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INGRID SILVA LUCAS ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM PERSPECTIVA VARNHAGENIANA (1842-1857) 2019

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INGRID SILVA LUCAS

ENTRE CONCEITOS:

REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO

EM PERSPECTIVA VARNHAGENIANA (1842-1857)

2019

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INGRID SILVA LUCAS

ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM PERSPECTIVA

VARNHAGENIANA (1842-1857)

Dissertação de mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em História da

Universidade Federal do Estado do Rio de

Janeiro como parte dos requisitos necessários à

obtenção de título de Mestre em História Social.

Linha de pesquisa: Instituições, Poder e

Ciências.

Orientadora: Profª. Drª. Claudia Regina Andrade

dos Santos

Rio de Janeiro

2019

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INGRID SILVA LUCAS

ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM PERSPECTIVA

VARNHAGENIANA (1842-1857)

Esta dissertação foi julgada adequada

para a obtenção do título de Mestre

em História Social e aprovada em

sua forma final pelo Orientador e

pela Banca Examinadora.

Aprovado em _______ de ____________________ de ________.

Banca Examinadora:

__________________________________________________

Profª. Drª. Claudia Regina Andrade dos Santos

UNIRIO

_____________________________________________________

Prof. Dr. Marcos Guimarães Sanches

UNIRIO

_____________________________________________________

Prof. Dr. Eduardo Scheidt

FFP/UERJ

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, gostaria de direcionar meus agradecimentos aos meus pais,

Iracema e Salvador, sem os quais eu dificilmente teria trilhado este caminho até aqui. A eles

tenho só a agradecer por valorizarem minha educação e demonstrarem isso a cada necessidade

que tive. E, extensivamente, agradeço aos meus familiares que nunca deixaram de ser

solícitos com aquilo que percebem ser importante para mim.

Meus sinceros agradecimentos ao professor Sérgio Câmara da UniLaSalle-RJ, que foi

quem me orientou na graduação, no projeto inicial do mestrado, e continua a me orientar,

espero que ao longo de toda minha vida profissional.

Agradeço ao PPGH/UNIRIO, na figura de cada professor com quem tive o privilégio

de aprender um pouco mais sobre a área que escolhi como profissão. Destaco principalmente,

a professora Claudia Regina Andrade dos Santos, por quem tive a felicidade de ser orientada e

que me ajudou muitíssimo com seus comentários sempre esclarecedores a compor este

trabalho.

Às outras instituições que possibilitaram minhas pesquisas e desenvolvimento desta

dissertação, tais como a UFF, a Biblioteca Parque de Niterói, o IHGB, e a PUC-Rio. Meu

sincero agradecimento pelos espaços e aprendizados obtidos neles.

Aos meus amigos, aos colegas de turma, a todos aqueles que participaram das minhas

preocupações, ansiedades e alegrias neste período do mestrado. De forma especial dedico este

agradecimento à Katherine, pelo apoio direito e indireto ao longo desta etapa.

Agradeço a todos que, de alguma maneira, lutam pelas universidades públicas de

nosso país. A cada professor, ativista, aluno, político que verdadeiramente se empenham para

que o Brasil seja um lugar menos desigual.

Finalmente agradeço a Deus, sem o qual nenhum dos outros agradecimentos faria

sentido.

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Aos meus pais pelo apoio de sempre.

Ao meu afilhado, Vicente.

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Resumo: Esta dissertação visa contribuir com as análises a respeito do pensamento de

Francisco Adolpho de Varnhagen, conhecidamente um dos mais importantes historiadores

brasileiros. Nesta abordagem, Francisco Adolpho de Varnhagen será considerado, antes de

tudo, como um pensador e ativista político, levando em consideração os múltiplos lugares de

produção das suas ideias, na esfera da diplomacia, da História e na Imprensa. Em uma

perspectiva conceitual (História dos Conceitos), é nosso intuito compreender a dimensão do

conservadorismo varnhageniano, relacionando-o, de forma direta, aos acontecimentos

revolucionários oitocentistas, e consequentemente, ao conceito de revolução.

Palavras-chave: Francisco Adolpho de Varnhagen – Conservadorismo – Revolução –

Conceito – pensamento varnhageniano

Abstract: This dissertation aims to contribute to the analysis of the thoughts of Francisco

Adolpho de Varnhagen, known as one of the most important Brazilian historians. In this

approach, Francisco Adolpho de Varnhagen will be considered first of all as a thinker and

political activist, taking into account the multiple places of production of his ideas in the

sphere of diplomacy, history and the press. From a conceptual perspective (History of

Concepts), it is our intention to understand the dimension of Varnhagenian conservatism,

relating it directly to the nineteenth century revolutionary events, and consequently to the

concept of revolution.

Keywords: Francisco Adolpho de Varnhagen – Conservatism – Revolution – concept –

varnhagenian thought

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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES:

Figuras:

Figura 1: A Liberdade guiando o povo. Eugène Delacroix. 1830........................................... 26

Figura 2: Jornal “Le Conservateur”, 1818. ............................................................................. 32

Figura 3: Mapeamento das revoltas regenciais. ...................................................................... 37

Figura 4: Mapa dos departamentos apresentados por Varnhagen. ........................................ 112

Figura 5: Segunda parte do mapa apresentados por Varnhagen. .......................................... 113

Tabela:

Tabela 1: Conotações positivas e negativas para o termo revolução. ..................................... 65

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 10

1. TUDO É REVOLUÇÃO NESTE MUNDO: UMA ANÁLISE DO CONTEXTO DE

REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO ............................................................................ 16

1.1 O rouxinol da liberdade como filosofia política. ................................................ 25

1.2 A filosofia conservadora moderna ..................................................................... 28

1.3 Revoluções e consolidações no contexto brasileiro (1831 – 1850) .................... 35

1.3.1 A estrutura dos partidos e a gênese da configuração imperial ................................. 39

1.3.1.1 O cativeiro como instrumento político ....................................................................... 47

2. SINUOSIDADES DE UMA IDEIA: O PENSAMENTO VARNHAGENIANO DIANTE

DA CENA REVOLUCIONÁRIA ............................................................................................ 52

2.1 A discussão em torno do pensamento varnhageniano ...................................... 53

2.2 Circulação da ideia de Revolução ....................................................................... 55

2.2.1 Visão de mundo varnhageniana .......................................................................... 62

2.3 A malograda Revolução ....................................................................................... 66

2.4 A bem lograda Revolução ..................................................................................... 77

3. POR UM AMANTE DO BRASIL: ABOLIÇÃO E REPUBLICANISMO COMO IDEIAS

REVOLUCIONÁRIAS ............................................................................................................. 84

3.1. Parlamento, História e diplomacia: diálogos institucionais e políticos ........... 87

3.2 Escravidão nos escritos varnhagenianos ........................................................... 92

3.3 A res publica nas penas varnhagenianas: o contexto e o conceito ................. 104

3.3.1.1 Primeira estratégia: Fronteira defendida ................................................................. 110

3.3.1.2 Segunda estratégia: Republicanismo interno rechaçado ......................................... 114

CONSIDERAÇÕES FINAIS: ..................................................................................................... 120

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ...................................................................................... 124

FONTES: ...................................................................................................................................... 129

OBRAS DE VARNHAGEN: ....................................................................................................... 130

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INTRODUÇÃO

O século XIX foi, sem dúvidas, um período marcado por profundas e conflituosas

mudanças – tanto na Europa, quanto na América –, iniciadas em fins do século anterior com

os movimentos revolucionários que alteraram não só a conjuntura sociopolítica e econômica,

mas igualmente, as estruturas intelectuais e conceituais. A impressão para seus atores era a de

que a Revolução estava por todo lado, e, definia o rumo das condutas, mobilizando as ações e

as reações na sociedade, além de definir “os lados” no jogo político, extremamente

polarizado.

Assim como os eventos revolucionários preenchiam de sentido grande parte dos

embates da vida política, paralelamente, o termo Revolução também era alvo de uma disputa

em torno de seu significado. A interpretação deste termo dizia muito a respeito do lado no

qual os atores se colocavam nesta cena política, mais especificamente, como progressistas ou

conservadores; agregando à palavra, a depender desses lados, a ideia de irreversibilidade ou

de retorno.

Ao colocar em relevo esta disputa queremos relativizar aqui frases como: “o termo

[revolução] passa a ter nova roupagem”, “ganha novo sentido”, “recebe nova conotação”, pois

retiram o destaque ao conflito existente ao longo de todo século em torno desta ideia. O termo

não mudou, estava em mudança! E, é este conflito em torno da transição que buscaremos

realçar na pesquisa, pois a partir desta disputa é possível identificar o protagonismo da

relação com o principal conceito analisado, o de conservadorismo.

A partir deste cenário, procuramos analisar a filosofia política de Francisco Adolpho

de Varnhagen, mais especificamente o seu pensamento conservador. Importante ressaltar a

respeito da ideia considerada é que a definição de seu Conservadorismo não se encontra no

período de vida do Visconde de Porto Seguro, é uma designação à posteriori1, apontada pela

maioria de seus comentadores e estudiosos. Neste âmbito destaco, principalmente, as análises

de alguns professores/pesquisadores como Nilo Odália (1997), José Carlos Reis (2006),

Antônio Paim (2011), Lúcia Guimarães (2001) e, em especial, Arno Wehling (2013); este

último discutiu a respeito do pensamento conservador varnhageniano através de um breve

1 Trata-se de um aspecto importante em nossa pesquisa, pois nos permite levantar uma discussão em torno da

compreensão atual do conceito no personagem analisado e, principalmente, das utilizações, e dificuldades de tais

utilizações dos termos que se relacionam com a ideia considerada, como chaves de investigação deste contexto.

Como argumenta Angela Alonso (2002; p. 32) “a nomeação é uma arma em meio a conflitos de definição de

identidades. Os termos estão, pois, inscritos num contexto de sentido. São construções tanto históricas como

políticas”; ou seja, ao apontarmos ou definirmos, estamos trazendo à tona estas construções, tanto no período

oitocentista, quanto na fase da definição de conservador, no século XX.

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artigo2 em que ressaltou algumas características deste pensamento, apresentando-o como um

intelectual conservador, demasiadamente influenciado pela filosofia liberal. Um dos aspectos

que todos estes comentadores possuem em comum é a alusão, de maneira direta ou indireta, a

seu conservadorismo.

Concordamos com tal alusão, e a partir disso, a nossa análise se concentrará em definir

melhor as características desse conservadorismo de Varnhagen. Como podemos, então,

interpretar este conservadorismo? A partir deste questionamento emergem dois aspectos

importantes que tomaremos como caminho para discorrer sobre o tema: primeiro, a

mencionada relação do conservadorismo com o termo/evento revolução no século XIX;

segundo, a existência no Brasil, de Conservadorismos, no plural, e não apenas, de uma face

deste pensamento. Estes aspectos são cruciais para a compreensão da aplicabilidade do

conceito em relação ao Visconde de Porto Seguro.

A nossa abordagem sobre o pensamento conservador de Francisco Adolpho de

Varnhagen será realizada com referência à História dos Conceitos (Bergriffsgeschichte) de

Reinhart Koselleck, e nesta perspectiva ressalto alguns aspectos do prisma conceitual que são

relevantes para nossa abordagem. Em primeiro lugar, a ideia do significado de uma palavra,

ou seja, do entendimento único que toda palavra possui para que seja possível uma

comunicação e compreensão dos termos; ao se dizer uma palavra como amor, por exemplo,

há num primeiro momento, um entendimento geral do conceito de amor, a partir de sua

definição. Assim também, e de forma ainda mais profunda se faz a discussão no âmbito das

linguagens políticas, como a do termo revolução. É necessário que se tenha uma apreensão

inicial de seu significado antes de tratar de suas nuances e complexidades, de suas

diferenciações no próprio período analisado, e de suas rupturas e permanências.

Concomitantemente a este primeiro aspecto, o conceito tem um caráter polissêmico,

ou seja, a capacidade de conter em si uma multiplicidade de significados. Como argumenta

Koselleck (2006), os conceitos são mais do que simples palavras ou formas de linguagem para

a comunicação, eles abarcam um conjunto de circunstâncias político-sociais e empíricas que

se misturam à sua conotação inicial ou usual, “um conceito reúne em si diferentes totalidades

de sentido. Um conceito pode ser claro, mas deve ser polissêmico.” (IDEM, 2006, p. 109). E,

é esta polissemia que acompanha os acontecimentos brasileiros do século XIX, as definições

de revolução e conservadorismo, e as articulações entre os termos existentes neste período.

2 Artigo intitulado: O Conservadorismo Reformador de um Liberal: Varnhagen, publicista e pensador político,

que inclusive, foi utilizado como introdução aos escritos varnhagenianos no Memorial Orgânico.

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É preciso compreender que o conceito não é apenas uma palavra, ele está eivado desta

relação com os acontecimentos políticos; ele é fato e indicador simultaneamente, não está

fora dos acontecimentos que o tecem, e, por isso, sempre que nos referirmos à ideia de

conceito, seja de revolução, seja de conservadorismo neste estudo, estamos apreendendo esta

complexidade da qual está revestido: “todo conceito é não apenas efetivo enquanto fenômeno

linguístico; ele é também imediatamente indicativo de algo que se situa para além da língua”

(KOSELLECK, 1992, p. 136).

Neste prisma, a palavra permanece a mesma, no entanto, esta característica não deve

camuflar sua historicidade; como argumenta Pocock (2003, p. 64), “a linguagem determina o

que nela pode ser dito, mas ela pode ser modificada pelo que nela é dito”, portanto, há no

caráter polissêmico também o aspecto da mudança na compreensão através dos tempos, e que

nos permitem discutir suas continuidades e descontinuidades, como é o caso da análise do

conceito de conservadorismo. O abismo entre o que a palavra significava à época analisada e

o que compreendemos atualmente sempre existirá, no entanto, é possível traçar um maior

entendimento do termo.

Pois bem, retornando, então, ao objeto principal de nossa análise, cabe a seguinte

pergunta: que Varnhagen é esse que iremos tratar? O nosso empreendimento analisará o

pensamento político do intelectual a partir daquilo que compreendemos como sua tríplice

dimensão, ou seja, baseado nas principais funções exercidas do ponto de vista político-

intelectual3. Estas funções eram: primeiro, o conhecido trabalho de historiador, considerado

pela historiografia como Heródoto brasileiro, ferrenho pesquisador da história do Brasil,

sobre a qual destinou anos consideráveis de sua vida enquanto esteve na Europa4; a segunda

dimensão é a da diplomacia5, exercida por Varnhagen principalmente, em Lisboa e em

Madri6, e foi nestas cidades que pesquisou (graças ao seu trabalho de diplomata), e publicou

seus principais escritos historiográficos, suas opiniões políticas para o Brasil e como

representante do Império em solo europeu. A terceira é a de pensador político, mas na relação

com a dimensão de ativista, tamanho era o seu engajamento nos debates políticos do seu

tempo, mesmo não tendo exercido a função de parlamentar.

3 Varnhagen foi também engenheiro de formação, exerceu cargo militar, e possuía amplo conhecimento nas

áreas de geografia, matemática e cosmografia, além de suas atuações como poeta e dramaturgo. 4 Ver Francisco Adolfo de Varnhagen: História Geral do Brasil, professora Dra. Lúcia Guimarães, 2001.

5 Em 2016, ano do bicentenário do nascimento de Francisco Adolpho de Varnhagen, a Fundação Alexandre de

Gusmão promoveu um encontro em comemoração, no qual destacou em suas palestras principalmente a

dimensão da diplomacia varnhageniana. O evento, inclusive, rendeu um livro intitulado: Varnhagen: Diplomacia

e Pensamento Estratégico (1816-1878), em que ressalta a relevância de pesquisas e abordagens que levem em

consideração os aspectos do intelectual, que ultrapassem o viés do historiador. 6 Carreira diplomática exercida entre os anos de 1842 e 1878.

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Visando explorar tais aspectos, em busca da compreensão de seu pensamento,

percebemos a convergência desta tríplice dimensão, pois elas dialogam entre si e se

complementam. Dito isto, ressaltamos que a nossa pesquisa não se refere a um estudo

historiográfico sobre o Visconde de Porto Seguro, mas tem como proposta estabelecer uma

discussão conceitual, e agregar aos debates já travados uma perspectiva de análise de seu

pensamento político, e de maneira concomitante, aprofundar a compreensão contemporânea a

respeito de seu conservadorismo e das faces deste pensamento no Brasil oitocentista.

Para isto, o recorte temporal de nossa investigação será principalmente, entre os anos

de 1842 e 1857, pois o primeiro marca o momento em que Varnhagen, aos 26 anos, ingressa

na carreira diplomática, nomeado como adido da legação do Brasil em Lisboa, após os

serviços prestados à coroa portuguesa como Primeiro-Tenente; e o último período

mencionado diz respeito à publicação do II tomo de História Geral do Brasil, sua obra

intelectual de maior fôlego. Desta forma, salientaremos a dita tríplice dimensão de seu

pensamento.

Nesta fase mencionada, destaco aqui as principais obras varnhagenianas publicadas e

que serão utilizadas como fontes basilares nesta pesquisa: o Memorial Orgânico: uma

proposta para o Brasil em meados do século XIX7, publicado em duas partes, sendo uma em

1849 e outra no ano de 1850; a mencionada História Geral do Brasil (HGB), publicada em

dois volumes, um em 1854, e outra em 1857. Destes escritos utilizaremos, especialmente, os

capítulos que possuem como tema principal a questão revolucionária, no intuito de mapear e

debater a respeito do pensamento do intelectual sobre a ideia de revolução. Além disso,

utilizaremos também as correspondências enviadas pelo Visconde de Porto Seguro neste

período e que abordam o tema em investigação, como maneira de corroborar as ideias

abordadas nas obras mencionadas; para este fim utilizaremos as missivas sistematizadas por

Clado Ribeiro Lessa, que denominou a organização como Correspondência Ativa: Francisco

Adolpho de Varnhagen, publicação do ano de 19618.

Assim sendo, no capítulo inicial, intitulado “Tudo é revolução neste mundo”: uma

análise do contexto de Revolução e Conservadorismo recordaremos a abordagem

koselleckeana de que toda análise conceitual passa pela ideia de que há uma relação entre

texto e contexto, e neste prisma, trataremos da discussão a respeito da centralidade do

7 Subtítulo dado posteriormente por Arno Wehling (2016). Ao publicar, Varnhagen aponta o seguinte subtítulo:

Que a consideração das Assembleias Geral e Provincial do Império. 8 Nas citações referentes às cartas, será indicado a quem se destina e ano de envio da correspondência; todas

foram retiradas da mesma organização feita pelo Dr. Clado Ribeiro Lessa (1961).

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conceito de revolução e o contexto das Revoluções, tanto na Europa, quanto na América (o

caso brasileiro em especial), e como esses acontecimentos davam tom e significado ao jogo

político.

Em paralelo, trataremos do debate da emergência do pensamento conservador nesta

fase, principalmente na figura daquele que é considerado o pai do Conservadorismo

Moderno, Edmund Burke, bem como a circulação da ideia de revolução neste meandro; e

ainda, como o termo “conservador” adentrou a esfera política a partir de sua utilização na

Imprensa, e sua constituição no século XIX, com ênfase no período em destaque nesta

pesquisa; ou seja, nossa principal finalidade nesta etapa investigativa é refletir em como se

constituía a conjuntura em que o pensamento varnhageniano se estabeleceu, entenda-se, a fase

de ascensão e apogeu de uma das faces do Conservadorismo no Império, através do Partido

Conservador.

Em seguida, o segundo capítulo, denominado Sinuosidades de uma ideia: o

pensamento varnhageniano diante da cena revolucionária abarca os possíveis significados

do termo revolução no período oitocentista, ou seja, como a ideia revolucionária circulava na

sociedade, em especial nos periódicos e dicionários, apresentando neste estágio, as nuances do

termo, e as querelas em torno dele, em outras palavras, o seu caráter sinuoso.

Na segunda parte deste mesmo capítulo, analisamos, então, como esta ideia em disputa

foi abordada por Varnhagen e como a interpretava em seus escritos. Nesta abordagem, a

principal obra esquadrinhada foi a História Geral do Brasil; e analisamos, principalmente,

seus capítulos que possuem como abordagem central o tema revolucionário: Ideias e conluios

em favor da independência em Minas; Desde a Revolução Constitucional até o regresso de

Dom João VI para Lisboa, Revolução Pernambucana de 1817, dentre as diferentes menções a

outros eventos revolucionário ocorridos no Brasil (como o caso da Bahia em 1798); e nestes

capítulos de sua História Geral, nossa investigação se estabeleceu, sobretudo, em uma

pesquisa inicial do uso do termo “revolução” na obra, e a partir de uma análise das

ocorrências desta palavra, ponderamos a respeito de como esta era interpretada por

Varnhagen, ou seja, a nossa investigação se deu a partir de uma reflexão de como o conceito

era concebido pelo intelectual, e em que lugar ele se encaixava na disputa em torno da

palavra.

Por fim, no terceiro capítulo denominado “Por um amante do Brasil”: abolição e

republicanismo como ideias revolucionárias abordaremos, principalmente, a partir das ideias

contidas no Memorial Orgânico, as interpretações do intelectual a respeito de duas das

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principais perspectivas de caráter revolucionário (ou amplamente influenciadas pelo

revolucionarismo) de seu próprio período: as convicções abolicionistas e republicanas. Ao

discutir tais temáticas neste último capítulo, destacaremos, como estes debates permitem

perceber a complexidade existente em seu pensamento conservador, destacando suas

preocupações com os elementos que poderiam, em sua visão, ser nocivos para a pátria, que

destoariam do seu projeto de nação, evidenciado não somente pelo prisma historiográfico,

mas também, e singularmente, por suas propostas políticas ao parlamento brasileiro.

Como é mencionado frequentemente no terreno da História, fazemos sempre História

do presente, se pensarmos de onde partem os questionamentos propostos e nossas hipóteses.

Sem dúvidas, esta pesquisa é representativa desta afirmação, pois tem como elã a emergência

da polaridade política no Brasil dos últimos anos, bem como a proeminência do que muitos

intitulam como Conservadorismo. Neste sentido, nos surgem questões diversas do que, nos

diferentes períodos, este conceito pode significar.

Sabemos que a ideia do Conservadorismo no século XIX no Brasil não se trata de uma

esfera de fácil acesso, por seu caráter multifacetado, e por suas próprias contradições, mas

indiscutivelmente, é uma abordagem importante para o debate a respeito deste tema na

atualidade, pois é no contexto analisado que se situam tanto suas inaugurações, quanto

algumas de suas características marcantes para o processo de desvelamento deste pensamento

político. Neste sentido, buscamos abordar nesta pesquisa, um dos possíveis caminhos para

este esclarecimento.

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1. TUDO É REVOLUÇÃO NESTE MUNDO: UMA ANÁLISE DO CONTEXTO DE

REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO

A partir do século XIX, a linguagem se dobra sobre si

mesma, adquire sua espessura própria, desenvolve uma

história, leis e uma objetividade que só a ela pertencem.

Tornou-se um objeto do conhecimento entre tantos outros:

ao lado dos seres vivos, ao lado das riquezas e do valor, ao

lado da história dos acontecimentos e dos homens.

Comporta, talvez, conceitos próprios...

Michel Foucault, As palavras e as coisas, 1999.

Ao investigar a configuração do Conservadorismo no período oitocentista, mais

especificamente em meados desta fase, é possível compreendê-lo em meio às diversas

inaugurações das quais ele é partícipe. Tendo em vista o prisma koselleckeano9, entendemos

que o emaranhado existente entre os conceitos, neste caso tecidos no período oitocentista, se

constituíram de forma importante em torno da ideia de revolução. E a crucialidade em

analisá-lo se configura por sua centralidade enquanto evento, e consequentemente, por sua

relevância enquanto termo.

Analisar o conceito de conservadorismo no recorte do início dos anos de 1840 e fins

da década de 1850 significa compreendê-lo na relação, ou nas palavras de Koselleck, na

articulação, que possui com o termo e acontecimentos revolucionários. Explico-me, esta

relação era presente primeiro porque o aspecto da Revolução era central no cenário político

pelos diversos movimentos que levaram este nome, portanto, muitos dos desdobramentos da

vida social tinham, em alguma medida, conexão com a palavra revolução. Segundo, pelo fato

de haver neste período em especial, um vínculo ímpar entre estes conceitos, pois a

interpretação dos eventos revolucionários influenciava, de forma significativa, no

estabelecimento do pensamento político conservador no século XIX.

Fato é que, este foi um período de instauração de diversos conceitos que marcaram e

mudaram este período da Modernidade, e que atualmente norteiam as diversas análises em

Ciências Humanas, de forma geral; e, seus usos, além do estabelecimento de novos

paradigmas, bem como de releituras de ideias preexistentes, rearranjou o sistema político, não

só no Velho Mundo, mas naquilo que entendemos por ocidente:

As palavras são testemunhas que muitas vezes falam mais alto que os documentos.

Consideremos algumas palavras que foram inventadas, ou ganharam seus

significados modernos (...). Palavras como (...) “aristocracia” e “ferrovia”,

9 Com base na História dos Conceitos, apresentada em nossa “Introdução”.

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“liberalismo” e “conservador” como termos políticos. Imaginar o mundo moderno

sem estas palavras (isto é, sem as coisas e conceitos a que dão nomes) é medir a

profundidade da revolução que eclodiu entre 1789 e 1848, e que constitui a maior

transformação da história humana desde os tempos remotos quando o homem

inventou a agricultura e a metalurgia, a escrita, a cidade e o Estado. Esta revolução

transformou, e continua a transformar, o mundo inteiro. (HOBSBAWM, 1977, p.

17).

Este mundo inteiro, sobre o qual se refere Hobsbawm (1977), foi afetado por tais

inaugurações. Estas transformações e construções tecidas ao longo do período analisado, de

certa forma, ainda permeiam o imaginário10

contemporâneo, e compõem nossas

interpretações, entenda-se a relação entre o que compreendemos e o que não compreendemos

dos termos (KOSELLECK, 2006). Diz respeito, então, a estes diversos lugares alcançados

pelos novos paradigmas conceituais que se estabeleceram progressivamente na esfera poder.

Isto significa, de alguma maneira, compreender como os veios revolucionários se

estendiam na sociedade em seus diversos âmbitos, inclusive nas palavras e como estas eram

corriqueiramente reinterpretadas, não só pelos seus atores, mas também pelos historiadores

atuais, ou seja, a frase do escritor francês Louis Sébastien Mercier11

, aludida no título deste

capítulo, fazia todo sentido para os que vivenciavam este século: tudo na política parecia

refletir ou conter a ideia revolucionária.

Por isso, a perspectiva desta compreensão de Revolução é, sem dúvidas, condição sine

qua non para o debate a respeito do pensamento conservador no contexto oitocentista, pois

uma de nossas principais defesas é que dificilmente nos contextos posteriores a compreensão

de Conservadorismo será tão dependente da discussão acerca do conceito de revolução como

no século XIX.

Tendo em vista os elementos aludidos nos parágrafos anteriores, cabe-nos ressaltar

então, que as ideias revolucionárias, de cunho progressista, republicano, democrático,

circulavam12

no ocidente, movimentando, tanto os eventos políticos europeus, quanto os

eventos nas Américas. Via-se despontar o intercâmbio de ideias, cada vez mais latente;

figuras como Toussaint Louverture (1743-1803), Thomas Jefferson (1743-1826) e Simón

Bolívar (1783-1830), nas Revoluções e independências dos domínios francês (1791), inglês

10

“O conceito imaginário deve ser compreendido como as imagens produzidas por uma sociedade, mas não

apenas as imagens visuais, como também as imagens verbais, e, em última instância, as imagens mentais”

(BARROS, 2005, p. 7). 11

Proferida em 1772: „Tout est révolution dans ce monde‟ (KOSELLECK; 2006, p. 67). 12

A perspectiva da Circulação de ideias se constitui principalmente, a partir do ponto de vista de Pierre Bordieu,

de que as informações e formações, intelectuais, sobretudo, se veiculam nas sociedades por diversos meios,

espalhando-se e “alimentando-se dos acidentes da vida cotidiana, das incompreensões [e compreensões], dos

mal-entendidos, das feridas” (BORDIEU, 2002, p. 5); define ainda a circulação como importações, mas também

exportações intelectuais simultâneas.

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(1776) e espanhol (ao longo do século XIX), respectivamente, são representativas destas

trocas constantes existentes entre o velho e o novo mundo, e das interpretações sobre o

discurso revolucionário.

No Brasil, com suas particularidades obviamente, os movimentos de cunhos

revolucionários, e também partícipes desta circulação de ideais despontavam, tanto em fins

do século XVIII, quanto ao longo do século XIX. O movimento mineiro, conhecido por

inconfidência, que traz a luz figuras como a de Tiradentes (1746-1792), demonstra que esta

troca abalava igualmente as estruturas sociais no Brasil, a partir das questões, pensamentos e

dispositivos políticos próprios, somados aos aspectos salientados. Ou seja, todos estes fatores

estão certamente vinculados, mas não devem ser confundidos com uma importação de ideias,

como algumas interpretações supõem13

. Partimos desta ideia de circulação, da premissa que:

A relação entre contexto brasileiro e teorias europeias é dinâmica. A frase de Hale

para o México aplica-se perfeitamente para o Brasil: “Devemos superar a

controvérsia estéril acerca do caráter imitativo ou original das ideias mexicanas, se

elas eram periféricas à „realidade‟ mexicana ou propriamente incorporadas e

„mexicanizadas‟” (Hale, 1989:19). Tanto o repertório estrangeiro quanto a tradição

nacional são fontes intelectuais, apropriadas de maneira seletiva num processo que

envolve necessariamente supressão, modificação, recriação. (ALONSO, 2002, p.

33).

Outro elemento importante a ser ressaltado, no caso brasileiro, é a ideia da maneira

intensa com que foi vivida, e a interpretação revolucionária da experiência da renúncia de

Dom Pedro I, principalmente pela população mais vinculada à política e pela imprensa, de

maneira geral. Neste sentido, poderíamos dizer como apontado a seguir, que foram tempos

vivenciados de forma visceral:

Os anos que se seguiram à Abdicação foram, no dizer de um contemporâneo, anos

de ação, de reação e, por fim, de transação. Foram também anos de levantes,

revoltas, rebeliões e insurreições. De sonhos frustrados e de intenções transformadas

em ações vitoriosas. Foram, sem dúvida, anos emocionantes para aqueles que

viviam no Império do Brasil (MATTOS, 1987, p. 2).

Todo este contexto forma um conglomerado de eventos e construções que fazem já

deste início do século XIX um período complexo do ponto de vista político, não apenas no

contexto europeu, mas, também enquanto realidade da conjuntura brasileira: a Independência

em 1822, a Constituição em moldes liberais de 182414

, as pressões sofridas pelo Imperador

Dom Pedro I, as Revoltas regenciais, o Golpe da Maioridade, o Regresso, os movimentos

13

Conferir, por exemplo, em Ideias fora do lugar, de R. Schwarcz (2000).

14 Tanto a Independência, quanto a Primeira Constituição tinham como base os princípios que estavam em

discussão e circulação no ocidente.

Page 19: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

19

federativos, enfim, todos estes elementos foram, com toda certeza, responsáveis pelo conjunto

de interpretações e compreensões dos conceitos supracitados de Revolução e

Conservadorismo.

Pois bem, compreendendo as considerações acima, partimos do princípio da

imbricação existente na relação entre essas questões sociais e políticas, e os usos das palavras

que se constroem, se destroem e se ressignificam no desenrolar destes acontecimentos, ou

seja, nas disputas em torno dos termos. Isto significa dizer que não podemos separar as

palavras das situações práticas da vida política:

A co-incidência entre o conteúdo empírico e o campo de expectativa diminuía cada

vez mais. Inclui-se aqui a criação dos numerosos “ismos” que serviram como

conceitos de agrupamento e dinâmica para ordenar e mobilizar as massas

estruturalmente desarticuladas. (...). Basta lembrar termos como “conservadorismo”,

“liberalismo”, “socialismo” (KOSELLECK, 2006, p. 102).

Nossa discussão está baseada, portanto, nesta construção dos variados “ismos” na

sociedade. O conservadorismo se estrutura, nestas diversas inaugurações oitocentistas, como

uma espécie de filho discordante das Revoluções15

de cunho progressista, se assim podemos

dizer. Fato é que a nova ordem de coisas, promovida neste período, instaurava novas

necessidades para seus atores, e a demanda trazida pela Revolução (ou Revoluções) pairava

nas experiências políticas deste contexto. O espetáculo16

das cenas social e política

abrigavam, então, as opiniões e os discursos; e os panfletos políticos inflamados pró e contra

Revolução pululavam, e abordar tais conceitos significa discutir as preocupações e lugares de

fala de seus atores, e principalmente, as interpretações em relação à ideia de revolução

existente:

Foi principalmente para o espectador, muito mais do que para o ator, que a lição da

Revolução Francesa se afigurou como demonstração da necessidade histórica ou que

em Napoleão Bonaparte se tornou um “destino”. No entanto, o nó da questão é que

todos os que seguiram os passos da Revolução Francesa ao longo de todo o século

XIX e pelo século XX adentro se consideravam não meros sucessores dos homens

da Revolução Francesa, e sim como agentes da história e da necessidade histórica

(ARENDT, 2011, p. 84-85).

Ou seja, entender o conteúdo, tanto do conceito de revolução, quanto de

conservadorismo em meados do século XIX, significa entender que seus conflitos e

15

Isto não significa dizer, no entanto, que todo Conservadorismo se constituía como reacionarismo, como

iremos desenvolver nesta análise. 16

Hannah Arendt (2011) debate em Sobre a Revolução a ideia destes contextos que emanam pelo menos até a

Guerra Fria como uma espécie de espetáculo da política. Trabalhando com a noção de espectadores, trama

teatral e cenas. Sem dúvidas o aspecto da novidade trazia consigo esses olhares curiosos sob o contexto e

inúmeros posicionamentos a respeito. A política engendrava um caminho que fazia com que seus atores

estivessem, em maior ou menor grau, neste espectro revolucionário, falando e escrevendo sobre ele, e tomando

posicionamentos relativos a esta Nova Ordem.

Page 20: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

20

definições foram constituídos na fase anterior, e por isso a indispensabilidade dela nesta

pesquisa, pois as definições disputadas no período oitocentista estão em conexão com as

definições e debates analisados nos próximos neste estudo.

***

A Revolução Francesa! Este é o ponto central e elemento incontornável de abordagem

neste debate por seu caráter inaugurador de novos paradigmas na política ocidental e

influência sobre outras revoluções, além de ser crucial para a compreensão das ideias

provenientes de seu contexto, e que será, com toda certeza, para além de evento17

histórico,

ideia fundamental por sua particularidade dentro da estrutura dos séculos XVIII e XIX, e

pressuposto essencial para a compreensão da ideia atual de conservadorismo neste período.

Principalmente no século XIX, as Revoluções que se seguiram foram um canal

político para ampliação dos ideais das Revoluções Americana e Francesa, tanto que nesta

fase, tamanho eram os impactos destes eventos, que foram denominados de ondas

revolucionárias, tendo seus ápices, nas ondas na América18

, que geraram as emancipações das

colônias, e na Europa, nos movimentos de 1830, 1832 e 1848, por exemplo:

Ao contrário das revoluções do final do século XVIII, as do período pós-

napoleônico foram intencionais ou mesmo planejadas. Pois o mais formidável

legado da própria Revolução Francesa foi o conjunto de modelos e padrões de

sublevação política que ela estabeleceu para uso geral dos rebeldes de todas as partes

do mundo. (...) Elas [as revoluções do século XIX] ocorreram porque os sistemas

políticos novamente impostos à Europa eram profundamente e cada vez mais

inadequados, num período de rápida mudança social, para as condições políticas do

continente, e porque os descontentamentos econômicos e sociais foram tão agudos a

ponto de criar uma série de erupções virtualmente inevitáveis (HOBSBAWM, 1977,

P. 130).

17

Com certeza, a análise da Revolução nestas duas perspectivas: conceitual e eventual serão relevantes neste

debate enquanto aprofundamento das questões trazidas referente à discussão sobre o pensamento conservador e

seu desenrolar ao longo do século XIX no contexto brasileiro, e que ao mesmo tempo se articula com as

significações e historicidade do conceito de conservadorismo ao longo do tempo. 18

A República do Haiti, proclamada em 1804, é de especial importância, visto que agrega uma série de

elementos que demonstram as querelas em torno da ideia de revolução: uma independência e uma república

negra acarretavam diversas discussões em seu próprio curso. É um caso ímpar que permite que compreendamos

esta avalanche incontornável da circulação das ideias revolucionárias, e demonstra o seu caráter contraditório na

medida em que se percebe um discurso de liberdade na Europa, e o paralelo desconforto causado pela Revolução

Haitiana. Na América, de forma geral, o chamado Medo Negro não se tratava de mera expressão, se tornou um

assombro a possibilidade de que estas ideias revolucionárias se espalhassem de forma tal que fosse impossível

conter os levantes escravos em diversas localidades. Ou seja, embora o discurso permeasse a categoria filosófica

homem, a busca por conter, de alguma maneira, a sua propagação e interpretação era coexistente.

Page 21: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

21

Como supõem Hobsbawm (1977) e Hannah Arendt (2011), é interessante

compreender, então, a existência de uma ideia de revolução tanto no singular, a partir da

perspectiva da Revolução Francesa, quanto no plural, pelas diversas revoluções que afloraram

neste período, compreendendo, portanto, estes movimentos, ou subversões (HOBSBAWM,

1977), com suas particularidades e inovações próprias. Não pretendo nesta análise buscar

respostas para esta questão, e proponho então, que assumamos estas duas perspectivas de

análise: tanto a ideia de Revolução, quanto a de Revoluções.

Fato é que, à medida que estas ondas revolucionárias se espalhavam de forma

endêmica (HOBSBAWM, 1977), na Europa e nas Américas, podemos destacar a emergência

de uma face do Conservadorismo que ganhou ênfase neste período: o de caráter restaurador,

ou seja, vinculado à tentativa, por parte daqueles que estavam alinhados ao poder monárquico,

de restabelecer a antiga ordem de coisas. No entanto, por mais que a Restauração (1815-

1848) tenha tentado, tornou-se impossível, reestabelecer algumas estruturas baseadas no

status quo anterior. A mudança na cena política era uma realidade incontornável, o

imaginário em torno da Revolução era vívido19

, e os movimentos organizados por algumas

esferas da sociedade se solidificavam20

.

