de 19 de março de 1960, no

Correio da Manhã. Nesse artigo, intitulado “Ribeiro Couto, Paulo Geraldino e a ‘blague’

penumbrista”, Broca relembra uma das maiores perseguições públicas que os poetas

penumbristas – principalmente Ribeiro Couto, por ser considerado o mentor do grupo –

sofreram no início da década de 1920, quando Couto lança O Jardim das Confidências e

Ronald de Carvalho escolhe a palavra “penumbra” para qualificar a sua poesia.

Broca (1960) comenta a respeito do escritor José Augusto de Lima, o qual, na

época em questão, publicava em periódicos poemas parnasianos sob o pseudônimo de

Paulo Moreno. Posteriormente, em O Imparcial, na seção “Senhoras e Senhores”, Lima

também passou a atacar os penumbristas com poemas parodiando as características

estéticas da poesia dos escritores que estavam vinculados ao movimento, como Manuel

Bandeira, Ronald de Carvalho, Rodrigo Octavio Filho e, obviamente, Ribeiro Couto.

Assim, sob o pseudônimo de Paulo Geraldino, Augusto de Lima iniciou, nesse periódico,

35

aparentemente em 18 de março de 192216, uma série de sátiras que iria se estender por

quase um ano:

Paulo Geraldino é o pseudônimo sob o qual se oculta um dos nossos

poetas mais festejados. O seu nome, que até há pouco brilhava no céu

do nosso parnasianismo, é um dos mais autênticos padrões de glória da

literatura poética do nosso tempo. Hoje, porém, depois de longos anos

de arte, Paulo Geraldino vem se ligar à nova corrente “futurista”, pondo

à margem o seu envelhecido “éstro declamatório” e abraçando

definitivamente o “penumbrismo” (GERALDINO, 1922, p. 4).

Essa pequena apresentação introduz um poema feito em “homenagem” aos

penumbristas, cujo título “A plangência lilás de um sino que vibra na torre da minha

emotividade”, dedicado, especificamente, a Ribeiro Couto e a Oswaldo Orico, não buscou

esconder qual característica do movimento seria satirizada nesses versos e em quase todos

os outros escritos posteriormente: a intensa expressão da sentimentalidade do sujeito

poético. Não é à toa, portanto, que, usando como cenário uma singela e pacata aldeia,

Lima apostou na transcrição do badalo triste e contínuo de um sino como companhia de

uma evidente – e talvez excessiva – melancolia.

Vale ressaltar, ainda, que José Augusto de Lima – em seus poemas-paródia quase

sempre finalizados com a expressão “de um livro futurista”17 – não incomodou os poetas

penumbristas apenas sob a alcunha de Paulo Geraldino. Sob o pseudônimo de Paulo

Moreno, Lima também publicou em O Imparcial pequenas notas de repúdio e ataques ao

movimento. Em outra ocasião, em 5 de março de 1922, divulgou um pequeno texto sob

o título de “Balcão de retalhos”18, endereçado a Manuel Bandeira, no qual ironizava a

sentimentalidade que o poeta vinha empregando em seus poemas, chegando a afirmar que

o autor de A Cinza das Horas parecia uma moça de tão sutil que eram seus versos: “tudo

em ti transpira a delicadeza, suavidade e pudor” (MORENO, 1922, p. 4).

No dia seguinte, na revista Fon-Fon!19, Bandeira respondeu aos ataques de

Moreno, satirizando a pouca visibilidade que Augusto de Lima possuía no cenário

intelectual carioca:

16 Em nossas pesquisas feitas no site da Hemeroteca da Biblioteca Nacional, usando como base de procura

o nome de Paulo Geraldino em O Imparcial, é a data de 18 de março de 1922, ano X, n. 1.212, que

encontramos como primeira aparição. Ver anexo B. 17 A partir da edição de O Imparcial do dia 11 de outubro de 1922, começaram também a ser divulgados

anúncios de que um livro chamado Badalo Innocente, de Paulo Geraldino, iria ser publicado. Os dizeres

eram sempre os mesmos, todos sem assinatura: “Badalo Innocente é o livro futurista de Paulo Geraldino,

prestes a sair”. 18 Ver anexo C. 19 Ver anexo D.

36

Por isso o meu ideal em poesia, o meu mestre, o meu modelo é o sr.

Augusto Lima, tão injustamente esquecido por esta geração frívola de

agora. Só vejo um senão na sua obra – a pobreza dos temas

verdadeiramente nacionais. (...) No dia em que o poeta mineiro deixar

esta cidade dissoluta, “de almofadinhas sem talento e mocinhas sem

moral”, e for morar no sertão, como fazem os srs. Catulo Cearense,

Afranio Peixoto, Viriato Correia e outros adoradores sinceros da roça,

estou certo de que escreverá um livro que será para esta terra de

[ilegível] o que Os Lusíadas são para Portugal (...). Até lá, temos de nos

contentar com os srs. Álvaro Moreyra, Ronald de Carvalho, Ribeiro

Couto e outros “conhecidos ladrões de canais belgas” (BANDEIRA,

1922, p. 21).

Em 11 de outubro de 192220, dado o destaque positivo e negativo que o

movimento penumbrista vinha recebendo, a revista D. Quixote realizou uma entrevista

com Ronald de Carvalho; nesse mesmo ano, o autor publicou Epigramas irônicos e

sentimentais, seu livro de poemas ao estilo da lírica da primeira obra de Ribeiro Couto.

Nessa entrevista, Carvalho falou sobre o Penumbrismo, o Futurismo e os caminhos que a

literatura brasileira estava tomando naquele início de década. Disse o poeta que os novos

estilos eram o que de mais próximo à arte poder-se-ia chegar enquanto expressão fiel,

assim como a literatura brasileira alcançaria o mais alto nível de civilização com o

trabalho não só dos penumbristas, mas também dos poetas que, nos anos seguintes,

seguiriam cultivando as raízes do movimento.

Em Epigramas irônicos e sentimentais, portanto, Carvalho traduziu em versos o

que esperava de nossa literatura: prosseguimento ao que foi iniciado com Ribeiro Couto.

Daí a repetição de temas e estilística caros ao autor de O Jardim das Confidências, como

a valorização da penumbra e da apreciação da vida cotidiana. No soneto “Solitude”21 é

possível observar como Couto reúne esses dois traços que são os pilares de sua primeira

obra de poesia:

Na penumbra em que jaz o jardim silencioso

a tarde triste vai morrendo... desfalece...

Sobre a pedra de um banco um vulto doloroso

vem sentar-se, isolado, e como que se esquece.

Deve ser um sutil, imponderável gozo

permanecer assim, na hora em que a noite desce,

anônimo, na paz do jardim silencioso,

numa imobilidade extática de prece.

Em lugar tão propício à doçura das almas

20 Revista D. Quixote, ano 6, n. 283, p. 14. Ver anexo E. 21 Na edição de Poesias reunidas, publicada pela José Olympio em 1960, Couto trocou o nome do poema,

chamando-o de “No jardim em penumbra”.

37

esse homem vem pensar quase sempre, sozinho,

no mesmo banco, sob a carícia das palmas.

E uma só vez o vi chorar, um choro brando...

Fiquei a ouvir... caíra a noite, de mansinho...

Longe, andava uma voz de menina cantando.

(COUTO, 1934, p. 46-47)

No poema, a contemplação de uma cena cotidiana se passa em um dos ambientes

mais trabalhados na poesia de Couto e usados à exaustão pelos seus seguidores

penumbristas. O jardim, portanto, nesse soneto, assim como em muitos outros poemas

vinculados a essa estética literária, assumiu o papel de cenário principal para inspiração,

reflexão e isolamento do sujeito poético. No poema, não somente há um homem

desconhecido que passa seu tempo em introspecção, como também um eu lírico que

observa essa atitude e se deleita com ela.

Contrapondo-se ao cenário lamurioso, fortalecido pela imagem da tarde triste e do

choro brando e doloroso do homem desconhecido, há a paz e a doçura que emergem do

jardim. A impressão da paisagem ajuda a estabelecer um efeito de interessante

complementação entre o homem e o ambiente – se um dos lados representa o vazio, o

outro é capaz de promover serenidade e equilíbrio. Essa cena ocorrida diante dos olhos

de nosso observador ganha, com a valorização da penumbra e do silêncio, um aspecto

melancólico e atenuante, principalmente devido aos não-ditos que preenchem o poema.

Ainda que escrito com uma carga semântica bem mais positiva do que a trabalhada

nesses versos de Ribeiro Couto – se confrontada a penumbra do soneto à explosão de luz

da manhã ensolarada do poema a seguir –, “Canção da vida cotidiana”, de Ronald de

Carvalho, também traz o elemento cotidiano em sua simplicidade e banalidade:

O sol brilha nas pedras da rua pobre e pequenina,

entre as pedras da rua humilde o mato cresce.

De uma janela aberta vem uma voz dolente,

uma voz sem timbre, uma voz de lágrimas ignoradas.

O sol queima as couves dos quintais desertos.

Vibra na luz o olho metálico de uma poça d’água.

(Rua pobre e pequenina, onde o mato cresce,

rua monótona como o céu azul,

rua monótona como a noite cheia de estrelas,

rua dos muros caiados e dos jardins sem flores,

rua dos pregões melancólicos e inúteis,

rua da vida cotidiana...)

(CARVALHO, 1922, p. 11-12)

38

Assim, fica evidente que Ronald de Carvalho segue os passos de Couto ao fazer

um poema de valorização e de exaltação da vida cotidiana exatamente como ela parecia

a partir de uma perspectiva social do contexto em que ambos os autores estavam

inseridos: simples e sem grandes idealizações. A captação direta e sensorial da imagem

que os olhos do poeta enxergam ajuda a construir esse cenário que tende a admirar o

prosaico. Por isso, somos conduzidos a uma rua banal, como outra qualquer, que serve

como palco para o acontecimento de situações tão banais quanto: um sol que ilumina as

pedras da rua e reflete em uma poça d’água, um mato que cresce ou um lamento vindo de

uma janela qualquer.

A vida vai acontecendo ali, devagar, bem na frente do poeta, que parece também

se entregar ao marasmo apresentado pelo lugar. Em poucas linhas, a indicação de uma

cena melancólica, a percepção de um murmúrio que vem pela janela, a repetição de

palavras e/ou expressões garantindo um ritmo e o bom proveito de adjetivos já nos bastam

para perceber que, assim como outros poetas do movimento, Carvalho foi ao jardim de

Couto buscar alimento para a sua poesia.

Questão parecida ocorre em “Doçura da chuva”, “Dança das folhas”, “Interior”,

“Bucólica”, “Elegia”, “Noite de junho” e em tantos outros poemas nos quais, pela singela

observação da paisagem cotidiana, o poeta conseguiu expressar uma tendência bastante

sentimentalista. Vale ainda dizer que a parte irônica do título se deve, sobretudo, a uma

outra grande e importante característica do movimento penumbrista: a liberdade formal.

Em “Literatura”, Ronald de Carvalho parece atacar em seus versos a rigidez dos

parnasianos:

(...)

São perfeitos os teus alexandrinos!

Mas como têm mais graça as asas dessa abelha,

ou essa fúlvida centelha

que turbilhona sem parar!

Como são muito mais interessantes

que aqueles negros, inúteis elefantes,

esses pares de andorinhas que volteiam

em curvas longas, lentas pelo ar...

(CARVALHO, 1922, p. 79-80)

Como disse na entrevista à D. Quixote (1922), Carvalho acreditava que o processo

de liberação formal por que passavam os penumbristas era o futuro da literatura – e

realmente foi. Ainda que em momentos posteriores a poesia brasileira tenha recorrido à

39

produção de versos com marcação rítmica mais “fechada”, nunca mais se chegou perto

do engessamento e do rigor provocados pela incessante busca por rimas ricas e raras a

que os parnasianos se propunham.

Muito bem metaforizado por Carvalho no poema, contra o prestígio que os

alexandrinos tinham em relação à intelectualidade brasileira, um grupo de poetas-

andorinha passou a movimentar o cenário literário do início do século XX de tal forma

que seus reflexos são sentidos até hoje. Nesse sentido, ao cultivar muitas das sementes

plantadas pelo Decadentismo francês, o Penumbrismo foi um movimento de “intimismo,

temas relacionados ao quotidiano, sentimentos melancólicos, gosto pela penumbra e pelo

crepúsculo, (...) tudo composto em versos cujo ritmo em liberação e cujo meio-tom

musical se opunha à eloquência parnasiana em moda” (GOLDSTEIN, 1983, p. 13).

O movimento recebeu críticas severas vindas de alguns intelectuais e direcionadas

aos seus participantes, mas também serviu como prenúncio de uma revolução estética no

cenário literário brasileiro. Esse novo fazer poético se fez presente em pequena ou boa

parte da produção de alguns escritores brasileiros, como Ronald de Carvalho, Ribeiro

Couto, Álvaro Moreyra, Manuel Bandeira e Mário Pederneiras, sem nos esquecer,

também, de Carlos Drummond de Andrade, em cujos passos iniciais como poeta

permitiu-se mergulhar em uma estética de penumbra, perpetuando esse momento

crepuscular em Os 25 poemas da triste alegria.

40

2. A POESIA CREPUSCULAR DE OS 25 POEMAS DA TRISTE ALEGRIA

Na historiografia literária, costuma-se estabelecer um escritor dentro de algum

contexto histórico e literário específico, quase sempre o filiando a um grupo, um modelo

ou estilo de uma época. Também vemos que, dentro dessa perspectiva, esses períodos

costumam ter uma longa duração, não havendo condições, muitas vezes, de análise de

períodos mais curtos de tempo, pressupondo que significariam mudanças muito tênues

ou até nenhuma mudança.

Nesse sentido, quando pensamos em poesia, o cenário parece se confirmar: poucos

escritores revolucionaram sua carreira em um curto espaço de tempo. Fugindo à regra, é

de conhecimento da grande crítica literária a capacidade de reelaboração estética que

Carlos Drummond de Andrade apresentou, durante toda a sua trajetória enquanto poeta,

em pequenos intervalos – daí termos, quase a cada década de produção, a oportunidade

de lermos um novo Drummond.

Por muito tempo, a crítica literária a respeito do poeta tratou de sua obra tomando

como ponto de partida a publicação de Alguma poesia, de 1930, o que, segundo John

Gledson (2018), ajudou a criar uma falsa ideia de um Modernismo nato do escritor. O

fato é que poucos tinham conhecimento de um Drummond que, além de artigos, crônicas,

resenhas e poemas esparsos publicados em periódicos e em revistas na década de 1920,

também reuniu, nesse mesmo período, um projeto de livro, Os 25 poemas. Sendo a obra

uma descoberta tardia e póstuma, só na atualidade podemos alcançar a dimensão da

“quase” estreia drummondiana e compreender os primeiros passos do jovem Carlos, bem

como entender em que e em quem se amparava o seu fazer poético nos anos 20.

Os 25 poemas da triste alegria, quando situados corretamente na cronologia

literária de Drummond, permitem-nos enxergar não só como o poeta teve uma década

riquíssima em estímulo criativo e intelectual, como também que a sua adesão ao

Modernismo não foi tão instantânea como por alguns anos fez-se crer. Contendo poemas

escritos no início da década de 1920 por Drummond, a obra foi datilografada em 6 de

setembro de 1924, por Dolores Dutra de Morais, com quem o poeta se casaria

posteriormente.

41

Nessa época, o itabirano vivia reunido com um grupo de escritores que

costumavam frequentar o café Estrela22, em Belo Horizonte, tais como Emilio Moura,

Francisco Martins de Almeida, Gustavo Capanema Filho e João Alphonsus de

Guimarães. Vale mencionar, ainda, que é também no ano de 1924 que esse grupo de

poetas encontrar-se-ia com a caravana modernista vinda de São Paulo, da qual faziam

parte figuras emblemáticas do movimento, como Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade

e Mário de Andrade.

Em relação aos textos poéticos que compõem Os 25 poemas da triste alegria,

segundo John Gledson, em Poesia e poética de Carlos Drummond de Andrade (2018),

alguns poemas desse datiloscrito já haviam sido publicados em periódicos da época, como

“Na tarde cheia de doçura...” e “A beleza da vida na alegria da manhã”, que saíram no

Diário de Minas, entre 1922 e 1923, sob o pseudônimo de Manuel Fernandes da Rocha

(GLEDSON, 2018, posição 392).

O professor, ensaísta, poeta e crítico literário Antonio Carlos Secchin (2012)23

afirma que, entre os anos de 1922 e 1924, nove poemas de Os 25 poemas da triste alegria

já haviam sido publicados em veículos informacionais da época, como o já referido

Diário de Minas, além das revistas Ilustração Brasileira e Para Todos. Secchin (2012)

também chama atenção para a publicação tardia de alguns poemas em 1926, como é o

caso de “Biblioteca”, “Uma lâmpada brilha” e “Canção do grego desencantado”.

Em pesquisas realizadas para esta dissertação no site da Hemeroteca Digital da

Biblioteca Nacional, mais um poema de Os 25 poemas foi encontrado em publicação

posterior a 1924, dessa vez no Diário do Comércio (MG), no ano de 1928, mesma época

em que, curiosamente, Drummond publica o poema “No meio do caminho”, uma

expressão do Modernismo brasileiro. No exemplar de 1924, esse poema recebeu o título

de “Ainda um noturno”. No Diário do Comércio (MG)24, de 1928, há algumas mudanças:

Drummond fez um adendo ao título, passando o poema a se chamar “Ainda um noturno,

se permitem”; no 3º verso houve a substituição do adjetivo “imensa” por “enorme” e, no

6º verso, o poeta suprime o vocábulo “mais”.

22 Em 1925, de quatro integrantes desse grupo – Carlos Drummond de Andrade, Emilio Moura, Francisco

Martins de Almeida e Gregoriano Canedo – surgiu a ideia de criar o veículo informacional modernista A

Revista, do qual falaremos com mais precisão em capítulo posterior. 23 SECCHIN, Antonio Carlos. O quase livro do pré-poeta. In: ANDRADE, Carlos Drummond de. Os 25

poemas da triste alegria. São Paulo: Cosac Naify, 2012. p. 12-13. 24 1928, ano I, n. 51, p. 2. Apesar de o poema ser republicado em 1928 e ter sofrido as alterações

mencionadas, a data de escrita no periódico aparece como 1924, como consta na imagem do poema presente

no anexo L.

42

No início dos anos 2000, Antonio Carlos Secchin encontrou o datiloscrito original

de Os 25 poemas da triste alegria em acervo pessoal de um bibliófilo carioca, o que

possibilitou ao crítico e à editora Cosac Naify a elaboração de uma excelente edição fac-

similar, publicada em 2012, fazendo com que o público tivesse acesso a mais um

importante capítulo da história de Drummond. Nessa edição, estão presentes também

comentários afiados que Drummond acrescentaria ao exemplar original, em 193725 –

relacionados, principalmente, ao esvaziamento de sentido e ao exagerado

convencionalismo que seus textos carregavam –, além de alguns comentários feitos por

Mário de Andrade a uma boa parte desses poemas nas cartas trocadas, os quais foram

transcritos por Drummond nas mesmas anotações de 1937.

Ademais, também estão presentes no livro interessantes notas feitas por Secchin

aos poemas e aos comentários de Drummond e Mário. Vale ainda dizer que a edição

reuniu cinco textos publicados no início da década de 1920, nos periódicos Diário de

Minas e Gazeta Comercial e na revista Para Todos ̧em que Drummond se manifesta a

respeito de algumas de suas inspirações literárias e também discute os caminhos que a

literatura brasileira estava tomando naquela época.

Um importante texto escrito por Drummond presente na coletânea (2012) é o que

diz respeito a Álvaro Moreyra, principalmente porque a influência exercida nos primeiros

passos poéticos do itabirano é inegável quando da leitura de Os 25 poemas da triste

alegria. Nesse texto, intitulado “Um sorriso para tudo...”26, em referência ao título do

livro de Moreyra publicado em 1915, Drummond ressalta uma das maiores características

de boa parte da obra do escritor penumbrista: a capacidade de ser, ao mesmo tempo,

sensível às coisas sem perder o ceticismo e a sua ácida ironia. Com grande admiração, é

a esses traços que o jovem mineiro recorre, junto à influência de outros poetas que

também produziam essa literatura mais crepuscular da Belle Époque, ao elaborar os

primeiros poemas de sua carreira.

Quando lidos os poemas do datiloscrito em sequência, fica inegável o

aproveitamento de um “modelo” criado por Moreyra sobre o qual nos fala o jovem

Drummond neste fragmento:

25 Não são todos os poemas que recebem comentários de Drummond em 1937 e, em alguns deles,

Drummond limita-se a transcrever a crítica feita por Mário de Andrade. Vale também dizer que os

comentários de Mário, por vezes, não são transcritos na íntegra. Há ainda poemas que foram comentados

pelo escritor paulista nas cartas trocadas, mas que, no datiloscrito de 1924, não tiveram a sua crítica

assinalada pelo itabirano. 26 Texto originalmente publicado na revista Para Todos, em 3 de março de 1923.

43

A vida presenteou o sr. Álvaro Moreyra com uma felicidade meio triste:

a de sentir com doçura e de pensar com indulgência. A doçura não

exclui o ceticismo, como a indulgência não exclui a ironia. E assim, eis

aí um fino escritor que nos fala das coisas cotidianas com irônica e

melancólica suavidade. (...) Parece que o poeta, o homem lírico e terno,

que os dias fizeram mais irônico, mais atual, sentiu uma ponta de

saudade, e foi então que nos entregou de novo essas páginas de uma

sensibilidade virgem, cheia de arrepios, de dolências muito íntimas, de

adoração às lindas paisagens, de encantamento e beatitude

(ANDRADE, 2012, p. 119-121).

A respeito dessa questão, Gledson (2018) afirma que Drummond ficara, no início

da década de 1920, encantado com o cultismo e a estética da penumbra do grupo de que

Moreyra fazia parte, o que “trouxe consigo muita parafernália; as mulheres esguias, os

ambientes crepusculares e melancólicos e os jardins misteriosos que eram as marcas da

fábrica penumbrista, repetidas ad infinitum” (GLEDSON, 2018, posição 430). O crítico

defende, então, que, mesmo tendo assimilado sem criticar e passado aos seus poemas de

forma desmedida o modelo poético de Moreyra, o poeta estava “perto de reconhecer o

papel da persona do artista, da convenção literária e da ironia”, fazendo com que, ainda

que tímidas, algumas das importantes características que estariam presentes em toda a sua

obra poética já aparecessem em Os 25 poemas da triste alegria.

Entretanto, mais vale a esta pesquisa, neste capítulo, o olhar voltado para a

sondagem das ressonâncias penumbristas nos primeiros escritos poéticos de Drummond

do que a investigação sobre a possibilidade de existência, no “quase livro”, de traços

prematuros que tanto marcaram a sua personalidade literária ao longo da sua solidificação

como um dos maiores poetas brasileiros. Portanto, tendo em vista que Os 25 poemas são

um “documento histórico relevante para uma compreensão mais ampla das

transformações da poesia brasileira na década de 1920” (SECCHIN, 2012, p. 15), após

colocarmos em evidência a singela fortuna crítica dessa obra do jovem Drummond, serão

analisados poemas que podem ajudar a traçar esse panorama.

2.1 Fortuna crítica e recepção do “quase livro”

Por sustentar – e com razão – o título de um dos maiores poetas brasileiros do

século XX, a fortuna crítica da obra de Drummond é extensa e contínua; nas academias,

estando já nos encaminhando para a segunda década do século XXI, o poeta continua

sendo tema recorrente de artigos, palestras, mesas-redondas, cursos e pesquisas

acadêmicas. No entanto, fugindo à regra do prolífico e necessário diálogo que as letras

44

brasileiras têm travado com a poesia do itabirano, Os 25 poemas da triste alegria ainda

vivem à sombra da crítica literária, como um passado que Drummond pareceu esconder

e que ainda não se fez conhecer da maneira que merecia. O motivo é um e não menos

óbvio por isso: de publicação póstuma e extremamente tardia, a edição fac-similar de Os

25 poemas (2012) ainda está sendo lida e assimilada, o que relega à crítica contemporânea

a importante missão de pôr em (re)discussão os primeiros passos poéticos desse grande

escritor brasileiro.

Felizmente, os primeiros movimentos rumo a uma nova investigação sobre o

passado criativo e literário de Drummond já podem ser notados. Em 2017, em dissertação

apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura da Universidade

Federal Fluminense, a pesquisadora Urânia Karim Gomes desenvolveu, sob o título

“Carlos Drummond de Andrade: a poesia de penumbra em seus 25 poemas da triste

alegria”, uma interessante pesquisa voltada ao datiloscrito drummondiano de 1924.

Além de analisar poemas da obra, Urânia Karim (2017) também discutiu o

Penumbrismo brasileiro usando como estratégia de leitura de poesia o Stimmung, que,

segundo a pesquisadora, é uma importante maneira de fazer com que seja levada “em

consideração a capacidade que os estados de espírito e os ambientes têm de nos envolver

para além da linguagem” (GOMES, 2017, p. 20). Nas academias, trabalhos como o de

Gomes ainda não representam um número expressivo, mas a tendência é a de que esse

cenário seja revertido, sobretudo porque a obra de Drummond é constantemente

revisitada, de tal modo que Os 25 poemas poderão ainda receber o devido destaque

conforme seus leitores e críticos passarem a assimilá-los como parte do conjunto da obra

do poeta.

Em outros segmentos da crítica literária a situação é parecida: ainda que tímidos,

os estudos sobre esse passado literário de Drummond já estão sendo efetivados. Nessa

perspectiva, vale mencionar o ensaio da professora Flávia Amparo publicado na Revista

Brasileira, em 2015, que trata dos primeiros passos poéticos do jovem itabirano e do

caminho da “desinstrução” oferecido por Mário de Andrade, com quem Drummond

travou um intenso e fecundo diálogo, sobretudo por meio das cartas trocadas a partir de

1924, possibilitando um amadurecimento poético para além dos ensinamentos do mestre

paulista. Ainda que riquíssimo na observação das inúmeras formas com que o autor de

Macunaíma esteve presente na obra do poeta mineiro, o que mais nos interessa são alguns

comentários que a professora tece sobre o recém-descoberto primeiro livro de

Drummond:

45

O que se ignorava até bem pouco tempo era a existência de um pré-

Drummond, penumbrista, fortemente influenciado pelos seus

conterrâneos e por outros grandes nomes do panorama literário da

época, como Álvaro Moreyra e Ronald de Carvalho. O primeiro livro

de poesia projetado por Drummond, Os 25 poemas da triste alegria (...),

nos oferece uma oportunidade de conhecer a gênese do poeta mineiro e

também de atestar o importante papel que Mário de Andrade

desempenhou na formação, ou melhor, na desconstrução desse pré-

Drummond (AMPARO, 2015, p. 116).

Tal como esta dissertação pretende mostrar, Amparo (2015) também acredita na

importância dos estudos sobre Os 25 poemas a fim de compreendermos o início da

trajetória literária de Drummond e quais os alicerces que ajudaram a formar a sua poesia

como nós a conhecemos hoje. Assim, antes de estabelecer um contato duradouro com

Mário de Andrade, em quem Amparo nota o papel de grande mestre de Drummond, o

jovem itabirano, “demasiadamente velho e sem esperança em suas convicções

ideológicas” (AMPARO, 2015, p. 116), reuniu 25 poemas que demonstravam a sua total

adesão a uma estética da penumbra, principalmente devido à produção de versos que

revelavam uma postura apática diante da vida e um sorriso triste de canto de boca, aos

moldes de Álvaro Moreyra.

Em muitas das cartas trocadas, Mário de Andrade menciona essa acomodação do

jovem poeta mineiro em relação à sua existência e o aparente desdém com que levava a

vida e encarava a paisagem à sua volta, alegando vir de Anatole France a fonte desse

alheamento. Nesse ensaio, acreditando que resquícios dessas marcas foram fiéis

companheiras de Drummond enquanto poeta ao longo de toda a sua vida, Amparo (2015)

também ressalta a significativa presença da alegria triste e do desdém em Os 25 poemas,

levando em consideração não só o título paradoxal do livro, mas também a composição

dos poemas datilografados:

Não apenas o título antitético de Os 25 poemas da triste alegria, mas

também o poema que abre o livro, “A sombra do homem que sorriu”,

revelam o desdém descrito por Mário, que, de fato, acaba por anular a

alegria “fingida” pelo eu lírico. Se há instantes de conciliação em alguns

poemas, como vimos anteriormente em “A beleza da vida na alegria da

manhã”, o penumbrismo mineiro se revela paradoxal, uma vez que a

tristeza passa a se consolidar antes da alegria, enquanto a sombra trata

de encobrir o homem antes que possamos vê-lo sorrir. (...) Embora

Drummond tenha abandonado o Penumbrismo pelas luzes modernistas,

a sua passagem pelo universo de Anatole France não abandonaria sua

memória de todo. Esse riso triste seria um obstáculo no caminho do

poeta, que faria opção pela vereda modernista, mas jamais deixaria de

46

registrar em suas retinas a presença sombria da pedra do ceticismo

(AMPARO, 2015, p. 121).

