ENSINO POR COMPETÊNCIAS E AS CONCEPÇÕES DE ......de educação sociocomunitária de Azevedo...

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO Ana Claudia Rocha Barbosa ENSINO POR COMPETÊNCIAS E AS CONCEPÇÕES DE ENSINO/APRENDIZAGEM DOS DOCENTES NO ENSINO SUPERIOR MILITAR: uma possibilidade de transformação pela ótica da educação sociocomunitária Americana 2015

Transcript of ENSINO POR COMPETÊNCIAS E AS CONCEPÇÕES DE ......de educação sociocomunitária de Azevedo...

  • CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

    Ana Claudia Rocha Barbosa

    ENSINO POR COMPETÊNCIAS E AS CONCEPÇÕES DE

    ENSINO/APRENDIZAGEM DOS DOCENTES NO ENSINO

    SUPERIOR MILITAR: uma possibilidade de transformação pela ótica

    da educação sociocomunitária

    Americana

    2015

  • CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

    Ana Claudia Rocha Barbosa

    O ENSINO POR COMPETÊNCIAS E AS CONCEPÇÕES DE

    ENSINO/APRENDIZAGEM DOS DOCENTES NO ENSINO

    SUPERIOR MILITAR: uma possibilidade de transformação pela ótica

    da educação sociocomunitária

    Dissertação apresentada ao Programa de

    Mestrado em Educação, do Centro

    Universitário Salesiano de São Paulo -

    UNISAL, como requisito parcial para a

    obtenção do título de Mestre em Educação,

    sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Luisa

    Amorim Costa Bissoto.

    Americana

    2015

  • Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319

    Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

    Barbosa, Ana Claudia Rocha.

    B195e O Ensino por competências e as concepções de

    ensino/aprendizagem dos docentes no ensino superior

    militar: uma possibilidade de transformação pela ótica de

    educação sociocomunitária. – Americana: Centro Universitário

    Salesiano de São Paulo, 2015.

    219 f.

    Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro

    Universitário Salesiano - UNISAL / SP.

    Orientador (a): Profa. Dra. Maria Luisa Costa Bissoto.

    Inclui Bibliografia.

    1. Formação e prática docente. 2. Ensino por

    competências. 3. Concepções de ensino I. Título. II. Autor

    CDD 371.115

  • Ana Claudia Rocha Barbosa

    O ENSINO POR COMPETÊNCIAS E AS CONCEPÇÕES DE

    ENSINO/APRENDIZAGEM DOS DOCENTES NO ENSINO SUPERIOR

    MILITAR: uma possibilidade de transformação pela ótica da educação

    sociocomunitária

    Dissertação apresentada como

    exigência parcial para obtenção do

    grau de Mestre em Educação no

    Centro Universitário Salesiano de

    São Paulo - UNISAL.

    Trabalho de Conclusão de Curso defendido e aprovado em 29/04/ 2015 pela comissão

    julgadora:

    Banca examinadora

    Prof.ª Dr.ª: Suzana Marly da Costa Magalhães

    Instituição: Departamento de Educação e Cultura do Exército – DECEx

    Assinatura: _______________________________________________________

    Prof. Dr.: Antonio Carlos Miranda

    Instituição: Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

    Assinatura: _______________________________________________________

    Prof.ª Dr.ª: Maria Luisa Amorim Costa Bissoto (Orientadora)

    Instituição: Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

    Assinatura: _______________________________________________________

    Americana

    2015

  • DEDICO

    Aos meus pais, Evandro e Neide, que me concederam o

    dom da vida, conduzindo-me nos caminhos de DEUS com

    muito amor e dedicação, mesmo distantes fisicamente,

    nesse momento de minha vida, sempre comigo em suas

    orações e presentes em meu coração.

    Aos meus filhos Victor Luiz, Luis Augusto e Clara, graças

    do amor Divino, por me amarem incondicionalmente.

    Ao Antônio Domingues, companheiro leal e amigo.

    Agradeço seu apoio, amor e respeito durante todos esses

    anos que estamos juntos.

  • AGRADEÇO

    Ao DEUS criador, que com seu sopro de vida, deu-me fôlego e coragem para continuar essa

    jornada, iluminando e abrindo meus caminhos, mente e coração.

    Aos meus pais e aos meus filhos pelo amor dedicado a mim.

    Em especial, agradeço ao Domingues, meu marido, pelo incentivo, paciência, amor e pelo

    apoio moral e financeiro. A conclusão desse curso não seria possível sem ele.

    Às amigas do meu coração, Lilian, Nadir e Lucia que sempre estiveram ao meu lado.

    À família de Lilian de Sousa que me acolheu com tanto carinho em um dos momentos mais

    difíceis dessa jornada.

    À minha professora orientadora Malú Bissoto, pelos ensinamentos, por me levar à

    participação em vários eventos acadêmicos, pela compreensão, paciência, incentivo e apoio

    durante as aulas e orientações, e principalmente por sua amizade sincera.

    À professora Suzana Marly da Costa Magalhães (Cap. Magalhães) por sua disponibilidade em

    participar da minha banca como professora convidada, enriquecendo a pesquisa com suas

    preciosas contribuições, além de todo carinho e atenção em relação a mim.

    Ao TC Ubaldo, chefe da Sessão de Acompanhamento Pedagógico da EsPCEx, pelo apoio e

    compreensão nos períodos em que eu me ausentava da Sessão para me dedicar ao mestrado,

    principalmente nos momentos da escrita.

    À Escola Preparatória de Cadetes e aos profissionais da Divisão de Ensino, pelo apoio

    prestado ao meu trabalho, tanto por meio de dispensas concedidas quanto a disponibilização

    do espaço educativo para realização dessa pesquisa.

    A todos os colegas mestrandos, que de uma forma ou de outra estiveram comigo nessa longa e

    dolorosa jornada, porém rica e prazerosa.

    Aos colegas professores que voluntariamente participaram dessa pesquisa, pelo apoio,

    compreensão e disponibilidade. Sem eles essa pesquisa não seria possível.

    Ao Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL, campos Maria Auxiliadora, por

    meio de seu programa de pós-graduação em educação sociocomunitária, pelo acolhimento e

    apoio durante todo o período que estive nesse programa, em especial a Vaníria, secretária do

    curso.

    A todos aqueles colegas de trabalho, civis e militares que não foram citados diretamente, mas

    sabem de sua importância em minha vida pessoal, profissional e acadêmica que de alguma

    forma contribuíram para a realização desse trabalho tão importante para mim, o meu: muito

    obrigada!

  • “Temos que aprender a desaprender para afinal, talvez muito mais tarde,

    alcançar ainda mais: mudar de sentir. Os maiores acontecimentos e pensamentos

    são os que mais tardiamente são compreendidos: as gerações que lhe são

    contemporâneas não vivem tais acontecimentos - sua vida passa por eles. Aqui

    acontece algo como no reino das estrelas. A luz das estrelas mais distantes é a

    que mais tardiamente chega aos homens; e antes que chegue, o homem nega que

    ali – haja estrelas. De quantos séculos precisa um espírito para ser

    compreendido?”