***

O contexto e a ideia de Revolução neste período são de suma importância para a

discussão de seus possíveis significados. O termo revolução adquire nesta tempestade de

acontecimentos, de seu período inaugural, uma nova compreensão. A esta altura vale ressaltar

sua significação primária, que será relevante ao longo de todo nosso caminho pela amplitude

de sua transformação no contexto setecentista, seu aprofundamento, bem como as querelas em

torno do termo ao longo da fase oitocentista.

A palavra, inicialmente pertencia às ciências naturais, uma das principais referências é

o texto copernicano De revolutionibus orbium coelestium (A Revolução dos corpos celestes,

publicado em 1543), e seu significado tinha uma conotação completamente diferente da que

adquire após a Revolução de 1789. Até este período revolução significava o movimento que

19 Destacamos, por exemplo, o famoso romance de Victor Hugo, Les Misérables (Os Miseráveis), publicado

1862, e traduzido para diversos idiomas. 20

A exemplo dos movimentos operários e de viés socialista que emergiam, igualmente, destacando figuras como

a de Karl Marx (1818-1883).

Page 22: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

22

os planetas faziam (de forma natural) de retorno à órbita, quando se desalinhavam desta, ou

seja, possuía um sentido de volta constante a um ponto específico. E, quando adentra o meio

político este é o sentido que possui: assim como os corpos celestes, os homens ao saírem do

ciclo político natural, obedecem a uma estrutura de retorno a órbita política original, nisto se

constituía o seu entendimento.

Em suas primeiras utilizações, ou nas palavras de Arendt (2003), a primeira vez que o

termo desceu dos céus para designar os acontecimentos da vida dos homens na Terra, ainda

possuía esta perspectiva de retorno ou restauração. Como argumentou a filósofa, até mesmo

a Revolução Americana, com todas as suas especificidades, se caracterizou ainda nestas

premissas. No continente americano o evento não teve a perspectiva de mudança de sentido e

entendimento do termo como aconteceu na Revolução Francesa.

O erudito francês do século XIX, Haréau (Apud KOSELLECK, 2006, p. 63),

relembrou a ideia de LeRoy sobre o imaginário a respeito do ciclo político em que as

sociedades se colocavam, contendo a mentalidade do aspecto natural do conceito, apontado

em linhas anteriores:

Para LeRoy, a primeira dentre todas as formas de governo era a monarquia, a qual,

uma vez transmudada em tirania, era dissolvida pela aristocracia. Segue-se o

conhecido esquema, segundo a qual a aristocracia transforma-se em oligarquia,

deposta a seguir por uma democracia, a qual, por fim, degenera na forma decadente

de uma oclocracia, dominação pelas massas. Neste ponto ninguém mais governa de

fato, e o caminho para a dominação por um único indivíduo encontra-se novamente

livre. Inicia-se novamente o velho círculo.

Portanto, esta ideia de retorno, do velho ciclo, estava no entendimento inaugurador do

termo. Não havia uma mudança estrutural, as mudanças eram sempre para um ponto já

conhecido, que levaria a outro ponto também conhecido, e assim, consecutivamente. É o ciclo

que se realiza na natureza humana e em sua forma de fazer política: “é certo que as

revoluções ocorriam acima das cabeças dos envolvidos, mas cada um deles permanecia preso

as suas leis (...)” (Idem, 2006, p. 64), nisto consistia a compreensão da palavra revolutio: é a

retomada ao que se entende por “normalidade”.

A Revolução Gloriosa, por exemplo, foi vislumbrada nesta perspectiva restauradora

por seus atores: as críticas amadureciam, principalmente, em oposição ao contexto Absolutista

inglês, lançando, especialmente ao monarca, acusações de desrespeito a Magna Carta, e a

aquilo que constituía, de certa forma, as leis e o Direito da sociedade inglesa, e, esse

seguimento à Carta precisava ser reestruturado no âmbito político. Ou seja, é “puramente” a

ideia da revolução dos corpos celestes que se encontrava nessas demandas sociopolíticas, ou

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23

como argumenta Koselleck (2006), esta ideia retirada do mundo natural sempre foi um pano

de fundo presente no sentido do termo ao ser utilizado no contexto das ações do homem.

Mas com as Revoluções progressistas existentes, sobretudo, ao longo do século XIX,

neste composto de transformações e permanências que circunscreviam o conceito, a

compreensão deste no cotidiano se altera. Por isso a necessidade de apontarmos a ideia e o

sentido que a palavra começa a receber no contexto revolucionário francês, pois nesta

conjuntura compreendemos a articulação texto/contexto do termo. Existe um processo de

mudança em andamento, nesta fase, da relação do homem com a palavra; um processo de

clivagem de seu sentido:

Foi na noite de 14 de julho de 1789, em Paris, quando o duque de La

Rochefoucauld-Liancourt informou a Luís XVI sobre a queda da Bastilha, a

libertação de alguns prisioneiros e a defecção das tropas do rei de um ataque

popular. O famoso diálogo que se deu entre o rei e o mensageiro é breve e revelador.

Dizem que o rei exclamou: “C‟est une révolt!” [Isto é uma revolta!], e Liancourt

corrigiu: “Non, sire, c‟est une révolution” [Não, isto é uma revolução]. (...) O rei, ao

declarar que o assalto à Bastilha era uma revolta, afirmava seu poder e os vários

meios que dispunha para enfrentar conspirações e desafios à autoridade; Liancourt

respondeu que o que havia acontecido era irreversível e ultrapassava os poderes de

um rei. (ARENDT, 2011, p. 78)

Neste diálogo destacado é possível apontarmos algumas características que o contexto

revolucionário abrigava consigo, como uma espécie de avalanche de ideias inéditas e

mudanças de perspectivas que até então eram praticamente imóveis na sociedade. Como os

próprios agentes históricos compreendiam, seu tempo era novo. Havia, a partir deste contexto,

uma nova ordem de coisas. Construía-se, então, uma diferença na relação com o termo. O

aspecto da irreversibilidade ganhava força à medida que as ações dos homens se revestiam

destes aspectos inéditos.

Há neste período, que compreendemos como Modernidade (principalmente no período

entre 1750 e 1850, como argumenta Koselleck), o alargamento entre a perspectiva do espaço

de experiência e horizonte de expectativa21

, em outras palavras, a relação do homem com seu

passado já não iluminava seu futuro como outrora, pois as experiências sociais e políticas

21

Embora não sejam características, ou ainda, categorias cruciais para nossa discussão é válido destacarmos a

visão koselleckeana a respeito destas para o desenvolvimento da compreensão do conceito de revolução e da

História dos conceitos de forma geral. Compreende-se a respeito de história esta relação do homem, em maior

ou menor grau, com as experiências vividas e com as expectativas formadas a partir delas, “(...) todas as histórias

foram constituídas pelas experiências vividas e pelas expectativas das pessoas que atuam ou que sofrem”

(KOSELLECK, 2006, p. 306). Os conceitos participam desta dinâmica de interpretação de passado, presente e

futuro. Dentro destas perspectivas, o período oitocentista é compreendido como a fase em que a relação espacial

entre experiência e expectativa encurta. Em que o futuro se torna, paulatinamente, menos previsível. Inclusive,

os numerosos conceitos políticos que brotam desta fase participam da necessidade de construção de novas

terminologias para designar o que viviam.

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24

eram vividas de forma inovadora, não sendo, portanto, possível olhar para o passado para

compreendê-las. A novidade trazida com a Revolução tomava conta da vida social e até

mesmo privada, e se tornou moda, em todos os sentidos do termo. O novo, a partir de

premissas imanentistas, fazia parte da ordem do dia, e o significado de irreversibilidade

ganhou tom de legalidade e se ampliou de maneira significativa, nos meios de conhecimento,

inclusive:

(...) no processo de tradução do francês para o alemão do Dicionário da Academia

Francesa, na Berlim do Iluminismo por volta de 1800, o neologismo „contre-

révolutionnaire‟ foi traduzido por „inimigo do Estado‟ [Staatsfeind]. Aquele que

respeita o Estado deve ser revolucionário (KOSELLECK, 2006, p. 70).

Para os revolucionários progressistas, a novidade e progresso deveriam se expandir.

Como afirma Koselleck (2006), neste período a coincidência entre as palavras “evolução” e

“revolução” não era apenas uma negligência linguística, ou termos casualmente parecidos,

elas foram colocadas, ao longo do século XIX, quase como sinônimas. Ser revolucionário era

o maior empreendimento que se poderia fazer para a evolução do homem, e,

consequentemente, para o progresso constante da sociedade.

O ponto alto da ideia progressista, sem dúvidas, está ligado à perspectiva da fuga dos

padrões tradicionais para o alcance de um futuro que se constituísse de maneira diferente, e

até contrária, ao passado. Fato é que a tese do progresso ganhava amplitude ao longo de todo

o século, e tal tese estava, sobretudo, apoiada na perspectiva antropocêntrica e na ideia da

potencialidade do homem de construir sua realidade. O progresso se conecta à ideia da

novidade.

Este caráter está iminentemente marcado em diversas facetas representativas da

Revolução: em seus artefatos simbólicos, em suas ações, e também - como se faz relevante

neste trabalho - em suas novas perspectivas políticas e seus conceitos e potencialidades de

mudança do status quo: “o novus ordo saeclorum deixou de ser uma benção concedida pelo

„grande plano e desígnio da Providência‟” (ARENDT, 2011, p. 78) e passou a ser uma força

intrínseca ao homem a partir de sua racionalidade e sua intenção. Ao longo do século é

possível perceber que estas concepções já estavam presentes no imaginário e eram de certa

forma, parâmetros para uma boa política, ou seja, faziam parte das premissas sob as quais se

pautaram o mundo moderno, como é o caso da filosofia do Liberalismo, por exemplo.

O progressismo revolucionário trazia em sua onda de ideias o poder do homem sob

seu contexto: “foi somente no curso das revoluções setecentistas que os homens começaram a

ter consciência de que um novo início poderia ser um fenômeno político (...)” (ARENDT,

Page 25: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

25

2011, p. 77); já não era necessário aguardar a esfera transcendental, o homem poderia seria o

autor deste novo início.

Outros dois pontos interessantes a serem ressaltados são os aspectos da ideia de

universalidade da Revolução e a perspectiva de seu caráter permanente: estas perspectivas

criaram o chamado “revolucionário profissional”, que leva a frente a Revolução e a expande

para além do seu contexto social. Condorcet (Apud KOSELLECK, 2006, p. 75) afirmou que

“uma lei revolucionária é uma lei que tem como objetivo manter esta revolução e acelerá-la

ou regular seu andamento”. Estas ideias em torno do termo é que abrem campo para o

desdobramento das situações e conflitos políticos, e até mesmo conceituais ao longo do século

XIX.

Por fim, a premissa de que este período inaugurava nestes acontecimentos um tempo

de liberdade, ou seja, uma revolução só seria considerada enquanto tal se estivesse eivada de

um caráter libertário. Liberdade adquire uma relevância central para as discussões e

desdobramentos políticos no Velho Mundo, e, igualmente, no Novo Mundo. Foi em nome da

liberdade que se constituiu a política e suas querelas no século XIX.

1.1 O rouxinol da liberdade como filosofia política.

Esta talvez seja uma das inaugurações mais emblemáticas do século XIX, e, é uma das

palavras que estão no cerne das ações sociopolíticas, e consequentemente, de nossa

abordagem. Os movimentos deste período estavam imbuídos da ideia de liberdade, e a partir

desta nova estrutura, esta ideia emerge nas relações políticas:

As palavras que sempre ocorrem, são “rebelião” e “revolta”, cujos significados

foram determinados e inclusive definidos desde o final da Idade Média. Mas essas

palavras nunca indicaram a libertação, tal como era entendida pelas revoluções, e

menos ainda apontavam para a instauração de uma nova liberdade. (ARENDT,

2011, p. 69).

As discussões, ou levantes e as Revoluções ocorreram em torno desta ideia de

liberdade, que destaco aqui nas palavras do político e escritor Ludwig Boerne, em 14 de

fevereiro de 1831 (Apud Hobsbawm, 1977, p. 127):

A liberdade, este rouxinol com voz de gigante, desperta os que têm o sono mais

pesado... Como é possível pensar em alguma coisa hoje que não seja lutar a favor ou

contra a liberdade? Os que não podem amar a humanidade ainda podem ser grandes

tiranos. Mas como se pode ficar indiferente.

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26

As palavras de Ludwig Boerne são, portanto, excelentes para simbolizar o período em

que estava inserido, não só no tocante à liberdade, mas, sobretudo, porque, neste contexto, a

ideia do liberalismo está relacionada amplamente à ideia de Revolução. Lutar a favor ou

contra a liberdade era um elemento que constituía e caracterizava de certa forma, a vida

pública do século XIX.

Neste sentido, é preciso considerar que o Liberalismo, no entanto, como afirma

Rémond (2018), não pode ser colocado, neste período, apenas numa conotação econômica,

como por vezes é compreendido; mas, é necessário considerá-lo como “um sistema completo

que engloba todos os aspectos da vida na sociedade, e que julga ter resposta para todos os

problemas colocados pela existência coletiva” (p. 16), o liberalismo é uma filosofia política

voltada para a ideia de liberdade em todos os seus sentidos; e que foi utilizado de modo mais

radical ou mais moderado, conforme as interpretações e os contextos.

À medida com que se expandia a ideia revolucionária, a perspectiva e influência

liberal também se ampliavam e se consolidavam no imaginário em diversos âmbitos. Era a

pauta central do jogo político e social na modernidade. Podemos destacar a presença desta

Filosofia Política na arte, por exemplo, como é caso da famosa obra de Eugène Delacroix, A

Liberdade guiando o povo, que representa os levantes e, de maneira especial as Jornadas de

fins de julho de 1830 ocorrida na França contra o rei Carlos X, símbolo do movimento de

Restauração.

Figura 1: A Liberdade guiando o povo. Eugène Delacroix. 1830.

Óleo sobre tela. 260 X 325 cm. Museu do Louvre, Paris.

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27

O quadro possui, em seu cerne, diversas prerrogativas existentes no período: primeiro,

a expectativa depositada de forma ampla, e, por vezes, passional, nos ideais políticas liberais;

depois, a representação da destruição do despotismo absolutista, com a imagem dos soldados

do rei massacrados no chão; e por último, a esperança no reerguimento e consolidação das

demandas revolucionárias, representadas, especialmente, pela centralidade da figura da

mulher, simbolizando a própria liberdade, que serve de baluarte para o povo, que a segue com

armas nas mãos. Além da bandeira tricolor (vermelha, azul e branca), que fora utilizada no

contexto da Revolução de 1789, até a derrota de Napoleão em Waterloo. Todo este imaginário

cobria as idealizações em torno da filosofia liberal.

***

Neste contexto de liberdade, foi erguida a figura da nação, que ocasionará na

emergência da ideia de Estado-nação. Para os progressistas, o símbolo mais importante não se

manifestava no monarca, mas na própria nação, e para compreender tal ideia é necessário

abordar que, a partir deste período a ideia de nação se constitui com certa sacralidade (NORA,

1993), é uma espécie de ente que acolhe e une fraternalmente todos outros indivíduos que o

compõe, e os faz progredir. Há no nacionalismo uma mística e um irracionalismo (NORA,

1989).

Todos estes aspectos atrelados ao sentimental permeiam o conjunto que se congrega

em torno de um Estado, por uma identificação nacional22

. Por isso também o mito será algo

característico do aspecto nacionalista, bem como o elemento afetivo, ou seja, há algo, em um

passado longínquo que liga a todos que ali nascem, e isto justificaria a existência e a soberania

da nação:

Admite-se normalmente que os estados nacionais são “novos” e “históricos”, ao

passo que as nações a que eles dão expressão política sempre assomam de um

passado imemorial, e, ainda mais importante, seguem rumo a um futuro ilimitado. É

a magia do nacionalismo que converte o acaso em destino. Podemos dizer com

Debray: “Sim, é puro acaso que eu tenha nascido francês; mas afinal, a França é

eterna”. (ANDERSON, 2008, p. 38)

22

É neste contexto de criação dos Estados-nação que desponta a História como elemento importante para o

poder, pois destacar o vínculo fraterno e evidenciar o passado comum passam a ser, quase que uma vocação dos

historiadores naquele período. A História se torna um instrumento cabal para a consolidação da estrutura

cultural, e o historiador possuía uma função social clara: era o estruturador de uma consciência nacional.

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28

Foi pautado neste prisma, que a lógica do Estado-nação ascendeu na vida política, e

esta ótica oitocentista de Estado está atrelada, sobretudo, à perspectiva hegeliana; e, neste

prisma é concebido como objetivo e norte humano, guiado pela Razão absoluta. O Estado

seria, então, a instância administradora de conflitos e de coesão social:

O Estado, afirma Hegel, “é o racional em si e para si. Esta unidade substancial é um

fim em si absoluto. Ela tem o direito supremo em face dos indivíduos, cujo primeiro

dever é – o de serem membros do Estado”. E Hegel acrescenta com uma clareza que

não lhe é comum: ao se confundir o Estado com a Sociedade Civil, e se o considera

como instituído para garantir a liberdade das pessoas e a segurança das propriedades

então é o interesse dos indivíduos que lhe será seu fim último (...) (LÉVI-BRUHL,

2013, p. 656).

O estabelecimento do Estado estava atrelado às ideias conceituais em torno deste: é o

cerne da organização da sociedade, representaria o auge da civilização, da lei e da ordem. Sua

ausência significaria opostamente, as perspectivas de selvageria, do predomínio da força e da

desarticulação social (WEHLING, 1999, p. 86).

1.2 A filosofia conservadora moderna

Somos anões em ombros de gigantes.

Bernardo de Chartres, século XII.

“Não somos esses convertidos por Rousseau” – esbravejou Edmund Burke23

(1729 –

1797), considerado o pai do Conservadorismo Moderno, em seu mais famoso escrito,

Reflexões sobre a Revolução na França, possivelmente o marco fundador do pensamento

conservador em fins do século XVIII; ou como argumenta Nisbet (1987), o documento que

pode ser considerado a Bíblia do Conservadorismo. Com a frase burkeana buscaremos

compreender de que forma este pensamento se construiu e influenciou também naquilo que

chamamos de movimento conservador no Brasil oitocentista.

23

Político, nascido na Irlanda (colônia inglesa na época), deputado da Câmara dos Comuns, e com grande

influência no Parlamento inglês, como membro do partido Whig. “Burke não escreveu um tratado sobre teoria

política; sua obra consiste em uma série de cartas, discursos parlamentares e panfletos de circunstância, e seu

pensamento, embora altamente imaginativo, é bastante assistemático.” (KINZO, 2000, p. 15).

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29

Em meio às diversas novidades trazidas pela Modernidade, podemos compreender o

Conservadorismo como uma das mais importantes inaugurações para o pensamento político;

e, como argumenta Bobbio (1998), não podemos pensar nas ideias de conservadorismo e

progressismo antes deste período. Tal pensamento [Conservador] não pode ser compreendido

como uma filosofia voltada ao interesse do retorno das antigas estruturas e do Antigo Regime.

Traçamos este debate na busca de compreensão do complexo sistema em torno do

pensamento conservador, que pouco refletido, pode gerar a ideia de se caracterizar como um

imobilismo político ou de uma espécie de reacionarismo (BOBBIO, 1998). Definitivamente,

não se trata disto. Embora exista uma linha reacionária do Conservadorismo, de fato, existem

vertentes que não se encaixam nesta perspectiva.

Ainda nesta direção, levantamos o seguinte questionamento: como nós, historiadores

contemporâneos, podemos compreender o Conservadorismo destes períodos, que nos

antecedem, sem nos perdermos no anacronismo da compreensão atual do conceito24

? Neste

aspecto se centra uma de nossas principais discussões, e neste intuito traçamos o debate da

relação/articulação entre os conceitos de revolução e conservadorismo, sem a qual não é

possível compreender o desenvolvimento e estruturação do pensamento conservador ao longo

do século XIX.

E, há de se considerar que o Conservadorismo se constituiu no decorrer desta fase da

seguinte maneira: primeiro em resposta à ideia de revolução concebida a partir da Revolução

Francesa; segundo, e concomitantemente, colocando o termo revolução no híbrido

terminológico pelo qual o conceito passou ao longo do século, ou seja, entre as compreensões

de retorno e irreversibilidade, conforme discutimos. Terceiro, como as linhas políticas

resultantes do próprio conservadorismo, e também do progressismo compreendiam e

debatiam a respeito das ideias de revolução e liberdade.

Num sermão proferido em Londres em 4 de novembro de 1789, Richard Price,

amigo de Benjamin Franklin e crítico frequente do governo inglês, tornou-se lírico a

respeito dos novos direitos do homem. "Vivi para ver os direitos dos homens mais

bem compreendidos do que nunca, e nações ansiando por liberdades que pareciam

ter perdido a ideia do que isso fosse." (HUNT, 2009, p. 24).

São estas palavras do dissidente protestante Price, que motivaram as palavras das

Reflexões em 1790. Para Burke, a Revolução não vislumbrava a liberdade, mas a anarquia e a

desordem. Portanto, a disputa em torno da ideia de liberdade estava em jogo. Era um conceito

24

Como argumenta Koselleck (1992), um dos desafios principais em traçar uma análise conceitual se configura,

exatamente, pelo fato da palavra permanecer a mesma. Portanto, ao mencionarmos um conceito político em

diferentes fases, tratamos de diferentes compreensões em torno do termo.

Page 30: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

30

central no embate por legitimidade. Na visão burkeana as Revoluções Americana e Gloriosa

se constituíram como verdadeiras revoluções, por estarem contidas na ideia de retorno. Por

esta razão apoiou as reivindicações das Treze Colônias contra o controle excessivo e absoluto

da metrópole, além de compreender tais demandas como lícitas, pois como argumenta em

uma de suas famosas cartas, Letter to the sheriffs of Bristol (1777), era óbvia a necessidade de

maior diálogo e conciliação para que fosse evitada a separação entre a colônia e a metrópole.

Outro ponto interessante de análise se trata da visão do político inglês sobre a questão

do poder real e a relação com a Revolução Gloriosa de 1688. Para Burke era evidente a

importância parlamentar, embora o rei Jorge III tenha buscado a todo tempo reconstituir

premissas absolutistas. Neste prisma, ele se coloca em defesa da ação dos partidos políticos25

como partícipes da vida pública, criticava o uso do favorecimento pessoal para a escolha dos

ministros, e principalmente, atuava e discursava em defesa da Constituição, que simbolizava o

pacto político da sociedade, e ao mesmo tempo, a ligação com a tradição26

: “Nossa

constituição é uma Constituição cuja única autoridade consiste no fato de ter existido desde

tempos imemoriáveis” (BURKE Apud Kinzo, 2000, p. 21).

Aí estava sua legitimidade e poder diante do autoritarismo e dos desmandos; e o

parlamento, por sua vez, era parte dessa simbologia em termos práticos, pois significava o

vínculo com a sociedade. Por outro lado, Edmund Burke se colocava como opositor da ideia

de sufrágio universal, pois, via a Câmara dos Comuns como local de debate entre os homens

de sabedoria, e como expressão máxima do sentimento de nação e da ideia racional.

No entanto, a respeito dos acontecimentos ocorridos além-Mancha, se colocava

totalmente contrário, pois estas rupturas, que a Revolução Francesa buscava, não partiam dos

mesmos princípios conceituais destas duas revoluções citadas. Estamos diante de uma disputa

de conceitos. O que se entendia e denominava revolução estava em jogo e determinando os

posicionamentos políticos. Como argumentou o filósofo Novalis, foram escritas várias obras

antirrevolucionárias sobre a Revolução. Burke escreveu um livro revolucionário contra a

Revolução; ou seja, para o político inglês, a ideia de revolução não deveria ser descartada da

vida pública, mas interpretada corretamente, ou seja, dentro de um aspecto reformista, na

perspectiva de retorno.

O chamado espírito de continuidade e tradição, em maior ou menor escala, foi diluído

e destruído, do ponto de vista do pensamento e das ações políticas ao longo da Revolução de

25 “(..) cabe ressaltar a importância assinalada por Burke aos partidos políticos, peça essencial de um governo

livre. Na verdade, Burke foi quem primeiro atribuiu um significado positivo ao termo partido político,

dissociando-o do caráter faccioso originalmente atribuído aos agrupamentos políticos.” (KINZO, 2000, p. 22). 26

Tradição se constitui como um elemento central para a ideia de Conservadorismo Moderno.

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31

1789 pelos revolucionários, principalmente no período jacobino. Como analisa Kinzo (2000,

p. 19):

Se foi em nome dessas liberdades que Burke se insurgiu contra as investidas da

Coroa em tentar aumentar seu poderio interna e externamente, foi em nome da

ordem e das tradições inglesas que Burke iniciaria uma cruzada contra o

acontecimento histórico mais surpreendente se sua época, a Revolução Francesa de

1789.

Portanto, percebemos nestas linhas a complexidade e desafio de se estabelecer uma

característica única e pontual para o Conservadorismo em Burke, e digamos que, esta

dificuldade se reproduz para todos aqueles que intitulamos como conservadores, exatamente

pela inexistência de uma teoria política sólida (BOBBIO, 1998) que determine o pensamento;

além das próprias divergências entre diferentes tipos de conservadores27

.

Por isso, diante de tantas características imbricadas, seria melhor analisarmos Burke

na esfera de um liberal conservador, pelas diversas premissas modernas que agrega em seu

pensamento. Sem dúvidas, nele podemos perceber o caminho que o Conservadorismo tomou

nestes séculos, como a busca da ideia de progresso, característica desta fase, sem a destruição

da tradição. A ideia dos homens do presente serem anões em ombros de gigantes era latente

para o prisma Conservador: mudar nunca significaria destruir as estruturas, “a revolução é

manca, ironizava Rivarol, a direita marcha sempre para o lado esquerdo, mas a esquerda

nunca marcha para o lado direito” (KOSELLECK, 2006, p. 71), ou seja, sempre há uma

mescla das novas premissas no Conservadorismo.

Outro aspecto imbricado no pensamento conservador deste contexto, como fora citado,

diz respeito à ausência de uma sistematização completa do pensamento, o próprio Burke não

foi sistemático neste sentido em suas Reflexões – “são as circunstâncias que fazem com que

qualquer plano político ou civil seja benéfico ou prejudicial para a humanidade” (BURKE

Apud Kinko, p. 20). Isto se deu pela própria característica do pensamento de ser localizado, ou

seja, de pensar e agir conforme cada situação específica; como argumenta Mannheim (1982) é

preciso conhecer a fundo o movimento e o contexto conservador do período investigado e do

país em questão, a fim de assimilar as nuances deste pensamento na sociedade estudada;

portanto, em nossa análise, isto significa dizer que se trata de uma conjuntura em que a

Europa se encontrava em seus conflitos civis em torno das revoluções e da busca da

Restauração; e a América em ferrenha oposição ao colonialismo e com ampla circulação da

ideia republicana e federalista.

27

No que tange ao período dos séculos XVIII e XIX, podemos detectar a emergência, na Europa e no Brasil, de

Conservadorismos: Reacionário; Reformista; vinculado à escravidão; Regressista; Liberal; etc.

Page 32: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

32

***

No tocante ao seu uso, o termo conservador surge na França em 1818, no jornal Le

Conservateur, sendo empregado como denominação de partido político posteriormente

(Partido Conservador). Portanto, o conceito político migra do contexto social para o contexto

político parlamentar. Estas ideias e realidades sociais estão integradas:

Foi Chateaubriand quem primeiro emprestou à palavra seu significado peculiar ao

intitular de O Conservador o periódico que publicava para defender as ideias da

Restauração política e clerical. A palavra começou a ser usada na Alemanha de

modo mais generalizado durante a década de 30 do século XIX, e foi oficialmente

adotada na Inglaterra em 1835. Podemos tomar o surgimento de uma nova

terminologia como índice do aparecimento de um novo fenômeno social, embora

evidentemente ela pouco diga a respeito da verdadeira natureza deste último.

(MANNHEIM, 1982, 112).

Ou seja, a própria inauguração da utilização política da palavra conservador está

ligada a estas contendas públicas em relação ao termo revolução, reforçando a defesa de nossa

investigação, da dependência, ou melhor, da articulação dos termos.

Figura 2: Jornal “Le Conservateur”, 1818.

Paris, Le Normant Fils, 1818-1820.

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33

Citamos alguns destes aspectos em linhas anteriores, mas, vale apontarmos,

cuidadosamente, os prismas que regem o pensamento conservador quanto à sua estrutura e

crítica aos movimentos progressistas.

Primeiro, o aspecto da novidade, tão vislumbrado e defendido pela Revolução é um

dos principais questionamentos de pensadores conservadores como é o caso do próprio Burke

e também por outros, como Alexis de Tocqueville, que critica a concepção da destruição

promovida pela França revolucionária, com seu amplo aspecto da ideia de um reinício,

principalmente, através da negação do passado em busca de um novo futuro. Segundo a sua

famosa frase, “desde que o passado deixou de lançar luz sobre o futuro, a mente do homem

vagueia na escuridão” (Apud ARENDT, 1997, p. 32).

Nesta mesma linha de pensamento, Burke ressalta um importante aspecto filosófico: a

questão da felicidade28

, sobre a qual aponta que a Revolução Francesa não legou a seu povo.

Neste aspecto, destacou em uma das notas de rodapé das Reflexões, uma das palavras do

deputado Rabaut Saint-Etienne, presidente da Assembleia Nacional, em que o político

argumenta que era necessário mudar os homens, suas ideias, suas leis, alterar todas as coisas,

inclusive as palavras, era preciso, segundo ele, destruir tudo, pois era preciso refazer tudo.

Burke argumenta, em resposta a tais pensamentos, que a anarquia se disfarça de liberdade na

França, sendo também esta uma das principais críticas que pôde ser vista, igualmente, no

âmbito brasileiro, quando se levantavam insurreições diversas. Burke lança, sobretudo, o

prognóstico do período do Terror francês. Para ele, o excesso de repressão política por parte

dos regimes absolutistas abriu a caixa de Pandora, que levou a ideia de liberdade

revolucionária às últimas consequências, do ponto de vista dos sentimentos, dos costumes e

das opiniões morais (BURKE, 2014, p. 99).

Outro ponto de discordância entre progressistas e conservadores está contido na ideia

de democracia. Para o pensamento burkeano era evidente a inviabilidade do processo

democrático, pela sua destruição da estrutura vigente e por sua premissa representativa, que

na visão conservadora, não passava de uma mera regra de número, e a política não poderia

28

A felicidade não pode ser considerada neste contexto como uma simples e superficial palavra, mas podemos

destacar a ideia de felicidade como uma questão central nas discussões durante os séculos XVIII e XIX.

Logicamente é um ponto que acompanha o homem e seus questionamentos desde os antigos, no entanto,

podemos afirmar que recebe um aspecto novo: a felicidade é uma meta política das nações. Ao observá-la como

cerne da Declaração de Independência das Treze Colônias, que salientava: “Consideramos estas verdades como

auto evidentes, que todos os homens são iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que

entre estes são a vida, liberdade e busca da felicidade”; consta igualmente na Declaração de Direitos do Homem

e do Cidadão, ou ainda em panfletos políticos como o Common Sense (1776), de Thomas Paine; em todos estes

se pode destacar a felicidade como preocupação frequente, inclusive nos escritos do Brasil oitocentista.

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34

ser reduzida a esta prerrogativa simplória. Esta característica nos leva a outras duas críticas

veementes do conservadorismo: a questão da igualdade, e a ideia antropológica e filosófica de

homem defendida pelos revolucionários.

Não há igualdade! A sociedade é naturalmente desigual e por isso há nela uma

hierarquia. A ideia de igualdade, para Burke, é uma monstruosa ficção criada pelos

convertidos por Rousseau. Ficção esta, construída “para agravar e tornar mais amarga a

desigualdade real que nunca pode ser eliminada, em que a ordem da vida civil estabelece,

tanto para benefício dos que têm de viver em uma condição humilde [como dos

privilegiados].” (BURKE, apud Kinzo, 2000, p. 21).

Vinculada a esta perspectiva, se encontra a ideia filosófica de homem concreto versus

a ideia de homem abstrato dos revolucionários - que substituía “o indivíduo real tal como de

fato existe na natureza e na história por um “homem geral”” (CHARTIER, 2009, p. 33) -

baseado, segundo a crítica conservadora, em um artificialismo metafísico. Como argumenta

Mannheim (1982), existe um apelo ao concreto, por parte dos conservadores.

Os princípios abstratos, como aqueles defendidos pela Revolução, ou seja, de

liberdade, igualdade, etc., não alcançavam a vida prática e o real. Embora também tivessem,

em certa medida, considerações metafísicas, os conservadores defendiam a importância de

pensar as situações em sua individualidade e pragmaticamente, ou seja, o pensamento

conservador estava ligado à perspectiva imanente. Em outras palavras, não existia o homem,

existiam homens, concretos, com suas constituições culturais próprias, e, conduzidos, não pela

razão, mas pelos hábitos perpetuados através da tradição. Como argumentou o filósofo

Maistre (2010, p. 180): “Já vi, na minha vida, franceses, italianos, russos, etc., sei mesmo,

graças a Montesquieu, que se pode ser persa; mas quanto ao homem, declaro nunca o ter

encontrado na minha vida; se existe, não tenho conhecimento”.

Estas palavras, que soam até sarcásticas, por parte de Maistre, simbolizam esta crítica

conservadora em relação ao pensamento político-filosófico dos progressistas, e estas

ponderações evocam, inclusive, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, que parte

de uma premissa totalmente abstrata, e de uma ideia generalista de homem.

Burke, por outro lado, estava em oposição à ideia do Direito Natural geral propagado

pela Ilustração, e se associava a percepção de que a atenção dos atores deveria se voltar para

o desenvolvimento da história, sem que houvesse rupturas abruptas movidas pelas vontades

abstratas dos homens. Digamos que, no pensamento conservador, há uma desconfiança em

relação à potencialidade racional do homem: o poder, por exemplo, é intrinsecamente

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35

tirânico, se não controlado (BOBBIO, 1998, p. 245). Por isso, a insistência constante de

mecanismos de limitação do poder por parte do Conservadorismo Moderno, como seria o

caso da Constituição na limitação do poder monárquico.

Em última análise, estava em jogo, sobretudo, a disputa conceitual, como forma de

proeminência política, neste emaranhado existente entre os conceitos (KOSELLECK, 1992).

O que define o homem? Ou ainda, é possível defini-lo? Talvez estas sejam algumas das

perguntas que alimentavam a querela neste período:

O Conservadorismo surge só como resposta necessária às teorias que, a partir do

século XVIII, se distanciaram da visão antropológica tradicional, para reivindicar

para o homem a possibilidade, não só de melhorar o próprio conhecimento e seu

domínio sobre a natureza, como também alcançar, por meio de ambos, uma

autocompreensão cada vez maior e, consequentemente, a felicidade. (BOBBIO,

1998, p. 243).

Estas disputas não se encontravam, como salientamos desde o início deste capítulo,

apenas no solo e nos conflitos sociopolíticos europeus, as discussões circulavam por entre as

diversas direções no ocidente. Procuramos então, pensar a respeito de uma compreensão ou

possíveis compreensões ao abordarmos o Conservadorismo oitocentista, e da mesma forma,

discorrer sobre as questões que permeavam essas concepções no que se refere às suas

convergências e divergências na análise do Brasil neste mesmo período.

1.3 Revoluções e consolidações no contexto brasileiro (1831 – 1850)

No caso brasileiro, o período regencial (1831-1840) torna-se cabal para a discussão

que traçamos neste debate, primeiro, por se tratar de uma fase extremamente conturbada na

esfera política e que estava no bojo dos acontecimentos finais do Primeiro Império; segundo,

como argumenta Marcelo Basile (2014), pela herança que tal contexto deixou para a vida

política do Segundo Império:

Marco Morel o definiu como um grande “laboratório” político e social, no qual as

mais diversas e originais fórmulas politicas foram elaboradas e diferentes

experiências testadas, abarcando amplo leque de estratos sociais. (...) A edificação

da nação, nesse momento, passava substancialmente pela via do espaço público,

sendo marcada por autênticas “guerras de opiniões”, por “guerras de doutrinas”.

(BASILE, 2014, p. 97 – 98).

Como argumentou um dos principais políticos da fase Regencial e do Segundo

Império, Bernardo Pereira de Vasconcelos, o principal foco dos grupos mais ligados a uma

perspectiva conservadora, era conter aquilo que entediam por excessos, e findar com as

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36

guerras mencionadas no trecho anterior. A ideia principal era fechar o abismo da revolução e

parar o carro revolucionário no Brasil (Apud MOREL, 2003, p. 20). Revolução, portanto,

também nos trópicos, se constituía como uma ideia da qual era impossível ser indiferente no

século XIX: as ações políticas se davam em torno deste conceito, ou estabelecendo a ideia de

revolução a partir daí.

Neste prisma, o carro da revolução foi uma preocupação constante, principalmente,

pelo pulular frequente das chamadas revoltas, que foram muitas, principalmente na fase das

Regências (conforme quadro a seguir); e, que assim como no contexto europeu, passavam por

uma disputa, não somente no âmbito sociopolítico, mas também, e consequentemente,

semântico: as diversas insurreições regenciais eram compreendidas na ótica do poder como

espécies de traições, e que, assim sendo, deveriam ser contidas. Ou seja, ainda na esfera de

definição imbricada.

O que no Brasil criou-se o costume de nomear como revolta passava igualmente por

essa disputa conceitual entre a ideia de contravenção e conspiração, e a ideia apontada por

Liancourt: une révolution, ou seja, incontornável, irreversível, e, sobretudo, legítima. Tal

legitimidade passava pela batalha semântica existente no contexto. Como argumenta Morel

(2003), esta foi a palavra-chave dessa era, ou em nossos termos, se constituiu como um

conceito elementar para a compreensão do contexto, o termo era um “inevitável divisor de

águas na cena pública, como se tivesse vida e movimentos próprios” (MOREL, 2003, p. 20),

o jogo político se movia em torno deste.

E, sem dúvidas, a tessitura política que compôs o período posterior, na segunda fase

imperial do Brasil, começou a ser estruturada neste contexto; os personagens, no jogo

político, se moviam em relação à conjuntura revolucionária. Neste prisma, havia, de forma

geral, três atitudes em relação à Revolução (IDEM, 2003, p. 21): negação de sua existência

(absolutistas e ultramonarquistas), complementação e encerramento (liberais conservadores) e

continuidade ao processo revolucionário (liberais revolucionários). Estas vertentes

compunham a cena política e davam tom ao contexto regencial.

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37

Figura 3: Mapeamento das revoltas regenciais.

BASILE, M. Laboratório da nação: a era regencial (1831-1840), p. 69, 2014.