Sob um outro ponto de vista, em composição já referida, Secchin (2012)

presenteou os leitores ao abrir a edição da Cosac Naify com um pequeno texto, porém

extremamente significativo, a respeito desse “quase livro” de Drummond. Além do

prefácio, o exemplar também traz notas do crítico literário acompanhando a maior parte

dos 25 poemas que o compõem, comentando não só os versos do jovem poeta, como

também as ponderações e os acréscimos manuscritos de Drummond, em 1937, incluídos

no datiloscrito original.

Assim, cabe evidenciar o interessante paralelo existente em Os 25 poemas a que

Secchin (2012, p. 14) faz menção: se temos agora acesso a um livro datiloscrito de 1924,

pertencente ao penumbrista Carlos Drummond, é possível vê-lo ao lado de um livro

manuscrito, em 1937, pelo já experiente e crítico Carlos Drummond de Andrade (grifos

nossos). Acerca desse processo de autocrítica imposto pelo próprio poeta 13 anos depois

de reunidos os poemas, Secchin nos fala que

a maior restrição que o crítico CDA faz ao poeta CD refere-se ao

convencionalismo e à artificialidade dos textos, ao descreverem

realidades alheias à sensibilidade ou à experiência do poeta, e, por isso

mesmo, tributárias de um conceito do “literário” necessariamente

retórico e postiço. Um pré-modernismo bem-comportado, cultor de

formas moderadas, cantor de subtons e de medianias da vida, alheio à

modernidade, a que simula aderir, por exemplo, no emprego do verso

livre, mesclado a padrões regulares ou à polimetria: versos não

necessariamente “antigos”, mas apenas esporadicamente “novos”.

Atmosfera algo anestésica, de que, no início do século, Mário

Pederneiras se fizera cantor, e que pouco depois, com mais rendimento

estético, seria retomada por Álvaro Moreyra, Ronald de Carvalho e

Ribeiro Couto. É nessa linhagem que assumidamente se inscreve o

primeiro Drummond (SECCHIN, 2012, p. 14).

Dessa forma, não seria um engano apontar Drummond como um dos maiores

críticos de Os 25 poemas. No entanto, de forma mais concisa que a observada nos

comentários de 1937, em duas cartas trocadas com Mário de Andrade, em 1926, já se

fazia notar a postura de um poeta que analisa a sua poesia e confere julgamentos a respeito

de si mesmo.

Na carta em que envia ao escritor paulista um montante de textos com 61

poemas27, datada de 3 de junho de 1926, Drummond divide o conteúdo do que foi

27 Tanto Secchin (2012) quanto Silviano Santiago (2002), este nas notas à correspondência trocada entre

Mário de Andrade e Drummond, informam que havia duas partes no montante de textos enviado ao escritor

47

endereçado da seguinte maneira: a primeira seção – a que continha boa parte dos poemas

de Os 25 poemas – havia enviado apenas por amizade; a segunda parte continha o que de

melhor tinha feito até então. A causa dessa separação, claramente, tinha como base o

mesmo pensamento que norteou os comentários de 1937, isto é, Drummond já atribuía

baixa qualidade aos poemas escritos antes do encontro com Mário e a trupe modernista,

em Belo Horizonte, dois anos antes.

Assim, antecipando o acrimonioso poeta que manuscreveu críticas sinceras e

duras em seu datiloscrito, o jovem Drummond avisou ao amigo: “Sei que são versos

inferiores, até penumbristas; só valeu como documentação. Tem muita lagrimazinha besta

e muito estrepe sentimental nesses papéis. Você dê o devido desconto” (ANDRADE,

2002, p. 220). Em carta posterior, com data de 31 de agosto de 1926, Drummond volta a

falar a respeito da baixa qualidade dos poemas reunidos na primeira parte:

Devo observar a você que toda a primeira parte do caderno não se

destina a publicação; mandei só para você ler, ninguém mais lerá isso,

inclusive o famigerado “Momento feliz” que você achou a coisa pior

deste mundo e que de fato não está longe disso. (...) nada disso me

interessa hoje que me sinto orgulhoso de ter tido coragem bastante pra

romper com o pós-simbolismo, o penumbrismo e outras covardias

intelectuais (ANDRADE, 2002, p. 240) 28.

Se o jovem poeta em 1926 era mais comedido na autocrítica, o já experiente

escritor de 1937 tratou de aprofundar o juízo de valor a respeito dessa poesia prematura.

Por isso, no comentário adicionado logo no poema que abre o livro, “A sombra do homem

que sorriu”29, o itabirano não demonstra timidez em apontar, com dureza, o que tinha em

mente sobre a quase totalidade de sua obra: faltava aos versos substância de experiências

reais, vividas por quem os escreveu, enquanto sobravam linhas de construção mecânica e

tímida, deixando-os extremamente artificiais (ANDRADE, 2012, p. 23).

paulista: na primeira estariam 29 poemas, dos quais 23 compõem a obra de 1924 de Drummond; na segunda

parte, intitulada Minha terra tem palmeiras, estavam presentes 34 poemas, dos quais 20 seriam integrados

a Alguma poesia, em 1930. Os dois poemas de Os 25 poemas não mencionados por Mário nas cartas foram

“A sombra do homem que sorriu” e “Minha tristeza de porcelana”, o que nos leva a crer que estes não

estavam presentes no montante enviado. 28 Nesse trecho, Drummond fala sobre ninguém mais ter acesso a esses poemas. Os anos seguintes,

entretanto, revelam o contrário. Secchin (2012) aponta que, pelo menos, mais dois escritores receberam os

poemas: Manuel Bandeira e Rodrigo M. F. de Andrade. Além disso, alguns poemas dessa parte foram

publicados em periódicos muito após 1926, como é o caso de “Gravado numa parede”, levado a público

em 1934. 29 Os títulos e os versos dos poemas de Os 25 poemas da triste alegria serão escritos nesta dissertação

conforme grafia atual da Língua Portuguesa.

48

Logicamente, o Drummond de 1937 enxergaria no estilo literário da época e em

escritores como Álvaro Moreyra, Ronald de Carvalho e Ribeiro Couto, que serão

mencionados em alguns desses comentários, a fonte da “corrupção” por que passou o

jovem Carlos no início da década de 1920. No comentário em questão, é a Moreyra que

o escritor dedica as 32 vezes em que fez uso das reticências – necessárias ou não. Dizendo

que os poemas eram “puramente literários (no mau sentido)” (ANDRADE, 2012, p. 23),

sem parcimônia sentencia: “É impossível não ter pena do pobre poeta que os escreveu”

(ANDRADE, 2012, p. 23).

Em “Quase noturno, em voz baixa”, outra figura importante do Penumbrismo

brasileiro, Ronald de Carvalho, é mencionada, dessa vez ganhando a alcunha de principal

fonte a quem o poeta mineiro recorreu quando da elaboração dos poemas que compõem

a obra de 1924. Drummond ainda vai acrescentar ao comentário um conjunto de

características que chama de “instrumental poético da época”, do qual,

descomedidamente, o poeta fez uso no livro: “silêncio, crepúsculo, humildade, malícia,

repuxo, doçura da hora, quintal, arrabalde, noturno” (ANDRADE, 2012, p. 35), isto é,

todo material que figurava em qualquer poema da estética penumbrista, principalmente

os do autor de Epigramas irônicos e sentimentais.

Em outro comentário que acompanha o poema “Vê como a água sussurra”,

Drummond observa a utilização de um verso final entre parênteses indicando reflexão

irônica ou sentimental – “(Que ridículo pensamento...)” (ANDRADE, 2012, p. 58) – e

também aponta Carvalho como a sua matriz: “eis o substitutivo que Ronald de Carvalho

propôs para a chave de ouro, na poesia modernista. O verso acima constitui modesta

aplicação dessa fórmula” (ANDRADE, 2012, p. 59).

Outra relevante nota é a que segue junto com o poema “Na tarde cheia de

doçura...”, na qual Drummond diz que, à luz do meio literário da Belle Époque brasileira

e das influências recebidas nessa época, acreditava estar fazendo, com originalidade, o

que de melhor do Penumbrismo ele poderia tirar: a matéria cotidiana. Dedicando a lírica

dos arrabaldes a Carvalho e à maneira com que construiu a imagem da protagonista no

poema a Ribeiro Couto, o já experiente poeta, em 1937, confidencia-nos que, a seu ver,

àquela época, dava à poesia moderna brasileira uma significativa contribuição.

Em outro momento, Drummond volta a se pronunciar a respeito da ligação de sua

poesia com a matéria cotidiana. No comentário adicionado a “Uma lâmpada brilha...”,

chama atenção ao uso do nome próprio feminino “Carolina” no poema, o que, segundo o

poeta, representava uma preocupação de relacionar a sua poesia à vida real, “representada

49

menos nos fatos ocorrentes do que nesses nomes usuais que têm para mim um forte poder

de materialização” (ANDRADE, 2012, p. 77).

Embora afirmasse que quase todos os poemas não deveriam ter sido escritos

(ANDRADE, 2012, p. 23) ou que receava a possibilidade de os versos caírem em mãos

inimigas (ANDRADE, 2012, p. 101) – em referência irônica à baixa qualidade desses

mesmos poemas –, Drummond não aparentou temer as críticas a que estava suscetível

quando os enviou a Mário de Andrade, em 1926, tampouco pareceu se preocupar com o

destino que o exemplar poderia ganhar ao concedê-lo, anos depois, a Rodrigo Mello

Franco de Andrade. O livro não foi publicado na época em que foi datilografado e,

portanto, é impossível colher resenhas ou críticas produzidas no século XX, mas, graças

a uma correspondência datada de 1º de agosto de 1926, temos hoje conhecimento de como

23 dos 25 poemas foram recepcionados por uma das figuras que mais participaram do

processo de amadurecimento do poeta mineiro.

Após acusar recebimento do caderno de versos em carta de 8 de junho de 1926,

Mário de Andrade vai comentar sobre esse material na correspondência seguinte, datada

de 1º de agosto de 1926. O carinho, o respeito e a admiração pelo então jovem Drummond

fizeram com que o escritor paulista tivesse o cuidado de tecer comentários para cada um

dos poemas separadamente, sendo bastante incisivo em alguns momentos ao sugerir

modificações, em outros não poupando elogios, mas sempre muito sincero em suas

críticas, característica pela qual, inclusive, o autor de Macunaíma ficou marcado.

As notas de Mário aos versos seguiam, basicamente, a mesma lógica de

construção: o escritor demonstrava seu juízo de valor a respeito do que foi lido – isto é,

se havia gostado, se era um interessante poema que poderia passar por aperfeiçoamentos

ou se eram versos completamente infundados – e, constantemente, propunha algumas

alterações relacionadas a vocábulos, a expressões, a repetições e à organização rítmica

dos versos. Drummond tinha Mário de Andrade como um grande mestre e, por isso, a sua

opinião era de extremo valor ao poeta, seguindo, quase sempre, seus conselhos.

Republicado em 1928 no Diário de Minas, o poema “Canção do grego desencantado” é

prova cabal disso: Mário sugere que o adjetivo “perfumadas” que acompanha o

substantivo “flautas”, no último verso, seja trocado por “coelhonéticas” e, nessa

reprodução, Drummond assim o faz.

Nos comentários, é nítido como alguns dos “tiques” do Penumbrismo que

Drummond repetia à exaustão incomodavam Mário. Sobre “Sensual”, o escritor sugere a

retirada de duas reticências que havia achado “defeituosas” (ANDRADE, 2002, p. 229),

50

assim como também assinala a existência de expressões pouco íntimas do português

brasileiro ou, então, “passadistas” demais, como é o caso de “velho carvalho”, nesse

poema, “repasto frugal”, “vinho velho” e “vianda tenra”, presentes em “Convite”, “louro

príncipe fatigado”, em “Doçura da hora”, e “barro perecível”, de “O momento feliz”

(grifos nossos).

A repetição de versos, técnica muito utilizada na poesia penumbrista, igualmente

chamou a atenção do escritor paulista, que, sobre “Na tarde cheia de doçura”, disse: “O

processo de repetição da mesma palavra ou ideia que você emprega que nem Ronald,

Manu, Ribeiro Couto é perigoso e decadente. Neste poema está irritante pela frequência.

Os quatro primeiros versos se reduzem a dois” (ANDRADE, 2002, p. 230).

Sob seu olhar aguçado, alguns poemas receberam ásperas e francas críticas.

Dentre esses, Mário faz uma ressalva, dizendo que “A noite com uma lua” seria um

“poema que depois de feito não ficou bom” (ANDRADE, 2002, p. 231). Esse poema a

que Mário se referiu pode ser colocado no mesmo rol das composições que não deveriam

ser escritas, a que pertencem “O momento feliz”, sobre o qual Mário disparou que “não

vale absolutamente nada” (ANDRADE, 2002, p. 231), e “Vê como a água sussurra”, que

também “não tem nada” (ANDRADE, 2002, p. 231).

A respeito de “Longe do asfalto”, Mário confessa que outros já haviam falado

sobre o assunto do poema de melhor maneira, e, sobre “Na tarde cheia de doçura”, não

achou “grande coisa”. Na contramão das afirmações categóricas está “Primavera nas

folhinhas e nos jardins”, que recebeu um parecer indefinido: “Podia ser um poema lindo.

Parece que falta alguma coisa ou tem demais” (ANDRADE, 2002, p. 229).

A presença ostensiva de características penumbristas não impediu, entretanto, que

Mário de Andrade gostasse de alguns poemas presentes nessa primeira parte do caderno

de versos. Os elogios aos poemas que o agradaram pairavam, principalmente, no aspecto

da doçura intrínseca aos versos – traço que o escritor paulista afirmou estar presente em

Drummond mais do que em todos os outros poetas da estética da penumbra (ANDRADE,

2002, p. 229).

Assim, uma sensibilidade mais doce fez com que “A beleza da vida na alegria da

manhã”, “Quase noturno, em voz baixa”, “Ainda um noturno”, “Ninguém sabe”, “A

mulher do elevador”, “Cromolitografia”, “Boneca de pano” e “Doçura da hora” caíssem

no gosto do crítico exigente. Também participa dessa lista o poema “Gravado numa

parede”, que, segundo Mário, “é dos poemas mais profundamente comovidos do pós-

simbolismo nosso” (ANDRADE, 2002, p. 231).

51

A fortuna crítica de Os 25 poemas da triste alegria, embora pequena, ajuda-nos,

portanto, a compreender a importância do estudo dos primeiros passos na poesia de

Drummond a fim de um melhor entendimento de sua construção como poeta. Além disso,

mostra-se igualmente necessária para que possamos discutir como a sua trajetória poética

está intrinsecamente ligada à perpetuação do Modernismo como o maior movimento

literário do Brasil no século XX. Essa base crítica tende a crescer ainda mais na medida

em que o meio acadêmico vem, gradativamente, descobrindo essa nova faceta de

Drummond.

2.2 A alegria melancólica de um jovem poeta

A discussão até aqui nos revelou um início de trajetória literária drummondiana

marcado, primordialmente, por diálogos travados com o Penumbrismo brasileiro e a

literatura francesa – esta, indiretamente, a partir das ressonâncias decandentistas na poesia

de penumbra, e, de forma mais direta, pela leitura de escritores como Anatole France,

perpetuando, assim, a presença de um inegável ceticismo em relação à vida. Situados,

portanto, nessa perspectiva penumbrista, os 25 poemas que compõem o livro irão registrar

boa parte da estética desse momento de transição da literatura brasileira.

Daí não nos espantarmos com marcas importantes de seu estilo, que se manifestam

pela presença dos subtons e da apreensão sutil, sensorial, pura e direta da paisagem e do

cotidiano. Outros aspectos se deixam marcar pela expressão do “eu” poético, pela evasão

da realidade (quase sempre se distanciando do cenário brasileiro), pela anestesia diante

da existência e pela presença de uma melancolia tenra, manifesta por um sorriso triste de

canto de boca. Além desses traços, o poeta também apreciava a exploração das emoções

de forma mais abstrata, assiduamente manifestando o gosto pela penumbra e pelo

crepúsculo e, por fim, adotando um preciosismo estético, o qual, por vezes, teve como

efeito um esvaziamento do sentido do poema em favor da aplicação mecânica de uma

tática de escrita penumbrista.

Nesse sentido, o poema que abre Os 25 poemas pode servir para demonstrar como

predominava no livro certa falta de densidade psicológica, percebida no comentário feito

posteriormente pelo poeta, no qual constatou que os versos não atenderam “a nenhuma

necessidade íntima” (ANDRADE, 2012, p. 23). Essa mecanicidade empregada pelo

jovem poeta era não só prejudicial à construção dos poemas do livro, como também

52

refletia um Drummond extremamente distante do engajamento visto em obras

posteriores, como em A rosa do povo, de 1945.

Assim, em “A sombra do homem que sorriu”, o itabirano pareceu querer reunir

num só poema quase tudo que havia coletado de suas leituras penumbristas, marcadas

pelo declínio da experiência histórica, pelo esvaziamento da memória e, especialmente,

pelo desdém ao momento presente:

Ah! que os tapetes não guardem

a sombra inútil dos meus passos...

Eu quero ser, apenas,

um homem que sorriu e que passou,

erguendo a sua taça, com desdém.

(ANDRADE, 2012, p. 22)

A consequência dessa atitude, entretanto, foi nefasta: descartando-se a interjeição

que começa o poema – responsável por um início já marcado pela presença de um tom de

lamento melancólico –, as linhas seguem sem qualquer testemunho de energia ou

entusiasmo daquele que as escreveu, limitando-se à camada rasa dos vocábulos. A

questão central desse poema é, portanto, a forma anestésica com que o sujeito poético se

lança em relação à vida, característica simbolizada no elevar da taça com desdém. Aliás,

vale ressaltar que essa postura alheia à existência perpetuada com a insistente figura da

indiferença muito diz respeito à influência de Álvaro Moreyra e seu sorriso triste de canto

de boca nesses primeiros passos poéticos de Drummond.

Tomada por uma perspectiva indiferente, a existência daquele que fala no poema

ganha também uma outra negativa qualificação: inútil. A percepção de uma vivência de

caminhadas improdutivas transfere a sua vida para o rol das coisas sem importância,

infrutíferas, e, por isso, sem necessidade de estabelecer um legado: os tapetes não têm por

que guardar as marcas dos passos de alguém que permaneceu sempre à sombra da vida.

Esse Drummond do início da década de 1920, pouco preocupado com a falta de

herança deixada pelo Homem – aqui pensado no sentido mais universal da palavra –, em

quase nada se assemelha ao poeta dos vestígios da memória tão presente em A rosa do

povo. Fica até difícil acreditar que tenha havido um Drummond cético no que tange à

relevância da transmissão de seu legado depois que o poeta nos apresentou os resíduos

que fazem com que “de tudo fique um pouco” – como o elefante do poema homônimo,

solto às ruas com vistas a espalhar os recursos de sua poesia pelos muros cinzentos e

mudos da cidade.

53

Paradoxalmente, ainda que no datiloscrito de 1924 a conduta que rege com

soberania a maior parte dos versos seja a de uma visão melancólica e triste da vida, nem

todos os poemas foram construídos a partir dessa postura apática do eu lírico. Essa

questão, aclarada pelo título do livro, coloca lado a lado as noções de alegria e tristeza,

tornando-se ainda mais perceptível quando da leitura de poemas como “A beleza da vida

na alegria da manhã”. O poema em questão traz não só um outro campo semântico de

palavras, como também uma diferente maneira de enxergarmos a relação do sujeito

poético com o ambiente que o cerca:

Eu corria sobre a areia, com os pés nus.

A areia faiscava.

Na claridade da manhã,

as árvores eram mais verdes e felizes.

Eu corria sobre a areia, com os pés nus.

Penetrava-me as veias a beleza da vida.

O sol ria no alto.

Dentro e fora de mim,

floriam ritmos desconhecidos.

Penetrava-me as veias a beleza da vida.

Era como se eu nascesse naquele dia.

A luz embriagava-me.

Tudo parecia novo,

e feito pelas mãos de um deus risonho.

Era como se eu nascesse naquele dia...

(ANDRADE, 2012, p. 28)

Nessa atmosfera de positividade e claridade, palavras como “alegria”, “felizes”,

“risonho”, “luz”, “floriam” e “manhã” ajudam a compor um cenário diferente do anterior,

na medida em que a apatia dá lugar ao aproveitamento de sensações exteriores. Assim,

de forma simbólica, o sujeito poético compartilha com o leitor as consequências trazidas

pela mudança de um estado de alheamento quase parnasiano para uma postura de contato

direto com a matéria da vida. Por isso, parecendo organizar os versos em uma lógica de

causa e efeito, tem-se a construção da imagem de um indivíduo que, por sentir a areia

tocar os pés, por receber a claridade de um sol forte e risonho – obra de um Deus tão

sorridente quanto – e por ser embriagado por essa luz, recolhe nas veias a beleza da vida.

É interessante apontar que todos os elementos responsáveis pelo êxtase do eu

lírico são figuras banais e simples de seu cotidiano, o que aproxima o poema de tantos

outros da vertente penumbrista que partiram da observação da paisagem e do contato com

os elementos que a constituem para promover a explosão da sentimentalidade do sujeito

54

poético. Marcado por uma trajetória literária que quase sempre deixou transparecer uma

procura incansável pelo segredo da máquina do mundo, ao menos em sua fase jovem e

crepuscular, Drummond parecia ter enxergado na simplicidade do cotidiano a solução

para esse mistério.

Ainda sobre esse poema, se não é possível apontar com precisão se a falta de

especificidade do local em que se encontra o eu lírico foi proposital (ele está numa praia?

Numa ilha? Num campo? Num jardim?), a repetição do primeiro e do último versos em

cada estrofe não deixa dúvidas de que Drummond teve como inspiração a estratégia

penumbrista de replicar palavras, expressões e até mesmo versos inteiros em busca de

efeitos rítmicos e sonoros ao poema. As reticências também aparecem aqui e em quase

todas as outras composições do livro como uma ressonância impregnada dessa estética

na poesia inicial do itabirano. Elas apontam para uma forma de materialização, na folha

de papel, da presença de não-ditos e hesitações, traços que ganharam bastante relevo na

lírica desse momento literário brasileiro.

Também é interessante notar como a simbologia genesíaca aparece no poema de

forma positiva, na medida em que todo o cenário pressupõe uma atmosfera de

positividade, de claridade e de felicidade. O êxtase que vem do contato com esse ambiente

culmina na sensação de um novo nascimento do eu lírico, como se sua vida pudesse ser

dividida em dois momentos num fracionamento antes simbólico do que de fato

cronológico: a vida antes e depois de se lançar à matéria in natura do cotidiano.

Fato curioso é que, pouco tempo depois, a imagem do nascimento para Drummond

será marcada pelas figuras do gauche, do torto e do obscuro. Assim, em Alguma poesia,

o antológico “Poema de sete faces” marca o início de um importante tópico na obra do

itabirano: “Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos!

ser gauche na vida” (ANDRADE, 2013, p. 11), retomando o viés genesíaco pela sua

versão mais sombria e desestruturante.

Em paralelo aos poucos poemas, em Os 25 poemas, que têm como cenário

ambientes extremamente iluminados, há um expressivo número de composições que

exploram a penumbra e o crepúsculo seja de forma doce, triste ou melancólica. Nessa

perspectiva, a matéria poética penumbrista que se firma no gosto pela meia-luz e pelo

meio-tom se faz presente em poemas como “Quase noturno, em voz baixa”:

Tuas mãos envelhecem,

na prata fosca do silêncio.

55

O silêncio, pelo crepúsculo,

é um arminho

onde as mãos repousam com doçura.

Tuas mãos, no silêncio,

pelo crepúsculo, são mais finas

e mais leves.

O silêncio, o doce silêncio,

vestiu de cinza transparente

as tuas mãos, pelo crepúsculo.

(ANDRADE, 2012, p. 34)

Segundo Norma Goldstein (1983), como já apontado anteriormente, o

Penumbrismo brasileiro foi marcado por um processo de atenuação que se deu de várias

formas: psicológica, sensorial, sintática, rítmica e temática (GOLDSTEIN, 1983, p. 10).

A que nos interessa aqui, pelo fato de o poema ser de ordem extremamente descritiva, é

a captação sensorial atenuada pela imagem do crepúsculo e do meio-tom, características

que, inclusive, o próprio título do poema explicita antes mesmo da leitura dos versos.

Assim, ao dirigir a sua exclusiva atenção aos efeitos da penumbra em mãos que

lhe interessam, intensificando-os com uma repetição doce e suave ao longo dos versos, o

eu lírico se envereda pelos caminhos da evasão da realidade de seu espaço-tempo, de tal

forma que a duração do momento é sentida, única e exclusivamente, pela observação da

metamorfose por que passam as mãos ao entrar em contato com os resquícios de

luminosidade presentes no dia que termina.

Essa atitude intimista que valoriza, na construção das cenas poéticas, as sensações

particulares do eu lírico, como o interesse em fixar a sua atenção no efeito da penumbra

nas mãos ou no contato com os elementos mais banais do cotidiano visto no poema

anterior, coloca em segundo plano a preocupação com a realidade sociopolítica em que o

poeta está inserido. Não é à toa que Mário de Andrade, nas correspondências trocadas,

levou à exaustão o pedido por um maior engajamento de Drummond nas questões

referentes ao país, uma vez que, numa espécie de meia-descida do Parnaso, o itabirano

ainda se encontrava num ponto indefinido entre o total distanciamento parnasiano e o

contato com a vida presente – este último materializado pelo uso da matéria cotidiana nos

poemas do início da década de 1920.

Conforme apontou Goldstein (1983), o alheamento na literatura brasileira do

período em questão tinha como base a descrença no mundo capitalista, sendo, portanto,

“a reação ao predomínio das coisas sobre o homem: refreada no homem comum, ela

aparece no plano poético sob a forma de fuga doentia, de refúgio no campo, de evocação

56

da infância, (...) de desejo de repouso e abandono, de alheamento” (GOLDSTEIN, 1983,

p. 6).

Em “Ainda um noturno”, poema seguinte a “Quase noturno, em voz baixa”, a

penumbra dá lugar à imensa escuridão da noite em versos que potencializam a postura

passiva de observação da paisagem. Se lidos em continuidade, conforme sugerem as suas

posições no datiloscrito, os poemas aparentam formar uma sequência imagética: se antes

a chegada da noite era sentida pelos efeitos da diminuição da luminosidade no poente do

dia, agora o eu lírico e talvez a pessoa a quem pertence a mão descrita entregam-se ao

aproveitamento da total escuridão:

Uma estrela brilha no alto, indiferente.

Os grilos cantam na relva, maliciosos.

Vê como somos pequenos dentro da noite imensa,

debruçados à janela que dá para o quintal!

Vê como somos pequenos...

E abraça-me com mais força. Calados. Nenhum verso entre nós.

Longe, o veneno da poesia. Vê como somos pequenos...

Como nos despreza aquela estrela, no alto, indiferente,

única estrela no céu de verão!

E como somos humildes, e como os grilos são maliciosos.

(ANDRADE, 2012, p. 36)

Recorrentes nesse livro, as figuras da indiferença e do desprezo retornam a esse

poema possivelmente devido à pequenez e à humildade humana frente à grandiosidade

de elementos naturais, como a única estrela no céu de verão apontada pelo sujeito poético.

A colocação do homem em posição inferior a esses elementos, como faz Ribeiro Couto,

por exemplo, a partir da supervalorização de efeitos climáticos como a chuva, é frisada

no poema de Drummond pela tripla repetição da expressão “vê como somos pequenos”.

Dessa forma, esses componentes da vida, tão esquecidos em alguns momentos anteriores

da poesia brasileira, voltam à cena com um papel de destaque; daí a insistência pelo

quintal e pelo jardim, colocados, quase sempre, em um quadro simbólico de observação

que é a moldura da janela.

Como bem observou Secchin (2012), em referência a uma expressão presente no

7º verso desse poema, faltava o “veneno da poesia” drummondiana ao datiloscrito de

57

1924 (SECCHIN, 2012, p. 37), sobretudo porque a acomodação do sujeito poético diante

da cena que observa criava uma atmosfera anestésica a essa poesia inicial.

Aparentemente, quando em comparação a poemas reunidos em O Jardim das

Confidências, o jovem Drummond parece não ter conseguido obter o mesmo êxito que

Ribeiro Couto, que, do grupo penumbrista, foi mestre em tirar da contemplação da

paisagem as mais profundas sensações do “eu”.

Fato semelhante ocorre em “Uma lâmpada brilha...”, poema em que Drummond

trabalha um acontecimento banal numa noite qualquer, mas sem dar vazão a qualquer

necessidade íntima de quem fala:

Uma lâmpada brilha, como um olho triste, na rua pobre.

Destinos humildes!

Destino de lâmpada solitária,

a um canto da rua, entre árvores cansadas

e pedras sonolentas.

Pelos muros onde não há cartazes,

tapeçarias de aranhas pacientes

cobrem velhos desenhos

de corações acorrentados.

Um homem que passa, dentro de um capote

(faz frio, na noite lenta),

olha a rua e murmura:

- É curioso...

Aquela casa, como envelheceu!

(A casa onde morava Carolina.)

E a lâmpada olha tudo, indiferente.

Ah! o abandono dessa lâmpada!

O abandono desse olho imoto, amarelo,

brilhando sem desejo,

sozinho,

no alto do poste fino e lírico!

