Entraves Políticos à Criação Da Estrada Do Assungui

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ANA CAROLINA GESSER A ESTRADA DO ASSUNGUI: ENTRAVES POLÍTICO-ADMINISTRATIVOS NA CONSTRUÇÃO DE UM CAMINHO COLONIAL NA PROVÍNCIA DO PARANÁ (1860-1888) CURITIBA 2013

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Entraves Políticos à Criação da Estrada do Assungui

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN

    ANA CAROLINA GESSER

    A ESTRADA DO ASSUNGUI: ENTRAVES POLTICO-ADMINISTRATIVOS NA

    CONSTRUO DE UM CAMINHO COLONIAL NA PROVNCIA DO PARAN

    (1860-1888)

    CURITIBA

    2013

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    ANA CAROLINA GESSER

    A ESTRADA DO ASSUNGUI: ENTRAVES POLTICO-ADMINISTRATIVOS NA

    CONSTRUO DE UM CAMINHO COLONIAL NA PROVNCIA DO PARAN

    (1860-1888)

    Monografia apresentada ao curso de

    Graduao em Histria, Departamento de

    Histria, Setor de Cincia Humanas,

    Letras e Artes da Universidade Federal do

    Paran como requisito parcial para a

    obteno do ttulo de bacharel e licenciada

    em Histria.

    Orientador: Prof Dr. Luiz Geraldo Silva

    CURITIBA

    2013

  • 3

    Resumo

    Nessa pesquisa, procuramos analisar os entraves poltico-administrativos na

    construo de uma estrada colonial a Estrada do Assunguy, construda a partir do ano de

    1860, nos primeiros anos da ento emancipada provncia do Paran. A partir da confrontao

    de fontes produzidas por diferentes atores sociais, buscamos analisar a mudana dos discursos

    desses atores referentes quela estrada e sua relao com as diferentes polticas imigratrias

    adotadas na Provncia do Paran por aqueles anos. Para a realizao da pesquisa, foram

    consultadas fontes administrativas, as quais se referem a relatrios de governo dos presidentes

    da provncia do Paran, entre 1959 e 1889, e tambm a ofcios e correspondncias contendo

    peties, reclamaes e oramentos. A partir da anlise dos ofcios e dos relatrios de

    governo, podemos inferir que o desenvolvimento da estrada do Assunguy esteve dependente

    das prticas colonizatrias feitas na Provncia, onde o governo provincial atendia aos

    interesses de desenvolvimento das colnias quando estas apresentavam sinais de

    prosperidade. Tambm conclumos que os trabalhadores ao longo da estrada sofriam com os

    impasses entre engenheiro e administradores, por conta de pagamentos atrasados, ou mesmo

    crdito inexistente decorrente da corrupo. O reconhecimento da importncia da construo

    da estrada para a Colnia do Assunguy no levou os administradores a empenharem-se

    significativamente nessa obra at a Colnia quando perceberam que outra prtica

    colonizatria nas cercanias de Curitiba concretizava satisfatoriamente o projeto de

    colonizao almejado pelo governo.

    Palavras-chave: estrada, Assunguy, imigrao.

  • 4

    SUMRIO

    INTRODUO..........................................................................................................................5

    CAPTULO 1

    A.a EMIGRAO: MELHOR PARA OS BURGUESES, MELHOR PARA OS POBRES.....8

    A.b A NOVA DINMICA COMERCIAL BUSCA SOLUES............................................11

    A.c - NOVA PROVNCIA, DIFERENTES PROJETOS..........................................................21

    CAPTULO 2

    B.a NOVAS POLTICAS, NOVOS ANSEIOS........................................................................27

    B. b A SALA DE VISITAS PARA OS RECM-CHEGADOS: QUE VENHAM AS

    PRIMEIRAS FAMLIAS..........................................................................................................30

    B.c O CAMINHO DO PROGRESSO......................................................................................34

    CAPTULO 3

    C.a ENQUANTO O ASSUNGUY FALHA, SURGEM NOVAS PERSPECTIVAS................40

    C.b A ESTRADA COLONIAL: A VERSO DOS TRABALHADORES...............................45

    C.c FIM DO SCULO, FIM DA ESTRADA?.........................................................................55

    CONSIDERAES FINAIS....................................................................................................58

    FONTES....................................................................................................................................60

    BIBLIOGRAFIA......................................................................................................................64

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    INTRODUO

    Nessa pesquisa, procuramos analisar os entraves poltico-administrativos na

    construo de uma estrada colonial a Estrada do Assunguy, construda a partir do ano de

    1860, nos primeiros anos da ento emancipada provncia do Paran. A partir da confrontao

    de fontes produzidas por diferentes atores sociais, buscamos analisar a mudana dos discursos

    desses atores referentes quela estrada e sua relao com as diferentes polticas imigratrias

    adotadas na Provncia do Paran por aqueles anos. Optamos por periodizar o ano de 1860,

    quando criada oficialmente a Colnia do Assunguy com recursos do governo Provincial, e

    terminando em 1889, com a Proclamao da Repblica e a instaurao de um novo regime de

    Governo.

    Para a realizao da pesquisa, foram consultadas fontes administrativas, as quais se

    referem a relatrios de governo dos presidentes da provncia do Paran, entre 1959 e 1889, e

    tambm a ofcios e correspondncias contendo peties, reclamaes e oramentos. Essa

    ultima categoria, pertencente ao Arquivo Pblico do Paran, constituda por manuscritos

    enviados tanto por pessoas pblicas em cargos administrativos como por pessoas privadas,

    como trabalhadores da estrada e moradores das suas margens.

    Em vista de uma compreenso sobre o quadro mais vasto referente migrao em

    massa observada no mundo atlntico no sculo XIX, utilizei a obra de Eric Hobsbawm, A Era

    do Capital1, de modo a perceber as mudanas ocorridas na Europa devido dupla Revoluo

    Francesa e Industrial; de Srgio Odilon Nadalin2, Joo Klug

    3 e Carlos Roberto Antunes dos

    Santos4 no intuito de relacionar as emigraes europias com as polticas imigratrias do

    Imprio no Brasil. Para discutir essas mudanas e sua influncia no fim do trfico de escravos,

    bem como no incio da discusso de uma poltica imigratria de substituio de mo-de-obra,

    e das bases argumentativas sob as quais a Lei de Terras foi feita, utilizei os trabalhos de

    Cludia Cristina da Silva5, Emlia Viotti da Costa

    6 e Jos Murilo de Carvalho

    7. Para tratar das

    polticas imigratrias na provncia do Paran, baseei-me nas obras j conhecidas de Balhana,

    1 HOBSBAWM, Eric. A era do Capital: 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. 2 NADALIN, Srgio Odilon. Paran: ocupao do territrio, populao e migraes. Curitiba: SEED, 2001. 3 KLUG, Joo. Imigrao no sul do Brasil. In: GRINBERG, Keila, SALLES, Ricardo. O Brasil Imperial, volume

    III: 1870-1889. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2009. 4 SANTOS, Carlos Roberto Antunes dos. Vida Material, Vida Econmica. Curitiba: SEED, 2001. 5 SILVA, Cludia Christina Machado. Escravido e grande lavoura: o debate parlamentar sobre a lei de terras

    (1842-1854).Dissertao (mestrado) -Universidade Federal do Paran, Setor de Cincias Humanas, Letras e

    Artes, Programa de Ps-Graduao em Histria. Defesa: Curitiba, 2006. 6 COSTA, Emlia Viotti da. Da Monarquia Repblica: momentos decisivos. So Paulo: Fundao Editora da

    UNESP, 1999. 7 CARVALHO, Jos Murilo. A construo da Ordem: a elite poltica imperial. Teatro de sombras: a poltica

    imperial. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003.

  • 6

    Westphalen e Machado8, Gyralda Seyferth

    9, Reinaldo Nishikawa

    10 e Roberto Edgar Lamb

    11.

    A segunda metade do sculo XIX marcada por fenmenos importantes que vo

    acabar introduzindo modificaes na estrutura econmica e social do pas, contribuindo para o

    desenvolvimento do mercado interno e estimulando o processo de urbanizao. Dentre esses

    aspectos, pode-se citar primeiro a transio do trabalho escravo para o trabalho livre e a

    paulatina entrada de numerosos imigrantes no sul do pas12

    . Aps a emancipao da Provncia

    do Paran em 1853, buscou-se povoar o territrio com populao branca, europia, que as

    autoridades brasileiras julgavam ser trabalhadora e morigerada. Para tanto, foi criada a

    Colnia do Assunguy, com a inteno de nela estabelecerem-se imigrantes europeus, que ao

    se tornarem colonos, supririam as necessidades de abastecimento de Curitiba e seu entorno.

    Ao contrrio de outras regies do imprio, onde a imigrao se destinava a suprir a carncia

    de mo-de-obra na grande lavoura de exportao, no Paran, exceto sob eventual introduo

    de trabalhadores em obras pblicas, o problema imigratrio foi desde logo colocado no

    sentido de criar-se uma agricultura de abastecimento de vveres.

    A Colnia do Assunguy foi fundada em 1859, em colaborao com o governo

    imperial, quando o ento presidente Jos Francisco Cardoso ordenou a demarcao das terras.

    Era formada por trs territrios, em uma distncia de aproximadamente 100 km da capital

    Curitiba, uma vez que os primeiros empreendimentos de colonizao tinham em vista tambm

    o povoamento do territrio, instalando os colonos em regies de baixa densidade

    demogrfica. Ao chegarem a esse ncleo colonial no ano de 1860, os colonos foram

    instalados em uma casa. Embora a pretenso inicial do governo fosse instalar 20 famlias, o

    presidente Jos Francisco Cardoso ordenou que fosse construda mais uma casa para a

    instalao de 40 famlias, conforme ordens do governo imperial. Segundo Altiva Balhana,

    Brasil Pinheiro Machado e Ceclia Wesphalen, no ano de 1860 a Colnia Assunguy possua

    949 imigrantes, dentre eles Ingleses, franceses, italianos, alemes e outros13

    , que deveriam

    assinar um contrato com o governo, relativo possesso das terras.

    tambm no ano de 1860 que as vias de comunicao entre as Colnias e os

    mercados vo comear a constituir um motivo de preocupao entre os agentes pblicos, pois

    8 BALHANA, Altiva. MACHADO, Brasil Pinheiro. WESTPHALEN, Ceclia Maria. Histria do Paran.

    Curitiba: Grafipar, 1969. 9 SEYFERTH, Giralda. Imigrao e Cultura no Brasil.Braslia: Editora Universidade de Braslia, 1990. 10 NISHIKAWA, Reinaldo. Terras e imigrantes na colnia Assungui. Paran, 1854-1874. Dissertao de

    mestrado, Universidade de So Paulo, 2007. 11 LAMB, Edgar. Uma jornada civilizadora: imigrao, conflito social e segurana pblica na provncia do

    Paran. Dissertao de Mestrado da Universidade Federal do Paran, 1994. 12 COSTA, Emlia Viotti da. Op. Cit. p. 251. 13 BALHANA, Altiva. MACHADO, Brasil Pinheiro. WESTPHALEN, Ceclia Maria. Op.Cit. p. 164.