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38

Após a saída de Dom Pedro I29

o clima ficou ainda mais conturbado no cenário

sociopolítico e, tanto as ideias de uma revolução em curso, quanto à ideia de vazio de poder30

se engendravam no imaginário coletivo e acaloravam ainda mais a esfera política. Estas

foram, sem dúvidas, algumas das causas pelas quais ainda em 1831 (e, digamos que às pressas

para conter as ideias revolucionárias), tenha-se criado o primeiro triunvirato: a Regência Trina

Provisória, composta pelo chefe militar Francisco de Lima e Silva, pelo senador Nicolau

Vergueiro, que atuou na sedição de Dom Pedro, e pelo tradicional membro da Corte, José

Joaquim Carneiro de Campos, o marquês de Caravelas, e que durou cerca de sessenta dias.

Tal comando foi substituído pela Regência Trina Permanente, liderada pelo mesmo

general Lima e Silva, como um dos principais nomes deste período, e pelos deputados José da

Costa Carvalho e José Bráulio Muniz. Davam, então, prosseguimento às ideias de um Brasil

moderado politicamente, e que possuía, no geral, o viés de encerramento da Revolução no

país e continuidade do caminho ordeiro de progresso, removendo os resquícios do

“Absolutismo” do Estado imperial, característico por sua centralização de poder político.

O despontar de mudanças bruscas na política e a necessidade de corroborar o discurso

moderado supracitado, e, de não romper de forma taxativa com a tradição, fazia com que,

neste contexto, a ala mais radical dos liberais fosse colocada, paulatinamente, de fora do

poder regencial, e consequentemente, das decisões do governo.

29

Inclusive, a renúncia do Imperador foi interpretada também nos quadros revolucionários, pois, de fato as

insatisfações com a figura de Dom Pedro I cresciam de forma avassaladora, e este era frequentemente, associado

à figura de um tirano. À medida que as notícias das insurreições de julho de 1830, que destronaram Carlos X,

chegavam ao conhecimento popular, Dom Pedro era ainda mais comparado ao monarca francês, associado à

ideia de um soberano despóstico e absolutista, e que deveria ser também retirado do trono. A França passava a

ser vista, no Império brasileiro, como exemplo de liberdade (MOREL, 2003). 30

Vale destacar que as diversas formas de compreensão que pairavam em torno do termo revolução estavam em

jogo na esfera política pelos diferentes grupos que divergiam no poder. Neste contexto definir os rumos do

movimento revolucionário, definiria, consequentemente, a compreensão da palavra e a manutenção do poder.

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39

1.3.1 A estrutura dos partidos e a gênese da configuração imperial

Destaquemos, a esta altura, este fator central para o processo de desvelamento do

Conservadorismo brasileiro: a discussão em torno do que posteriormente seriam os partidos

políticos31

no contexto do Segundo Império, e que, em certo aspecto, constroem as bases de

compreensão da sociedade e do poder.

Segundo Evaristo da Veiga (Apud HOLANDA, 1992, p. 25), “não há senão dois

partidos no Brasil, chimangos ou amigos da Revolução e caramurus ou inimigos dela”.

Portanto, a própria construção da ideia de partido estava, em alguma medida, articulada com a

ideia de revolução. Estar contra ou a favor do processo revolucionário dizia muito de cada

ator na cena política.

Partidos Exaltado, Restaurador e Moderado, estes davam tom ao contexto político do

período. E, posteriormente, com suas mudanças, dariam corpo aos partidos do Segundo

Império. Neste momento, o partido dos liberais exaltados defendia, sobretudo, a ideia de uma

descentralização política, administrativa e, principalmente, o federalismo, e convocavam a

todo tempo a maior participação popular, também das camadas mais pobres da sociedade para

a atuação política, inclusive através da luta armada. O ideário da soberania popular era latente

para este partido.

Amplamente influenciados pelos movimentos revolucionários europeus, e pelas

filosofias políticas de Rousseau, Montesquieu e Thomas Paine, não participaram diretamente

do poder. Como argumentou Teophilo Ottoni: “vi com pesar apoderarem-se os moderados do

leme da revolução, eles que só na última hora tinham apelado conosco para o juízo de Deus”

(APUD BASILE, 2014, p. 61). No entanto, por meio de levantes e revoltas estabeleceram

larga influência no cenário político; e, por suas ações, por vezes radicais, eram criticados,

principalmente pelos moderados, por se renderem as paixões e sentimentos e insuflarem o

povo ao anarquismo e a irracionalidade política. Estavam atrelados, sem dúvidas, à ideia de

Revolução como um movimento de irreversibilidade.

O partido Restaurador, por sua vez, se caracterizou, especialmente, pela defesa da

legitimidade do Império português e do Antigo Regime. Destacou a ideia da soberania

31

A ideia de partido não pode ser compreendida, pelo menos até fins do século XIX, tanto na Europa quanto no

Brasil, com a mesma roupagem que entendemos atualmente, ou seja, como organização a partir de determinados

critérios para ação na cena política (MOREL, 2003). Entretanto, nestes períodos, os partidos devem ser

compreendidos como uma espécie de agrupamento daqueles que têm percepções e ideias políticas iguais ou

similares, caracterizado por um senso de liderança altamente pessoal (NEEDELL, 2009). Mesmo porque a ideia

de partidarização era vista, principalmente na fase regencial, como um ataque à ordem e à unidade da pátria.

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40

monárquica, em detrimento a perspectiva da soberania popular, e neste período, pleiteava,

principalmente, o retorno de Dom Pedro I ao trono brasileiro, além de defender a ideia de um

governo que fosse centralizador, aos moldes absolutistas, ou “apontavam para o reforço do

poder de antigos corpos sociais, como senhores locais, oligarquias, clero e suas clientelas”

(MOREL, 2003, p. 36). Após a morte do imperador, em 1834, se abalou sua principal pauta,

mas, abriu precedente para a junção posterior com os Liberais Conservadores.

Alguns dos principais representantes deste posicionamento político foram os irmãos

Andrada e no contexto das disputas e críticas políticas, os adeptos deste partido eram

frequentemente chamados de caramurus, ou ainda corcundas, pois eram criticados por se

curvarem ao despotismo32

.

Por fim, o partido dos liberais moderados, também chamados de homens bons

(MOREL, 2016), que por sua vez possuía como principais referências filosóficas pensadores

como Montesquieu, Locke, Guizot e Benjamin Constant, e a partir de uma perspectiva

racionalista (soberania da razão), da qual se diziam representantes, apontavam o liberalismo

político numa perspectiva clássica de equilíbrio (juste milieu), que reformaria os meandros da

política, e, ao mesmo tempo, manteria a ordem.

Posicionavam-se contrários ao Absolutismo e ao despotismo, e igualmente, à ideia de

revolução como destruição das estruturas, e consideravam-se finalizadores do processo

revolucionário. Moderação significava para eles, muito mais do que uma vertente política, era

civilização, sabedoria e equilíbrio entre antigo e novo. E, sobretudo, uma forma de agir diante

das questões da vida em sociedade.

***

As ações das diferentes frentes políticas devem ser destacadas junto ao amplo

movimento que também passou a ser exercido pela imprensa nesta fase, alterando, como

argumenta Morel (2005), até mesmo os espaços de sociabilidade. Cartazes, panfletos etc. com

críticas à política se faziam notar nas praças públicas, transformando a conexão da sociedade

com a esfera política.

32

Outras denominações pejorativas, como argumenta Morel (2005), eram atribuídas aos Restauradores, tanto

pela imprensa, quanto nas discussões parlamentares – eram chamados, corriqueiramente, de caveiras, mariolas,

pés-de-chumbo, marinheiros, papeletas, marotos.

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41

Os debates ocorriam não só por meio dos debates parlamentares, mas se intensificaram

em outras esferas da sociedade. Mesmo havendo dificuldade desta comunicação, pelo grande

número de analfabetos, este fator era superado pelas leituras públicas em voz alta, por

exemplo. Fato é que, a esfera pública se abriu, consideravelmente, ampliando os debates a

respeito das questões políticas.

Muitos periódicos que começaram a circular estavam vinculados aos membros destes

diferentes partidos, e, com isso, os debates, as críticas, as querelas33

, alcançavam a população,

fazendo com que estas disputas ganhassem maiores repercussões. Destaco aqui um exemplo:

“Uns quinze dias antes do afastamento de D. Pedro I do poder, Borges da Fonseca escrevia:

Quando o gôverno é opressor e injusto, só se pode salvar o povo resistindo-lhe. A

REZISTENCIA à opressão é DIREITO natural34

”. (APUD MOREL, 2005, p. 110).

Como é possível perceber no apontamento de Borges da Fonseca, os conflitos se

davam, de forma ainda mais ampla nesta arena. As diferentes compreensões de nação e

governo se faziam notar através da mobilização da opinião pública, que paulatinamente, se

ampliava; entre as décadas de 1820 e 1840, com destaque para o claro aprofundamento na

década de 1830, os jornais e panfletos se desenvolveram de maneira considerável e “os

homens da época vinculavam o fenômeno [junto às associações] ao novo tempo de liberdade

advindo da Revolução de 7 de Abril” (BASILE, 2014, p. 66).

***

Detalhando, então, esta gênese da configuração partidária, podemos salientar que,

sem dúvidas, estas faces movimentaram o período regencial, que é um dos mais imbricados e

complexos politicamente, e isto significa dizer também e, consequentemente, que este período

foi repleto de mudanças e novas estruturações na vida política. Constitucionalmente, houve

alterações significativas no âmbito do governo central: a transformação do Império em uma

33

“Esse desenvolvimento da imprensa vinculava-se intimamente às disputas políticas, à emergência de diferentes

projetos políticos e à mobilização da opinião pública. Foi a arena na qual os debates transcorreram com maior

abertura e amplitude, além de franca virulência, facilitados pela relativa liberdade de expressão e pela prática

comum do anonimato” (BASILE, 2014, p. 65).

Jornais como Aurora Fluminense, de Evaristo da Veiga; Sete d‟Abril, orientado por Pereira de Vasconcellos; O

Justiceiro, do padre Diogo Feijó; O Sentinella do Serro, de Teophilo Ottoni são alguns exemplos de jornais que

foram veiculados na época com forte teor político dessas lógicas partidárias. 34

Nesta mesma perspectiva podemos destacar a circulação da ideia de um Direito natural, argumentado por

figuras do contexto europeu, como John Locke, por exemplo.

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42

monarquia federativa; a extinção do poder moderador; e a mudança no senado para cargo

temporário foram algumas das medidas importantes do período regencial, sobretudo, no

intuito de uma paulatina descentralização do poder:

Graças ao empenho dos moderados na Câmara, medidas nesse sentido começaram a

ser tomadas ainda na época de d. Pedro I, com a instituição, em 1827, dos juízes de

paz (já prevista na Constituição de 1824) e, em 1830, do Código Criminal. Aqueles

eram magistrados não profissionais e sem remuneração, eleitos pelos votantes do

distrito de sua jurisdição, inicialmente encarregados de promover conciliações em

pequenos litígios e ações cíveis, e de manter a ordem pública local; sua criação era

um ataque direto à velha magistratura profissional (...) e uma forma de descentralizar

e reduzir a interferência do imperador sobre o Judiciário. (BASILE, 2014, p. 73).

Podemos dizer que tais mudanças estavam num crescente, especialmente pela eleição

direta do chefe do Poder Executivo, o regente uno, moderado, padre Diogo Feijó, em 1835,

vencendo o caramuru, Hollanda Cavalcanti de Albuquerque. Todas estas características

compreendiam este conjunto que ficou intitulado como experiência republicana brasileira

(MOREL, 2003).

O poder se construía desta forma no cenário político, e no campo social as demandas

eram ainda mais intensas, e não paravam de brotar através de revoltas, levantes (revoluções),

que eram influenciadas em ampla medida, pelo pensamento político liberal: os movimentos

no Maranhão, Piauí, Bahia, Minas Gerais, dentre outras localidades, participavam do prisma

internacional que se instaurava desde as Revoluções na América e Europa, e pressionava o

governo regencial: “Os motins e sedições espalhavam-se em proporção crescente em todo o

país, em grande parte integrados por soldados das forças regulares, nas quais o governo não

confiava mais para reprimir as contestações”. (MOREL, 2003, p. 29).

Estas revoltas foram, junto às pressões de seus antagonistas, causas cruciais da perda

de poder do regente Diogo Feijó, e “ao mesmo tempo, difundia a imagem de um governo

caótico e vacilante, incapaz de conter a anarquia” (BASILE, 2014, p. 85), além dos atritos

pelas políticas imputadas por sua gestão que entraram em conflito direto com a Igreja

Católica, principalmente pela questão do celibato clerical, e com a imprensa, pelas tentativas

de restrições à liberdade.

O ano de 1837 é, então, o momento que podemos salientar como início de um

rearranjo político importante para a compreensão da estrutura relacional revolução-

conservadorismo no Brasil. O chamado Regresso Conservador começa a se estruturar no

âmbito da política em oposição ao republicanismo que emergia. A preocupação com os

avanços revolucionários progressistas era latente, e a ala mais conservadora da política se

posicionou de forma enfática:

Page 43: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

43

A palavra decisiva, para essas forças, passou a ser “ordem”. Levantaram o

espantalho da “anarquia” e até o da secessão. Apresentaram-se como fiadores e

asseguradores da unidade nacional. Criaram instrumentos adequados de repressão.

Podaram as manifestações eleitorais, garantindo a maioria nas Câmaras: a partir da

Regência de Feijó, assinala-se progressivo declínio na representação parlamentar da

esquerda liberal. (SODRÉ, 1999, p. 129).

Entre rebeliões provinciais, pressões políticas, e tempestades sociais que abalaram o

país, foi traçado o caminho do regresso (Idem, 1999). O padre Feijó, e consequentemente, os

rumos mais progressistas perdiam forças, e em 10 de julho de 1837 a Comissão das

Assembleias Legislativa da Câmara formada pelos regressistas, Paulino Soares de Souza,

Miguel Calmon e Carneiro Leão, apresentou o projeto de interpretação (conservadora) das

reformas instituídas através do Ato Adicional de 1834, “era claro o intuito de reduzir os

efeitos da descentralização, retirando parte significativa da autonomia provincial” (BASILE,

2014, p. 88). Tal reinterpretação seria aprovada no ano seguinte com o prosseguimento do

regresso e as ações contínuas para conter o carro da revolução.

“Não devo por mais tempo conservar-me na regência; cumpre, que lanceis mão de

outro cidadão, que mais habil, ou mais feliz mereça as sympathias dos outros poderes

políticos.” (ANNAES DO PARLAMENTO, 1887). Com tais palavras Feijó renuncia seu

cargo de regente, e assume, interinamente, o ex-caramuru e agora regressista ministro Araujo

e Lima, que em abril de 1838 seria eleito pelo voto. Do seu lado no governo estariam Paulino

Soares de Souza e Euzebio de Queiroz, compondo o novo rumo da política, e o futuro Partido

Conservador35

.

Fato é que a influência da política regressista, tanto em fins da Regência, quanto no

Império, tomou conta do contexto político brasileiro de diversas formas: por meio da política

parlamentar, das ações econômicas e administrativas, e através do imaginário coletivo. Vale

lembrar que Araújo e Lima reestabeleceu o ritual do “beija mãos” no aniversário de 13 anos

do imperador e, como é relevante neste estudo, da movimentação intelectual (a fundação do

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro faz parte desse empreendimento).

À medida, então, que a força conservadora se ampliava no cenário político, a busca de

contorno desta situação, por parte da ala progressista, se ampliava igualmente. As crises e

revoltas nos diversos setores da sociedade persistiam e com isto, de alguma forma o terreno se

35

Destaco aqui que Jeffrey D. Needell em Party formation and state-making: the conservative party and the

reconstruction of the brazilian state (APUD BASILLE, 2014, p. 117) destaca, de forma enfática, que até a fase

final da regência não se falava em Partido Conservador, que passa a ser utilizado somente no Segundo Reinado.

Usa-se neste período “Regresso”, como discutimos neste tópico, ou ainda “Partido da Ordem”.

Page 44: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

44

tornava propício para trazer à tona a proposta de maioridade do imperador, que era pauta

desde 1835, e desta maneira, conter o avanço e o protagonismo conservador no poder.

A estratégia se pautou em reforçar todo o simbolismo em torno da figura imperial,

considerando-a como único elemento capaz de evitar a anarquia e estabelecer a valorizada

ordem. Ou seja, o discurso utilizado pelos progressistas para irromper a proposta da

Maioridade foi o mesmo que os regressistas utilizavam para permanecer no poder.

O Clube da Maioridade, também chamado de Sociedade Promotora da Maioridade foi

então fundado com esta finalidade em abril de 1840, tendo como membros figuras como José

de Alencar, Teophilo Ottoni e Hollanda Cavalcanti. Buscaram apresentar ao Senado a

proposta de imediata mudança na idade considerada como propícia para o herdeiro subir ao

trono. O requerimento e o discurso tomou tamanha proporção que se tornou impossível conter

tal empreendimento, pois a ideia de que a imagem do imperador era essencial para

“restabelecer a ordem que o Regresso tanto pregava” (BASILE, 2014, p. 95) se alastrou no

contexto brasileiro.

“- Quero já!” – estas são as conhecidas palavras do imperador quando perguntado se

gostaria de assumir antecipadamente os rumos do Brasil. Um imperador com sangue da

monarquia europeia era visto como esperança, tanto pela ala progressista, quanto pela ala

conservadora, principalmente como forma de amenizar o medo constante da anarquia e das

correntes políticas vinculadas ao federalismo e ao republicanismo. A figura do Imperador

seria o símbolo de conexão e vínculo do país, o elo entre a Europa e o Brasil: “(...) o peso da

mística que envolvia a figura do imperador e a força da tradição monárquica, ajudaram a

cimentar a recomposição da elite política e a definir, assim, um importante mecanismo

regulador de conflitos” (...). (BASILE, 2014, p. 99).

Pois bem, para a esfera progressista da política, um monarca significava a

possibilidade de ascensão das ideias liberais, a partir dos exemplos provenientes das

monarquias constitucionais europeias; para a matriz conservadora, a figura real poderia ser a

possibilidade de solidificar as estruturas iniciadas pelo Regresso. Nestas duas possibilidades

existentes, a segunda foi a vencedora, iniciando uma conjuntura conservadora no âmbito do

poder, mas isto não significa, de forma alguma, que esta conjuntura, era isenta de conflitos.

***

Page 45: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

45

A fase inicial do Segundo Império, ou seja, de meados do século XIX, foi decisiva

para a corroboração da ideia de unidade em torno de Dom Pedro II. A elite política, neste

primeiro momento, em constante conflito entre as partes progressista e conservadora, tanto

na esfera do governo, quanto da sociedade civil, caracterizava, o que foram os primeiros anos

do governo monárquico, ou seja, de intensos duelos de influência das duas frentes sobre a

administração imperial, com notório crescimento do setor conservador.

É a partir deste contexto que podemos começar a definir realmente a existência de dois

partidos na cena parlamentar, ambos de viés liberal – com suas particularidades, obviamente –

um mais à direita, no caso do Partido Conservador; e outro mais à esquerda, intitulado como

Partido Liberal. O primeiro, proveniente do vínculo entre os antigos Restauradores e uma ala

dos Moderados, e tinha como bandeira e principal preocupação política com o fortalecimento

da ideia monárquica, vinculada a defesa da escravidão e da unidade do territorial; o segundo

partido foi constituído pela outra ala dos Moderados e pelos liberais Exaltados, e defendiam,

especialmente, a descentralização do poder, e alguns ramos reivindicavam o republicanismo;

estavam conectados aos levantes políticos que movimentaram esta fase imperial.

Neste embate político, o imperador buscou, nos primeiros anos, como estratégia,

intercalar o Ministério entre o partido liberal e conservador. Após 1841, no entanto, os

conservadores foram colocados por Dom Pedro II a frente, e estes, que haviam começado a

despontar na cena política com maior amplitude desde o início do Regresso, conseguem desta

maneira, chancelar as ideias de retorno conservador, iniciadas em fins da década anterior.

Chegam, nesta fase, ao apogeu de sua atuação nos rumos do país, intitulada, inclusive por

Ilmar Rohloff de Mattos (1987) como tempo Saquarema, exatamente por seu protagonismo

político.

Também pelo mesmo motivo do protagonismo saquarema, os integrantes do partido

Liberal começam a ser denominados de luzias; intitulados desta forma pelos conservadores

por conta de uma das grandes derrotas dos liberais no conflito na Vila de Santa Luzia, em

Minas Gerais, no ano 1842.

As derrotas ao longo de todo este período por parte dos luzias foram tão significativas

que não se deram apenas no âmbito dos levantes civis, mas também, e principalmente na

esfera parlamentar. Podemos salientar, inclusive, as diversas reformas que foram estruturadas

pelos regressistas, principalmente do ponto de vista da centralização do poder: especialmente

pela já citada reinterpretação do Ato Adicional da Regência, que podemos salientar que teve

como auge o retorno do Poder Moderador e do Conselho de Estado em 1840.

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46

Além disso, pelo menos até 1860, o partido não foi tão contundente em suas propostas

quando alcançava o poder ministerial, e, sobretudo, não mudavam politicamente, as

características centralizadoras dos saquaremas. Por isso, a famosa frase e acusação de

Holanda Cavalcanti: Nada tão parecido com um saquarema, como um luzia no poder!

(APUD MATTOS, 1987).

No entanto, embora houvesse uma crítica à atuação política dos luzias, a tensão

revolucionária causada pelo partido existiu, de maneira vívida, ao longo de toda a fase

analisada. A Revolução Praieira, de cunho liberal, republicana, ocorrida na Província de

Pernambuco em 1848, preocupou conservadores, e serviu de parâmetro revolucionário para

outros movimentos; e juntamente com a Revolução Pernambucana de 1817, se tornou central

no imaginário.

E, como exemplo deste imaginário, destaco uma cantiga pernambucana, deste período,

que criticava uma das famílias que representava o poder centralizador do Império (família

Cavalcanti) da seguinte forma: “Quem viver em Pernambuco, não há de estar enganado, que

ou há de ser Cavalcanti, ou há de ser cavalgado” (Apud MIGOWSKI, 2019, p. 102).

Page 47: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

47

1.3.1.1 O cativeiro como instrumento político

A máquina brasileira de morar, ao tempo da colônia e do

império, dependia dessa mistura de coisas, de bicho e de

gente, que era o escravo. Se os casarões remanescentes do

tempo antigo parecem inabitáveis devido ao desconforto, é

porque o negro está ausente. Era ele que fazia a casa

funcionar: havia negro para tudo – desde negrinhos sempre

à mão para recados, até negra velha, babá. O negro era

esgoto; era água corrente no quarto, quente e fria; era

interruptor de luz e botão de campainha; o negro tapava

goteira e subia vidraça pesada; era lavador automático,

abanava que nem ventilador.

Lúcio Costa, 1951.

Outro elemento que abarcou as querelas acaloradas entre conservadores e liberais na

vida política do século XIX do Brasil foi, sem sombras de dúvidas, a questão movida em

torno da escravidão, e dos movimentos de cunho liberal progressista ou revolucionário, que

reivindicavam medidas abolicionistas. À medida que as políticas do Regresso se estruturavam

paulatinamente, estes buscavam colocar, cada vez mais à margem da vida pública as

discussões em torno da liberdade, no entanto, isto se fez impossível àquela altura: abolição

tornou-se, junto aos debates referentes à unidade, um tema obrigatório.

A escravidão foi tornando-se, progressivamente, o calcanhar de Aquiles da

Monarquia, um problema a ser solucionado, pois enfrentou opiniões diversas, principalmente,

nos meandros parlamentares e nas relações exteriores. Exemplo disso é o caso da Convenção

entre o Império do Brasil e a Grã-Bretanha para a abolição do tráfico de escravos, assinado

em 23 de novembro de 1826, que “declarava que o comércio interatlântico de escravos se

tornaria ilegal três anos após a ratificação do acordo, que ocorreu em 13 de março de 1827”

(BASILE, 2000, p. 215), o que, sem dúvidas, demonstra a ampla pressão europeia em torno

da escravidão e que, obrigava a tomada de atitudes internas a este respeito.

As discussões desta pauta, gradualmente, se acirraram36

, e as críticas, ao longo da fase

imperial se aprofundaram, gerando, em contrapartida, reações. O próprio romancista, José de

36

Como argumenta Parron: “Ao longo da década de 1840, a política do contrabando negreiro condicionou o que

poderia ser dito ou silenciado nos espaços públicos brasileiros, aceito ou negado no centro de decisão do Estado

nacional e até mesmo criado ou omitido nos discursos artísticos. Entretanto, seria equivocado acreditar que os

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48

Alencar direcionou algumas missivas ao imperador37

, apontando a justificativa do cativeiro

pela perspectiva da inevitabilidade de uma libertação lenta pela grande necessidade do

trabalho escravo no Império, criticando de forma irônica, inclusive, os juízos europeus

filantrópicos a respeito da escravidão:

Bem o sabeis senhor, da Europa, e com especialidade de Inglaterra, França e

Alemanha, tão abundantes de filantropos como de consumidores dos nossos

produtos. Não fomos nós, povos americanos, que importamos o negro da África para

derrubar as matas e laborar a terra; mas aqueles que hoje nos lançam o apodo e o

estigma por causa do trabalho escravo. O filantropo europeu, entre a fumaça do bom

tabaco de Havana e da taça do excelente café do Brasil, se enleva em suas utopias

humanitárias e arroja contra estes países uma aluvião de injúrias pelo ato de

manterem o trabalho servil. (ALENCAR, 2008, p. 89).

Ainda na fase regencial, com aprofundamento no Império, os debates e as críticas no

contexto nacional se expandiram e adentraram as discussões a despeito da tentativa contrária

por parte de um grupo de conservadores, como o exemplo alencariano apontou. Fato é que se

tornou um tema impulsionado pelo embate entre forças de diferentes pensamentos38

, com

diferentes propostas em torno da abolição. O Conservadorismo enquanto partido, no entanto,

tinha uma proposta clara, através de seus representantes, de conter os avanços abolicionistas e

frear qualquer tipo de movimentação por parte dos escravos:

(...) o Regresso e o Partido Conservador, no futuro, dirigiram incontestavelmente o

Estado brasileiro de 1837 até o decênio de 1860, entendendo por “dirigir” não

exatamente o controle do Executivo, senão o consenso por eles instilado em torno da

ordem do Estado (contra as liberdades regionais), da autoridade da Coroa (em

desfavor do Parlamento), do princípio monárquico (em prejuízo do democrático), da

unidade territorial e da defesa da escravidão (PARRON, 2011, p. 174).

***

estadistas imperiais estiveram a reboque durante os anos quarenta, apenas à espera de um golpe aplicado contra o

cativeiro para desviá-lo em seguida, pois em cada um dos momentos cruciais da década (1842-1844; 1845; 1848-

1850), eles agiram em nome de interesses escravistas” (2009, p. 157). 37

Em torno do ano de 1867, Alencar, através do pseudônimo de Erasmo, em alusão ao humanista holandês,

Erasmo de Roterdã, inicia a escrita e publicação de uma série de cartas endereçadas ao imperador – “Ao

imperador: novas cartas políticas de Erasmo” – em que apresenta, dentre outros assuntos, discussões a respeito

da questão da escravidão no Império brasileiro. 38

Este tema nos permite perceber que a ideia de Conservadorismo não deve ser analisada de forma homogênea,

nesta fase. O Conservadorismo é, sem dúvidas, multifacetado, tanto na Europa, quanto no Brasil; elemento este

que nos possibilita mencionar a ideia de Conservadorismos, no plural.

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49

Em 07 de novembro de 1831, foi promulgada a chamada Lei Feijó, que declarava o

seguinte: todos os escravos, que entrarem no território ou portos do Brasil, vindos de fora,

ficam livres. Tal lei foi apelidada pejorativamente como Lei para inglês ver, pela acusação de

não ter sido posta em prática com tanta veemência. No entanto, novas interpretações nos

permitem perceber que o Decreto de 1831, acirrou os debates, e durante a Regência Una de

Feijó algumas medidas foram de fato tomadas para o combate ao tráfico, gerando divergentes

opiniões e acirrando os conflitos; segundo Beatriz Mamigonian (Apud PARRON, 2011, p.

137), “a Regência desejou fulminar o tráfico negreiro e, apenas por ser governo fraco, acedeu

a poderosos grupos econômicos do Império”.

A ideia de liberdade, com suas diversas interpretações, movimentou, sem dúvidas, as

estruturas políticas que sedimentavam a ideia do cativeiro. Então, antes de ser uma lei

ilusória, ou para inglês ver, como supunham muitas análises, tal decreto fortificou as

campanhas abolicionistas, que, paulatinamente, se estendiam no Brasil e em outras

localidades. Como o exemplo haitiano demonstrava naquele século, as ideias de liberdade e

abolição do trabalho escravo tinham perspectivas revolucionárias, o que causava aos

defensores da escravidão, uma preocupação com a propagação deste ideário:

(...) a campanha de abolição do tráfico transatlântico de africanos ganhou contornos

de experimento abolicionista por ser considerada, pelos ativistas, um passo para a

abolição da escravidão e por testar a liberdade com africanos resgatados dos navios

negreiros. (MAMIGONIAN, 2017, p. 24).

A Lei Feijó mobilizou as ações, tanto por parte dos escravizados, quanto por parte dos

abolicionistas, que identificados à filosofia política liberal deste período, acirraram os

conflitos pela emancipação real e completa. Neste mesmo prisma, vale destacar que a partir

da data deste decreto, muitos foram os movimentos liberais para colocá-lo em prática pelos

âmbitos legais, e, por outro lado, muitas foram as tentativas do gabinete conservador de inibi-

lo, instaurando uma “nova fase da escravidão, dando aos senhores garantias de defesa da

propriedade adquirida por contrabando” (MAMIGONIAN, 2017, p. 27).

Na política do Partido Conservador, a constante ideia de uma atividade parlamentar

que se opusesse às vozes antiescravistas e justificasse o tráfico, era latente e praticamente

preocupação geral. As ações a favor do tráfico foram tomadas de maneira abrangente “nos

jornais, no Parlamento, nas ações do Executivo, na elaboração de projetos de leis, na

publicação de opúsculos, no patrocínio de livros e, finalmente, no envio de representações

municipais e provinciais” (PARRON, 2011, p. 137). Todas as condutas conservadoras

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50

parlamentares conduziam para esta justificação, inclusive na esfera da sociedade. O político

Bernardo Pereira de Vasconcelos escreveu o seguinte parágrafo em sua gazeta:

Este sr. Deputado disse que a escravidão dos africanos não era tão odiosa como a

representavam alguns outros srs.; que ela era acomodada aos nossos costumes,

conveniente aos nossos interesses e incontestavelmente proveitosa aos mesmos

africanos, que melhoravam de condição; e confirmou quanto disse com a opinião

dos filósofos antigos, e com exemplos de todas as nações civilizadas e não

civilizadas, concluindo que a abolição deste tráfico não era objeto de lei, mas que se

devia deixar ao tempo e ao progresso do país: quando o tráfico não conviesse mais

aos interesses públicos e particulares, seriam estes os seus mais pronunciados

inimigos (PARRON, 2011, p. 104).

“Regresso, ordem, tráfico, escravidão. O resto era o caos” (IDEM, 2011, p. 205). Esta

perspectiva, resumida em algumas palavras configuravam os pontos cruciais da política

conservadora parlamentar, e, traziam à tona as preocupações e objetivos constantes deste

partido. Por outro lado, é verdade igualmente, que diversas condutas antiescravistas foram

tomadas, especialmente, ao longo da segunda metade do século XIX.

As influências intelectuais, liberais, abolicionistas, enfim, revolucionárias, no sentido

progressista do termo, também se aprofundaram nesta fase, além das políticas antiescravistas

advindas da Europa, que de alguma maneira, auxiliaram no desenvolvimento de ações

internas, ainda que lentas, no caminho da concepção de leis para o fim do tráfico e escravidão

no Império. Destaquemos duas delas compreendidas no período analisado; a primeira se trata

do Bill Aberdeen, promulgada unilateralmente, em 08 de agosto de 1845, pelo Parlamento

inglês, que autorizava a apreensão de navios suspeitos de transportar escravizados no

Atlântico. Por essa medida, o Bill Aberdeen levantou críticas por parte dos diversos estadistas

que analisavam o ato como um ataque à soberania do Império, e a oposição à medida era

desviada, desta forma, dos debates em torno da escravidão, e voltadas para o aspecto do

ataque à soberania brasileira.

A lei Eusébio de Queirós (Lei nº 581), promulgada em 04 de setembro de 1850,

proibindo a entrada de africanos no Brasil, demonstra igualmente, este crescimento das

discussões em torno da escravidão, em detrimento da busca conservadora de contornar tais

demandas. O decreto, advindo do próprio gabinete conservador (e pode ser considerado como

uma derrota para o partido), era fruto do impasse das relações com a Inglaterra

(CHALHOUB, 2007), mas também de outro elemento destacado, inclusive, pelo ministro

Eusébio de Queirós, em um de seus discursos, ou seja, o sintoma de gravíssima natureza que

produzia um terror (Apud CHALHOUB, 2007, p. 326) que eram os levantes escravos.

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51

A esta altura, deve ser considerado que, os escravos eram mais do que um grupo de

mão-de-obra; caracterizavam-se por suas alianças, por seus levantes, e movimentavam a cena

política, com seus vislumbres de liberdade39

. Neste sentido, destacamos a ponderação de

Parron acerca da organização e mobilizações escravas, que não foram interrompidas com as

tentativas de sufocamento por parte do poder:

Em 1833, dezenas de cativos se sublevaram na freguesia de Carrancas (comarca do

Rio das Mortes), onde se concentravam as mais altas taxa de escravos por homem

livre da província, cerca de 60%, e uma igualmente elevada proporção de africanos

entre os cativos (56,25% do total). A escravaria do deputado Gabriel Francisco

Junqueira matou seu filho na fazenda Campo Alegre e, em seguida, rumou a Bela

Cruz, onde se juntou a outros insurrectos para chacinar o proprietário José Francisco

Junqueira, a mãe, a esposa, o genro, a filha e os dois netos – um de 5 anos e outro de

dois meses. Ao todo, nove membros da família Junqueira foram massacrados no

levante, cuja repressão, tão imediata como violenta, resultou no enforcamento

exemplar de dezesseis participantes. (...) Mais explosiva foi a Revolta dos Malês, em

janeiro de 1835, na capital da Bahia. (...) Quase seiscentos cativos lutaram nas ruas

de Salvador por cerca de três horas, com a intenção de seguir para a zona rural, onde

previam se encontrar com outros e travar batalha menos desigual. Mais uma vez a

repressão foi rápida e cruenta: quase setenta escravos foram fuzilados sumariamente

e mais de cinco centenas sofreram punições (...). Por fim, merece ser citado um

terceiro levante, conhecido como a revolta de Manuel Congo, na freguesia de Pati

do Alferes (comarca de Vassouras, Rio de Janeiro) (...). Em novembro de 1838,

centenas de escravos de duas fazendas do capitão-mor Manuel Francisco Xavier

abandonaram as senzalas na calada da noite e se infiltraram na mata atlântica. Parece

que tiveram por objetivo montar quilombos na topografia serrana do Rio de Janeiro

(...). A repressão da Guarda Nacional sobreveio seis dias depois da fuga. Ao fim e ao

cabo, todos os escravos foram recuperados, à exceção de seis cativos mortos em

combate e do líder, Manuel Congo, condenado ao enforcamento exemplar

(PARRON, 2009, p. 78).

A partir desta conjuntura política, parlamentar, da imprensa, da escravidão e liberdade,

etc., é que podemos desvelar, em alguma medida, o Conservadorismo compreendido no

Brasil, e mais especificamente em um personagem como Francisco Adolpho de Varnhagen.

Neste prisma, seguimos com o questionamento de qual seria o significado deste conceito ao

atribuirmos tal definição ao historiador. O Visconde se pronunciou a respeito destes diversos

acontecimentos em solo brasileiro, e é a partir destas considerações sobre território,

monarquia, unidade, escravidão que teceremos a seguir, nossas reflexões acerca de seu

pensamento.

39

Fato é que, a Revolução no Haiti (1791-1804) criou um imaginário em torno da ideia de liberdade, juntamente

com os levantes escravos que explodiram em todo o Atlântico: Conspiração de Gabriel, na Virgínia; Denmark

Vesey, na Carolina do Sul (1822); Nat Turner, também na Virgínia (1831); em Cuba, insurreições de Morales

(1795); no Caribe inglês, as revoltas de Barbados (1816), e a de Demerara (1823); no Brasil, o ciclo de rebeliões

na Bahia, com seu ápice com a Revolta dos Malês (1835) (PARRON, 2009, p. 22).

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52

2. SINUOSIDADES DE UMA IDEIA: O PENSAMENTO VARNHAGENIANO

DIANTE DA CENA REVOLUCIONÁRIA

Como os próprios biógrafos e estudiosos das obras de Francisco Adolpho de

Varnhagen argumentam, a investigação acerca de seu pensamento trata-se de um complexo

empreendimento, visto que o sorocabano não possui obras em que expõe claramente seu

pensamento filosófico e político. Cabe-nos, então, investigar, em algumas de suas obras, 1)

como se manifesta o seu Conservadorismo; 2) em que medida tal adjetivação é possível; e,

principalmente, 3) como a partir desta análise podemos compreender um tipo de pensamento

considerado conservador inscrito em dado período.

Para tal empreendimento, analisaremos neste capítulo, principalmente os dois tomos

de História Geral do Brasil, publicados entre 1854 e 185740

, em Madri, na Espanha. Visando

complementar a investigação, citaremos também seu texto político intitulado Memorial

Orgânico (1849- 1850), bem como seu conjunto de missivas enviadas, ao longo da década de

1850 às diversas figuras políticas.

Esta é sempre uma proposta imbricada do ponto de vista da análise do

Conservadorismo brasileiro oitocentista já que se faz um empreendimento complexo, visto

seu, já anunciado, caráter multifacetado. Ou seja, este desafio se revela, como já fora

mencionado, principalmente pelo fato do pensamento conservador não possuir um traço

único, e, sobretudo, não se manifestar de uma mesma maneira em todos os personagens deste

período apontados pela Historiografia como conservadores.

Discutir, portanto, o pensamento varnhageniano e sua concepção de revolução, ou em

outras palavras, sua visão de mundo em relação aos acontecimentos revolucionários, como

abordaremos à frente, têm como intento, em última instância, compreender o conceito

principal analisado, e dialogar com as discussões historiográficas já existentes neste sentido.

40

Após receber algumas críticas, publica uma segunda edição de sua História Geral em 1871.