    (Friedrich NIETZSCHE)

  • RESUMO

    Este trabalho é resultado da pesquisa de mestrado em educação sociocomunitária, do Centro

    Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL), na cidade de Americana, SP. A investigação

    teve como objetivo compreender o trabalho docente atualmente realizado na Escola

    Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx). Aponta-se, assim, para o estudo da

    implantação do Ensino por Competências, que surge como nova proposta pedagógica da

    Instituição tomando-se por objeto de análise a apropriação que os docentes vêm fazendo da

    referida proposta, de modo a poder favorecer uma transição mais efetiva entre os modelos

    didático-metodológicos, curriculares e epistemológicos, que estavam em vigor, e aquele atual,

    reconhecendo as práticas pedagógicas desenvolvidas na Escola como percussoras do processo

    de transformação no ensino que ora ocorre no Exército Brasileiro (EB). Considera-se que,

    para compreender melhor esse processo, faz-se necessário conhecer as concepções

    epistemológicas, ontológicas e axiológicas em relação aos processos de ensino/aprendizagem

    desses professores, buscando reconhecer se tais concepções se alinham - ou não - àquelas que

    fundamentam o Ensino por Competências, e quais os impactos que tais concepções teriam (se

    houver) na implantação dessa proposta. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, na modalidade

    de pesquisa-ação, caracterizada por possibilitar aos participantes de um determinado contexto

    profissional, as condições de investigar sua própria prática, de forma crítica e reflexiva. O

    referencial teórico metodológico dessa investigação encontra-se nas bases do pensamento de

    Lev Vygotsky (1984, 1991) e Alexei Leontiev (1978,1983), na proposta de formação docente

    de Donald Schön (1983, 1987, 1990, 2005, 2006) e António Nóvoa (1991, 1995, 1999, 2000),

    nas ideias sobre competências de Philippe Perrenoud (1999, 2000, 2001, 2002), Antoni

    Zabala (1980, 1999, 2010) e Philippe Jornnaert (2009) , nas concepções de aprendizagem de

    Berker (1993, 2001, 2003, 2008), Muzukami (1986, 2002, 2006) e Portilho (2011) e nas ideias

    de educação sociocomunitária de Azevedo (2007, 2010) e Bissoto (2011, 2012). A questão

    dessa pesquisa está em refletir sobre a transformação na formação e nas práticas dos docentes

    da EsPCEx, dentro da proposta do Ensino por Competências, as quais têm por objetivo a

    formação do novo profissional militar. Isso requer mudanças de paradigmas de ensino

    centrado no professor e nos conteúdos, para um ensino centrado no aluno. Estará o professor

    da EsPCEx preparado para tal? Conclui-se que as concepções sobre o processo

    ensino/aprendizagem dos professores da EsPCEx ainda estão um pouco distante daquelas que

    alicerçam a pedagogia das competências, no entanto, há um caminho já percorrido nesse

    sentido e outro caminho ainda a percorrer, pois a prática docente está intimamente ligada às

    concepções de ensino/aprendizagem dos professores, que foram percebidas, na pesquisa,

    como um misto de empirismo, racionalismo e interacionismo.

    Palavras - chave: Formação e prática docente; Ensino por Competências; Concepções de

    ensino; Ensino Militar.

  • ABSTRACT

    This paper is the result of the master`s research in socio-communitarian education, by

    Salesian University Centre of São Paulo (UNISAL), in Americana, SP. The research aimed to

    understand the teaching work currently carried out at the Preparatory School of Army Cadets

    (EsPCEx), turning to the study of implementation of Competency-based Education, that arises

    as a new pedagogical proposal of Brazilian Army, taking as object of analysis the adoption of

    it by teachers, in order to promote a more effective transition between the didactic-

    methodological, curricular and epistemological models, which were in force, and the current

    one, recognizing the pedagogical practices developed at the School as forerunners of the

    transformation in education that is ongoing in Brazilian Army. It is considered that, to better

    understand this process, it is necessary to know the epistemological, ontological and

    axiological concepts related to the teaching/learning process of these teachers, seeking to

    recognize whether such concepts are aligned or not to those that underlie Competency-based

    Education, and which impacts such concepts would cause (if any) in the implementation of

    this proposal. This is a qualitative research, in the form of action research, characterized by

    enabling participants of a particular professional context to have conditions to investigate

    their own practice, critically and reflectively. The theoretical framework of this research is

    based on thoughts of Lev Vygotsky (1984, 1991) and Alexei Leontiev (1978, 1983), on the

    proposal of teacher`s training of Donald Schön (1983, 1987, 1990, 2005, 2006) and António

    Nóvoa (1991, 1995, 1999, 2000), on the ideas about competencies of Philippe Perrenoud

    (1999, 2000, 2001, 2002), Antoni Zabala (1980, 1999, 2010) and Philippe Jornnaert (2009),

    on the learning concepts of Berker (1993, 2001, 2003, 2008), Muzikami (1986, 2002, 2006)

    and Portilho (2011) and the socio-communitarian educacion ideas Azevedo ( 2007, 2010) and

    Bissoto (2011,2012). The question of this research is to reflect about transformation in the

    training and practice of EsPCEx teachers, within the proposal of Competency-based

    Education, which have aims at the graduation of the new military professionals. This requires

    changes in paradigms of teacher-centered and content-centered education to a student-

    centered education. Is the teacher of EsPCEx prepared for it? It follows that the conceptions

    about the teaching/learning process of EsPCEx teachers are still some way out of those that

    underpin the pedagogy of competencies. However, there is a path already followed in that

    direction and a path still to follow, because the teaching practice is closely linked to the

    conceptions of teaching/learning of teachers, which were perceived in the research as a

    mixture of empiricism, rationalism and interactionism.

    Keywords: Training and teaching practice; Competency-based Education; Education

    concepts; Military Education.

  • LISTA DE ILUSTRAÇÕES

    Ilustração 1 - Processo formativo e prática profissional..................................... 32

    Ilustração 2 - Marechal Trompowsky – Patrono do magistério militar.............. 67

    Ilustração 3 - Taxionomia de Bloom.................................................................. 75

    Ilustração 4- Calendário geral de implantação do processo de transformação

    do Exército Brasileiro...................................................................

    99

    Ilustração 5 - Representação do professor 1....................................................... 135

    Ilustração 6 - Representação do professor 2....................................................... 136

    Ilustração 7 - Representação do professor 3....................................................... 137

    Ilustração 8- Representação do professor 4....................................................... 138

    Ilustração 9 - Representação do professor 5....................................................... 140

    Ilustração 10 - Representação do professor 6....................................................... 142

    Ilustração 11 - Representação do professor 7....................................................... 143

    Ilustração 12 - Representação do professor 8....................................................... 145

    Ilustração 13 - Representação do professor 9....................................................... 146

    Ilustração 14- Representação do professor 10..................................................... 147

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Quadro: quatro abordagens diferentes............................................ 87

    Quadro 2 - Cronograma geral de implantação do processo de transformação

    do Exército Brasileiro.....................................................................

