Entendendo Os Fundamentalistas

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Fundamentalistas Origens

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Entendendo os fundamentalistas - Parte 1

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Entendendo os fundamentalistas - Parte 1

O nome fundamentalistas foi cunhado para se referir aos conservadores que se coligaram para defender a f crist da intruso do liberalismo.

Para muitas pessoas, o tema deste artigo pode parecer rido, acadmico e sem qualquer importncia. Entretanto, considerando os argumentos abaixo, sua relevncia ficar clara. Primeiro,o fundamentalismo est em evidncia no mundo. Em todo o mundo, grupos religiosos fundamentalistas esto crescendo rapidamente. Na Amrica Latina, grupos pentecostais radicais se multiplicam e mudam as estatsticas gerais. Na Coria do Sul e no Taiwan, centros do confucionismo neotradicionalista se firmam. No Japo, uma nova verso radical do budismo cresce rapidamente. E o fundamentalismo do mundo islmico conhecido por todos.Nos Estados Unidos e em outras partes do mundo, o fundamentalismo cristo ganha fora, aps um perodo de aparente extino. Muito embora existam profundas diferenas entre esses grupos mencionados, eles tm em comum o desejo de retornar aos fundamentos e s origens de sua religio, e esto dispostos a lutar por isto.

Segundo, o termo fundamentalista designauma larga porcentagem do cristianismo norte-americano, com ramificaes no mundo e tambm no Brasil. A influncia do fundamentalismo no Brasil no pode ser esquecida ou minimizada.

Terceiro,o uso pejorativo do termo. Determinados termos, dentro do cristianismo, acabam por perder seu sentido original e adquirir uma conotao pejorativa. No poucas vezes, estes termos pejorativos so usados irresponsavelmente para rotular adversrios polticos e eclesisticos, e com generalizaes injustas. Se pudermos, devemos sempre ajudar a esclarecer o que o termo significa.

E, finalmente, existem bem poucos estudos sobre o tema fundamentalismo no meio evanglico. Se pudermos ajudar no esclarecimento da Igreja de Cristo sobre este assunto, ficaremos gratos a Deus.

O surgimento do liberalismo teolgicoA melhor maneira de compreender a origem do termo fundamentalista entender o crescimento do liberalismo teolgico radical nas principais denominaes histricas dos Estados Unidos no fim do sculo XIX e incio do sculo XX. O liberalismo era, de muitas maneiras, um fruto do iluminismo, movimento surgido no incio do sculo XVIII que tinha em seu mago uma revolta contra o poder da religio institucionalizada e contra a religio em geral. As pressuposies filosficas do movimento eram, em primeiro lugar, oracionalismode Descartes, Spinoza e Leibniz e oempirismode Locke, Berkeley e Hume. Os efeitos combinados dessas duas filosofias que, mesmo sendo teoricamente contrrias entre si, concordavam que Deus tem que ficar de fora do conhecimento humano produziu profundo impacto na teologia crist.

Em muitas universidades crists, seminrios e igrejas da Europa (e, posteriormente, nos Estados Unidos), as idias racionalistas comearam a ganhar larga aceitao. No que os telogos se tornaram ateus ou agnsticos, mas sim, que procuraram compatibilizar a crena em Deus com os postulados do racionalismo. Muitos telogos passaram a afirmar a existncia de Deus, mas negavam sua interveno na Histria humana, quer atravs de revelao, quer atravs de milagres ou da providncia.

Como resultado da invaso do racionalismo na teologia, chegou-se concluso de queo sobrenatural no invade a histria. A histria passou a ser vista como simplesmente uma relao natural de causas e efeitos. O conceito de que Deus se revela ao homem e de que intervm e atua na histria humana foram excludos de cara. Como conseqncia, os relatos bblicos envolvendo a atuao miraculosa de Deus na Histria, como a criao do mundo, os milagres de Moiss e os milagres de Jesus, passaram a ser desacreditados. Segundo esta linha de pensamento, j que milagres no existem, segue-se que esses relatos so fabricaes do povo de Israel e, depois, da Igreja, que atribuiu a Jesus atos sobrenaturais que nunca aconteceram historicamente.