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53

2.1 A discussão em torno do pensamento varnhageniano

Nos escritos e principais obras de Francisco Adolpho de Varnhagen, podemos detectar

as nuances e os problemas do contexto político do período, que se manifestam em suas

discussões historiográficas e políticas. Desta forma é que iremos adentrar o pensamento

varnhageniano e as fissuras que permitem traçar e compreender a característica

“conservadora” do seu período.

Em uma de suas cartas endereçada ao Imperador em 1852, o Visconde de Porto

Seguro se opõe à perspectiva indianista, considerando que estas ideias se configuram como

demasiadamente subversivas, e que descaracterizariam as verdadeiras matrizes formativas da

nacionalidade brasileira; ou em outras palavras, poderiam se desdobrar em ideias que

romperiam com suas perspectivas de unidade e integridade, nas quais se pautavam os seus

empreendimentos, como discutiremos à frente.

Capistrano de Abreu inseriu esta perspectiva varnhageniana no que denominou como

quadros de ferro. Isto significa dizer que seu pensamento tinha como premissas os elementos

do valor científico, vinculado à construção da memória nacional e de uma matriz explicativa

da história do Brasil que excluía o prisma romântico indianista (Apud WEHLING, 1999, p.

196). O autor reitera ainda que a sua escrita da história seria sua grande contribuição ao

Império Brasileiro e à Sua Majestade; nesse sentido, se colocava, em certo aspecto, como

guardião e propagador da História oficial, e, portanto, das bases do Estado-nação e de sua

cultura.

Na busca de compreender este arcabouço intelectual na figura do sorocabano,

destacamos uma das questões-chave: de que a utilização do termo “conservador”, para

designar o pensador, foi uma conceituação à posteriori, portanto, apontada por alguns de seus

principais comentadores e biógrafos.

Uma das primeiras alusões ao termo pode ser observada na declaração de Manuel

Oliveira Lima41

, no ano de 1897, onde há um destaque de maneira mais direta e contundente

da característica conservadora da figura de Varnhagen. Oliveira Lima aborda em seu discurso

não só seu conservadorismo, mas a complexidade dessa ideia, apontando tal traço em

conjunto a outros que são necessários para a compreensão (sem reducionismos) do conceito,

como é o caso da face liberal de seu pensamento, que aprofundaremos a frente:

[...] assim como se revelou um conservador esclarecido e adiantado num tempo em

41

Em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, Oliveira Lima presta um profundo discurso ao

patrono da cadeira número 39, que, a partir de então, ocuparia na ABL: Francisco Adolfo de Varnhagen.

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54

que o epíteto de liberal andava comumente atribuído aos que afixavam ideias

revolucionárias. A sua ascendência era assaz fidalga para permitir-lhe essa postura

meio reacionária; a sua natureza assaz altiva para dispensá-lo de cortejar uma falsa

popularidade, baseada no esquecimento das suas tradições de família e das suas

predileções morais. (LIMA, 2019, p. 6).

Dito isso, gostaríamos de anexar a este debate, a discussão desencadeada ao longo dos

primeiros anos do século XX (da qual participa Oliveira Lima), e do período que se seguiu,

principalmente na fase entre as duas Guerras Mundiais, em que se iniciou e ganhou maior

proporção à perspectiva de vinculação conceitual do espectro conservador com a figura de

Varnhagen, e apontar, especialmente, àquela que se situa em meados deste mesmo século.

Pois bem, Wehling (1999) menciona que este panorama crítico em torno do

conservadorismo na figura de Varnhagen é acentuado do ponto de vista teórico-metodológico

a partir da primeira metade do século XX, e seu aprofundamento partiu, principalmente das

abordagens marxistas e das perspectivas ligadas aos Analles e a Nouvelle Histoire. A

abordagem marxista acentuou, principalmente, as críticas ao que intitulava de corroboração

do historiador aos interesses de grupos conservadores de seu contexto, bem como a ausência

de abordagens econômicas e sociais nestas mesmas construções historiográficas. E a segunda

ponderação, advinda da perspectiva dos Anales e da Nouvelle Histoire, diz respeito,

principalmente a crítica à história focada apenas em fatos políticos, guerras e batalhas

(Histoire Événementielle), em que Varnhagen, por exemplo, centrava a sua abordagem.

Confluindo aos aspectos citados, do que podemos dispor e tratar como funcionamento

do pensamento varnhageniano salientamos que a ideia de seu conservadorismo, ou melhor, da

utilização e problematização deste termo, de forma ainda mais direta, está vinculada a seus

comentadores e críticos posteriores a este período, de maneira especial, entre as décadas de

1950 e 1970 no Brasil:

Nesse contexto, a matriz Varnhagen perdeu sua influência. Foi-lhe reconhecida a

importância como pesquisador e revelador de fatos relevantes da história política

nacional, mas acentuaram-se também críticas a seu conservadorismo, ao

monarquismo, à antipatia pelos movimentos revolucionários, à defesa da posição

subalterna de negros e índios. José Honório Rodrigues [em 1967], não obstante

reconhecer-lhe méritos de investigador, formulou um dos juízos mais contundentes,

ao afirmar que se tratava de um conservador intransigente, oficialista, colonialista e

com horror ao inconformismo. (WEHLING, 1999, p. 218)

Da mesma forma, Wehling argumenta que o principal fator para uma caracterização

mais acentuada começou a se desenvolver no Brasil, a partir da ampliação dos estudos e

pesquisas de pós-graduação em História, que se desenvolveu no período apontado. Mas com

toda certeza, o contexto político e social brasileiro, e os diversos movimentos culturais que

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55

ocorriam na Europa e América eram, paralelamente, elã para a promoção desse tipo de

discussão crítica no ambiente acadêmico, e vice e versa. Os movimentos de contracultura, o

contexto de disputa ideológica entre comunismo e liberalismo, aprofundavam as críticas dos

intelectuais impulsionando-os ao revisionismo, que passou a permear os estudos históricos e

historiográficos. Como por exemplo,

para Nilo Odália [1979; 1997], (...) Varnhagen foi um dos intérpretes mais

qualificados do projeto político conservador que definiu o Estado imperial e que se

caracterizava por: (a) atribuir ao Estado um papel não só político, mas de

organização social; [...] (b) constituir uma nação branca e europeia; (c) criar um

Estado forte e centralizado que, por sua vez, constituiria a nação (WEHLING,

APUD Lima, 2016, p. 88).

Bom, dito isto, podemos afirmar que o conceito de conservador, destinado a

Varnhagen, foi formulado principalmente, por seus comentadores de meados do século XX,

que se encontrava em um contexto revisionista de alguns aspectos da História nacional, na

medida em que seus contextos políticos motivavam à emergência das críticas às

características do Conservadorismo; aspecto este que permitiu despontar análises como as

apontadas por José Honório Rodrigues, e Nilo Odália, destacadas nos trechos acima.

Concordando com esta conceituação, e em discussão com seus investigadores, é que

buscamos compreender seu contexto para analisar a ideia de conservadorismo no mundo

oitocentista.

2.2 Circulação da ideia de Revolução

Diante da centralidade das discussões em torno dos acontecimentos revolucionários e

do termo Revolução simultaneamente, esta se torna, como defendemos, uma pauta inevitável

em busca de um debate do conceito de Conservadorismo neste período. Como procuramos

salientar no capítulo anterior, a nossa defesa orbita na ideia de um vínculo (articulação) entre

os conceitos supracitados como meio de compreensão do significado, ou de traçar uma

definição do conservadorismo varnhageniano e, consequentemente, do Conservadorismo de

seu período.

Dito isto, destacamos como o termo revolução permeava a sociedade nas esferas

explicativas, como dicionários de época, nos domínios de informação e poder, como é caso de

como circulavam nos periódicos do Brasil do século XIX e em debates nos meios políticos

mais formais.

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56

Por vezes, a impressão gerada em nossas discussões historiográficas e sociológicas é a

de que o termo de repente (e simplesmente) sofreu uma quebra, uma ruptura abrupta de seu

significado. O exemplo dado no capítulo anterior retirado do texto de Hannah Arendt, caso

não interpretado no contexto da obra, pode gerar tal ideia em uma análise superficial. No

entanto, ao esquadrinhar o debate fica evidente a complexidade que a conjuntura imprime ao

vocábulo revolução (como podemos ver na própria Arendt, e de forma ainda mais detalhada,

em Koselleck)42

.

E, além disso, há ainda duas circunstâncias tão relevantes quanto esta perspectiva

nesta abordagem: primeiro, o aspecto aberto do termo, ou seja, a sua capacidade de absorver

novos conteúdos43

, pois, como argumenta Nietzsche (Apud KOSELLECK, 2006, p. 109)

“todos os conceitos nos quais se concentra o desenrolar de um processo de estabelecimento de

sentido escapam as definições. Só é passível de definição aquilo que não tem história”; e a

segunda circunstância: a permanência de seu antigo significado influenciando na vida política

e social.

Como tratado vastamente por historiadores, sociólogos e filósofos interessados neste

período44

, a preocupação não se restringia as possíveis ações políticas revolucionárias, mas

sem dúvidas, como essas ações seriam interpretadas ou reinterpretadas por seus atores e,

principalmente, nas perspectivas posteriores. Em outras palavras, as definições dos

acontecimentos e a necessidade de novas palavras (ou ressignificações de palavras já

existentes) que abarcassem essas novidades, caminhavam em paralelo às movimentações

políticas, fossem elas progressistas ou conservadoras:

A palavra pode permanecer a mesma (a tradução do conceito), no entanto o

conteúdo por ela designado altera-se substancialmente (...). Isto significa assumir

sua variação temporal, por isso mesmo histórica, donde seu caráter único articulado

ao momento de sua utilização. (KOSELLECK, 1992, p. 5)

Salientadas essas discussões, realçamos o trecho acima, que nos aponta o caráter

variável das definições (conceitos), e a disputa ao longo do período, iniciado com as diversas

mudanças apontadas no primeiro capítulo. Exemplo disso são os já citados dicionários, além

de enciclopédias e libelos políticos que exprimem esta instabilidade dos termos, ou na

expressão koselleckeana, essa batalha semântica.

Para traçar uma breve análise como forma de exemplificar a discussão já iniciada,

42

Nos textos abordados no primeiro capítulo sobre a temática revolucionária. 43

Em outras palavras, o caráter polissêmico do conceito (Ver primeiro capítulo). 44

Como é o caso dos já citados Koselleck em textos como Estratos do Tempo, Crítica e Crise e Futuro Passado;

ou Hannah Arendt em Sobre a Revolução. Ou ainda, em autores como Jacques Le Goff, em História e Memória

(2003), que tratam vastamente deste aspecto.

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57

abordamos, a esta altura, alguns dos principais dicionários e vocábulos da língua portuguesa

do período que nos possibilitam perceber a circulação e assimilação da palavra e discutir a

respeito da complexidade que o termo revolução adquiriu.

Sem dúvidas, estão em diálogo com os principais dicionários do mundo ocidental,

como são os casos dos dicionários existentes nos idiomas francês, inglês e alemão, em que

podemos perceber a transição e disputa em relação ao termo. No entanto, importa-nos neste

empreendimento, como a língua portuguesa o interpretava, ou em outras palavras, como se

dava a percepção do termo e seu fluxo neste contexto particular.

Há, certamente, um conflito em torno do vocábulo revolução, ou seja, em linhas

gerais, há um ponto de vista que o equipara à ideia de revolta; ou outro viés que o entende

como permanência da perspectiva astrofísica newtoniana. Mesmo porque, estamos em um

momento em que os termos existentes para determinar eventos como os ocorridos pós-1789,

de alguma maneira, não capturavam ou se aproximavam do acontecimento. Koselleck

argumenta, por exemplo, que nos séculos anteriores às manifestações políticas e sociais foram

expostas com palavras que se perpetuaram, como revoltas, ou inconfidências. No entanto,

claramente, os acontecimentos revolucionários não se encaixam nesses termos (muitos deles

utilizados, inclusive, nos dicionários):

Para os sangrentos combates e as cegas paixões com as quais se conduziram as

dissensões políticas dos séculos XVI e XVII havia expressões bastante diferentes.

Assim como já na própria Idade Média, no século das terríveis lutas confessionais –

as quais, repetida e simultaneamente devastaram a França, a Holanda, a Alemanha, e

a Inglaterra – foi empregada uma larga escala de definições. Elas vão desde motim e

sublevação, passando por insurreição, tumulto e rebelião até divisão e guerra

intestina. Bürgerkrieg, guerre civile e civil war foram conceitos centrais nos quais se

cristalizaram – ou, mais ainda, se fixaram legalmente – as paixões e as experiências

das fanáticas guerras religiosas. (KOSELLECK, 2006, p. 65).

Os dicionários nos permitem perceber as querelas no campo da política que se

aprofundaram após a Revolução Francesa, principalmente as sinuosidades que permeavam o

termo revolução, de forma especial, ao longo do século XIX, mas que são anteriores a ele: um

dicionário alemão de 1728 apontou a palavra como “comoção ou alteração do fluxo do tempo,

Revolutio regni, alteração ou modificação de rota de um Império Real ou de uma nação (...),

principalmente ao sofrer alteração em seu regime ou instituições políticas”. Já o Dicionário

da Academia Francesa em 1694 designava com a significação astronômica para a palavra

(Apud KOSELLECK, 2006, p. 66-67).

Retornando ao século XIX, o que podemos perceber é que não há uma quebra na

compreensão da palavra, pelo contrário, este jogo de significados permanecia constante entre

Page 58: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

58

as rupturas e as permanências, que, sem dúvidas, eram partícipes do cenário político, como

vemos na vida política até os dias atuais, inclusive no Brasil.

Ao abrirmos alguns dos dicionários45

desse período para o caso português e brasileiro,

nos deparamos com algumas dessas formas de compreensão do termo e das querelas em torno

do mesmo. Em 1789, o advogado Antônio Moraes da Silva publicou em Lisboa o Dicionário

da Língua Portugueza46

, do qual tivemos acesso a sua 4ª edição do ano de 1831, publicado

pela imprensa Regia de Lisboa. Nele, o lexicográfico aponta o termo Revolução como

movimento pela órbita, giro; um giro inteiro do planeta em sua órbita, e ao mesmo tempo

toma o exemplo da Revolução de Pernambuco contra a tirania holandesa. Revoltas,

perturbações; levantamento, sublevação contra o governo. (MORAES, p. 651, 1831).

Em 1836, o médico e jornalista Francisco Solano Constancio publicou em Paris o

Dicionário Crítico e Etimológico da Língua Portuguesa, em que aponta o termo de forma

semelhante a Morais, porém acrescentando as perspectivas políticas positivas ao substantivo,

como Revolução política: mudança violenta em determinado governo (CONSTANCIO,1836).

Já o verbo Revolucionar e o adjetivo Revolucionário estão totalmente vinculados às

perspectivas políticas nos dicionários citados. Solano Constancio, por exemplo, aponta que o

termo é moderno e oriundo do francês “Revolutionner” e diz respeito àquele que opera uma

Revolução política.

Ao mesmo tempo, ambos apontam Revolução e suas variáveis como sinônimo do

verbo Revolver, o qual tem o sentido de remexer, agitar; e, paralelamente, a ideia de mover

em giro, órbita. Ao mesmo tempo, ainda vinculado com o substantivo Revolta, mas,

notadamente com características que ultrapassam a essa simples associação, o termo não se

apresenta como mudança na vida política, somente o vocábulo revolução é compreendido

desta forma.

Por fim, o terceiro dicionário analisado foi o da Língua Brasileira, de Luiz Maria Silva

Pinto, lançado em Ouro Preto - MG, em 1832. Vale ressaltar, que o dicionário foi publicado

em meio ao clima tenso na política, na fase regencial, inflamado por questões diretamente

vinculadas ao termo. É interessante neste último a definição da palavra: Revolução se

encontra no dicionário como giro dos astros. Mudança política. Transtorno. (PINTO, 1832,p.

45

Koselleck em “Histórias dos Conceitos: problemas teóricos e práticos” elucida a respeito da relação da

pesquisa com os dicionários. A palavra que importa ser compreendida como conceito é aquela que propõe

reflexão e teorização: Revolução é uma dessas palavras. E seguindo este ponto de vista, buscamos discutir

introdutoriamente, sobre a circulação deste termo nos trópicos. 46

O Dicionário publicado por Moraes tinha como referência o Vocabulário Português e Latino, publicado pelo

francês, padre Raphael Bluteau entre os anos 1712 e 1728, reconhecido como um dos parâmetros de dicionários

da língua até então.

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59

83) Não há nele os termos derivados, como nos dois primeiros exemplos. Pelo contrário, o

autor é sucinto, e associa o termo, ao mesmo tempo, à ideia de transformação e a de

transtorno, não aprofunda a análise da palavra, o que seria possível, pela sua provável leitura

e acesso aos dicionários que antecederam ao seu.

***

Não podemos afirmar então, que o termo mudou no século XIX, mas estava em

mudança. Parece apenas um jogo de palavras, mas não se trata disso. Trata-se de enfatizar a

longa fase de alteração (que perdurou todo o século) de uma compreensão a outra. Nos

periódicos, por exemplo, se faz ainda mais claro este debate; defesas e ataques em torno da

palavra.

Neste sentido, destacamos dois jornais que circulavam neste período no Rio de Janeiro

e que possuem inúmeras recorrências do termo, em defesa ou em acusação, na década de

1850: o Correio Mercantil47

, de cunho mais progressista e o Diário do Rio de Janeiro48

, com

apontamentos mais conservadores.

Em ambos, o caso do termo revolução pode ser visto, pelo menos sob três faces: numa

delas, imbuído de disputas políticas; em outra, a palavra é designada apenas para apontar

determinado evento histórico que recebeu tal nomenclatura, sem chamar atenção para as

rivalidades políticas em torno deste, ou sem problematizar o vocábulo. Em outros momentos

os periódicos lançam mão de adjetivos antes da menção do conceito, como forma de apontar o

lado nesta disputa. Neste segundo caso é possível atentar para os certames existentes na

conjuntura do século XIX a respeito do termo, e este aspecto nos chama atenção de forma

particular.

No caso do primeiro periódico, o Correio Mercantil, verificamos que a sua tônica em

torno da ideia revolucionária é congruente à lógica de transformação (benéfica) da sociedade,

47

O Correio Mercantil foi publicado na cidade do Rio de Janeiro entre 1 de janeiro de 1848 e 15 de dezembro de

1868 de propriedade de Francisco José dos Santos Rodrigues e Companhia, e impresso na Tipografia do Correio

Mercantil, lotada na Rua da Quitanda, nº 13. Na primeira década o jornal era editado em francês e aos domingos.

Em 1855 o proprietário passou a ser J. F. Alves Moniz Barreto. 48

Primeiro jornal da história da imprensa brasileira, publicado em 1 de junho 1821 pela Imprensa Régia, e a

partir do ano seguinte na Typographia do Diário do Rio de Janeiro. Ao longo de sua vida, o Diário do Rio de

Janeiro preservou interesses conservadores, e fechou definitivamente suas portas com sua última sua edição de

31 de outubro de 1878.

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60

chegando, inclusive, a utilizar termos que dão alguma ideia de vínculo do jornal ao evento

revolucionário, em outras palavras, enquanto partícipe do movimento progressista.

O trecho a seguir transparece tais prerrogativas, e, além disso, destacamos o tom

elogioso ao aspecto, em sua concepção, clemente da Revolução, em detrimento ao

revanchismo de seus opositores: “A revolução havia concedido às aristocracias vencidas

perdão generoso: a contrarrevolução vinga-se do seu terror com a crueldade, e corresponde á

nossa clemência com a perseguição.” (Correio Mercantil, 1850, ed. 4).

Em outro trecho do mesmo periódico podemos constatar a defesa da Revolução

Pernambucana de 1848 (que em amplo aspecto contribuiu para o imaginário brasileiro a

respeito da ideia revolucionária) e as injustiças que entendiam que essa sofrera por seus

opositores:

O devastador de Pernambuco assigna-la como causa da revolta as paixões violentas

dos revoltosos. A revolução pernambucana está há muito julgada pelo paiz: de

sobejo se tem demonstrado as causas que a produzirão, alimentarão, e

engrandecerão, e tão evidentes tem sido as provas e os fatos, que os homens da

ordem ficarão completamente indefesos a respeito da imensa responsabilidade que

pesa sobre eles pelo sangue derramado. (Correio Mercantil, 1850, ed. 5).

Portanto, ao tratar do ocorrido nesta Revolução, o jornal se coloca claramente,

contrário aos chamados homens de ordem, fazendo alusão ao círculo conservador do império,

representado, majoritariamente, pelo Partido da Ordem, que se compreendia como

representante da boa sociedade e opositor aos aspectos que considerava como desordem

(MATTOS, 1987), como era o caso de Revoluções tais quais a de Pernambuco. Neste trecho,

então, o periódico ressalta que esta esfera da sociedade era símbolo da tentativa de manter

status quo, portanto, não-revolucionários, e mais ainda, inimigos da Revolução, partindo

deste ponto de vista.

Em contrapartida, o segundo jornal mencionado, o Diário do Rio de Janeiro, parte de

premissas mais conservadoras e aponta adjetivos ao fenômeno revolucionário que nos

permitem compreender, tanto a disputa em torno do termo, quanto as críticas ao que

assimilavam como excessos das ações revolucionárias. Estes três recortes da área de

correspondência de Paris são referenciais no que tange à acepção da ideia revolucionária neste

prisma. No primeiro caso, apontando o caso de Marat, o qual o periódico não o compreendeu

como revolucionário, mas como um execrável usufruidor em excesso da ideia de liberdade:

Bem que os homens da nossa revolução fossem muitos noviços n‟esta matéria,

depressa adquiriu a experiência, e os perigos da liberdade illimitada da imprensa

revelarão-se a seus olhos. (...) Um d‟elles sobretudo, que legou a historia um nome

execrável, o infame Marat, dava todas as manhães como parto à canalha os

monstruosos desvarios de sua imaginação sequiosa de sangue. (...) A assembleia

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constituinte, cuja maioria se compunha de homens de bem, comoveo-se com taes

horrores: decretou-se a acusação de Marat, mas Marat não podia ser prezo; escondia-

se nas adegas, onde imprimia ele mesmo sua folha abominável. (Diário do Rio de

Janeiro, 1850)

Nos recortes do Diário do Rio de Janeiro a ideia de revolução está associada à

desordem, a uma agitação sem sentido, sendo tratada com afastamento e críticas, chegando a

ser vinculada à perspectiva de desorientação, como no trecho a seguir, em que o periódico

menciona a respeito de uma votação do Parlamento vencida pelos Liberais:

É para surpreender, que homens para quem a ordem é uma necessidade absoluta,

tenham votado em favor dos representantes da desordem, que homens que muito

tem que conservar e muito que perder em uma revolução, tenham votado com uma

facção que não dissimula sua resolução bem determinada de assentar as bases de

uma sociedade nova sobre um sistema de espoliação geral. (Diário do Rio de

Janeiro, 1850, ed. 8407).

E, no exemplo a seguir, constam ainda, as adjetivações citadas em parágrafos

anteriores, em que podemos reconhecer em que lugar se coloca o periódico em relação às

ações revolucionárias, neste caso em crítica aos acontecimentos da mesma Revolução de

Pernambuco, iniciada em 1848:

Não há duvida, a gente de bom gosto não pôde deixar de desgostar-se para todo

sempre das revoluções (fazendo abstrações de todo sentimento patriótico). Não há

nada mais monótono e mais enfadonho: uma revolução é uma agitação incessante

entre duas crises, uma que começa, outra que acaba essa dança do inferno. Um povo

em revolução assemelha-se ao desgraçado viajante que, perdido de noite, acha-se em

uma subida escarpada: para ele a salvação lá está em cima, no cume quase

inacessível do monte; a morte está embaixo, no abismo aberto a seus pés. (Diário do

Rio de Janeiro, 1850, ed. 8415).

O terreno de discussão e consolidação da ideia revolucionária é, portanto, volúvel;

com nuances, por vezes obscuras; e o contexto do certame político, que ultrapassa as barreiras

parlamentares e monárquicas, agrega ainda mais complexidade a este quadro. O debate se

encontrava nos folhetins, nos dicionários, nos livros, nos levantes, ou seja, em ampla medida

se consolidava no imaginário, não como ideia estável e com apenas uma compreensão, mas

habitava nesse imaginário em forma de disputa política e conceitual, a partir da perspectiva do

conceito como fenômeno linguístico e, que ao mesmo tempo, ultrapassa as barreiras da língua

(KOSELLECK, 1992).

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62

2.2.1 Visão de mundo varnhageniana

Para compreendermos o que o conceito de Revolução significa no pensamento

varnhageniano, algumas de suas características principais precisam ser levantadas, e faremos

isso ao longo dos tópicos seguintes, para desvelamento da compreensão das ideias destacadas,

e sem dúvida, para procurarmos ultrapassar a história da língua, e atentarmos aos dados da

história social, “pois toda semântica se relaciona a conteúdos que ultrapassam a dimensão

linguística” (KOSELLECK, 2006).

Em prisma complementar, é importante percebermos o que está de pano de fundo no

empreendimento do Visconde de Porto Seguro. Em seus principais escritos49

é possível

destacar alguns desses pontos, que são principalmente: a defesa da monarquia50

, o destaque ao

discurso histórico, a unidade territorial, o nacionalismo, dentre outros, que, como supracitado,

foram determinantes para seus comentadores e estudiosos traçarem seu perfil político:

Ler Varnhagen, hoje, não pode significar que creiamos que ele nos conduzirá pelos

estreitos caminhos que nos revelam os segredos da história do Brasil – o que nele

interessa é descobrir, pacientemente, como se encaixa cada um dos fatos históricos

analisados em função da visão de mundo política. É essa visão do mundo política

que integra e dá significado aos fatos históricos, é ela ainda que resume e

consubstancia os anseios, as preocupações, os ideais, os projetos de uma classe

dominante em relação a uma nação que está em vias de se construir. (ODÁLIA,

1979, p. 14).

Portanto, este é um conceito interessante que pode contribuir de forma significativa

para nossa abordagem, pois como determina o mesmo Nilo Odália, citando Lucien Goldmann

(1959), visão do mundo não se refere somente à forma pessoal de enxergar o mundo do

personagem analisado, mas exprime o pensamento ou ao menos resquícios do modo de

pensar, do grupo, da comunidade a qual pertence. Ou seja, no intento de compreender as

principais ideias em torno dos conceitos traçados nesta pesquisa, o auxílio da ideia de visão de

mundo amplia algumas possibilidades de discussão dos termos.

Outro aspecto que se faz relevante para discutirmos sobre a abordagem da ideia

revolucionária no pensamento varnhageniano é, sem dúvida, o aspecto andarilho do Visconde

de Porto Seguro. Como argumenta o professor Temístocles Cézar, estar em movimento fez

49

Utilizamos neste debate História Geral do Brasil, Memorial Orgânico e Correspondência Ativa, de onde

retiramos seus principais pensamentos políticos, historiográficos e diplomáticos. 50

Dizem seus estudiosos e biógrafos que o Visconde de Porto Seguro era mais monarquista que o próprio

imperador. Lacombe (1967, p. 145) destaca que, por isso, “discretamente, uma vez ou outra, envia alguma

publicação [ao Imperador]. Em 1857 diz ao Imperador: Aqui vai um livro a favor da monarquia. (**) Naõ se

sabe se sabe qual seja, nem se o Imperador se dignou comentá-lo. De Madri tenta aproximar D. Pedro de um dos

grandes doutrinários do sistema monárquico, enviando uma carta de Donoso Cortês”.

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63

parte da característica e do desafio da escrita da História de Varnhagen, “estar longe da nação

e ter como meta contar sua história; estar longe da nação e ter de consolidar sua nacionalidade

como brasileiro51

, eis o dilema da vida e obra varnhageniana” (CEZAR, 2007, p. 159).

Para compreendermos, portanto, o mundo, imagens, conceitos e modelos em que se

insere o historiador e os termos revolução e conservadorismo analisados, é necessário,

sobretudo, que entendamos o desenvolvimento da política e sociedade brasileira, bem como a

relação com o Velho Mundo, pois Varnhagen é um excelente exemplo desta ligação entre

estes dois lados do Atlântico:

Varnhagen é assim, está sempre em movimento. Ele caminha constantemente, de um

país a outro, de um arquivo a outro. Quase não para, é infatigável. Como o Michelet

de Roland Barthes, é um andarilho. Ao viajar, ao transpor fronteiras, ele vê a

história. Porém sempre com esse olhar distanciado de quem viveu praticamente toda

a vida fora do seu país. (CEZAR, 2007, p. 159).

Acrescento ainda, que, estar distante do solo brasileiro e levantar discussões e opiniões

a respeito da vida política, se fez igualmente uma questão complexa, já que boa parte do

tempo esteve na Europa. Isto deve ser levado em consideração e recordado a todo o momento:

Varnhagen estava, em solo europeu (e posteriormente latino americano), traçando discussões

do contexto brasileiro. Como é perceptível em suas cartas, por exemplo, sempre solicita e

cobra documentações acerca das discussões que permeavam o Brasil, principalmente ao

IHGB52

.

O seu lugar de observação do contexto em que se encontra é sua visão da História.

Sem dúvida, a emergência da centralidade da História no contexto do século XIX coloca a

obra historiográfica de Varnhagen em um lugar de destaque, vinculada a uma perspectiva

historicista e rankeana53

, o intelectual compreende a si mesmo como um dos construtores da

51

Varnhagen iniciou seus empreendimentos de pesquisa sobre o Brasil, e conseguiu destaque na Academia Real

de Ciências de Lisboa, sobretudo, com a obra “Reflexões Críticas sobre o escrito do Século XVI impresso com o

título Notícia do Brasil”, (de Gabriel Soares de Sousa), em 1838. No ano de 1844, por decreto consegue a

nacionalidade brasileira. Em uma carta escrita ao Imperador em Julho de 1852, Varnhagen afirma: “A minha

vida é do Brasil, que é minha pátria, e de Vossa Majestade Imperial, que me protege” (Carta ao Imperador,

1852). 52

Em carta endereçada ao Secretário do IHGB, Dr. Joaquim Manuel de Macedo, em 22 de junho de 1852,

Varnhagen cobra: “(...) de me mandar tão imediata e pontualmente como lhe seja possível, os números da

Revista. Até hoje não recebi nenhum, depois que saí dessa cidade, e consta-me que não é porque hajão deixado

de publicar, circunstância essa que eu muito mais sentiria que a do esquecimento da minha pessoa. Além disso,

devo também pedir ao Instituto duas novas coleções da 2ª Série da Revista, por quanto começo a julgar perdidos

(com outros meus livros e papeis) que vinham no barco espanhol S. Pedro, saído desse porto quanto eu, no dia

15 de Dezembro do ano passado”. (VARNHAGEN, 1961, p. 181). 53

Verificar Em torno de Ranke: A questão da objetividade histórica, do prof. Dr. Arno Wehling, 2018.

Page 64: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

64

nação54

, ou seja, a História varnhageniana estava ligada aos aspectos da oficialidade; da

construção Estado-nação monárquico, do ponto de vista hobbesiano-hegeliano; da verdade

histórica, característica desta fase. Por exemplo, a dedicatória do Segundo tomo de sua

História Geral do Brasil esclarece o pensamento do intelectual acerca de sua contribuição e

traz alguns dos elementos mencionados:

(...) associando-me ao ponto de partida da história da civilização do Brazil, são actos

de Imperial Magnanimidade, que por si sós acusarão aos leitores futuros o reinado

fecundo que produziu a obra, bem que ainda com defeitos, filha de aturado trabalho

de uma vida sempre votada ao estudo e à investigação da verdade.”

(VARNHAGEN, Dedicatória Tomo Primeiro, 1972).

Nesta mesma linha de pensamento é que Varnhagen, no Prólogo de sua História Geral

do Brasil, cita Tocqueville, ao ponderar a respeito da obra historiográfica como cerne da

construção nacional. E, mais adiante, alude outro escritor francês que afirma que a nação, ou

seja, o grupo de pessoas, ou famílias, como pondera, é composta por uma única história, e

não duas; em outras palavras, por uma história oficial que daria conta do contexto.

Portanto, para discutir e pensar sua visão do mundo, esses aspectos são

demasiadamente importantes, ou seja, de qual perspectiva falava, quais eram os pontos que

abordava, pois muitas de suas ponderações, sem dúvidas, levavam em consideração os

acontecimentos que via e que tinha notícias a respeito do Brasil, na Europa. Neste sentido, as

menções ao termo revolução, que analisaremos a seguir, estão nessa perspectiva do olhar

sobre a sua realidade.

Nos próximos tópicos, analisaremos seu pensamento a partir de alguns desses pontos

destacados (e outros que acrescentaremos ao longo deste estudo), acentuando os capítulos de

História Geral do Brasil (HGB) em que o autor trata da discussão revolucionária. Nestes

aspectos, levamos em consideração não apenas o posicionamento de Varnhagen em sua

construção historiográfica, mas ressaltamos igualmente – valendo-nos dos conceitos

abordados por Arno Wehling (2016) – sua opinião enquanto pensador político, e, mais

especificamente, como publicista.

Nesta análise, tanto a ideia de pensador político quanto a de publicista são vinculadas

à noção do intelectual que busca, de alguma forma, atuar na vida pública; ou podemos apontar

o primeiro conceito da seguinte forma, mais especificamente:

(...) O pensador político era concebido como o analista do conjunto de uma

sociedade, em todos os seus aspectos materiais, intelectuais e morais e não

estritamente das relações políticas, como fizeram, antes de Varnhagen, Benjamin

54

Neste sentido, podemos pensar em Varnhagen da ótica gramsciana, do intelectual orgânico, ou seja, do prisma

do papel político-social exercido por este para a difusão do pensamento hegemônico (GRAMSCI, 1982).

Page 65: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

65

Constant e, em sua época, Alexis de Tocqueville. (WEHLING, 2016, p. 49).

Quanto ao segundo conceito, o de publicista, é concebido da seguinte maneira:

(...) intelectual voltado para uma atuação pública com vistas ao aperfeiçoamento da

sociedade em que vivia. O Dictionnaire de politique, obra coletiva dirigida por

Maurice Bock, publicado em 1864, assina-la uma polissemia do conceito, que teria

transitado do especialista em direito público e direito das gentes para um sentido

mais largo e ambicioso. O publicista seria um escritor dos novos tempos, que sem

ser exclusivamente historiador, filósofo ou literato reuniria os três aspectos, sendo

capaz de uma visão abrangente simultaneamente teórica e empírica, sendo também

dotado de um espírito capaz de sintetizar a grandes traços uma época ou uma vida.

(WEHLING, 2016, p. 48).

Levando em consideração que nosso principal objetivo é analisar seu pensamento,

teremos em vista todas as características mencionadas, para tal empreendimento. Com isto

ressalto que não será utilizada a ordem em que as sessões (ou capítulos) aparecem nos tomos

de História Geral do Brasil, mas destacaremos cada capítulo à medida que discutimos

algumas características constitutivas de seu pensamento, e como qualifica o termo revolução.

Neste sentido, trabalharemos com a ideia de conotações positivas ou negativas, a partir do

ponto de vista do historiador.

O quadro abaixo aponta algumas dessas formas com as quais Varnhagen tratou o

conceito Revolução em seus escritos:

Tabela 1: Conotações positivas e negativas para o termo revolução.

Conotações Negativas Conotações Positivas

Conluio Honrados (revolucionários)

Veneno Triunfante

Conspiração Grande (sentido qualitativo)

Malvados (revolucionários) Célebre

Horrendo sucesso Bem lograda

Triste

Mal

Incêndio

Sintoma (sentido de doença)

Malograda

Deplorável

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66

2.3 A malograda Revolução

Podemos afirmar, sem sombras de dúvida, que no pensamento varnhageniano também

existe as nuances políticas e disputas em torno do termo Revolução que discutimos no início

deste capítulo. No século XIX (ou até os dias atuais) o entendimento da palavra não está

fechado, a querela estava em voga continuamente nos debates políticos. Varnhagen determina

a valoração que atribui ao termo de acordo com o seu conteúdo, ou melhor, com o que o

movimento que descreve defende ou ataca. Neste sentido é importante destacar que não é

possível detectar um conservadorismo reacionário em Varnhagen, e este ponto é praticamente

unívoco entre seus estudiosos.

Seu conservadorismo é acentuadamente mais complexo do que a simples ideia de uma

reação aos elementos progressistas. Ou ainda, assim como muitos de seu tempo, Varnhagen

também utiliza o termo revolução de forma genérica, apenas para apontar um acontecimento

político: “Estava anunciada a revolução na cidade do Porto” (VARNHAGEN, 2011, p. 274).

Dito isso, vale ressaltar o primeiro aspecto em torno da questão do termo Revolução

em conotação negativa no pensamento do historiador: destaco, em primeira instância, as

colocações de Varnhagen em História Geral do Brasil a respeito do movimento em Minas

Gerais pela independência da região (nomeia o capítulo de Ideias e Conluios em favor da

Independência em Minas55

) em que aborda as ações dos principais atores deste tentame e qual

seu prognóstico caso fosse realizado:

E supondo ainda que no fim de uma encarniçada guerra civil, que já por si só seria

um flagelo, triunfasse a revolução, estaria hoje o Brasil em melhor estado? Essa

pequena república, encravada no meio do majestoso império de Santa Cruz, não

teria sido um mal? Não teria alguma nação poderosa procurado um pretexto de

guerra para buscar ter nesse território uma Guiana? Não teria ainda nele também

outra Guiana o próprio Portugal? Curvemos a cabeça ao decreto da Providência,

que, à custa do próprio sangue dos mártires do patriotismo, veio a conduzir-nos à

única situação, em que podemos, sem novos ensaios, procurar ser felizes, e fazer-nos

respeitar como nação. (VARNHAGEN, 2011, p. 238).

Destaco ainda uma colocação complementar do historiador:

Lamentando, como devemos as vítimas que causou esta mal denominada

conspiração, que tantas simpatias inspira a todas as almas generosas, cremos que o

seu êxito, ainda quando a revolução chegasse a realizar-se, não podia ser diferente

do que foi; e que, portanto, quase parece ter sido um bem que ela não estalasse, para

não comprometer muito mais gente, e induzir a província em uma guerra civil, que

devastasse essas povoações, que começavam a medrar (VARNHAGEN, 2011, p.

239).

55

Nilo Odália (1979, p. 22) destaca que para Varnhagen o movimento mineiro (que não é senão um conluio),

não adveio do contexto colonial, mas como um simples reflexo da revolução americana e se configura como

rebeldia contra o Estado. Ele não passa de uma desunião, e possibilidade de uma nova Guiana.