    100

    Quadro 3 - Perfil dos sujeitos da pesquisa........................................................ 128

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AAA Atributos da Área Afetiva

    AMAN Academia Militar das Agulhas Negras

    CA Corpo de Alunos

    CCFEx Centro de Capacitação Física do Exército

    CEP Centro de Estudos de Pessoal

    Cia de Al Companhia de Alunos

    CM Colégio Militar

    Cmt Comandante

    DE Divisão de Ensino

    DECEx Departamento de Educação e Cultura do Exército

    DEP Departamento de Ensino e Pesquisa

    DEPA Diretoria de Educação Preparatória e Assistencial

    DESMil Diretoria de Educação Superior Militar

    DETMil Diretoria de Educação Técnica Militar

    DPHCEx Diretoria de Patrimônio Histórico e Cultural do Exército

    EB Exército Brasileiro

    ECEME Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

    EM Estado-Maior

    EME Estado-Maior do Exército

    END Estratégia Nacional de Defesa

    ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

    EsAO Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais

    EsFCEx Escola Formação Complementar do Exército

    EsPCEx Escola Preparatória de Cadetes do Exército

    EsSA Escola de Sargento das Armas

    EsSEx Escola de Saúde do Exército

    ESTAP Estágio de Aperfeiçoamento Profissional

    Estb Ens Estabelecimentos de Ensino

    FDC Forte Duque de Caxias

    GT Grupo de Trabalho

    GTEME Grupo de Trabalho para Estudos da Modernização do Ensino

  • IME Instituto Militar de Engenharia

    IPM Inquérito Policial Militar

    IR Instruções Reguladoras

    IREC Instruções Reguladoras do Ensino por Competências

    LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

    ME Ministério do Exército

    MEC Ministério da Educação e Cultura

    MERC Metodologia para Elaboração e Revisão de Currículos

    NERC Norma para Elaboração e Revisão de Currículo

    OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

    OM Organizações Militares

    OTT

    PCN

    Oficiais Técnicos Temporários

    Parâmetros Curriculares Nacionais

    PGE Plano Geral de Ensino

    PISA Programa Internacional de Avaliação de Estudantes

    PME Processo de Modernização do Ensino Militar

    PTTC Prestadores de Tarefa por Tempo Certo

    QAO Quadro Auxiliar de Oficiais

    QCO Quadro Complementar de Oficiais

    QEM Quadro de Engenheiros Militares

    RJU Regime Jurídico Único

    SCMB Sistema Colégio Militar do Brasil

    TC Tenente Coronel

    TEAM Termo de Recebimento e Averiguação de Material

    Tem Tenente

    TIC Tecnologia da Informação e Comunicação

    TREM Termo de Recebimento de Exame de Material

    UNESCO Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura

    UNICAMP

    USP

    Universidade Estadual de Campinas

    Universidade de São Paulo

    ZDP Zona de Desenvolvimento Próximo ou Proximal

    ZDR Zona de Desenvolvimento Real

  • SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 15

    CAPÍTULO I – FORMAÇÃO DE PROFESSORES............................................................. 26

    1.1 Visão geral.............................................................................................................. 26

    1.2 Uma perspectiva histórica da formação docente.................................................... 36

    1.3 A formação de professores no Brasil: breve retrospectiva histórica...................... 43

    1.4 A formação docente da Escola Preparatória de Cadetes do Exército..................... 55

    1.4.1 Ensino Militar no Exército Brasileiro..................................................................... 57

    1.4.2 Do Magistério Militar............................................................................................. 67

    1.4.2.1 Da Modernização do Ensino Militar...................................................................... 76

    CAPÍTULO II – A QUESTÃO DAS COMPETÊNCIAS E O ENSINO MILITAR............. 84

    2.1 Discutindo o conceito de “competências”.............................................................. 84

    2.2 A Pedagogia das Competências.............................................................................. 90

    2.2.1 O Ensino por Competências................................................................................... 95

    2.2.1.1 O Ensino por Competências no Exército Brasileiro............................................... 98

    2.3 A Pedagogia das Competências, as Metodologias Ativas de Ensino e a Teoria

    da Atividade............................................................................................................

    106

    CAPÍTULO III – DOS CAMINHOS INVESTIGATIVOS.................................................... 112

    3.1 A Educação Sociocomunitária no contexto da pesquisa realizada........................ 116

    3.2 Concepções epistemológicas e suas correlações com modelos de ensino-

    aprendizagem............................................................................................................

    119

    3.3 Apresentando os sujeitos da investigação.............................................................. 127

    3.4 Dos instrumentos de coleta de dados........................................................................ 130

    3.4.1 O questionário........................................................................................................... 131

    3.4.2 Desenho.................................................................................................................... 133

    3.4.3 Grupo focal............................................................................................................... 148

    3.4.4 Observações das aulas.............................................................................................. 149

    3.5 Da análise dos dados e resultados............................................................................. 150

    CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................. 164

    REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 169

  • APÊNDICE 1 TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO/Comando..................... 186

    APÊNDICE 2 TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO/Professor...................... 187

    APÊNDICE 3 QUESTIONÁRIO PARA PROFESSORES................................................. 188

    APÊNDICE 4 TRANSCRIÇÃO DOS QUESTIONÁRIOS................................................. 189

    APÊNDICE 5 TRANSCRIÇÃO DAS NARRATIVAS DOS DESENHOS ....................... 193

    APÊNDICE 6 TRANSCRIÇÃO DO GRUPO FOCAL....................................................... 201

    APÊNDICE 7 OBSERVAÇÕES DA AULAS.................................................................... 214

  • 15

    INTRODUÇÃO

    O ensino, no final do século XX, foi marcado por reformas educacionais

    carregadas das mais diversas propostas, tanto nos países da Europa quanto das Américas. O

    desenvolvimento intenso de conhecimentos no que concerne ao âmbito mundial e sua

    divulgação, aliando o binômio poder e saber nas sociedades contemporâneas gerou novos

    contextos para o campo educacional. Jacques Therrien e Francisco Antonio Loiola dizem que:

    A busca da primazia econômica, política e cultural no movimento de globalização

    encontram na educação os alicerces para enfrentar a alta competitividade da vida

    moderna. A racionalidade instrumental e técnica que caracterizou a modernidade se

    transforma, cedendo novos espaços para a razão comunicativa na leitura do real.

    Emerge a era da complexidade e suas exigências para a compreensão do mundo

    (THERRIEN e LOIOLA, 2001, p. 143-144).