(ANDRADE, 2012, p. 72-75)

É interessante notar, em um primeiro momento, como, em contraposição à luz da

manhã, esse poema, que se passa numa noite lenta e fria, carrega um campo semântico de

negatividade. O olhar negativo atribuído à noite, como se a melancolia e a tristeza fossem

intensificadas com o fim do dia, persegue o datiloscrito e encontra porto seguro em muitos

outros poemas da obra. Corroborando esse tópico, “sonolentas”, “cansadas”, “solitárias”,

“triste”, “acorrentados”, “sem desejo”, “abandono” e “sozinho” preenchem o poema com

58

um tom pessimista, muito distante da alegria vista e sentida pelo sujeito poético em “A

beleza da vida na alegria da manhã”.

De igual forma, também se repetem as imagens dos arrabaldes, da humildade, do

desdém e da indiferença: na rua pobre, uma lâmpada solitária, triste e indiferente observa

o marasmo de uma noite que demora a passar. A atmosfera melancólica fica ainda mais

acentuada pelo tom de murmúrio vindo da única ação humana presente no poema, cuja

fala é suspensa, sem nenhuma surpresa, pelo uso de reticências: “Um homem passa,/

dentro de um capote/ (faz frio, na noite lenta),/ olha a rua e murmura:/ – É curioso...”

(ANDRADE, 2012, p. 72).

A opção penumbrista de elevar à condição de tema nobre a matéria banal e sem

idealização do cotidiano é marcada aqui com uma curiosa adjetivação feita pelo poeta

para qualificar o poste da rua. Chamando-o de “lírico”, Drummond reafirma, assim como

foi feito tantas vezes por Ronald de Carvalho e Ribeiro Couto, a capacidade de criar

poesia a partir de um elemento cotidiano.

Além disso, nota-se, também, uma tentativa – apontada, inclusive, pelo próprio

poeta nos comentários adicionados em 1937 – de vincular sua poesia ainda mais a esse

cotidiano, a partir do uso de substantivos femininos próprios, como é o caso de

“Carolina”, colocado em um comentário isolado por parênteses na 4ª estrofe. Vale dizer

que esse recurso não abandonará o poeta, basta nos lembrarmos de “Quadrilha”, em

Alguma poesia: Teresa, Maria e Lili compõem uma histórica irônica de amor típica de

uma vida provinciana.

Em “Minha tristeza de porcelana”, intrigante poema em que Drummond

personifica o sentimento e o vislumbra em um corpo feminino, temos a prova cabal de

que, embora haja momentos de alegria no livro, é à tristeza que o poeta se entrega

inteiramente:

Minha funda tristeza, minha tristeza

de todos os momentos,

dize:

queres cear comigo?

Hoje estás tão esquiva e tão vulgar,

tão cotidiana, tão humana,

minha pobre tristeza.

Ouve: quero beijar-te

toda; beijar-te dos pés à cabeça,

doidamente, num arrepio.

E possuir o teu pequenino corpo,

teu frágil e pequenino corpo,

onde se esconde uma alma tiritante de frio.

59

Minha tristeza de porcelana,

és como um vaso chinês, onde floresce, longo,

o lírio artificial da minha dor.

Se alguém te esfacelasse,

dize:

se alguém, um pobre alguém, te apertasse entre os dedos,

e eu te perdesse,

que seria de mim?

Não tenho o luxo dos prazeres ricos,

não tenho o dinheiro que é preciso

para vestir a minha alma um pijama de seda

com que ela passearia o seu tédio na alameda

vazia e branca da minha vida.

Vê: eu só tenho dois olhos

para te olhar, minha tristeza;

só tenho uma boca

para te beijar, minha tristeza;

só tenho duas mãos

para apertar as tuas mãos.

(ANDRADE, 2012, p. 96-98)

Ao transformar a tristeza em algo corpóreo, palpável, o poeta sai do nível abstrato

para o concreto a fim de se conectar a esse sentimento da forma mais humana possível.

Daí a sugestão do envolvimento carnal, num desejo quase incontrolável de não só sentir

essa tristeza, como também de possuí-la: “E possuir o teu pequenino corpo,/ teu frágil e

pequenino corpo,/ onde se esconde uma alma tiritante de frio” (ANDRADE, 2012, p. 96).

A relação sexual com vistas a unir o sujeito poético à sua tristeza, entretanto, não

seria necessária, uma vez que a esse estado de alma já pertence o eu lírico, de tal forma

que os dois são como um só: “se alguém, um pobre alguém, te apertasse entre os dedos,/

e eu te perdesse,/ que seria de mim?” (ANDRADE, 2012, p. 98). Os tópicos do vazio, da

humildade e da pobreza ressurgem ligados à essência do sujeito poético, admitindo viver

em função da tristeza e não precisar de mais nada além dela mesma.

O uso da matéria poética calcada na alegria e na melancolia ainda ronda os versos

de outros poemas, como “Vê como a água sussurra”, “Como se eu fosse um poeta

resignado”, “Gravado numa parede” e “Na tarde cheia de doçura...”. Nesse último, ao

tratar da rotina de uma menina que perdeu o pai num desastre de trem, o poeta parece

ratificar, por meio da sentença a respeito do destino da garota, a soberania da tristeza em

relação à alegria em um livro cujo título tentou, a princípio, fazer crer que ambos os

sentimentos estariam em igual proporção:

(...)

Pobrezinha

60

da menina que perdeu o pai num desastre de trens,

e vestiu o corpinho tenro com um luto triste,

que vive sonhando com fadas, alegrias e bens,

que vive sonhando, com um semblante triste,

as míseras alegrias

de uma felicidade que não virá.

(ANDRADE, 2012, p. 60)

Nessa perspectiva, colocar em relevo alguns dos poemas de Os 25 poemas da

triste alegria evidencia, portanto, um protagonismo de temas “menores”, banais,

esquecidos por momentos anteriores da literatura brasileira, que foi, sobretudo, motivado

pela influência da estética da penumbra sobre Drummond. Daí a presença dos dois

grandes pilares que sustentam, junto ao elemento noturno, a poesia crepuscular

drummondiana: a atitude passiva no que tange à existência e à observação da paisagem e

o uso da matéria do cotidiano e do fato banal como alicerce da construção poética. Esse

primeiro caminho por que andou o jovem Drummond fez com que o material de Os 25

poemas fosse extremamente inferior ao restante de sua poesia, não pela escolha desse

conteúdo, mas pelo fato de o poeta aparentemente não ter percebido, a essa época, que os

elementos mais substanciais e de permanência da sua poesia precisavam considerar as

palavras para além de seu “estado de dicionário”, ultrapassando a camada mais aparente

de neutralidade.

61

3. MAIS DO QUE UMA ESTÉTICA, UM ESTADO DE ESPÍRITO

Como parte importante da pesquisa, que pretende discutir as reelaborações

poéticas de Drummond na década de 1920, este capítulo tem por objetivo analisar o

projeto estético-ideológico do Modernismo de 1922 a partir de textos teóricos e críticos.

Por ser um momento da escrita mais voltado ao movimento em si, não focaremos na

relação que o poeta mineiro manteve com o Modernismo – assunto que será explorado

no capítulo seguinte.

Substancial para a revolução não só da literatura, mas da arte brasileira como um

todo, o Modernismo é, sem dúvida, o maior movimento do século XX e seus ideais, ainda

que ressignificados, continuam influenciando nossas letras e artes plásticas no milênio

em que vivemos. Das três significativas e singulares facetas que assumiu, importa-nos

nesta dissertação aquela que os materiais didáticos e uma boa parte da crítica chamam de

primeira fase – ou fase heroica –, recebendo a Semana de Arte Moderna de 1922 a alcunha

de ponto de partida oficial desse primeiro momento do Modernismo no Brasil.

Insatisfeitos com o cenário intelectual brasileiro da época e desejando uma

atualização da mente artística, a fim de que fosse criado algo novo e definitivamente

nosso, artistas e escritores que se envolveram com o movimento modernista nessa

primeira fase tiveram de lidar com a recusa de uma boa parte dos intelectuais paulistas e

também do público, setores que ainda mantinham gosto pelo academismo e por um

panorama cultural mais voltado aos padrões clássicos dos beletristas e parnasianos. Na

disputa por um espaço nesse ambiente um tanto avesso às modernidades, escolheram os

modernistas caminhar pela trilha do choque e a Semana foi o ápice desse caminho

tomado.

Longe de serem um fato isolado, entretanto, esses famosos dias de fevereiro de

1922 surgiram a reboque de uma série de outros eventos e escritores que direta ou

indiretamente também foram, antes da Semana, cruciais para a solidificação desse

primeiro Modernismo. Comumente chamado de “Pré-Modernismo”, esse ponto anterior

à explosão do movimento no Teatro Municipal de São Paulo deve ser analisado pelo que

esse período realmente foi: um momento de tensionamento artístico.

Portanto, além de analisar o projeto estético-ideológico proposto pelos

modernistas de 1922, este capítulo tem ainda a intenção de discutir as bases desse

movimento, colocando em evidência o Pré-Modernismo enquanto nomenclatura e

momento cronológico e artístico.

62

3.1 Pré-Modernismo: uma nomenclatura, vários tensionamentos

Segundo a crítica literária, o termo “Pré-Modernismo” foi primeiramente definido

pelo escritor Tristão de Ataíde (pseudônimo de Alceu Amoroso Lima), em 1939, no

primeiro volume de seu livro Contribuição à história do modernismo, no qual o crítico

retoma a análise do momento anterior à Semana de Arte Moderna de 1922. Nesse estudo,

Ataíde restringe o período do Pré-Modernismo como o momento entre 1916 e 1920 em

que havia “uma ansiedade de renovação intelectual, que alguns anos mais tarde

redundaria no movimento modernista” (ATAÍDE, 1939, p. 7).

Curiosamente, anos mais tarde, Ataíde concederia ao Pré-Modernismo uma outra

delimitação cronológica. Em um texto intitulado “Pressentimentos”30, publicado no

Jornal do Brasil, em 11 de abril de 1975, o crítico expandiu a sua primeira visão desse

período ao afirmar que os 25 primeiros anos do século XX “foram o prolongamento pré-

modernista do último quartel do século XIX” (ATAÍDE, 1975, p.7), incluindo,

claramente, nesse recorte temporal, as produções do fim da década de 1890, além de

ultrapassar em três anos os acontecimentos da Semana. Ainda que o foco do texto da

década de 1970 seja sobre os pressentimentos do autor a respeito do que estava sendo

produzido após a “Geração de 45”, o trabalho no artigo com os sentidos de “geração” e

de “gestação” confirmou o que era o momento do Pré-Modernismo para Ataíde: uma fase

gestacional da “Geração de 22”.

A atualização feita por Ataíde, nesse curto espaço de tempo, do que ele

considerava ser o período do Pré-Modernismo apenas corrobora a dificuldade da crítica

em determinar com precisão não só o recorte cronológico desse momento, mas também

as atitudes estéticas que ajudaram a definir esse recorte como um período crucial para a

solidificação do Modernismo. Isso fica claro ao analisarmos diferentes estudos sobre esse

período realizados por grandes nomes da crítica literária, como Alfredo Bosi e Antonio

Candido, que apresentam opiniões que se assemelham e também que divergem umas das

outras a respeito dos autores que devem ser considerados pré-modernistas e suas

respectivas justificativas.

O Pré-Modernismo aparece-nos, então, como um complexo tópico dos estudos

literários, sobretudo pelas divergências quanto ao seu recorte temporal e estético, o que

gera, consequentemente, ressalvas à utilização dessa terminologia. Antes de colocarmos

30 Ver anexo H.

63

em relevo as controvérsias da nomenclatura criada por Tristão de Ataíde, cabe comparar

alguns estudos realizados sobre esse momento do nosso panorama cultural, como o

elaborado por Antonio Candido (1976) em artigo sobre a literatura e a cultura brasileira

dos anos 1900 a 1945.

Tendo como referencial o ano de 1950, quando redige esse artigo, Candido

apresenta aos leitores uma divisão da literatura brasileira no século XX em três fases:

1900-1922, 1922-1945 e 1945-x (CANDIDO, 1976, p. 112). Sem mencionar o termo

“Pré-Modernismo”, mas afirmando que o Modernismo recuperou, em forma de ruptura,

certos temas e atitudes estéticas presentes nessa primeira etapa da nossa literatura no

milênio passado, é possível compreender que o crítico entende como momento crucial

anterior ao movimento modernista a fase 1900-1922, cujas tensões ajudaram a fomentar

o desejo de uma renovação artística.

Esse anseio por renovação se deve, sobretudo, à condição de “literatura de

permanência” que Candido atribui às produções literárias dessa primeira fase do século

XX, porque a grande maioria apenas conservava as características desenvolvidas após o

Romantismo. Alastrava-se pela Academia e permanecia no gosto de uma boa parte do

público leitor, portanto, “uma literatura satisfeita, sem angústia formal, sem rebelião, nem

abismos” (CANDIDO, 1976, p. 113), encarcerada nas suas limitações e com grande

apego pelo academismo, tornando-se, posteriormente, um dos maiores contrapontos dos

modernistas de 1922.

Passeando pelas dissidências do Parnasianismo e do Simbolismo, pelo surgimento

do “naturalismo acadêmico” e do conto sertanejo pitoresco, Candido deixa claro que

considera como pouco expressivo esse início de novo século da literatura em relação às

décadas subsequentes, principalmente a de 1920, quando o crítico afirma que os rumos

das nossas letras foram alterados de forma significativa (CANDIDO, 1976, p. 112).

Ainda assim, assemelhando-se à perspectiva de Ataíde em sua primeira definição

de Pré-modernismo, isto é, em 1939, Candido também reconhece que o pós-Primeira

Guerra Mundial ajudou a esboçar um “fermento de renovação literária” (CANDIDO,

1976, p. 117). Esse movimento chegou ao país e se materializou na elaboração de uma

tendência lírica voltada ao intimismo e ao cotidiano, no plano temático, e a um flerte com

o verso livre, no plano estrutural.

Encaixa-se nesse esboço de novos ventos literários o Penumbrismo, embora

Candido considere a poesia penumbrista ainda muito presa a um idealismo simbolista,

com certo academismo e pouco vigor para irromper num cenário sociocultural que,

64

inevitavelmente, ia sentindo a força das transformações culturais e políticas da

modernidade, conforme os anos avançassem no novo século. No entanto, situado em um

momento de transição entre o Simbolismo e o Modernismo, é possível dizer que o

Penumbrismo brasileiro prenunciou, de certa forma, no plano estrutural e também no

temático, alguns valores apreciados pelos modernistas em sua primeira fase, como

Goldstein (1983) e Octavio Filho (1970) endossaram em seus estudos sobre essa fase.

Como já mencionado no primeiro capítulo desta dissertação, os penumbristas

materializaram em suas poesias a necessidade, sobretudo no momento de pós-Guerra, de

uma maior adequação da literatura aos rumos contemporâneos culturais e políticos, o que

ficou claro pelo ensaio do verso livre – embora ainda presos a uma certa tradição formal

–, pelo retorno do “eu” numa lírica intimista e pela inserção de elementos do cotidiano

em seus versos, transformando o dia a dia em material poético. Obviamente, a escolha

por essa estética insurgiu contra o trabalho que os parnasianos faziam de lapidação de

seus versos, fato que transformou os penumbristas em um conjunto, ainda que tímido, de

escritores com uma certa ânsia de dissolver alguns paradigmas incrustados na literatura

brasileira.

A despeito da ainda resistente dose de conservadorismo na escrita e do alheamento

à realidade política e social do país, o Penumbrismo iniciou a descida da torre de marfim

onde estavam trancafiados os parnasianos e respirou lá embaixo os ares das mudanças do

novo século, sintomatizando uma renovação estética na medida em que esboçaram

atitudes poéticas que seriam, posteriormente, o âmago da primeira fase do movimento

modernista. Não é à toa que Goldstein (1983) considera essa tentativa de inovação como

um prenúncio para a revolução que os modernistas de 1922 empregariam em nossa

literatura, caracterizando o Penumbrismo como uma “típica poesia de transição,

ocupando importante faixa do leque que se abrirá com a poética do Modernismo”

(GOLDSTEIN, 1983, p. 13).

A ideia de concebermos a produção penumbrista como uma espécie de degrau

para o alçamento de uma poesia modernista faz com que certos entrelaçamentos sejam

estabelecidos entre as duas estéticas. O trabalho com a matéria do cotidiano foi elevado

ao nível máximo de aproveitamento quando os modernistas, na intenção de produzir uma

literatura mais próxima à realidade do povo brasileiro e mais fiel às transformações da

modernidade, concederam protagonismo a temas considerados banais e aos personagens

característicos da vida moderna, como os operários, as fábricas, os automóveis.

65

Ainda no plano temático, o resgate ao “eu” esquecido pela poesia fechada nela

mesma dos parnasianos é outra atitude intentada pelos penumbristas e solidificada pelos

modernistas. A partir de 1922, o intimismo vira consciência político-ideológica, ora

coletiva, ora individual, na mão de escritores como Oswald de Andrade, que fez da poesia

lugar de resgate às origens brasileiras, de crítica à colonização portuguesa e de expressão

do estilo de vida da sociedade burguesa paulista da época.

No plano estrutural, o ensaio de uma liberação métrica a partir da quebra rítmica

dos versos, vista na poesia de penumbra, ajudou a concretizar a liberdade como um dos

principais ideais estéticos desse primeiro momento do Modernismo, em que não ter regra

era de fato a única regra que os modernistas pareciam seguir. O Penumbrismo, desse

modo, faz jus à característica gestacional de uma nova era atribuída ao Pré-Modernismo,

principalmente porque está inserido em um momento de transição entre duas escolas, isto

é, entre o Simbolismo e o Modernismo. Pelas palavras de Rodrigo Octavio Filho (1970),

As épocas de transição são geradoras daqueles que virão, um pouco

mais tarde, realizar o movimento destruidor e revolucionário, em cuja

base de renovação se aglutinam elementos que por vezes figuraram em

escolas anteriores. E a história se repete: concretizada a revolução em

normas, princípios, gostos e tendências diferentes, os paredros da nova

ordem literária espantam-se com a renovação que provocaram,

deslembrados do que fizeram e pregaram pouco tempo antes. (...) A

verdade é que de longa data vinha a literatura brasileira à procura de um

sentido novo, através do claro-escuro de uma época de transição, de

uma época de incertezas, como são, na vida literária, os períodos

intermediários entre duas escolas (OCTAVIO FILHO, 1970, p. 68-69,

grifos do autor).

Vale ressaltar, por fim, que diversos escritores que se alinharam de certa forma à

estética do Penumbrismo também se envolveram, direta ou indiretamente, na Semana de

Arte Moderna, aderindo, cada um a seu modo, ao projeto modernista encabeçado por

Oswald e Mário, como Guilherme de Almeida, Ronald de Carvalho e Manuel Bandeira.

O mais conservador dos três, Ronald de Carvalho teve importante participação na Semana

ao ler o poema “Os Sapos”, de Bandeira, marcando o confronto entre modernistas e

parnasianos sobre o qual falaremos melhor adiante.

Já Bandeira, que só aderiria completamente à estética de 1922 com a publicação

de Libertinagem31, em 1930, mas teve papel fundamental antes, durante e após a

“explosão” modernista na Semana, estreou no campo da poesia com A cinza das horas,

31 Em 1919, Bandeira flerta com a poesia moderna com a publicação de Carnaval, livro em que ficou claro

o seu gosto pela liberdade formal.

66

em 1917, livro marcadamente penumbrista. Isso fica muito claro logo pela leitura do

poema que abre a obra, intitulado “Epígrafe”, em que o eu lírico relata uma série de

episódios ruins que aconteceram em sua vida, num intimismo típico da poesia de

penumbra, muito mais melancolicamente resignado com as cinzas frias que sobraram de

uma vida que um dia foi feliz do que de fato revoltado com a situação. A atitude de pensar

sobre a vida a partir de uma percepção melancólica da existência, apostando em

ambientes, situações e sensações que permanecem sempre na paleta da penumbra e do

escuro, insere não só esse poema, mas também a grande maioria desse livro no cosmo

crepuscular dessa literatura que pode ser considerada pré-modernista.

Todas essas conexões, portanto, corroboram a legitimidade do Penumbrismo

como uma atitude poética, porque não escola, cujos valores estéticos caminhavam, nesse

período de transição, para os ideais aperfeiçoados, explorados e desenvolvidos pelo

Modernismo de 1922. Ainda assim, há autores que, ao realizarem ensaios sobre o Pré-

Modernismo, sequer mencionam o Penumbrismo como parte dessa literatura

antecipatória, como é o caso de Alfredo Bosi, em capítulo destinado à produção pré-

modernista em História Concisa da Literatura Brasileira (2003).

É provável que essa atitude se explique pela forma como o crítico define esse

período: “creio que se pode chamar pré-modernista (no sentido forte de premonição dos

temas vivos em 22) tudo o que, nas primeiras décadas do século, problematiza a nossa

realidade social e cultural” (BOSI, 2003, p. 306, grifos do autor). Como os penumbristas

se voltaram a uma poesia intimista de contemplação melancólica da vida sem se

coadunarem aos discursos que tematizavam as tensões sociopolíticas da época, a sua

ausência nesse estudo de Bosi torna-se, se não muito compreensível, no mínimo

justificável.

A partir desse recorte temático, o crítico e ensaísta concedeu a Euclides da Cunha,

Lima Barreto e Graça Aranha32 o papel de protagonistas dessa literatura prenunciativa da

revolução estética de 1922, encarando-os como os principais personagens do Pré-

Modernismo brasileiro. Isso se deve ao fato de que em seus textos havia o trabalho com

temas “modernos”, o que ia de encontro à literatura que vinha sendo feita no início do

século XX pelos dissidentes do Parnasianismo e do Simbolismo.

32 Em certos momentos de seu estudo, Bosi (2003) fala de Monteiro Lobato como um escritor que, em

relação à questão do nacionalismo mais crítico, antecipou esse ideal modernista. Ainda assim, Bosi ratifica

que existe uma contradição “moderno-antimodernista” (BOSI, 2003, p. 333) quando falamos na produção

literária e crítica de Lobato, o que não o qualifica efetivamente como um pré-modernista se comparada a

sua atuação, no início do século XX, à de Graça Aranha, Lima Barreto e Euclides da Cunha.

67

Desse modo, no entendimento de Bosi (2003) a respeito desse período, pareciam

existir dois grupos distintos e conflitantes: de um lado, aqueles que se alinhavam aos

valores clássicos; de outro, os que criticavam o academismo e se aprofundavam na

realidade sociopolítica brasileira. Por isso, afirma o crítico,

Parece justo deslocar a posição desses escritores: do período realista,

em que nasceram e se formaram, para o momento anterior ao

Modernismo. Este, visto apenas como estouro futurista e surrealista,

nada lhes deve (nem sequer a Graça Aranha, a crer nos testemunhos

dos homens da “Semana”); mas, considerado na sua totalidade,

enquanto crítica ao Brasil arcaico, negação de todo academismo e

ruptura com a República Velha, desenvolve a problemática daqueles,

como o fará, ainda mais exemplarmente, a literatura dos anos de 30

(BOSI, 2003, p. 307, grifos do autor).

A adição de uma curta reflexão a respeito das diferenças entre os termos

“modernista” e “moderno” nesse estudo facilita a compreensão do motivo pelo qual esses

autores configuram um conjunto pré-modernista para o crítico. Bosi afirma que, enquanto

o primeiro termo “veio a caracterizar, cada vez mais intensamente, um código novo,

diferente dos códigos parnasiano e simbolista” (BOSI, 2003, p. 331, grifos do autor), o

segundo relaciona-se também aos temas e mitos modernos, como se, respectivamente, as

expressões se referissem a código e tema.

Nessa linha de raciocínio, se entendêssemos o Modernismo apenas como ruptura

total com os códigos anteriores, não poderíamos afirmar que houve escritores pré-

modernistas. Em contrapartida, enxergando esse movimento não só como possibilidade

de inovação formal, mas também como aproximação à realidade nacional e crítica aos

valores clássicos, conclui Bosi que “houve, no primeiro vintênio, exemplos probantes de

inconformismo cultural” (BOSI, 2003, p. 332). Assim, a despeito de Graça Aranha, que

passou do cosmo do moderno para o universo do Modernismo, encabeçar questões e

temas modernos não necessariamente vincula um escritor à esfera modernista.

Na antecipação de alguns elementos estéticos e temáticos explorados pelo

Modernismo de 1922, pode-se dizer, então, de forma bastante sucinta, que é moderno em

Euclides da Cunha, Lima Barreto e Graça Aranha, respectivamente, a vontade de

conhecer melhor a vida do homem e a sua relação com a terra; o estilo de escrita mais

natural e menos engessado, além da crítica à República Velha; e o espírito nacionalista

que fomentava uma percepção crítica dos problemas brasileiros.

Desse modo, Os Sertões, 1902, Triste Fim de Policarpo Quaresma, 1915, e

Canaã, 1902, figuram entre os principais romances pré-modernistas se adotada a

68

perspectiva de Bosi (2003), evidenciando que a prosa desse período, para o crítico,

caminhava para o Modernismo a passos mais largos que a poesia.

Acerca do Pré-Modernismo enquanto nomenclatura, há um outro estudo de Bosi,

denominado A literatura brasileira – o Pré-Modernismo (1973), que mais nos interessa.

Isso porque nessa obra o crítico chama atenção para duas importantes e distintas acepções

que podem ser atribuídas ao prefixo “pré-”, cujos sentidos interferem diretamente no que

podemos entender ou não como literatura pré-modernista. Bosi, então, põe lado a lado o

“pré” enquanto momento puramente cronológico, isto é, anterior ao Modernismo, em que

também estão produzindo escritores passadistas, e o “pré” enquanto esfera estética,

consolidando um momento de antecipação de valores formais e temáticos caros aos

modernistas de 1922.

Essa análise de Alfredo Bosi (1973) evidencia ainda mais a fragilidade do termo

“pré-modernista” e a imprecisão que o prefixo “pré-” pode suscitar aos estudos literários.

Sob esse viés, tomando o Pré-Modernismo como período estritamente cronológico,

seriam considerados pré-modernistas os que produziam no momento anterior à Semana

de Arte Moderna de 1922, incluindo aqueles que sequer possuíam relação com os valores

apregoados pelos modernistas dessa primeira fase.

Em contrapartida, pelo olhar estético e psicológico, o Pré-Modernismo é antes

uma atitude artística e sociopolítica do que período temporal, sendo, portanto, pré-

modernistas aqueles que se afastaram, de alguma forma, das tradições que vinham sendo

mantidas desde o fim do século XIX, antecipando, seja estrutural, temática ou

politicamente, a renovação do panorama cultural proposta pelo Modernismo. Por isso,

parece-nos mais apropriado compreender o Pré-Modernismo como um comportamento,

um modo de atuação, tencionado por alguns artistas e escritores, que ajudou a aclimatar,

aos poucos, a elite intelectual, sobretudo a paulista, em relação aos novos ventos artísticos

trazidos com a chegada daquele novo milênio.

Se mantida a qualidade de período, o Pré-Modernismo deve ser analisado como

momento heterogêneo, de difícil e impreciso recorte temporal, em que artistas e escritores

de diversos estilos e escolas disputavam por espaço e pelo gosto do público e da crítica.

Enquanto uns permaneciam presos aos valores clássicos, outros já prenunciavam, cada

um a seu modo, a reviravolta que a literatura e as artes brasileiras sofreriam logo na

segunda década do século.

Essa percepção nos leva a crer que os escritores desse momento não devem ser

analisados em conjunto, sob risco de não diferenciarmos suas intenções estéticas ou de

69

não identificarmos corretamente aqueles que contribuíram realmente para o caráter

gestacional de uma nova escola, aspecto que podemos atribuir à ideia de Pré-

Modernismo, como é o caso de certos penumbristas. Avaliando individualmente, o Pré-

Modernismo – atitude artística ou período de transição – torna-se menos impreciso e mais

fiel ao que realmente foi.

Tanto Bosi (2003) quanto Candido (1976), apesar de reconhecerem que existem

grandes nomes que produziram no momento que chamam de Pré-Modernismo, afirmam

que as produções literárias do início do século XX até 1922 foram pouco inovadoras.

Talvez seja por causa desse tímido potencial inventivo que o movimento mais notório do

século – o Modernismo – integre a nomenclatura comumente dada ao período anterior à

Semana de Arte Moderna. Assim, o termo “Pré-Modernismo” parece seguir a lógica das

siglas a.C. e d.C.: o acontecimento principal vira parâmetro para o que veio antes ou o

que veio depois.

O inconveniente é que a nomenclatura “Pré-Modernismo” rendeu um certo

conforto à crítica literária, que, em sua grande maioria, resume os acontecimentos

artísticos e literários do início do século como aquilo que antecipou o Modernismo ou,

quando muito, um momento de embate entre passadistas e modernos. Essa conduta, que

tende a homogeneizar um momento extremamente heterogêneo e complexo do nosso

panorama cultural, também se estende às escolas e ao ensino de literatura nos livros

didáticos. É perpetuada, desse modo, uma compreensão limitada dessa atitude político-

artística, o que afeta, inclusive, o cânone literário, na medida em que apenas costumam

ser valorizados os autores já conhecidos e endossados pelos grandes nomes da crítica.