Para se interpretar corretamente a Bblia, seria necessria uma abordagem no religiosa, desprovida de conceitos do tipo Deus se revela; ou: A Bblia a revelao infalvel de Deus; ou ainda: A Bblia no pode errar. Telogos protestantes que adotaram essa abordagem crtica (que consideravam como neutra) justificavam-se afirmando que a Igreja Crist, pelos seus dogmas e decretos, havia obscurecido a verdadeira mensagem das Escrituras. No caso dos Evangelhos, os dogmas dos grandes conclios ecumnicos acerca da divindade de Jesus haviam obscurecido sua figura humana e tornaram impossvel, durante muito tempo, uma reconstruo histrica da sua vida. Esta impossibilidade, eles afirmavam, tornou-se ainda maior aps a Reforma, quando a exegese dos Evangelhos e da Bblia em geral passou a ser controlada pelas confisses de f e pela teologia sistemtica.

Os estudiosos crticos argumentaram ainda que, para que se pudesse chegar aos fatos por trs do surgimento da religio de Israel e do cristianismo, seria necessrio deixar para trs dogmas e teologia sistemtica, e tentar entender e reconstruir os fatos daquela poca. O principal critrio a ser empregado nessa empreitada seria arazo, que os racionalistas entendiam como sendo a medida suprema da verdade. As ferramentas a serem usadas seriam aquelas produzidas pela crtica bblica, como crtica da forma, crtica literria, entre outras. Assim, muitos pastores e telogos que criam que a Bblia era a Palavra de Deus, influenciados pela filosofia da poca, tentaram criar um sistema de interpretao da Bblia que usasse como critrio o que fosse racional ao homem moderno, dando origem ao chamado mtodo histrico-crtico de interpretao bblica.

Os estudiosos responsveis pelo surgimento e desenvolvimento inicial do mtodo crtico defendiam que o dogma da inspirao divina da Bblia deveria ser deixado fora da exegese para que ela pudesse ser feita de forma neutra. Seguiu-se a separao entre Palavra de Deus e Escritura Sagrada, rejeitando-se o conceito da inspirao e infalibilidade da Bblia. Surge a idia de mito na Bblia, que era a maneira pela qual a raa humana, em tempos primitivos, articulava aquilo que no conseguia compreender. Segundo os exegetas crticos, as fontes que os autores bblicos usaram estavam revestidas de mitos, ou lendas criadas por Israel e pela Igreja apostlica. O surgimento da dialtica de Hegel marcou esta fase. Hegel oferecia uma viso da Histria sem Deus, explicando os acontecimentos no em termos da interveno divina, mas em termos de um movimento conjunto do pensamento, fazendo snteses entre os movimentos contraditrios (tese e anttese).

A tentativa de unir o racionalismo com a exegese bblica no produziu um resultado satisfatrio. Ficou-se com uma Bblia que deixou de ser a Palavra de Deus para se tornar o testemunho de f do povo de Israel e da Igreja Primitiva. Como resultado, surgiu um movimento dentro do cristianismo que se chamou liberalismo, o qual rapidamente influenciou as igrejas crists na Europa, e de l, seguiu para os Estados Unidos, onde defendia os seguintes pontos:

O carter de Deus de puro amor, sem padres morais. Todos os homens so seus filhos e o pecado no separa ningum do amor de Deus. A paternidade de Deus e a filiao divina so universais. Existe uma centelha divina em cada pessoa. Portanto, o homem, no ntimo, bom, e s precisa de encorajamento para fazer o que certo.

Jesus Cristo Salvador somente no sentido em que ele o exemplo perfeito do homem. Ele Deus somente no sentido de que tinha conscincia perfeita e plena de Deus. Era um homem normal, no nasceu de uma virgem, no realizou milagres, no ressuscitou dos mortos. O cristianismo s diferente das demais religies quantitativamente, e no qualitativamente. Ou seja, todas as religies so boas e levam a Deus; o cristianismo apenas a melhor delas. A Bblia no o registro infalvel e inspirado da revelao divina, mas o testamento escrito da religio que os judeus e os cristos praticavam. Ela no fala de Deus, mas do que criam sobre ele. A doutrina ou as declaraes proposicionais, como as que encontramos nos credos e confisses da Igreja, no so essenciais ou bsicas para o cristianismo, visto que o que molda e forma a religio a experincia, e no a revelao. A nica coisa permanente no cristianismo, e que serve de gerao a gerao, o ensino moral de Cristo.Nem todos os liberais abraavam todos estes pontos, e havia diferentes manifestaes do liberalismo. Entretanto, todas elas estavam enraizadas noracionalismo(s a cincia tem a verdade) e nonaturalismo (negao da interveno criadora de Deus no mundo), e queriam adaptar as doutrinas do cristianismo moderna teoria cientfica e s filosofias da poca.