    Percebe-se que a necessidade de escolarização, informação e conhecimento é

    entendida como promotora do desenvolvimento pessoal e social no século XXI. A expressão

    “sociedade do conhecimento”, que é utilizada para designar essa Era de ampla referência ao

    saber, leva em consideração o conhecer, o ser, o fazer e o conviver que são forças produtivas

    da sociedade contemporânea (FRIGOTO, 1994).

    Para refletir sobre os impactos que a “sociedade do conhecimento” tem no campo

    da educação, faz-se necessária uma avaliação do trabalho educativo em suas várias esferas, e,

    no caso dessa pesquisa, tal esforço dirige-se a compreender o trabalho docente atualmente

    realizado na Escola Preparatória dos Cadetes do Exército (EsPCEx). Como educadora nessa

    Instituição de Ensino Militar, inquietações surgem diante da necessidade de mudanças de

    paradigmas educacionais preconizados pelo Exército Brasileiro (EB), levando à busca de

    melhorias pessoais e profissionais, com intuito de promover avanços nos processos educativos

    da Escola.

    Dentre tais mudanças, aquela que será analisada nesse trabalho direciona-se ao

    Ensino por Competências que surge como nova proposta pedagógica da Instituição. A razão

    de ser dessa pesquisa está voltada, assim, para o estudo da implantação dessa proposta na

    EsPCEx, tomando-se por objeto de análise a apropriação que os docentes dessa Instituição

    vêm fazendo da referida proposta, de modo a poder favorecer uma transição mais efetiva entre

    os modelos didático-metodológicos, curriculares e epistemológicos que estavam em vigor

    com o atual. Essa transição é lenta e gradativa, iniciada com pequenos cursos de capacitação

  • 16

    feitos pela Diretoria de Educação Superior Militar (DESMil) e continuada pelos Estágios de

    Atualização Pedagógica (ESTAP), que são realizados na Escola durante todo o ano. A partir

    desses estudos e atualizações, os docentes introduzem, em suas aulas, ações voltadas ao

    Ensino por Competências.

    Considera-se que para melhor compreender os percursos dessa apropriação, é

    imprescindível conhecer as concepções epistemológicas em relação aos processos de

    ensino/aprendizagem desses professores, buscando reconhecer se tais concepções se alinham -

    ou não - àquelas que fundamentam o Ensino por Competências, e quais os impactos que essas

    concepções teriam (se houver) na implantação dessa proposta. Parte-se da hipótese de que o

    docente não é um “mero” aplicador de técnicas ou um transmissor neutro de conhecimentos.

    A prática deste está imanentemente marcada pelas concepções de mundo/realidade, dos

    modos de apropriação dessa realidade, por parte dos sujeitos, e dos valores que subjazem a tal

    apropriação. Ou seja, toda prática pedagógica está impregnada de concepções ontológicas,

    epistemológicas e axiológicas que não podem ser ignoradas nos programas de capacitação ou

    de formação docente, sob a penalidade de esses serem ineficientes, ou de que as novas

    metodologias tornem-se apenas um simulacro, uma nova roupagem, para aquelas práticas que

    se pretende reformular.

    O interesse pelo tema surgiu no momento em que a Instituição anunciou a

    mudança em seu ensino, atendendo às exigências anunciadas na Estratégia Nacional de

    Defesa (END), na qual a formação dos oficiais do Exército Brasileiro é condição primordial.

    Um aprofundamento teórico e uma ação prática são essenciais para que se possa contribuir

    efetivamente com a construção da nova realidade educacional quando se inicia a implantação

    do Ensino por Competências na formação de oficiais. Por isso, fazer o mestrado foi condição

    fundamental para o bom desempenho de minha função, como pedagoga responsável pela

    orientação e acompanhamento do trabalho docente na EsPCEx.

    A EsPCEx é uma escola de Ensino Superior Militar localizada na cidade de

    Campinas – SP, que tem como objetivo selecionar e preparar jovens brasileiros, oriundos de

    toda a Nação, para o ingresso no Curso de Formação de Oficiais as Armas, do Quadro de

    Material Bélico ou do Serviço de Intendência 1 , desenvolvido inicialmente na EsPCEx e

    depois na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), que fica situada na cidade de

    Resende - RJ. A seleção para o ingresso no curso de formação de oficiais do Exército é feita

    1O Serviço de Intendência no Exército Brasileiro é responsável por parte significativa da logística. É encarregado

    das atividades de suprimento (alimentos; fardamento e equipamento; reembolsáveis; e outros); administração

    financeira; e controle interno.

  • 17

    anualmente em âmbito nacional por meio de concurso de admissão, são oferecidas em torno

    de 520 vagas. Para que o jovem possa fazer o concurso, são exigidas algumas condições. São

    elas: ser brasileiro nato, do sexo masculino2; possuir idade mínima de 17 (dezessete) e, no

    máximo, 22 (vinte e dois) anos, completados até 31 de dezembro do ano da matrícula; ter

    concluído ou estar cursando (no ano da inscrição) o 3º ano do Ensino Médio.

    O concurso é composto por exame intelectual, inspeção de saúde, exame de

    aptidão física, comprovação de requisitos biográficos e averiguação de idoneidade moral.

    A EsPCEx, hodiernamente, é a única porta de entrada para a carreira de oficial

    militar do Exército Brasileiro (EB), haja vista que em épocas passadas havia concurso direto

    para a AMAN. Importante se faz salientar que na EsPCEx o aluno cursa o primeiro ano dos

    cinco anos de Formação de Oficial da Linha Bélica Militar e que, por este motivo, recebe o

    nome de preparatória.

    O Exército tem vários órgãos de direção setorial. Atualmente, o órgão responsável

    por gerenciar o Sistema de Ensino Militar é o Departamento de Educação e Cultura do

    Exército (DECEx), tendo como órgãos de apoio a Diretoria de Patrimônio Histórico e

    Cultural do Exército (DPHCEx), a Diretoria de Educação Preparatória e Assistencial (DEPA),

    a Diretoria de Educação Técnica Militar (DETMil), A Escola de Sargento das Armas (EsSA) o

    Centro de Capacitação Física do Exército (CCFEx) e a Diretoria de Educação Superior Militar

    (DESMil), a qual é responsável pelas Escolas de Formação Profissional como a Academia

    Militar das Agulhas Negras (AMAN), a Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx)

    a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) e a Escola de Comando e Estado - Maior do

    Exército (ECEME).

    O ensino profissional no EB está em processo de transformação desde 2010, com

    efetivação de uma nova proposta de ensino desde o início de 2012, tendo iniciado pela

    EsPCEx, a qual passa por mudanças significativas, saindo do Ensino por Objetivos para o

    Ensino por Competências e do Ensino Médio para o Ensino Superior. Essas mudanças nos

    levam a inquietações que nos fazem ir à busca de respostas para questionamentos sobre a

    fundamentação teórica e as práticas pedagógicas realizadas pelos docentes da EsPCEx, que

    contribuirão efetivamente, não só em relação à formação acadêmica dos alunos, mas também

    para torná-los mais sensíveis às questões sociais, o que pode ser de relevância para a prática

    profissional no novo modelo de atuação militar proposto no EB.