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67

As citações acima, nos permitem retirar diversos pontos de análise a respeito do

caráter espinhoso do aspecto revolucionário na interpretação do historiador. A priori,

destacamos o aspecto da felicidade, que trouxemos em outro momento de nosso estudo. Uma

revolução ou qualquer outro empreendimento para a sociedade deve estar em consonância

com o aspecto da felicidade56

enquanto elemento político, ou seja, este é o ponto a ser

almejado e concretizado em uma nação, e é neste intuito, na visão do Visconde de Porto

Seguro, que age a providência divina.

Neste aspecto levantamos outro ponto importante: a providência como elemento

constitutivo da história da nação, para o historiador57

. Em inúmeros momentos em seus textos

podemos verificar que as ações divinas são colocadas na cena política. Trazemos assim, outra

característica de seu posicionamento conservador: embora em sua história os feitos dos

homens sejam acentuados, a providência é superior, inclusive aos desejos humanos –

“curvemos a cabeça ao decreto da Providência”. Portanto, um aspecto do conservadorismo

varnhageniano, integrando-se aos traços conservadores de seu tempo, é a desconfiança na

potência racional do homem de mudar o contexto, tão destacada pelos revolucionários

progressistas.

Embora se posicione favorável a uma revolução que leve à independência – na obra

Memorial Orgânico, por exemplo, a todo tempo destaca, de forma elogiosa a grandeza de

uma nação independente – Varnhagen reforça em suas colocações que esse homem não age

sozinho, neste caso, inclusive, seria um mal, como escreve, e a providência age para conduzir

à única situação possível ao homem, ao bem, como argumenta em um dos trechos

destacados.

Mudanças são admissíveis, e mesmo necessárias, como vemos na citação acima que a

sua oposição não se faz diretamente por ser um ato revolucionário, no entanto, ao lermos os

escritos de Varnhagen fica claro que uma revolução que pudesse conduzir a uma guerra civil,

a um republicanismo e a um ambiente de incertezas e vulnerabilidade estatal – o que se

constituiria como caos – era uma revolução que deveria ser evitada. Como argumentam

56

No Memorial Orgânico, há uma nota de rodapé destacada por Arno Wehling em que aponta que Varnhagen

“afirma que toda nação tem duas missões sobre a terra, sustentar-se com dignidade administrando justiça a todos

e aperfeiçoar a felicidade de seus súditos. Se não as cumpre, merece “que de fora a venham governar”. E conclui

a nota: “A nação deve melhorar suas forças, que só consistem na multiplicação de seus habitantes, no fomento às

virtudes militares e na sua riqueza, compreendendo nestas as fortalezas e os meios de guerra”” (VARNHAGEN,

2016, p. 110). 57

No capítulo em que aborda a Revolução Pernambucana do século XIX, por exemplo, um dos tópicos de

introdução foi intitulado por Varnhagen de “A Providência protegendo a integridade do Brasil”.

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68

muitos de seus estudiosos, Varnhagen é um adepto da filosofia liberal, com críticas ao que

considerava que ultrapassava os limites, e por isso, também um homem da ordem58

:

“Varnhagen, partidário da ordem e crítico do liberalismo radical, entendia ser prioritário o

fortalecimento da nação, pela via preferencial – mas não exclusiva – do fortalecimento do

Estado.” (WEHLING, 2016, p. 71).

Neste sentido, outro capítulo a ser destacado em que Varnhagen aborda o tema

revolucionário, e aponta uma conotação negativa ao evento, e consequentemente, ao termo, é

a sessão em que discute a Revolução ocorrida em Pernambuco de inícios do século XIX. É

interessante ressaltar, antes de tratarmos diretamente do caso na obra varnhageniana, que as

Revoluções pernambucanas tornaram-se, para os conservadores um movimento problemático,

e para os progressistas, um marco político e acontecimento compositor do imaginário

brasileiro revolucionário. O Correio Mercantil, por exemplo, no ano de 1849, comenta sobre

a Revolução de 1848, ainda em curso, nos seguintes termos:

(...) é uma revolução política, que tem por bandeira – a convocação de uma

constituinte para assentar sobre mais segura bases a paz e prosperidade das

províncias.

Quem pode calcular hoje o alcance que a revolução de Pernambuco terá d‟ora em

diante, que influência exercerá sobre o paiz, quando o descontentamento é geral, e

esse grito tão poderoso vem achar o império a braços com a mais furiosa reação, em

luta aberta contra os princípios retrógrados do partido dominante? (Correio

Mercantil, 1849, Ed. 9).

Em contrapartida a este pensamento, Varnhagen menciona em sua História Geral o

jornal Correio Braziliense (APUD VARNHAGEN, 1972, p.1138), em que podemos mapear a

disputa em torno do termo e a opinião do historiador a respeito da Revolução Pernambucana

de 1817:

(...) pois tudo mostra não só a precipitação, erros e injustiça dos cabeças; mas a sua

total ignorância em matérias de governo, administração e modo de conduzir os

negócios públicos; em uma palavra, não mostraram outra qualidade respeitável,

senão a energia, que é filha do enthusiasmo, em todos os casos de revoluções.

Acrescentou ainda Varnhagen que o redator do periódico se restringiu a colocar as

principais informações para que os leitores tivessem ciência de que era necessário, em seu

entendimento, evitar a propagação de tal ideia, “censurá-la, como imprudente, e como

58

O problema do equilíbrio ou mesmo da síntese entre liberdade e ordem estava no centro das discussões da

filosofia política e do direito público na virada do século XVIII para o século XIX, consubstanciado na

concepção do estado de direito, que se apresentava como alternativa ao contratualismo inglês e francês. Esse

problema não parece ter penetrado extensamente a discussão brasileira do estado constitucional à época, mas sua

face pragmática, a de efetivamente equilibrar os polos, esteve na ordem do dia desde a Independência. Ela se

definiria pela solução política que daria o poder a uma elite promotora da ordem, basicamente mineiro-

fluminense-paulista. (WEHLING, 2016, p. 58)

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69

atrasadora do próprio desenvolvimento político do Brazil”. (VARNAHGEN, 1972, p. 1137).

Tal trecho nos permite perceber que toda esta disputa político-conceitual que destacamos até

então se fazem presentes nos escritos varnhagenianos de forma entusiasmada.

Pois bem, fixando-nos nos escritos do capítulo mencionado, denominado de: A

Revolução Pernambucana em 1817, em que, como argumenta Lucia Guimarães (2001, p. 92),

“Varnhagen simplesmente desqualifica essa revolta, de caráter emancipacionista”; ou seja, em

toda construção deste capítulo e na maior parte dele, quando menciona o termo revolução,

atribui uma conotação indiscutivelmente negativa a este levante. Trataremos de algumas

destas alusões à frente.

Detenhamo-nos, a priori, nestes aspectos já destacados para frisar a ótica de

Varnhagen, e principalmente para uma discussão mais abrangente acerca de seu pensamento.

Ao analisarmos o tratamento que o Visconde de Porto Seguro confere ao vocábulo revolução

é possível termos a seguinte informação a respeito de sua utilização: fica evidente, que, no

pensamento varnhageniano não existe o termo “revolução” no singular, existem “revoluções”,

que dependem, como já fora destacado pelo prisma koselleckeano, de qual é o enxerto

político, ou seja, o acontecimento, que acompanha o termo. Alimentando, portanto, a ideia de

que este é o período da clivagem, mas não de forma abrupta do conceito.

Neste sentido, destaco o seguinte recorte do capítulo mencionado:

Quanto aos dois sentidos em que dissemos que esta revolução deve ser desastrosa: o

primeiro é que a nação tem de pagar mais tributos para ressarcir as despesas

necessariamente ocorridas para suprimir a insurreição; e estas despesas por força hão

de ser consideráveis, tanto de presente, como em suas consequências: segundo, isto

deve causar um motivo de suspeita da parte do governo, que temerá toda e qualquer

proposta de reforma, como sintoma de revolução, e uma correspondente timidez da

parte do povo, que receará pedir reforma alguma, com o temor que d'ahi se sigam

revoluções, ou suspeitas de haver vistas atraiçoadas; e por tanto, os homens bons e

cordatos, que realmente desejam ver remediados os abusos, de sua pátria, antes se

sujeitarão aos males presentes do que se arriscarão ao máximo dos males, que é a

dissolução do governo. (VARNAHGEN, 1972, p. 1139)

Portanto, no destaque acima podemos debater a respeito da ideia de “revoluções”

contida no pensamento varnhageniano. O autor aponta o pronome “esta”, ou seja, que esta

revolução, portanto, este tipo de revolução, com essas características específicas é desastrosa,

ou seja, insurreições que perpetrassem uma desagregação dos elementos tradicionais. “No seu

entender, a rebelião que proclamou a independência de Pernambuco do governo do Rio de

Janeiro não passa de um motim de quartel, provocada por militares insubordinados (...)”

(GUIMARÃES, 2001, p. 92).

Tais críticas, tão vorazes a respeito do movimento se dão exatamente por seu enxerto

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70

político. No prisma do historiador, o que a Revolução Pernambucana causa à população é

uma extrema desordem social e prejuízos políticos reformistas. Em seu ponto de vista, as

Revoluções travam o progresso, o desenvolvimento nacional, pois causam medo de suas

consequências, ao passo que as reformas, são bem-vindas, pois significam o oposto, no

entanto, àqueles que se interessariam em promovê-las são bloqueados pela correspondente

timidez e pelo receio de serem confundidos ou se tornarem movimentos revolucionários

perigosos à ordem social. Por isso, revolução e reforma, tanto uma, quanto a outra deveriam

ser devidamente definidas, pois poderiam ser confundidas a ponto de criar uma tensão social.

A respeito do aspecto da desordem é importante ressaltar que esta é intolerável, em

sua perspectiva, e se situa na contramão do que assinala como civilizado e racional, por isso,

uma sociedade, construída na ordem é tão valorosa. Podemos compreender a ideia de ordem,

nos seguintes termos:

(...) trata-se, na verdade, de um limite que atua quando não existem limites

específicos e que tende a coincidir com a exigência, por via integrativa, do núcleo de

princípios que caracterizam a constituição do Estado, mas que por vezes coincide

com a exigência também de um núcleo de valores e de critérios extrajurídicos que

fogem a uma possível predeterminação objetiva. (BOBBIO, 1998, p. 851).

Neste sentido, a ordem ao mesmo tempo em que extrapola a ideia de uma norma

formal, perpassa também por ela. Podemos dizer que este era um dos poucos aspectos em que

havia uma convergência entre o pensamento de Varnhagen e as prerrogativas do chamado

Partido da Ordem (Conservador), e com a lógica do Regresso, que pode ser apontada,

principalmente, por sua participação não só enquanto membro, mas no projeto do IHGB como

um todo.

Pois bem, na esteira do aspecto da ordem, destacamos a sentença anterior de História

Geral do Brasil, em que Varnhagen salienta o que, no seu ponto de vista, se caracteriza como

o maior dos males: a dissolução do governo, e por isso, este é um aspecto importante para que

esta Revolução seja considerada maléfica para a construção da sociedade; e este tópico nos

permite pensar a respeito da centralidade da ideia de Estado na construção historiográfica

varnhageniana, “tal como Ranke, o visconde de Porto Seguro privilegia, sobretudo, o Estado,

daí sua ênfase na primazia dos fatos políticos, relativamente isolados das forças econômicas e

sociais” (GUIMARÃES, 2001, p. 95), e, daí se constitui seu pensamento político a respeito da

temática:

(...) o Estado apresenta-se como ponto culminante e questão central da organização

da sociedade. Há, mesmo, uma antinomia explícita: o Estado representa da

civilização, a lei e a ordem. Sua ausência, a selvageria, o predomínio da força e a

desarticulação social (WEHLING, 1999, p. 86).

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71

Não há dúvidas que a imagem de Estado, defendida pelo historiador, está em

consonância com o pensamento hobbesiano e hegeliano. A partir da filosofia de Hobbes,

podemos destacar alguns pontos do pensamento que estão presentes na filosofia política de

Varnhagen:

É nele [Deus Imortal] que consiste a essência do Estado, a qual pode ser assim

definida: Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos

recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela

poder usar a força e os recursos todos, da maneira, de modo a ela poder usar a força

e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz

e a defesa comum. (HOBBES Apud RIBEIRO, 2000, p. 62).

Noutro trecho, desta vez contendo a Filosofia política de Hegel podemos destacar o

apontamento em que compreendemos a perspectiva do historiador a respeito das ideias de

Estado e de Sociedade Civil, que se encontra em contraposição em seu prisma, conforme o

destaque abaixo. Tais ponderações estão contidas também na filosofia e análise política

varnhagenianas:

A ela [Sociedade Civil] se contrapõe o Estado Político, isto é, a esfera dos interesses

públicos e universais, na qual aquelas contradições estão mediatizadas e superadas.

O Estado não é, assim, expressão ou reflexo do antagonismo social, a própria

demonstração prática de que a contradição é irreconciliável, como dirá mais tarde

Engels, mas é esta divisão superada, a unidade recomposta e reconciliada consigo

mesma. A marca distintiva do Estado é esta unidade, que não é uma unidade

qualquer, mas a unidade substancial que traz o indivíduo à sua realidade efetiva e

corporifica a mais alta expressão da liberdade. (BRANDÃO, 2000, p. 106).

Portanto, somente na perspectiva estatal é que se conclui a vida em sociedade, é o

auge da relação social, “é a totalidade orgânica de um povo, e não um agregado”

(BRANDÃO, 2000, p. 107). Na perspectiva do Visconde de Porto Seguro, esse Estado está,

sobretudo, vinculado à figura do monarca e de seu aparato governamental. É o monarca quem

representa e, de forma singular, quem personifica o Estado, principalmente, como mantenedor

da ordem; neste sentido, merece o respeito, e, sobretudo, a lealdade dos súditos, como

inúmeras vezes podemos constatar em suas cartas ao imperador.

A preocupação no ambiente político com a figura representativa da sociedade, a

imperial, era observada frequentemente nas discussões e nos posicionamentos políticos,

principalmente da ala conservadora do parlamento. A ideia de um poder que mantivesse a

ordem era assunto frequente, pois também eram frequentes e graduais as ações progressistas59

59

Destaco neste sentido o trecho de Illmar Rohloff de Mattos (1987, p. 194), em que ressalta esta frequente

preocupação: “Os Saquaremas proclamavam as excelências de um poder forte, destacando a eficácia e utilidade.

Somente um poder forte poderia tanto oferecer „suficientes garantias à ordem pública e a bem entendida

liberdade‟, quanto tornar audível a voz da „Razão nacional e verdadeira indicadora do pensamento e das

necessidades públicas‟, no entender de Paulino Soares de Sousa”. Neste mesmo raciocínio destaca a figura do

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72

ou revolucionárias. Por isso Varnhagen destaca em seu texto, o que fora dito pelo Conde de

Palmela, e que podemos afirmar, por seus escritos, ser ele também partícipe da mesma

opinião:

Minha opinião é diametralmente contrária, porque V. M. não se deve sujeitar aos

revolucionários; - não deve largar o cetro da mão. Compete-lhe conservar a herança

de seus pais até à última extremidade: não lhe convém aprovar a revolução, e

desanimar todo o partido realista; não lhe é decente seguir os malvados e

desamparar os honrados. (VARNHAGEN, 1972, p. 288).

Por isso, na citação de sua História aponta que o máximo dos males é a dissolução do

governo (representado pelo monarca), pois a sua integridade mantem o cerne do seu papel: o

de condutor e tutor da sociedade. “O Estado é prioritário – como mostrou José Honório

Rodrigues -, o povo é secundário” (WEHLING, 1999, p. 90).

Esta centralidade do Estado, representado pelo monarca, era visto como um

importante elemento a ser considerado pelo diplomata para determinar o caráter benéfico ou

não de uma revolução, e principalmente (em nossa análise), como ele irá adjetivar o

movimento, a partir deste cerne que se configura como:

O Estado forte, maior do que a sociedade, criador da nação e aperfeiçoador

pedagógico e étnico do povo – eis o ideal de Varnhagen. Tudo o mais –

representação, funções estatais, relações internacionais, formas de governo – cede o

passo ao objetivo maior de um Estado regenerador. Tudo o que destoa deste padrão

unitário, ou que o ameaça, é condenado. (WEHLING, 1999, p. 91).

Todo e qualquer levante que marginalizasse o papel do Estado, que se opusesse a ele

(como na citação a seguir), ou que, simplesmente não o incluísse nos movimentos era sujeito

a crítica do historiador, ou nas palavras de Nilo Odália (1979), enfrentam uma rejeição por

parte do Visconde de Porto Seguro, pois sua intenção é realçar, quase que didaticamente, o

ofício do Estado no espectro formativo da população: “Fim triste, e na verdade digno de

lástima, do mais belo carácter que apresentou a malograda revolução pernambucana de 1817.”

(VARNHAGEN, 1971, p. 1147).

Ou seja, tal Revolução, se apresentou com o aspecto de malograda, mal sucedida, pois

se opunha totalmente à ideia do Estado forte, que perpassava principalmente, pelas

características de uma monarquia constitucional, e com mudanças que pudessem ser pautadas

pela perspectiva, sobretudo, regressista:

No Brasil, os fundamentos de suas posições podem ser rastreados na ideologia do

Regresso e no conservadorismo da década anterior, a partir da Assembleia

Constituinte. Elas assumem papel semelhante ao das ideias liberais que circulavam

na Europa após a restauração: um Estado laisses faire no plano econômico, isto é,

monarca, principalmente, no exercício do poder moderador, como esta fonte central da ideia agregadora do

poder: associação entre unidade de poder e unidade da nação.

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73

mantenedor do status quo institucional, assegurado pelo controle do poder político

pelos proprietários através do sufrágio censitário e indireto. (WEHLING, 1999, p.

87)60

Neste trecho destacado, Varnhagen se coloca em oposição frontal ao que apontava

como conluios que poderiam desintegrar o território e, consequentemente, a nação. Este é um

aspecto importante, que para alguns de seus estudiosos61

se caracteriza como elemento-chave

em seu pensamento: os aspectos agregadores e desagregadores, neste caso, de certos

movimentos. Para o historiador, o que desagregava era perigoso e um mal, por si só. Escreve,

inclusive, ao imperador em certo momento:

Sobre este ponto nada mais digo quando V.M. I [Vossa Majestade Imperial] sabe

tudo, e quando não desconhece que o empenho principal que me guiou a pena do

Memorial Orgânico foi o de promover desde já, com a maior segurança possível, a

unidade e a integridade do Império futuro, objeto constante do meu cogitar. A

possibilidade e a conveniência de tal unidade, ainda na época do porvir em que o

Brasil possa chegar a contar mais de cem milhões de habitantes, quando o espírito

público se forme pela história de um modo idêntico, foi por mim sustentada

tenazmente em 1851 em muitas discussões com os meus amigos deputados pelo

norte, e não perco ocasião de a pregar na História geral, que, por si só, se for adotada

nas academias, há de contribuir e muito a elevar o patriotismo e à harmonia do

espírito nacional, fomentada pela igualdade de educação de todos os súditos.

(VARNAHGEN, Carta ao Imperador, 1961, p. 246).

Varnhagen vislumbrava nestes movimentos uma cisão que desmembraria o país não só

do ponto de vista metafórico, mas prático, a partir de divisões territoriais que trariam,

consequentemente – em sua interpretação – um enfraquecimento do governo, e um

alastramento dos ideais separatistas, por isso elevar o patriotismo e o espírito nacional,

principalmente com sua historiografia eram pontos centrais para a coesão do território, em

paralelo a medidas políticas que viabilizassem respostas mais ágeis a possíveis levantes

provinciais, e que gerassem maior conexão entre as áreas mais remotas do império.

60

Destaco a nota de rodapé apontada por Wehling (1999, p. 88): “Tais características foram identificadas, para o

caso da política do regresso, por perspectivas tão diferentes como as de Otávio Tarquínio de Sousa, Bernardo

Pereira de Vasconcelos, Rio de Janeiro, José Olympio, 1952, p. 48; Caio Prado Jr., Evolução Política no Brasil,

São Paulo, Brasiliense, 1988, p. 77; João Camilo de Oliveira Torres, A democracia coroada, Petrópolis, Vozes,

1963, p. 143; Paulo Mercadante, A consciência conservadora no Brasil, Rio d Janeiro, Saga, 1964; Ilmar Rohlof

de Matos, O tempo Saquarema, São Paulo, Huicitec, 1987, p. 32”. Estes autores identificaram alguns pontos que

se tornam interessantes à análise do conservadorismo, pois tratam da complexidade da caracterização e aspecto

do pensamento neste período. Partindo deste princípio, e em diálogo com tais discussões, destaca-se o caráter

conservador, com traços liberais de Varnhagen, que aprofundaremos. Nesta citação destacada, sobretudo, tais

traços podem ser identificados com as características conservadoras pós Assembleia Constituinte no Brasil. 61

A professora Dra. Lucia Guimarães, por exemplo, trabalha com a ideia dos elementos agregadores e

desagregadores que são relevantes para Varnhagen. O primeiro como construtor da nação e o segundo como

prejudicial a essa estrutura (GUIMARÃES, 2001). Estes aspectos (agregadores e desagregadores) também são

ressaltados na introdução de Memorial Orgânico (2016), produzido pela FUNAG.

Page 74: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

74

***

Vão decorridos já quarenta anos depois desta insurreição, e os sucessos narrados

com pouco exame a vão convertendo em um mito heroico de patriotismo, não

brasileiro, mas provincial, sem fundamento algum. A verdade é só uma, e há de

fulgurar em vista dos documentos que vão aparecendo e dos protestos dos homens

comprometidos, mais probos e ilustrados; e mais prudente é não elevar tantos

altares, para depois se derrubarem e profanarem (VARNHAGEN, 1972, p. 1116).

No trecho acima, ainda tratando da Revolução Pernambucana, fica nítido que para

Varnhagen o aspecto provincial do movimento, e não coesivo do ponto de vista nacional é o

que o define como malogrado. O futuro da nação dependia de ações governamentais que

proporcionassem a união entre um território tão extenso, ainda que isto se promovesse de

forma gradual e alcançada lentamente (ODÁLIA, 1929).

Varnhagen é categoricamente antagônico à ideia de uma revolução que rompesse de

forma abrupta com o status quo, que se opusesse ao aspecto da coesão nacional, e neste

sentido podemos vinculá-lo ao conservadorismo que se forma neste período, como o exemplo

do caso burkeano, discutido no capítulo anterior. Se analisarmos as ponderações

varnhagenianas é visível o vínculo deste tipo de revolução com o significado de transtorno da

ordem, rebelião; como o pai do conservadorismo moderno tratou, por exemplo, a Revolução

Francesa, que é citada, inclusive, pelo Visconde de Porto Seguro, de forma reprovadora, neste

capítulo de História Geral do Brasil:

Para remedar-se a revolução franceza, aboliu-se também o uso do tratamento de

senhor; nem que a liberdade e a própria democracia fossem incompatíveis com as

atenções da cortesia. Igualmente se aboliram as excelências, as senhorias, e as

mesmas humildes mercês, e até a humilissima contracção em "vocês". – Tudo ficou

nivelado a vós. E por certo que mais logico, embora menos imitante aos usos lá da

França e da Inglaterra, houvera sido o simples pronome da segunda pessoa do

singular. - Misérias de todas as revoluções desta natureza! - A bandeira que foi

adoptada era bicolor, azul escura e branca, sendo as cores partidas horizontalmente;

a primeira em cima e esta por baixo, e tendo, no retângulo superior azul, o arco íris

com uma estrela em cima e o sol por baixo, dentro de semicírculo; e no inferior,

branco, uma cruz vermelha. As bandeiras da tropa foram benzidas e distribuídas na

quinta-feira santa. (VARNHAGEN, 1972, p. 1133)

O parágrafo apontado acima reúne alguns elementos interessantes para compreensão

do pensamento de Varnhagen no tocante, principalmente, à sua oposição ao que ele mesmo

aponta como revoluções desta natureza. Primeiro porque é uma tônica que esclarece a nossa

defesa das diferentes compreensões de revolução; segundo porque ele se coloca claramente do

outro lado do discurso dos movimentos de cisão. Revolucionar significa reformar, do ponto

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75

de vista varnhageniano, e neste prisma o termo seria benéfico. As revoluções [desta natureza]

criariam um problema, do ponto de vista reformista, pois quebram a continuidade natural e as

relações sociais.

Neste trecho, por exemplo, a referência principal é o tuteio62

(uso do tratamento tu)

num determinado momento da Revolução Francesa, e que, ao ser destacado por Varnhagen,

nos atenta para os usos dos diversos símbolos63

, inclusive as palavras, na Revolução de 1789,

e a influência no imaginário de outros movimentos que se entendiam como continuadores do

fenômeno explodido em fins do século XVIII. Neste destaque, fica claro que os simbolismos

em torno dos processos desobscurecem a compreensão dos discursos em torno da ideia

revolucionária, pois evidenciam a querela em torno do caráter emblemático do próprio termo.

Retomando, então, a discussão no fragmento, ao apontar certo tipo de revolução,

considera, portanto, a possibilidade de existirem outros tipos, ou em suas palavras, de outras

naturezas. Como apontamos desde o início dessa discussão, compreendemos aqui dois tipos

para o diplomata: uma benéfica a nação, e outra prejudicial. Esta última, ele trata como

miserável, porque entende que os ideais inscritos no movimento são, além de separatistas,

também republicanos, princípio político este, que era veementemente opositor.

Ainda em torno do aspecto das palavras, que refletia seu posicionamento político,

podemos destacar que para o Visconde de Porto Seguro o aspecto da igualdade não era

compatível com a realidade e contexto. Como muitos conservadores de seu tempo, a

abstração da igualdade não era concebível; o que importava nesta perspectiva era o que

estava dado, o que existia de fato, o que pertencia à tradição: por exemplo, a ideia de

monarcas e súditos. E, até entre os últimos, como se podia verificar facilmente na sociedade,

também havia distinções, por isso, a crítica em torno da concepção de nivelamento social que

o tratamento representaria.

Em continuidade, a crítica aborda outro aspecto simbólico do movimento: a bandeira

confeccionada como representativa da Revolução Pernambucana. Esta, descrita pelo

62

Segundo Michelle Perrot (2009, p. 25), o uso de uma linguagem menos formal, propositalmente, no intuito de

promover a ideia de igualdade, tomou conta dos diálogos ao longo do movimento revolucionário. A autora

relembra um episódio no início do chamado Período do Terror, em que um sans-cullotes encaminha uma

Petição à Convenção solicitando que a partir de então todos os republicanos se tratassem por tu, sob pena de

serem considerados suspeitos caso contrariasse a regra. O projeto não é aprovado, no entanto, o uso ocorria, e tal

lembrança é interessante para demonstrar o contexto e as ideias que se moviam no decorrer das revoluções,

como é o caso da pernambucana. 63

Importante destacar aqui, que o uso do termo “símbolo” não pode ser compreendido de forma despretensiosa

nesta abordagem. Do ponto de vista conceitual, símbolo tem o significado de representação (CHEVALIER

GHEERBRANT, 2003), ou em outras palavras, de conexão, neste caso, de uma ideia a uma palavra ou a um

objeto. As palavras são simbólicas, portanto, em linhas gerais, são diferentes prismas em disputa, evidenciado

aqui, pelas críticas varnhagenianas.

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76

historiador, carrega em seus traços algumas das características que são compreendidas como

prejudiciais ao vínculo nacional. Por isso, em sua visão, seria imprescindível operações

governamentais que promovessem a ideia de união, minando perspectivas de coesão somente

a nível provincial, como este movimento proporcionaria.

Por esta concepção, como argumenta Arno Wehling64

, nas ponderações políticas de

Varnhagen e em seus escritos visando à construção da nação fica evidenciado sua

preocupação com o imaginário, principalmente por aquilo que se constrói em torno do

patriotismo, que acredita ser tão relevante para a segurança do estado quanto à religião.

Em meio a todos estes pontos destacados, deixa claro um deles, que, é aspecto de

questionamento frequente em seus escritos: o problema brasileiro da busca de imitação de

aspectos europeus. Neste trecho deixa clara tal opinião como crítica ao que chama de imitação

ao que ocorria na Europa. Em sua perspectiva, o Brasil deveria, com relação a este aspecto e

tantos outros, seguir seus próprios trilhos, principalmente, tendo a ordem e a tradição como

motrizes de ações que despontassem em alguma revolução.

Em suas diretrizes políticas ao parlamento, Varnhagen critica aquilo que chama de

espírito de imitação ou de rotina (VARNHAGEN, 2016) existente na conjectura das ações

políticas brasileiras: remendar-se a Revolução francesa não era para ele uma alternativa

eficaz, e muito menos benéfica do ponto de vista político e social, em seu prisma era preciso

analisar as necessidades do Brasil pelo próprio Brasil, e não copiando as leis e

comportamentos políticos de países, em seu ponto de vista, mais civilizados. Neste sentido,

agrega em sua opinião um preceito do filósofo Vattel (Apud VARNHAGEN, 2016, p. 202):

Toda nação deve primeiro conhecer-se: sem isso nunca poderá ela trabalhar com

bom êxito para seu aperfeiçoamento. É preciso que faça justa ideia do estado em que

se acham a fim de tomar medidas que covenham a esse estado; deve conhecer os

progressos que tem feito, os que lhe cumpre fazer, e o que tem de bom ou de

defeituoso, para saber o que há de conservar e o que há de corrigir.

Portanto, não imitar, ter uma autenticidade, tem associação com a ideia de levar em

consideração os vestígios tradicionais próprios de cada cultura, de cada contexto, e

revolucionar, como veremos no próximo tópico, tem conexão com a ideia de correção, e não

de destruição da ordem. Vale ressaltar, que a tradição defendida por Varnhagen, de forma tão

veemente, tem a ver com os elementos culturais agregados, principalmente, do ramo

português da composição do Império do Brasil, opinião esta que foi motivo de inúmeras e

famosas contendas entre a sua vertente de ideia de formação do povo, e dos indianistas, por

64

Este pensamento está contido nas ponderações do autor na introdução do “Memorial Orgânico”, e de forma

mais vasta e aprofundada é trabalhado em “Estado, História e Memória”, de Arno Wehling.

Page 77: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

77

exemplo.

Por isso, as revoluções de tipo prejudicial são vinculadas, inúmeras vezes pelo autor, a

uma perspectiva medicinal, chegando a utilizar, diversas vezes, para tratar desses

acontecimentos, palavras como doença, antídoto, sintoma, remédio, como no exemplo a

seguir, em que, claramente, aponta essas referências ao tipo de revolução que lança sua

crítica.

Trazendo a luz a frase do Conde dos Arcos sobre a Revolução em Minas, ou como

ficou conhecida, a Inconfidência Mineira, Varnhagen (1972, p. 256) destaca: “liberalidade

que espante [revoluções deste tipo], e justiça por sistema inabalável são os únicos antídotos

contra o veneno da revolução”, e neste mesmo parágrafo aponta a ideia da necessidade de

remediar tal mal. Ou ainda quando trata do início da Revolução Pernambucana é enfático em

dizer: Triste sintoma de uma revolução em princípio.

O sentido da revolução é um só na visão varnhageniana: mudar com ordem as

injustiças. Por esta razão, o restante dos movimentos, denominados como revolução, são, na

verdade, vislumbrados pelo Visconde de Porto Seguro, especialmente por seu caráter

desagregador, como insurreições, conluios, deslealdes fadadas, sem dúvidas, ao malogro.

2.4 A bem lograda Revolução

Conectando a ideia de visão de mundo, iniciada neste tópico, destaco a perspectiva

varnhageniana, para aquilo que compreendia como a sua contribuição, ou ainda, a sua

função65

neste mundo, que vislumbra. Friso, portanto, o que fora dito em linhas anteriores:

para compreendê-lo é necessária a percepção de que a unidade nacional é, acima de tudo,

pano de fundo de seu arcabouço intelectual. Como no trecho abaixo, de uma das cartas

destinadas ao imperador em que, apresentando ao imperador o segundo volume de HGB, fala

a respeito dessa função:

Porém, caí de joelhos, dando graças a Deus não só por me haver inspirado a ideia de

tal grande serviço â nação e às demais nações, e concedido saúde e vida para realizá-

lo (sustentando-me a indispensável perseverança para convergir sobre a obra desde

os anos juvenis, direta e indiretamente, todos os meus pensamentos).

(Carta ao Imperador, 1857, p. 242).

65

Argumenta Odália (1979, p. 18) que após a constituição formal da nação cabe ao historiador assumir seu

“papel e sua missão: cabe-lhe a tarefa de dar forma e conteúdo ao projeto político”, projeto esse que deve ser

compreendido para além da simples ideia de projeção de desejos e vontades, mas deve ser entendido como um

contínuo de sequência histórica das condições socioeconômicas em que se desenvolveu a nação até aquele dado

momento.

Page 78: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

78

No tópico anterior atentamos em perceber as características de seu conservadorismo a

partir daquilo que pretendia, metaforicamente, destruir das revoluções; do ponto de vista das

ideias que se pudessem se apresentar enquanto opositoras a este pensamento (conservador).

Nesta segunda fase, gostaríamos de destacar o que pretendia construir, enquanto bases

intelectuais e políticas nacionalistas. Este é um ponto importante: não importa ao

conservadorismo que Varnhagen representa66

manter o status quo, mas transformá-lo a partir

de perspectivas que levem em consideração diversas situações locais e/ou culturais,

vinculando-se, assim, a análise conceitual de conservadorismo destacada por Bobbio (1998),

apontada no primeiro capítulo desta análise. Neste sentido, quais eram os fundamentos

essenciais para que um movimento revolucionário contribuísse para o crescimento do

Império, afinal? Buscaremos responder a este questionamento ao longo deste tópico, iniciando

com a citação seguinte:

Esta revolução triunfante marcava uma nova era para o Brasil: se não adere a ela,

fica separado em Estado independente; se adere e consegue proclamar também as

novas instituições, era mais que seguro que não se havia de dar ao trabalho de se

libertar do jugo do antigo sistema de governo, para voltar ao jugo maior e mais

humilhante do estado colonial, de que aliás já se libertara com a vinda da Corte.

(...) Somente mais de três semanas depois da primeira notícia, a 11 de novembro,

chegaram ao Rio as notícias desse triunfo completo da revolução em Portugal.

(VARNHAGEN, 1979, 279).

Neste trecho, o Visconde de Porto Seguro se refere à Revolução Constitucionalista do

Porto67

de 1820, em que novamente, coloca em primeiro plano a análise de um movimento

revolucionário e sua interpretação nesta disputa conceitual. O próprio caráter e finalidade

desta Revolução, e a adjetivação positiva com a qual se refere ao movimento português já nos

permite perceber algumas das características de seu pensamento; neste prisma a Revolução

não é colocada como malograda ou prejudicial.

Para esta análise, vale, em primeira instância destacar que as insatisfações que davam

tom a insurreição se vinculavam a algumas premissas políticas destacadas como importantes

por Varnhagen: cabe lembrar que o movimento visava, para além de outros pontos, atingir

objetivos liberais, do ponto de vista político, especialmente, alcançar uma constituição que

desmantelasse a monarquia absolutista portuguesa, sendo influenciado, de forma principal,

66

Reafirmo, com isto, a necessidade da compreensão da ideia de conservadorismos, no plural. Nem sempre as

diversas possibilidades de pensamentos e as diversas matrizes conservadoras caminham em convergência, como

podemos perceber, por exemplo, com a construção do pensamento conservador no caso brasileiro, observado no

primeiro capítulo. 67

Aborda esta temática no capítulo de História Geral do Brasil: Desde a Revolução Constitucional até ao

Regresso de Dom João VI para Lisboa.

Page 79: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

79

pelos diversos movimentos já iniciados na América e em outras nações na Europa68

.

Neste sentido, Varnhagen tece elogios à Revolução Liberal, por estar, definitivamente,

inscrita naquela concepção de retorno analisada no capítulo anterior, ou seja, de acordo com

as premissas do Conservadorismo burkeano. A glória e característica exemplar da Revolução

estão, sobretudo, em algumas de suas premissas em favor da Constituição e seu interesse por

representatividade na esfera pública.

Por este mesmo motivo, paralelamente, se coloca como opositor de uma de suas

demandas: o interesse econômico na permanência do Brasil no status de colônia, que

caracteriza como “jugo humilhante”. Sobre esta, conclui que deveria triunfar, e em momento

algum se opõe a ela em terras portuguesas; entende, porém, que o Brasil deveria tomar o seu

exemplo, e não aderir e retornar ao jugo colonial.

E, com isto, destaco a centralidade de outro aspecto e conceito que se faz mister para a

compreensão de seu caráter conservador: a ideia de liberalismo deste século. Varnhagen

decididamente não é um reacionário, talvez seu conservadorismo se encaixe nas perspectivas

de relação, e não de reação – como fora abordado no primeiro capítulo – e neste sentido

muito de seu pensamento se conecta com algumas premissas e conceitos construídos ao longo

deste século, como é o caso do liberalismo, que como argumenta Renè Remond, é um dos

grandes fatos do século XIX (2018, p. 15).

O conservadorismo varnhageniano está ligado a este grande fato secular nas

perspectivas políticas, sociais e econômicas69

: ouso dizer que não é possível a compreensão

de seu conservadorismo sem mencionar o caráter liberal de seu pensamento. O historiador

aponta a necessidade de combater as injustiças, destaca também que as pessoas de almas

generosas devem se colocar politicamente (revolucionar), mas neste século de dificuldade de

lidar com tal termo: liberdade70

, o diplomata se coloca com cautela como defensor das

premissas liberais:

No caso de Varnhagen, em fins da década de 1840, a referência principal opõe o que

via como excessos da liberdade à necessidade da ordem. No confronto entre a

instabilidade e estabilidade política, o historiador sempre optou sem hesitar por esta,

mesmo porque entendia que os elementos básicos da liberdade – como a de

68

Vale destacar que movimentos ocorridos, principalmente, na Espanha, com demandas liberais similares,

tiveram grande peso e influência sob os movimentos ocorridos em Portugal neste mesmo período. 69

Sem dúvidas, no plano econômico podemos também vincular Varnhagen a vertente liberal, pois, claramente

alimentava preferência por iniciativas privadas, no entanto, vale ressaltar, que vislumbra, no caso do Brasil, por

exemplo, a necessidade de uma intervenção monárquica no que diz respeito ao incentivo à produção

(WEHLING, 2016). 70

Este é, além de fato do século, também termo imbricado e que produz discussões diversas no âmbito político e

conceitual, e, sobretudo filosófico nesta fase. O texto A Liberdade dos Antigos comparada a dos Modernos, de

Benjamin Constant, « De la Liberté cliez les Modernes. (Le Livre de Poche, Collection Pluriel. Paris, 1980.) », é

uma das obras deste período que simboliza este contexto.

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80

expressão, a de associação e a de constituir um pacto político – estavam assegurados

no Brasil pela Constituição e pela monarquia constitucional. (WEHLING, 2016, p.