3.1.1 Antecedentes da Semana de Arte Moderna

Conforme os anos avançavam no novo século, certos eventos históricos e atitudes

estéticas aliadas a algumas ideologias, como o Futurismo, iam, aos poucos, agitando uma

parcela dos intelectuais brasileiros, o que passou a abalar tanto nosso provincianismo

típico da República Velha quanto a literatura e a arte tradicionais que vinham sendo

produzidas em território nacional. Principalmente à época da Primeira Guerra Mundial,

ressalta Candido (1976), “alguns estímulos da vanguarda artística europeia agiam

também sobre nós: a velocidade, a mecanização crescente da vida nos impressionavam

em virtude do brusco surto industrial de 1914-1918” (CANDIDO, 1976, p. 121),

encaminhando-nos a uma inevitável renovação de valores socioculturais.

70

O país ia se tornando cada vez mais mecanizado, cosmopolita. As grandes capitais

começavam a se acostumar com a presença gradativamente maior de elevadores e de

outras construções típicas da modernidade, como os prédios altos e os bulevares –

inspirações arquitetônicas da vida urbana europeia. O Brasil ansiava se tornar,

implacavelmente, moderno, fato que também acentuaria o anseio por expressões artísticas

que estivessem sincronizadas com o momento vivido no país e no mundo.

São Paulo foi, sem dúvida, o estado que mais sentiu as mudanças desse período

efervescente tanto nas letras e nas artes quanto no contexto sociopolítico. O surto

imigratório e industrial causou um inchaço populacional na capital e a ideologia

comunista, que passou a ser disseminada no Brasil principalmente após a Revolução

Russa em 1917, inspirou a grande greve operária paulista e as reivindicações dessa época

por mais direitos para além do setor trabalhista. Também é do princípio da década de

1910 o aumento da divulgação de ideias futuristas, que valorizavam o novo e rechaçavam

qualquer estima às velhas tradições.

Podemos acrescentar a esse panorama um maior trânsito cultural entre Brasil e

Europa provocado, principalmente, pelas viagens que uma parcela dos intelectuais

paulistas realizava, propagando em território nacional, quando voltavam do continente

europeu, valores da literatura e da arte plástica modernas para desespero e horror dos

apegados ao tradicionalismo, como os parnasianos. Todas essas questões, juntamente a

específicos eventos dos quais falaremos adiante, foram solidificando a necessidade de

uma renovação das nossas letras e artes plásticas, intentada, sobretudo em São Paulo, por

alguns intelectuais que, na chegada da década de 1920, já formavam um grupo mais coeso

com um único objetivo: atualizar nossa produção cultural.

Assim, ao analisarmos essas duas décadas iniciais do século XX, é possível

identificarmos episódios, atitudes e personagens cruciais para que a Semana de Arte

Moderna fosse elaborada, criando uma nova estética artística no país, o Modernismo. A

partir dos apontamentos do mais completo estudo sobre os antecedentes da Semana de

Arte Moderna realizado por Mário da Silva Brito (1978), podemos dizer, então, que

O caminho estava aberto. O desgaste parnasiano, fato notório; o

nacionalismo, que levava o intelectual à sua adequação com o país; a

revigoração cívica, fermentada pela guerra; o mundo novo que se

anunciava através dos novos engenhos – facilitavam a tarefa. (...) O

intelectual vai mudar de posição e acompanhar os rumos novos do seu

mundo, de sua terra e de sua época (BRITO, 1978, p. 94).

71

Entre o esboço de valores modernistas, pintado pelos escritores que a grande

crítica denomina pré-modernistas, e a tumultuada e famosa semana em fevereiro de 1922,

em São Paulo, muitos passos foram trilhados. O início da caminhada efetivamente

determinada em direção à concretização da Semana, todavia, pode ser atribuído a Oswald

de Andrade, sobretudo após o seu retorno da Europa, em 1912, local em que o poeta

entrou em contato com as vanguardas europeias, tornando-se o maior propagador entre

os intelectuais paulistas dos ideais futuristas.

A primeira vez que o termo “futurismo” apareceu na imprensa, entretanto, ainda

é um mistério. Bosi (2003) menciona o artigo do professor Ernesto Bertarelli, intitulado

“As lições do futurismo”, publicado em 12 de julho de 1914 no Estado de S. Paulo, como

aquele que apresenta os “primeiros ecos” (BOSI, 2003, p. 332) dessa intrigante escola na

imprensa brasileira. No entanto, ao buscarmos no acervo da Hemeroteca Digital

Brasileira, do site da Biblioteca Nacional, encontramos registros não só do termo

“futurismo”, como também do próprio manifesto de Marinetti veiculados no Brasil antes

mesmo da volta de Oswald do continente europeu. Um desses artigos tem o título de “O

futurismo”33 e foi publicado no jornal carioca O Paiz, em 29 de setembro de 1909,

assinado por “Pedro Leitor”.

Independentemente da data de “estreia” do termo em território nacional, fato é que

o retorno de Oswald ao país fez com que os ideais futuristas inspirassem a busca por uma

renovação artística, uma vez que estava no bojo do movimento de Marinetti o espírito

transgressor. Do contato com os valores do Futurismo, Oswald tirou, principalmente, o

desejo de uma literatura feita com mais liberdade, como a poesia em verso livre. A

liberdade também seria alcançada pela ruptura com as amarras do academismo, que

impedia que a arte brasileira se modernizasse. Apesar de inspirado em padrões e conceitos

europeus, o escritor ansiava por uma produção artística brasileira de valorização ao

elemento nacional e de resgate às origens do país.

A fundação d’ O Pirralho – revista que circulou em São Paulo entre os anos de

1911 e 1918 – certamente ajudou Oswald nessa empreitada. Suas publicações nessa

revista e no Jornal do Comércio foram importantes para a propagação de valores

futuristas e modernistas, inspirando outros artistas a fazerem o mesmo, como é o caso de

Menotti del Picchia34, por quem Oswald tinha um grande apreço desde a publicação de

33 O início do extenso texto pode ser consultado no anexo I. 34 Também é no ano de 1917 que Menotti del Picchia publica Juca Mulato, livro de poesia aclamado pela

crítica em que Menotti dá voz a um dos grandes valores modernistas: o sentimento de nacionalidade.

72

Moisés, em 1917, “pelos seus sinais de renovação, se bem que vagos e imprecisos”

(BRITO, 1978, p. 81). Assim, por meio do Correio Paulistano, sob o pseudônimo de

Helios, Menotti del Picchia se tornou, principalmente a partir de 1920, um essencial porta-

voz dos vanguardistas e de seus posicionamentos, que ficaram melhor conhecidos durante

a Semana (BRITO, 1978, p. 167).

Não demorou muito para que o termo “futurismo” e todos os princípios a ele

relacionados fossem amplamente disseminados pela imprensa brasileira, em especial a

paulista. Quando os intelectuais que organizariam a Semana se transformaram em um

grupo com uma pauta mais coesa, já em 1920, passaram a receber a alcunha de

“futuristas”, assim como também era chamada de futurista qualquer representação

artística que fugisse aos padrões da arte tradicional (BRITO, 1978, p. 162). Em

depoimento a Mário da Silva Brito (1978), Oswald afirmou que “achava boa a palavra

futurismo, julgava que ela correspondia, nos primeiros instantes do movimento, aos

interesses do grupo” (ANDRADE apud BRITO, 1978, p. 167), apesar de sabermos que,

no início das arregimentações, muitos negavam apreço pela filosofia de Marinetti, como

o próprio Menotti del Picchia.

Antes desse momento em que os intelectuais de tendências modernistas passaram

a se reunir, discutindo, com frequência, as novas estéticas, é preciso voltar a 191735,

período em que os jovens aspiravam à renovação artística, mas ainda de forma muito

dispersa. O evento que iria aproximar esses intelectuais é também, pelas palavras de Bosi

(2003), “o fato cultural mais importante antes da Semana e que serviu de barômetro da

opinião pública paulista em face das novas tendências” (BOSI, 2003, p. 333). Nesse

sentido, a exposição de Anita Malfatti36, em dezembro de 1917, agitou o panorama

cultural paulista com obras que chocaram a crítica.

A partir de experiências no campo das Artes, especialmente de pintores dos

Estados Unidos e da Europa que prezavam pela liberdade do artista e pelo uso

indiscriminado das cores, Anita Malfatti criou uma série de quadros que expôs em São

Paulo a pedido de Di Cavalcanti e Arnaldo Simões Pinto (BRITO, 1978, p. 48). Suas

obras revelavam o caminho que as artes plásticas estavam tomando mundo afora,

transformando-se, com seu evento, na pioneira das artes plásticas modernas do Brasil e

35 Segundo Brito (1978), Oswald e Mário de Andrade também se conheceram nesse ano, em 21 de

novembro (BRITO, 1978, p. 73). 36 Cabe dizer que muitos dos jovens que se envolveriam com a Semana visitaram a exposição de Malfatti e

ficaram encantados com o estilo transgressor e moderno da jovem.

73

também no estopim do Modernismo, uma vez que sua exposição uniu ainda mais os

intelectuais em prol de uma arte e de uma literatura mais atualizadas, o que culminaria,

cinco anos depois, na realização da Semana.

Vale dizer que, na época, uma adversidade surgiu no caminho de Malfatti: tanto a

crítica quanto uma boa parte do público consumidor de arte em São Paulo não estavam

acostumados a quadros que rompiam com preceitos estéticos da época e ficaram chocados

com as obras de influência modernista, pós-impressionista e até mesmo futurista e cubista

de Malfatti. A avaliação mais marcante para a autora e também para a historiografia

literária foi a realizada por Monteiro Lobato, na edição noturna do Estado de S. Paulo,

em 20 de dezembro de 1917, sob o título de “A propósito da exposição Malfatti”, na qual

o escritor ratifica sua visão conservadora e purista da arte. Nesse artigo, Lobato constrói

sua crítica à pintora a partir da distinção de dois tipos de artistas:

Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que veem normalmente

as coisas e em consequência disso fazem arte pura, guardando os

eternos ritmos da vida, e adotados para a concretização das emoções

estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres. (...) A outra

espécie é formada pelos que veem anormalmente a natureza, e

interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de

escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva

(LOBATO, 1917, p. 4)

Não é preciso muito esforço para percebemos que Lobato encaixa Malfatti e suas

obras na segunda espécie de artista, fazendo questão de reforçar ao longo de todo o texto

a extravagância das artes modernas que a pintora estava reproduzindo em seus quadros.

Sem perder o tom rígido, Lobato admite que Malfatti tem talento, mas está cega pelas

novas correntes artísticas, como Cubismo e Expressionismo, que “não passam de outros

tantos ramos da arte caricatural” (LOBATO, 1917, p. 4), cuja única função é “desnortear,

aparvalhar o espectador” (LOBATO, 1917, p. 4).

Como aponta Brito (1978), as duras palavras do escritor afetaram tanto a pintora

a ponto de atrapalhar a sua evolução, na medida em que Malfatti passou a desacreditar de

si mesma – situação que os novos amigos modernos tentaram reverter por meio de apoio

e de artigos que endossavam o valor de sua pintura. Querendo desmantelar o avanço da

arte moderna, Lobato, entretanto, conquistou

o não pretendido nem almejado mérito de congregar, em torno da

pintora escarnecida, o grupo dos modernos. Ao seu lado estão muitos

dos jovens que organizariam e participariam, poucos anos depois, da

Semana de Arte Moderna. Sua exposição é a primeira etapa da

arrancada inovadora. Com ela, desde esse momento, ficam Oswald de

74

Andrade, Di Cavalcanti, Mário de Andrade, Guilherme de Almeida,

Agenor Barbosa, Ribeiro Couto, George Przyrembel, Cândido Mota

Filho e João Fernando de Almeida Prado. Mais: à incompreensão

histórica de Lobato, que antecedeu Hitler ao rotular de teratológica a

arte moderna, se deve o despertar da consciência antiacadêmica, a

arregimentação das forças novas, o preparo do assalto que terminaria

por determinar a derrocada dos bastiões tradicionalistas (BRITO, 1978,

p. 60).

Extremamente importante, portanto, para a percepção do novo e o despertar do

Modernismo, a exposição de Anita Malfatti marcou um ano em que não só as artes

plásticas brasileiras tradicionais entravam em crise, mas também as nossas letras. Na

imprensa, eram veiculadas notícias e artigos sobre as novas tendências estéticas

europeias; nas artes plásticas, pintura e escultura com traços modernos chocavam crítica

e público; nas letras, escritores começavam a ensaiar versos mais livres e narrativas que

voltavam a enxergar o Brasil. Esses fatos, unidos ao contexto sociopolítico do anúncio do

fim da Guerra, iam ruindo o espaço de prestígio de escolas como o Simbolismo e o

Parnasianismo, evidenciando que o que estava sendo feito já não agradava como antes.

Como mencionado anteriormente, a exposição de Malfatti e a repercussão

negativa, principalmente vinda das mãos de Lobato, corroboraram a união dos modernos,

cujo fortalecimento se deu, principalmente, nos anos 1920 e 1921, quando as reuniões se

tornaram mais frequentes e os ataques aos passadistas também. Em artigo sobre o

movimento modernista, Mário de Andrade (1974) ressalta esse estado de completa

exaltação em que vivia o pequeno grupo de intelectuais paulistas nos anos anteriores à

Semana. O depoimento de Mário reforça o Modernismo como um estado de espírito que

se alastrava e a arte moderna como pauta principal do momento:

Havia a reunião das terças, à noite, na rua Lopes Chaves. Primeira em

data, essa reunião semanal continha exclusivamente artistas e precedeu

mesmo a Semana de Arte Moderna. Sob o ponto de vista intelectual foi

o mais útil dos salões, se é que se podia chamar são àquilo. Às vezes

doze, até quinze artistas, se reuniam no estúdio acanhado onde se comia

doces tradicionais brasileiros e se bebia um alcoolzinho econômico. A

arte moderna era assunto obrigatório e o intelectualismo tão

intransigente e desumano que chegou mesmo a ser proibido falar mal

da vida alheia! (ANDRADE, 1974, p. 239).

Se antes agiam e pensavam de maneira dispersa, naquele momento o grupo de

intelectuais afeitos à modernidade, de forma mais coesa, colocavam-se como oposição

direta àqueles que lutavam pela permanência das tradições, sendo tachados de

“perturbadores da ordem estética” (BRITO, 1978, p. 167) por causa disso.

75

Incansavelmente, esse grupo disseminava os princípios da arte moderna e a sua ânsia pelo

novo. Em um ritmo frenético, sobretudo pelas mãos de Oswald de Andrade e Menotti del

Picchia, publicavam, nos periódicos da época, artigos que antecipavam o bojo do

movimento de 1922, como se quisessem vencer, por meio da insistência, a supremacia

dos conservadores. Vale dizer que a esse ato Brito (1978) concede a alcunha de

“doutrinação reformista, efetivada em 1921 como preparo à Semana de Arte Moderna”

(BRITO, 1978, p. 191).

O caso mais expressivo e importante de exposição pública dos ideais do grupo dos

modernos foi o discurso de Oswald de Andrade em ocasião do jantar oferecido ao escritor

Menotti del Picchia, em 9 de janeiro de 1921, no Trianon. Com o objetivo de prestar

homenagem à figura, Oswald aderiu prontamente a um discurso em forma de manifesto.

O jantar foi noticiado na edição do dia posterior do Correio Paulistano, que trouxe a

íntegra da fala de Oswald, juntamente às de outros intelectuais que estiveram presentes

na reunião.

Em seu discurso, Oswald, em meio à exaltação ao talento de Menotti del Picchia,

ataca os passadistas, afirma que haverá luta por parte dos “artistas moços de S. Paulo”

(ANDRADE, 1921, p. 3) e declara que a cidade paulista traz em seu âmago “as profundas

revoluções criadoras de imortalidades” (ANDRADE, 1921, p. 3). A fase heroica era

anunciada em alto e bom tom um ano antes dos festivais da Semana, em uma declaração

que pintava um cenário de guerra em que os modernos eram soldados corajosos prontos

para atuarem no campo de batalha, ainda que desordenadamente, em prol da salvação da

arte brasileira:

Venha talvez chocar, senhores, esse tinir de armas heroicamente

arengadas em pacífica consagração literária, mas nós, que

arrogantemente subimos os espantosos caminhos da arte atual, por força

havemos de trazer, como soldados em campanha, um pouco do nosso

farnel de assaltos. Somos um perdido tropel na urbe acampada em

território irregular e hostil, e, como ela, temos a surpresa dos acessos e

a abismada contorção das alturas (ANDRADE, 1921, p. 3).

Como uma consequência direta dos fatos e eventos que vinham acontecendo

sobretudo depois de 1917, o discurso de Oswald sinaliza uma ruptura com os padrões da

arte da época antes mesmo da deflagração do Modernismo em 1922. Extremamente

agitada, a história dos antecedentes da Semana de Arte Moderna ajuda a ressignificar a

teoria de ruptura total imposta pelos modernistas apenas a partir dos acontecimentos da

76

Semana, uma vez passamos a entender o movimento como efeito de um longo processo

de insatisfação e de pequenas realizações com vistas à renovação cultural.

Ao falar de como parnasianos, simbolistas, neoparnasianos e penumbristas

conviviam, opostamente, no mesmo cenário cultural do início do século XX, Luciana

Stegagno-Picchio (2004) corrobora o movimento modernista como consequência de uma

revolução que vinha sendo travada até mesmo por aqueles que se colocavam contra a

renovação artística. Por sua ótica, esses escritores preparavam, por oposição ou por

filiação, um “Modernismo que não mais deverá ser apresentado como revolução

improvisada, mas como revolução na evolução” (STEGAGNO-PICCHIO, 2004, p. 357)

que teve como etapas o Parnasianismo, o Simbolismo, o Neoparnasianismo e o

Penumbrismo.

A discussão a respeito dessa ruptura anterior à Semana necessita, claramente, de

mais aprofundamentos do que os aqui apresentados e de estudos mais amplos e atuais

sobre a questão. O que nos interessa nesta pesquisa, entretanto, é ressaltar que existe uma

parte da crítica que apresenta uma outra perspectiva sobre o assunto, resultando na

reavaliação das raízes do movimento convencionalmente intitulado “de 1922”. Uma fala

pinçada do estudo de Wilson Martins (1973) endossa nossa conclusão: “foram os

modernistas que fizeram a Semana de Arte Moderna e não a Semana de Arte Moderna

que fez o Modernismo” (MARTINS, 1973, p. 55).

Em termos gerais, é evidente que o país mudava, a vida ficava mais vertiginosa e

São Paulo se tornava, pelo surto industrial, pelo boom de imigrantes e pelo esforço desses

jovens, paulatinamente, mais aberta à renovação. Brito (1978) também chama atenção

para a onda nacionalista que envolve o país e, em especial, a cidade paulista por volta de

1920, criando uma atmosfera ufanista. Essa questão sociopolítica influencia o panorama

literário, na medida em que alguns escritores passam a rejeitar o regionalismo “caboclo”,

que exclui os estrangeiros, idealizado, por exemplo, em obras como Urupês, de Monteiro

Lobato, que, em 1918, lançou o famoso personagem Jeca Tatu. O “novo” sentimento

nacionalista dos modernos era mais abrangente, por assim dizer, e abraçava a

miscigenação e a imigração.

É nessa cidade, que vive um momento sociopolítico peculiar, que se reúnem os

reformistas paulistas37, prontos para chocar, em fevereiro de 1922, os que ainda estavam

37 Não se deve ignorar, entretanto, a importância de figuras cariocas na elaboração da Semana e na

construção do espírito modernista que antecedeu em alguns anos o histórico evento no Teatro Municipal.

77

presos ao passado e iniciar um novo paradigma na literatura e nas artes plásticas. Em

síntese, esses eventos – literários e extraliterários – foram fundamentais para a efetivação

da Semana, que contou com a participação de escritores, pintores, escultores e músicos

em prol dessa reviravolta cultural.

3.2 A vez do sapo-cururu: a Semana e a “fase heroica” do Modernismo brasileiro

Se os antecedentes da Semana de Arte Moderna são muito evidentes e explorados

pelos críticos que há décadas se propõem a pesquisar esse período, não podemos dizer o

mesmo a respeito da origem da ideia da elaboração do evento ocorrido no Teatro

Municipal de São Paulo em fevereiro de 1922. O motivo é explicado por Wilson Martins

(1973) em estudo sobre o Modernismo brasileiro, obra em que o escritor aponta a

existência de muitas lendas e mitos heroicos em torno da preparação da Semana.

Martins (1973) parece crer que a ideia original de uma semana de exposição dos

mais variados tipos de arte moderna partiu de Di Cavalcanti38 (MARTINS, 1973, p. 64),

opinião que é endossada por alguns outros integrantes da crítica literária. Um desses é

Renato Almeida, que, em texto na revista Lanterna Verde sobre o envolvimento de

Ronald de Carvalho com o Modernismo, disse ter vindo de Di Cavalcanti a concepção

inicial do evento:

Numa das tardes do Monitor Mercantil, Graça Aranha nos chamou – a

Elysio de Carvalho, a Ronald e a mim – e nos disse que Di Cavalcanti

lhe sugerira uma ideia admirável. Era realizar uma grande festa de arte,

com elementos modernos, em que se fizessem conferências, recitassem

versos, tocassem músicas e expusessem coisas modernas. Graça Aranha

estava disposto a promover essa reunião, mas achava preferível fazê-la

em São Paulo, sobretudo porque havia lá um grupo muito forte de

modernistas, não só escritores e poetas, como ainda pintores e

escultores. A coisa inflamou facilmente e Graça Aranha começou a

cogitar a série da realização, com aquele magnífico espírito de

organizador, enérgico e prático (ALMEIDA, 1936, p. 70).

Independentemente de quem lançou ao grupo pela primeira vez a ideia do evento,

a Semana ocorreu, como é de conhecimento geral, em fevereiro de 1922 no Teatro

Municipal de São Paulo e foi dividida em três festivais cujas apresentações se deram nos

dias 13, 15 e 17 desse mês. Os espetáculos contaram com exposição de música, pintura,

Algumas das reuniões a que Mário de Andrade (1974) faz menção, inclusive, ocorreram na cidade do Rio

de Janeiro. 38 A afirmação é feita com base no livro de Di Cavalcanti Viagem da minha vida, conjunto de memórias

em que o autor afirma ter sugerido a Paulo Prado uma semana com eventos voltados à arte moderna.

78

escultura e poesia modernas, além de discursos aclamados, como o realizado por Graça

Aranha, no primeiro dia, e o feito por Menotti del Picchia, no segundo.

De acordo com Bosi (2003), a Semana “foi, ao mesmo tempo, o ponto de encontro

das várias tendências que desde a I Guerra se vinham firmando em São Paulo e no Rio, e

a plataforma que permitiu a consolidação de grupos, a publicação de livros, revistas e

manifestos” (BOSI, 2003, p. 340, grifos do autor), isto é, uniu os modernos e permitiu o

desdobramento de seus ideais em atitudes concretas. Apesar de propiciar a renovação da

mentalidade artística, situando a cena cultural brasileira em relação ao que havia de

moderno em termos de produção estética do século XX, o evento gerou repulsa por parte

dos passadistas e cultores da arte tradicional.

De tudo o que foi apresentado, o que certamente mais incomodou os puristas e os

passadistas foram as artes plásticas e a literatura modernas, em destaque a poesia. Não é

à toa que o segundo dia, 15 de fevereiro, foi o de maior repercussão, na medida em que

houve, no salão do Teatro, muita algazarra, barulho de batidas de pés no chão e até mesmo

imitação de latidas de cachorro feitas por quem estava sentado na plateia. Muito

contribuíram para esse efeito Menotti del Picchia e Mário de Andrade, assim como

Ronald de Carvalho – que declamou o poema “Os Sapos” de Manuel Bandeira, além de

poemas de Ribeiro Couto e Plínio Salgado – e Oswald de Andrade, que leu trechos de Os

Condenados39.

Mais incisivo que Graça Aranha em sua conferência de abertura da Semana no

primeiro festival, Menotti del Picchia acendeu a ira da plateia ao apresentar-lhes os ideais

do grupo em forma de ataque direto aos passadistas. Seu discurso – que foi reproduzido

na íntegra numa edição comemorativa dos 50 anos40 do evento realizada por O Estado de

S. Paulo – antecipava a ironia e a irreverência como armas que seriam utilizadas pelos

modernistas pelo menos nos oito anos após o evento. Para os passadistas, declara Menotti,

os intelectuais que faziam a Semana não passavam de “bolchevistas da estética” e, se

pudessem, aqueles não hesitariam em enforcá-los. Em meio às ousadas declarações,

estava o cerne das ambições modernistas:

A nossa estética é de reação. Como tal, é guerreira. (...) O que nos

agrupa é a ideia geral de libertação contra o faquirismo estagnado e

contemplativo, que anula a capacidade criadora dos que ainda esperam

39 Também estavam presentes, mas não renderam tamanha objeção, Agenor Barbosa, Yvonne Daumerie e

Guiomar Novais. Sérgio Milliet apresentou-se sob vaias, mas estas ainda eram consequência dos discursos

e das declamações anteriores. 40 A capa do Suplemento Literário comemorativo pode ser vista no anexo J.

79

ver erguer-se o sol atrás do Partenon em ruínas. Queremos luz, ar,

ventiladores, aeroplanos, reivindicações obreiras, idealismos, motores,

chaminé de fábricas, sangue, velocidade, sonho, na nossa Arte! E que o

rufo de um automóvel, nos trilhos de dois versos, espante da poesia o

último deus homérico, que ficou, anacronicamente, a dormir e sonhar,

na era do jazz-band e do cinema, com a flauta dos pastores da Arcádia

e os seios divinos de Helena! (DEL PICCHIA, 1972, p. 278).

Assumidamente, o grupo de modernistas dava como desatualizadas e anacrônicas

as artes plásticas e principalmente a literatura que vinham sendo feitas, uma vez que os

passadistas insistiam em recuperar elementos da tradição greco-romana em um contexto

de modernidade, aludida no discurso de Menotti através de símbolos modernos, como o

automóvel e o cinema. A leitura de “Os Sapos”, feita por Ronald de Carvalho, também

teve como objetivo atacar, por meio da ironia elaborada por Bandeira, os cultores da rima

rara e rica, isto é, parnasianos e neoparnasianos.

Esses dois momentos do festival, como mencionado, fizeram o Teatro Municipal

explodir em reações efusivamente negativas. A guerra contra o academismo estava

definitivamente lançada e o ideal modernista na literatura devidamente deflagrado a partir

de poemas e discursos que expuseram os valores estéticos daquele pequeno grupo de

intelectuais paulistas e cariocas. Em artigos publicados no Correio Paulistano nos dias

15 e 16 de fevereiro de 1922, intitulados “A segunda batalha” e “O combate”

respectivamente, Menotti repercute a ira dos passadistas e reforça o clima de guerra nos

títulos atribuídos aos textos.

Sob o pseudônimo “Helios”, Menotti declarou, em “O combate”, que poucos

latiram ou fizeram som de galos – diminuindo a ojeriza do público –, mas que havia quem

na plateia entendesse a necessidade de renovação e aplaudisse os que ali davam “ao Brasil

esta forte e nacionalíssima documentação de autonomia artística” (DEL PICCHIA, 1922,

p. 4). Afirma, ainda nesse texto, que a noite anterior (a segunda do evento) foi uma batalha

vencida, e decreta no último parágrafo: “com o tempo, os mais retardatários denegridores

do belo combate do espírito travado no país aderirão, penitenciados, ao movimento, cujas

bases, serenas, claras, na minha pequena palestra, procurei definir” (DEL PICCHIA,

1922, p. 4).

Finalizada a Semana, os modernistas lançaram, por toda a década de 1920, livros,

manifestos e revistas importantes para a consolidação de um novo pensamento estético.

Divulgadas à crítica e ao público, obras como Pauliceia desvairada – em cujo “Prefácio

Interessantíssimo” Mário de Andrade procurou apontar as diretrizes do grupo – e Pau-

Brasil, de Oswald de Andrade, ajudaram a definir os rumos estéticos e ideológicos do

80

movimento. A Klaxon, primeira revista modernista lançada após o grande evento,

reforçava em suas páginas a concepção de arte desses jovens intelectuais. Essas produções

culminaram na percepção de que duas linhas de vanguarda se confundiam no projeto

modernista de 1922: uma futurista e outra primitivista.

Segundo Bosi (2003), enquanto a primeira está ligada à experimentação da

linguagem moderna, a segunda se vincula à liberação do inconsciente como oposição ao

predomínio da razão e também como busca da autenticidade do homem brasileiro (BOSI,

2003, p. 340). A razão dessa coexistência de linhas vanguardistas pode ser explicada pelo

desejo simultâneo de experiência e pesquisa estética e de afirmação da vivência nacional,

como nos explica o crítico:

A indefinição dos dois maiores renovadores, porém, se de um lado

revela sofrível coerência estética e incapacidade de discernir ou de

escolher no turbilhão de ismos importados da Europa, terá sua

explicação no próprio contexto do Modernismo brasileiro: dividido

entre a ânsia de acertar o passo com a modernidade da Segunda

Revolução Industrial, de que o futurismo foi testemunho vibrante, e a

certeza de que as raízes brasileiras, em particular, indígenas e negras,

solicitavam um tratamento estético necessariamente primitivista

(BOSI, 2003, p. 341, grifo do autor).