    A transformação do ensino no EB nasceu da necessidade de atuação das Forças

    2A partir de 2017 será permitido, pela primeira vez no Exército Brasileiro, o ingresso de jovens do sexo feminino

    para a carreira de oficial combatente.

  • 18

    Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) na sociedade civil, em um contexto cada vez mais

    complexo, o qual exige novas demandas educacionais, que venham atender à realidade

    nacional. Essa realidade passa pela realização de operações de segurança pública ou de

    missão de paz no exterior, como por exemplo, a ocupação de favelas no Rio de Janeiro e

    missão no Haiti, e em outros eventos que possam ajudar, efetivamente, na solução de

    problemas da sociedade civil e do Estado.

    O processo de transformação no ensino do EB está ancorado na Diretriz Geral do

    Comando do Exército 2011-2014, na Diretriz para o Projeto de Implantação do Ensino por

    Competências no Exército Brasileiro (Portaria nº 137, de 28FEV12) e no Projeto de

    Implantação do Ensino por Competências propriamente dito que ficou a cargo do DECEx.

    Toda essa documentação tem por objetivo respaldar a formação do novo profissional militar

    do século XXI, constante na Estratégia Nacional de Defesa (END), que está baseada na

    análise dos cenários nacionais e internacionais para atuação das Forças Armadas do Brasil,

    com visão prospectiva para o ano de 2030. Isso impõe mudanças nas diretrizes estratégicas,

    doutrinárias, tecnológicas e de gestão, as quais exigem o desenvolvimento de capacidades

    operacionais dos militares pertencentes à Força Terrestre3.

    Assim, quando se pensa na formação do profissional militar, não é mais aceito

    aquele sujeito passivo e cumpridor de ordens. Nesse cenário, necessita-se de um profissional

    mais crítico, criativo e flexível, para tomar decisões, construir coletivamente, liderar, motivar

    e valorizar sua equipe de trabalho, desenvolvendo competências necessárias para atuar no

    campo profissional do século XXI. Esse perfil de militar será construído mediante situações

    práticas, enfrentadas ao longo de sua formação profissional. Como afirmam Robinson e

    Grenn (2011), o desenvolvimento passa pela aprendizagem em serviço, que é uma importante

    ferramenta pedagógica amplamente aclamada nos dias atuais:

    A premissa básica desse conceito é que a aprendizagem experiencial reforça o

    conhecimento de sala de aula. Pode ser definida como metodologia de ensino que

    integra os objetivos da aprendizagem acadêmica em uma experiência na comunidade,

    para produzir um serviço junto a essa (ROBINSON e GRENN, 2001, p.3- 4).

    Entende-se aqui que as escolas militares, organizadas em regime de internato

    como a EsPCEx, são comunidades4 e como tal, espaços de desenvolvimento comunitário, o

    3Diz-se do Exército, que é uma das três Forças Armadas do Brasil. O lado operacional do Exército é chamado de

    Força Terrestre e é responsável pela defesa do País em operações eminentemente terrestres. 4Pessoas que se organizam sob as mesmas normas, geralmente vivem sob o mesmo governo e/ou compartilham o

    mesmo legado cultural e histórico. Os estudantes e professores que convivem no mesmo espaço físico formam

    uma comunidade.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/For%C3%A7as_Armadas_do_Brasilhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil

  • 19

    que pode ser visto pelo viés da Educação Sociocomunitária, como será adiante explicitado.

    A formação do profissional militar do século XXI está repleta de expectativas e

    preocupações inerentes à ordem social e à segurança nacional. Tais preocupações levam o EB

    a repensar sua missão e, consequentemente, a formação de seus profissionais, iniciando assim,

    um processo de transformação. Para que a transformação no Exército seja possível, é

    primordial um repensar pedagógico, levando o ensino militar a sofrer também uma

    transformação substancial.

    O Exército Brasileiro tem uma preocupação especial com a formação acadêmica e

    profissional de seu quadro de oficiais, haja vista que esses profissionais, pelas novas

    perspectivas postas às forças armadas, devem ser preparados tanto para atuação em situação

    de guerra convencional5, assim como para a guerra não convencional6.

    A transformação no sistema de ensino do EB visualiza mudanças de paradigmas e

    perspectivas na formação do Militar, que embora continue sendo bélica, também deve ser

    voltada importantemente para o gerenciamento de situações de conflito e para a priorização de

    esforços para a paz.

    Com foco nas peculiaridades e características próprias da Instituição e de seus

    sujeitos, surgem os seguintes questionamentos:

    1) Como o modelo de ensino agora adotado, aquele do Ensino por Competências, pode

    vir a ser desenvolvido para transformar a prática docente na EsPCEx?

    2) De que forma esta transformação pode contribuir com a formação do profissional

    militar?

    Para melhor atender às demandas na formação do oficial militar, o ensino no EB

    teria que passar de uma concepção comportamentalista, baseada na taxionomia de Bloom7,

    para uma concepção construtivista.

    5Forma de guerra realizada dentro dos padrões clássicos e com o emprego de armas convencionais, podendo ser

    total ou limitada, quer pela extensão da área conflagrada, quer pela amplitude dos efeitos a obter. Em geral, tem

    o propósito de enfraquecer ou destruir as forças militares do inimigo, para negar a possibilidade de continuar a

    lutar e forçar sua liderança política a se render. 6É o nome dado ao tipo de combate no qual seus integrantes utilizam meios não ortodoxos para atingir objetivos

    específicos. Visa obter de vantagens significativas em situações que gerariam combates longos e desgastantes

    para serem obtidas sem o uso das forças especiais. Seus integrantes podem não andar fardados, às vezes até se

    passando por civis, realizar ações de grande vulto e grande poder destrutivo dentro de perímetros até então

    inatingíveis pelas tropas regulares. 7 Estrutura de organização hierárquica de objetivos educacionais. Divide a aprendizagem em três grandes

    domínios: Cognitivo, afetivo e psicomotor.

  • 20

    Fala-se de uma concepção comportamentalista quando

    A escola é considerada e aceita como uma agência educacional que deverá adotar

    forma peculiar de controle, de acordo com os comportamentos que se pretende

    instalar e manter. Cabe a ela, portanto, manter, conservar e em parte modificar os

    padrões de comportamentos aceitos como úteis e desejáveis para uma sociedade,

    considerando-se um determinado contexto cultural (MIZUKAMI, 1986, p. 29).