  • 7

    se acredita que a construo de uma estrada que ligue a colnia do Assunguy com a capital

    pode fornecer a migrao espontnea de colonos que no obtiveram sucesso em ncleos mais

    antigos, como a Colnia Dona Francisca, em Santa Catarina. Alm disso, o ainda presidente

    Jos Francisco Cardoso vai salientar a inconvenincia de instalar nesse local, colnias sem

    vias de comunicao que as aproximem dos mercados, onde devem ter consumo os produtos

    de seus trabalhos14

    . No ano de 1860, relata o mesmo presidente que [...] como convinha

    preparar caminhos que facilitassem a emigrao para o Assunguy e ao mesmo tempo desse

    fcil exportao aos produtos da Colnia, autorizou o governo imperial a abertura de estradas

    para essa capital (Curitiba) e Antonina15

    .

    A monografia foi dividida em trs captulos. No primeiro, analisamos as mudanas

    pelas quais estava passando a Europa, especificamente no sculo XIX, situando os

    acontecimentos que levavam seus pases e naes a adotarem a poltica emigratria para

    pases americanos, como o Brasil. Dessa forma, intentei relacionar a emigrao europia com

    a poltica imigratria feita pela Coroa e mais especificamente, pela Provncia do Paran. No

    segundo captulo, articulei as condies especficas da Provncia do Paran s prticas

    imigratrias adotadas por seus presidentes. Busquei abordar a poltica adotada aps 1858,

    onde seus rumos aparecem melhores definidos, como a criao da Colnia de abastecimento

    do Assunguy. Nessa seo, iniciei a anlise dos documentos por mim levantados, medida

    que analisei os investimentos em obras pblicas na Provncia, e a necessidade de

    trabalhadores para essas obras.

    No terceiro captulo, confrontei os diferentes tipos de fontes, verificando a mudana de

    discurso dos presidentes a partir de 1870 no que diz respeito prosperidade da Colnia. Ao

    cruzar os relatrios dos presidentes de provncia, as peties e ordens de pagamento de

    trabalhadores, mostrei que a adoo de novas polticas imigratrias, sobretudo a partir do ano

    de 1875, acabam redirecionando os investimentos feitos na estrada do Assunguy.

    14 PARAN. Relatrio pelo vice-presidente da provncia do Paran Jos Luiz Francisco da Camara Leal ao

    presidente Jos Francisco Cardoso por ocasio de lhe entregar a administrao da mesma provncia em 2 de

    maio de 1859. Curityba: Typ. Paranaense de Candido Lopes, 1859. p.8. 15 PARAN. Relatrio apresentado Assemblia Legislativa pelo presidente Jos Francisco Cardoso na

    abertura da 1 sesso da 4 legislatura no dia 1 de maro de 1860. Curityba: Typ. de Candido Martins Lopes,

    1860. p.64.

  • 8

    CAPTULO 1

    A.a EMIGRAO: MELHOR PARA OS BURGUESES, MELHOR PARA OS

    POBRES

    A Europa do sculo XIX foi palco de uma srie de acontecimentos, marcados por

    guerras, revolues, unificaes e crises. Esses processos, intimamente interligados, mudaram

    a configurao social, poltica e econmica daquele continente, e seus desdobramentos foram

    sentidos do outro lado do oceano. Esses acontecimentos acabam por configurarem-se como

    fatores de expulso, levando milhares de pessoas a deixarem o Velho Mundo, ao mesmo

    tempo em que no Brasil, os fatores de atrao16

    impulsionaram a vinda destes imigrantes.

    Observar mais atentamente as mudanas e rupturas acima citadas ocorridas na Europa, bem

    como relacionar esses acontecimentos com o contexto brasileiro, e mais especificamente

    paranaense, torna-se fundamental para entender o processo migratrio para a Amrica.

    Dentre os acontecimentos mais marcantes para a reconfigurao poltica europia, est a

    Revoluo Francesa que, no sculo XVIII, ao alimentar ideais republicanos nos diversos

    pases da Europa central e a proclamao da Segunda Repblica na Frana em 1848,

    desencadeou uma srie de rebelies que formaram uma zona revolucionria em territrios que

    possuam polticas muito heterogneas17

    . Assim, os nacionalistas envolvidos na revoluo

    viam-se lutando contra um imprio multinacional dos Habsburgos. A revoluo fracassou em

    sua proposta de derrubar o regime, embora a poltica europia continuasse a ser dominada

    pelas mesmas aspiraes liberais, democrticas e nacionais, processo esse que culminou em

    diversas guerras, cujo aperfeioamento blico foi favorecido pelo capitalismo em expanso. A

    partir da Revoluo Francesa, aconteceram diversas mudanas fundamentais no perodo

    compreendido entre 1789 e 1848. A primeira dessas mudanas foi demogrfica e, favorecida

    pela dupla revoluo Francesa e Industrial iniciou um aumento da taxa de natalidade sem

    precedentes, cujo extraordinrio aumento da populao estimulou muito a economia,

    produzindo mais trabalho, principalmente trabalho jovem, e mais consumidores. Outra grande

    16 Os fatores de atrao foram brevemente citados por Joo Klug. KLUG, Joo. Dentre eles, esto a poltica de

    branqueamento da populao, a necessidade de ocupao de espaos na fronteira sul; a idia de criao de um

    segmento mdio rural com base na pequena propriedade familiar. Imigrao no sul do Brasil. In: GRINBERG,

    Keila, SALLES, Ricardo. O Brasil Imperial, volume III: 1870-1889. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,

    2009. p. 202. 17 A Alemanha e a Itlia discutiam a prpria existncia do Estado unitrio que deveria abranger um punhado de

    principados germnicos de vrios tamanhos e caractersticas sob uma perspectiva nacionalista, incluindo em seus

    projetos povos que no se sentiam alemes ou italianos. HOBSBAWM, Eric. A era do Capital: 1848-1875. Rio

    de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 28.

  • 9

    mudana refere-se s comunicaes, permitindo uma melhoria da velocidade e da capacidade

    de carga assim alcanadas. A ferrovia exemplifica bem essa mudana, pois facilitou a viagem

    entre cidade e campo, ligou as regies pobres s ricas, influenciando assim tambm no

    crescimento populacional, uma vez que catstrofes peridicas de fome e escassez de

    alimentos elevavam a mortalidade em tempos pr-industriais. Ainda uma terceira mudana

    favorecida pelas revolues relativa ao volume do comrcio e da emigrao dentro do

    continente europeu e intercontinental18

    .

    As mudanas acima citadas permitiram que entre o perodo entre 1848 e 1870 fosse

    palco de transformao e expanso econmica extraordinrias no s em continente europeu.

    O mundo consolida o capitalismo como modelo econmico e uma minoria de pases

    desenvolvidos transformam-se em economias industriais19

    . No entanto, esse processo

    transitrio alterou os destinos da maior parte da humanidade, que at meados do sculo XIX,

    era constituda, sobretudo, por homens do campo20

    . A terra ainda era um forte regulador da

    vida da maior parte das pessoas. Embora houvessem diferenas sociais, polticas e legais nas

    diversas reas cultivveis agrariamente, que Hobsbawm exemplifica comparando as plancies

    norte-americanas, as estepes do sul da Rssia e da Hungria e os pampas sul-americanos21

    , o que

    havia de comum por todo o mundo era a sujeio economia industrial mundial22

    , cuja

    tecnologia tornou possveis as conexes entre fronteiras antes inacessveis, atravs da

    introduo da estrada de ferro e do vapor. Como salienta Eric Hobsbawm,

    A transio para o modelo capitalista fez com que os homens perdessem os

    laos tradicionais com a terra de seus ancestrais - principalmente quando passaram a perceber que no poderiam mais tirar o sustento dela - e

    passassem a serem atrados pela nova demanda de trabalho nas indstrias

    urbanas, cuja dicotomia campo-cidade estava relacionada ao atrasado versus o progresso

    23.

    A transio citada acima acompanhada por uma nova diviso internacional do

    trabalho. A ampliao das fronteiras globais da mercadoria, possibilitada pelos novos meios

    de transporte (ferrovias, barcos a vapor), pela expanso financeira britnica e pelo papel cada

    vez mais importante dos Estados Unidos na economia-mundo capitalista aps a Guerra Civil,

    18 HOBSBAWM, Eric. Op, cit. p. 44. 19 Idem, p. 45. 20 Idem, p. 185. 21 Idem, p. 186. 22 Idem, Ibidem. 23 Idem, Ibidem.

  • 10

    unificou as trajetrias de espaos econmicos e humanos at ento cindidos, como o eram o

    Brasil e a Itlia24

    .

    A funo da expanso na economia moderna, alm de suprir alimentos e matria-prima

    em quantidades crescentes, tambm tinha por objetivo proporcionar o mais importante

    reservatrio de fora de trabalho para ocupaes no-agrcolas e capital para o

    desenvolvimento urbano e industrial. Em uma economia capitalista, a terra era um fator de

    produo e uma mercadoria peculiar por sua imobilidade e quantidade limitada de modo que a

    terra transformou-se em uma indstria como qualquer outra, uma mercadoria que ao objetivar

    a obteno do lucro, tornou-se uma fonte de trabalho, uma fonte de capital.

    A transformao da terra em mercadoria no pode ser separada da poltica do

    liberalismo econmico. Podemos citar como exemplo, o aumento da populao urbana

    italiana aps a unificao, aliada a uma intensificao das trocas mercantis. A unificao

    poltica italiana foi crucial para a acelerao de um mercado interno, uma vez que a

    ascendente burguesia deste pas centrou-se no seu fortalecimento atravs do Estado, criando

    artifcios como leis e obras pblicas, desenvolvendo uma rede de circulao que facilitasse a

    interligao entre os diferentes mercados regionais caractersticos da Itlia at ento. O

    liberalismo econmico, estreitamente ligado ao liberalismo poltico do Estado italiano,

    fortalece os poderes da classe hegemnica italiana, que se afirma ideolgica e

    economicamente, no movimento de expanso do capitalismo nos espaos agrrio e urbano,

    em que, como inerente a este modo de produo, alguns poucos concentram as terras e o

    capital enquanto a grande maioria dos indivduos tm condio de vida precria25

    .