A reao conservadora: surgimento do fundamentalismo cristoO nome fundamentalistas foi cunhado para se referir aos pastores, presbteros e professores conservadores americanos de todas as denominaes histricas que se coligaram para defender a f crist da intruso do liberalismo nos seus seminrios e igrejas. O nome foi usado por trs motivos: Primeiro, os conservadores insistiam que o liberalismo atacava determinadas doutrinas bblicas que eram fundamentais do cristianismo e que, ao neg-las, transformava o cristianismo em outra religio, diferente do cristianismo bblico.

Segundo, a publicao em 1910-1915 da srie Os fundamentos, doze volumes de artigos escritos por conservadores que defendiam os pontos fundamentais do cristianismo e atacavam o modernismo, a teoria da evoluo etc., dos quais foram publicadas 3 milhes de cpias e espalhadas pelos Estados Unidos. H artigos de eruditos conservadores como J.G. Machen, John Murray, B.B. Warfield, R.A. Torrey, Campbell Morgan e outros.

Terceiro, a elaborao de uma lista dos pontos considerados fundamentais do cristianismo. Muito embora o conflito entre liberais e fundamentalistas envolvesse muito mais do que somente esses tpicos, citados abaixo, foram considerados na poca pelos conservadores como os pontos fundamentais da f e do cristianismo evanglico, tendo se tornado o slogan dos conservadores e a bandeira do movimento fundamentalista:

A inspirao, infalibilidade e inerrncia das Escrituras reagindo contra os ataques do liberalismo que considerava que a Bblia estava cheia de erros de todos os tipos. A divindade de Cristo tambm negada pelos liberais, que insistiam que Jesus era apenas um homem divinizado. O nascimento virginal de Cristo e os milagres para o liberalismo, milagres nunca existiram, eram construes mitolgicas da Igreja primitiva. O sacrifcio propiciatrio de Cristo para os liberais, Cristo havia morrido somente para dar o exemplo, nunca pelos pecados de ningum. Sua ressurreio literal e fsica e seu retorno ambas doutrinas eram negadas pelos liberais, que as consideravam como inveno mitolgica da mente criativa dos primeiros cristos.Em 1920, o termo fundamentalistas foi empregado por conservadores batistas para designar todos aqueles que lutassem em favor destes cinco pontos. O uso se espalhou para todos, de todas as denominaes afetadas pelo liberalismo que lutavam para preservar estas doutrinas fundamentais do cristianismo, e que se alinhavam teologicamente com o contedo da obra Os fundamentos.

Entendendo os fundamentalistas - Parte 2

Uma anlise do desenvolvimento histrico e teolgico do fundamentalismo na Igreja Crist nos Estados Unidos e no Brasil

As principais fases do movimento fundamentalista nos Estados UnidosNesta parte, analisaremos o desenvolvimento histrico e teolgico do fundamentalismo na Igreja Crist nos Estados Unidos e no Brasil. Podemos dividir sua histria em quatro fases.

Fase 1: Conflito e derrota (at meados da dcada de 1920)Nesta fase inicial, lderes conservadores levantaram a bandeira contra o liberalismo ou modernismo dentro de suas denominaes. Eles estavam lutando contra a incredulidade, antes que os liberais finalmente tomassem o controle dos seminrios e da administrao. O objetivo era expulsar os liberais das fileiras das igrejas. Vrias medidas foram tomadas com este fim. Entre elas destacamos a publicao da srie Os fundamentos. O alvo foi atacar o naturalismo, o liberalismo e todos os males a eles associados. A inerrncia da Palavra de Deus reafirmada nesta obra como sendo doutrina bblica e fundamental. Os conservadores, a esta altura j conhecidos como fundamentalistas, se organizam em associaes e em movimentos dentro das denominaes. Surgem as listas dos pontos fundamentais que, embora variando quanto aos itens, concordam que a inerrncia da Bblia essencial. As denominaes realizam encontros e reunies para debater o assunto.