87).

Assim como muitos políticos e pensadores políticos de seu tempo, Varnhagen

participa deste mundo político de seu período, em que a ideia de liberdade é abordada com

cuidado para não ser associada automaticamente, a uma perspectiva revolucionária

progressista radical, por isso, inclusive sua aproximação a uma espécie de ideia

contratualista, vinculada a vertente de Montesquieu, ou até mesmo ao prisma de Benjamin

Constant. Em outras palavras, existiriam, para ele, prerrogativas fundamentais que norteariam

a sociedade – a ideia de um poder compartilhado, por exemplo, era apreciada pelo diplomata.

A estabilidade política mencionada acima era um dos elementos primordiais em seu

conservadorismo: a vertente jacobina deveria ser, sem sombra de dúvidas, evitada. A ideia de

uma revolução aceitável está vinculada à ideia de reforma, de uma moderação, que é

representativa de um conservadorismo que ganha forças nessa época em diversos países

europeus e americanos. O próprio Varnhagen se define desde a juventude como um

constitucionalista representativo e parlamentarista.

***

O aumento da facilidade das comunicações, que acompanha o desenvolvimento da

civilização, irmana de tal modo em sentimentos, assim os povos da mesma nação,

como os de nações diferentes, que não é raro em política que os ecos de uma

grande revolução se repercutam em paragens muito distantes, mediando só o

tempo necessário para se propagar a notícia. Memorável exemplo do que levamos

dito nos oferece a bem lograda revolução feita pelas colônias inglesas do Norte da

América, para se declararem nação independente da mãe pátria (...). Em França,

onde tanto entusiasmo havia pela revolução norte-americana, deviam os

brasileiros encontrar nesse mesmo entusiasmo incentivos e estímulos, para

imitarem o primeiro povo da América colonizada e cristã, que se emancipou,

proclamando sua nacionalidade (VARNHAGEN, 1979, p. 215).

Em oposição a todo contexto latino-americano, considerado como bárbaro pelo

historiador, insiste (representando a ideia de seu período), na perspectiva de civilização. Não é

difícil, como no trecho acima, verificarmos Varnhagen colocar tal conceito como parâmetro

para legitimar um movimento. Esta ideia civilizadora está pautada, sem dúvidas, no padrão

Page 81: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

81

europeu71

de sociedade. Não podemos perder de vista que Varnhagen está, em boa parte do

tempo, na Europa72

, vislumbrando os acontecimentos do Velho Mundo e, tecendo críticas a

partir das novas ideias advindas deste contexto.

Por isso, o Estado brasileiro que ligava a América à Europa através do monarca73

, e,

portanto, o que estaria em um grau maior de civilidade, deveria ser representante oficial da

“ideia de civilização no Novo Mundo” (GUIMARÃES, 1988, p. 7). A ideia comparativa

(grau) de civilização é recorrente em suas análises, inclusive esta ideia está contida em HGB

e em Memorial Orgânico. No último, por exemplo, há um capítulo intitulado como

“Civilização dos índios por tutela”.

Propagar a civilização era tarefa imprescindível, por isso, no trecho destacado

Varnhagen aponta a Revolução Americana como bem lograda, se aproximando, inclusive, do

pensamento burkeano, já mencionado: para o historiador, as premissas políticas desta

revolução são exemplares, pois carregam consigo a ideia de independência, influenciando,

inclusive o movimento mineiro, por isso, é notável a diferença e o peso das críticas que tece

acerca do tentame revolucionário ocorrido em Minas e do acontecido em Pernambuco em

1817: sem dúvidas seu julgamento é mais brando com o movimento mineiro.

Estado iluminado, esclarecido e civilizador (GUIMARÃES, 1988), eis a ideia de

construção deste tipo de conservadorismo. Há uma conexão: civilizar tem vínculo com a ideia

de esclarecimento, que por sua vez, se conecta à moderação política, e ao chamado retorno

das estruturas – Varnhagen, assim como Edmund Burke, está ligado ao conceito de revolução

como movimento que só tem sentido a partir de uma perspectiva moderada, por isso, o

exemplo a ser tomado deveria ser o americano, e não o francês; neste sentido é imprescindível

destacar a perspectiva koselleckeana (1992) em que conceito e conteúdo possui uma relação

necessariamente tensa – esta é uma situação que expõe tal tensão na ideia de revolução.

“Precisamos civilizar o Império.” (VARNHAGEN, 2016, p. 167). É, então, para dar

71

É claro, dissemos em linhas anteriores, que o Visconde de Porto Seguro insiste no prisma da não imitação,

mas existem fundamentos, que, em seu pensamento, são intrínsecos ao homem. Não podemos esquecer a

perspectiva de Estado hegeliana. Portanto, a ideia civilizadora, advinda do solo europeu, ultrapassa, nesta

vertente, o lugar de onde surge. 72

A característica andarilha de Varnhagen é o tema principal do prof. Dr. Temíscles Cesar no artigo

“Varnhagen em movimento: breve antologia de uma existência” (2007). O visconde de Porto Seguro serviu ao

Império como diplomata na Europa em Lisboa, Madri, e Viena, além de locais na América como Santiago,

Lima, Caracas e Assunção. 73

Em sua dedicatória ao Imperador de sua História Geral, Varnhagen deixa claro a sua ideia de conexão entre as

perspectivas monárquicas e civilizadoras: “...associando-me ao ponto de da história da civilização do Brazil são

actos de Sua Imperial Magnanimidade” (1972, p. 3).

Page 82: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

82

fundamento à ideia de civilização que Varnhagen constrói sua história74

, e nela, como o

próprio argumenta o ponto alto de uma sociedade, uma nação organizada por meio de um

Estado monárquico forte e com uma história nacional: “para ele, como para Martius, o

historiador deveria escrever do ponto de vista unitário nacional, o que se justificava por

fatores políticos e ideológicos de sua conjuntura” (WEHLING, 1999, p. 77).

Nesta afirmação de Wehling se encontra nossa análise do conceito analisado:

primeiramente, para o visconde de Porto Seguro, assim como para muitos de seu século, ser

historiador significava ocupar um cargo no serviço do Estado, construir um sentido que

integraria a nação, e, portanto, estaria vinculado a sua premissa conservadora da ideia de

unidade, e, chegando desta forma, ao ápice da civilização. Por isso, sobre a História Geral diz

em sua dedicatória:

(...) escrevê-la por mais puro amor da Pátria: - a publicá-la em vida por inteira

dedicação e obediência a sagrada pessoa de V.M.I [Vossa Majestade Imperial], cujo

reinado (que oferece já assunto a brilhantes páginas dignas da História) imploramos

todos os seus fieis súditos ao Altíssimo que perpetue por dilatados anos para glória

sua, esplendor do trono e felicidade do Brasil. (Carta ao imperador, mai. 1853,

p.203)

***

Por fim, argumentamos que, em oposição aos movimentos que buscavam desagregar,

Varnhagen abre seu segundo tomo com a palavra em que detemos nossa análise: revolução75

.

Nesta narrativa, seu estudo se volta à luta ocorrida no século XVII, a respeito da “invasão

holandesa”. Diferentemente, esta revolução reúne elementos que agregam e mobilizam o

patriotismo.

A notícia da revolução, e provavelmente já desta primeira vitória, foi em Portugal

recebida, como era natural, com grande satisfação; e por ventura contribuiu a que

fosse promulgado o decreto de 27 de outubro (1645), dispondo que os primogênitos

dos reis e herdeiros presuntivos da Coroa se intitulassem daí em diante, "Príncipes

do Brasil". (VARNHAGEN, 1972, p. 611).

Neste capítulo, sem dúvidas, há uma justificativa da guerra, pois em sua análise este

74

O prisma historiográfico varnhageniano é bastante característico de seu período, vinculado à perspectiva de

alcance da verdade com seus escritos, Capistrano de Abreu, por exemplo, afirmava que era um bandeirante em

busca da verdade. Esta busca pela verdade seja talvez, junto com a ideia de método, o elemento que o conecte,

de certa forma, com a vertente científica da historiografia deste período. Além de ser, sem dúvidas, de alguma

maneira, influenciado pela cultura alemã – “a exegese documental parece revelar a influência de Ranke” (REIS,

2006, p. 24). 75

Capítulo intitulado: Revolução de Pernambuco até a primeira ação dos Guararapes.

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83

movimento gerou a possibilidade de união, sendo intitulado por Varnhagen, em uma de suas

cartas ao imperador, de célebre guerra, pois estreitou os laços patrióticos, ergueu o país do

torpor (REIS, 2006) para uma causa comum – sem dúvidas, o que poderíamos citar Lívio

(Apud ARENDT, 2011, p. 37): “É justa a guerra que é necessária, e sagradas são as armas

quando não há esperança senão nelas” (Iustum enim est bellum quibus necessarium, et pia

arma ubi nulla nisi in armis spes est). Se tratando do pensamento varnhageniano, sua

justificativa se encontra, sem dúvidas, no aspecto da construção da nação; da unidade; e da

coesão.

Portanto, revolução aqui pode ser chamada por ele “célebre” porque congrega todos os

fatores que merecem ser perpetuados. Ocorreu do seu ponto de vista, para que a estrutura

permanecesse, e vinculasse, em diversos aspectos, os elementos negro, indígena e português,

com evidente proeminência do último:

Finalmente, após longa reflexão, o historiador faz uma pausa e se indaga: “Em

definitivo: da invasão holandesa resultou algum proveito para o Brasil?” Mais

adiante, conclui categórico: “[...] se apresentou mais crescido e mais respeitável”.

No seu entender, a guerra contra o estrangeiro – o inimigo comum – assumiu o papel

de elemento catalisador. Transformou-se na força que aglutinou as três raças.

Combateram a mesma causa, brancos, índios e negros. (GUIMARÃES, 2001, p. 88).

Portanto, é evidente: os elementos políticos que envolvem a figura de Francisco

Adolpho de Varnhagen são inúmeros, e entre perspectivas agregadoras e desagregadoras

existentes na sinuosa compreensão de revolução é possível percebermos, igualmente, alguns

elementos do pensamento conservador de meados do período oitocentista.

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84

3. POR UM AMANTE DO BRASIL: ABOLIÇÃO E REPUBLICANISMO COMO

IDEIAS REVOLUCIONÁRIAS

Un peuple qui a fait une revolution n‟en surmonte les perils

et n‟en recuille les fruits que lorsqu‟il porte lui-même, sur

les príncipes, les intérêts, les passions, les mots qui ont

présidé à cette révolution, la sentence du jugement dernier,

„separant le bon grain de livraie et le froment de cette paile

destinée ao feu76

.

François Guizot, De la Démocracie em France,

Bruxelles, 1849

Sendo algumas das principais discussões dos debates públicos ao longo de todo o

século XIX no Brasil e na América, as temáticas de escravidão e republicanismo, sem dúvida,

adquiriram maior pujança nesta fase do Império, ganhando, paulatinamente, protagonismo nos

meandros políticos. Como mencionado no primeiro capítulo deste estudo as leis de cunho

abolicionista, os movimentos sociais, as ações parlamentares, possuíam, em seu interior,

ideais revolucionários que influenciavam o contexto brasileiro.

Nesta etapa trataremos, portanto, de compreender como o pensamento conservador

varnhageniano, representativo de uma das matrizes dentre os diversos conservadorismos de

seu período77

, se manifestava diante das questões revolucionárias colocadas em seu próprio

tempo, ou seja, como dialogava e traçava o seu pensamento diante dos conflitos e ideias que

eram gestadas naquela fase política, no jogo parlamentar e intelectual.

Vale lembrar que o temor de Varnhagen sobre a ideia de uma imitação das

perspectivas políticas do Velho Mundo se dava também pelos eventos políticos vinculados à

ideia de “revolução” que via ocorrer em solo europeu. Discussões sobre república,

democracia e socialismo78

estavam em voga, e blindar o Brasil intelectualmente destes pontos

significava alertar aos estadistas da necessidade de uma interpretação conservadora Moderna

de “revolução”, que estava atrelada àquela perspectiva astronômica, e por isso, que a

premissa de uma mudança gradativa, sem destruição dos vínculos tradicionais estava no

horizonte da publicação do Memorial Orgânico (1849 e 1850), principal fonte de análise

neste capítulo.

76

Tradução da epígrafe: “Um povo que fez uma revolução só supera os seus perigos e só recolhe seus frutos,

quando ele mesmo traz, sobre os princípios, os interesses, as paixões e as palavras que guiaram esta revolução a

sentença do julgamento final, separando o joio do trigo e o fermento da palha destinada ao fogo” (Apud

MOREL, 2016, p. 46). 77

Pois, como já fora ressaltado, partimos da premissa da ideia de “conservadorismos”, no plural. 78

Vale lembrar que um ano antes da publicação de Memorial Orgânico, Marx e Engels publicavam na Europa O

Manifesto do Partido Comunista (1848).

Page 85: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

85

As perspectivas de abolição e república estavam, sem dúvidas, na esteira da ideia

progressista de Revolução, e eram, possivelmente, duas das principais bandeiras dos

movimentos que se entendiam como revolucionários na América. Na epígrafe deste capítulo,

Guizot argumenta uma espécie de herança do ideário revolucionário, “da elaboração de uma

memória histórica das revoluções com o passado servindo de exemplo e lição para o presente”

(MOREL, 2005, p. 46); portanto, podemos compreender que este legado, ou herança

revolucionária, foi traçada ao longo do século XIX, ganhando outras faces, como era o caso

do socialismo na Europa, ou as questões emancipacionistas na América; e, com isso, havia

uma dilatação das discussões em torno das concepções do termo “revolução”.

Para os mais progressistas, Revoluções deste tipo – abolicionistas e republicanas –

eram uma esperança; para o viés mais conservador, um perigo em diversas instâncias,

principalmente, do ponto de vista de suas intenções, e concebidas como insubordinações e

rebeliões. E, nesta ótica e em diversas outras, seu aspecto polissêmico pode ser identificado

em diversos âmbitos; de fato, o pensamento conservador não é homogêneo. Podemos dizer

que, em amplo aspecto, o posicionamento dependerá dos interesses econômicos, nacionais,

políticos, intelectuais, etc., e neste âmbito, o Visconde de Porto Seguro deve ter o

conservadorismo atrelado, sem dúvidas, ao liberalismo filosófico e ao reformismo.

Neste prisma, portanto, podemos compreender que, vinculando-se a estes debates que

ganhavam amplitude, Varnhagen destaca em sua História Geral e em suas publicações aos

parlamentares estes aspectos. Inclusive no Memorial Orgânico observamos estes enunciados:

Regozijando-nos ao ver nas sessões parlamentares deste ano foram tratadas com

seriedade as questões do tráfico africano, da necessidade de uma nova divisão de

províncias, da segurança de nossas fronteiras da reforma de nossas academias, e

como neste e noutros assuntos governativos a opinião melhorou do ano passado pra

cá. (VARNHAGEN, 2016, p. 201).

Em sua primeira proposta para o Brasil, Varnhagen se coloca de forma anônima, e

nomeia o seu parecer de Memorial Orgânico: que a consideração das Assembleias Geral e

Provinciais do Império, apresenta Um Brasileiro, e ao final aponta: Dado a luz por um

amante do Brasil. O aspecto do anonimato de seu primeiro texto passaria, sem dúvidas, de

forma imperceptível (por ser algo comum), não fosse o fato de mencionar inúmeras questões

polêmicas, que estavam nos debates políticos e no ambiente intelectual de forma pujante, e

possivelmente, por este motivo fazia sentido sua precaução. Essa era sua intenção, colocar-se

nas discussões como construtor da nação e como ativista e pensador político. Por isso, na

introdução de sua segunda parte do Memorial Orgânico esclarece:

Page 86: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

86

A primeira parte deste escrito, impressa e distribuída com um mapa, em fins do

passado ano de 1849, tinha por objetivo despertar a atenção pública, especialmente a

dos representantes da Nação, sobre algumas questões importantes para nossa melhor

organização; e levava, além disso, a mira de, em vez de adular, ferir e estimular o

amor próprio nacional, e obrigar muita gente a pensar, saindo da rotina.

(VARNHAGEN, 2016, p. 201)

Bom, o trecho acima é esclarecedor no que concerne ao seu pensamento político, e

alguns elementos merecem ser destacados do ponto de vista do estabelecimento de certa

elucidação de seu conservadorismo. O primeiro tópico que vale ser endossado é a perspectiva,

sempre presente nas obras varnhagenianas, da necessidade de consolidação dos já

mencionados, aspectos agregadores da nação.

Em sua construção historiográfica em História Geral do Brasil, escrevendo sobre seu

passado, Varnhagen está nitidamente preocupado em demonstrar como tais aspectos

(agregadores) se fizeram presentes na construção do Império até aquele momento. No

Memorial Orgânico, escrevendo sobre e para o seu presente, o diplomata está, além disso,

demonstrando suas preocupações e medos no tocante à permanência destes aspectos rumo ao

futuro, e propondo soluções para o que observava como problemas ou possíveis problemas,

que levariam à desagregação.

Destaquemos, pois, dois pontos da conjuntura política da qual Varnhagen é

representante: preocupação e medo. Primeiro, a preocupação perene com as ameaças, que, a

seu ver, sofria o poder imperial e, portanto, a unidade territorial, com as “revoluções nocivas”;

segundo, o medo das ações emancipacionistas já concretizadas no cenário americano. Por

isso, a utilização, por Varnhagen, no Memorial, de termos como perigo, risco, golpismo. Tais

termos explicam ou revelam o que permanecia continuamente no jogo político.

Outro ponto que vale ressaltar e que gostaríamos de acrescentar como forma de

compreender como se constituem suas ideias é o fato de seu Conservadorismo estar em

função do nacionalismo, em outras palavras, seu pensamento está em função da integridade

do país. Não podem ser analisados de maneira separada; e, por isso os seus posicionamentos,

não são tácitos a respeito dos diversos temas que permeavam os debates, pelo contrário,

dependiam sempre de sua interpretação do acontecimento político como algo benéfico ou

prejudicial do ponto de vista da conjuntura nacional, ou seja, da integridade e da integração79

nacionais.

79

Arno Wehling (2016), inclusive, aponta que as ideias de integridade do país e integração nacional são tão

presentes no pensamento político varnhageniano que se caracterizam como ideias-força para a compreensão de

seu pensamento. Wehling compreende o conceito de ideia-força na seguinte perspectiva: “O conceito de ideia-

força, que se deve ao filósofo oitocentista Alfred Fouillée, é útil para caracterizar duas das concepções mais

Page 87: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

87

Seguindo este pensamento, ao tratar de suas ponderações a respeito dos movimentos

compreendidos ou vislumbrados como revolucionários por seus atores, Varnhagen se coloca

primeiro, como alguém capaz de auxiliar no combate aos elementos desagregadores;

segundo, via-se a si mesmo como um instrumento central para formar e solidificar as

estruturas estatais agregadoras, como diplomata, historiador e pensador político, ligando-se

às instituições cruciais para a manutenção do status quo por uma via segura, do ponto de vista

regressista, Saquarema.

3.1. Parlamento, História e diplomacia: diálogos institucionais e políticos

Arno Wehling tece a seguinte afirmação:

Todas as instituições, quer recentes, ou seja, já fundadas no clima da pós-

restauração, quer anteriores, refletiram em suas sessões e publicações esse processo

de ruptura e construção de um mundo novo, sob a égide e com instrumentos

racionalizadores das grandes polarizações ideológicas da época – o nacionalismo, o

historicismo e o romantismo (1999, p. 25).

Neste sentido, para compreender de que forma Varnhagen está dialogando com seu

presente, ou contribuindo intelectualmente para este, vale ressaltar com que instituições

partilha suas preocupações e anseios, sobretudo nacionais. O seu conservadorismo, sem

dúvida, se congrega e dialoga com algumas das principais instituições das quais participa

direta e indiretamente e, neste sentido, antes de prosseguirmos com as abordagens de

escravidão e republicanismo, cabe-nos destacar de onde partem e quais os objetos de foco de

seu pensamento.

Já argumentamos que cronologicamente nos encontramos dez anos depois do Regresso

Conservador no Parlamento Imperial, após, obviamente, da chamada, experiência

republicana, mas ainda com seus fantasmas, e este ponto da vida política é crucial e, por isso

é a primeira instituição a ser destacada: Varnhagen não é membro do parlamento, não é um

político propriamente dito, passou a maior parte da sua vida, como já fora mencionado, no

exterior, como diplomata; no entanto, o Visconde que escolhera o Brasil por nação,

presentes no pensamento de Francisco Adolfo de Varnhagen ao longo de toda sua vida. O conceito reagia contra

o determinismo mecanicista dominante no século XIX e a subordinação das ideias ao mundo material,

considerando-as uma força moral alimentadora da consciência, capaz de criar valores objetivos e autorreflexivos.

Constituiriam assim uma realidade objetiva tão concreta quanto às construções econômicas, sociais ou políticas.”

(WEHLING, 2016, p. 33).

Page 88: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

88

preocupava-se, frequentemente com o caminho e as decisões no parlamento, e isto é

perceptível tanto no Memorial Orgânico, quanto em suas missivas a diversos estadistas80

. O

vínculo varnhageniano com a instituição parlamentar conservadora possui dois vieses, um de

convergência, e outro de divergência no tocante ao aspecto doutrinário.

Destaca-se o primeiro viés a partir do fato de Varnhagen representar uma geração

(GOES, 2016) a qual tinha diversos parlamentares como representantes, a exemplo de

Bernardo Pereira de Vasconcelos, um dos fundadores do Partido Conservador no Brasil,

portanto, um dos principais nomes desta geração, que é apontada, de forma geral, como

preocupada com as perspectivas agregadoras, vinculadas à tradição, e à mudança através da

ordem. O objetivo de parar o carro da revolução – progressista ou radical – não findou com a

ascensão dos saquaremas; o medo da desintegração existia, continuamente:

O Visconde do Uruguai, Ministro da Justiça e do Império, em 1841, explica com

outras palavras o pensamento dessa geração, na abertura dos trabalhos legislativos:

“Reconhece o Ministério que a primeira necessidade dos brasileiros era a maior

soma de liberdade com a mais perfeita segurança, e está também convencido de que

esse grande benefício só pode ser conseguido sob os auspícios da monarquia

constitucional que está em absoluta dependência da integridade do Império”.

(GOES, 2016, p. 77)

Embora o vínculo de Varnhagen seja indireto com o Parlamento, podemos dizer que

suas preocupações estavam, neste sentido, em congruência com os debates parlamentares,

bem como com as falas do trono. A primeira parte de seu Memorial Orgânico foi voltada

diretamente para os representantes da Nação, como o mesmo aponta claramente já na capa de

suas proposições e nas primeiras linhas de seu escrito. E, são estes apontamentos que

demonstravam tais preocupações e medos a respeito da integridade e integração do país; por

isso, a sua satisfação em receber a notícia de que alguns dos temas haviam sido tratados nas

assembleias com seriedade.

Se o viés da convergência se concretizava pelas preocupações, o viés da divergência

se constituía na solução para estas preocupações. Para o Partido Conservador, por exemplo, a

continuidade do sistema escravista era um elemento crucial para o crescimento da nação, e a

ordem não seria afetada por esta instituição, mas caso fosse, deveria haver uma resposta

imediata pela força e pela repressão de possíveis movimentos. Para Varnhagen, no entanto, a

“solução” para manter a unidade era livrar-se do perigo negro, como analisaremos a frente,

pois a escravidão se caracterizava como uma ameaça constante à nação.

80

Em sua Correspondência Ativa (organizada por Clado Ribeiro) podemos ler diversas cartas enviadas a

membros do parlamento, como, por exemplo, o Visconde do Uruguai.

Page 89: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

89

Esta primeira conexão institucional simbolizava o diálogo constituído através dos

pontos de confluências e discordâncias entre o pensamento varnhageniano e o pensamento de

um determinado partido. E evidencia, sobretudo, o diálogo entre os tipos de pensamentos

conservadores e as, também diversas, perspectivas de construção e solidificação da nação.

A segunda instituição com a qual Varnhagen vinculou-se – desta vez de forma direta –

foi o IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro) 81

. Neste, atuou como diretor de seu

museu e como primeiro-secretário, além de organizar a biblioteca da instituição. Foi,

inclusive, em diálogo com tal instituto que elaborou a principal obra de sua vida, a já

mencionada História Geral do Brasil (1854 e 1857).

É através desta instituição e em suas pesquisas historiográficas, na referida obra, que o

Visconde de Porto Seguro82

deixou claro, primeiro: que este seria o seu legado. Como a maior

parte dos historiadores deste período, e como a própria História era vislumbrada de forma

geral, enxergava-se como um importante instrumento para a chancela da nação brasileira

perante o contexto internacional, e para a coesão interna. Em segundo lugar, o Visconde da

História defendia ser portador de uma história oficial, pois o que construía estava pautado em

pesquisas documentais e, portanto, portadoras da verdade. Por isso, defendemos a perspectiva

de que o pensamento conservador varnhageniano está sempre em função de seu nacionalismo

e, portanto, de sua construção nacional: tudo em Varnhagen estava em função desta premissa,

porque nela estaria contida, de certa forma, a ideia de verdade.

Esta atuação institucional, portanto, não deve ser ignorada ao tratarmos de suas

ponderações sobre as temáticas revolucionárias de seu tempo, pois não surpreende àqueles

que já tiveram algum contato com textos a respeito do século XIX dizer que este Instituto

representava a política regressista de seu período, e dava voz, de forma majoritária, à vertente

conservadora da política imperial83

, em outras palavras, era o tentáculo saquarema no âmbito

81

A Fundação do IHGB está, sem dúvidas, vinculada a ascensão da História enquanto ciência e baluarte de uma

nação, e neste prisma está anexada ao molde de outras instituições neste mesmo modelo que surgiram na Europa,

destacando-se, principalmente, o Institute Historique de Paris (IHP): “Desde sua fundação, em 1834, até 1856,

muitos brasileiros, dentre os quais alguns dos principais representantes políticos do mundo oficial do Império,

participaram das atividades do Instituto [francês], fato que inspirou a criação do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, em 1838. Daí, pode-se pensar a influência desse grupo sobre intelectuais brasileiros do início do

século XIX. Em 6 de abril de 1834, quando foram aprovados os estatutos do Instituto, tornou-se oficial o seu

caráter exclusivamente histórico, expresso no objetivo principal da Sociedade, a saber, estimular e propagar os

estudos históricos na França e no estrangeiro (Estatutos – Atas manuscritas)” (CARRARO, 2003, p. 2). 82

Inclusive, o título de “Barão de Porto Seguro” (em 1871), e depois de “Visconde de Porto Seguro” (em 1874)

foi concedido a Varnhagen por sua grande contribuição para a História oficial da nação, já que este foi o local

onde aportaram os primeiros navios portugueses. Vale destacar que é possível verificar em diversas cartas ao

Imperador, após a entrega da HGB, os pedidos insistentes do historiador por um título nobiliárquico. 83

É claro que devemos salientar que as opiniões acerca da construção nacional não eram uníssonas neste meio

intelectual e geravam inúmeros conflitos dos quais Varnhagen foi partícipe de maneira direta e efusiva, no que

diz respeito aos diferentes pontos de vista quanto aos meandros da representatividade do país.

Page 90: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

90

intelectual e, do ponto de vista deste projeto político, a concretização mais bem acabada no

que tange à cultura (WEHLING, 1999).

Em resumo, destacamos um apontamento de Arno Wehling, em que traz à tona

importantes aspectos para as discussões vindouras, vinculadas à existência do Instituto.

Concordamos com a afirmação do autor que sustenta que seu principal substrato era:

A existência de uma elite política “moderada”, vinculada ao movimento do regresso

e que se opunha, ideologicamente, tanto ao modelo político jacobino e sua solução

democrática, quanto ao modelo neoabsolutista da restauração. A existência de uma

quantidade considerável de não-cidadãos (escravos) e de cidadãos passivos (os

homens livres pobres, não aptos pelo censo ao exercício do sufrágio) fazia com que

esse grupo recusasse as soluções “liberais radicais” que poderiam colocar em risco a

propriedade territorial e sua própria liderança política – ameaças em 1838 eram

concretas, já que ocorriam, simultaneamente, a Cabanagem, a Sabinada, a Balaiada e

a Farroupilha (WEHLING, 1999, p. 35).

Portanto, a instituição estava preocupada, sobretudo, com os movimentos que

poderiam acarretar em ações de cisão radical com o status quo, ou seja, o âmbito cultural era

crucial para a continuidade do projeto conservador e para a vitória na disputa terminológica.

E, vinculando-se a esta perspectiva, destacamos a terceira participação institucional

varnhageniana: a diplomacia84

, que em amplo aspecto auxiliou sua construção historiográfica.

No entanto, pensaremos neste estágio a respeito de sua preocupação enquanto

diplomata com a própria diplomacia; ou seja, como lidava e pensava as questões de território

e de diálogos internacionais como representante da instituição imperial. Neste sentido,

destacamos a sua colocação em Memorial Orgânico em que aponta tal preocupação, dizendo

que:

...em toda a vastíssima fronteira do Império os nossos limites por assinar de um

modo terminante. E o mais é que não são menos de nove as nações limítrofes de

quem dependem as negociações a respeito... Anularam o sábio tratado de 1750,

caducou o de 1777, e o Império só está devidamente limitado pelo oceano. Adiante

veremos se há meio de sair quanto antes desse estado que para os vizinhos deve ser

tão desagradável como para nós (VARNHAGEN, 2016, p. 76).

Como destacamos anteriormente, a geração de Varnhagen estava preocupada com a

questão da unidade. Bom, do ponto de vista da diplomacia isto significou, após a

independência, uma preocupação latente com as fronteiras/limites do país85

. O Visconde Porto

84

Como já fora mencionado, sua vida diplomática foi constituída entre os anos de 1842 a 1878, e pode ser

estruturada em quatro etapas: a portuguesa (1842-1847), a espanhola (1847-1858), a sul-americana (1859-1867),

em que auxiliou com as definições das fronteiras com seu conhecimento histórico, e a austríaca (1867-1878). Ou

seja, exerceu este cargo até a sua morte em Viena, no ano de 1878. 85

A questão da definição territorial foi a principal discussão do corpo diplomático brasileiro durante o século

XIX, o limite geográfico “foi o tema básico de nossa história diplomática até a primeira década do século XX”

(GOES, 2016, p. 83), passando a se preocupar, de forma mais abrangente com outros assuntos internacionais

após tal delimitação.

Page 91: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

91

Seguro, assim como muitos de seu contexto compreendiam a diplomacia como uma espécie

de instrumento mantenedor da unidade e proteção nacional.

Este aspecto não se resumia ao ponto de vista geográfico, mas significava, de alguma

forma, defender o país das “ideias perigosas”, como inúmeras vezes definiu Varnhagen em

seus escritos, a respeito das filosofias políticas que, em sua perspectiva, pudessem afetar o

governo monárquico constitucional, principalmente, a filosofia republicana que

caracterizavam os países limítrofes.

Varnhagen estava ligado a um grupo que, passando pelo Ministério dos Negócios

Estrangeiros até outras áreas da vida pública/política brasileira, estavam ligados às questões

diplomáticas do governo tais como o Marquês do Paraná (1801-1856), o Visconde do

Uruguai86

(1087-1866) e o Visconde do Rio Branco (1819-1880), que em amplo aspecto,

dedicaram-se às questões geopolíticas.

Por isso, no Memorial Orgânico, ao apontar a preocupação com a questão da capital,

por exemplo, propondo uma mudança para um local na parte central do país, estava, sem

dúvida, visando o aspecto da defesa territorial, da unidade e da integridade nacional. É

interessante destacar que, após os primeiros Enunciados, o autor parte, imediatamente, para as

questões dos limites territoriais e da capital, ou seja, o Varnhagen que aponta e oferece

sugestões para o seu tempo estava extremamente ligado às perspectivas de publicista e

diplomata, e estas características se conectam à sua preocupação com a tradição que defende.

Em outras palavras, importava defender a coesão social, a unidade política, a História e os

limites territoriais87

constituídos a partir da chegada e dos acordos portugueses, que destaca

no trecho destacado (1750 e 1777). Estes eram pontos tradicionais no Brasil, em sua análise,

e o que devia ser conservado.

Por esta razão, destacamos o seguinte trecho escrito em 1849 por Varnhagen que,

paralelamente destaca a discussão precedente e introduz nossos próximos tópicos:

O Brasil é uma Nação cujas raias com as vizinhas nações estão por assinar; um

Império cujo centro governativo não é o mais conveniente; um País cujo sistema de

comunicações internas se o há, não é filho de um plano combinado; um território

enfim cuja subdivisão em províncias é desigual, monstruosa, não subordinada a

miras algumas governativas e procedente das primeiras doações arbitrárias feitas, há

mais de três séculos pelos reis portugueses [...] Temos cidadãos brasileiros; temos

escravos africanos e ladinos, que produzem trabalho: temos índios bravos

completamente inúteis ou antes prejudiciais; e temos pouquíssimos (infelizmente)

colonos europeus (VARNHAGEN, 2016, p. 107)

86

“Paulino disse e escreveu várias vezes: não era engrandecer o território do Império, era dar segurança à Nação

e estabilidade às relações com os vizinhos” (GOES, 2016, p. 91). 87

“O Visconde de Porto Seguro conhecia bem a necessidade de termos limites claros e reconhecidos e, por isso,

foi chamado pelo Visconde do Uruguai para assessorá-lo no período mais ativo de nossas negociações

fronteiriças no Segundo Reinado” (GOES, 2016, p.97).

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92

3.2 Escravidão nos escritos varnhagenianos

A experiência de escravizar e ser escravizado não escapou ainda uma

só família humana.

José de Alencar

Escravidão-liberdade é um dos assuntos-chave quando se trata de compreendermos ou

traçarmos uma espécie de mapeamento das diversas linhas de pensamento político no Brasil.

Tanto pensadores conservadores quanto progressistas entravam corriqueiramente neste

debate, e, se tratando do Visconde de Porto Seguro, podemos mencionar que, sem dúvida, o

tema era uma de suas preocupações quanto ao que pretendia construir do Brasil, enquanto

nação.

Os debates sobre liberdade e escravidão se ampliavam, principalmente por ações

antiescravistas que existiam por meio de uma herança revolucionária vinculada à insatisfação

crescente com as condições de cativeiro. Fato é que no Brasil o quadro revolucionário

ganhava novos rumos e a filosofia Liberal, como já fora mencionado, possuía um valor

político forte, que no tocante ao Império brasileiro foi importante também na concepção e

aprofundamento da ideia de ser livre; como argumenta Chalhoub (1990, p. 73): “para os

negros, o significado da liberdade foi forjado na experiência do cativeiro”, e tal significado

inflamou-se com esta herança da ideia de revolução.

No que concerne ao posicionamento varnhageniano, podemos dizer que não é possível

sermos taxativos, de forma simplista, a respeito do que pensava sobre o cativeiro e sobre a

liberdade. Sua famosa querela com os indianistas pode confundir o leitor iniciante no que se

refere ao pensamento do autor, visto que é enfático quanto à defesa da escravização indígena,

no entanto, sua posição com relação a isto é, antes de qualquer coisa, complexa do ponto de

vista conceitual.

Como já fora dito anteriormente, discutir o pensamento conservador é compreender

suas nuances, e quanto ao que se refere à Varnhagen e sua relação sobre esta temática,

significa dizer que há um relativismo88

em seu posicionamento quanto ao grupo a qual a

abordagem da escravidão se refere, e quanto ao impacto da escravidão na grande questão

nacional. Ou seja, neste prisma podemos detectar que o pensamento varnhageniano sobre o

88

Assim como as outras abordagens do pensamento varnhageniano, as temáticas da escravidão e republicanismo

estão, igualmente, sendo tecidas em relação à questão nacional (unidade).

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93

assunto está em concordância com sua historiografia e com a preocupação latente dos

políticos brasileiros deste período com tal questão:

Soberania, crescimento econômico, raça, cidadania, ordem social e resistência

escrava. Eis os principais temas subjacentes às discussões políticas sobre a

escravidão e tráfico negreiro no Império do Brasil, desde 1826 até 1865. Localizá-

los é tarefa necessária, e suficiente, pois eles tendem a adquirir sentido em questões

mais amplas, que envolvem constantemente, por parte dos agentes históricos, leitura

do quadro mundial e ação no nível local, decisões governamentais e concepções

sobre o regime representativo, articulação de partidos políticos e atuação de grupos

de eleitores. Para apreender os debates sobre a instituição ao longo as décadas, é

necessário reinseri-los em seus respectivos contextos e recobrar as principais forças

em jogo a cada momento. (PARRON, 2009, p. 30).

As forças em jogo que buscavam influenciar a disputa eram diversas: políticas,

econômicas, sociais, intelectuais. A questão escravidão-liberdade atingiu, paulatinamente,

uma amplitude tamanha que, ocasionaria no final do século, mesmo que de forma tardia, se

comparado a outras nações, a Lei Áurea. No entanto, neste meado do século XIX – período

que nos é relevante – as questões liberais, sobretudo vinculadas à abolição, atingiram outro

patamar. Era crucial para a política regressista estabelecer e dialogar internacionalmente

sobre o futuro do cativeiro no país. E, é a partir daí que alguns intelectuais e publicistas,

incluindo Varnhagen, se manifestaram a respeito deste tema:

Claro está que perpassa pela doutrina e pelo debate político da época o confronto

entre a liberdade e os seus limites, o que atingia o âmbito da igualdade, num país de

sufrágio censitário e escravidão. No próprio Varnhagen, embora faça questão de

manter-se afastado dos desdobramentos dessas questões tanto no plano teórico

quanto no do varejo político da época, as referências ao pacto social representado

pela Constituição e ao “vulcão” escravo demonstram seu conhecimento do assunto e

sua clara opção pela “ordem”, que na sua concepção equivalia a estabilidade social,

centralização política e homogeneidade étnica. (WEHLING, 2016, p. 88).

De fato, o debate público sobre liberdade, igualdade ganhavam pujança no meio

intelectual, no entanto, é possível, a partir do trecho acima, repensar em uma ideia de

afastamento de Varnhagen destas discussões. O sorocabano opina, escreve a respeito, e não só

aborda os problemas nacionais, mas busca colaborar com soluções para estes problemas.

Entende-se então, que estava ativamente na cena política, como no caso da escravidão, que

não apenas demonstra sua opção pela “ordem”, mas suas ações no caminho de mantê-la.

Estas ações se constituíam, principalmente, em vista de combater a face

revolucionária, neste caso, dos movimentos em prol da liberdade. Destaquemos, pois, o

aspecto revolucionário da abolição e ainda, a influência da filosofia revolucionária nestes

eventos que, como iniciamos neste capítulo, estavam vinculados ao pensamento progressista e

em contínua discussão.