    A concepo da terra na economia capitalista passou a chocar-se com a perspectiva dos

    camponeses ou senhores da terra, para os quais a terra no era apenas uma fonte de grande

    lucro, mas a prpria estrutura de vida26

    . O capitalismo poderia vir a minar as bases agrrias

    da estabilidade poltica da periferia dependente do Ocidente desenvolvido, pois, a transio

    para a produo de mercado e especialmente a exportao da monocultura rompiam as

    relaes sociais tradicionais e desestabilizava a economia. Dessa forma, a modernizao

    implicava tambm uma mudana poltica que colidia frontalmente com a sociedade agrria, o

    24 MARQUESE, Rafael de Bivar. Capitalismo, escravido e a economia cafeeira no Brasil no longo do sculo

    XIX. Texto apresentado Conferncia Internacional New Perspectives on the Life and Work of Eric Williams,

    realizada em 24 e 25 de setembro de 2011 no St. Catherines College, Oxford University, Inglaterra. 25 SAQUET, Marcos Aurlio. Os Tempos e os Territrios da Colonizao Italiana. Tese de Doutoramento em

    Geografia: Universidade Estadual Paulista. Presidente Prudente, 2001. p. 56. 26

    HOBSBAWM, Eric. Op. Cit. p.192

  • 11

    principal apoio do tradicionalismo, ao pressionar os diversos tipos de servido pr-

    capitalistas27

    . A presso desse antigo sistema de servido culminou com a migrao para as

    cidades e a conseqente formao de mo-de-obra barata nas fbricas que floresciam e

    avanavam por todo o continente europeu. Expulsos do campo, esses grupos sociais eram

    obrigados a aceitar baixos salrios, exaustivas jornadas de trabalho e viver em centros urbanos

    cada vez mais superpovoados e pauperizados. Dessa forma, estabeleceram-se as diversas

    ondas migratrias que acompanharam o desenvolvimento do capitalismo industrial e da

    transio demogrfica.

    Diante de tantas mudanas e reconfiguraes polticas, a segunda metade do sculo XIX

    marcada pelo comeo da maior migrao dos povos da Histria. Essas migraes davam-se

    de diferentes formas, podendo ser apenas xodo rural, interurbanas e tambm

    intercontinentais e transatlnticas. Foram possveis devido ao desenvolvimento econmico

    moderno, que alm de facilit-las, tornando-os tecnicamente baratas e mais simples atravs de

    comunicaes novas e melhores, tambm permitiu ao mundo possuir uma populao maior.

    Entre 1816 e 1850, perto de cinco milhes de europeus deixaram seus lugares de origem,

    sendo que quatro quintos deles emigraram para as Amricas.

    A maioria dos europeus emigrantes era de origem rural. O crescimento econmico

    gerou excedentes populacionais, que tiveram bastante incentivo para emigrar, principalmente

    porque as condies rurais eram muito ruins. Segundo Hobsbawm, as pessoas imigravam,

    sobretudo, por razes econmicas, ou seja, porque eram pobres. [...] A primeira onde de

    migrao de nosso perodo (1845-54) foi essencialmente uma fuga da fome ou presso da

    populao na terra. [...]28

    .J na primeira metade do sculo, o novo proletrio e os horrores

    incontrolveis da urbanizao foram palco de ateno das discusses entre polticos e

    administradores. Para a burguesia, a Europa era superpovoada por pobres, e a emigrao

    resolveria um problema duplo, pois ao mesmo tempo em que melhoraria as condies dos

    migrantes, aliviaria o mercado de trabalho.

    A.b A NOVA DINMICA COMERCIAL BUSCA SOLUES

    O desempenho da economia brasileira a partir da metade do sculo XIX cadenciado

    por importantes mudanas: a abolio do trfico de escravos, a criao de um novo regime de

    27 Idem, p. 193. 28 Idem, p. 210.

  • 12

    terras, o apoio vinda de imigrantes, a introduo do trabalho assalariado e a expanso do

    comrcio exterior, que permite uma nova dinmica do comrcio interno.

    A sociedade brasileira da primeira metade do sculo XIX assenta-se principalmente fora

    dos meios urbanos. Desde o incio da colonizao, o Brasil foi um pas essencialmente agrrio

    devido opo da metrpole e sua poltica de explorao de novas terras. Essa caracterstica

    da economia colonial desenhou profundos traos na fisionomia do Estado brasileiro, vindo a

    influenciar poderosamente sua histria poltica aps a independncia29

    . Sendo assim, a

    economia brasileira se define, nesse perodo, pelo predomnio da grande lavoura, como se pode

    atestar na citao de Alice P.Canabrava, presente na obra de Cludia Cristina Machado e Silva:

    O fato mais importante da economia brasileira no perodo monrquico foi o predomnio das exportaes do caf. Representando apenas 19,6% das

    exportaes brasileiras em 1822, o produto passou a liderar as exportaes

    brasileiras na dcada dos 30, assumindo assim o lugar tradicionalmente

    ocupado pelo acar desde o perodo colonial30

    .

    Desde a dcada de 1830, o caf ganhou significativa importncia ao mesmo tempo em

    que se verifica uma decadncia dos produtos da agricultura tradicional como o acar, o

    algodo e o tabaco e passa a ser a maior fonte de riqueza do pas, constituindo-se como

    principal elemento de sua economia, concorrendo para a consolidao do Estado Nacional31

    .

    Ao mesmo tempo em que o caf tornava-se o principal produto de exportao, os legisladores

    que representavam os grandes proprietrios afirmavam ressentir-se pela crescente falta de

    braos nas lavouras, o que comprometia a produo e a economia do pas. Assim sendo, a

    expanso da lavoura e a suposta falta de trabalhadores constituem a chamada crise na

    lavoura, traduzindo-se nas queixas dos cafeicultores desde a dcada de 1830. interessante

    notar que, como mostra Cludia Machado, no havia a tal crise na lavoura conforme diziam

    os deputados, uma vez que a entrada de escravos nesse perodo era macia, mas sim um

    mascaramento, pois no podiam falar a verdade abertamente em virtude dos tratados relativos

    ao controle do trfico feitos com o governo ingls desde a dcada de 181032

    .

    Aps a vinda da famlia real portuguesa para o Rio de Janeiro, um emprstimo de 600

    mil libras foi concedido ao governo portugus e seguido por um Tratado de Aliana e

    29 SILVA, Cludia Cristina Machado. Escravido e Grande Lavoura: O debate Parlamentar sobre a Lei de

    Terras (1842-1854). Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria, Departamento de

    Histria, Setor de Cincias Humanas Letras e Artes, Universidade Federal do Paran. Curitiba, 2006. p. 10. 30

    SILVA, Cludia Cristina Machado.Op. Cit. p. 11 31 Idem, Ibidem. 32 Idem, p. 12.

  • 13

    Amizade, que estabelecia os princpios para uma futura abolio do trfico33

    . Segundo

    Cludia Machado, pode-se justificar a presso inglesa pela sua posio no comrcio

    internacional, fruto do desenvolvimento do capitalismo na Europa34

    , onde a Revoluo

    Industrial assinalou grandes transformaes no mundo do trabalho. Uma grande massa de

    escravos nas regies coloniais poderia ser, sob o ponto de vista ingls, um entrave expanso

    dos mercados e modernizao dos mtodos de produo.

    As elites polticas brasileiras no consideravam o momento propcio para o fim do

    trfico, pois o trabalho escravo, mais do que nunca era importante para a grande lavoura.

    Embora os discursos no mbito parlamentar demonstrassem a indignao com as atitudes do

    governo ingls e com o executivo que assinara o Tratado [de 13 de novembro de 1826, pelo

    qual o Estado Brasileiro comprometia-se num prazo de trs anos aps a ratificao do

    Tratado, a abolir o comrcio ilegal de escravos] a revelia da Cmara35

    , sob a alegao de

    ferir a soberania do Estado, pode-se observar que havia por trs desses discursos os interesses

    ligados ao comrcio de escravos. Prova disso est no aumento significativo da importao de

    escravos, que mais do que duplicou nos anos seguintes assinatura do Tratado, justamente

    pelas ameaas do fim do trfico. Jaime Rodrigues no acredita que a falta de preparo da elite

    agrria brasileira fosse produto de uma eventual formao deturpada em comparao s

    matizes europias ligadas noo de progresso vigente no mundo dito civilizado, mas sim,

    pelo fato de que esses homens viviam numa sociedade cujos valores enraizados na

    escravido e nos interesses comerciais do trfico eram motivos suficientes para faz-los lutar

    pela manuteno do status quo36.

    Os legisladores sabiam que o fim do trfico era inevitvel e, h medida em que se

    aproximava o ano previsto para o impedimento legal do comrcio de africanos, passaram a

    mudar seu discurso, defendendo idias humanitrias, pautadas na condenao do trfico e nos

    maus tratos a que eram submetidos os escravos. Essa mudana de posio buscava defender o

    fim do trfico sob a legitimao de um argumento que aparentemente mostrasse que essa

    deciso teria partido na nao brasileira, e no da imposio do governo ingls.

    A fora do sistema escravista pode ser vista mesmo aps a aprovao da primeira lei

    antitrfico, em 1831, poca em estavam os liberais no poder, uma vez que tanto entre liberais

    quanto entre conservadores, haviam os que defendiam a continuidade do trfico. Alm disso,

    33 RODRIGUES, Jaime. O infame comrcio: Propostas e experincias no final do trfico de africanos para o

    Brasil (1800-1850). So Paulo: Editora da UNICAMP/CECULT, 2000. p. 97. 34 SILVA, Cludia Cristina Machado.Op. Cit. p. 15. 35 RODRIGUES, Jaime. Op. Cit. p. 103 36 Idem, p. 102-103.

  • 14

    o fim da escravido no foi reivindicado nem pelas Revoltas Regenciais, que tinham a

    participao dos escravos. Apesar da lei, nenhuma providncia foi tomada para aplic-la, e o

    trfico continuou abastecendo o mercado brasileiro, inclusive aumentando a partir de 1840.

    Apesar da importncia do trfico para a economia e sobrevivncia do Estado, o governo

    sabia que no poderia estend-lo definitivamente, e o fim da escravido passa a ser um objeto

    de preocupao para os legisladores do segundo reinado. Dessa forma, entra em voga o

    problema da mo-de-obra, cujo debate era pautado na substituio do trabalho escravo para o

    trabalho livre. Segundo Cludia Silva, posta a posta a necessidade de legislar sobre as

    mudanas na mo-de-obra, os parlamentares iniciam os debates sobre a forma de promover a

    imigrao, lanando as bases para o que eles chamariam de um perfeito sistema de

    colonizao37

    .

    A expanso dos mercados e o desenvolvimento do capitalismo mudaram os significados

    atribudos propriedade da terra em todos os pases atingidos direta ou indiretamente por esse

    processo. Ao mesmo tempo em que houve uma expanso das reas cultivadas para fins

    comerciais, houve uma reduo na agricultura de subsistncia. Onde a terra j havia sido

    parcialmente explorada, a expanso do mercado provocou um uso mais intenso, resultando na

    expulso de arrendatrios e meeiros, bem como das pequenas propriedades e das terras

    comunitrias. Parte da populao que antes se dedicava economia tradicional foi absorvida

    como trabalhador assalariado nas fazendas comerciais. Outros migraram para as cidades. As

    terras virgens passaram a servir ao trabalho agrcola.

    A partir dessa nova conjuntura econmica e dos novos conceitos de trabalho, diversas

    leis importantes que intencionavam regularizar a terra de acordo com as novas necessidades

    foram decretadas nos diversos pases durante o sculo XIX. Considerados os problemas

    relacionados apropriao territorial e s mudanas no mundo do trabalho, os legisladores

    ptrios passaram a ocupar-se, no incio do 2 Reinado, da elaborao de uma legislao

    agrria para o pas.