No que tange à experiência e pesquisa estética, portanto, os modernistas da “fase

heroica” praticaram sobretudo o experimentalismo tanto na prosa quanto na poesia,

reinventando o código literário, na medida em que feriram “a intimidade da expressão

artística, a corrente dos significantes” (BOSI, 2003, p. 345). Ao lado da invenção formal,

vale ressaltar, também caminhava a ruptura com certos padrões clássicos comuns à

literatura reinante do início do século XX. O verso livre, a quebra da sintaxe convencional

e a opção por imagens menos alegóricas corroboraram, nessa década em questão, um

fazer literário mais preocupado com aquilo que se diz do que com a forma como é dito.

Em relação à poesia especificamente, a ruptura com o tradicional

(...) era de fundamental significado como símbolo. A libertação das

formas clássicas era, para os poetas, como que uma declaração dos

direitos do homem, ou pelo menos como uma tomada de Bastilha; os

cânones significavam a ideia de poesia como instrumento; o seu

abandono afirmava a poesia como valor próprio, e como lei de si própria

(MONTEIRO, 1972, p. 82).

No já referido depoimento acerca do Modernismo, Mário de Andrade (1974)

aproveita o distanciamento dos anos para analisar o movimento modernista em suas falhas

e acertos, reforçando seu caráter de “abandono de princípios e de técnicas consequentes”

81

(ANDRADE, 1974, p. 235) e de “revolta contra o que era a Inteligência nacional”

(ANDRADE, 1974, p. 235). Assumindo a importação da Europa desse estado de espírito

de revolta modernista, Mário não deixa de enfatizar a face nacionalista, radicada à pátria,

do movimento. Destruidor é o adjetivo que o poeta da Pauliceia desvairada mais usa

para se referir a esse primeiro momento do Modernismo.

Vale mencionar que a importação de ideias vanguardistas e do próprio espírito

modernista de revolta muito se diferenciava da importação passiva de formas e temas

cediços, que culminou, por exemplo, na mecanicidade e no academismo da poesia

parnasiana. Devido a um cenário de carência de tradição e de substrato cultural, como

apontou Ivan Junqueira (2004, p. 640), os intelectuais brasileiros incomodados com o

marasmo artístico em que se encontrava o Brasil tiveram de importar as diretrizes da arte

moderna, mas trataram de, crítica e criativamente, usá-las na construção dos alicerces de

uma nova arte nacional.

Os três princípios basilares dessa nova estética brasileira, segundo Mário (1974),

podiam ser resumidos em: “o direito permanente à pesquisa estética; a atualização da

inteligência artística brasileira; e a estabilização da uma consciência nacional”

(ANDRADE, 1974, p. 242). Em literatura, isoladamente, esses preceitos foram intentados

por autores específicos, mas o Modernismo proporcionou, pioneiramente, “a conjugação

dessas três normas num todo orgânico da consciência coletiva” (ANDRADE, 1974, p.

242, grifo do autor), construindo um programa artístico ao mesmo tempo heterogêneo na

produção e um tanto uniforme nos princípios.

Oswald de Andrade parecia ter, em relação aos fundamentos que uniam os jovens

intelectuais modernistas, a mesma visão do colega paulista. É o que justifica o fato de

Oswald, em texto apresentado numa conferência em 15 de outubro de 1945, intitulado

“Informe sobre o Modernismo”, citar, como elementos que o grupo usou contra a velha

poesia metrificada, a plena liberdade de criação e a valorização do cotidiano e do

inconsciente (ANDRADE, 2019). O posicionamento dos dois maiores ícones da primeira

fase do movimento corrobora o entendimento de que os modernistas, nesse momento,

ambicionavam uma nova maneira de cantar o Brasil e o tempo em que viviam, buscando

modificar a forma, o conteúdo e a expressão, principalmente, da literatura e das artes

plásticas.

Ainda assim, talvez pela urgência de mudanças de que o cenário cultural brasileiro

transparecia necessitar, “o movimento modernista incorreu numa série de rupturas que

não se justificavam em absoluto, mas que afinal tiveram lá sua utilidade, pois (...)

82

conseguiram tirar nossa literatura do marasmo e da subserviência” (JUNQUEIRA, 2004,

p. 632). Daí Junqueira (2004), Mário de Andrade (1974) e tantos outros críticos

acreditarem que os maiores beneficiários das revoluções causadas pelo Modernismo de

1922 tenham sido os que vieram após o furor desse momento, na medida em que tiveram

tempo para “digerir o que então se propunha” (JUNQUEIRA, 2004, p. 633), como é o

caso de Manuel Bandeira, Drummond e Guimarães Rosa.

No que tange à crítica a uma certa ingenuidade e até mesmo à precipitação típica

de jovens deslumbrados com a velocidade dos acontecimentos, Mário de Andrade foi,

definitivamente, o que melhor conseguiu apontar, já distanciado pelo poder implacável

dos anos, os erros substanciais dos “heróis de 1922”. Não nos cabe aqui tecer uma análise

aprofundada do julgamento que o escritor paulista fez do movimento do qual foi líder em

sua fase inicial, mas é pertinente recuperar certos apontamentos.

Dos anseios modernistas discutidos por Adolfo Casais Monteiro em Figuras e

problemas da literatura brasileira contemporânea (1972), merece destaque a tentativa de

recorrer à fala do povo como sugestão para enriquecer a língua literária (MONTEIRO,

1972, p. 35), sobretudo porque é esse um ponto da “revolução” intentada pelo

Modernismo que será muito analisado pela crítica literária, inclusive pelo próprio Mário

de Andrade (1974) duas décadas após a Semana. A respeito dessa pesquisa linguística de

descobrimento da verdadeira “língua brasileira” Mário nos confidencia:

O espírito modernista reconheceu que, se vivíamos já de nossa realidade

brasileira, carecia reverificar nosso instrumento de trabalho para que

nos expressássemos com identidade. Inventou-se do dia pra noite a

fabulosíssima “língua brasileira”. Mas ainda era cedo; e a força dos

elementos contrários, principalmente a ausência de órgãos científicos

adequados, reduziu tudo a manifestações individuais (ANDRADE,

1974, p. 244).

Coube a Mário (1974) perceber, tempos depois do furor dos acontecimentos de

1922, que a pesquisa linguística era vasta e complexa – definitivamente mais profunda

que a elaborada pelos modernistas em sua fase inicial – e que o experimentalismo de uma

nova forma de expressão mais brasileira se manifestou antes individual do que

coletivamente. “Nós estamos ainda atualmente tão escravos da gramática lusa como

qualquer português” (ANDRADE, 1974, p. 244), constata o poeta paulista em 1942,

sabendo que o Brasil possuía “numerosas tendências e constâncias sintáxicas que lhe dão

natureza característica à linguagem” (ANDRADE, 1974, p. 247), aspecto que os jovens

de 1922 não conseguiram traduzir suficientemente no plano estético.

83

Ivan Junqueira (2004) também analisou a preocupação modernista de formular

“uma linguagem que não mais ignorasse as muitas características (...) de uma fala

autenticamente brasileira” (JUNQUEIRA, 2004, p. 635) e, assim como Mário, apontou

cruciais falhas nessa tentativa. Utilizando Macunaíma como base para criticar o

experimento da nacionalização da linguagem, chamou de “fragoroso malogro”

(JUNQUEIRA, 2004, p. 636) o que foi feito por Mário de Andrade no romance por não

conseguir representar no plano estético as pesquisas folclóricas que realizou.

Fica muito evidente que entre o desejo modernista de usar uma língua portuguesa

mais brasileira na expressão literária e a prática efetiva desse desejo havia um abismo

causado, principalmente, pela falta de aprofundamento na pesquisa linguística e até

mesmo pela ausência de uma perspectiva mais nacional – o que aparenta ser um grande

paradoxo do movimento de 1922. Tentando melhor representar a pluralidade linguística

brasileira, contraditoriamente foi o modo de falar dos paulistas que mais imperou, fazendo

transparecer “uma galáxia de trejeitos e cacoetes dialetais, o próprio triunfo da afetação,

da impotência e da impropriedade linguísticas” (JUNQUEIRA, 2004, p. 636).

Apesar de não ter surtido o efeito esperado nas produções literárias desse primeiro

momento do movimento, a empreitada pela nacionalização da língua abriu caminho para

que grandes escritores brasileiros, como Guimarães Rosa, pudessem, posteriormente, tirar

a existência de uma “língua brasileira” do plano do mito. O Modernismo, enquanto

“estado de espírito revoltado e revolucionário” (ANDRADE, 1974, p. 251), ocupou-se de

lançar à sua maneira, ainda que abrupta, essa tentativa, gerando a possibilidade de futuras

transformações. Por isso,

O malogro de Macunaíma tem o mérito, afinal, de chamar a atenção

para a possibilidade – e, mais ainda para a urgente necessidade – de nos

libertamos de uma língua irreal, falada e escrita a muitos quilômetros

de distância na Península Ibérica e nas colônias da África e da Ásia. É

assim que todos esses malogros e equívocos acabam por trazer um

inestimável benefício ao português falado no Brasil. E foi essa nova

língua literária, essa nova forma de expressão pela qual se bateu sem

trégua no Modernismo, que possibilitou o advento de uma literatura da

qual já não se poderia dizer que não fosse pelo menos brasileira

(JUNQUEIRA, 2004, p. 636).

No plano da temática, a busca por temas nacionais – característica que já podia

ser vista no que se convencionou chamar de literatura pré-modernista – ganhou força

expressiva e acentuado sentido crítico no programa estético-ideológico na década de 1920

do Modernismo. Havia, claramente, o desejo de redescobrir o Brasil a partir de nossas

84

lendas, do nosso folclore e da representação do nosso cotidiano. Rompendo com “as

máscaras do bom comportamento e de um falso heroísmo sob as quais era sempre

representado o homem brasileiro” (JUNQUEIRA, 2004, p. 638), toda a sorte de gente do

país – ressaltando-se os negros, os mulatos, o nordestino, o índio e os imigrantes – passou

a ocupar a literatura sem o véu da idealização, surgindo com “suas fraquezas e seus vícios,

com toda essa carga humana, demasiado humana, que é a mesma em todas as latitudes do

planeta” (JUNQUEIRA, 2004, p. 638).

Sem deixar de atualizar o relógio da literatura brasileira ao tempo em que viviam,

os integrantes do Modernismo inseriram, no mesmo “pacote de temas”, a industrialização,

a vida nas fábricas, o primitivismo indígena, a vida social do homem burguês e tantos

outros componentes da vida paulista e brasileira da época, mas também de um passado

histórico, em prol da afirmação da vivência nacional. Por isso, segundo Antonio Candido

(1976), há, nessa fase heroica do movimento, um “desrecalque localista”, fundamentado

na “libertação de uma série de recalques históricos, sociais, étnicos, que são trazidos

triunfalmente à tona da consciência literária” (CANDIDO, 1976, p. 119).

Daí a aceitação do negro, do mulato, do primitivismo e de toda a nossa

mestiçagem como componentes não só importantes para a formação da nossa identidade,

mas também como características que nos singularizavam e nos potencializavam

enquanto nação brasileira. Assim, “as nossas deficiências, supostas ou reais, são

reinterpretadas como superioridades” (CANDIDO, 1976, p. 120, grifos do autor),

fomentando o culto do pitoresco nacional a partir da aceitação “destas componentes

recalcadas da nacionalidade” (CANDIDO, 1976, p. 120).

Como mencionado anteriormente, devido ao marasmo artístico que o país

enfrentava, sobretudo na poesia, desde o fim do século XIX, e ao raso substrato cultural

típico de uma nação cuja independência política não tinha mais que 100 anos, os

modernistas tiveram de importar os moldes da nova expressão literária do berço da

literatura ocidental. Para representar a vivência nacional e, ao mesmo tempo, atualizar a

consciência artística brasileira, o grupo de 1922 bebeu da fonte das vanguardas europeias,

reformulando o paradigma do local e do universal na nossa literatura, na medida em que

(...) se informaram pois rapidamente da arte europeia de vanguarda,

aprenderam a psicanálise e plasmaram um tipo ao mesmo tempo local

e universal de expressão, reencontrando a influência europeia por um

mergulho no detalhe brasileiro. É impressionante a concordância com

que um Apollinaire e um Cendrars ressurgem, por exemplo, em Oswald

de Andrade (CANDIDO, 1976, p. 121).

85

Ao buscar a afirmação nacional, integrando a literatura brasileira à herança da

literatura universal, o Modernismo preencheu o vazio deixado pelos parnasianos e, de

certa forma, pelos simbolistas, além de aperfeiçoar o entrelaçamento do local e do

universal intentado pelo Romantismo brasileiro. Esse caminho (re)iniciado pelos

modernistas fez Adolfo Casais Monteiro (1972) concluir que “o Modernismo foi, pelo

menos nos seus grandes poetas, a fusão de dois estados de espírito até então divorciados

na literatura brasileira” (MONTEIRO, 1972, p. 85), a saber, o nacionalismo e a

universalidade.

Vale ressaltar ainda que, da vontade de expressar o elemento nacional, Candido

(1976) aponta que surgiram duas linhas bastante delimitadas: “enquanto certos escritores

procuravam exprimir a forma e a essência do seu país, outros mais arrojados porfiavam

em pesquisar, em experimentar formas novas e descobrir sentimentos ocultos”

(CANDIDO, 1976, p. 122, grifos do autor). No primeiro grupo, encontram-se Ronald de

Carvalho e Guilherme de Almeida, mais presos à exaltação da paisagem e ao nativismo.

Também é do primeiro grupo que surgiu o desvio para um nacionalismo político com viés

fascista representado pelo Verde-Amarelismo e pelo movimento da Anta.

O segundo grupo, para o crítico, aborda temas semelhantes aos do grupo anterior,

caminhando, entretanto, pelas trilhas do humour, da experimentação formal, da

valorização dos símbolos brasileiros, como a lenda e o folclore, do cotidiano brasileiro e

da miscigenação do país (CANDIDO, 1976, p. 122). O reconhecimento na literatura da

importância do índio, do mestiço, do negro e do imigrante na formação do povo brasileiro

é sobretudo praticado por Oswald e Mário de Andrade. Os movimentos da Poesia Pau-

Brasil e da Antropofagia também se encontram vinculados a esse segundo grupo e

representam uma relação mais crítica com o elemento nacional a partir da exploração do

inconsciente coletivo e individual.

Por fim, cabe dizer que esses movimentos dentro do Modernismo, situados em

distintos grupos por Candido (1976), representam, para Bosi (2003), a superação do

literário pelo viés político-ideológico, tornando-se “filosofias de vida” e “programas

existenciais mais amplos” (BOSI, 2003, p. 342). Em 1924, o Manifesto Pau-Brasil41

lançado por Oswald atacava a metrificação na poesia e propunha a elaboração de uma

41 O lançamento do primeiro livro de versos de Oswald de Andrade, Pau-Brasil (1925), está intimamente

ligado ao manifesto homônimo, sobretudo porque este antecipa estética e ideologicamente as escolhas

linguísticas e temáticas percebidas naquele.

86

poesia que fosse exportada e não importada, fazendo clara alusão, até mesmo pelo nome

do manifesto, à edificação de uma literatura originalmente brasileira.

Para Bosi (2003), Oswald, por meio do Manifesto Pau-Brasil, “entra por uma linha

de primitivismo anarcóide, afim às suas origens de burguês culto em perpétua

disponibilidade” (BOSI, 2003, p. 342), e receberá, como contraposição, o Verde-

Amarelismo, de 1926. Também nacionalista, este último, diferentemente do lançado por

Oswald, assume diretrizes típicas da direita política do país que beiram ao fascismo,

culminando, em 1927, no grupo da Anta. São representantes desse movimento de

nacionalismo ufanista “cheio de apelos à Terra, à Raça, ao Sangue” (BOSI, 2003, p. 342)

Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia, Plínio Salgado e Cândido Motta Filho.

Como resposta a essa expressão direitista com viés nazifascista promovida pelo

grupo da Anta, Oswald, com a valorosa ajuda de Tarsila do Amaral e Raul Bopp, difunde

o Manifesto Antropófago, em 1928, e a consequente Revista de Antropofagia, também

no mesmo ano. Exacerbando as posições políticas e estéticas de Pau-Brasil, o movimento

de 1928 propunha reelaborar a produção artística brasileira pela metáfora da antropofagia,

ritual primitivo indígena. Metaforicamente, o grupo de antropófagos sugeria a deglutição

crítica de outras culturas a fim de que a cultura brasileira, a partir dessa ingestão, pudesse

se tornar efetivamente nacional.

Seguindo a mesma perspectiva das falhas estéticas devido à falta de

aprofundamento das pesquisas realizadas e à limitação do ponto de vista do grupo de

1922, muito restrito à capital paulista, não é de se admirar que esses movimentos – mais

políticos, muitas vezes, do que literários – também apresentassem inconsistências, no

caso, ideológicas. O maior problema, ressalta Bosi (2003), encontrava-se no desejo de

resolver as lacunas socioculturais brasileiras a partir de fórmulas vagas irracionalistas, o

que apequenou, em certa medida, o potencial transformador dessa fase heroica. Dessa

forma,

O culto da blague e o vezo das afirmações dogmáticas acabaram

impedindo que os modernistas da “fase heroica” repensassem com

objetividade o problema da sua inserção na práxis brasileira. Os

resultados conhecem-se: o vago liberalismo de uns vai desaguar na

adesão ao movimento de 32, tão ambíguo entre os seus polos

democrático-reacionário (Guilherme de Almeida, Cassiano Ricardo,

Alcântara Machado); nada impediria que o nacionalismo da Anta

resvalasse no parafacismo integralista de Plínio Salgado, nem, enfim,

que o antropofágico Oswald se esgotasse no comprazimento da crise

moral burguesa em que ele próprio estava envisgado. Considerações

que não implicam juízo idealista: constatam apenas as fatais limitações

87

de um grupo nascido e crescido em determinados estratos da sociedade

paulista e carioca numa fase de transição da República Velha para o

Brasil contemporâneo. E considerações que, ressaltando embora o

extraordinário talento verbal de alguns modernistas, entendem

sublinhar o risco que representa a mitização das suas brilhantes

inconsistência, no nível do pensamento e da prática (BOSI, 2003, p.

343-344).

Apesar dos equívocos, é inegável a importância desse primeiro grupo modernista

para a reviravolta que sofreu o panorama artístico brasileiro sobretudo a partir da segunda

década do século XX. Ainda que localista demais para um movimento que se pretendia

nacional, o Modernismo conseguiu aos poucos se espalhar para além dos principais

núcleos urbanos da época – Rio de Janeiro e São Paulo –, alastrando a literatura moderna

pelo país. Se a partir de 1930 as manifestações modernistas que surgiam em pouco se

assemelhavam ao espírito irracional da fase heroica, na década de 1920 ainda era a

ideologia inicial do grupo que servia de inspiração para artistas de fora das capitais.

É o caso, por exemplo, de Minas Gerais, que foi palco, no período em questão, de

duas importantes manifestações modernistas: a revista Verde, de 1927, mantendo a

temática nacionalista e a valorização da liberdade criativa, e A Revista, lançada em 1925

por jovens intelectuais mineiros, como Drummond, Pedro Nava e Emílio Moura. Na visão

de Adolfo Casais Monteiro (1972), a expansão dos ideais modernistas – levados à risca

ou aprimorados – atesta a “vitalidade interna do movimento” (MONTEIRO, 1972, p. 34),

o que definitivamente pode ser comprovado quando analisados os rumos tomados pela

literatura brasileira e pelas artes plásticas do país após 1922.

Lançadas as fagulhas na década de 1920, os artistas posteriores conseguiram

aprimorar, estética e ideologicamente, as diretrizes do movimento, como o próprio

Drummond, sobre o qual falaremos a seguir. Ainda assim, para que pudessem chegar à

máxima expressão da linguagem nacional ou ao apurado envolvimento com as questões

sociais de seu tempo, primeiro foi necessário que meia dúzia de jovens destemidos

tivessem coragem de levantar a sua voz à altura de gritos, batidas de pés no chão e latidas

de cachorro. De todas as notáveis falhas dos “primeiros modernistas”, não se pode dizer,

definitivamente, que a audácia foi uma delas.

88

4. NO MEIO DO CAMINHO TINHA UM DRUMMOND

O percurso literário de Drummond foi marcado por inúmeras reelaborações no

olhar do sujeito lírico e por constante experimentação de novas formas do poético,

abrindo margem para que a crítica pudesse, inclusive, dividir a sua obra em períodos

levando em consideração a época em que os escritos se inserem e as escolhas estéticas e

ideológicas do poeta mineiro. A década que tem nos interessado nesta pesquisa é a de

1920, uma vez que podemos notar, a partir da leitura dos poemas, das crônicas e dos

artigos produzidos nesse momento, um jovem Drummond cujo espírito inquietante recebe

diversos e importantes estímulos literários.

Em Influências e impasses (2003), John Gledson sustenta a tese de que os anos

anteriores à publicação de Alguma poesia, em 1930, foram cruciais para a construção da

inteligência poética de Drummond (GLEDSON, 2003, p. 15), corroborando o grande

escritor que se tornou. Definitivamente, o estímulo literário sofrido nessa década pelo

itabirano rendeu à sua poesia características singulares, o que pode ser comprovado pelo

ceticismo e pela ironia – atitudes extremamente drummondianas, mas certamente

embrionadas em sua juventude quando mergulhou nas letras do cético Anatole France e

no sorriso de canto de boca de Álvaro Moreyra.

Assim como o apreço ao simbolismo tardio brasileiro inspirou a produção de

poemas que buscavam a evasão à realidade, escritos por um jovem Drummond pessimista

do início do anos 1920, também é nessa década que o itabirano amadurece não só a sua

escrita, como o entendimento da persona do poeta e a sua relação com o país em que vive

e com a tradição literária a que está ligado. Este capítulo, portanto, pretende discutir esse

amadurecimento – que está diretamente relacionado ao apuramento de uma dicção

modernista – a fim de chegar à análise de poemas selecionados de Alguma poesia,

buscando compreender como os estímulos modernistas – até mesmo penumbristas –, tão

fortes e cruciais nessa época, permeiam, de diferentes formas, essa reunião de poemas.

É válido pontuar, de início, que o estudo da construção desse Drummond

modernista deve passar pelo estudo das influências que contribuíram para a formação do

processo criativo do poeta. Apesar de, nessa década, o Penumbrismo ocupar um

importante papel no princípio da jornada literária de Drummond, como vimos em

capítulos anteriores, é a figura de Mário de Andrade, enquanto professor, amigo e escritor,

que ganha destaque nesse momento, sobretudo porque tem grande relevo para a

associação do itabirano a alguns ideais do grupo de 1922.

89

Sob forma de conversa radiofônica dividida em oito programas dominicais na

PRA-2, Rádio Ministério da Educação e Cultura, em 1955, eternizada no volume Tempo,

vida, poesia (1987), Drummond dialoga com Lya Cavalcanti a respeito dessa década,

dando-nos importantíssimas informações sobre seu passado literário. Em uma de suas

falas, gasta algumas palavras para explicar “como é que a ação dos outros se reflete no

espírito” (ANDRADE, 1987, p. 13) de um escritor, ressaltando que

A vida literária pode ser comparada a uma superfície espelhante, não

direi manso lago azul, em todo caso um lago ou piscina. Cada escritor

que surge e se reflete nele é por sua vez reflexo mais ou menos vivo de

outros escritores, que por sua vez... Em suma, a literatura é um

fenômeno de imitação ou repetição. Não havendo, por exemplo, o

laguinho dos suplementos e revistas literárias, como diminui o número

de poetas! (ANDRADE, 1987, p. 13-14)

Reconhecendo esse poder de “digestão literária” de Drummond, Gledson (2003,

p. 32) realiza um interessante estudo sobre os estímulos recebidos pelo poeta, dividindo-

os em três momentos distintos. Antes da apresentação dessa divisão levando em

consideração a época em que as influências ocorreram, o pesquisador ressalta o foco

duplo que todo estudo da influência deve ter:

De um lado – e isso não deve ser esquecido –, ele pretende mostrar algo

do processo criativo: estamos alegando que certos materiais foram

utilizados pelo poeta segundo suas próprias finalidades. Em segundo

lugar, admite – deve admitir – uma teoria geral sobre o porquê de uma

determinada obra ter sido escolhida pelo poeta entre outras possíveis.

Igualmente, deve-se investigar o porquê de certos elementos não terem

sido utilizados, já que qualquer influência tem seus limites. É claro, é

uma questão de aplicar diferentes focos sobre um assunto único, mas o

ponto essencial é que, sem alguma hipótese mais ampla sobre as metas

e a índole do poeta, o estudo da influência se torna uma série de fatos

isolados e sem significado (GLEDSON, 2003, p. 32, grifos do autor).

Dos três momentos singulares de influência que Gledson (2003) menciona, o que

nos interessa, até pelo recorte temporal da pesquisa, é a “juventude impressionável”

(GLEDSON, 2003, p. 34) da qual Drummond não escapou, assim como a grande maioria

dos escritores. Nesse período importantíssimo de formação de estilo e de concepção de

vida, o itabirano contou, principalmente, com duas figuras distintas divididas pelo que

Gledson (2003) chama de “conversão ao modernismo”, que teria sido efetivamente

iniciada após o encontro de jovens penumbristas mineiros com a caravana modernista

paulista em Belo Horizonte no ano de 1924.

90

As duas principais figuras desse período – Álvaro Moreyra e Mário de Andrade –

representam, nessa década, respectivamente, o apego do jovem Drummond ao

simbolismo tardio brasileiro e o amadurecimento de uma dicção modernista pela

vinculação do poeta aos ideais da arte moderna que chegavam até Minas. No entanto, não

é apenas o estilo de ambos que diferencia o tipo de influência que tiveram na formação

do poeta Drummond: o contato com Mário foi substancialmente mais fecundo, na medida

em que o itabirano “foi afetado também por uma forte consciência crítica que lhe permitiu

desenvolver seu próprio estilo” (GLEDSON, 2003, p. 34), o que era extremamente

estimulado não só por Mário, mas por outros modernistas.

Assim, o diálogo epistolar travado com Mário e as outras formas de contato que

Drummond estabeleceu com os ideais modernistas da época possibilitaram que o mineiro

elaborasse a sua própria poética, em contraposição ao “resultado” imediato das

influências penumbristas já analisadas em Os 25 poemas da triste alegria, das quais se

destaca a imitação irrestrita e quase acrítica de trejeitos dos escritores crepusculares. A

poética drummondiana, ainda que escrita com os resquícios de tinta retirados da pena de

outros escritores, inscreve-se no Modernismo brasileiro como fruto de trabalhosa

formação de uma consciência social e literária de que fizeram parte muitos personagens,

com destaque para a figura de Mário de Andrade.

4.1 “Era tão gostoso brincar de Modernismo...”42

O ano era 1921. Numa cidade ainda provinciana demais para uma capital, jovens

“dados a letras” (ANDRADE, 1987, p. 43) vindos de diversos pontos diferentes do

interior de Minas Gerais se reuniam, frequentemente, em uma “casa de elite”43 para

discutir literatura e praticar versos de forma despretensiosa. Para dar nomes aos

personagens dessa história, passemos a palavra ao memorialista Pedro Nava, que, em

prefácio à reimpressão fac-similar de A Revista, escreve:

Desde 1921 constituiu-se em Belo Horizonte numeroso grupo de moços

integrado pelos nomes de Abgar Renault, Alberto Campos, Carlos

Drummond de Andrade, Emílio Moura, Francisco Martins de Almeida,

Gabriel de Rezende Passos, Gustavo Capanema Filho, Hamilton de

Paula, Heitor Augusto de Souza, João Alphonsus de Guimaraens, João

Guimarães Alves, João Pinheiro Filho, Mário Alvares da Silva Campos,

42 Expressão dita por Carlos Drummond de Andrade em Tempo, vida, poesia (ANDRADE, 1987, p. 50). 43 Assim se referia ao Café Estrela a propaganda presente no segundo número, publicado em agosto de

1925, d’A Revista. Ver anexo K.

91

Mário Casassanta e Milton Campos. Era o chamado Grupo do Estrela

– nome do café em que se reuniam. (...) Deles alguns já se tinham

iniciado na literatura mas os outros eram também rapazes preocupados

com poesia, prosa, arte e filosofia. Muitos foram literatos a vida inteira,

dois retomaram essa posição tardiamente e os mais foram inteiramente

absorvidos pelas profissões liberais, pelo magistério e pela política

(NAVA, 1978, p. 1, grifos do autor).

Recém-expulso do colégio em que estudava por ser considerado um “anarquista”,

Drummond experimentou, em Belo Horizonte, os prazeres da liberdade e um

enriquecimento literário sem tamanho adquirido nas constantes trocas de ideias realizadas

à mesa do café com o “Grupo do Estrela”. No registro radiofônico (1987), o itabirano

ressaltou o papel crucial desses jovens amigos em sua vida para além da influência

literária, na medida em que o contato permitia que Drummond não afundasse na inércia

ou no desespero existencial, dando-lhe “um rumo qualquer que não fosse aniquilamento”

(ANDRADE, 1987, p. 44).