    Apesar do ensino na EsPCEx ter sido reestruturado nos anos 1990 com a

    implantação de um programa chamado “Modernização do Ensino”8, que traz em seu bojo a

    concepção cognitivista baseada na teoria piagetiana, ainda se encontrava enraizada no ensino

    por objetivos, baseado na concepção comportamentalista. É o que se constatava na norma

    curricular vigente – a NERC, que estava baseada na taxionomia de Blomm, que estabelece

    uma gradação dos comportamentos desejáveis.

    Com a necessidade de formação de um combatente melhor preparado para atuar

    no mundo contemporâneo, mais uma vez o ensino profissional do Exército Brasileiro passa

    por transformação, migrando do ensino por objetivos para o ensino por competências. Essa

    transformação que se iniciou na EsPCEx em 2012 estende-se gradativamente para outras

    escolas de formação militar em todo o Brasil.

    O universo ao qual pertencem os docentes da EsPCEx mostra-se bastante

    heterogêneo, pois existem professores militares oriundos da linha bélica, formados na AMAN,

    oficiais da reserva remunerada, chamados de Prestadores de Tarefa por Tempo Certo (PTTC),

    professores militares do Quadro Complementar de Oficiais (QCO), professores militares

    formado no Instituto Militar de Engenharia (IME), professores civis concursados que

    pertencem ao regime jurídico único (RJU), professores militares contratados como Oficias

    Técnicos Temporários (OTT) e professores do quadro auxiliar de oficiais (QAO).Observa-se

    aqui a grande diversidade na própria formação do professor.

    A forma de ingresso no corpo docente da EsPCEx, também é bastante variada. Os

    professores civis são selecionados por meio de concurso público federal. Os professores

    militares do QCO e do IME são classificados na Escola após término de curso ou são

    transferidos de qualquer parte do Brasil mediante convite ou por solicitação do interessado; os

    professores militares temporários (OTT) passam por um processo seletivo particular9 e os

    8Programa adotado nas escolas militares a partir de 1998 (esclarecido no capítulo I desta dissertação). 9 Seleção de Oficial temporário: A região militar convoca via edital público; após seleção, análise e aprovação

    dos currículos entregues no ato da inscrição, os candidatos são submetidos a uma prova prática, que consta de

    apresentação de um assunto específico da matéria selecionada para uma banca avaliadora na própria EsPCEx,

  • 21

    professores militares de reserva (PTTC) são convidados pelo comando.

    Assim sendo, conhecer as bases epistemológicas, os referenciais teóricos dos

    professores e suas práticas, é de fundamental importância nesse momento de transição.

    Acredita-se que isso pode ser feito por meio dos pressupostos da Educação Sociocomunitária.

    Em consonância com essa premissa, esse estudo busca compreender as

    concepções sobre o processo ensino/aprendizagem dos docentes da EsPCEx.

    É importante, nesse momento, compreender o que vem a ser Educação

    Sociocomunitária para que se possa refletir sobre o papel do professor por esse viés.

    Gomes (2008) afirma que a Educação Sociocomunitária é um processo

    educacional marcado por intervenções educativas que articulam a comunidade para favorecer

    transformações sociais. Pensando que a EsPCEx é uma comunidade, entende-se que o

    trabalho lá desenvolvido está voltado para as interações sociais e tendo como base os

    interesses comuns entre os jovens que vivem e convivem no ambiente da Escola.

    Nessa perspectiva, Robinson e Green defendem que:

    Comunidade tem uma multitude de sentidos – desde daquele de um espaço físico

    geograficamente limitado, com pessoas vivendo juntas e com as interações sociais

    necessárias, até grupos de pessoas cujas interações são baseadas não na proximidade

    física, mas em interesses comuns (ROBINSON e GREEN, 2011, p. 5).

    Assim sendo, a Escola torna-se uma via de articulação para transformação social,

    por meio do processo de ensino/aprendizagem.

    Pode-se dizer que a Educação Sociocomunitária é a utilização de processos

    educativos pela comunidade, de maneira intencional, com foco na transformação social. É um

    caminho para a mobilização social e para o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade.

    Existe uma inter-relação entre a escola e a sociedade. A escola como instrumento social serve

    de caminho para a transformação (ou a reprodução) social, e parte-se do pressuposto de que

    somente quando o educador tomar consciência de sua prática pedagógica, e for capaz de

    identificar seus pressupostos, poderá contribuir para a transformação social (OLIVEIRA,

    2010).

    Pensando na formação de professores, percebe-se que cabe a esse profissional,

    comprometido com o conhecimento e o desenvolvimento social, refletir sobre as tendências

    sociais filosóficas e políticas da educação, e escolher conscientemente aquelas que melhor

    guiarão seu trabalho. Nessa perspectiva, Freire nos fala de uma rigorosa ética universal do ser

    composta do chefe da disciplina e dois professores da área.

  • 22

    humano:

    A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória de raça,

    de gênero, de classe. É por esta ética inseparável da prática educativa, não importa se

    trabalhamos com crianças, jovens ou com adulto, que devemos lutar. E a melhor

    maneira de por ela lutar é vivê-la em nossa prática, é testemunhá-la, vivaz, aos

    educandos em nossas relações com eles (FREIRE, 1996, p.17).

    Para Freire (1996), a questão da formação docente, ligada à reflexão sobre a

    prática educativa e crítica, torna-se uma exigência da relação teoria/prática, sem a qual a

    teoria pode virar verbalismo e a prática, ativismo. Porém, quando se tem uma práxis educativa,

    temos uma ação criadora e modificadora da realidade.

    A partir do que foi exposto até o momento, identifica-se o problema dessa

    pesquisa como sendo a discussão da formação e das práticas dos docentes da EsPCEx, dentro

    da proposta do Ensino por Competências, as quais têm por objetivo a formação do novo

    profissional militar, do qual se esperam ações, atitudes e procedimentos pró-ativos frente às

    necessidades das comunidades a serem atendidas, a partir de ações voltadas para atender à

    sociedade civil. Para a viabilização adequada desse reforço no âmbito da EsPCEx, considera-

    se que a comunidade escolar estabeleça ações voltadas para a transformação no sentido mais

    restrito, do próprio modelo vigente de formação humana na esfera deste ensino que pode

    revigorar e atualizar o perfil do militar na instituição como um todo.

    O objetivo geral dessa pesquisa é, então, compreender o processo de apropriação

    docente do Ensino por Competências adaptado à realidade do ensino no EB, e como isso se

    articula com a formação dos docentes da EsPCEx, reconhecendo as práticas pedagógicas

    desenvolvidas na Escola como percussoras do processo de transformação no ensino que ora

    ocorre no EB, bem como o reconhecimento necessário da melhoria constante na qualidade

    desse ensino.

    Os objetivos específicos desta pesquisa são: indagar sobre as características do

    fazer docente na EsPCEx, enfocando as suas concepções sobre as bases epistemológicas,

    ontológicas e axiológicas sobre o que é aprender, como aprendemos e para que aprendemos,

    pois essas concepções encontram-se subjacentes às suas práticas educacionais; e envolver os

    professores da Escola em uma reflexão sobre suas práticas dentro da concepção de Ensino por

    Competências, e sobre as Metodologias Ativas de ensino, vertente teórica que está nos

    fundamentos da Pedagogia das Competências.