    O primeiro projeto sobre vendas de terras e colonizao foi apresentado em 8 de agosto

    de 1842. Nos intensos debates ocorridos nos meses seguintes, os Conselheiros analisaram a

    situao de sesmeiros e posseiros em situao irregular. No havia naquele momento uma

    legislao que regulamentasse a ocupao fundiria, j que desde julho de 1822, o Prncipe

    Regente proibiu a concesso de sesmarias. Segundo Cludia Silva:

    37 SILVA, Cludia Cristina Machado. Op. Cit. p. 23.

  • 15

    O instituto das sesmarias foi criado em Portugal, no sculo XIV, para

    resolver uma crise econmica. O problema residia na falta de terras para os

    trabalhadores, impossibilitando-os de produzirem e se alimentarem. Essa situao disseminou a fome por todo pas, formando-se um quadro de

    misria absoluta. Por outro lado, sobravam terras nas mos de senhorios que

    no as cultivavam, explicitando-se o mau aproveitamento dos recursos

    naturais do solo. Criado pelo rei D. Fernando, o instituto jurdico das sesmarias determinava a todos que tivessem terras torn-las produtivas,

    utilizando-se a fora de trabalho antes ociosa38

    .

    Caso a lei da sesmaria fosse descumprida, a Coroa teria o direito de tomar de volta a

    terra para ser redistribuda. A Coroa aplicou esse sistema na Colnia, mas como um objetivo

    diferente: a promoo do cultivo da terra se relacionou com a necessidade de colonizar o

    mundo recm-descoberto. A aquisio de um lote de pressupunha uma doao pessoal,

    baseada na avaliao do pretendente, considerando seu status social, suas qualidades pessoais

    e seus servios prestados Coroa39

    . Todavia, os sculos subsequentes (XVII e XVIII) vo

    presenciar o desvio do instituto, pois a limitao imposta para a concesso de sesmarias no

    foi respeitada, vindo a constituir em causa de criao de latifndios. Embora houvesse

    tentativas da Coroa em regularizar esse sistema, no surtiram efeito, nem puderam ocultar o

    aparecimento da figura do posseiro, aquele lavrador que ocupava as terras sem possuir ttulo

    que legitimasse sua ocupao40

    . Durante o perodo colonial, as sesmarias foram doadas a

    proprietrios de engenho, que mais tarde importaram mo-de-obra escrava. No entanto, havia

    grande quantidade de terra virgem disponvel, e os aventureiros do interior podiam controlar

    um pedao podiam sobreviver no mbito da economia de subsistncia. Esses sistemas de

    relaes sociais explicam a sobrevivncia das concepes tradicionais da terra. Mesmo no

    estando inclusos nas determinaes rgias, a Coroa no podia ignorar que estes homens

    aventureiros, os chamados posseiros estavam efetivamente cultivando as terras e,

    portanto, cumprindo um dos requisitos da colonizao41

    . Antes do primeiro reinado, a

    sesmaria constituiu-se um motivo de preocupao para o governo, que a via como um

    obstculo para o desenvolvimento da agricultura do pas, mas foi em 1822 que D. Pedro I

    suspendeu definitivamente essa prtica. Embora os sesmeiros tivessem o direito a terra, a

    Coroa reconheceu que eram os posseiros quem efetivamente nela produziam, passando assim

    a ter uma crescente importncia social. O fim da instituio da sesmaria no significou o fim

    38 SILVA, Cludia Cristina Machado. Op. Cit. p. 30. 39 COSTA, Emlia Viotti da. Da Monarquia Repblica: momentos decisivos. So Paulo: Fundao Editora da

    UNESP, 1999. P. 172 40 Idem, p. 32 41 Idem, Ibidem.

  • 16

    da categoria social dos sesmeiros, que, no entanto, ficaram em uma situao irregular pela

    ausncia de uma poltica agrria.

    A transferncia da Corte portuguesa e a transformao da Colnia brasileira em Reino

    Unido a Portugal e Algarve favoreceram o estabelecimento de polticas de colonizao com

    imigrantes europeus. Nesse contexto, em 1818, foram estabelecidos grupos germnicos de

    diversas origens na colnia sua de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro e na Colnia

    Leopoldina, na Bahia, em 1822. Esse tipo de empreendimento tinha objetivos muito

    especficos, como analisa Srgio Odilon Nadalin, quando afirma que,

    Pensava-se que esse tipo de estabelecimento, alm de povoar o Brasil, teria

    efeito pedaggico. Os imigrantes, introduzindo no pas novas e produtivas tcnicas agrcolas, ensinariam aos habitantes da terra as virtudes do trabalho.

    E, sobretudo vindos da Europa, havia a esperana de que poderiam

    branquear a populao brasileira42

    .

    Aps o perodo independente, com a suspenso da instituio da sesmaria, a ocupao

    tornou-se a nica forma de obter terra, criando uma situao anrquica no sistema da

    propriedade. A preocupao em ocupar as provncias meridionais evidencia-se cada vez mais

    com as polticas para povoar os chamados vazios demogrficos, pois se temia a perda do

    espao para os argentinos e no interior, para os bocotudos. As primeiras experincias

    migratrias, na primeira metade do sculo XIX, permitiram que imigrantes europeus de

    origem camponesa se radicassem em pequenas propriedades atravs do recebimento de terras

    do Estado e com a finalidade bsica de ocupao das regies inexploradas43

    . Para atender a

    esse anseio, foram criados ncleos coloniais em vrios estados, como nos estados do Rio de

    Janeiro, do Esprito Santo, de So Paulo, de Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.

    Aos imigrantes, por seu lado, tambm era colocada a oportunidade de prosperar na nova

    terra, ou pelo menos viver dignamente. A busca de oportunidade movia os colonos a

    emigrarem de sua ptria. Alguns qui vieram tambm por motivos polticos, decepcionados

    com a poltica reacionria aps as guerras napolenicas e atrados pela Imperatriz conterrnea

    no trono e pelo Imperador com a fama de liberal e constitucional.

    Decorridas as primeiras experincias coloniais (1812-1830) sem produzir resultados

    significativos, houve a interrupo dessa poltica em 1830. Segundo Joo Klug, pode-se dizer

    42 NADALIN, Srgio Odilon. Paran: ocupao do territrio, populao e migraes. Curitiba: SEED, 2001. p.

    30. 43 Cludia Silva salienta que o objetivo do Governo Imperial no estava na quantidade nem na origem dos

    imigrantes que viessem, mas sim na formao de uma camada mdia economicamente e socialmente

    independentes dos latifundirios. SILVA, Cludia Cristina Machado. Op. Cit.p.

  • 17

    que a poltica de imigrao/colonizao/povoamento desse perodo foi caracterizada pela

    irregularidade, pelo abandono e pelo desencorajamento44

    . Havia um grande isolamento dos

    ncleos coloniais, que ficavam distantes dos principais mercados do pas, levando os colonos

    a dispersarem-se pelo territrio em busca de melhores condies de trabalho. A esses fatores

    soma-se ainda a presso dos latifundirios escravistas, que baixam em 1830 uma lei que

    probe qualquer despesa por parte do governo com a imigrao e a colonizao de

    estrangeiros em qualquer parte do imprio. Os anos seguintes, marcados pela tenso poltica

    que culminou com a renncia de D. Pedro I em 1831 e com o Perodo Regencial, provocaram

    uma diminuio na implantao de colnias pelo corte de verbas a serem aplicadas no projeto

    migratrio. Entre 1829 e 1835 no foram registradas entradas de estrangeiros no pas, e nos

    anos seguintes foi insignificante.

    Ao mesmo tempo, como j foi dito, houve no territrio brasileiro uma ocupao cada

    vez maior dos fazendeiros de caf45

    , que viam a necessidade de legalizar a propriedade da

    terra e de obter trabalho. Dessa forma os ncleos de povoamento patrocinados pelo governo

    no atendiam aos interesses das elites agrrias, especialmente cafeeiras, que comeava a se

    ressentir das restries do trfico negreiro. Esse impasse descrito por Maria Lcia Bastos, ao

    afirmar que

    enquanto a burocracia governamental pretendia incentivar a vinda de

    imigrantes, dentro de um processo de ocupao de reas no povoadas, para

    civilizar o pas, vinculado a um processo de branqueamento, nos moldes europeus, os proprietrios desejavam mo-de-obra para substituir os

    escravos, que se tornavam cada vez mais caros e raros.46

    Diante dessa situao, a Lei de Terras expressou os interesses desses grupos e

    representou uma tentativa de regularizar a propriedade rural e o fornecimento de trabalho de

    acordo com as necessidades da poca. A Lei de Terras, decretada no Brasil em 1850, proibia a

    aquisio de terras pblicas atravs de qualquer outro meio que no fosse a compra,

    colocando um fim s formas tradicionais de adquirir terras. Assim, o problema da fora de

    trabalho e da regularizao da situao das propriedades ilegalmente adquiridas seria

    resolvido, ao mesmo passo em que o controle governamental era estendido a todo o territrio.

    44 KLUG, Joo. Imigrao no sul do Brasil. In: GRINBERG, Keila, SALLES, Ricardo. O Brasil Imperial,

    volume III: 1870-1889. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2009. p. 203. 45 O caf ganhou importncia comercial no sculo XIX, suplantando o acar. O alto preo desse produto no

    mercado mundial e o crescimento interno de sua produo demandavam um nmero cada vez maior de

    trabalhadores. Na primeira metade do sculo XIX, houve um significativo aumento no nmero de africanos que

    entravam no Brasil, mas no mesmo perodo difundiu-se a conscincia abolicionista e a denncia do regime

    servil. 46 NEVES, Lcia Maria Bastos Neves. O Imprio do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. P. 172.

  • 18

    A regularizao das terras, que como foi salientado acima, vinha sendo discutida desde

    1842, e culminou com um projeto de lei formulado pelo Conselho de Estado que foi

    apresentado Cmara dos Deputados no ano seguinte. Segundo o projeto, em uma regio de

    terra frtil, seria impossvel obter pessoas para trabalhar nas fazendas. A nica maneira de

    obter trabalho livre seria criar obstculos propriedade rural, de modo que o trabalhador livre

    fosse forado a viver nas fazendas. Dessa forma, as terras ocupadas, arrendadas ou

    inapropriadamente utilizadas deveriam voltar ao Estado como terras pblicas, que seriam

    vendidas por um preo suficientemente alto para dificultar a compra de terras pelos recm-

    chegados47

    . O aumento do preo da terra era visto pelos legisladores como um meio de

    melhora na produo, tornando-se mais eficiente e, alm disso, poderia acabar com outro

    vcio, o de grande nmero de arrendatrios que moravam na periferia das grandes fazendas

    custa do proprietrio. Outro argumento utilizado foi o de que as vendas das terras pblicas

    tornaria mais fcil a criao de um sistema de ferrovias e estradas, facilitando o acesso de

    mais pessoas ao mercado.