Uma boa parte dessa geração de jovens intelectuais, que misturava ceticismo e

ironia (ANDRADE, 1987, p. 44), foi a grande responsável pela inclusão de Belo

Horizonte no “mapa” do Modernismo brasileiro, que, a essa época, centralizava-se,

sobretudo, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Nas vezes em que tinha a oportunidade de

falar sobre o início do movimento em Minas, Drummond gostava de ressaltar a

naturalidade com que começaram a praticar o verso livre e a “fazer modernismo”,

afirmando que não lançaram manifesto, tampouco elaboraram alguma estratégia literária,

apenas se uniram pelo acaso devido às suas afinidades (ANDRADE, 1987, p. 49).

A respeito dessa questão, cabe recuperar alguns apontamentos feitos pelo próprio

poeta em texto intitulado “Imagens de 22: a semana e os mineiros”, publicado no Correio

da Manhã, em 1962. Perguntado sobre como repercutiu a Semana entre o grupo de

rapazes de Belo Horizonte, Drummond foi categórico ao dizer que sequer tomaram

conhecimento do evento, já que raramente recebiam jornais paulistas. Apesar disso, e por

serem “também inquietos, embora menos informados” (ANDRADE, 1962, p. 6), os

jovens viviam à procura do novo – onde quer que ele pudesse ser encontrado naquela

cidade de tamanha limitação.

Foi esse estado de espírito inquieto que levou Drummond e outros integrantes do

grupo a encontrarem em uma livraria da capital mineira alguns exemplares de Carnaval,

de Manuel Bandeira, em que o itabirano se chocou com um verso de 25 sílabas poéticas,

“contrariando tudo que era beleza e simetria ostentadas em Bilac” (ANDRADE, 1962, p.

6). O contato precoce com Bandeira, confessa Drummond, tornou o autor de

92

Libertinagem a sua “verdadeira e pessoal Semana de Arte Moderna” (ANDRADE, 1962,

p. 6).

Sem desmentir a importância dessa natural inquietude do grupo de jovens para a

sua abertura à arte moderna, Ivan Marques, em Cenas de um modernismo de província

(2011), acrescenta às teorias já existentes da gênese do movimento em Minas44 outros

dois fatores de grande relevância. Apresentada nesta dissertação, a relação dos mineiros

com escritores cariocas, como Ribeiro Couto, que principiava no Rio de Janeiro uma

poesia intimista de verso livre, igualmente aparece no estudo de Marques (2011), que

escreve:

Ronald de Carvalho e Ribeiro Couto não se furtaram, entretanto, às

conexões com o modernismo paulistano. Diretor da revista Para Todos,

Álvaro Moreyra também estava aberto às inquietações. Drummond, que

com ele mantinha contatos desde 1921, considerava esse “sutil anotador

de almas” a principal influência literária de sua juventude. Essa

proximidade entre cariocas e mineiros, anterior ao entrosamento com

os paulistas, é que tornou possível a afirmação de que o modernismo

teria chegado a Belo Horizonte “pelo diurno do Rio” – o que não

elimina, é claro, a fantasia de que ele havia surgido “no ar”

(MARQUES, 2011, p. 26-27).

A esse estreito contato com os praticantes do verso livre da capital carioca

Marques (2011) soma a constante busca dos integrantes do “Grupo Estrela” por livros

estrangeiros, sobretudo de tradição francesa, que chegavam lentamente às poucas livrarias

de Belo Horizonte, o que revelava “o interesse cosmopolita que está na base do ‘espírito

moderno’” (MARQUES, 2011, p. 18). Analisados em conjunto, o contato com os versos

de Bandeira e a poesia vers-libriste penumbrista, assim como a busca por novidades

estrangeiras, apontam para uma identidade comportamental desses jovens calcada na

inquietação, na rebeldia e no anseio pelo experimentalismo – isto é, no alicerce de todo e

qualquer movimento de vanguarda.

No já referido Poesia e poética de Carlos Drummond de Andrade (2018), John

Gledson, ao analisar artigos escritos por Drummond antes do encontro com os paulistas

em 1924, também encontra rebeldia e inquietação nessas letras. Segundo o crítico, esses

textos denotam “o desejo de evitar formulações excessivamente definitivas ou restritivas,

uma complacência em abrir-se a experiências novas, que é talvez a dádiva maior do

modernismo” (GLEDSON, 2018, posição 922). Daí a importância desses registros para

44 Apesar de o Modernismo mineiro apresentar dois encaminhamentos, um em Belo Horizonte e outro em

Cataguases, este tópico da dissertação pretende pôr em evidência o primeiro.

93

compreendermos como Drummond inicialmente enxergava a sua posição dentro do

movimento e como o poeta respondia às novas ideias que lentamente chegavam a Minas.

Um dos artigos comentados por Gledson (2018) é o “Sobre a arte moderna”,

publicado na revista Para Todos, de Álvaro Moreyra, em 1923, no qual Drummond se

mostrava incerto quanto ao rumo da arte moderna, mas não negava sua simpatia pelos

modernistas. Vale a menção de que 1923 é um ano curioso no que diz respeito à produção

poética de Drummond quando examinada a bibliografia comentada do itabirano por

Fernando Py (1980). Enquanto publicava poemas reunidos em Os 25 poemas da triste

alegria, como “Quase noturno, em voz baixa” e “Matinal”, Drummond já ensaiava versos

modernistas com “Nota social” e “Coração numeroso”, que fariam parte, posteriormente,

de Alguma poesia.

Ainda assim, não se pode dizer que, nessa época, o itabirano compreendia

integralmente os ideais do movimento paulista. Como mencionamos, Belo Horizonte, no

período em questão, não era uma grande receptora de periódicos ou de suplementos

literários de valor modernista, o que diminuía o contato dos jovens mineiros com poemas

e outros tipos de texto dos intelectuais de São Paulo45. Com o acesso a esses materiais

reduzido, era normal que os rapazes do Café Estrela se sentissem um pouco desnorteados,

como afirma Drummond, em 1927, na ocasião de um discurso em homenagem à formação

em Direito de Martins de Almeida:

Me sinto contente, Martins de Almeida, meditando na responsabilidade

que tenho nesse acontecimento [a aceitação do modernismo por

Almeida]. Você teimava em não admitir as expressões novas da arte e

da literatura que começavam a aparecer no Brasil, expressões que eu

também ainda não assimilara bem, mas pelas quais tinha uma larga

simpatia. Mas quando eu o peguei ali no Bar do Ponto e o levei ao

Grande Hotel, onde o pus em contato com os viajantes mais inteligentes

que já estiveram em Minas Gerais – Mário e Oswald de Andrade,

Tarsila do Amaral e Blaise Cendrars – você não pôde deixar de sofrer a

forte ‘ação de presença’ daquelas personalidades tão agressivamente

novas e tão fascinadoramente irradiantes (ANDRADE apud

GLEDSON, 2018, posição 381).

Certamente, o evento mais marcante para o Modernismo mineiro foi esse encontro

com os intelectuais de São Paulo, em abril de 1924, de que fala Drummond em seu

discurso. Essa reunião ocorrida no Grande Hotel, em Belo Horizonte, garantiu efeito de

mão dupla: ao passo que revelava um Brasil histórico e ainda desconhecido aos

45 Isso não impediu que Drummond lesse Pauliceia desvairada antes mesmo da chegada da caravana

paulista a Belo Horizonte, como comenta o itabirano em carta que será analisada ainda neste tópico.

94

paulistas46, concedia, aos mineiros, uma singela versão da Semana de Arte Moderna no

saguão do hotel. De todos os integrantes da caravana, indubitavelmente Mário de Andrade

foi o que mais contribuiu para o desenvolvimento da dicção modernista dos mineiros,

sobretudo de Drummond, enviando – através de grande volume de cartas – periódicos,

livros, conselhos e palavras de incentivo; sem falar na mediação que realizou entre os

jovens de Minas e os veículos informacionais modernistas paulistas e cariocas, fazendo

com que fossem publicados poemas mineiros nas duas capitais.

Por essa contribuição, que se estendeu por toda a década de 1920, é que

Drummond (1962) julga ter sido Mário “mais do que a Semana, o Tempo modernista”

(ANDRADE, 1962, p. 6) para os mineiros. Conta o itabirano na crônica “Suas cartas”,

que, apesar de animados em certa medida com o pouco que sentiam da arte moderna,

havia ainda entre os rapazes do “Grupo Estrela” uma educação calcada no simbolismo

tardio e na poesia de gabinete, isto é, esteticamente rebuscada. A “deseducação salvadora”

(ANDRADE, 2011, p. 72) veio por meio do escritor paulista, que apresentava

entusiasmada necessidade de “se sentir junto com os homens” (ANDRADE, 2011, p. 73).

No que diz respeito especificamente a Drummond, a passagem dos intelectuais

paulistas por Minas acentuou a sua visão crítica sobre a literatura do momento e o seu

posicionamento diante do movimento modernista. Segundo Gledson (2018), o poeta

mineiro pensava a descoberta nacional como uma missão altamente desafiadora e

complexa e, portanto, “desconfiava muito de tentativas para criar uma “tradição”

brasileira da noite para o dia” (GLEDSON, 2018, posição 626). Daí sua impossibilidade

em defender os ideais de Oswald de Andrade expostos no Manifesto Pau-Brasil, de 1924,

na medida em que desacreditava na viabilidade de voltarmos a um estado de inocência

pré-cabralino.

Esse desencontro de perspectivas entre Oswald e Drummond ficou ainda mais

claro quando o mineiro se recusou a participar da segunda dentição da Revista de

Antropofagia, realizada em 1929. Ainda assim, não há como negar que Drummond “foi

atingido pela onda de interesse na paisagem e no povo brasileiros que o modernismo

estimulou” (GLEDSON, 2018, posição 588), o que pode ser visto na reunião de poemas

em Alguma poesia. Por isso, não é errado afirmar que o posicionamento crítico-ideológico

do itabirano frente à cultura e à tradição brasileiras foi o responsável por uma filiação

muito maior às concepções de Mário de Andrade do que às de Oswald.

46 Mário eterniza essa descoberta no imenso e belíssimo poema “Noturno de Belo Horizonte”.

95

A admiração ao escritor de Pauliceia desvairada não começou na visita dos

paulistas a Belo Horizonte, mas se intensificou logo após o evento. A despeito de sua

contribuição ao fortalecimento do Modernismo em Minas como um todo, foi na relação

estabelecida com Drummond que Mário de Andrade pôde exercer o papel de professor,

pregando em suas aulas epistolares “simplesmente a vida, a ‘gostosura’ sempre

encontrada no ato natural de viver, com todas as suas consequências e responsabilidades”

(ANDRADE, 2011, p. 74). Para os mineiros, Mário rapidamente se tornou um ideário

intelectual; para Drummond, o paulista virou um alicerce:

Mário foi um caso especial, desses reconhecimentos instantâneos, que

nos fazem quase adivinhar o futuro: daí por diante haverá um elemento

novo em nossa vida intelectual. Descobrimos um veio de ouro. Mas

veio de ouro não define bem o que senti diante da figura literária dele.

Não era riqueza a explorar, com maior ou menor esforço. Era riqueza

dada sem condições, a não ser a de merecê-la por nós mesmos. O que

Mário esperava de nós não era que o seguíssemos, mas que nos

descobríssemos a nós mesmos, ao que pudesse haver de bom em nós,

no sentido de inquietação, desejo de investigação e reflexão: queria (e

foi explicitando isto nas cartas que passaria a nos escrever, paciente,

pedagógico, obstinado) que adquiríssemos consciência social da arte e

trabalhássemos utilitariamente nesse sentido, pela descoberta ou

redescoberta gradativa do Brasil em nós, atualizados e responsáveis.

Nunca segui a fundo lição de Mário, mas o pouco de ordem (sob a

desordem superficial) que passei a pôr no que escrevia é consequência

da ação dele para me salvar do individualismo e do estetismo puro

(ANDRADE, 1987, p. 108).

O contato epistolar entre os dois Andrades foi iniciado por Drummond, em 28 de

outubro de 1924, e durou até perto da morte de Mário, em 1945. O período que nos

interessa é o dos 6 anos após o início das correspondências – momento de maior influência

do paulista para a “conversão”47 de Drummond ao Modernismo. Nessas cartas, Mário

muito criticou a postura cética, isolacionista e pessimista do itabirano, convocando-lhe,

insistentemente, a produzir uma literatura que estivesse mais vinculada às suas

experiências e às mudanças culturais por que o Brasil estava passando. Mário falava em

alcançar a comunhão com o homem para o jovem que mais “antipatizava com o gênero

humano” (ANDRADE, 2011, p. 73).

Apesar do interessante embate que resultou do contraste entre essas duas

concepções de vida (e também do fazer literário) e que pode ser percebido na leitura das

correspondências, essas trocas foram muito importantes para o amadurecimento poético

do jovem mineiro. Não à toa Drummond chegou a dizer, em texto que se encontra na

47 Reiteramos: expressão usada por John Gledson em Influências e impasses (2003).

96

apresentação das cartas reciprocamente enviadas, que esse contato foi “o mais constante,

generoso e fecundo estímulo à atividade literária” (ANDRADE, 2002, p. 34) por ele

recebido em toda a sua existência.

Além dos muitos poemas contidos em Alguma poesia, que foram compartilhados,

comentados e discutidos pelos dois escritores, Drummond aproveitava o contato para tirar

dúvidas sobre estilística, língua portuguesa e até mesmo sobre a experiência matrimonial.

Às vezes professor, às vezes suporte às inúmeras angústias do itabirano, Mário de

Andrade entregou a Drummond grandes doses de incentivo e de coragem para não só

aproveitar melhor a vida, mas também desenvolver seu próprio estilo, que acabou se

tornando uma das maiores expressões do movimento brasileiro.

Iniciado o contato, não demorou muito para que Mário observasse a atitude

psicológica e literária de Drummond voltada a uma melancolia, a um certo “desaniminho”

(ANDRADE, 2002, p. 154) que o mineiro, confessando não ser “dado de natureza aos

grandes entusiasmos” (ANDRADE, 2002, p. 131), apresentava em sua escrita sobre a sua

vida e também em seu material poético, muitas vezes compartilhado com o paulista. Em

resposta à primeira carta recebida de Drummond, Mário vai direto ao ponto sobre o que

pensa a respeito desse modo de viver e de sentir as coisas:

Tudo está em gostar da vida e saber vivê-la. (...) Eu acho, Drummond,

pensando bem, que o que falta para certos moços de tendência

modernista brasileiros é isso: gostarem de verdade da vida. Como não

atinaram com o verdadeiro jeito de gostar da vida, cansam-se, ficam

tristes ou então fingem alegria o que ainda é mais idiota do que ser

sinceramente triste. Eu não posso compreender um homem de gabinete

e vocês todos, do Rio, de Minas, do Norte me parecem um pouco de

gabinete demais. (...) Você é uma sólida inteligência e já muito bem

mobiliada... à francesa (ANDRADE, 2002, p. 46-50).

Essa resposta, escrita em 10 de novembro de 1924, faz menção direta a um artigo

que Drummond lhe enviara em carta, que inicia o diálogo epistolar, cujo tema era Anatole

France, um “velho vício dos brasileiros” (ANDRADE, 2002, p. 40). Mário destaca que,

diante do artigo produzido pelo itabirano, pôde perceber que lhe faltava “espírito de

mocidade brasileira” (ANDRADE, 2002, p. 50, grifo do autor), levando o autor de

Pauliceia desvairada a fazer-lhe um apelo nessa mesma correspondência: “Carlos,

devote-se ao Brasil, junto comigo. Apesar de todo o ceticismo, apesar de todo o

pessimismo e apesar de todo o século 19, seja ingênuo, seja bobo, mas acredite que um

sacrifício é lindo” (ANDRADE, 2002, p. 51).

97

Com o Modernismo, Mário queria “dar uma alma ao Brasil” (ANDRADE, 2002,

p. 51) e gostaria que Drummond se juntasse a ele nessa empreitada, embora soubesse que,

para o mineiro, essa seria uma tarefa mais árdua do que em comparação aos outros

escritores. Isso porque, segundo o paulista, Drummond estava sofrendo do mal do

despaisamento provocado pelas leituras de obras particulares da literatura estrangeira, que

costumavam macaquear a representação dos seres primitivos (SANTIAGO, 2007, p. 16)

e criar raízes prejudiciais em quem as tomava como parâmetro. Essa atitude, nas palavras

de Mário, era fatal “num país primitivo e de pequena tradição como o nosso”

(ANDRADE, 2002, p. 70).

Sem dúvida, o maior conflito entre os amigos era a questão da nacionalização da

arte e a dificuldade que Drummond tinha em criar raízes afetivas e literárias com o Brasil.

Na 3ª carta, datada de 22 de novembro de 1924, o nome do decadentista francês volta à

cena em um discurso drummondiano tão sincero quanto melancólico, que só poderia ser

confiado a um amigo disposto a ouvir tudo:

Não sou ainda suficientemente brasileiro. Mas, às vezes, me pergunto

se vale a pena sê-lo. Pessoalmente, acho lastimável essa história de

nascer entre paisagens incultas e sob céus pouco civilizados. Tenho uma

estima bem medíocre pelo panorama brasileiro. Sou um mau cidadão,

confesso. É que nasci em Minas, quando devera nascer (não veja

cabotinismo nesta confissão, peço-lhe!) em Paris. O meio em que vivo

me é estranho: sou um exilado. (...) Sabe de uma coisa? Acho o

Brasil infecto. (...) Detesto o Brasil como a um ambiente nocivo

à expansão do meu espírito. Sou hereditariamente europeu, ou

antes: francês (ANDRADE, 2002, p. 56-59).

Ainda assim, Drummond sabia que, para a resolução do paradigma universal x

nacional, essa mesma tradição francesa à qual era apegado teria de ser renunciada. Cada

um dos jovens mineiros haveria de “deseducar-se” como podiam para se unirem à

empreitada da nacionalização da arte. A Drummond caberia, antes, convencer-se a si

mesmo da necessidade dessa renúncia a fim de, posteriormente, ajudar a convencer aos

outros que deveriam “repudiar a experiência europeia” (ANDRADE, 2002, p. 59).

Finaliza a carta reconhecendo que a leitura de Pauliceia desvairada o inspirou a produzir

versos com as ideias modernistas que ainda relutava em aceitar e envia esses poemas48 ao

amigo paulista, sempre ansioso por sua opinião.

48 Em nota, Silviano Santiago deduz, pelos comentários em cartas posteriores, que os poemas enviados

foram “Política”, “Construção”, “Nota social”, “Sentimental”, “No meio do caminho” e “Passa uma

aleijadinha” (SANTIAGO apud ANDRADE, 2002, p. 64).

98

Obviamente, o tópico “nacionalismo” não se limitou a essas três

correspondências. Ainda em 1924, em carta sem dia e mês especificados, Mário insiste

que o nacionalismo é, simplesmente, “ser nacional” (ANDRADE, 2002, p. 70) – ou,

melhor, apenas ser –, acrescentando que Drummond ainda não pode ser porque enfrenta

o drama do despaisamento. Reforçando o fato de que o mineiro dá preferência à arte em

detrimento da vida, apresentando ainda muita inteligência de gabinete para se entregar ao

lirismo, o paulista lhe faz outro pedido: “Você faça um esforcinho pra abrasileirar-se.

Depois se acostuma, não repara mais nisso e é brasileiro sem querer” (ANDRADE, 2002,

p. 71).

Seguindo a leitura, vamos nos deparando com um Drummond cada vez mais

interessado no que Mário e o Modernismo tinham a oferecer; além dos diálogos sobre

poemas do paulista e do itabirano, Drummond também costumava pedir ao amigo

exemplares de periódicos modernistas, como a Klaxon. Embora permanecesse aflito com

o dilema do pertencimento e do nacionalismo, a sequência das correspondências

transparece um jovem poeta se desvinculando das amarras do simbolismo tardio enquanto

caminhava, gradual e trabalhosamente, para uma dicção modernista.

As cartas de 1925 – mesmo ano da publicação de A Revista – comprovam essa

evolução de espírito por que passava Drummond. A temática da apreciação e do

pertencimento ao Brasil permanece intrínseca à conversa dos dois amigos, mas, nesse

ponto, se não podemos dizer que o mineiro atendia a todas as solicitações de Mário,

certamente podemos afirmar que Drummond estava muito mais próximo ao Modernismo

e à sua terra como nunca:

Ah! Quando penso que também eu andei a esmo pelos jardins

passadistas, colhendo e cheirando flores gramaticais, e bancando

atitudes de sabedoria! Pois veio o imprevisto e me expulsou do jardim.

Você, com duas ou três cartas valentes acabou o milagre. Creio agora

que, sendo o mesmo, sou outro pela visão menos escura e mais amorosa

das coisas que me rodeiam. Respiro com força. Berro um pouco.

Disparo. Creio que sou feliz! (ANDRADE, 2002, p. 95).

Caminhando para fora dos jardins penumbristas, Drummond também mandou “ao

diabo as atitudes literárias” (ANDRADE, 2002, p. 131), fazendo com que Mário

escrevesse, em 23 de agosto de 1925, que naquele momento o itabirano conseguiria

compreender seu conceito de ser: ser em relação à humanidade, ser em relação à família

e ser em relação a si mesmo (ANDRADE, 2002, p. 140). Diante disso, explica o paradoxo

resultante dessa mudança de perspectiva:

99

Engraçado: pela própria evolução que observo em mim, acho que agora

que você abandonou as atitudes literárias você tem mais possibilidades

de ser um bom literato. (...) Acho que agora você está em melhores

condições de ser literato bom porque apesar de teorias e teorias de que

já ando farto o que eu vejo nos artistas fecundos, não digo artistas

grandes, é total abandono das atitudes literárias e apego a atitudes vitais.

São seres de relação e por isso são, muito mais que os outros

(ANDRADE, 2002, p. 140, grifo do autor).

O mal do jovem passadista era não ter vontade de viver, enchendo-se de literatices

sem provar nada relacionado à existência, ao humano – era a literatura de gabinete,

“anatoleante”. Era preciso ser e viver para que a poesia pudesse ter esse gosto de vida de

que tanto Mário falou em suas cartas entusiasmadas. Alheio à sua realidade, as

composições penumbristas de Drummond constituíam-se de versos que não foram

vividos e, portanto, que permaneceram bem distantes dos homens. Para o paulista, o

lirismo estava intrinsecamente relacionado a tirar da substância brasileira o alimento vivo

do poema, atitude que Drummond atribuiu à reunião publicada em 1930.

Não podemos negar, certamente, a influência do estilo de escrita de Mário na

construção dos versos modernistas de Drummond, que chegou a fazer correções em

determinados versos após as sugestões apontadas pelo paulista em carta49 na qual comenta

alguns poemas que integrariam Alguma poesia50. Ainda assim, o maior impacto desses

seis anos iniciais de contato entre os dois escritores é, sem dúvida, o convite à apreciação

do Brasil e da modernidade, caminho alumbrado por Mário, mas adaptado por Drummond

à sua própria poética.

Dessa forma se segue a conversa epistolar até 1930 – Drummond expondo a sua

“absoluta necessidade” (ANDRADE, 2002, p. 317) dos conselhos do amigo e Mário

reforçando que poderia apresentar as ideias e os dados, mas a resolução precisaria vir do

mineiro (ANDRADE, 2002, p. 322). O diálogo materializa não só a importância que o

paulista dava ao estímulo de uma consciência literária crítica, longe de mimetismo, como

também a crença de que aguçava com seus “empurrõezinhos” algo que já estaria dentro

de Drummond:

49 1º de agosto de 1926. 50 Já foi comentado, no Capítulo II, que Drummond envia, em carta do dia 3 de junho de 1926, um montante

de poemas dividido em duas partes: poemas de viés penumbrista, a maior parte reunidos em Os 25 poemas

da triste alegria, e outros modernistas, sob título de “Minha terra tem palmeiras”, dos quais 20 integrariam

Alguma poesia em 1930. Além de as cartas a respeito desses versos demonstrarem um intenso debate acerca

de questões estilísticas, como a sugestão da supressão de pronomes possessivos em excesso, as missivas

também evidenciam que uma boa parte do livro de estreia de Drummond foi produzida pouco tempo depois

do encontro dos mineiros com a caravana paulista em Belo Horizonte, no ano de 1924.

100

(...) tudo é influência neste mundo. Cada indivíduo é fruto de alguma

coisa. Agora, tem influências boas e tem influências más. Além do mais

se tem que distinguir entre o que é influência e o que é revelação da

gente própria. (...) Se os meus exemplos declancharam alguma coisa em

você, se lembre sempre que você nunca me olhou com mimetismo nem

servilismo graças-a-Deus, porém me critica, me pesa, escolhe e ama o

que é também seu. (...) Se você já tem coragem de escrever “de

repentemente” tão brasileiramente, lembre que isso não é meu nem de

ninguém, é brasileiro. (...) Como sou mais velho resolvi já algumas

equações. Então mostro não o resultado, mas como fiz elas. E depois,

Drummond, quando a gente se liga assim numa amizade verdadeira tão

bonita, é gostoso ficar junto do amigo, largado, inteirinho nu. As almas

são árvores. De vez em quando uma folha da minha vai avoando poisar

nas raízes da de você. Que sirva de adubo generoso. Com as folhas da

sua, lhe garanto que cresço também (ANDRADE, 2002, p. 116-118).

Apesar de todo esse contato com Mário ter amadurecido a dicção modernista de

Drummond, é necessário ressaltar que nem todas as lições do amigo-professor paulista

foram assimiladas pelo itabirano, sobretudo porque os dois Andrades entendiam a

substância do fazer poético de maneira muito distinta. Assim, enquanto Mário “manteve

uma visão da poesia que separava a inspiração, de um lado, e, do outro, o seu uso pelo

escritor consciente do que deseja fazer com ela” (GLEDSON, 2003, p. 71), Drummond

se solidificava como um poeta mais lírico que racional.

Daí o fato de muitos poemas de Alguma poesia, que foram elaborados sob

influência da leitura de Pauliceia desvairada, realmente demonstrarem certa filiação

estética a Mário – rimas internas, exclamações, tom de conversa –, mas não repetirem

exatamente, por exemplo, a mesma postura incisiva quanto à estilização do português

brasileiro. De todos os paralelos que podem ser traçados entre essas duas obras, Gledson

(2003) ressalta o mais interessante: do aspecto duplo da persona de Mário – ora

identificada com a cidade, ora afastada dela – é que Drummond tirou o eu “distanciado”

de Alguma poesia.

Nesse sentido, o uso do detalhe autobiográfico em diversos poemas dessa reunião

drummondiana impossibilita a identificação da persona construída por Drummond, na

medida em que ressalta o “quão indefinível é o poeta” (GLEDSON, 2003, p. 83). Assim,

após analisar os poemas “Bucólica no caminho do Pontal” e “Explicação”, o crítico nos

explica:

Em muitos aspectos, a persona de Drummond é obviamente semelhante

ao palhaço contraditório de Mário (...). Mas embora tomando

emprestado de Mário o tom leviano e de conversa, Drummond não

assume a preocupação com a identificação com a cidade e a sociedade,

nem afirma a natureza representativa desse palhaço, ambos aspectos

101

cruciais da persona de Paulicéia. O uso do detalhe autobiográfico em

ambos os poemas é um aspecto disso, pois neutraliza qualquer

possibilidade de identificação. A persona de Drummond, como ela

aparece, ou melhor, como foi se desenvolvendo ao longo da

composição dos poemas de Alguma poesia, retém a fugacidade e o

caráter contraditório de Mário (GLEDSON, 2003, p. 83).

Assim como existe uma autenticidade no estilo drummondiano, o Modernismo

mineiro também desenvolveu marcas próprias. Segundo Ivan Marques (2011), o

movimento em Minas adquiriu feição particular, sobretudo porque as condições

sociológicas da sociedade histórica mineira, extremamente diferentes das de São Paulo,

interferiram nas produções literárias, corroborando peculiaridades à dicção modernista

dos rapazes de Belo Horizonte (MARQUES, 2011, p. 24).

Analisando como a condição específica do meio repercutiu no Modernismo de

Minas, Marques (2011) conclui que o movimento em Belo Horizonte nasceu do encontro

entre o velho e o novo, o urbano e o rural. A dicotomia tradição e vanguarda – tão

presente na literatura dos jovens mineiros – materializava a angústia de intelectuais

afeitos ao passado histórico, mas ansiosos por uma renovação artística. Logo,

Desse convívio entre o novo e o velho é que se nutre, em grande parte,

a estética modernista. Daí ser comum que ela floresça em locais

atrasados – nos terrenos pedregosos em que a novidade irrompe da

própria repetição. Modernista e passadista, atualizado e provinciano, o

vanguardismo dos rapazes de Belo Horizonte nasce do encontro de

tempos que define o modernismo em todas as épocas e lugares. No

contexto brasileiro, o embate entre a cultura urbana e a herança rural

marca essencialmente não só o modernismo, mas a própria formação

social do país. Afinal, concluiremos que tudo são partes da mesma

história (MARQUES, 2011, p. 47).

O duplo tradição-vanguarda também norteava as páginas do Diário de Minas,

periódico conservador vinculado ao Partido Republicano Mineiro e que trazia, em seção

intitulada “Crônica social”, poemas de viés parnasiano-simbolista ao lado de

contribuições associadas às novas diretrizes da arte moderna. Como Drummond e outros

rapazes do “Grupo do Estrela” participavam do jornal, tão logo o Diário se tornou uma

espécie de “quartel-general” do Modernismo mineiro (ANDRADE, 1987, p. 82), cuja

redação serviu de “laboratório de onde emergiu” (MARQUES, 2013, p. 50) A Revista,

terceiro periódico do movimento que tratava de arte e de política.