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94

O debate entre a ideia de revolução e de revolta permeava o ambiente público

brasileiro, e para o pensamento conservador este era, sem dúvida, um terreno caudaloso, visto

que atingia questões de diversas naturezas, e revelava a polissemia do Conservadorismo em

torno do assunto. Por exemplo, para Pereira de Vasconcelos89

a justificativa da escravidão se

dava em torno das questões econômicas e de civilizacionais, isto significa dizer que para o

político havia um vínculo entre desenvolvimento estatal e a escravidão, e apoiava a ideia do

benefício da convivência do escravo com a civilização para o seu próprio auxílio. Para José de

Alencar90

, a alegação se constituía por questões de propriedade, ou seja, do direito do dono

sob o escravo, além de observar como uma instituição natural em qualquer sociedade. Já para

Varnhagen, em oposição a estas vertentes, a escravidão afetava a premissa da integridade

nacional, era prejudicial ao crescimento do Império, e deveria ser excluída para que o Brasil

não se tornasse uma África.

A partir deste entendimento, destaquemos que, para o Visconde de Porto Seguro, o

tema da escravidão africana é analisado como um problema em diversos âmbitos, ou como

um perigo, termo este utilizado em diversas ocasiões pelo intelectual ao tratar do assunto.

Palavra esta [perigo] que dá tom à nossa análise, pois, para o publicista, a escravidão africana

ameaçava, em amplo aspecto, a segurança social, por um motivo simples: geraria inimigos

internos à pátria, ocasionando revoltas. Em seu Memorial Orgânico, Varnhagen recorre aos

antigos para aconselhar o seu presente sobre as consequências do cativeiro:

Conta Heródoto que, em uma incursão que fizeram os Citas na Média, sublevaram-

se os escravos durante a ausência dos senhores, e que estes se viram obrigados a

ceder-lhes as terras, e a emigrar. Aristóteles, na sua Política, ao expor o difícil que

era tratar os escravos, para que nem a brandura os fizesse insolentes, nem a dureza

lhes excitasse vinganças, revela-nos como os Lacedemônios, nos casos de perigo,

viam-se sempre ameaçados pelos seus hilotas, e como muito frequentemente em

Tessália se revoltavam os escravos penestas. Passemos por alto a degolação de Tyro,

“exemplo e terror do universo”, segundo a expressão de Justino, e as insurreições de

Herdônio e Espártaco, que fizeram estremecer a Itália, quando a bela Itália tinha

escravatura. Os exemplos da jovem América dão-nos a cruel certeza de que a raça,

ou a cor da pele, não fazem variar as tendências de todos os escravos, e nos

aconselham a não deixar de consultar a verdadeira mestra da vida, como tão

filosoficamente chama Cícero à história. (VARNHAGEN, 2016, p. 211).

Obviamente, não há para no pensamento varnhageniano uma associação entre os

movimentos legítimos de reformas com as possíveis sublevações escravas. Os termos

89

O líder do Partido Conservador argumenta que “a África civiliza a América” (PARRON, 2008), no sentido

que proporciona, através do cativeiro e do trabalho braçal, o ócio necessário aos cidadãos do Novo Mundo para

alcançarem a civilização. 90

Mencionamos aqui apenas uma das preocupações alencarianas a respeito da questão da escravidão/liberdade,

no entanto, em suas cartas endereçadas ao imperador o intelectual desdobra diversos aspectos a respeito da

escravidão no país. Verificar Cartas a Favor da Escravidão (PARRON, 2008).

Page 95: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

95

utilizados de forma insistente são “revolta”, “levante”, e ainda “rebelião”, apontadores da

corriqueira querela em torno das palavras que permeavam o ambiente político e chancelavam,

ou não, os movimentos sociais. Varnhagen estava como demonstra no trecho, ciente de

eventos escravos no continente americano, e por isso, possuía a cruel certeza do perigo

iminente de levantes.

No Memorial, primeiramente, aponta a escravidão africana como um problema do

país, ou ainda como uma enfermidade. Tanto é desta maneira que na segunda etapa do mesmo

escrito propõe “soluções e remédios” para aquilo que se configura como doença na

civilização, ou seja, o caso do cativeiro precisava, em sua análise, ser solucionado já que,

desde o século anterior, os movimentos promovidos por escravos e livres em torno do fim do

cativeiro tinham se intensificado.

Como sua análise se pautava pela distinção entre forças agregadoras e

desagregadoras, Varnhagen inicia esta discussão mencionando o prejuízo para a população

brasileira em ter escravos africanos e neste aspecto argumenta: “a escravatura dos africanos

torna o país escravo de si próprio” (VARNHAGEN, 2016, p. 120), pois, a médio e longo

prazo, pela quantidade de escravos, o país se tornaria uma catinguenta Guiné. Ou seja,

etnicamente seria um prejuízo.

A partir disto, podemos destacar que uma característica importante no pensamento

conservador varnhageniano em relação a este tipo de escravidão é que o historiador era

opositor ao cativeiro91

, com a seguinte ressalva: sua oposição estava longe de caracterizar

uma premissa da filosofia abolicionista, e consequentemente, não era antagônica a todos os

tipos de cativeiro. O sentido de sua declinação à escravatura dos africanos era a ideia de que

esta não estimulariam os tais aspectos agregadores, pelo contrário, esta situação poderia levar

a insurreições e cisões em diversos âmbitos da sociedade, ou seja, sua oposição à escravidão

resultava do Conservadorismo.

Isto se dava por uma questão: para Varnhagen os africanos e seus descendentes eram

vistos sempre pela perspectiva do inimigo interno, por este motivo também há, em seus

escritos, um distanciamento nas palavras que utiliza, para se referenciar aos cativos. Termos

como “essas pessoas”, “essa gente” são usados com frequência pelo diplomata. Esta menção

conecta à outra perspectiva importante: a dificuldade ou impossibilidade de agregar os

91

Neste âmbito é possível perceber as tais nuances do pensamento conservador oitocentista, pois figuras como

José de Alencar, por exemplo, se posicionava como justificador do cativeiro e pensava numa (irremediável)

abolição gradual. Talvez os dois pensamentos se encontrem nesta última característica.

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96

africanos à população. A ideia da homogeneidade tinha raízes europeias; e esta era a linha

varnhageniana para nortear a nação brasileira, portanto, tal afastamento para referenciar a

matriz africana não era uma simples separação entre cativos e livres, mas significava uma

delimitação do que compunha a nação e daquilo que “não fazia parte dela”.

***

Alguns anos antes de Varnhagen publicar a sua História Geral do Brasil e de traçar

propostas para o futuro em seu Memorial Orgânico, o alemão Karl von Martius publicava em

1840 a sua conhecida dissertação apresentada ao IHGB, intitulada Como se deve escrever a

História do Brasil (2010). Percebemos claramente o diálogo da história varnhageniana com o

texto de Martius e como a questão negra/escrava permanecia como um problema a ser

resolvido, pelo menos na visão varnhageniana.

Havia duas alternativas para o historiador: a primeira seria o retorno92

dos escravos à

África, e vinculada a esta, a segunda solução seria a homogeneização étnica por uma espécie

de diluição da matriz negra (e indígena) pela matriz portuguesa93

, que seria a principal das

três, e que expressa a intertextualidade com a obra de Martius, à exemplo da seguinte

sentença:

A colonização africana teve uma grande entrada no Brasil, podendo ser considerado

um dos elementos de sua população, o que nos obriga a consagrar algumas linhas a

essa gente de braço vigoroso. Mas fazemos votos de que um dia as cores de tal

modo se combinem, que venham a desaparecer totalmente do nosso povo as

características da origem africana e a acusação da procedência escrava de um dos

troncos da população brasileira (VARNHAGEN, apud REIS, 2006, p. 43).

Outro trecho em que destaca este aspecto, apontando-o como um dos referenciais para

as suas opiniões contrárias à escravidão africana, bem como o levantamento do problema é o

seguinte: “É necessário tratar de equilibrar as raças, proteger por todos os modos seu

cruzamento, para assim termos, daqui a um ou dois séculos, uma população homogênea,

condição essencial para evitar no futuro contínuas guerras civis” (VARNHAGEN, 2016, p.

120).

92

Ideia complicada, visto que muitos já haviam nascido no Brasil, entretanto, o que podemos compreender com

tal proposta é que, para Varnhagen, a identificação cultural dos cativos seria com a África e não com o Brasil;

para ele, poderiam permanecer somente os nascidos livres. Sobre a discussão em torno do fim do tráfico,

verificar: Africanos Livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil, 2017, de Beatriz Mamigonian. 93

Opinião esta que dialogava, em amplo aspecto, com as opiniões de Martius.

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97

Portanto, conter e eliminar o vulcão escravo através destes mecanismos era uma forma

de promover a ordem, de dar continuidade ao projeto nacional da forma moderada, sem a

necessidade de conflitos, principalmente aqueles que se pretendiam revolucionários. Vale

ressaltar, a mencionada Revolta dos Malês ou Grande Insurreição, ocorrida anos antes de

seus escritos, mais especificamente em 1835 na Bahia, que, juntamente com outros

movimentos revolucionários criou uma tensão constante, ou como analisamos nesta pesquisa,

um sentimento de perigo iminente e medo constante para Varnhagen, que neste sentido

recorre insistentemente à Mestra da Vida com o intuito de alertar a seus contemporâneos:

As rebeliões de escravos manumissos nos tempos antigos e modernos, e as dos

mouriscos na Espanha no século XVI, nos ensinam a prudência com que devemos

proceder para levar a cabo essas medidas [liberdade], embora benéficas. É essencial

ou restringir muito os direitos de toda raça que se está libertando, ou obrigar os

libertos, para entrarem neste gozo, a deixarem o país, ou impedir-lhes que vão

muitos morar em povoações etc. (VARNHAGEN,2016, p. 214).

Ou seja, para o autor era uma questão de tempo até que a instituição escravista, tida

por muitos como auxiliadora do desenvolvimento (um engano para o autor), gerasse uma

insurreição irreversível. E, por conta disto, paulatinamente, deveria ser extinta, pela

segurança do Estado, pois “matá-la de um tiro equivalia a soltá-la, e solta nos devoraria”

(VARNHAGEN, 2016, p. 214).

Os exemplos não advinham somente do passado mais longínguo, como na citação

acima, mas igual e principalmente das ocorrências próximas a seu contexto: chamada por

Varnhagen de hidra94

, a escravidão africana era, sem dúvida, vinculada a um problema do

ponto de vista nacional, como a questão da Revolução haitiana, conhecida por muitos como

perigo de São Domingos95

, e que era frequentemente utilizada como exemplificação

prejudicial por diversos políticos e intelectuais, vinculados, em alguma medida, ao

pensamento conservador, e isto inclui o Visconde de Porto Seguro:

O triunfo exclusivo dos africanos no Haiti é um aviso a todos os pardos da América,

sobre a sorte que os esperaria, se eles se unissem aos negros contra os brancos. A

supremacia ultranegra despreza a raça parda, ao passo que os brancos admiram nela

a força intelectual europeia, subordinada à muscular da etiópica (VARNHAGEN,

2016, p. 215).

94

Ou hydra, como era escrito no século XIX. Termo oriundo da Mitologia grega, “a hidra era uma referência

frequente no imaginário e retórica política, tanto na Europa como nas Américas. Na visão dos representantes do

Estado, representava a multiplicidade monstruosa, caótica e anônima da expressão e da revolta popular,

multiétnica e multilinguística da época colonial: marinheiros, escravos urbanos ou fugidos, e posteriormente

trabalhadores rurais ou das manufaturas urbanas. Hércules, por sua vez, como semideus filho de Zeus, supremo

deus do Olimpo, era a representação do Estado que esmaga aquela monstruosidade” (ARAUJO, 2017, p. 57). 95

Ou ainda, chamada de “haitização”, ou seja, o medo de outras rebeliões (revoluções) negras/escravas.

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98

Neste sentido, o caso haitiano de fins do século XVIII e início do XIX realmente havia

gerado um alerta geral por seu caráter revolucionário e republicano, radicalmente opositor aos

brancos. Por exemplo, num dos artigos da Constituição nacional do Haiti havia o seguinte

ponto: “nenhum branco, qualquer que seja a sua nação, poderá pisar este território a título de

amo ou proprietário e não poderá no futuro adquirir nenhuma propriedade” (Apud MOURA,

2013, p. 359).

Pois bem, como argumenta Clóvis Moura (2013), criou-se uma atmosfera

revolucionária através de sua repercussão. Havia uma inegável circulação da ideia de

liberdade, tanto no Novo quanto no Velho Mundo, e a despeito das tentativas contrárias, as

premissas liberais e revolucionárias também adquiriram significado para os escravos, “a

revolução de São Domingos impulsionou uma revolução na consciência dos negros de todo o

Novo Mundo” (Idem, 2013, p. 359). Mencionando o próprio Varnhagen, Moura (2013)

recorda que o diplomata em sua análise sobre a Inconfidência Baiana de 1798, diz ter receado

que, se ela tivesse saído vitoriosa, teria ocorrido no Brasil as mesmas cenas deploráveis de

São Domingos.

Portanto, novamente verificamos dois elementos importantes a partir da ideia do

medo: primeiramente a proteção do Estado-nação, vinculada aos elementos que

correspondiam ao que podemos chamar de tradição brasileira96

, e o segundo aspecto,

importante para a nossa análise, a disputa existente em torno dos movimentos pela liberdade a

respeito da ideia, e principalmente, do termo “revolução”.

Como podemos perceber o próprio uso da terminologia “cena deplorável”, por parte

de Varnhagen, sobre o evento haitiano, demonstra a tentativa de não colocar os

acontecimentos de São Domingos como sinônimos da ideia de revolução. Então, neste caso, a

disputa terminológica seria ainda mais ampla do que a simples utilização de adjetivos

pejorativos para demonstrar oposição ao evento, como fez no caso da Inconfidência Mineira,

por exemplo. O embate estaria, então, no fato de o historiador sequer ponderar o evento como

revolucionário. No âmbito da escravidão, a manifestação política radical não é uma

alternativa, e, se tratando de insurreições escravas, é compreendido como insubordinação,

rebelião; não é, em sua análise, uma “revolução”.

96

Como argumentamos, tal tradição brasileira está vinculada, sobretudo aos elementos portugueses (matriz

referencial) agregados aos elementos que encontraram e trouxeram ao Novo Mundo: herança política

monarquista e Constitucional, territorial do Descobrimento e acordos internacionais, coesão social.

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99

No intuito então de evitar que estes eventos ocorressem e causassem danos amplos,

Varnhagen propõe leis antiescravistas, principalmente vinculadas aos filhos de escravas, e

neste sentido destaca:

Para que os senhores não fiquem interessados em favorecer a propagação da raça

africana, convém que eles tenham a certeza que será livre todo o filho de escrava

nascido de 1853 em diante, apenas este cumpra os 12 anos. Antes desta idade seria

cruel abandoná-lo, e depois seria tarde, pois haveria tomado os hábitos e prevenções

da servidão (VARNHAGEN, 2016, p. 214).

Vinculando-se às diversas discussões existentes sobre o tema já naquele período,

Varnhagen propõe uma lei muito mais “radical” do que a lei que será promulgada em 28 de

setembro de 1871. A lei 2.040/1871 consideraria que a liberdade seria concedida de fato após

os 21 anos97

, principalmente para que se pagasse o prejuízo ao senhor. Mesmo diante disso, a

lei sofreu forte oposição do Partido Conservador, e o decreto definiu uma série de benefícios

aos proprietários.

Já a proposta varnhageniana apontou uma medida muito mais imediata, ou seja, em

1853, os filhos das escravas, após os doze anos, adquiririam a liberdade plena, para evitar,

sobretudo, o desejo de propagação e protelação do sistema escravista. A liberdade era um

assunto de urgência para a defesa nacional e a unidade territorial, tão prezadas por todas as

esferas conservadoras. Por este motivo é que a questão dos filhos de mães escravas havia sido

levantada pelo Visconde de Porto Seguro tanto na primeira, quanto na segunda parte do

Memorial Orgânico.

De maneira paralela, teceu elogios à lei “Eusébio de Queiróz”, assinada em 1850

(mesmo ano em que publicava a segunda parte do Memorial Orgânico), e propôs uma espécie

de aprofundamento de tal lei, com a ideia de retorno daqueles que haviam sido traficados, e de

forma anexa demonstrava a sua preocupação como diplomata com a eficácia desta lei e

possíveis problemas que deveriam ser solucionados para sua efetiva aplicação:

O primeiro empenho deve ser concluir de todo com o tráfico da costa. Com a Lei de

4 de setembro deste ano pode-se dizer que o Brasil meteu uma lança em África; mas

isso só pelos bons desejos que essa lei descobre; pois para o fim a que se propôs não

passará de um simples tiro de azagaia. Além de gravosa ao Estado (que toma

injustamente sobre si, não só pagar certas quantias pelos escravos que se apreendam,

como até reconduzi-los ao seu tisnado país) é insuficiente, e o tempo no-lo provará.

Tem o Brasil demasiada extensão de litoral para poder guardar este, quando

necessita empregar melhor a sua pouca marinha, e quando a audácia dos piratas vai

crescer tanto mais quanto mais aliciadores forem os lucros. Haverá no mar

traficantes contrabandistas enquanto na terra se pague a mercadoria

(VARNHAGEN, 2016, p. 212).

97

Como argumentam alguns críticos do gradualismo, a Lei do Ventre Livre que fora promulgada significou uma

forma de dar segurança aos proprietários de um sistema escravista assegurado por mais uma geração, pelo

menos.

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100

Ou ainda neste outro trecho:

Ao marcar o prazo para se acabar com a venda se poderiam indicar alguns distritos,

v.g., o do nosso primeiro departamento, as ilhas da nossa costa, a comarca de

Paracatu etc., onde não se permitiria mais a escravatura, já para segurança do estado,

já para se ensaiarem desse modo novos sistemas de colônias europeias etc. Ao

expirar o prazo indicado, cada senhor teria feito inventariar seus escravos, com os

sinais, nação etc., sob pena de perder o direito a eles em caso contrário. De então por

diante, qualquer compra ou venda, ou troca de escravos por outros, ou por efeitos,

seria considerada crime de pirataria (VARNHAGEN, 2016, p. 213).

Nestes dois aspectos se daria na prática a sua proposta de findar o tráfico tanto no mar,

quanto em terra, através de dois pontos que o próprio Varnhagen ressalta, o primeiro de

combater o excesso de escravos, e o segundo, que servirá de elã para a nossa próxima análise:

afim de que o Brasil seja mais do Brasil e menos dos negros (VARNHAGEN, 2016, p. 160).

Ou seja, na análise varnhageniana, a figura do escravo é a figura do “outro”, e “o outro”

significa perigo.

***

Egoístas insensatos! Já no primeiro parágrafo de sua proposição da segunda parte

(1850) no Memorial Orgânico sobre o tema, Varnhagen se utiliza destas palavras para se

referir àqueles que imaginavam ser necessária a entrada de mais africanos em terras

brasileiras para o trabalho na cultura da cana e do café. Neste aspecto entende que isto afetaria

o futuro da nação, pois o escravo africano é sempre, em sua abordagem, “o outro”, portanto é

aquele que pode afetar o desenvolvimento nacional, e neste sentido adverte: “Ora, pois,

tenhamos mais patriotismo e não atraiçoemos o futuro do Brasil” (VARNHAGEN, 2016, p.

160).

Estes são pontos cruciais: os esforços intelectuais de Varnhagen focavam na

construção de um país sólido, do ponto de vista político e étnico, portanto, discursos

sobrepostos, antagônicos e revoltosos eram, sem dúvidas, prejudiciais à integração nacional.

A incerteza não é um bom terreno para uma pátria em construção, a razão de Estado deveria

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101

estar acima de qualquer ideia parlamentar: “foram considerações de Estado, mais que de

[economia política]98

que pesaram em nossas opiniões” (VARNHAGEN, 2016, p. 164).

Pois bem, o Estado brasileiro deveria ser defendido dos aspectos desagregadores em

potencial. E, é em nome de sua perspectiva nacional que conduz seus escritos no Memorial

Orgânico: “É o patriotismo que nos conduz outra vez (...). É ele quem nos impele, e nos

clama continuamente – avante! É ele quem nos rouba o sossego e o sono enquanto não

passam ao domínio público, pela imprensa, as ideias que nos inspiram” (VARNHAGEN,

2016, p. 202).

Outro ponto relevante para o pensamento varnhageniano a respeito da escravidão

negra/africana é o aspecto da civilização, o exemplo europeu da Idade Média deveria ser

seguido: deixam de ser escravos e passam a ser servos, e como justificativa recorda com

insistência que isto poderia evitar uma rebelião:

Reformemos esta parte mais odiosa da nossa servidão: esta pode ser uma

necessidade, um fato, e não atacar a dignidade do pobre servo; mas a ideia de ser

vendido a dinheiro, quando já não se é boçal, deve ser a mais humilhante para um

homem, de qualquer cor, que tenha sentimentos. Não plantemos a ignomínia, pois

por fruto não pode ela dar senão rancorosa vingança (VARNHAGEN, 2016, 213).

Partindo de uma filosofia liberal, influenciado fortemente pelos filósofos e pensadores

europeus e pelas próprias circunstâncias políticas ocorridas na Europa, Varnhagen se antepõe

ao modelo de escravidão do Império do Brasil. Há uma ideia filantrópica crescente no

contexto europeu99

e brasileiro, e diversos intelectuais do período mencionam tal perspectiva

e o historiador não agiu de maneira diferente. É importante compreender que esta ideia de

filantropia, ou seja, o amor a outrem influenciado pela perspectiva político-religiosa do

período estava presente em suas discussões, principalmente pelo fato de ser uma das

principais premissas filosóficas de seus opositores. No entanto, mesmo esta ideia era abordada

com ressalvas por Varnhagen e, no Memorial, lançou inúmeras críticas à filantropia

concebida por alguns pensadores.

Para ele estava claro: havia uma perspectiva humana, filantrópica, no entanto, existia

igualmente, e em paralelo, a perspectiva civilizacional. Este era um aspecto que, justificava

por um lado a escravidão, pois as luzes iriam se difundindo pelos escravos, mas também fazia

98

“Caridade”, escrito em suas anotações. Destacamos tal aspecto por ser importante compreendermos a ideia que

temos defendido neste estudo de que também estes elementos (de concordância ou oposição a certas políticas)

estão em função de seu nacionalismo. 99

Vale ressaltar também que havia uma pressão religiosa no tocante ao cativeiro: em 1839, por exemplo, o papa

Gregório XVI publicou a todos os fieis a bula In Supremo em que condenava o tráfico de negros e quaisquer

outros homens. Portanto, advinha de diversas filosofias a crítica à escravidão, e também, muitas eram as

diferentes perspectivas sobre a liberdade.

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102

com que esta [a escravidão] precisasse findar, a fim de que fosse ampliado o número de

brancos, ou seja, de civilizados100

no país. Neste sentido defende o seu ponto de vista da

seguinte forma:

Temos a escravatura por lícita, e até conforme com o Evangelho e com o voto dos

publicistas, quando necessária para a segurança do Estado, e melhor governo dos

cativos. Cremo-la ilícita e bárbara quando é possível evitá-la e isso se não faz. E que

diremos quando até se promove indo longe por ela? Sustentam todos no Brasil que

os africanos melhoram de sorte deixando suas pátrias e passando à América, onde

são bem cuidados e doutrinados na fé. Pode ser: mas os seus filhos? Mas eles

mesmos depois de doutrinados e civilizados não ganhariam mais em ficar livres? Se

os trouxestes da África por bem deles, completai vossa obra. Dai-lhes a liberdade

(VARNHAGEN, 2016, p. 164).

Pela pátria, então, se deveria, primeiro, impulsionar que os negros que ainda

estivessem em situação escrava passassem a condição de servos; segundo, que diminuindo o

número de africanos101

, e até findando o seu trabalho, passasse este então, para os brancos,

pois para ele se configurava como traição e mentira a perspectiva de que o branco não

pudesse trabalhar na terra. Não trabalhariam, no entanto, se tivessem que pegar a enxada ao

lado do escravo, e, neste sentido propunha:

Trabalharão os brancos menos horas ao sol, v.g., desde as 6 às 9 da manhã, e desde

as 4 às 6 da tarde. E quem no Brasil trabalhar no campo cinco horas por dia

recolherá mais que o europeu que trabalhe dez. Das restantes seis horas pode aplicar

parte ao descanso, parte a caçar pelo mato ou a trabalhar em casa (VARNHAGEN,

2016, p. 161).

Nesta perspectiva, cabe-nos ressaltar a principal solução trazida por Varnhagen no que

se refere à escravidão, para cessar as tendências ao tráfico africano, e que gerou a conhecida

querela com os românticos brasileiros102

: a sua posição sobre a escravidão indígena. O

Visconde era categórico em sua defesa: “Para suprir seus braços [negros], cumpre que se

tomem providências acerca dos indígenas, fazendo que se tire destes o possível proveito”

(VARNHAGEN, 2016, p. 120).

Civilização dos índios por tutela – este é o título que inicia a segunda parte a respeito

desta discussão no Memorial Orgânico e que utilizaremos como norte por condensar o

pensamento varnhageniano acerca do cativeiro indígena. Primeiro não fazia sentido para

Varnhagen a tentativa dos indianistas de agregar os indígenas à nação e não cobrar-lhes

100 Em História Geral do Brasil, no capítulo em que trata da escravidão africana, por exemplo, Varnhagen

argumenta sobre o perigo da perversão dos costumes, e dos hábitos sem pudor e menos decorosos dos escravos. 101

Desta forma argumenta o seguinte: “É cegueira ou perversidade proteger a entrada de mais africanos”

(VARNHAGEN, 2016, p. 161). 102

É possível perceber, por exemplo, a forma consideravelmente menos belicosa com que trata a temática na

segunda parte do Memorial Orgânico, por conta, principalmente, das críticas inflamadas que gerou a sua

primeira publicação. O próprio Varnhagen destaca este aspecto antes de iniciar a segunda etapa de sua proposta

para o Brasil com relação aos indígenas.

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103

civilidade e deveres, isto chamava de forma pejorativa de caboclismo. Em sua opinião,

faltava-lhes, sobretudo, vínculo à terra: “Não sabeis que essa gente era e é nômade, e sem

assento fixo; e que só aproveita do território enquanto nele acha caça?” (VARNHAGEN,

2016, p. 167). Estes eram pontos suficientes para que o historiador argumentasse que eles,

embora habitantes da terra, não possuíam vínculo patriótico, portanto, não eram donos do

território; pois caso fossem os brasileiros seriam, então, invasores. Mas não o eram, pois os

indígenas não fundaram um Estado, não tinham direitos sobre a terra, portanto, pois não

estavam nos padrões civilidade.

Em amplo aspecto, a premissa da pátria tinha vínculo com a ideia de civilização: o

tripé fé, lei e rei ao não possuir significado para os indígenas, abria margem para a

dominação, tanto do português, quanto do brasileiro, e para a justificação da conquista:

Precisamos civilizar o Império, fazer todos em toda a sua extensão obedecer ao

pacto proclamado, e a experiência de mais de meio século tem provado a

insuficiência dos meios brandos que são justamente os mais gravosos para o Estado.

Se necessitamos, pois, seguir a conquista, que quer dizer ir-se consolar os rebelados

levando-lhes presentes de facas e machados? Tem-se visto com sua paciência

converter esses ferros em pontas de setas, que no ano seguinte despedem contra os

seus benfeitores. Que mais jus têm eles para, só por sua incapacidade moral, estarem

excluídos do Código Penal? Não constituem eles uma rebelião armada dentro do

Império? (VARNHAGEN, 2016, p. 167).

Pois bem, os índios bravios não deveriam possuir uma vivência paralela à ideia de

Estado. Isto, em primeira instância representa um perigo, e em segunda, significa a

permanência da barbárie em meio à civilização brasileira. Era necessário se defender do que

classificava como roubo da civilização, e não aguardar inerte que estes aceitassem as luzes.

Para isto, a tutela dos indígenas seria imprescindível, e segundo ele, os brasileiros teriam todo

o direito de conquista103

, “pois não há direito de conquista mais justo que o da civilização

sobre a barbárie” (VARNHAGEN, 2016, p. 217). Esta característica era tão relevante para

Varnhagen, que segundo Temístocles Cezar (2018), nisto se configura o centro de sua escrita

da História. E, é nesta mesma perspectiva que o historiador elogiava as ações dos

bandeirantes e, paralelamente, apoiava a continuidade do sistema das bandeiras. Isto

solucionaria dois problemas: o da barbárie e da possível rebelião.

A filantropia no pensamento varnhageniano significa, então, oferecer a civilização,

sem a crueldade que identificava, por exemplo, nos Estados Unidos: utilizou, inúmeras vezes,

palavras como educação e humanidade, com que deveriam ser tratados os índios para que

103

“O primeiro direito de todas as nações foi o da conquista” (VARNHAGEN, 2016, p. 167). A premissa da

guerra justa também participa desta mesma opinião a respeito de tal direito.

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104

fossem bons cidadãos e bons cristãos. Mudar a forma de vivência dos índios era uma

urgência do ponto de vista patriótico, e nesta premissa continha a preocupação, que falamos

no início deste tópico: o futuro:

(...) esperamos que a todo o tempo se fará justiça à abnegação com que defendemos

uma causa tão pouco simpática. E se não mudarmos de sistema, e daqui a meio

século ou mais os índios se acharem como hoje, haverá quem diga em 1900 ou em

2000 que houve alguém que em 1850 apresentou no Brasil uma jurisprudência capaz

de produzir resultados (VARNHAGEN, 2016, p. 218).

As ideias que não levavam em consideração, antes de tudo, a questão nacional

vinculada à tradição brasileira defendida pelo diplomata – como era o caso da perspectiva dos

indianistas104

– configuravam-se para ele como, uma pseudofilantropia. Neste ponto,

recordemos a sua crítica à imitação dos aspectos europeus, principalmente no tocante às

novas ideias e às doutrinas filosóficas que eram antagônicas ao seu pensamento:

Estávamos para deixar esta simples indicação aos nossos políticos, receosos de que a

exposição completa de novas ideias a tal respeito prejudique outras de nossas

propostas. Há hoje em dia uma tal praga de falsos filantropos, graças a Rousseau105

ou a Voltaire ou a não sei quem, que a gente em matéria de índios quase não pode

piar, sem que lhe caiam em cima os franchinotes, com estas e aquelas sediças teorias

pseudofilantrópicas (VARNHAGEN, 2016, p 165).

Agregar, portanto, com o trabalho braçal seria uma contrapartida justa por parte dos

indígenas. Agregá-los à população significava desagregar menos o povo, no sentido nacional.

Do ponto de vista da escravidão, o pensamento conservador varnhageniano é, sem dúvida,

repleto de sinuosidades. Para este conservador era a razão de Estado, vinculada às ideias de

liberdade e civilização, que deveriam ser o norte do pensamento dos estadistas e intelectuais

sobre a escravidão. Não faria sentido deixar totalmente livre o índio bravio, e, tampouco faria

sentido a continuidade da importação de africanos para escravizar. Ambos prejudicariam o

Estado, pois causariam automaticamente, levantes, revoltas, revoluções...

3.3 A res publica nas penas varnhagenianas: o contexto e o conceito

Antes mesmo de ser um partido político no Brasil oitocentista (passa a ser somente em

1870), o republicanismo era compreendido como uma linha de pensamento, uma filosofia, e,

104

Nomeados por Varnhagen, de maneira sarcástica, de filotapuias. 105

Verificar o “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”. Em alguns tópicos

deste ensaio, Rousseau argumenta a respeito da questão dos “selvagens”.

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105

principalmente, ao longo de toda a fase imperial – e mesmo antes dela106

– um dos lados da

política brasileira. Os jornais e folhetins que se vinculavam à ideia da república, por exemplo,

já se dirigiam à seus leitores como “republicanos”, ou seja, escreviam a todos aqueles que

abraçavam, de alguma maneira a esta ideia, e muitos destes periódicos utilizavam, inclusive, o

modelo instituído pela fase republicana francesa como grande norte dos acontecimentos

políticos brasileiros, e utilizavam inclusive dos artefatos simbólicos inaugurados neste

contexto, como foi o caso do calendário republicano107

(ou revolucionário) francês.

Além disso, antes mesmo do século XIX, o resgate do termo res publica dos Antigos

já estava espalhado pelas sociedades europeias, utilizado por qualquer gênero de estado.

Bluteau destaca em 1728 como o termo ganhou uma grande proporção em seu contexto:

Venezianos e genoveses chamam os seus Estados de República, sendo o governo

deles propriamente Oligárquico, id est, Governo de poucos. Em Itália, além da

República de Veneza, e Genova, há a república de Luca, e de S. Marino. A

República de Ragusa é em Dalmacia. Os treze Cantões dos Suiços são República.

Também temos na Europa as Respúblicas de Geneva, e Hollanda. Na África há uma

república chamada Brava ou Barraboa, nas terras de Azania, perto do rio Quilmanco.

(BLUTEAU, Apud ARAUJO, 2017, p. 91).

Paulatinamente, a ideia republicana se alastrou no período setecentista, e no século

XIX se intensificou de tal maneira que, podemos dizer que suas utilizações não se resumiam

mais a um hábito, apenas. Diferentemente das interpretações ou significações atuais, ou a

despeito delas, algo estava claro para os republicanos do século XIX: o republicanismo era

um desdobramento natural e uma das faces (ou fases) do processo revolucionário, trazendo

inclusive, novos conceitos em seu conteúdo, como é o caso das ideias de indivíduo,

propriedade, e, sobretudo, da pessoa com direitos e obrigações garantidos, ou seja, a figura do

cidadão entrou assim, na cena política. E, em oposição a tal perspectiva, em outras palavras,

para o pensamento de matriz conservadora – em que nesta fase não se adequa em nada à

filosofia republicana – republicanismo não significava nada além de desordem.

106

Já na fase colonial podemos identificar alguns discursos republicanos ou fortemente influenciados por tal

linha de pensamento político. Como analisa a prof. Dra. Heloisa Starling (2018), embora seja uma ideia

praticamente esquecida, a tradição republicana e seu conceito se faziam presentes na América, sendo tema de

discursos políticos, especialmente em tons críticos à Coroa portuguesa e ao fato de os interesses particulares se

sobreporem ao interesse público, ou seja, da coisa pública, como é possível notar, por exemplo, em alguns

sermões do pe. Antônio Vieira: “Tomar o alheio, cobiças, interesses, ganhos e conveniências particulares. Perde-

se o Brasil, senhor, porque alguns ministros de sua majestade não vêm cá buscar nosso bem, vêm cá buscar

nossos bens” (Apud STARLING, 2018, p. 13). 107

Calendário com base solar, instituído em 1792 na França, mais especificamente na fase jacobina da

Revolução, como forma emblemática, sobretudo, de iniciar um novo tempo, não mais vinculado às premissas

religiosas católicas, mas sim ao discurso do científico e universal. Na concepção deste calendário está contida a

perspectiva republicana de que, a partir daquela instituição, o tempo também seria secular e público, e nas

palavras do idealizador do calendário, Fabre D‟Eglantine: “Não podemos mais contar os anos em que os reis nos

oprimiam como um tempo em que vivemos” (D‟EGLANTINE, apud. NORA, 1989, p. 468).

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106

Neste sentido, vale destacar então, os significados que o conceito de “república”

adquire no período oitocentista não só na Europa, mas também no Brasil. O dicionário de

Morais e Silva, por exemplo, destacou o conceito de república da seguinte forma:

O que pertence, e respeita ao público de qualquer estado; v.g. “convém a República,

que todos trabalhem. Estado, que é governado por todo o povo, ou por certas

pessoas, a República das Letras; i.e os homens letrados, ou Litteratos (MORAIS

Apud ARAUJO, 2017, p. 92).

Naquele período, a ideia republicana, ou seja, de res publica (da coisa pública), estava

sendo resgatada em oposição proporcional a da ideia da coisa particular, como era visto o

regime monárquico por seus críticos naquele contexto. Ou seja, a nação não poderia ser

propriedade de um governante, e no seu início a ideia estava vinculada, especialmente, em

oposição ao Absolutismo. Os acontecimentos com diretrizes republicanas, em oposição ao

sistema político absolutista, tornavam-se então, cada vez mais emblemáticos e influentes no

contexto ocidental, desde o corte da cabeça do rei, no período da Revolução Francesa, ou a

instauração da Segunda República em 1848 no mesmo país, ou ainda a proclamação de uma

República Negra no Haiti, e no Brasil, o movimento Pernambucano.

Outro aspecto é a ideia de uma Constituição, que comporia a perspectiva republicana,

e seria o símbolo principal da oposição ao interesse particular: a revolução americana, a

revolução haitiana, os movimentos de independência hispano-americanos, ao se

estabelecerem promulgaram uma Constituição; este era o principal ponto, destacado

inicialmente por Kant108

e levado adiante ao longo de todo o século XIX. Seria ela quem daria

norte as antigas e novas nações, e tal foi sua abrangência que posteriormente foi destacada

também pelos regimes monárquicos, que, na fase da Restauração, precisaram abrir

concessões. As premissas que outrora estabeleciam a vida política foram totalmente

ressignificadas, e grande parte dos pensadores políticos passaram a defender a ideia

constitucionalista:

O direito público é um sistema de leis para uma pluralidade de homens que, estando

entre si numa relação de influência recíproca, necessitam de um estado jurídico sob

uma vontade que os una, necessitam, isto é, de uma constituição, para partilharem

do que é de direito (KANT Apud Bobbio, 1998, p. 1108).

Na esteira destas características, apontamos o aspecto do federalismo. Segundo

Bobbio (1998), era primordial para a República uma extensão modesta, do ponto de vista

territorial, e isto foi o que ocorreu, por exemplo, com as diversas nações vizinhas do Brasil

108

Ver A Metafísica dos costumes. Kant destaca a importância da questão constitucional como forma de servir de

guia para as sociedades.

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107

que proclamaram suas independências, ou ainda com os Estados Unidos, que se dividiram em

federações, com autonomia administrativa. Esta era uma das principais demandas, do ponto

de vista político de diversos republicanos também no Brasil, desde a independência: uma

divisão em federações, ou maior autonomia (demandas estas que geraram uma série de

insurreições e debates na esfera pública).