    Para os opositores do projeto, ele serviria apenas para atender aos interesses dos

    fazendeiros do Rio, de So Paulo e de Minas, que acreditavam que a escravido ainda era a

    melhor forma de trabalho em uma sociedade agroexportadora, assumindo uma viso

    pessimista quanto possibilidade de substituir escravos por imigrantes livres. Segundo Emilia

    Viotti da Costa:

    Eles estavam tambm desconcertados pela crescente interferncia do

    governo central na vida do pas e queriam garantir a independncia das

    autoridades locais. Os oponentes consideravam absurdo dificultar o acesso terra num pas onde a maioria da terra ainda devia ser ocupada. Alguns

    deles, realmente, recomendaram a adoo de uma poltica oposta: doao de

    terra para imigrantes como um meio de atra-los. [...] Suas perspectivas em

    relao ao problema da imigrao diferiam das perspectivas dos defensores do projeto. Para os oponentes, a questo no era suprir os fazendeiros de

    trabalho, mas colonizar o pas. Eles viam os imigrantes como agentes da

    civilizao. O projeto, conforme era compreendido, parecia obstruir o processo de civilizao

    48.

    Dessa forma, dois posicionamentos se confrontavam sobre a colonizao: de um lado,

    muitos legisladores defendiam os interesses dos cafeicultores, que queriam braos para suas

    lavouras. Em contrapartida, outros defendiam o sistema dos ncleos coloniais, patrocinado

    47 COSTA, Emlia Viotti da. Op. Cit. p. 177 48 COSTA, Emlia Viotti da. Op. Cit. p. 179-180

  • 19

    pelo governo e fundado no regime das pequenas propriedades49

    . Aps intensos debates o

    projeto de sesmarias e colonizao foi finalmente aprovado na Cmara, resultando na lei n 601 de

    18 de setembro de 1850. Comparativamente ao projeto apresentado na Cmara em 1843, embora a

    lei de terras tenha se revelado muito diferente da proposta original, acabou preservando em sua

    essncia os elementos que nortearam todos os debates e que constituam o motivo da solicitao

    do governo imperial ao Conselho de Estado: a imigrao estrangeira e a regularizao da

    propriedade territorial.

    Uma questo que uniu muitos dos que apoiavam o projeto e todos os que a ele se

    opunham foi a criao do Imposto Territorial. Uma das caractersticas da proposta original,

    inclusive, foi tratar as duas matrias de modo conexo, entendimento que predominou em

    todos os debates na Cmara e no Senado. No entanto, nos ltimos debates do projeto no

    Senado, os legisladores concordaram na convenincia de separar do projeto o imposto

    territorial, cujo produto seria destinado imigrao. Pela primeira vez o legislativo entendeu o

    problema da terra desvinculado da imigrao. To forte foi a oposio taxa que ela foi

    eliminada do projeto final. Ao ser abolido pelo senado o Imposto Territorial, o governo

    central viu diminudas suas fontes de recursos para promover a imigrao. Assim,

    contraditoriamente, a Lei de Terras imps uma derrota ao financiamento da imigrao. Em

    contrapartida, coube aos proprietrios de terra ligados do partido liberal os louros da vitria,

    confirmando a recusa da classe senhorial em aceitar a dominao monrquica50

    .

    A Lei de Terras mostra que, no jogo de foras polticas, os proprietrios rurais

    conseguiram fazer prevalecer seus interesses, reafirmando a incompatibilidade poltica entre a

    Coroa e os Bares. Para Jos Murilo de Carvalho, a lei das terras, na realidade, mostrou a

    incapacidade do governo central em aprovar ou implementar medidas contrrias aos interesses

    dos proprietrios na ausncia de presses extraordinrias, como sejam a ameaa externa ou a

    presso do Poder Moderador51

    . A recusa ao imposto por parte de alguns proprietrios rurais,

    avessos centralizao, revelou o continusmo e a fora poltica dos senhores de terra, que

    dominaram o cenrio poltico durante o Imprio. Alm disso, revelou tambm que o discurso

    parlamentar vinha reforar a imagem de um Brasil agroexportador. O que preocupava as elites

    polticas naquele momento no era a poltica de povoamento e sua influncia cultural para o

    pas, mas a garantia de que nas lavouras de caf no faltaria mo-de-obra, pois, os

    49 SILVA, Cludia Cristina Machado. Op. Cit. p.103. 50 SILVA, Cludia Cristina Machado. Op. Cit. p. 125 51 CARVALHO, Jos Murilo. A construo da Ordem: a elite poltica imperial. Teatro de sombras: a poltica

    imperial. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003. p. 350.

  • 20

    legisladores na dcada de 1840 no se pautavam ao progressos e modernizao, mas sim,

    agricultura.

    Os proprietrios rurais, conscientes da necessidade de um novo tipo de trabalho para

    substituir o escravo, recorreram imigrao como um novo tipo de trabalho para suprir as

    novas demandas. Segundo Cludia Cristina Machado e Silva,

    ao omitir a questo dos impostos, o Regulamento assinala uma contradio

    com objetivo da lei, que era promover a imigrao de trabalhadores europeus. Pode-se concluir desse fato que a lei de terras fracassou em seu

    principal objetivo, demonstrando que o governo, naquele momento, no

    conseguia aprovar medidas que contrariassem os interesses senhoriais. Para compreendermos a recusa das elites provinciais s propostas de colonizao

    devemos considerar as diversas clivagens regionais, ou seja, as

    especificidades prprias a cada provncia que podia conformar-se ou no s proposies do projeto de colonizao

    52.

    A autora ainda aponta que ao analisar as oposies lei, pde verificar que pela fala

    dos legisladores de muitas provncias, no havia concordncia por parte delas com os

    princpios adotados pelo projeto, devido s peculiaridades locais, muito diversas da capital do

    Imprio, no se mostrando receptivas sua implementao, rejeitando custos da colonizao,

    medies, demarcaes ou qualquer medida que lhes acarretassem nus e grandes despesas.

    O prestgio econmico e social que os cafeicultores detinham permitiu que tivessem

    uma forte representao poltica que, consequentemente, facilitou a obteno de auxlio

    governamental para a manuteno do fluxo de imigrantes. A partir de 1870, o Estado

    comeou a atuar efetivamente na imigrao para a lavoura do caf, com a imigrao

    subvencionada para o estado de So Paulo. Essa prtica migratria objetivava a obteno de

    mo-de-obra nas lavouras cafeeiras. A despeito da oposio dos latifundirios paulistas, o

    estmulo imigrao destinada pequena propriedade manteve-se para incentivar a

    agricultura de abastecimento que era crtica em muitas provncias. Visando atender aos

    interesses provinciais, as companhias que promoviam a imigrao encaminhavam emigrantes

    para o Brasil, num processo de proliferao de estabelecimentos coloniais na Serra Gacha,

    no Vale do Itaja, em Santa Catarina, e no Vale do Iguau, no Paran. Os recursos provinciais

    eram escassos e as provncias acima citadas enfrentavam a oposio dos latifundirios locais,

    que tambm se opunham pequena propriedade em outras regies do Brasil, como na Bahia,

    cujas colnias agrcolas tiveram que ser estabelecidas no sul dessa provncia, distante do

    Recncavo, onde se concentrava a produo aucareira. Nesse sentido,

    52 SILVA, Cludia Cristina Machado. Op. Cit. p.127.

  • 21

    correm paralelas duas orientaes e duas prticas imigratrias no Brasil:

    uma oficial, quando o Governo cria ncleos oficiais de estrangeiros; e outra

    particular, mas estimulada por fatores governamentais, que visa a obteno de trabalhadores agrcolas para as grandes fazendas. Essa situao decorre da

    carncia de mo de obra para a agricultura de exportao e da necessidade de

    pequenos proprietrios produtores da lavoura de subsistncia53

    .

    Nesse sentido, em vrias provncias, a agricultura de subsistncia orientou a poltica

    imigratria, como foi o caso da recm-emancipada provncia do Paran, em 1853.

    A.c - NOVA PROVNCIA, DIFERENTES PROJETOS

    Dentre as vrias provncias cuja imigrao visou o abastecimento, est a Provncia do

    Paran. O Paran surge no sculo XVII. Paranagu elevada a vila em 1648 e Curitiba, em

    1693. Os Campos Gerais comeam a ser ocupados no sculo XVIII e os Campos de

    Guarapuava foram conquistados no incio do sculo XIX. Segundo Ricardo Costa de Oliveira,

    foi uma ocupao lenta, difcil e rarefeita54

    . A ao poltica da classe dominante dessa

    provncia vai permitir sua emancipao da Provncia de So Paulo em 1853. O norte cafeeiro

    e o oeste do Paran sero ocupados apenas no sculo XX.

    No ano de 1853, cria-se a Provncia do Paran, cujo processo de integrao econmica

    e social at ento, havia se definido nos quadros de um sistema voltado exclusivamente para

    exportao: a economia da pecuria predominando nos Campos Gerais e a economia do mate,

    mais urbana, que mobilizava escravos e homens livres e onde se investia a maior parte dos

    capitais55

    . Segundo Balhana, Machado, Westphalen,

    Foram os homens do comrcio exportador da erva mate [...] bem como aqueles do comrcio de muar [...] os que trabalharam e obtiveram em 1853 a

    emancipao poltico-administrativa da Provncia do Paran, e que

    constituiriam as oligarquias polticas dominantes em todo o territrio provincial

    56.

    Desde 1821, o capito Bento Viana, juntamente com as autoridades da Comarca,

    iniciaram um movimento registrado como Conjura Separatista. A conjura separatista insere-se

    53 BALHANA, Altiva. MACHADO, Brasil Pinheiro. WESTPHALEN, Ceclia Maria. Histria do Paran.

    Curitiba: Grafipar, 1969. p. 161. 54 OLIVEIRA, Ricardo Costa. O silncio dos vencedores: Genealogia, Classe Dominate e Estado do Paran.

    Curitiba: Moinho do Verbo, 2001. p. 2. 55 Segundo Ruy Warchowitz, em 1853, possua o Paran 90 engenhos de beneficiamento do mate, tendo o

    produto paranaense alcanado grande consumo nos mercados de Buenos Aires, Valparaso, Montevideu e Rio de

    Janeiro. A explorao do mate fez surgir no Paran um certo bem estar e confiana no futuro, chegando a formar

    uma classe mdia, que, devido sua posio conquistada na sociedade, vo exercer forte influncia na poltica

    local. WARCHOWICZ, Ruy. Histria do Paran. Curitiba: Imprensa Oficial do Paran, 2002. p. 96. 56 BALHANA, Altiva. MACHADO, Brasil Pinheiro. WESTPHALEN, Ceclia Maria. Op. Cit. p. 113.

  • 22

    profundamente na histria do revolucionarismo brasileiro no sculo XIX quando havia um

    intento das Comarcas de separarem-se das Provncias e se tornarem Provncias. Os ideais do

    liberalismo no Brasil despertaram a vontade de derrubar todos os poderes que se sobrepunham

    ao poder local.