Um importante fato ocorrido neste perodo foi que J. Gresham Machen e outros importantes professores conservadores deixam o Seminrio Presbiteriano de Princeton, que fica nas mos dos liberais, e fundam o Seminrio de Westminster. publicado o importante livro de Machen,Cristianismoeliberalismo(1923), um clssico sobre o assunto. Os fundamentalistas tentam tambm, atravs dos meios polticos, promulgar leis federais e nos Estados, proibindo o ensino do evolucionismo. Mas so derrotados no caso Scopes (1925), o julgamento de um professor de escola secundria que ensinava evoluo em classe. Gradativamente, o movimento fundamentalista comea a adotar o pr-milenismo como um dos pontos fundamentais da f crist, o que provocar, na fase seguinte, um importante racha no movimento.

Fase 2: Separao e organizao (at meados da dcada de 1940)Nesta fase, o movimento fundamentalista percebe o fracasso em expulsar os liberais das fileiras das grandes denominaes reformadas, muito embora os conservadores fossem a maioria nestas denominaes. Como resultado, separam-se, formando novas instituies, associaes, igrejas e denominaes. So formadasnovasdenominaes, como a Associao Geral de Igrejas Batistas Regulares (1932), a Igreja Presbiteriana da Amrica que, em seguida, mudou o nome para Igreja Presbiteriana Ortodoxa (OPC), liderada por J. Machen (1936) , a Associao Batista Conservadora da Amrica (1947), as Igrejas Fundamentalistas Independentes da Amrica (1930) e muitas outras. No sul dos Estados Unidos, os fundamentalistas dominaram a maior denominao batista, a Conveno Batista do Sul, a Igreja Presbiteriana do Sul, a Associao Batista Americana e muitas outras denominaes. Todas estas defendem os pontos fundamentais, particularmente a inerrncia da Palavra de Deus.

Os fundamentalistas formaram tambm muitas associaes e juntas missionrias, seminrios e institutos bblicos, peridicos, conferncias bblicas pelo pas afora para evangelizao, defesa da f e treinamento bblico de pastores, missionrios e obreiros. O movimento comea a associar-se com alguns valores morais da cultura americana, como a abstinncia completa do lcool.

nesta fase que o movimento fundamentalista se divide pela primeira vez. A causa da separao foi que muitos fundamentalistas queriam considerar o pr-milenismo como um dos pontos fundamentais do cristianismo. Alm disto, havia a identificao crescente deles com a total abstinncia de bebida alcolica e rejeio das descobertas e avanos das cincias. Sai um grupo liderado por Carl McIntire para formar a Igreja Presbiteriana da Bblia e o Seminrio Teolgico da F (1938). Com ele saram Francis Schaeffer e Alan McRae, que posteriormente vieram tambm a afastar-se de McIntire.

O ponto principal que nesta fase entra no movimento fundamentalista o conceito de separao organizacional de qualquer associao ou denominao que mantenha e tolere liberais em seu meio. Infelizmente, os fundamentalistas entenderam que a separao era a nica forma bblica para manter a pureza da f e a integridade dos pontos fundamentais do cristianismo. Conseqentemente, o termo fundamentalista comea a ter conotao de intransigncia, divisionismo, intolerncia, anti-intelectualismo e falta de preocupao com problemas sociais. Assim, no fim desta fase, o nome fundamentalistas se referia aos cristos conservadores separatistas, que eram maioria dentro das denominaes ao sul dos Estados Unidos, e aos que haviam sado de suas denominaes, formando outras de carter eminentemente fundamentalista.

Fase 3: Neo-evangelicalismo (at meados de 1970)Nesta fase o fundamentalismo continua a batalha contra o liberalismo, de fora das denominaes e contra um novo inimigo, o neo-evangelicalismo. O movimento ganha repercusso internacional. Os fundamentalistas criam programas de rdio e televiso e fundam faculdades que os mantm unidos e ligados como numa rede invisvel. ento que surge oneo-evangelicalismoouevangelicalismo, uma ala dentro do movimento fundamentalista que deseja preservar os pontos fundamentais da f, mas no deseja o esprito separatista da primeira gerao de fundamentalistas. O evangelicalismo procura comunho e associao com outros cristos, pentecostais, conservadores e mesmo liberais, desejando fugir do rtulo fundamentalista, embora afirme, a princpio, a inerrncia das Escrituras.