Com apenas três números lançados, de julho de 1925 a janeiro de 1926, A Revista

tinha essência diplomática. Na contramão do “choque” a que Klaxon se predispusera, por

exemplo, o periódico de Minas apresentava ao público as novas perspectivas da arte de

102

“de forma comedida” (MARQUES, 2013, p. 50). Misturavam modernismos e

passadismos como bem alertavam os editoriais dos dois primeiros números da revista –

“Para os céticos” e “Para os espíritos criadores” –, escritos, respectivamente, por

Drummond e Martins de Almeida. Assim, reforçavam seu desejo de “não querer atirar

pedras ao passado” (ALMEIDA, 1925, p. 11) praticando uma reforma estética que

pudesse valorizar a herança deixada pelas gerações anteriores.

No prefácio à edição fac-similar de A Revista, Nava (1978) menciona que a

caravana paulista e o posterior contato epistolar com Mário de Andrade agitaram os belo-

horizontinos, impulsionando-os a lançar um veículo informacional que representasse a

feição particular do grupo. De fato, inúmeros são os momentos em que, nas missivas com

Drummond, o paulista incentiva a publicação do periódico, chegando a enviar, para o

primeiro número da revista, trecho inédito de seu posterior livro Amar, verbo intransitivo.

Quanto ao vanguardismo-passadismo, Mário tinha uma sugestão:

(...) botem bem misturado o modernismo bonito de vocês com o

passadismo dos outros. Misturem o mais possível. É o único meio da

gente fazer do público terra-caída amazonense. E isso é que é preciso.

Ele pensa que está firme no passadismo e de supetão vai indo de

cambulhada, não sabe e está se acostumando com vocês (ANDRADE,

2002, p. 142).

Infelizmente, A Revista não teve fôlego para seguir adiante. Conforme Drummond

conta na conversa radiofônica (1987), o fim da década de 1920 significou a diáspora do

“Grupo do Estrela” (ANDRADE, 1987, p. 75), na medida em que a maioria dos jovens

vinham do interior e voltaram para suas cidades após se formarem, seguindo suas vidas.

De início “natural”, também foi, em certa medida, inconsciente a dispersão do movimento

em Belo Horizonte, cuja maior expressão ficou a cargo do próprio itabirano ao representar

ao Modernismo “complexidade psicológica, densidade de pensamento e ampliação

intelectual” (MARQUES, 2011, p. 13).

4.2 O homem que espia a vida: o Modernismo de Alguma poesia

Em uma crônica cujo intuito era realizar uma singela autobiografia e que integra

o volume Confissões de Minas, Drummond, ao descrever o que pensava a respeito de sua

produção poética, dividiu em fases o lançamento de seus livros, sugerindo evolução entre

as publicações e, obviamente, entre os poemas que compõem essas reuniões. Sob esse

aspecto, o poeta declara que Alguma poesia, de 1930, “traduz uma grande inexperiência

103

do sofrimento e uma deleitação ingênua com o próprio indivíduo” (ANDRADE, 2011, p.

68), de certa maneira resumindo o livro a uma de suas principais características: o

autobiografismo confessional.

De forma semelhante reagiu uma grande parte da crítica literária especializada em

Drummond, que insistiu, por décadas, na teoria de que Alguma poesia, com seu

individualismo e humor modernista apurado, serviu apenas de alçamento para a

construção de uma poesia mais madura, política e coletiva, como a da década de 1940 –

a saber, Sentimento do mundo e A rosa do povo. Essas posições, entretanto, suprimem e

desvalorizam o aspecto multifacetado dos poemas lançados em conjunto em 1930, muitas

vezes desconsiderando a maturidade poética reconhecível já em sua “estreia”51.

Felizmente, há um outro conjunto de críticos que legitima não só a qualidade dos

versos lançados no primeiro livro de Drummond, mas também a heterogeneidade de

temas, estilos e técnicas – aspectos presentes em Alguma poesia assim como em outros

volumes. É o caso, por exemplo, de Marlene de Castro Correia (2015), ao afirmar que

certos versos do livro de 1930 antecipam atitudes poéticas que acompanham toda a obra

drummondiana. Assim nos escreve sobre o símbolo da pedra, eternizado no polêmico “No

meio do caminho”:

O que no poema de 1928 poderá ter sido premonição de Drummond

quanto ao desenvolvimento de sua obra parece aflorar ao nível da

consciência no “Legado” de 1948-1951: a pedra no meio do caminho

como sinal da concepção e execução de sua poesia, do relacionamento

contundente entre leitor e texto, e como sinal de uma autobiografia

poética traumatizada e dramatizada por contínuos questionamentos,

tensões e desconfianças (CORREIA, 2015, p. 47).

Reconhecendo a maturidade poética demonstrada por Drummond em Alguma

poesia, Eucanaã Ferraz se une à Marlene de Castro Correia na afirmação da pluralidade

de faces existente no livro. Define, portanto, que na reunião presenciamos “um ponto alto

da liberdade modernista e surpreendente habilidade – nata sim, mas igualmente

conquistada – para a gesticulação do imaginário e da escrita” (FERRAZ apud

ANDRADE, 2013, p. 98), culminando na capacidade de “aproximar com destreza a

melancolia, a irrisão, o desânimo, o vigor, a timidez, a confissão, a sensualidade”

(FERRAZ apud ANDRADE, 2013, p. 99).

51 Estreia em livro, uma vez que Drummond, ao longo da década de 1920, já havia publicado em dezenas

de revistas e periódicos, inclusive cariocas e paulistas. Vale lembrar que o icônico “No meio do caminho”

integrou o primeiro número da Revista de Antropofagia, dois anos antes do lançamento de Alguma poesia.

104

Comentando o “Poema de sete faces”, Ivan Marques (2011) traça um paralelo

entre as fisionomias fragmentadas do poema e toda a maleabilidade das faces notada no

livro. Mais uma vez, o estudo foge ao duplo simplista individualismo/ironia e apresenta

um posicionamento que endossa a visão de Ferraz (2013) e de Marlene de Castro Correia

(2015):

Verso livre, “palavras em liberdade”, descontinuidade, enumerações

caóticas, técnicas de montagem, mistura de gêneros e de estilos etc. (...)

Por todo o livro se irradiam as marcas da instabilidade. Os demais

poemas também apresentam múltiplos temas, estilos e inflexões. O

leque vai do epigrama à confissão, da memória sentimental à crônica

do cotidiano, do nacionalismo à temática amorosa (MARQUES, 2011,

p. 55).

A flexibilidade, portanto, está no bojo de Alguma poesia e reflete uma absurda e

trabalhosa adequação de Drummond aos ideais da arte moderna. Lançado apenas em

1930, o livro reúne poemas elaborados ao longo de, pelo menos, 7 anos – isto é, quase a

totalidade da década de 1920. Em certa medida, a matéria pessoal das cartas trocadas

entre Drummond e Mário de Andrade serve-nos como uma importante chave para a

leitura desses poemas e a compreensão dos difíceis e tortuosos caminhos percorridos pelo

itabirano para que chegasse a composições de uma poética heterogênea, mas tão somente

dele.

Como peça que integra o panorama do Modernismo brasileiro, deve-se frisar que

Drummond, em Alguma poesia, adere com parcimônia e relativização aos programas

propostos pelo movimento. Vista sobretudo no aspecto formal e estilístico do livro, a

influência dos ideais do movimento se materializa na adoção do experimentalismo na

linguagem e na estrutura composicional dos poemas, estimulado pela liberdade inerente

à concepção de arte moderna. Daí o gosto pelo prosaico, pela comicidade, por uma

linguagem poética mais próxima à fala, pelo verso livre e por outras atitudes de

vanguarda.

Em contrapartida, certas opções mais exaltadas, adotadas por alguns modernistas

– como o princípio antropófago de Oswald de Andrade e a estilização exacerbada do

português brasileiro de Mário de Andrade em Pauliceia desvairada –, ficaram de fora da

reunião de 1930 e sequer apareceram em qualquer outra obra do poeta mineiro. Isso se

deve, sobretudo, à relação crítica e consciente que Drummond estabeleceu com as suas

matrizes de influência modernista, fazendo com que o itabirano realmente se filiasse ao

105

movimento, mas impregnando em seus versos uma marca que borra os limites entre o

poético e o pessoal, entre a ficção e a biografia.

Desse modo, é perceptível que, em Alguma poesia, foi amalgamada às qualidades

do movimento uma série de traços particulares do poeta, corroborando especificidades

importantes no trato da poesia modernista. A título de exemplo está o humour

drummondiano, que extrapolou os limites dos poemas-piada com sua feição mais

sombria, melancólica e irônica. Deve-se mencionar, ainda, que, sob o véu da sátira e do

cômico, há importantes reflexões, muitas delas, inclusive, de cunho social e político.

Acrescentemos ao humour drummondiano a questão da matéria pessoal,

culminando numa poesia de tom confessional porque autobiográfica e muitas vezes

memorialista. O mergulho no detalhe biográfico pela transformação do poeta em

personagem de sua própria obra foi o responsável pela criação de um “eu” extremamente

particular – o gauche –, tornando-se, a um só tempo, atitude estética e existencial. A

temática do desajuste/gauchismo demonstra a sua mais bela e dolorosa face nos embates

entre o sujeito e o mundo, a província e a metrópole.

Impregnado, pois, de ficcionalização da vida pessoal do poeta, Alguma poesia,

conforme aponta Mário de Andrade no ensaio “A poesia em 1930” (1974), apresenta de

fato particularidades interessantes. Chamando de “o sequestro da vida besta”, Mário

enxerga a luta existente entre o poeta provinciano e as modulações da vida contemporânea

e urbana como um dos valores artísticos mais importantes do livro. Ao adquirir “uma

consciência penosa da sua inutilidade pessoal e da inutilidade social e humana da ‘vida

besta’” (ANDRADE, 1974, p. 36), Drummond teria conseguido “poetificar melhor, fazer

disso mais lirismo e mais poesia” (ANDRADE, 1974, p. 36).

Apesar dessa dicção modernista particular, não se pode negar que há por todo o

livro ressonâncias do lirismo penumbrista. A herança provinciana ajuda nesse sentido: a

referência à simplicidade da “vida besta” faz alusão direta à busca pelo cotidiano humilde

tão trabalhada nos livros de Ribeiro Couto, por exemplo. A atitude contemplativa e o tom

melancólico ainda podem ser percebidos em Alguma poesia, porém sob nova roupagem.

Sempre espiando a vida está um eu “contemplativo irônico”52, que, devido ao seu

desajustamento, observa tudo com a perspectiva de quem está de fora, daí a sensação de

que esse sujeito mais veja a vida do que de fato a viva.

52 Mário usa essa expressão para se referir a Drummond em uma de suas cartas (ANDRADE, 2002, p. 373).

106

Os ecos penumbristas, obviamente, não prejudicam o sentimento de descida total

do Parnaso que Alguma poesia nos causa em comparação à leitura dos poemas de Os 25

poemas da triste alegria, construídos sob a égide do alheamento. Ainda que Drummond

não tenha seguido completamente todas as “lições” do amigo-professor Mário de

Andrade, seu primeiro livro publicado evidencia que o itabirano tomou consciência do

papel do poeta e de sua poesia em face ao seu tempo e meio. Convocado à modernidade

e à comunhão com os homens de seu país, Drummond tratou de aceitar o convite à sua

própria maneira.

4.2.1 “Vai, Carlos! ser gauche na vida”

Como já mencionado, o livro de estreia do itabirano inicia um percurso de escrita

marcado por diversas e complexas elaborações estéticas e tensionamentos poéticos,

dentre os quais devemos destacar a figura do gauche – identidade forjada pelo poeta – e

a sua relação com o espaço que a cerca. Marca de fundamental importância em toda a

trajetória poética do escritor, o gauche de Alguma poesia rende à temática do

desajustamento – do poeta, do homem – tão trabalhada na literatura ocidental uma nova

perspectiva calcada em uma comicidade dramática que só o humour específico da escrita

desse Drummond de 1930 pode proporcionar à poesia.

É a partir dessa peculiar fusão do dramático com o cômico que Drummond, de

distintas maneiras na obra inaugural, tece o embate entre a figura do gauche e o seio

familiar, o campo e a cidade, numa escrita que, muitas vezes, não se sabe, por seu caráter

de indistinção, se está voltada ao registro autobiográfico ou se aponta para a percepção

de exílio sentida pelo itabirano enquanto poeta.

Em Carlos Drummond de Andrade: análise da obra (1980), Affonso Romano de

Sant’Anna ressalta esse duplo com que a personagem gauche de Drummond foi elaborada

dividindo sua análise em duas seções interessantes: “o gauche enquanto artista” e “o

artista enquanto gauche”. Claramente, enquanto a primeira se refere à personagem

gauche como uma identidade que expõe a tentativa do poeta em eliminar as barreiras

entre o artista e a realidade, a segunda diz respeito ao que penetra “pela biografia do

indivíduo enquanto ser social” (SANT’ANNA, 1980, p. 25). Por baixo da camada de

humor corrosivo que será investida nessa dupla projeção, então, é possível trazer à tona

uma dura, brutal e até mesmo feroz consciência de desajustamento vivido por essa

personagem a partir do momento em que se percebe como não pertencente à realidade em

107

que está inserida, fazendo com que a identidade gauche seja o próprio Cabo das

Tormentas drummondiano, porque transforma em conflituosa e tensa a travessia pela vida

e pela poesia.

Caracterizado como uma figura que representa um duro e contínuo

desajustamento entre o Eu e o Mundo, o gauche drummondiano assumirá várias faces ao

longo de toda a obra do poeta, ressignificando, em cada nova face, o abismo existente

entre essa identidade e a realidade que a cerca. É possível dizer, nesse sentido, que o

gauche de Alguma poesia não é o mesmo visto em Boitempo, mas, por ser a primeira

representação dessa personagem de suma importância, é inevitavelmente responsável

pelas transformações a que essa identidade é submetida no decorrer da solidificação da

obra do mineiro.

Trabalhar a imagem gauche em Drummond, seja em qual livro for, significa

também levar em consideração o brilhante – e talvez mais significativo e profundo –

estudo sobre essa personagem já feito na tradição crítica brasileira. Sob esse aspecto, a

obra de Affonso Romano de Sant’Anna (1980) nos ajuda a compreender a inserção dessa

identidade nos poemas do itabirano, bem como a guiar nossa percepção à existência de

várias fases por que passou o gauchismo no decurso dessa poética. Definindo a primeira

aparição da personagem em Alguma poesia como um “ser embrionário”, Sant’Anna

afirma que

O personagem que assim se apresenta, malgrado o disfarce irônico, aos

poucos vai mostrando as diversas faces de seu conflito: o gauche

psicológico e sentimental, o displaced geográfica e culturalmente, o ex-

cêntrico literário e social. Esses dados, presentes já na primeira fase,

informam a constituição de um tipo estruturalmente antitético, que mais

tarde derivaria para um gauche metafísico procurando solucionar

dialeticamente seus conflitos. Seja qual for a variante sob a qual se

apresenta o gauche, ele sempre se articula como uma dramatis personae

(SANT’ANNA’, 1980, p. 39, grifos do autor).

Realizada a leitura de Alguma poesia, fica difícil não concordar com o crítico: o

abismo existente entre o Eu (o gauche) e o Mundo nessa obra inaugural será refletido,

sobretudo, na sensação de desajuste com o seio familiar, com o cenário social da época e

com o espaço geográfico em que essa identidade estava inserida ou no qual gostaria de se

inserir, materializando, por exemplo, o conflito metrópole versus província. Nessas

diferentes facetas por que se apresenta esse conflito entre a personagem e o mundo na

obra de 1930, é inegável a existência do que Sant’Anna (1980) chamará de “estrato

psicológico” da obra, corroborando um apontamento feito por Mário de Andrade (1974):

108

“A análise de Alguma poesia dá bem a medida psicológica do poeta. Desejaria não

conhecer intimamente Carlos Drummond de Andrade pra melhor achar pelo livro o

tímido que ele é” (ANDRADE, 1974, p. 33).

Assim, Sant’Anna (1980) e Andrade (1974) teorizam que Drummond internalizou

no gauche alguns de seus traços psicológicos, por meio dos quais foi construída,

esteticamente, uma personagem que aponta para questões biográficas do escritor e para a

sua persona excêntrica e tímida enquanto poeta. Sant’Anna, então, conclui:

O gauche tímido que a tudo assiste a distância é a tomada de

consciência do poeta de sua própria constituição psicológica. Sendo, no

entanto, uma projeção, é um ser diferente do autor, porque é a

idealização daquilo que o autor pensa que um gauche é. Autor e

personagem se alternam e se mesclam no mesmo contexto. O

personagem gauche é a projeção de uma personalidade tal qual ela se

imagina enquanto gauche (SANT’ANNA, 1980, p. 23, grifos do autor).

A personalidade projetada a que Sant’Anna (1980) faz menção aparece logo no

poema que abre Alguma poesia. Emblemático e fundamental para a compreensão desse

“primeiro” gauche, “Poema de sete faces” dramatiza de forma irônica o desajustamento

e a fragmentação do Eu diante da realidade e marca o nascimento desse ser desarticulado:

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens

que correm atrás de mulheres.

A tarde talvez fosse azul,

não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:

pernas brancas pernas pretas amarelas.

Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

Porém meus olhos

não perguntam nada.

O homem atrás do bigode

é sério, simples e forte.

Quase não conversa.

Tem poucos, raros amigos

o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste

se sabias que eu não era Deus

se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,

se eu me chamasse Raimundo

109

seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo,

mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer

mas essa lua

mas esse conhaque

botam a gente comovido como o diabo.

(ANDRADE, 2013, p. 11-12)

Pela leitura da primeira estrofe pode-se compreender o que talvez tenha motivado

Drummond a escolher “Poema de sete faces” como abertura de Alguma poesia. Nesse

sentido, o primeiro poema assim como o primeiro livro marcam o nascimento dessa

identidade tão importante para a sua obra, além de indicar, ao cenário das letras, o também

nascimento de um poeta que se sentia desarticulado ao espaço intelectual em que produzia

– reafirmando a figura de escritor tímido e excêntrico –, sensação que parece tê-lo

acompanhado em todo o seu percurso literário. A simbologia da gênese, então, aparece

no primeiro conjunto de versos imbricada numa atmosfera de falta de luminosidade que

beira à maldição: o gauche nasce a partir da condenação de um anjo torto que vive às

sombras.

A perspectiva de errância acentuada pela semântica das palavras escolhidas pelo

escritor – “torto”, “sombra” – coaduna-se ao duplo “Carlos”, com quem o poeta mantém

diálogo, confirmando que a personagem gauche que acabara de nascer, dentre as várias

“faces” que pode assumir, representa nessa obra uma projeção do próprio itabirano

enquanto ser social e poeta, ambos desarticulados. Isso fica muito claro se observada a

atitude contemplativa do eu lírico diante das cenas cotidianas expostas nas segunda,

terceira e quarta estrofes.

Fadado à exclusão promovida pela incapacidade de se relacionar com a vertigem

da dinâmica urbana, o gauche vira espectador da vida, assistindo “de fora”, aparentemente

sem muito interesse, o que se passa “dentro” desse mundo que comporta todos, menos o

condenado pelo anjo torto: “O bonde passa cheio de pernas: pernas brancas pernas pretas

amarelas./ Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. Porém meus olhos/

não perguntam nada.” (ANDRADE, 2013, p. 11).

Essa condição de espectador da vida, se levarmos em consideração a crítica de

Sant’Anna (1980), é o que permite o surgimento de um discurso irônico e cômico.

Partindo do pressuposto de que a ironia é bem estabelecida por aqueles que se postam

fora da cena, isto é, fora do conflito, o teórico entende que a insociabilidade do gauche

junto à sua insensibilidade como espectador são peças fundamentais para traduzir o que

110

enxerga a partir de uma esfera cômica e crítica. Como se o poeta quisesse atingir algo ou

alguém usando como artimanha esse discurso irônico, Sant’Anna (1980) ressalta que a

ironia “em seus livros iniciais corresponde a um recurso, posto em voga durante os

primeiros anos de Modernismo, através do qual se fazia a crítica e autocrítica de uma

cultura” (SANT’ANNA, 1980, p. 60).

Na esteira desse raciocínio, as segunda, terceira e quarta estrofes transfiguram-se

em claras críticas e ríspidas observações acerca dos costumes da época e da realidade

socioeconômica de seu tempo. Assim, respectivamente, a denúncia da busca pela

concretização dos desejos sexuais masculinos, a observação do inchaço urbano

característico da modernidade e a exposição da seriedade da figura do burocrata solitário

evidenciam o cenário peculiar das primeiras décadas do século XX e o juízo de valor que

esse ser desajustado faz daquilo que vê.

Deve-se ressaltar, entretanto, que a comicidade empregada ao longo dos versos –

a qual desemboca numa sétima e última estrofe em tom de epílogo sentimental-irônico –

não faz desaparecer a dura e angustiante percepção de desajustamento sentida pelo

gauche. Por baixo da camada de humor corrosivo empregado no poema, a preocupação e

o sofrimento causados por essa feroz consciência de desarticulação diante da realidade

acompanham toda a composição, acentuando-se na apóstrofe inserida na quinta estrofe

que marca tanto a sensação de abandono quanto a certeza da fragilidade desse ser de

existência à esquerda: “Meu deus, por que me abandonaste/ se sabias que eu não era Deus/

se sabias que eu era fraco” (ANDRADE, 2013, p. 11).

Em Verso e Universo em Drummond (2012), José Guilherme Merquior recupera

a idealização do Poeta como um gênio incompreendido e solitário extremamente

difundida entre os escritores do século XIX, como Mallarmé e Baudelaire, a fim de fazer

uma comparação às atitudes do gauche drummondiano em “Poema de sete faces”. Na

construção dessa associação, Merquior chega à conclusão de que o gauchismo do

itabirano se insere na tradição dos que trabalham o tema do desajuste, mas subverte o

cenário trágico de incompreensão e exclusão desse poeta-gênio, porque transforma, pelo

humor, esse “pathos tragicizante” (MERQUIOR, 2012, p. 36) em perspectiva grotesca.

Ao subverter o topos do poeta maldito, Drummond constrói um novo perfil de

identidade desajustada e, à sua maneira, vai desenhar, pelo menos nessa obra inaugural,

uma personagem que de soberana não tem nada. Assim, tendo em vista as seis diferentes

classes de escritores que produzem literatura propostas por Ezra Pound em ABC da

111

literatura (1970)53, podemos certamente considerar o itabirano como figura pertencente

à categoria dos inventores, não só porque rompe com a tradição, mas porque cria uma

outra, no século XX, que marcará a sua obra e a literatura brasileira como um todo. Nesse

sentido, o caráter inovador do gauche drummondiano concebe o surgimento de uma

marca literária que insere o poeta no rol dos “homens que descobriram um novo processo

ou cuja obra nos dá o primeiro exemplo conhecido de um processo” (POUND, 1970, p.

42).

Deve-se pontuar, ainda, uma outra interessante representação do conflito Eu

versus Mundo materializada no distanciamento entre a imagem gauche e o seio familiar.

Sobre essa questão, “Infância” corrobora o gauchismo de nascença anunciado em “Poema

de sete faces” – e não por caso vem logo na sequência desta composição em Alguma

poesia – e afirma a permanência desse desajuste ao longo da vida do sujeito poético:

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.

Minha mãe ficava sentada cosendo.

Meu irmão pequeno dormia.

Eu sozinho menino entre as mangueiras

lia a história de Robinson Crusoé,

comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu

a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu

chamava para o café.

Café preto que nem a preta velha

café gostoso

café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo

olhando para mim:

– Psiu... Não acorde o menino.

Para o berço onde pousou um mosquito.

E dava um suspiro... que fundo!

Lá longe meu pai campeava

no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história

era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

(ANDRADE, 2013, p. 13)

Em tom de relato memorialístico, o sujeito poético inicia a cena da lembrança de

sua infância pela representação dos costumes e das tradições de sua família de origem

53 A saber: inventores, mestres, diluidores, bons escritores sem qualidades salientes, beletristas e lançadores

de modas.

112

rural, patriarcal e escravocrata. Por isso, é normal que, tal como é mostrado na primeira

estrofe, o pai, chefe da família, esteja trabalhando no campo enquanto a mãe, designada

a cuidar dos filhos e dos afazeres domésticos, apareça aí “sentada cosendo” (ANDRADE,

2013, p. 13). Em referência à monotonia característica no decorrer de um dia de uma

família de fazendeiros, essas ações – campear e coser – irão aparecer, novamente, nas

terceira e quarta estrofes, numa tentativa, quem sabe, de reafirmar por meio da linguagem

os papéis que cada figura estava assinalada a cumprir.

É a partir da descrição dos costumes dessa família que nos deparamos com a

primeira “face” do deslocamento do eu lírico presente nesse poema. Embora fruto de um

núcleo familiar voltado ao tratamento da terra e a todas as ações que derivam dessa

tradição, o sujeito poético, ainda menino, encontra-se sozinho, distante espacial – porque

observa da mangueira a cena cotidiana – e emocionalmente dessa realidade, na medida

em que não se encaixa naqueles costumes. No lugar de ir ao campo com o pai e trabalhar

a terra, o menino passa o dia lendo uma “história comprida que não acaba mais”

(ANDRADE, 2013, p. 13).

Cabe reparar na escolha do livro do menino. Propositalmente, a história que ocupa

as tardes de nosso gauche é a de Robinson Crusoé, náufrago que passa 28 anos perdido

em uma ilha deserta, longe de tudo que estava relacionado à sua vida. A referência ao

romance de Daniel Defoe parece ser justamente devido ao seu caráter de exílio: isolado

na ilha, Crusoé teve de reestabelecer seu estilo de vida estando à parte do mundo. Talvez

sentisse o menino um apreço por esta personagem, pois ambos estavam, verdadeira ou

metaforicamente, deslocados de sua realidade.

Fica perceptível neste ponto do poema o traço biográfico do autor sobreposto nos

versos. Ainda que não tenhamos a presença do duplo “Carlos”, marcando o diálogo do

poeta com ele mesmo, o teor da composição indica claramente a relação estabelecida

entre a poesia e a infância do itabirano. A confluência entre vida e literatura vista em

“Infância” apenas sinaliza uma das principais marcas da obra de Drummond: a

transformação de dados biográficos em tecido poético. A recorrente presença de Itabira –

cidade natal do poeta – na construção de sua poesia comprova esse interessante traço

estético.

Desse modo, o fato de Drummond não ter virado também um fazendeiro aos

moldes de seu pai, tornando-se, na verdade, um funcionário público e escritor, ajuda a

compreender o cenário de desajuste vivido pelo menino em sua infância no poema – isto,

é claro, levando em consideração que o poeta institucionaliza na imagem gauche um

113

“estrato psicológico”, recuperando Sant’Anna (1980) e as considerações já feitas neste

capítulo anteriormente. Dessa maneira, exilados dessa atmosfera ruralista e desse destino

patriarcal, encontram-se o menino Carlos e o gauche, aquele projetado neste.

Seguindo a leitura dos versos, o abismo existente entre o menino e a família fica

ainda mais evidente na segunda estrofe quando, em contraposição à objetividade com que

fala de seus pais e de seu irmão mais novo, é usado um tom extremamente subjetivo e

saudoso para inserir à cena a imagem da negra, possivelmente criada da família. O carinho

que sente pela “preta velha” (ANDRADE, 2013, p. 13) é sinestésico e perceptível pela

lembrança de seu café: “Café preto que nem a preta velha/ café gostoso/ café bom”

(ANDRADE, 2013, p. 13).

A falta de aproximação entre o eu lírico e o restante da família ainda é bem

acentuada na terceira estrofe. O único momento em que há um direcionamento do olhar

e da atenção da mãe para o menino surge em forma de repreensão; ainda que estivesse

quieto lendo, recebeu ordens para não acordar o irmão pequeno. O contraste de afeto dado

pela mãe aos dois filhos fica mais visível nos versos que seguem. “Para o berço onde

pousou um mosquito” (ANDRADE, 2013, p. 13), a mãe dá um longo suspiro, porque

talvez acreditasse que ali dormia quem pudesse, quando mais velho, dar prosseguimento

à tradição da família, uma vez que o nosso gauche já se encontrava em um estado de

deslocamento irreparável.

A quinta e última estrofe sela o fim da recuperação das memórias e o aparecimento

de um epílogo sentimental que nada tem de irônico se comparado ao escrito em “Poema

de sete faces”. A confissão feita pelo eu lírico, então, dentro da perspectiva temporal com

que é construído o poema, é introduzida no momento da recomposição dessas memórias

em versos e não no momento em que o menino vivia a sua infância. Isso explica o tom

de lamento do sujeito poético ao afirmar que não sabia, àquela época, que a sua história

“era mais bonita que a de Robinson Crusoé” (ANDRADE, 2013, p. 13).

Assim, ao marcarem o lamento pela descoberta tardia da beleza de sua história

ainda que tivesse vivido como um exilado daquela realidade rural e patriarcal em sua

infância, esses dois versos finais apontam para uma outra “face” do deslocamento do eu

lírico presente nesse poema. Enquanto a primeira “face” diz respeito à sensação de não

pertencimento a essa tradição familiar, a segunda põe em evidência um sujeito que

também vive deslocado diante do tempo.