De fato, o republicanismo trazia consigo, nesta fase, uma conotação revolucionária,

como dissemos desde o início deste capítulo. E queremos dizer com isto, que esta

característica transpõe a ideia de um levante em oposição à instituição monárquica. A

perspectiva da “República” era revisitada neste período como forma de estabelecimento de

novas premissas políticas. Diversas insurreições que antecederam as instituições republicanas

vieram acompanhadas do nome “revolução” (no viés progressista do termo), tanto na Europa,

quanto na América, em geral. E, ao longo de todo o século (culminando no século XX) o

conceito de “república”, passa a agregar, em seu conteúdo ainda mais significados – sufrágio,

representação, democracia – que aumentaram ainda mais a contraposição à ideia monárquica,

ainda que constitucional; ou seja, em meados do século XIX, com a expansão dessas ideias,

os ditos medos e preocupações dos conservadores, que viam no Republicanismo uma ameaça.

Para o Brasil estes medos se materializavam na ideia da ameaça territorial e da

necessidade da proteção das fronteiras. Do ponto de vista da política governamental

significava defender o Estado do republicanismo das nações vizinhas, no tocante,

principalmente, às ideias que poderiam se disseminar no território imperial, e neste quesito

Varnhagen se preocupava demasiadamente. Podemos dizer que para o historiador defender-se

das ideias era tão ou mais importante quanto defender-se belicamente, e neste aspecto buscou

auxiliar em seus escritos.

Ao imperador Varnhagen se dirige nestes termos:

(...) que o empenho principal que me guiou a pena no Memorial Orgânico foi o de

promover desde já com a maior segurança possível a unidade e integridade do

Império futuro, objeto constante de meu cogitar. – A possibilidade e a conveniência

de tal unidade, ainda na época do porvir em que o Brasil possa chegar a contar mais

de cem milhões de habitantes, quando o espírito público se forme pela história de

um modo idêntico, foi por mim sustentada tenazmente em 1851 em muitas

discussões com meus amigos deputados pelo norte, e não perco ocasião de pregá-la

na História Geral, que por si só, se for adotada nas Academias, há de contribuir e

muito a elevar o patriotismo e a harmonia do espírito nacional, fomentada pela

igualdade de educação de todos os súditos (Carta ao Imperador, Jul.1857).

Varnhagen é insistente nestes aspectos – unidade e integridade – e, é ele mesmo quem

aponta tal aspecto na carta ao imperador destacada acima. O Visconde não se afasta de tais

preocupações. Seu pensamento, e a característica de seu conservadorismo, que buscamos

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108

analisar aqui, definitivamente não se aparta destas premissas, e por elas, discute

obstinadamente com parlamentares e deixa contundente ao imperador. Inclusive, se manifesta

de forma clara ao tratar do cativeiro, e também do viés republicano da política, do qual é

claramente opositor, visto que, da ótica de seu pensamento (e pelos exemplos vizinhos), o

republicanismo seria sinônimo de divisão e instabilidade, ao passo que a monarquia

sintetizaria a ideia de unidade e ordem.

Este aspecto não era uma característica apenas de Varnhagen; ele representa o que

Lacombe (1967) chamou de ardente entusiasmo monárquico deste período: “Parlamento,

imprensa, teatro, poesia, caricatura, todo o Brasil fremia de entusiasmo e se declarava

monárquico” (LACOMBE, 1967, p. 138). Isto se dava pela própria conjuntura política,

principalmente após o imaginário criado com os acontecimentos regenciais, ou seja, da ideia

de desordem e levantes, e pela necessidade de se opor ao pensamento revolucionário

progressista e, especialmente neste contexto, republicano e até mesmo democrático, que

igualmente, crescia.

***

Varnhagen era totalmente constitucionalista, e este aspecto é consensual entre seus

estudiosos a partir da clareza dos escritos em relação a esta questão, que estava vinculada ao

seu patriotismo e a ideia que carregava de tradição brasileira, que tinha como cerne o poder

monárquico, que deveria ser resguardado e não contaminado e diluído por certas ideias, ou

seja, ideias ligadas aos republicanos. Por isso, a explicação seguinte ao Imperador sobre como

constituía seu pensamento para concepção de seus escritos:

Em geral busquei inspirações de patriotismo sem ser no ódio a portugueses, ou a

estrangeira Europa, que nos beneficia com ilustração; tratei de pôr um dique a tanta

declamação e servilismo à democracia; e procurei ir disciplinando produtivamente

certas ideias soltas de nacionalidade (...). (Carta ao Imperador, Jul. 1857).

O fato é que o fenômeno iluminista, com suas devidas ressalvas (como é o caso de

Rousseau), influenciava vastamente a visão varnhageniana a respeito dos acontecimentos

políticos e sobre o conceito de política, e neste caso analisado, de Constituição. As ideias de

Kant e Montesquieu na questão constitucional e de divisão de poderes e etc. davam tom aos

debates políticos neste sentido, e o Visconde de Porto Seguro, por sua formação e vivência

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109

europeia, sem sombra de dúvida, estava eivado das filosofias políticas neste sentido. E, a

partir disso, se apresenta tanto a sua defesa ao constitucionalismo, quanto a sua justificação da

monarquia. Neste viés está em concordância com Montesquieu que afirma que:

Estas leis fundamentais pressupõem necessariamente a existência de canais médios

por onde flui o poder: pois se existe no Estado apenas a vontade momentânea e

caprichosa de um só, nada pode ser fio, e consequentemente, nenhuma lei pode ser

fundamental (...). Não é suficiente, numa monarquia, que existam grupos

intermediários; precisa-se ainda, de um depósito das leis (MONTESQUIEU, 1996,

p. 26).

Ou seja, é perceptível, em seu pensamento (moderno e conservador) a

imprescindibilidade de uma constituição; e igualmente, a necessidade de evitar o viés

republicano ou democrático, pois o que observava na Europa e no Brasil eram movimentos

que em sua visão, possuíam significados concordantes com as ideias de revolta, levante,

sublevação. E, podemos dizer a respeito do último, que Varnhagen concordava com a

conceituação de Morais e Silva (APUD ARAUJO, 2017,p. 96), que definia como uma

rebelião, uma sublevação de súditos “contra seu legítimo Senhor, Superior ou rei”.

Ou seja, o embate conceitual se dava em diversas esferas, e destaco aqui que, para o

Visconde de Porto Seguro, a política se desdobrava na ideia de monarcas e súditos, e não de

representantes e cidadãos, mesmo que a perspectiva constitucional estivesse presente. Para tal

pensamento, o republicanismo seria, então, uma revolução malograda, por não se tratar

daquela ideia revolucionária que reequilibraria e recolocaria nos eixos a vida política.

Portanto, para seu conservadorismo tais premissas revolucionárias estavam em oposição à

ideia de verdadeira revolução, ou seja, uma revolução no sentido burkeano, mais

especificamente, daquele retorno dos astros, do revolutio.

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110

3.3.1.1 Primeira estratégia: Fronteira defendida

Como diplomata e estrategista109

do século XIX, a principal preocupação

varnhageniana se dava em torno da ideia de defesa das fronteiras do país, como já

mencionamos ser esta uma preocupação importante de sua geração. Atrelado a esta

perspectiva, podemos destacar o seu caráter de intelectual, mais especificamente de pensador

e ativista político, que compreendia que esta defesa deveria prevalecer à medida com que as

ideias políticas revolucionárias se alastravam nos ambientes mais longínquos e nas sociedades

em geral. Neste aspecto, diferentemente ou de forma muito mais ampla que os outros

políticos, a preocupação fronteiriça de Varnhagen se centrava na ideia de que defender os

limites significava, paralelamente, defender-se das ideias políticas advindas dos outros pontos

da América, ou seja, defender as fronteiras da entrada das ideias.

Dividimos, neste ponto então, em duas partes as preocupações varnhagenianas em

relação ao republicanismo: primeiro, o medo destas ideias advindas das fronteiras, ou seja, das

revoluções vizinhas que influenciavam e aprofundavam as insatisfações dos revolucionários

brasileiros. E, em segundo lugar as preocupações com os próprios movimentos que já

existiam no Império do Brasil, que se intensificavam e arrefeciam periodicamente110

. A partir

destes dois aspectos, portanto, podemos traçar a interpretação e relação e embate do

pensamento conservador do historiador com as matrizes republicanas.

Já na introdução de sua primeira parte do Memorial Orgânico (1849), Varnhagen

deixa claro que a defesa do território era algo tão importante que pensava ser a vocação de

Dom Pedro II enquanto Imperador, dando continuidade ao crescimento e enraizamento da

nação, iniciado desde seus antepassados:

O primeiro soberano que viu a América franqueou os portos do Brasil e elevou-o à

categoria de reino. O segundo emancipou-se com uma coroa imperial. Qual deve ser

a missão do terceiro?... Do primeiro soberano nascido no novo mundo?

Respondamos: a de organizar fundamentalmente e assegurar para sempre o seu

vasto Império. Força, perseverança, valor político, olhos no futuro – e adiante!

(VARNHAGEN, 2016, p. 111).

109

A característica de estrategista advinda de seus conhecimentos em História, Geografia e na área militar é

inclusive, levantada pelo evento em homenagem ao intelectual feito pela FUNAG, em 2016, mencionado no

início deste trabalho. Ver “Varnhagen: Diplomacia e Pensamento Estratégico”, 2016. 110

Vale lembrar que muitos movimentos revolucionários (ou que se intitulavam desta forma), movidos pela

insatisfação com a centralização monárquica, desembocaram em movimentos federalistas, e por vezes,

republicanos, como foi o caso da Revolução Farroupilha, por exemplo, que gerou a República Rio-grandense,

existente entre os anos de 1836 e 1845, ou a própria Revolução Praieira, de cunho federalista e liberal. Portanto,

podemos afirmar que, no imaginário coletivo, os acontecimentos republicanos eram presentes, tanto para

conservadores, quanto para progressistas.

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111

Esta, que pensava ser a principal função do novo imperador, dizia muito a respeito do

que o Visconde pensava a acerca desta temática para o Brasil: era crucial, era o cerne em

torno do qual outras questões orbitariam. Por isso, no capítulo que segue a introdução

(Capítulo II), o diplomata destacou seu principal ponto: “Limites”, em que ao criticar a

ineficácia dos tratados fronteiriços, salientou a necessidade de negociar com as nações

vizinhas, sendo elas: Montevidéu, República Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Equador e

Venezuela; além da Inglaterra e França, que colonizavam as respectivas Guianas.

Tais negociações baseavam-se em tornar perceptível a estas nações o poder bélico,

diplomático, e institucional do Império, principalmente no que tangia à força da monarquia.

Para Varnhagen, se houvesse alguma cisão nas relações diplomáticas entre o Império e os

países vizinhos, seria necessária então, uma rápida investida, militarmente falando:

Por ocasião de qualquer acidental ruptura de boas relações com esta ou aquela

república, houvéssemos de mandar forças à competente parte da fronteira. Nem se

diga que, por serem pequenas e fracas essas nações aí limítrofes, podemos nós estar

descuidados; para nos fazermos respeitar é necessário estarmos fortes: se não o

estivermos, mais vergonhosa e vexatória será a ofensa que receberíamos se víssemos

alguns de nossos vizinhos entrando-nos impunemente por casa. E convençamo-nos

de que para entrar em guerra basta estar em paz. (VARNHAGEN, 2016, p.157).

Como forma de salvaguardar as fronteiras e ampliar a utilização do território, há outro

componente que Varnhagen considera como partícipe desta tradição brasileira, que é a figura

do bandeirante. A característica do desbravamento e da habitação proporcionaria a

continuidade e o auxílio da vocação imperial de seu período de proteção do território. O

bandeirante era, no seu pensamento, aquele que, consequentemente, imporia os limites

territoriais:

Daí a exaltação do bandeirante, de que ele se proclama orgulhosamente

consanguíneo, e a admiração pelos que ampliaram as fronteiras e salvaram a

unidade, o bem supremo, que permite ao Brasil aspirar no futuro a um papel

primacial. Tudo que se opõe a essas linhas ele considera nefasto à nossa formação

(LACOMBE, 1967, p. 143).

A partir destes estabelecimentos internos seria possível então, em sua visão, o

desenrolar das negociações externas, e com isto, estrategicamente detalha como deveria se

estabelecer as relações com os países vizinhos e quem seriam, portanto, os aliados e os

principais oponentes. E, neste quesito, o trecho abaixo é esclarecedor:

Com o Peru e a Bolívia convém tratar conjuntamente: talvez poderemos oferecer à

primeira república algum território sobre o Amazonas, v.g., desde o Javari ao Jutaí,

para que, cedendo essa república em equivalente sobre o mar, sobre Cuzco ou sobre

o Lago de Titicaca à Bolívia, esta nos venha a indenizar com 1º) as vertentes todas

da margem esquerda do Guaporé até este confluir com o Madalena ou Chiquitos; 2º)

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112

o terreno que se possa adquirir, sobre a margem direita do Jauru, convindo porém

advertir que não se deve pensar em excluir a Bolívia de ter por sua fronteira um

pedaço do rio Paraguai. É mais um aliado que sempre teremos em qualquer questão

dos Argentinos sobre a navegação do rio da Prata (VARNHAGEN, 2016, p. 123).

Inclusive, como forma de demonstrar sua preocupação com este assunto, o Visconde

de Porto Seguro finaliza sua primeira parte do Memorial Orgânico (1849) com a exposição de

um mapa do território brasileiro, evidenciando, como comenta no início da segunda parte, as

questões que destaca como importantes para o Brasil e sua proposta no que diz respeito às

fronteiras e divisão das províncias em departamentos111

, como chamou.

Figura 4: Mapa dos departamentos apresentados por Varnhagen.

Memorial Orgânico, FUNAG, 2016.

111

No Memorial Orgânico (1849), Varnhagen propõe a divisão territorial em departamentos, como ocorria na

França, sendo para o caso do Brasil dividido em 19 departamentos, estrategicamente formados: “Aos

departamentos regulares e compreensíveis deve a França a harmonia com que marcha. Por tão bom precedente, e

para não confundir a história e a legislação, deixamos o nome de Províncias, e propomos o de novos

departamentos [administrativos]. Em lugar de departamentos se poderão adotar ainda os nomes Cantões ou

Partidos, departamentos fronteiriços ou militares, departamentos-colônias, e um departamento ultramarino”

(VARNHAGEN, 2016, p. 138; 153).

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113

Figura 5: Segunda parte do mapa apresentados por Varnhagen.

Memorial Orgânico, FUNAG, 2016.

De forma paralela aos destaques acima apontados, que colocariam, de forma

simplória, Varnhagen num conservadorismo clássico ou até mesmo em uma espécie de

reacionarismo ou movimento contrarrevolucionário (dois aspectos que não correspondem),

destacamos novamente a complexidade do pensamento varnhageniano no tocante à seu

conservadorismo. Numa certa missiva, o Visconde de Porto Seguro trouxe o seguinte

argumento: “Precisamos desvanecer a crença de que estamos associados à Europa para

monarquizar tudo” (VARNHAGEN, Apud LACOMBE, 1967, p. 146).

Na mesma carta apontou que esta opinião, ou sua oposição a esta crença de

associação à Europa, se daria pelo seu elevado sentimento de justiça. Ou seja, era um

pensamento que estava atrelado à ideia da moderação ilustrada, ou mesmo ao fato de o

conservadorismo vincular-se à questões concretas112

da vida política, se posicionando a partir

delas. Neste caso, pode-se perceber o seu vínculo com a filosofia burkeana.

112

Em oposição à ideia da abstração revolucionária-progressista, como argumentamos no primeiro capítulo.

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114

Defendemos novamente que para a compreensão do conservadorismo varnhageniano,

devemos vinculá-lo à perspectiva da filosofia liberal. Varnhagen não é um Liberal do ponto

de vista político partidário, mas sim filosófico (no prisma apontado no primeiro capítulo). E,

tanto o conceito de conservadorismo quanto o de liberalismo não podem ser vistos

separadamente na análise do pensamento do intelectual. Assim sendo, não apoiava a

colonização na América; e, é neste viés que compreendemos o trecho da carta acima

destacada. E, consequentemente, concordamos com o ponto de vista de Lacombe quando

argumenta a respeito de Varnhagen da seguinte maneira:

Separava, assim, nitidamente suas convicções e suas simpatias monárquicas, da sua

função de representante de um país independente em face de países europeus ainda

não conformados com a perda das colônias. Se cria que os países americanos

pudessem “cansar-se de seu regime para abraçarem a monarquia, sem uma palavra

nossa que poderia prejudicar”. Como escreveu ao Imperador, não hesitou em arriscar

sua carreira quando viu as repúblicas do Pacífico ameaçadas pela violência

(LACOMBE, 1967, p. 146).

Como um conservador, via nas experiências de independência e solidificação

americanas um prejuízo do ponto de vista da unidade, pois em sua perspectiva,

republicanismo e esfacelamento territorial eram ideias parelhas; em compensação, como um

liberal, via, igualmente, o prejuízo na dominação política espanhola na América, por isso, na

balança de seu pensamento, convinha o aspecto da liberdade, e por este motivo, não pensava

ser justo que o Brasil apoiasse, por conta da monarquia, uma perpetuação da colonização

espanhola na América.

3.3.1.2 Segunda estratégia: Republicanismo interno rechaçado

Outro espectro movido pelas preocupações conservadoras de Varnhagen, no tocante à

ideia de revolução progressista, diz respeito aos movimentos que, paulatinamente, nutriam

ideais republicanos e separatistas no âmbito interno. Capistrano de Abreu (Apud LACOMBE,

1967, p. 143) resume de forma contundente o pensamento varnhageniano acerca dos

principais movimentos de oposição ao poder central, apontando da seguinte maneira: para ele

“a conjuração mineira é uma cabeçada, a baiana um cataclismo, a Revolução Pernambucana

uma calamidade”.

Estes são os pontos de argumento para o Visconde de Porto Seguro: existem nestes

levantes a influência da filosofia política federalista, e a ideia de que a solução para suas

reivindicações estaria no afastamento das premissas monarquistas portuguesas. E, embora

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115

Varnhagen concordasse parcialmente com as críticas, e fosse avesso às ações exacerbadas

economicamente e dos exageros políticos do poder português, estava totalmente em oposição

à saída encontrada pelos revolucionários para resolver a questão.

Portanto, algo estava evidente: o país não poderia embarcar numa aventura

republicana federalista, pois o que garantiria a força da nação seria o monarquismo e o

constitucionalismo, garantidores da conhecida ordem e da unidade, e por isso, tal pensamento

se constituiu como pano de fundo de suas proposições no Memorial Orgânico a respeito da

divisão territorial, das conexões internas e da nova capital. E, nestes temas, se encontram

suas constantes preocupações em homogeneizar o poder e as ideias em torno dele em todo o

território, pois embora unificado no papel, o fato é que na prática os regionalismos113

figuravam-se na vida política, como é o caso do norte do país, sobre o qual, após uma visita,

Varnhagen encaminhou uma missiva com as seguintes palavras ao Imperador:

Senhor! Permita-me V.M.I lembrar-lhe outra vez cá de longe, quanto é urgente

acudir, coma Sua Augusta Presença, às Províncias do Norte. Político seria até

passar-se para ali com o Governo e as Câmaras, ao menos por um ano. As coisas

vão-se figurando muito mal, e nada pode já acudir a certas tendências senão a

Presença Augusta de V.M Imperial (Carta ao imperador, 1852).

- As coisas vão-se figurando muito mal -, estas são as palavras de Varnhagen e que,

possivelmente, integram o arcabouço de seus medos, e auxiliam no entendimento das

principais ideias e o porquê da oposição à certos movimentos mais que a outros. No trecho

fica, igualmente revelado, o quanto Varnhagen participa da ideia dos monarquistas de seu

tempo da ideia da mística imperial, ou seja, de que a figura do Imperador – juntamente com

seu aparato burocrático – proporcionaria uma estabilidade política, inclusive nas áreas mais

afastadas da capital.

***

No tocante à movimentação republicana mineira, pergunta-se retoricamente: Essa

pequena república, encravada no meio do majestoso império de Santa Cruz, não teria sido

um mal? Uma separação na fase da Inconfidência, num ponto importante do país, sem

113

Neste aspecto, Varnhagen se opõe a qualquer tipo de enraizamento cultural (regional) em que houvesse a

possibilidade de sobreposição a unidade nacional, por este motivo, julga perigoso, por exemplo, o federalismo e

“pensa que compete aos literatos e historiadores criar a unidade cultural do país e combater o provincialismo”

(LACOMBE, 1967, p. 151).

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116

dúvidas se configuraria um mal, pois, os traços do movimento, embora de independência, o

que era algo benéfico, possuía um aspecto republicano, ou seja, uma ideia separatista, na

ótica varnhageniana.

O evento mais emblemático e principal inimigo ideológico de Varnhagen, ou seja, a

Revolução Pernambucana (1817), que destacamos vastamente no capítulo anterior, assim se

configurava, pois, o seu principal caráter emancipacionista e republicano influenciou de forma

abrangente os movimentos posteriores, acompanhado de traços já vistos em nações como

França e os Estados Unidos, como fora a questão da instauração de um novo governo,

baseado em novas premissas políticas. A ideia republicana e as notícias do movimento se

alastraram já após o ocorrido, e se tornou como argumentamos nesta pesquisa, referência ao

longo de todo o século114

:

Cessava, com este ato de eleição de um governo provisório saído de uma rebelião

militar, a soberania do príncipe regente D. João sobre Pernambuco. Não tardou que,

inclusive pelo envio de emissários, a notícia da instalação de um governo

republicano e patriótico em Pernambuco logo se espalhasse pelas províncias da

Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e pela Comarca de Alagoas, ainda território

pertencente à província de Pernambuco. Com mais ou menos apoio, com duração

variada, em todas elas foram postos abaixo o s governos de nomeação da Coroa,

abandonados os símbolos reais tais como bandeiras e barretinas militares e governos

composto por patriotas tomaram o poder. Foi em todos estes lugares, o breve, mas

intenso, “tempo da Pátria”, quando pela primeira vez em toda a história do Império

português deixou de existir a soberania real e um ordenamento político inspirado nos

princípios da Revolução Francesa tomou o seu lugar (SIQUEIRA, 2017, p. 131).

Era necessário defender-se destas ideias, e, paralelamente, compor a filosofia

conservadora liberal, e nisto, como dissemos, consiste muitas das abordagens

varnhagenianas. Primeiramente, destacamos o aspecto de urgência com que o diplomata trata

das temáticas. A preocupação é latente com a questão de como o Império lidaria com a

integridade, e influenciaria na unidade, por isso, é um dos precursores da ideia de mudança da

capital do país, do Rio de Janeiro para um local mais distante da costa, salientando a

necessidade e exemplo de outras nações, europeias e americanas de uma centralização da

capital, criando um novo lugar em que o governo pudesse se estabelecer estrategicamente:

(...) abandonando a ideia de achar já feita e acabada a cidade que tanto nos convém,

nós resolvemos fundar uma, segundo as condições que se requerem a toda a capital

de país civilizado hoje em dia, a verdadeira paragem para ela é a mesma natureza

quem a aponta, e de modo muito terminante (...). É nessa paragem bastante central e

elevada, donde partem tantas veias e artérias que vão circular por todo o corpo do

Estado, que imaginamos estar o seu verdadeiro coração; é aí que julgamos que deve

fixar-se a sede do governo do Império (VARNAHGEN, 2016, p. 127).

114

Podemos citar nesta esteira, a Confederação do Equador, eclodida em 1824 também em Pernambuco, que

juntamente com a Revolução de 17, criou um imaginário revolucionário. Verificar Sergio Buarque de Holanda,

1992.

Page 117: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

117

Ao longo de sua defesa, o Visconde deixa claro que esta mudança se daria por três

motivos: primeiro, para ele, uma capital centralizada, auxiliaria no crescimento econômico e

impulsiona a igualdade entre as variadas regiões do Império:

Sendo certo que as capitais, quando crescidas, são o centro do luxo, ou dos artigos

que não são de primeira necessidade, portanto as maiores consumidoras dos

produtos do comércio marítimo, esses chegarão ao interior já meio convertidos em

tráfico interno pelos preços dos transportes, do que resultarão valores criados em

benefício do país. (VARNHAGEN, 2016, p. 125).

O segundo aspecto é que uma capital interiorizada, obviamente, seria mais segura

contra ataques dos oponentes políticos e contra as investidas inimigas, do que as capitais

costeiras:

Quanto mais central esteja a capital, mais obstáculos se poderiam criar para não

chegar a ela nenhum inimigo que ousasse invadir o país; e ainda sem imaginar esse

caso extremo: qualquer exigente negociador não se julgaria aí tão forte para ditar

condições, como tendo à vista suas esquadras (VARNHAGEN, 2016, p. 125).

Por último inibiria, igualmente, o inimigo interno, bélica ou ideologicamente

constituído, pois agregaria ainda um terceiro elemento, que é o da conexão interna,

proporcionada pelas estradas de ferro, que ligaria a capital às diversas províncias

(departamentos administrativos), pois é interessante, ao governo, com sede interiorana, que as

comunicações internas sejam progressivamente facilitadas, de modo a criar uma conexão com

todas as partes, ligação esta que nomeou de estradas imperiais. E, a respeito delas, faz a

seguinte observação:

Esse caminho de ferro essencial é o que deve pôr em pronto e imediato contato a

capital com o porto do litoral onde haja mais facilidade de encaminhá-lo. Não

tratemos de indagar qual será esse porto, pois para o nosso fim e para a economia do

Estado preferimos o caminho que for mais barato e se fizer mais depressa

(VARNHAGEN, 2016, p. 134).

Todos estes aspectos, vinculados à um conjunto ideológico monárquico, segundo o

intelectual, seriam a salvação do Brasil; e esta premissa estava vinculada, ao que gostaria,

sobretudo, de evitar em solo brasileiro: a presença do inimigo e a dissolução do território. Um

território tão extenso poderia ser facilmente fragmentado, como demonstra a própria tentativa

de Pernambuco ou a Farroupilha, ou ainda os eventos mencionados em sua escrita da História,

os quais denominava de conluios ou revoltas, que precisariam ser combatidos por uma

estratégia que aponta, de forma complementar, em seus escritos políticos no Memorial, como

a ideia mencionada da ligação de todos os lugares do Império:

Page 118: ENTRE CONCEITOS: REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO EM ...

118

Demais, a integridade do Império, a unidade nacional, não será efetiva e duradoura,

enquanto ela não proceda de uma grande frequência de relações entre as províncias,

a qual nunca é bem feita por mar. Necessitamos, pois, o quanto antes, abrir a estrada

imperial que propusemos para comunicar o norte com o sul do Império, e que, para

ser mais fácil, tem de ser traçada da banda de dentro, isto é, pelas vertentes

ocidentais, da serra geral ou do Mar. Consideramos a abertura desta estrada, e o

acompanhá-la de uma linha de telégrafos, duas medidas de salvação para o Brasil.

(VARNAHGEN, 2016, p. 204).

***

Finalmente, destacamos uma interessante afirmação do historiador a respeito da

questão republicana, demonstrando neste trecho, certo diálogo com as perspectivas que davam

tom à vida política do século XIX e aos termos utilizados neste contexto. Varnhagen

argumenta com a seguinte sentença:

Desenganemo-nos; somos uma quase república aristocrática. A monarquia é entre

nós um bem, uma garantia liberal, porque suaviza a oligarquia, que é a representação

da parte livre da nação: reciprocamente, a aristocracia teria de ser no Brasil, como o

foi em Inglaterra, a mais segura salvaguarda popular, se para o futuro algum partido

levantasse bandeira por instituições ultramonárquicas. É por não entendermos assim

as coisas que os partidos entre nós não se definem: é por isso que temos feito tantas

leis prejudiciais ou absurdas, que com sua própria impotência se assassinam

(VARNHAGEN, 2016, p. 225).

A primeira vista possivelmente gera a impressão de que o Visconde de Porto Seguro

pauta-se nesta sentença, na cartilha republicana, no entanto, a partir de suas defesas até aqui

mencionadas, alguns pontos devem ser destacados: primeiro em relação ao entendimento do

conceito no período, ou seja, da coisa pública, e neste aspecto, como salienta, era a monarquia

constitucionalista quem assegurava tal premissa, e, com isso, fazia com que os princípios

liberais fossem garantidos, em outras palavras, a partir de uma constituição era possível

prezar o aspecto público da política:

Este [Varnhagen], leitor de Montesquieu (...), aceitava e aplicava ao Brasil sua teoria

do governo misto, por sua vez inspirada na experiência inglesa, como o filósofo

francês a vivenciou no governo de Robert Walpole, no qual o poder era

compartilhado entre a monarquia e a aristocracia representada no Parlamento

(WEHLING, 2016, p. 89).

Ou seja, em nenhum aspecto pode-se traçar um paralelo entre o pensamento

varnhageniano e o republicanismo que emergia na Europa e nos países hispano-americanos, e

nada o aproxima de um pensamento republicano no sentido progressista do termo. Varnhagen

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119

é um ferrenho crítico, por exemplo, das esferas democráticas, sob as quais argumentou

inclusive ao Imperador, em uma de suas missivas, que após ter visto as eleições na Espanha e

Portugal poderia afirmar que eram as piores.

Possivelmente, então, sua afirmação destacada em linhas anteriores, como ele mesmo

aponta no trecho, tenha mais vínculo com ideia de evitar um ultramonarquismo e,

consequentemente, consolidar as premissas liberais, que em seu caso, e dos que

compartilhavam do seu pensamento, não devem ser analisadas de forma desvinculadas de seu

conservadorismo.

A partir destes aspectos é possível considerar que o Visconde de Porto Seguro, em

seus escritos – historiográficos e políticos – deixou, ainda que de forma difusa, esta discussão,

por isso utilizamos os principais temas de seu período. O republicanismo e a perspectiva de

liberdade, discutidos acima, auxiliam, de certa forma, na compreensão do pensamento

conservador já que englobam outras temáticas que circundaram o conceito naquele período

(democracia, representatividade, etc.).

Seu pensamento participa de um conjunto próprio de seu tempo; um arcabouço de

pensadores políticos, filósofos, historiadores, que de forma direta ou indireta, (principalmente

por sua constante presença na Europa) construíram e desconstruíram sua ideia a respeito do

termo revolução. A partir dos vestígios deste termo em seu pensamento, é possível pensar,

então, em uma definição do conceito de conservadorismo no diplomata, e consequentemente,

do tipo de conservadorismo do qual é representativo. Em outras palavras, o historiador se

colocou e se tornou uma figura crucial para a compreensão do conceito na fase oitocentista do

Brasil: liberal, reformador, patriota, monarquista... Muitos são os conceitos-chave inscritos no

pensamento conservador varnhageniano.

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120

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A partir da discussão tecida ao longo de toda esta pesquisa, podemos salientar nesta

etapa conclusiva que, embora de difícil conceituação, – principalmente no Brasil –, o

Conservadorismo, como ideia complexa, se configura como um elemento-chave para a

compreensão do pensamento do historiador, diplomata e pensador político, Francisco

Adolpho de Varnhagen. Neste esforço de compreensão, é possível identificar o diálogo desse

conservadorismo de Varnhagen com os múltiplos conservadorismos de seu período.

Debates já traçados por historiadores como Ilmar Rohloff de Mattos, por exemplo, em

O Tempo Saquarema, bem como investigações de outros pesquisadores a respeito do contexto

de inaugurações como o IHGB possibilitam que compreendamos melhor o cenário político e

intelectual da ascensão conservadora na primeira metade do século XIX. Essa perspectiva

histórica foi crucial para identificar o conservadorismo de Varnhagen, na sua relação com um

projeto de nação estreitamente vinculado à manutenção do território do império.

A ascensão conservadora brasileira desta fase está certamente, como apresentamos,

atrelada aos acontecimentos revolucionários e às várias significações possíveis a respeito da

ideia de Revolução, pois, como defendemos os conceitos não se desvinculam dos eventos

políticos. Desde a gênese revolucionária progressista, com suas características alteradoras do

status quo, podemos concordar com a ideia de que o conservadorismo moderno surgiu no

contexto deste acontecimento, na medida em que se colocava numa relação direta com este;

discutindo-o, traçando outras interpretações aos eventos políticos, ressignificando, etc. Como

fora demonstrado ao longo de nossa análise, a relação entre os conceitos de revolução e

conservadorismo ultrapassa – e muito – a ideia reacionária, ou melhor, não se limita a ela, e por vezes,

não se vincula a esta perspectiva.

Estes componentes são também importantes para considerarmos nestas últimas

observações da investigação, que a ideia de o século XIX ser uma fase de transição, clivagem

do conceito de revolução é extremamente relevante para a assimilação da própria ideia de

conservadorismo, pois como fora demonstrado, tal pensamento também se constituiu a partir

do estabelecimento da discussão em torno da nova ordem de coisas que se construiu na

modernidade.

Em outras palavras, o processo de mudança do entendimento político durou todo o

século, como argumentamos: a ideia não mudou na fase oitocentista, ela estava em mudança.

Eram, simultaneamente, uma queda de braços, e uma disputa por uma conceituação efetiva

do termo: ambas as perspectivas, de retorno e de irreversibilidade, estavam em jogo.

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121

Com estes elementos pudemos destacar o lugar em que o Visconde de Porto Seguro se

colocava neste contexto emblemático e, ao mesmo tempo, sair da conceituação de

conservadorismo ceifada de uma problematização do conceito ao tratar do intelectual.

Portanto, é possível com isto, conforme elaboramos neste trabalho, tanto aprofundar a ideia de

um dos tipos de Conservadorismo existente no Brasil imperial, quanto compreender o que

Varnhagen representa quando se trata de analisar uma ideia, ou melhor, um conceito como

este.

Fato é que, relacionar os conceitos de conservadorismo e de revolução torna-se um

caminho importante para a análise do século XIX; possibilita-nos uma linha de pensamento e

averiguação do primeiro, por conta do caráter inaugurador e central da ideia de Revolução.

Como argumenta Koselleck, há um emaranhado, uma cadeia entre os conceitos, “através do

conjunto da língua, que articula um conceito a outro” (1992, p. 137), ou seja, existe uma

construção da vida política, social e intelectual das sociedades, proveniente da articulação

entre os termos.

Neste período é impossível desprezar esta articulação, para o vínculo existente entre

estes dois conceitos; vínculo este que torna, em alguma medida, possível uma maior

compreensão do termo no pensamento varnhageniano, mesmo que não seja totalmente

apreensível, pela nossa própria distância temporal. De fato, não estamos mais no século XIX,

e muito do que a palavra foi já não significa mais, embora, obviamente, exista a característica

da permanência, indispensável a todo conceito.

Pois bem, como indicado, a partir de sua visão de mundo, Varnhagen se coloca em

uma das alas neste contexto em seus escritos historiográficos e políticos, e deixa claro, pelo

menos três interpretações da palavra revolução: uma que podemos salientar como “neutra”,

em que não problematiza efetivamente a ideia, apenas menciona o evento; outra em que se

coloca favorável, quando o evento mencionado contém aquilo que entende como ideias

liberais e .a perspectiva do retorno, com características ordenadamente reformistas, como o

caso da Revolução do Porto; e a terceira em que se posiciona totalmente como opositor,

quando o acontecimento se constituía demasiadamente progressista e que, em sua perspectiva

significaria desordem e desintegração, como foi o caso dos movimentos republicanos de

Pernambuco em 1817 e 1848, e os levantes escravos, como o exemplo dos Malês.

Seu lado, se assim podemos dizer, é definido a partir da razão de Estado, atrelado à

algumas ideias-chave como a de monarquia constitucional, orientadas por suas conclusões dos

eventos revolucionários americanos e europeus, como as experiências democráticas, ou o

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122

jacobinismo de alguns movimentos. É impossível não verificar uma influência burkeana em

seu conservadorismo, em sua análise dos episódios políticos e sociais, e principalmente, em

sua concepção de concretude na observação do contexto, em clara oposição a abstração

revolucionária progressista. É, possivelmente, no Brasil, um dos intelectuais que nos

possibilita compreender e esquematizar mais claramente o pensamento de uma das diretrizes

conservadoras.

Varnhagen representa um destes tipos de conservadorismo na mesma medida em que

estava vinculado à perspectiva moderna, de caráter constitucional, com ampla defesa da

monarquia e da tradição estabelecida pelo legado português. Dentre os diversos

conservadorismos existentes no Brasil em meados do século XIX, pudemos perceber que, por

vezes há alinhamentos e choques entre as diferentes visões de mundo, como foi a questão da

escravidão, por exemplo. Fato é que todas as características do pensamento conservador

varnhageniano estavam em função, como mencionado, de sua análise do que poderia

impulsionar ou enfraquecer as perspectivas de unidade e integridade do Território do

Império, e quais seriam os fatores agregadores e desagregadores existentes, que deveriam ser

motivados ou removidos, a depender de sua intenção.

Estes fatores foram verificados ao longo dos três capítulos, em primeira instância

através da abordagem da conjuntura política que se apresentava na fase oitocentista como

elemento central, e que foi nesta discussão elemento fundamental para constatar a expansão e

circulação das Revoluções, tanto na Europa quanto nas Américas, mas especificamente no

Brasil com eventos que marcaram o período regencial e a primeira parte do Segundo Império.

Ao mesmo tempo averiguar como tais eventos despontaram em uma disputa que durou todo o

século em torno do conceito de Revolução: entre a perspectiva astronômica de retorno, e a

inauguração revolucionária da significação de irreversibilidade.

Através dos trechos analisados, em História Geral do Brasil, constatamos que para

Varnhagen era evidente que os movimentos progressistas no passado brasileiro se

constituíam como revoltas; infidelidades ao poder monárquico; e eram incoerentes do ponto

de vista político, colocando em xeque seus aspectos revolucionários. É um dos intelectuais

que fazem com que a ideia de revolução neste século, seja sinuosa, como evidenciaram os

dicionários e jornais, que disputavam entre as rupturas e permanências do conceito.

Na esteira deste debate, Varnhagen propõe aos estadistas, principalmente por sua

experiência na área da diplomacia e História, soluções para combater às ideias e aos

movimentos revolucionários de seu presente, a partir da oposição ao republicanismo e às

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123

contradições em torno do fim da escravidão. O cativeiro deveria ser extinto por questões

conservadoras: as ameaças de levantes escravos estariam resolvidas, e a preocupação com “o

outro”, anulada.

Neste viés, os levantes republicanos seriam combatidos com a defesa das fronteiras,

militar e ideologicamente; e as ideias já adentradas deveriam ser rechaçadas com uma

História Oficial do Estado, promotora da homogeneidade e da unidade, e com as ações

políticas em torno da integridade, como o exemplo da mudança da capital e das conexões por

ferrovias em todo o território.

É neste âmbito que assimilamos a ideia de inícios do século XX e aprofundada em

meados deste mesmo século: de um conservadorismo varnhageniano. O que esquadrinhamos

foi, portanto, a complexidade desta ideia, ou melhor, destes conceitos – revolução e

conservadorismo – que marcaram profundamente a vida política do ocidente na fase

oitocentista, consequentemente, permeando e definindo o pensamento de intelectuais como

Francisco Adolpho de Varnhagen.

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