Esta segunda diviso no movimento atinge seriamente igrejas, denominaes e seminrios fundamentalistas. Os que se consideravam evanglicos saem do movimento fundamentalista para formar novas associaes e igrejas evangelicais. Em termos organizacionais, surge nos Estados Unidos o Conclio Americano de Igrejas Crists, fundado por Carl McIntire (1941), representando os fundamentalistas, e a Associao Nacional de Evanglicos (1942), representando os evangelicais. Surgem o Seminrio Fuller, a revistaChristianity Today, o Wheaton College e a Associao Billy Graham, dentro da perspectiva evangelical. O fundamentalismo comea a atacar o evangelicalismo, considerando-o um grande perigo ao verdadeiro cristianismo por causa de sua abertura a outros cristos, associao com liberais e tendncia de acomodar a f cincia moderna.

Da parte dos fundamentalistas, criado o Conselho Internacional de Igrejas Crists (1948), formado por denominaes, igrejas e indivduos que se identificaram com a bandeira fundamentalista, em oposio ao Conselho Mundial de Igrejas (CMI), ecumnico e liberal em muitos aspectos. Nesta fase, o fundamentalismo se tornou menos proeminente, e alguns at pensaram que havia morrido. Na verdade, estava se expandindo atravs de evangelizao, publicaes, plantao de igrejas e programas de rdio.

Fase 4: Luta contra o humanismo secular (at meados de 1980)A partir da campanha de Ronald Reagan para a presidncia dos Estados Unidos, o fundamentalismo americano entrou numa nova fase. Ganhou proeminncia por oferecer uma soluo para a crise social, econmica, moral e religiosa da Amrica, que envolvia legalizao do aborto, proibio da leitura da Bblia e orao nas escolas pblicas etc. O inimigo era ohumanismo secular, responsvel por corroer os valores morais, as escolas, universidades, o Governo e a famlia. Os males associados ao humanismo eram: evolucionismo, liberalismo poltico e teolgico, moralidade frouxa, perverso sexual, socialismo, comunismo e o ataque autoridade das Escrituras. Para combater o novo inimigo, surgem de dentro do fundamentalismo novos ministrios fundados e liderados por uma nova gerao de fundamentalistas, utilizando-se da mdia televisiva e impressa. Entre eles despontam Jerry Falwell, Tim LaHaye, Hal Lindsey, James Dobson e Pat Robertson. A base era a Conveno Batista do Sul, mas atingiram rapidamente todas as denominaes e tambm outros pases, como o Brasil. Ao contrrio de geraes anteriores de fundamentalistas, envolveram-se com questes scio-polticas. Fundamentalistas antigos, como Carl McIntire, somem do cenrio por causa de desgaste poltico e extremo isolamento.

O alvo principal dos ataques fundamentalistas nesta poca erao domnio do governo por humanistase as conseqncias disto para a nao, em termos da libertinagem e relaxamento dos valores morais. Acreditavam que havia uma conspirao humanista para tomar a Amrica e banir o cristianismo. A luta do fundamentalismo contra os direitos dos homossexuais, do uso de drogas, o movimento feminista, associaes com a Rssia, posse de armas. Por outro lado, os fundamentalistas se engajam na luta pelo ensino do criacionismo nas escolas, ao lado do evolucionismo.

Esses novos lderes fundamentalistas mantinham os mesmos pontos doutrinrios e a mesma viso separatista da primeira gerao de fundamentalistas, embora enfrentassem um outro inimigo, o humanismo secular. Sua mensagem foi de chamar a Igreja a retornar aos fundamentos da Palavra de Deus como chave para uma nova reforma na sociedade e na Igreja. Neste sentido, foi formada aMaioria Moral (1979), sob a liderana de Jerry Falwell, para combater o liberalismo moral e social nos Estados Unidos. Nisto se associam com catlicos, pentecostais e judeus de pensamento igual ao deles.