Nesse sentido, deparamo-nos com um dos mais angustiantes impasses pelo qual

passa o gauche na obra do itabirano: não tendo desfrutado de sua infância e adolescência

114

devido ao seu contínuo desajuste, o gauche tenta, pelas lembranças evocadas no presente,

aproximar-se daquilo que não conseguiu viver de forma efetiva. Por isso, na poesia de

Drummond, é comum que, em paralelo à exposição da eterna sensação de deslocamento

sentida pelo eu lírico quando vivia no interior, exista a evocação constante do seu tempo

de província. Não é à toa, portanto, que o poeta configure Itabira como um retrato na

parede que dói permanentemente.

A dificuldade em achar um meio-termo em que possa se encaixar faz com que o

gauche viva sempre entre uma coisa e outra – problema que, geralmente, como já visto

até aqui, materializa-se entre o passado e o presente, a província e a metrópole. Essa

existência em uma “terceira margem” da vida é concretizada em vários outros poemas

que compõem Alguma poesia, mas vale destacar, por último, o conflito exposto em

“Explicação”:

(...)

Estou no cinema vendo fita de Hoot Gibson,

de repente ouço a voz de uma viola...

saio desanimado.

Ah, ser filho de fazendeiro!

À beira do São Francisco, do Paraíba ou de qualquer córrego vagabundo

é sempre a mesma sen-si-bi-li-da-de.

E a gente viajando na pátria sente saudades da pátria.

Aquela casa de nove andares comerciais

é muito interessante.

A casa colonial da fazenda também era...

No elevador penso na roça,

na roça penso no elevador.

(ANDRADE, 2013, p. 74-75)

É interessante notar nesse poema como a herança familiar e provinciana de

Drummond é realmente um ponto complexo na obra do poeta. Entre a sensação de exílio

por não pertencer à realidade provinciana do interior de Minas e o desejo de morar numa

“cidade grande”, o gauche drummondiano irá se inserir num terceiro lugar: no elevador

vai pensar na roça, na roça vai pensar no elevador. Esses versos sinalizam o sofrimento

de um sujeito poético sempre em trânsito, na medida em que nunca consegue se vincular,

efetivamente, a um determinado local, a uma determinada conjuntura.

Embora de corpo presente na metrópole, o passado interiorano faz com que seja

sempre a “mesma sen-si-bi-li-da-de” (ANDRADE, 2013, p. 74) quando algo na cidade o

faz relembrar os tempos de Itabira, como, por exemplo, “a voz de uma viola”

(ANDRADE, 2013, p. 74). Contestada pelo menino, que na infância assistia a tudo

distantemente e sonhava com uma “ilha” em que pudesse também se exilar, a “casa

115

colonial da fazenda” (ANDRADE, 2013, p. 74) surge, nesse poema, em patamar de

igualdade aos prédios comerciais de um grande centro urbano. Apesar de desejada no

passado, a vida urbana e moderna em uma grande metrópole não será verdadeiramente

comemorada por essa personagem, mas sentida.

É em relação a este aspecto que Merquior (2012) afirma que, em Alguma poesia,

“o espaço natural da vida moderna – a grande cidade – é um objeto ambivalente, ao

mesmo tempo desejado e rejeitado” (MERQUIOR, 2012, p. 47). Isso faz com que o

conflito província versus metrópole seja uma das mais dolorosas “faces” do desajuste do

Eu diante do Mundo, porque não está apenas presente na infância desse ser deslocado,

mas o acompanha por toda a sua vida.

O desajuste também pode ser notado entre o sujeito e o seu país, como assinalado

em “Europa, França e Bahia”. Tensionamento recorrente entre Mário e Drummond nas

cartas, a questão do nacionalismo no poema evidencia o reconhecimento do desarranjo

entre o poeta – aqui transformado em personagem – e o Brasil, na medida em que há a

confissão, logo no verso que abre o poema, de que, apesar de brasileiros, os olhos e o

imaginário desse sujeito estão “voltados”, simbolicamente, à Europa.

A rápida associação dessa declaração à dificuldade que Drummond apresentava

em abandonar a tradição europeia a fim de criar um maior laço com o elemento nacional

é inevitável. Embora tenha revelado a Mário que a sua influência tinha o transformado

em um verdadeiro brasileiro, sabemos que Drummond jamais atendeu ao programa

modernista de valorização do elemento nacional como os intelectuais paulistas, sobretudo

Oswald, fizeram.

A última estrofe é prova disso: os olhos brasileiros que “se fecham saudosos”

(ANDRADE, 2013, p. 20) da tradição com a qual possuíam anos de vínculo abrem-se,

forçada e dolorosamente, ao seu país de origem. Recuperando um dos maiores símbolos

da nacionalidade em literatura brasileira, a “Canção do exílio”, o eu lírico tenta, evocando

as palmeiras e o sabiá, estabelecer esse vínculo tão necessário à tradição literária nacional.

À figura do desajustado unem-se outras marcas que personalizam e ajudam a

compor a dicção modernista de Drummond em Alguma poesia. “Cota zero” serve-nos

como exemplo da camada de consciência de seu tempo que o poeta atinge já nesses

versos, aspecto que é potencializado à medida que o escritor vai lançando suas obras.

Atrás da máscara do riso em um poema extremamente curto, o itabirano lança uma

reflexão sobre a vida do homem moderno:

116

Stop.

A vida parou

ou foi o automóvel?

(ANDRADE, 2013, p. 60)

Em um artigo intitulado “Nosso clássico moderno”, Merquior (1983) declara que

muitos dos poemas da reunião de 1930 estão assinalados pela consciência histórica do

poeta, construída pelo seu passado provinciano e por toda a peculiaridade do meio em

que vivia. Na esteira desse raciocínio, é perceptível a transferência para alguns versos de

uma angústia sentida pelo eu de origem provinciana que se depara com a rápida

transformação de seu país agrário em sociedade industrial (MERQUIOR, 1983, p. 142),

gerando todo o desconforto e o desajuste com as aceleradas mudanças que presencia.

Em “Cota zero” é justamente isso que vemos: atrás da face cômica, há uma outra

que denuncia a perturbação diante de uma vida moderna tão dependente das inovações

típicas dos novos tempos. Em contraposição ao sujeito poético que preferia contemplar a

beleza de jardins ermos, temos aqui um “eu” que vai à rua e não gosta do que vê, porque

a vertigem urbana e o monstruoso poder do capital o deixam, dentre outros sentimentos,

tonto e inconformado.

A curta composição, então, prenuncia uma troca de papéis que só foi se acirrando

ao longo das décadas e, hoje, é pauta de discussões sociológicas e filosóficas. Ao indagar

se era a vida do indivíduo moderno que havia parado ou se era o automóvel, o poeta

transpõe para o poético a perda de controle do homem sobre sua autonomia ocasionada

pelo avanço do poderio da máquina, que, ao final dos anos 1920, já demonstrava perigoso

domínio perante a atuação humana. As implicações da modernidade também atingiram a

relação poeta-poesia-público, encontrando sua melhor expressão, em Alguma poesia, no

poema “Nota social”:

O poeta chega na estação.

O poeta desembarca.

O poeta toma um auto.

O poeta vai para o hotel.

E enquanto ele faz isso

como qualquer homem na terra,

uma ovação o persegue

feito vaia.

Bandeirolas

abrem alas.

Bandas de música. Foguetes.

Discursos. Povo de chapéu de palha.

Máquinas fotográficas assestadas.

Automóveis imóveis.

117

Bravos...

O poeta está melancólico.

Numa árvore do passeio público

(melhoramento da atual administração)

árvore gorda, prisioneira

de anúncios coloridos,

árvore banal, árvore que ninguém vê

canta uma cigarra.

Canta uma cigarra que ninguém ouve

um hino que ninguém aplaude.

Canta, no sol danado.

O poeta entra no elevador

o poeta sobe

o poeta fecha-se no quarto.

O poeta está melancólico.

(ANDRADE, 2013, p. 43)

O poema se inicia com versos curtos, em “flashes”, cujo ritmo parece querer

acompanhar a vertigem da vida moderna. De caráter descritivo e, de certa forma,

narrativo, os versos apresentam a imagem do poeta em relação direta com os artifícios da

modernidade, na medida em que é obrigado a fazer uso dessas inovações: ao desembarcar

na estação, “o poeta toma um auto” (ANDRADE, 2013, p. 43) e, chegando ao hotel, “o

poeta entra no elevador” (ANDRADE, 2013, p. 43).

A obrigação de ter de entrar em contato com esses equipamentos se vincula a uma

nova condição do poeta gerada pelas mudanças comportamentais e estruturais por que

passava a sociedade na época. Nesse sentido, é notório que a modernidade decretou a

dessacralização da arte e, consequentemente, do poeta, transformando-o em “qualquer

homem da terra” (ANDRADE, 2013, p. 43). Outrora preso à torre de marfim, observando

a vida “de cima”, o poeta tem de lidar com um tempo que não comporta mais a

sobreposição da arte à vida, obrigando-o a andar com os seus.

Essa nova visão concedida à poesia e ao próprio poeta acarretou efeitos negativos

para ambos, o que pode ser visto nos versos que culminam, ainda na primeira estrofe, na

imagem do poeta melancólico. A modernidade, portanto, tratou de, numa espécie de

duplo, desvalorizar a arte e o seu compositor e forçá-la a adaptar-se ao sistema utilitarista

próprio do capitalismo. A cidade em festa enquanto o poeta está melancólico é o retrato

do desajuste entre o espaço urbano e o vate, tensionamento iniciado em Alguma poesia,

mas prolongado pela obra drummondiana – vale lembrar da poesia transformada em

provimento renegado na fala mitopoética de “O elefante”, de A rosa do povo.

118

A segunda estrofe põe em evidência a técnica da descontinuidade, fragmentando

a cena poética, na medida em que há a substituição da descrição do movimento do poeta

pela cidade para a menção a uma outra parte do cenário urbano. A mudança de referência

de observação não acarreta, entretanto, igual mudança no que se refere às implicações

modernas até aqui mencionadas. Essa parte do poema, então, evidencia a natureza tão

presa ao utilitarismo capitalista quanto o poeta e a sua arte, afinal é na árvore, feita de

prisioneira, que “anúncios coloridos” (ANDRADE, 2013, p. 43) são pregados. A

consciência da fragilidade do homem e da natureza frente ao poder do capital, presente

nesses versos, só poderia desembocar na reafirmação que encerra o poema: “O poeta está

melancólico” (ANDRADE, 2013, p. 43).

Nem todos os poemas, evidentemente, apresentam a carga reflexiva existente em

“Nota social”. Há outras composições em Alguma poesia que levam a expressão

modernista ao máximo, pois representam a prática dessa dicção em termos estilístico e

temático. É o caso de “Construção”:

Um grito pula no ar como foguete.

Vem da paisagem de barro úmido, caliça e andaimes hirtos.

O sol cai sobre as coisas em placa fervendo.

O sorveteiro corta a rua.

E o vento brinca nos bigodes do construtor.

(ANDRADE, 2013, p. 17)

Há no poema um procedimento bastante semelhante ao princípio da colagem

cubista, recurso visto em inúmeros poemas de Oswald de Andrade, como nos que têm

por título “Cidade” e “Hípica”. De forma semelhante, mas em menor intensidade,

Drummond também elabora uma cena fragmentada de uma situação banal do cotidiano

brasileiro, nomeando com uma só palavra, tal qual Oswald, o conjunto de versos.

De caráter extremamente descritivo, o poeta reforça seu gosto pela contemplação

do prosaico em versos simples que simulam a simplicidade da cena retratada. A técnica

da colagem empregada permitiu que, em poucas linhas, tivéssemos uma cena completa,

com diversos elementos, uma vez que a fragmentação da perspectiva nos rende uma visão

ampla do que está sendo observado sem que o poeta necessitasse criar um longo poema.

O notório vanguardismo da composição rendeu elogios de Mário de Andrade, para quem

Drummond enviou o poema seis anos antes do lançamento de Alguma poesia.

“‘Construção’ como forma é perfeito” (ANDRADE, 2002, p. 72) e “distinção com

119

louvor” (ANDRADE, 2002, p. 232) foram as expressões usadas pelo paulista para

demonstrar seu gosto pelo poema.

Igualmente apreciado por Mário, que o chamou de “obra-prima” (ANDRADE,

2002, p. 234), “Cidadezinha qualquer” também encena o prosaico, mas em um ambiente

mais provinciano que o do poema anterior. Isso fica evidente pelo cenário rural montado

pelos versos, corroborado pelo uso de palavras como “bananeiras”, “laranjeiras” e

“pomar”, que se contrapõem ao conjunto lexical utilizado pelo poeta quando da escrita

dos poemas voltados ao urbano. Numa cidadezinha do interior como qualquer outra, aqui

temos a calmaria tão em falta na vertigem do cotidiano de uma cidade grande:

Casas entre bananeiras

mulheres entre laranjeiras

pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.

Um cachorro vai devagar.

Um burro vai devagar.

Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.

(ANDRADE, 2013, p. 49)

Também de caráter extremamente descritivo como boa parte dos poemas em

Alguma poesia, a letargia típica a uma cidade provinciana que ainda não enfrenta as

implicações do surto industrial e da mecanização da vida é transmitida em “Cidadezinha

qualquer” de duas formas: na escolha da cena retratada e na utilização de técnicas de

construção poética. Assim, a economia vocabular – que gera versos curtos – e a reiteração

da palavra “devagar” ajudam, no plano estilístico, a pintar um quadro rural em que

homens, mulheres, árvores frutíferas e animais convivem no mesmo plano temático, que

é a contemplação do moroso dia a dia de um lugar provinciano.

Apesar de não mencionar Itabira em “Cidadezinha qualquer”, é quase impossível

não associarmos o poema à cidade natal de Drummond, sobretudo porque o cenário

retratado muito se assemelha ao local de origem do poeta, sem falar, obviamente, no

acentuado gosto, que o mineiro demonstrou ter em Alguma poesia, de transformar Itabira

em material poético, que também será inserido em toda a sua obra subsequente. Segundo

a bibliografia comentada realizada por Fernando Py (1980), o poema teria sido escrito em

julho de 1926, ano em que Drummond retorna à Itabira após passar um largo período em

Belo Horizonte.

120

No entanto, em carta já mencionada, enviada a Mário em 3 de junho de 1926,

Drummond, nos cadernos de versos que compartilhou com o escritor paulista, inseriu

também “Cidadezinha qualquer”, já que o autor de Pauliceia o comenta na

correspondência de 1º de agosto desse mesmo ano. Apesar de o mês das missivas não

corresponder ao indicado por Fernando Py (1980), certamente o poema foi escrito em

1926 ou, no máximo, em 192554.

Independente da confusão das datas do poema, cabe apontar que alguns relatos de

Drummond nas cartas sobre seu retorno à Itabira e sua estadia na cidade muito se

assemelham aos elementos de “Cidadezinha qualquer”, como a precariedade de

transporte para chegar, enfim, à sua casa: “andei oito léguas no lombo do burro, debaixo

de chuva e com atoleiros medonhos” (ANDRADE, 2002, p. 198). Em outra ocasião,

Drummond menciona a letargia da cidade, mas não deixa de transparecer seu carinho,

ainda que conflituoso, por Itabira:

A vida aqui é manhosa, disfarçada, a gente custa a perceber que ela

funciona, mas tenho a suspeita de que é profunda, profunda. Será o

corpo que começa a amar a terra?... Meu Deus! Livrai-me do caminho

da perdição! Você foi terrível de observação clínica ao escrever aquelas

palavras: “o corpo vai sentindo amando a terra boa mas traiçoeira...”.

Será o que Deus quiser (ANDRADE, 2002, p. 208).

Nesta carta de 1º de abril de 1926, há ainda um outro comentário importante para

essa relação que estamos estabelecendo entre Itabira e o poema em questão. É sobre um

ritual de sua cidade natal, também apreciado pelo poeta: observar a distribuição da

correspondência dos moradores, prática realizada sob olhares sempre atentos e curiosos

de todos e que Drummond diz ser a sua única forma de distração (ANDRADE, 2002, p.

208). Em “Cidadezinha qualquer”, as janelas que olham representam, metonimicamente,

a tradição contemplativa do interior – isto é, pela expressão popular, “ver a vida passar”

–, da qual não foge o sujeito poético, já que igualmente observa e nos narra a cena.

Por fim, o poema se encerra com um verso que interrompe a descrição que vinha

sendo feita e materializa a participação do eu lírico na cena. Afinal, “Eta vida besta, meu

Deus” (ANDRADE, 2013, p. 49) soa como uma frase solta após um longo suspiro, dita

por aquele que contemplava, até então quieto, a paisagem à sua frente. Embora não

possamos afirmar que a cidadezinha qualquer é de fato Itabira, não há como negar que a

54 Deve-se lembrar que “Cidadezinha qualquer” não estava no primeiro conjunto de versos enviado a Mário

em 1924 logo após o encontro dos paulistas com os mineiros em Belo Horizonte, o que limita a escrita do

poema ao recorte temporal 1925-1926.

121

voz desse poema se confunde, muitas vezes, com aquela do homem que está atrás do

bigode.

Há, notoriamente, muitos outros poemas que serviriam para demonstrar as várias

faces que o Modernismo de Drummond assumiu em seu livro de estreia. “Quadrilha”,

“Balada do amor através das idades” e “Moça e soldado”, por exemplo, desromantizam

o amor e o reduzem à comicidade, criando uma outra via para um tema extremamente

idealizado pela tradição literária ocidental. Por um outro caminho seguem os poemas da

seção “Lanterna mágica”, que, num aspecto documental, de certa forma evidenciam “a

influência do poema cartão-postal (do qual Oswald era o maior praticante brasileiro)”

(GLEDSON, 2003, p. 41).

Podemos dizer, portanto, que Drummond, à sua maneira, perpetua em Alguma

poesia muitos dos ideais propostos pelo grupo paulista de 1922, mas, ao mesmo tempo,

também se insere na mudança de perspectiva que tomou o movimento em 1930, quando

este se tornou mais político e social. A naturalidade com que essa dupla adequação nos

aparece – adequação tanto à “primeira fase” do Modernismo quanto à vertente mais crítica

do movimento – destoa do pessimismo de quem, em 1928, julgava como velhos “seus

versos guardados demais na gaveta” (ANDRADE, 2002, p. 326). Mal sabia Drummond

que seus poemas não perderiam a vitalidade, atributo substancial de todo grande e eterno

poeta.

122

CONCLUSÃO

O percurso dissertativo tomado por esta pesquisa materializou o desejo de

(re)colocar em posição de destaque os caminhos poéticos percorridos por Carlos

Drummond de Andrade na década de 1920, haja vista a importância desse período na

construção de Drummond enquanto escritor, mas, principalmente, enquanto poeta.

Dizemos (re)colocar, pois, ainda que sejam muitos os estudos já feitos a respeito dessa

poesia inicial do itabirano, a recente descoberta pela crítica literária da existência da

reunião de versos datilografados em 1924 – Os 25 poemas da triste alegria – de certa

forma corrobora a necessidade de reavaliação do início da trajetória poética de

Drummond.

Muitos desses poemas já eram conhecidos pelos estudiosos do poeta, mas,

organizados em um frágil volume datilografado, essas composições, outrora dispersas,

“soltas”, ganham uma simbologia maior, porque atingem, em conjunto, o caráter de

objeto – ou, pelas palavras de Antonio Carlos Secchin (2012), de “quase livro”. Conforme

mencionado nesse artigo de Secchin (2012), essa incipiente reunião chegou inclusive,

sem se saber exatamente de que forma, às mãos de outros escritores além de Mário de

Andrade55, como Rodrigo M. F. de Andrade.

Apesar de Drummond desqualificar os versos em algumas das cartas enviadas ao

paulista ao longo de 1926, o compartilhamento do conjunto com outros escritores, a

publicação ou a republicação tardia de alguns desses poemas durante a década de 1920 e

o próprio ato de converter as folhas soltas em um volume datiloscrito nos sugerem que

essa reunião tem uma importância muito maior do que a demonstrada pelo poeta nas

missivas. Os 25 poemas da triste alegria, portanto, ajudam a crítica a (re)pensar o lugar

que ocupou Drummond no Modernismo, na medida em que expõem um poeta que antes

trabalhou arduamente para elaborar uma dicção modernista do que instintivamente nasceu

com ela.

Por isso, esta dissertação, ao longo dos dois primeiros capítulos, buscou recuperar

as bases de influência desse “primeiro” Drummond, examinando a atitude cética,

passadista, melancólica e evasiva tão comum aos poemas do início da década de 1920.

Foi preciso ir além do Penumbrismo para que entendêssemos como a literatura de

decadência finissecular francesa se transformou numa espécie de simbolismo tardio no

55 Vale ressaltar que Mário recebeu, em 1926, o conjunto de versos, mas não o próprio datiloscrito.

123

Brasil, sendo ainda praticada em solo nacional às vésperas do acontecimento vanguardista

que mais marcou o cenário cultural brasileiro, isto é, a Semana de Arte Moderna. Daí a

necessidade de discutirmos o Decadentismo francês, haja vista que uma boa parte da

crítica concebe o Penumbrismo como um veio do movimento fin-de-siècle europeu.

Retomado o Decadentismo, expor as características do estilo de penumbra no

Brasil se mostrou igualmente necessário para que, posteriormente, pudéssemos localizar

Os 25 poemas da triste alegria nessa estética. A partir da análise do embate entre

penumbristas e parnasianos e também do estilo de escrita de importantes figuras dessa

atitude poética, como Álvaro Moreyra, Ribeiro Couto e Ronald de Carvalho, foi possível

identificar um “primeiro” Drummond ainda muito inseguro em relação à sua poesia,

transferindo aos seus versos, de forma irrestrita, “cacoetes” desses escritores.

A relação pouco crítica que Drummond estabeleceu com o Penumbrismo

brasileiro e com o Decadentismo francês foi reafirmada pelo próprio poeta quando este,

em 1937, insere no datiloscrito comentários a respeito da pobreza e da repetição nesses

poemas. Se os versos reunidos em 1924 demonstram pouca autonomia intelectual do

itabirano nessa época, Alguma poesia, lançada seis anos depois, choca pela diferença de

atitude poética, em um primeiro momento. No entanto, quando investigado o percurso

tomado pelo escritor durante a década em questão, é possível perceber que a obra de 1930

materializa um árduo amadurecimento corroborado por uma série de agentes e fatores

literários e extraliterários.

Essa reelaboração de caráter estético-psicológico, endossada pelo

amadurecimento de uma dicção modernista ao longo da década de 1920, foi a responsável

pela edificação de uma singular poética drummondiana. Em contraposição aos versos

nada autênticos da reunião de 1924, Alguma poesia iniciou um trajeto literário empreitado

pelo poeta ao longo de toda a sua obra, na medida em que foram vistas inúmeras faces,

estilos e temas nos mais de 60 anos de produção.

No que se refere especialmente ao Modernismo, o livro de 1930 marcou a

participação singular de Drummond no movimento. Antes da investigação do tortuoso

vínculo do poeta ao programa modernista, mostrou-se necessária a pesquisa sobre os

antecedentes da Semana de Arte Moderna e os desdobramentos ideológicos e estéticos

do movimento. Recuperamos, então, alguns dos programas idealizados pelos intelectuais

paulistas, como a tentativa de estilização do português brasileiro e a institucionalização

de uma tradição verdadeiramente nacional.

124

De todas as figuras envolvidas no movimento, Mário de Andrade certamente foi

o mais importante no que tange ao amadurecimento da dicção modernista drummondiana.

Essa frutífera relação foi analisada por meio de cartas e de relatos que expõem não só a

amizade estabelecida pelos dois logo após a caravana paulista em Belo Horizonte no ano

de 1924, como também a influência do paulista enquanto estímulo intelectual para

Drummond. Com grande inteligência e franqueza, Mário, por anos, discutiu com o

itabirano, através das missivas, os principais programas do Modernismo, o que gerou

longos e prazerosos embates entre as duas figuras.

De fato, o maior tensionamento entre os dois foi a questão do nacionalismo,

sobretudo porque Drummond não havia estabelecido ligação com a tradição cultural do

Brasil, sendo muito apegado à literatura europeia, em especial a francesa. “Afastado” de

seu país, Drummond foi muito criticado por Mário, que insistentemente reforçou a

necessidade de uma literatura nacional para alimentar essa tradição brasileira que ambos

julgavam rudimentar, precária. Em síntese, o paulista queria que o mineiro entendesse

que a solução para a questão nacional era simplesmente ser o que Drummond rejeitava:

ser brasileiro.

A grande admiração que tinha por Mário, o envolvimento com outros rapazes de

Belo Horizonte dispostos também a melhor conhecer os programas estético-ideológicos

dos paulistas e o espírito inquieto e rebelde de Drummond foram, dentre outros aspectos

e fatores, peças fundamentais à tomada de consciência do mineiro a respeito do papel do

poeta diante de seu meio e de seu tempo. Daí os versos de Alguma poesia serem

extremamente diferentes dos que compõem Os 25 poemas da triste alegria, fato que esta

dissertação buscou evidenciar, principalmente no último capítulo.

Ambas as obras, quando colocadas em análise nesta pesquisa, auxiliaram o

objetivo de nosso estudo, que se concentrou em discutir como Drummond se expressou

por meio de um viés penumbrista e de que forma se vinculou ao programa modernista

num recorte temporal tão curto. A produção de poemas rigorosamente distintos em um

breve período apenas reforçou como a década de 1920 foi, para o poeta, riquíssima em

influência literária e experimentalismo estético.

Quando pensada a obra poética de Drummond em sua totalidade, a importância

dessa década se torna ainda maior, sobretudo porque é em uma boa parte dos poemas

dessa época que surgem tensionamentos e estilos que ajudarão a compor, ao longo de

todos os anos de produção do mineiro, a singularidade de sua poesia. Não é à toa que o

gauchismo, a simbologia da pedra e o olhar contemplativo irônico, embora tenham

125

assumido distintas faces em obras posteriores, jamais deixaram de figurar entre os versos

do itabirano.

Esta pesquisa, portanto, percorreu novamente, dentro dos limites inerentes a uma

dissertação de Mestrado, os primeiros passos poéticos do itabirano, a fim de endossar a

perspectiva da crítica drummondiana mais atual. Assim sendo, reconhece-se a

imprescindibilidade de retomarmos esse trajeto para que possamos compreender melhor

o local da poesia de Drummond não só na década de 1920 e no Modernismo brasileiro,

como também na tradição literária nacional.

Em uma carta destinada a Mário de Andrade em 29 de outubro de 1929, pouco

antes do lançamento de Alguma poesia, Drummond chegou a confessar ao amigo que

achava ser possível não conseguir mais produzir outro livro, já que estava “ficando cada

vez mais poeta por dentro, mas cada vez menos versejador” (ANDRADE, 2002, p. 358),

fazendo menção a uma “poesia interior” (ANDRADE, 2002, p. 358) que o incomodava

por dentro, sem que o mineiro soubesse como colocá-la para fora. Essa fala resume e

conclui o que foi o poeta Drummond não só na década que estudamos, mas durante toda

a sua vida: um escritor em luta com as palavras, mas que, desde o primeiro poema escrito,

jamais ficou distante do compartilhamento da sua poesia. Afinal,

Participação na vida, identificação com os ideais do tempo (...),

curiosidade e interesse pelos outros homens, apetite sempre renovado

em face das coisas, desconfiança da própria e excessiva riqueza interior,

eis aí algumas indicações que permitirão talvez ao poeta deixar de ser

um bicho esquisito para voltar a ser, simplesmente, um homem

(ANDRADE, 2011, p. 182).

126

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132

ANEXOS

Anexo A – GANNS, Claudio. Poesia nova. In: Fon-Fon!, ano XV, n. 40, p. 19. 1921

133

Anexo B – Paulo Geraldino dá início a uma série de sátiras aos penumbristas em O

Imparcial, ano X, n. 1.212, p. 4. 18 de março de 1922.

134

Anexo C – MORENO, Paulo. Balcão de retalhos. O Imparcial, ano X, n. 1.288, p. 4.

5 de maio de 1922.

135

Anexo D – BANDEIRA, Manuel. Penumbrismo. In: Fon-Fon!, ano XVI, n. 18, p.

21. 1922.

136

Anexo E – Entrevista concedida por Ronald de Carvalho à revista D. Quixote em

11 de outubro de 1922, p. 14.

137

Anexo F – MALLARMÉ, Stéphane. Plainte d’automne. In: Album de vers et de

prose.

138

Anexo G – RIMBAUD, Arthur. Villes. In: Illuminations.

139

Anexo H – ATAÍDE, Tristão de. Pressentimentos. Jornal do Brasil, ano LXXXV, n.

3, p. 7. 11 de abril de 1975.

140

Anexo I – Pedro Leitor. O futurismo. O Paiz, ano XXV, n. 9126, p. 4. 29 de

setembro de 1909.

141

Anexo J – Capa do Suplemento Literário em homenagem aos 50 anos da Semana

de Arte Moderna, n’O Estado de S. Paulo, em 20 de fevereiro de 1972, p. 273.

142

Anexo K – Propaganda presente no segundo número, publicado em agosto de

1925, d’A Revista.

143

Anexo L – ANDRADE, Carlos Drummond de. Ainda um noturno, se permitem.

Diário do Comércio (MG), ano I, n. 51, p. 2. 1º de janeiro de 1928.