    Aps diversos embates com as elites paulistas, D. Pedro II sanciona a lei que cria a

    Provncia do Paran, com capital em Curitiba: em nome da segurana do Estado Brasileiro e

    em atendimento s elites locais, que almejavam dirigir, com mais autonomia, as suas

    atividades econmicas. Segundo Marion Brephol de Magalhes, a emancipao foi uma

    concesso estratgica do governo imperial para aplacar o descontentamento dos liberais com a

    excessiva interferncia do poder central nas provncias, bem como contra os impostos

    cobrados pelas exportaes57

    .

    A recm criada Provncia, desprovida de recursos financeiros, descrita no discurso

    do primeiro Presidente de Provncia, Zacarias Goes de Vasconcellos como atrasada58

    . Para

    tanto, o discurso poltico inseria-se nas necessidades a serem primeiramente atendidas: a

    emancipao financeira, o estabelecimento de um sistema de estradas que facilitasse as

    comunicaes - descarregando as despesas com o transporte e aumentando os rendimentos da

    Provncia -, a instruo pblica, a transferncia da feira de Sorocaba para Castro e a melhoria

    do gado com as fazendas experimentais.

    Baseando-se em informaes que solicitara s cidades, Zacarias de Goes e

    Vasconcellos constatou que embora o mate representasse o ramo preponderante da indstria

    paranaense, essa atividade econmica sofria graves perigos. O primeiro era da temvel

    concorrncia das ervas paraguaias e missioneiras nos mercados de Buenos Aires e

    Montevidu. O segundo referia-se ao excessivo nmero de pessoas que trabalhavam no ramo

    das erva mate, aplicando-se fora de trabalho e capital em maior proporo do que ela

    realmente comportava e dessa forma, trazendo graves conseqncias para o harmnico

    desenvolvimento econmico-social da Nova Provncia59

    . Soma-se a esses perigos as fraudes

    que objetivavam maior lucro ao introduzir-se folhas estranhas na preparao da erva.

    Os inconvenientes acima citados levaram o Presidente da Provncia a aconselhar os

    moradores do Paran para que gradualmente fossem deixando a indstria do mate e se

    57 MAGALHES, Marion Brepohl de. Paran: Poltica e Governo. Curitiba: SEED, 2001. p. 23. 58 Segundo Altiva Balhana, Brasil Pinheiro Machado e Ceclia Maria Westphalen, as estradas da Provncia, por

    sua vez, encontravam-se intransitveis, e era preciso melhorar, sobretudo, aquelas da Graciosa e da Mata.[...] Era

    preciso ainda, serem abertas outras vias de comunicao, onde apenas algumas picadas eram encontradas.

    BALHANA, Altiva. MACHADO, Brasil Pinheiro. WESTPHALEN, Ceclia Maria. Op. Cit. p. 115 59 Idem, p. 110-111

  • 23

    aplicassem s atividades agrcolas favorecidas pelo meio paranaense60

    . Com a expanso do

    comrcio externo, o setor de subsistncia da Provncia teria que responder pela produo de

    excedente, desafio este imposto pelo novo mercado interno em constituio. Segundo

    Antunes, foi diante dessa situao que se procurou estabelecer polticas econmicas e sociais

    para a Provncia do Paran, que evidenciassem conciliar interesses da economia de exportao

    com aqueles voltados para a produo de gneros alimentcios, indispensveis populao61

    .

    Essa poltica pode ser observada quando Zacarias Goes de Vasconcellos, o primeiro

    presidente dessa Provncia, solicitou Assemblia Provincial que se desenvolvesse o cultivo

    de trigo, do caf e do ch62

    . Na dcada de 1850, o privilgio ao universo do mate, ligado s

    necessidades do capital internacional, impediu a circulao de novos capitais que seriam

    importantes para a diversificao da economia. Os estmulos economia do mate foram

    implementados durante a fase inicial da emancipao por diversos presidentes da Provncia

    atravs de regulamentos que possibilitaram melhores condies de comercializao.

    Embora a poltica paranaense possa ser caracterizada por uma poltica dividida entre

    liberais e conservadores, ou seja, oligarquias que escolhiam pessoalmente os seus bacharis

    para represent-los no governo, possuindo plataforma poltica que os distinguiam entre si,

    duas preocupaes foram comuns a praticamente todos os governos: o povoamento do

    territrio e a segurana. Mesmo que a poltica imigratria de substituio de mo-de-obra

    tenha sido originalmente projetada pelas oligarquias paulistas, a regio Sul tambm foi

    contemplada, desde o Imprio, com recursos destinados colonizao, pela necessidade de se

    preencher os vazios demogrficos das regies de fronteira, garantindo assim a ocupao

    efetiva do territrio. Houveram vrias experincias colonizatrias pr-emancipao da

    Provncia, porm todas foram mal-sucedidas. O programa de colonizao, desenvolvido pelo

    Governo Imperial, instalou, em 1828, vinte famlias de colonos alemes em Paranagu.

    Porm, a entrada indiscriminada de imigrantes e os vrios fracassos em muitos

    empreendimentos provocaram crticas s iniciativas governamentais, culminando com a

    proibio de qualquer despesa pblica com o estabelecimento de ncleos coloniais atravs da

    lei de 15 de dezembro de 1830. Novos ncleos, agora por iniciativa particular, foram

    formados, como a instalao da Colnia Thereza, fundada por Joo Faivre em 1847,

    margem direita do Iva, e do Superaguy, em Guaraqueaba, fundada em 1852 por Carlos

    Perret Gentil, onde foram instalados alguns colonos suos, franceses e alemes. Estes ncleos

    60 No que se refere agricultura, o Paran contava com poucas lavouras de arroz e da cana. 61 SANTOS, Carlos Roberto Antunes dos. Op. Cit. p. 49. 62 BALHANA, Altiva. MACHADO, Brasil Pinheiro. WESTPHALEN, Ceclia Maria. Op. Cit. p. 112-113.

  • 24

    foram estabelecidos em funo de povoar os vazios demogrficos63

    , no tiveram condio de

    prosperidade e quase nem mesmo sobreviveram.

    Como j foi salientado no tpico anterior, a mudana governamental relativa ao

    problema imigratrio sofrera alteraes a partir de 1840, quando a necessidade de obteno de

    mo-de-obra para os cafezais em expanso entrou em pauta. A imigrao para o sul do Brasil

    gerou um modelo de colonizao bastante diferente daquele do portugus no antigo sistema

    colonial, inserindo uma nova ordem na qual as teorias raciais ganhavam espao e

    consistncia, colocando o regime de escravido, no mnimo, sob um holofote interrogativo64

    .

    A partir do decreto que regulamentou a Lei de Terras, foram tomadas em considerao as

    condies peculiares das diversas provncias, como a do Paran, onde no existiam grandes

    propriedades rurais exigindo mo-de-obra assalariada em grande escala.

    A importao de mo-de-obra para a agricultura de subsistncia orientou a poltica

    imigratria paranaense, pois se buscava desenvolver uma poltica que se adaptasse s novas

    condies particulares da Provncia recm-instalada. Ao contrrio de outras regies do

    imprio, onde a imigrao se destinava a suprir a carncia de mo-de-obra na grande lavoura

    de exportao, no Paran, exceto sob eventual introduo de trabalhadores em obras pblicas,

    o problema imigratrio foi desde logo colocado no sentido de criar-se uma agricultura de

    abastecimento. O relatrio do Vice-Presidente Jos Antnio Vaz de Carvalhaes evidencia essa

    peculiaridade no ano de 1857:

    No h por ora na provncia estabelecimentos mais importantes, que

    demandem para o seu custeio grande nmero de braos, nem a indstria agrcola se acha nela em tal p que se torne praticvel o sistema de parceria,

    que to bons resultados tem produzido na provncia vizinha. [So Paulo]

    Assim, se o governo provincial quiser promover a colonizao, na escala em

    que a autoriza o oramento vigente, ou h de ser por meio de venda que terras devolutas aos colonos, ou empresas que quiserem import-los, ou h

    de ser empreendedor na indstria, montando por sua conta prpria

    estabelecimentos agrcolas e coloniais onde os colonos apenas importados, achem logo trabalho apropriado e lucros correspondentes [...] Fica entendido

    que, quando assim me exprimo, refiro-me unicamente colonizao

    propriamente dita, isto , que se promove no intuito de cultivar as nossas terras, e no importao, por conta do governo, de operrios e de gente

    prpria para o servio de estradas e obras pblicas, aos quais nunca pode

    63 Segundo Reinaldo Nishikawa, na Provncia do Paran o povoamento foi uma tentativa de proteger as terras

    tanto de pases estrangeiros quanto de outras Provncias, como foi a disputa acirrada entre as Provncias de

    Paran e Santa Catarina por territrios. NISHIKAWA, Reinaldo. Terras e imigrantes na colnia Assungui.

    Paran, 1854-1874. Dissertao de mestrado, Universidade de So Paulo, 2007. p. 40. 64 KLUG, Joo. Op. Cit. p. 207.

  • 25

    faltar pronta ocupao e imediatos lucros numa provncia nova, balda do

    pessoal preciso aos trabalhos desse gnero65

    .

    Os relatrios apresentados pelos Presidentes de Provncia do ano seguinte demonstram

    que os rumos que seguiria a poltica imigratria estavam melhores definidos na provncia

    paranaense. Essa constatao pode ser vista no relatrio do Presidente Francisco Liberato de

    Mattos:

    No contando a provncia proprietrios habilitados a receber colonos por

    salrio ou parceria, porque, como sabeis, sua lavoura a chamada

    pequena, portanto a que menos se presta colonizao por aqueles meios,

    pela venda ou aforamento de pequenos lotes de terra por mdico preo, que h de se realizar, em meu entender, a colonizao nesta provncia

    66.

    Dessa forma, as autoridades provinciais defendem o principio de que os cofres

    pblicos deveriam financiar a imigrao destinada a agricultura, embora houvesse uma grande

    defasagem de trabalhadores paras as obras pblicas na Provncia. Alm disso, a imigrao

    aparece como um fator de progresso agrrio, pois no mesmo relatrio citado acima o

    Presidente constata que s a partir da introduo e do povoamento de colonos morigerados e

    laboriosos, que, conhecedores de processos mais acabados, e habituados ao uso de

    instrumentos mais vantajosos ao maneio e cultura das terras67

    , apareceria a abundncia dos

    gneros alimentcios, cujas sobras do consumo iro dar nova vida ao comrcio de exportao

    dos produtos agrcolas68

    . Dessa forma, a imigrao aparece no s como um remdio contra

    a decadncia da produo agrcola, mas sim como um fator de progresso agrrio, uma vez que

    se atribua aos colonos o conhecimento de processos mais acabados, e habituados ao uso de

    instrumentos mais vantajosos ao maneio e cultura das terras69

    .