O fundamentalismo ganhou mais fora nesta poca com o fato de que o movimento evangelical comeou a dar mostras de que a poltica de boa vizinhana com liberais e catlicos terminava em prejuzo para a f bblica. Lderes evangelicais, bem como seminrios e publicaes evangelicais, comearam a aceitar o evolucionismo testa, o ecumenismo com catlicos e liberais (Billy Graham). Associaes evangelicais de telogos comearam a tolerar telogos que questionavam mesmo a oniscincia de Deus. Por outro lado, os escndalos na dcada de 1980, envolvendo o casal Bakker, televangelistas fundamentalistas, causaram um grande revs no movimento fundamentalista nos Estados Unidos. Surgem movimentos radicais de dentro do fundamentalismo, como oReconstrucionismode Gary North e Rushdoony.

Apesar de tudo, o fundamentalismo nos Estados Unidos continua firme e crescendo. O crescimento, entretanto, no se faz em termos denominacionais, mas da multiplicao da mentalidade fundamentalista nos aspectos teolgicos e apologticos, dentro das denominaes tradicionais e no crescimento de ministrios, misses, institutos e seminrios de posio teolgica fundamentalista.

Entendendo os fundamentalistas - Parte 3

Distines importantes e esclarecimentos sobre um termo mal compreendido

Terminando essa srie de artigos sobre o fundamentalismo cristo, gostaria de fazer algumas distines sobre o termo fundamentalista. semelhana de outros rtulos nos meios evanglicos, o rtulo fundamentalista tambm mal compreendido e mal empregado. Nada mais natural do que procurar esclarecer o assunto. Acho que a primeira coisa falar sobre os vrios possveis sentidos em que o termo fundamentalista empregado.O fundamentalistahistricono existe mais. Ele existiu no incio do sculo 20, durante o conflito contra o liberalismo teolgico que invadiu e tomou vrias denominaes e seminrios nos Estados Unidos. J.G. Machen, John Murray, B.B. Warfield, R.A. Torrey, Campbell Morgan e, mais tarde, Cornelius Van Til e Francis Schaeffer so exemplos de fundamentalistas histricos. Falei sobre esse tipo de fundamentalista no meu primeiro artigo dessa srie.

O fundamentalistaamericanoainda existe, mas perdeu muito de sua fora. Embora tenha surgido ao mesmo tempo que o histrico, separou-se dele quando adotou uma escatologia dispensacionalista, aliou-se agenda republicana dos Estados Unidos, exerceu uma militncia belicosa contra tudo que considerasse inimigo da f crist, como o comunismo, o ecumenismo, o liberalismo, a cincia moderna e o prprio evangelicalismo. Defendia e praticava o separatismo institucional de tudo e todos que estivessem ligados direta ou indiretamente a esses inimigos. Recentemente, faleceu o que pode ter sido o ltimo grande representante desse gnero de fundamentalista, o famigerado Carl McIntire. Alguns consideram que Pat Robertson seu sucessor, embora haja muitas diferenas entre eles. Veja mais sobre esse tipo no segundo artigo da srie.

O fundamentalistadenominacional aquele membro de denominao que se considera oficialmente fundamentalista e que at traz o rtulo na designao oficial. Aps um perodo de grande florescimento no Brasil, especialmente no Nordeste e em So Paulo, as igrejas fundamentalistas, presbiteriana e batista, sofreram uma grande diminuio em suas fileiras. Grande parte das igrejas fundamentalistas presbiterianas regressaram Igreja Presbiteriana do Brasil, de onde saram na dcada de 1950. Em alguns casos, o fundamentalismo denominacional do Brasil foi marcado por laos financeiros e ideolgicos com McIntire. Hoje, at onde sei, no h mais esse lao.

No Brasil, o fundamentalismo denominacional que sobrou desenvolveu uma sndrome de conspirao mundial para o surgimento do reino do anticristo atravs do ocultismo, da tecnologia, da mdia, dos eventos mundiais, das superpotncias. Acrescente-se ainda o desenvolvimento de uma mentalidade de censura e apego a itens perifricos como se fossem o cerne do Evangelho e critrio de ortodoxia (por exemplo, s bblico e conservador quem usa verses da Bblia baseadas no Texto Majoritrio, quem no assiste desenhos da Disney e no l a srie Harry Potter).