    Tudo isso requer mudanças de paradigmas de ensino centrado no professor e nos

    conteúdos, para um ensino centrado no aluno.

  • 23

    Quando se trata da educação centrada no professor, aborda-se a educação na

    concepção “bancária” de Paulo Freire, que traz a educação como ato de depositar, de

    transferir conhecimentos de forma neutra para o aluno. Quando se fala em educação centrada

    no aluno, reporta-se à concepção sócio-histórico-cultural, aquela com foco para a

    transformação social por meio da construção do conhecimento. Utiliza-se de uma pedagogia

    fundada na ética, no respeito à dignidade e à própria autonomia do educando (FREIRE, 1996).

    Essa mudança de paradigma no ensino profissional militar exige uma evolução na

    maneira de pensar em relação à educação, sendo alternativa a um modelo que tem seu foco

    nos conteúdos escolares, para uma educação que visa à formação para o desenvolvimento de

    competências, capacidades e habilidades do aluno, com uma visão prospectiva que antecipa a

    complexidade das missões que fazem parte do cotidiano do profissional militar. Contudo, essa

    ideia pode também ser criticada pelo fato da utilização da palavra “competência” ser

    entendida no senso comum como algo que se refere à aptidão da pessoa competente para

    realizar bem uma determinada tarefa. Parece lógico relacionar o conceito de competência à

    capacidade de realizar bem uma tarefa, mas o viés aqui apresentado para o ensino por

    competências está voltado para que o sujeito mobilize os recursos pessoais e coletivos

    necessários para resolver- ou prevenir- situações problema. Nesse ponto de vista, Bordoni

    (2014, p.02) nos diz que “educar para competências é, então, ajudar o sujeito a adquirir e

    desenvolver as condições e/ou recursos que deverão ser mobilizados para resolver a situação

    complexa”. Assim, a metodologia utilizada em sala de aula precisa conter novas situações,

    entendendo que “competência” é mais do que aquisição de conhecimentos, podendo ser

    explicada como um saber que leva à tomada de decisões para o desenvolvimento na

    capacidade de avaliar e julgar (MACEDO, apud BORDONI, 2014).

    Do ponto de vista metodológico, este trabalho realiza uma pesquisa qualitativa, na

    modalidade de pesquisa-ação, caracterizada por possibilitar aos participantes de um

    determinado contexto profissional as condições de investigar sua própria prática de maneira

    crítica e reflexiva. É entendida também como uma metodologia apropriada para melhorar a

    prática profissional dos envolvidos na pesquisa.

    Considerando a natureza da pesquisa, o referencial teórico baseia-se no estudo das

    teorias interacionistas de Vygotsky e da teoria da atividade, que estão fundamentadas em uma

    concepção sócio-histórico-cultural do processo de ensino/aprendizagem. Desse modo, Duarte

    (2002) percebe a teoria da atividade como uma abordagem em potencial para a pesquisa em

    educação que se apresenta como referencial teórico-metodológico de caráter multidisciplinar

  • 24

    nas ciências humanas.

    O referencial teórico metodológico dessa investigação encontra-se nas bases do

    pensamento de Lev Vygotsky (1984, 1991) e Alexei Leontiev (1978,1983), na proposta de

    formação docente de Donald Schön (1983, 1987, 1990, 2005,2006) e António Nóvoa (1991,

    1995, 1999, 2000), Mizukami (1986, 2002, 2006); nas ideias sobre competências de Philippe

    Perrenoud (1999,2000, 2001, 2002), Antoni Zabala (1980, 1999, 2010) e Philippe Jornnaert

    (2009); nas concepções de aprendizagem de Portilho (2011) e Becker (1993, 2001, 2003,

    2008); e nas ideias de educação sociocomunitária de Azevedo (2007, 2010) e Bissoto (2011,

    2012).

    Os sujeitos da pesquisa são professores de diferentes disciplinas da EsPCEx que

    se voluntariaram para tal, aceitando o convite da pesquisadora, o que atende aos pressupostos

    da pesquisa-ação de que essa não pode ser imposta. Inicialmente dez professores

    voluntariaram-se, sendo um por disciplina exceto Química e Cibernética, que tiveram dois

    voluntários. No decorrer da pesquisa, a professora de História ausentou-se das funções

    docentes, deixando de compor o grupo de sujeitos da pesquisa. No entanto, outro professor da

    mesma disciplina mostrou-se interessado em participar, passando a integrar o grupo de

    sujeitos. No segundo semestre, um professor de cibernética foi conduzido para outra função,

    sendo desligado do grupo que passou a ser composto por nove professores.

    A dissertação está divida em três partes. No primeiro capítulo, constam as

    considerações sobre a formação de professores em uma visão geral, seguido de uma

    perspectiva histórica dessa formação, tratando posteriormente de uma breve retrospectiva da

    formação de professores no Brasil. Outro tópico diz respeito ao Ensino Militar no Exército

    Brasileiro e em seguida é abordado o magistério militar, tendo em vista a compreensão das

    especificidades desse campo profissional.

    A segunda parte trata da nova proposta de ensino no Exército Brasileiro, que tem

    sua fundamentação no Ensino por Competências. Inicia-se com conceituações sobre

    competências, passando para a pedagogia das competências, apresentando o Ensino por

    Competências de forma geral para chegar ao Ensino por Competências assim como foi

    compreendido pelo Exército Brasileiro. Tal ensino não pode ficar desvinculado de ações

    docentes que levem ao seu pleno desenvolvimento. Por isso, ainda nessa parte, apresenta-se a

    Teoria da Atividade e as Metodologias Ativas como proposta de ação didática que favorece o

    Ensino por Competências como aqui tratado.

  • 25

    A terceira e última parte apresenta as questões metodológicas, os dados coletados

    e suas análises, considerando como categorias as concepções epistemológicas, ontológicas e

    axiológicas dos professores da EsPCEx sobre o ensinar e o aprender. E é analizado o Ensino

    por Competências proposto pelo Exército Brasileiro, sua apropriação e discussão por parte

    dos docentes, e as possibilidades abertas para que haja um repensar das práticas pedagógicas.

  • 26

    I. FORMAÇÃO DE PROFESSORES

    A palavra “formação” nos remete imediatamente à ação de dar forma.

    “Formação”, aqui, se apresenta com significado de construção do ser enquanto pessoa que se

    forma. A palavra forma é entendida no sentido filosófico como “aquilo que, na coisa, é

    inteligível podendo ser conhecido pela razão (objeto da ciência): a essência, o definível"

    (JAPIASSÚ, 2001, p.81). Nessa perspectiva, o pensamento kantiano traz a forma como

    produto da atividade autônoma do espírito. A forma designa aquilo que vem do sujeito.