    Os recursos da Provncia, no suficientes para empreender a vinda de imigrantes,

    fazem as autoridades provinciais recorrerem ao Governo Imperial na ajuda de recursos,

    exaltando as medidas tomadas pelo governo central:

    Felizmente os poderes do Estado compreendendo toda a importncia da

    colonizao nas circunstncias atuais do pas, e vendo malogradas as diversas tentativas, que se tem feito em vrios pontos do Imprio, no intento

    de promover-se a emigrao, habitaro o governo imperial com amplos

    65 Relatrio apresentado Assemblia Legislativa Provincial, em 7 de janeiro de 1857, pelo Vice-Presidente Jos

    Antnio Vaz de Carvalhaes, p. 45 Cyritiba, 1857. In: BALHANA, Altiva. MACHADO, Brasil Pinheiro.

    WESTPHALEN, Ceclia Maria. Op. Cit. p. 161. 66 Relatrio do Presidente Francisco Liberato de Mattos, apresentado na abertura da Assemblia Legislativa

    provincial em 7 de janeiro e 1858, p. 21. Curyriba, Typ. Paranaense, 1858. In: BALHANA, Altiva. MACHADO,

    Brasil Pinheiro. WESTPHALEN, Ceclia Maria. Op. Cit. p. 162. 67 Idem, Ibidem. 68 Idem, Ibidem. 69 Idem, Ibidem.

  • 26

    meios, para cuidar desse ramo de servio, a que o mesmo governo acaba de

    dar valioso impulso celebrando com a Associao Central de Colonizao

    um contrato, pelo qual se obriga a importar avultado nmero de colonos70

    .

    Para efetuar a imigrao, a deciso tomada pelos governos Provincial e Central foi a

    de criar uma grande colnia formada por colonos, tanto nacionais como estrangeiros, e que se

    dedicassem exclusivamente agricultura. Estava assim, inaugurado segundo modelo

    governamental de implantao de imigrantes no Paran, com a fundao da Colnia

    Assungui, estabelecida em regime de pequenas propriedades, localizada a 109 km de Curitiba,

    no ano de 1859.

    70 Mattos, Francisco Liberato de. Op. Cit. p. 35. In: BALHANA, Altiva. MACHADO, Brasil Pinheiro.

    WESTPHALEN, Ceclia Maria. Op. Cit. p. 162.

  • 27

    CAPTULO 2

    B.a NOVAS POLTICAS, NOVOS ANSEIOS

    A economia paranaense do sculo XIX baseava-se na produo para exportao de

    erva mate e tambm no comrcio de tropas muares, levando ao emprego da maioria da

    populao residente na provncia e culminando com uma crise endmica de abastecimento.

    Com a exportao sustentando a economia, o abastecimento dessa populao era feito

    predominantemente pela importao de artigos do exterior e de outras Provncias, as

    exigncias do consumo eram defasadas.

    As novas polticas provinciais no podem ser dissociadas da composio da classe

    dominante paranaense do sculo XIX. A elite estatal na sua formao no incio do sculo

    XIX um apndice da classe dominante, onde um conjunto de famlias dessa mesma classe

    deslocava-se do controle dos meios de produo para o controle dos meio burocrticos dos

    diferentes ramos do aparelho de Estado. Esses agentes sociais muitas vezes supriam cargos de

    rotatividade burocrtica em nvel nacional, e a eles cabia a estrutura do processo de

    modernizao da sociedade e do Estado no perodo, uma vez que mantinham posies

    relevantes em cada uma das instituies nas quais se apia o poder estatal. O Bacharel em

    Direito constituiu um dos elementos do processo de modernizao do Brasil na segunda

    metade do sculo XIX71

    . Muitos bacharis atuaram como presidente de Provncia no Estado

    do Paran, e boa parte deles vieram das regies mais antigas do pas. Os bacharis foram a

    grande novidade na primeira Assemblia Provincial paranaense, pois essa nova elite poltica

    do Imprio teria um papel fundamental na padronizao e modernizao burocrtica. Uma

    caracterstica muito presente entre os presidentes da provncia era a circulao geogrfica.

    Alguns polticos foram de fato quase que administradores profissionais de provncias72

    . Jos

    Murilo de Carvalho, ao estudar a elite imperial, atenta para a grande mobilidade dos

    presidentes, que a partir de 1840 permaneciam em mdia 1,2 anos no cargo. Isso prejudicava

    a parte administrativa, mas sem dvida contribua pra fornecer experincia poltica a um

    grande nmero de pessoas, alm de dar-lhes oportunidades de conhecer melhor o pas e

    desenvolver uma perspectiva menos provinciana73

    .

    Os discursos dos presidentes de Provncia e suas aes passam, a partir da

    emancipao da provncia do Paran, a visar a recuperao da produo de alimentos e

    estabelecer polticas de abastecimento. Tais discursos esto atrelados as mudanas da

    71 OLIVEIRA, Ricardo Costa. Op. Cit. p. 109. 72 CARVALHO, Jos Murilo. Op. Cit. p. 95. 73 Idem, p. 96.

  • 28

    sociedade, como a questo da transio para o trabalho livre, que passa a ser visto como

    atributo bsico da dignidade, do esforo reconhecido e da produo de riquezas, fator que

    explica a exigncia de trabalhadores imigrantes laboriosos e morigerados. Os objetivos de

    uma moderna poltica de colonizao visavam atingir os trabalhadores livres, dentro do

    processo de transio da sociedade brasileira para o capitalismo. O desenvolvimento do pas

    passa a ser vinculado produtividade do trabalhador livre, fundado na sua condio de pessoa

    autnoma74

    , que representava o novo tempo, o progresso e a civilizao. A vinda de

    imigrantes era uma forma de modernizao burguesa. Os imigrantes provenientes das diversas

    regies dedicar-se-iam ao progresso material, porque a imigrao uma seleo de pessoas

    que almejam a mobilidade social; o imigrante no cria o processo de transformao burguesa,

    ele mais um dos seus componentes75

    .

    Os esforos para estimular a instalao de imigrantes europeus podem ser constatados

    em relatrios provinciais. No ano de 1859, o presidente da Provncia do Paran, Francisco

    Liberato de Mattos, faz uma ressalva em seu relatrio:

    Em fins de 1857 alguns alemes requereram comprar lotes do 1 territrio,

    medido no Assunguy, e informaram que, outros existentes na colnia D. Francisca, estavam com a mesma inteno, pela notcia que tinham da

    fertilidade daquelas terras.

    Com o intuito de aproveitar essas disposies, e encaminhar para

    aquele importante ponto braos teis, aps os quais outros viriam, pedi autorizao ao governo imperial, e me foi dada por aviso de 21 de janeiro do

    ano passado, para vender em lotes 2/4, sendo um em hasta publica e outro

    fora desta76

    .

    Feito este pedido, o Presidente afirmou que os pretendentes das terras foram comunicados de

    sua disponibilidade, mas no podiam pagar a vista a importncia dos lotes para comearem

    sua cultura. No apareceram outros compradores, mas o governo imperial ordenou que o

    presidente escolhesse dentre os dois quartos daquele territrio o melhor local para uma futura

    povoao, mandando fazer casas para acomodar 20 famlias que ali iriam se alojar aps a

    concluso desse servio. No entanto, no mesmo relatrio, o presidente salienta que o governo

    imperial, aps feitas as medies do segundo territrio, mandou transferir para esse local a

    povoao e diminuir o preo das terras.

    74 SANTOS, Carlos Roberto Antunes dos. Op. Cit. p. 63. 75 OLIVEIRA, Ricardo Costa. Op. Cit. p. 68. 76 PARAN. Relatrio apresentado a Assemblia Legislativa Provincial do Paran no dia 7 de janeiro de 1859 pelo presidente da provncia do Paran Francisco Liberato de Mattos. Curityba: Typ. Paranaense de Candido

    Lopes, 1858. p. 18.

  • 29

    A Colnia do Assunguy foi fundada em 1859, em colaborao com o governo

    imperial. Era formada por trs territrios, constituindo uma rea de 18 mil braas quadradas,

    subdivididos em 36 lotes de 500 braas quadradas de lado. O primeiro planalto paranaense foi

    escolhido para se iniciar o projeto de colonizao, em um perodo que se estende de 1850-

    185977

    . A distncia da Colnia em relao capital Curitiba - aproximadamente 100 km -

    explica-se pelo fato de os primeiros empreendimentos de colonizao terem em vista tambm

    o povoamento, por isso localizavam-se em regies de baixa densidade demogrfica. A nova

    poltica imigratria visava a instalao dos colonos nos chamados vazios demogrficos, ou

    seja, lugares em que no havia brancos colonizadores, julgados como uma populao

    disciplinada, habituada ao trabalho ordenado e regular, com moradia fixa. Segundo Ruy

    Warchowicz, a referida colnia tinha a finalidade de sanear a falta de alimentos para baixar a

    carestia e equipar-se a Santa Catarina, uma vez que essa provncia foi beneficiada com a

    fundao de duas grandes colnias, Blumenau e Dona Francisca (Joinville)78

    .

    Para atender demanda do fluxo de imigrantes para o Paran, foram contratadas

    pessoas destinadas a demarcao, medio e regulamentao das terras, que mediam e

    legalizavam os terrenos destinados a criao de colnias em Assunguy. O Presidente

    Francisco Liberato de Mattos afirmou em 1858 que acham-se medidos no Assunguy trs

    territrios inteiros e cinco permetros de territrio, sendo aqueles subdivididos em lotes de

    250 mil braas quadradas79

    . Ainda no ano de 1859, o ento presidente Jos Francisco

    Cardoso, ordenou a demarcao do terceiro territrio do Assunguy. No entanto, a abertura de

    colnias se fazia de forma precria. Uma vez escolhido o local, instalavam-se os ranchos da

    administrao, um ancoradouro e galpes para alojar os imigrantes enquanto estes

    aguardavam a demarcao dos lotes. Na maior parte das colnias houve um povoamento

    disperso, em fileiras, apesar da regularidade de distribuio dos lotes. Os colonos residiam no

    prprio lote, e por isso utilizada a expresso povoamento disperso, no sentido de que no

    formaram povoaes compactas, a partir da qual os lotes foram demarcados, diferenciando,

    assim, o povoamento no Sul do Brasil das aldeias camponesas europias de onde os

    imigrantes procederam. Segundo Gyralda Seyferth,

    uma picada principal, aberta na floresta, servia de ponto de partida para a

    demarcao dos primeiros lotes, alongados, paralelos uns aos outros, em

    77 NISHIKAWA, Reinaldo. Op. Cit. p. 86. 78 WARCHOWICZ, Op. Cit. p. 148. 79 PARAN. Relatrio do presidente da provncia do Paran Francisco Liberato de Mattos na abertura da

    Assemblia Legislativa Provincial em 7 de janeiro de 1859. Op. Cit. p. 19.

  • 30

    ambos os lados da picada, fazendo frente com ela. As picadas constituam as

    linhas coloniais principais e serviam como primeira via de penetrao.

    Perpendiculares a elas foram abertos os travesses, onde lotes eram demarcados da mesma forma. Picadas e travesses, em geral,

    acompanhavam cursos dgua. A ocupao das reas coloniais foi assim

    determinada pelo prprio relevo. [...] As linhas coloniais com o tempo, se

    transformaram em estradas80

    .