O fundamentalistaxiita sinnimo de intransigncia, inflexibilidade,ser-dono-da-verdadee patrulhamento teolgico. Este tipo tem mais a ver com atitude do que com teologia. Nesse caso, melhor inverter a ordem e cham-lo xiita fundamentalista. Na verdade,xiitaspodem ser encontrados em qualquer dos campos protestantes. A propalada tolerncia dos liberais, neoliberais e neo-ortodoxos mito. Hxiitasliberais, neoliberais, neo-ortodoxos e, obviamente,xiitasfundamentalistas. Teoricamente, algum poderia ser um fundamentalista histrico e denominacional, e ainda no ser umxiita.

Por fim, o fundamentalistateolgico, outro sentido em que o termo muito usado. O fundamentalista teolgico se considera seguidor teolgico dos fundamentalistas histricos e simpatiza com a luta deles. Sem pretender ser exaustivo, acredito que so considerados fundamentalistas teolgicos atualmente os que aderem aos seguintes conceitos ou a parte deles: a inerrncia da Bblia, a divindade de Cristo, o seu nascimento virginal, a realidade e a historicidade dos milagres narrados na Bblia, a morte de Cristo como propiciatria, sua ressurreio fsica de entre os mortos, seu retorno pblico e visvel a este mundo, o conceito de verdades teolgicas absolutas, o conceito de que Deus se revelou de forma proposicional, a aceitao dos credos e confisses da Igreja Crist, a adoo do mtodo gramtico-histrico de interpretao bblica, uma posio conservadora em assuntos como aborto e eutansia, a preferncia pela pregao expositiva, gosto pelos escritos dos puritanos antigos e modernos, a rejeio do liberalismo teolgico e da neo-ortodoxia, a crena de que Deus criou o mundo em sete dias, a rejeio da ordenao feminina, no-rejeio da pena de morte e outros. H quem queira acrescentar a essa lista os que votaram contra o desarmamento, so contra o esquerdismo brasileiro e gostam dos Estados Unidos.

Em linhas gerais, o fundamentalista teolgico acredita que a verdade revelada por Deus na Bblia no evolui, no cresce e nem muda. Permanece a mesma atravs do tempo. A nossa compreenso dessa verdade pode mudar com o tempo; contudo, essa evoluo nunca chega ao ponto radical em que verdades antigas sejam totalmente descartadas e substitudas por novas verdades que, inclusive, contradigam as primeiras. O fundamentalista teolgico reconhece que erros, exageros e absurdos tendem a ser incorporados atravs dos sculos na teologia crist, e que o alvo da Igreja sempre reformar-se luz dos fundamentos da f crist bblica, expurgando esses erros e assimilando o que for bom. Admite tambm que existe uma continuidade teolgica vlida entre o sistema doutrinrio exposto na Bblia e a f que abraa hoje.

Na categoria de fundamentalistas teolgicos, encontramos presbiterianos, batistas, congregacionais, pentecostais, episcopais e provavelmente muitos outros. claro que nem todos subscrevem todos os pontos acima, e ainda outros gostariam de qualificar melhor sua subscrio. Contudo, no geral, acho que posso dizer que os fundamentalistas teolgicos no fariam feio numa pesquisa de opinio sobre o que crem os evanglicos brasileiros.

(Este artigo final uma adaptao de meupostcolocado no blog O Tempora! O Mores! )Augustus Nicodemus

paraibano e pastor presbiteriano. bacharel em teologia pelo Seminrio Presbiteriano do Norte (Recife), mestre em Novo Testamento pela Universidade Reformada de Potchefstroom (frica do Sul) e doutor em Interpretao Bblica pelo Westminster Theological Seminary (EUA), com estudos no Seminrio Reformado de Kampen (Holanda). Foi professor e diretor do Seminrio Presbiteriano do Norte (1985-1991), professor de exegese do Seminrio JMC em So Paulo, professor de Novo Testamento do Centro Presbiteriano de Ps-Graduao Andrew Jumper (1995-2001), pastor da Primeira Igreja Presbiteriana do Recife (1989-1991) e pastor da Igreja Evanglica Suia de So Paulo (1995-2001). Atualmente chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana de Santo Amaro. autor de vrios livros, entre elesO que voc precisa saber sobre batalha espiritual(CEP),O culto espritual(CEP),A Bblia e Sua Familia(CEP) eA Bblia e Seus Intrpretes(CEP). casado com Minka Schalkwijk e tem quatro filhos Hendrika, Samuel, David e Anna.