    O vice-presidente Jos Luiz Francisco da Camara Leal, ao entregar a administrao da

    provncia ao presidente Jos Francisco Cardoso em maio de 1859, vai salientar a inconvenincia de

    instalar no territrio do Assunguy colnias sem vias de comunicao que as aproximem dos

    mercados, onde devem ter consumo os produtos de seus trabalhos.81

    neste mesmo ano que

    as vias de comunicao entre as Colnias e os mercados vo comear a constituir um motivo

    de preocupao entre os agentes pblicos, pois se acredita que a construo de uma estrada

    que ligue a colnia do Assunguy com a capital e com a Colnia Dona Francisca, pode

    fornecer a migrao espontnea de colonos que no obtiveram sucesso na primeira colnia

    para o Assunguy. Dessa forma, para o vice-presidente citado, o maior nmero de vias de

    comunicao pode produzir muitos passageiros, mas afinal traz consigo progresso e aumento

    de riquezas82

    .

    B. b A SALA DE VISITAS PARA OS RECM-CHEGADOS: QUE VENHAM AS

    PRIMEIRAS FAMLIAS

    O primeiro desafio das autoridades provinciais foi o de atrair os imigrantes para o

    Paran e, alm disso, impedir que a regio se tornasse uma parada temporria. A formao

    dos ncleos era um desafio, uma vez que toda a Amrica estava a procura de trabalhadores

    que sassem de seus lares e se aventurassem em outros pases. Para que as aspiraes dos

    governantes se efetivassem, tornou-se importante o papel do empresrio de colonizao, que

    atraa e fixava o colono. Esses empresrios mantiveram-se por um bom tempo como

    responsveis por trazer, negociar, controlar e inaugurar colnias de trabalhadores na Provncia

    do Paran na segunda metade do sculo XIX83

    . A maioria dessas pessoas era letrada, e suas

    profisses geralmente mdicos, engenheiros, advogados eram como cartes de visitas para

    se apresentarem ao governo provincial. Eram vistos pelos colonos como aqueles que

    80 SEYFERTH, Giralda. Imigrao e Cultura no Brasil. Braslia: Editora Universidade de Braslia, 1990. p. 22. 81 PARAN. Relatrio pelo vice-presidente da provncia do Paran Jos Luiz Francisco da Camara Leal ao

    presidente Jos Francisco Cardoso por ocasio de lhe entregar a administrao da mesma provncia em 2 de

    maio de 1859. Curityba: Typ. Paranaense de Candido Lopes, 1859. p.8. 82 Idem, Ibidem. 83 NISHIKAWA, Reinaldo. Op. Cit. p. 56.

  • 31

    garantiriam suas terras e os primeiros subsdios para sua chegada. Atravs de muita

    articulao e apadrinhamento, esses agentes desempenhariam sua funo, garantindo uma

    quantia j aprovada pelos governos para a imigrao na Provncia do Paran84

    .

    Para atrair os imigrantes europeus para o Paran, buscou-se uma caracterizao do

    clima do sul, distanciando-a automaticamente do clima tropical e seus supostos problemas. A

    preocupao em destacar o clima e a capacidade de adaptao do imigrante s diferenas

    climticas da Europa e do Brasil comea no sculo XIX, impressa em diversas obras, escritas

    tanto por diretores de colnias quanto por viajantes. Ao descrever a Colnia Blumenau e as

    expectativas esperadas pela imigrao alem em seu livro A Colnia Blumenau na Provncia

    de Santa Catarina no sul do Brasil, Hermann Blumenau compara a Colnia Blumenau com as

    provncias do Norte do Brasil, afirma que sobretudo a cana-de-acar desenvolvia-se com

    exuberncia e vigor como em nenhum outro lugar da Provncia e, de acordo com a opinio

    dos entendidos, sua produo no era melhor nem nas frteis provncias do Norte, cujo solo

    especialmente adequado para essa cultura85

    .

    Os relatos dos viajantes europeus tambm constituem fontes que tomam a vida

    europia como referncia e a compara com as regies brasileiras. O engenheiro ingls

    Thomas P. Bigg-Wither imprime em sua obra o conceito de Sul do Brasil ao intitul-la

    Pioneering in South Brazil, traduzida, porm, como Novo caminho no Brasil

    Meridional86

    . interessante observar que esse viajante demonstra uma preocupao quanto

    ao tratamento dado pelo governo brasileiro aos imigrantes, principalmente ingleses, na

    Colnia do Assunguy, pontuando alguns aspectos da poltica imigratria no Paran. Esse

    viajante, diferentemente dos autores acima citados, chama a ateno para as propagandas

    veiculadas na Europa, criticando abertamente as atitudes do governo brasileiro no que diz

    respeito ao tratamento de imigrantes.

    Em um mundo de profundas transformaes culturais, e sob o efeito da Revoluo

    Industrial, os europeus

    emigravam para trabalhar, para lavrar, plantar e criar, para construir algo seu, eventualmente uma famlia na medida do possvel construir fortuna. O

    translado tornava-se, assim, um novo horizonte, l onde um sentimento novo

    dava-lhes condies de triunfar, com muito labor, e escapar da vala comum

    da proletarizao. Emigravam tambm, para dar vazo a esse sentimento

    84 Idem, Ibidem. 85 BLUMENAU, Hermann. A Colnia Alem Blumenau: na Provncia de Santa Catarina no Sul do Brasil.

    Blumenau: Cultura em movimento; Instituto Blumenau 150 anos, 2002. p. 28. 86 BIGG-WHITER, Thomas. Novo caminho no Brasil Meridional: a Provncia do Paran, trs anos de vida em

    suas florestas e campos 1872/1875. Curitiba: Universidade Federal do Paran, 1874.

  • 32

    novo que, de maneira paulatina, contribua para o desenraizamento da

    populao rural e, mesmo, dos habitantes das pequenas cidades87

    .

    Muitos imigrantes que chegavam Provncia do Paran vinham do Porto de

    Paranagu, ou de outras localidades, como o Rio de Janeiro ou So Paulo. Os imigrantes

    viajavam, na maioria das vezes, no poro do navio, com destino ao Rio de Janeiro, embora

    alguns deles desembarcassem diretamente nos portos provinciais. Na capital do pas,

    passavam por uma triagem e, se tivessem algum problema de sade, desembarcavam na Ilha

    das Flores. Os demais seguiam em vapores at os portos das provncias para as quais eram

    destinados. Nas provncias, eram acolhidos em hospedarias de imigrantes e, depois de alguns

    dias, em trens ou carroes, encaminhados s colnias. Ao chegarem ao ncleo colonial do

    Assunguy, os colonos foram instalados, em 1860, em uma casa. Embora a pretenso inicial do

    governo fosse na instalao de 20 famlias, o presidente Jos Francisco Cardoso ordena que se

    construa mais uma casa para a instalao de 40 famlias, conforme ordens do governo

    imperial. Atravs do relatrio emitido pelo presidente Jos Francisco Cardoso em 1860,

    podemos observar a situao em que se encontram as famlias e a colnia:

    A nova casa est orada em 5:368$724, sendo sua coberta de telha.

    Contrataram-se os operrios precisos, e tudo caminha regularmente. O

    edifcio deve ter 400 palmos de comprido sobre 30 de fundo. Novas

    derrubadas e plantaes se fazem, de forma a ter, no fim do corrente

    ms, habitao e gneros alimentcios para sustento dos colonos88

    .

    Os colonos que chegavam ao Assunguy tinham que assinar um contrato e seguir as

    diretrizes dadas pelo governo, conforme estipulado na Lei de Terras89

    . Dentre as clusulas do

    contrato estavam includos benefcios que o governo teria que fornecer ao colono, garantindo

    sua subsistncia nos primeiros meses de sua chegada. O governo teria que fornecer uma casa

    provisria, um adiantamento dos implementos agrcolas e as sementes necessrias para o

    plantio. Ao final de dois anos de sua chegada, o imigrante tambm teria direito, se quisesse,

    naturalizao, sendo isento do servio militar, mas no do servio da Guarda Nacional dentro

    do municpio. A medio dos lotes era feita por linhas que corriam de norte a sul e por outras

    que a cortassem em ngulos retos, formando lotes ou quadrados de 500 braas por lado. A Lei

    87 NADALIN, Srgio Odilon. Paran: ocupao do territrio, populao e migraes. Curitiba: SEED, 2001. p.

    62. 88 PARAN. Relatrio apresentado Assemblia Legislativa pelo presidente Jos Francisco Cardoso na

    abertura da 1 sesso da 4 legislatura no dia 1 de maro de 1860. Curityba, Typ. de Candido Martins Lopes,

    1860. p. 64 89 COLEO DAS LEIS DO BRASIL. 1850. V. 1., P. 307. Disponvel em:

    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim601.htm. Acesso: 28/fev/ 2013.

  • 33

    de Terras previa que os lotes fossem vendidos separadamente e vista, sobre o preo mnimo

    de maio real, um real, um real e meio e dois ris por braa quadrada, segundo a qualidade dos

    lotes90

    . A venda particular tambm no poderia ser feita abaixo do mnimo fixado.

    Inicialmente, a Colnia destinara-se a receber apenas estrangeiros. Porm, j em 1861,

    tornou-se mista, pois o Governo Imperial permitiu a venda de terrenos s famlias de

    nacionais pobres. O presidente Antonio Barbosa Gomes salienta acreditar nessa medida para o

    futuro, proporo que as famlias pobres brasileiras conhecerem a vantagem de aquisio

    de terras medidas e livres de contestao91

    . Nesse sentido, o governo parece querer

    regularizar a posse da terra pelos brasileiros, que muitas vezes eram posseiros reivindicando a

    propriedade da terra, uma vez que essas famlias nacionais eram pobres. Para Roberto Edgar

    Lamb, o governo concedeu a essas famlias os mesmos favores que gozavam os

    estrangeiros92

    . Mesmo assim, a maioria dos brasileiros residentes na Colnia ficou fora do

    registro na Junta Administrativa, sendo, portanto, alheios ao regime colonial. Nessa situao,

    muitos dos trabalhadores do Assunguy foram tratados como intrusos e considerados invasores

    de terras reservadas aos colonos legitimamente estabelecidos93

    . No entanto, Reinaldo

    Nishikawa afirma que quando eram feitos contratos com brasileiros, alteravam-se algumas

    clusulas94

    . Segundo este autor, enquanto os estrangeiros recebiam um lote de 137000 metros

    quadrados, os brasileiros recebiam um lote de 275000 metros quadrados. Alm disso, no

    recebiam os mesmos benefcios concedidos aos estrangeiros95

    . Ao analisar a situao dos

    nacionais na Colnia do Assunguy, Edrielton Santos Garcia tece algumas consideraes.

    Dentre elas, a de que haviam mais matrculas de colonos estrangeiros do que colonos

    nacionais at 1870, indicando uma preferncia do governo pelos colonos estrangeiros.

    Embora a legislao permitisse s famlias nacionais pobres o direito terra, essas no

    conseguiam adquirir as terras justamente por no ter como pag-las, no recebendo assim, os

    mesmos benefcios do colonos inscritos96

    . A dificuldad