    É nessa linha de pensamento que se encontra, nesse trabalho, entendida a

    formação docente, inicialmente é apresentada uma visão geral dessa formação profissional,

    abrangendo suas perspectivas histórias e as relações possíveis a serem estabelecidas com o

    ensino militar no âmbito do Exército Brasileiro.

    1.1 Visão geral

    A formação de professores é discussão constituinte do campo da educação, e está

    associada ao processo de construção de conhecimentos e, como é defendido neste trabalho

    investigativo, deve buscar a transformação social.

    Quando se trata da formação docente, dirigimo-nos a significar um processo

    contínuo de tessituras e construções de novos saberes que levam o sujeito, no caso o

    professor, a transformar e a transformar-se, construindo algo novo, e então emergindo novas

    possibilidades de desenvolver um fazer individual e coletivo em um que-fazer de

    conhecimentos que não são desvinculados de intencionalidade do sujeito ao se lançar no

    mundo (BISSOTO, 2012).

    O trabalho docente, interativo e envolvente, é feito com, sobre e para os seres

    humanos, buscando compreender o homem como ser pensante que sente e age de acordo com

    seu entorno, ou seja, seu meio familiar, social e cultural (TARDIF e LESSARD, 2009),

    encaminhando o sentido da docência a um envolvimento com conhecimentos específicos,

    mas, concomitantemente, interligados à realidade social.

    No processo de formação inicial de professores, é oportuno trabalhar as bases

    epistemológicas dos saberes e fazeres fundamentais à sua prática, levando-os à construção de

    conhecimentos, tanto científicos, voltados para a especificidade da profissão, quanto sociais,

  • 27

    voltados às relações interpessoais e grupais, ampliando assim o espaço de discussão acerca da

    função e da profissionalização do docente.

    É importante destacar que, para o bom desempenho funcional, o professor em sua

    formação deverá estar atento aos conhecimentos específicos sobre as disciplinas, sobre o

    planejamento, sobre a didática e a capacidade de observação e reflexão sobre os saberes

    teóricos relativos a todo processo de ensino/aprendizagem, como condição sine qua non.

    Outro fator essencial nesse processo formativo diz respeito à relação professor-aluno. É de

    fundamental importância que o professor saiba lidar com a heterogeneidade humana existente

    em sala de aula, adequando sua atividade docente às necessidades do grupo, considerando as

    representações que os alunos fazem do conhecimento, do seu papel como aprendente, bem

    como daquelas em relação ao papel do docente (SOUZA et al, 2009, p.224).

    Tardif e Lessard (2009) defendem que o professor deve ser habilitado a

    desenvolver um trabalho cognitivo de forma imbricada, que se refere ao manuseio físico e

    intelectual, as atividades relativas à informação e ao conhecimento, e a um trabalho

    psicossocial, quando exerce sua ação sobre o outro. Essas afirmações dizem respeito à

    liderança e ao poder, no sentido de estar à frente na condução do processo pedagógico que é

    eminentemente social e coletivo. Isso porque a coletividade exige equanimidade no

    tratamento com os outros e o equilíbrio das relações de poder dos grupos em questão. Tal

    equanimidade refere-se ao fato de que todos aqueles que integram um ambiente de

    aprendizagem devem ser tratados de acordo com suas necessidades, relativas aos processos de

    ensino-aprendizagem.

    Souza (2011) afirma que a formação docente também ocorre no dia a dia de cada

    professor, nos momentos que são superadas barreiras e obstáculos, nas dificuldades e alegrias

    vividas no cotidiano profissional, ou seja, em seus objetos de estudos e em sua prática

    educativa, reforçando a ideia de Freire (1996) de que “quem ensina aprende ao ensinar e

    quem aprende ensina ao aprender”.

    A tarefa do professor pode ser traduzida em

    [...] semear desejos, estimular projetos, consolidar uma arquitetura de valores que

    sustentem e, sobretudo, fazer com que os alunos saibam articular seus projetos

    pessoais com a coletividade na qual se inserem, sabendo pedir junto com os outros,

    sendo, portanto, componentes (PERRENOUD, 2002, p.154).

    Careaga (2007) aponta para um conceito de educação com objetivo formativo,

    ligado ao contínuo aprender a aprender, bem como para o conhecimento como um processo

  • 28

    inacabado, integrador e totalitário, afirmando que “[..] la docência se concibe como um

    proceso facilitador de los aprendizajes” (CAREAGA, 2007, p. 01).

    Para que o professor acompanhe esse processo facilitador de aprendizagens, é

    essencial uma boa formação profissional. Tanto a universidade quanto a escola, em seu

    cotidiano, são agências formadoras docentes. Competem à universidade os domínios da teoria

    e à escola os domínios da prática, com intenção de aplicação do que foi aprendido

    anteriormente (MIZUKAMI, 2006). Infelizmente, a interligação entre esses dois campos tem

    priorizado o paradigma da racionalidade técnica (SCHON, 1983, 1997; CALDERHEAD,

    1996; KNOWLES et al, 1994) que preconiza a hierarquização e a separação das disciplinas

    em fundamentais (ciência básica), instrumentalizantes (ciência aplicada) e práticas de ensino,

    além de identificar o professor como um mero “repassador de conhecimentos”, em relação

    linear entre conhecimento teórico e prático.

    Alarcão (1996) apresenta as ideias de Schön, que critica amplamente esse modelo

    da racionalidade técnica, pois, para o autor, a prática do professor como espaço de reflexão e

    de construção de conhecimento pressupõe a ideia de reflexão na ação e a reflexão sobre a

    ação, pois o problema da prática cotidiana docente apresenta-se com estruturas variadas que

    desafiam soluções “técnicas”, requerendo soluções únicas de incertezas e conflitos,

    necessitando de outros saberes, além daqueles meramente técnicos.

    Os saberes mobilizados e articulados pelos professores em seu processo formativo

    ficam em qual parte? Tardif ressalta que

    São mobilizados, utilizados e produzidos por eles no âmbito de suas tarefas

    cotidianas [...] o que se propõe a partir desse postulado é considerar os professores

    como sujeitos que possuem, utilizam e produzem saberes específicos ao seu oficio,

    ao seu trabalho (TARDIF, 2002, p. 113).

    Esses saberes docentes também são construídos na interação entre ensino e

    pesquisa, no processo formador docente no âmbito das universidades. Nessa linha de

    pensamento, o ensino, a pesquisa e a extensão universitária são integrantes da formação do

    professor. São indissociáveis no espaço acadêmico e institucionalizados quando de sua

    inclusão no artigo 207 da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, a qual

    afirma que as universidades obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino,

    pesquisa e extensão, passando a ser então um requisito obrigatório nas universidades.

    O domínio da teoria que compete às universidades torna-se mais dinâmico com a

    interação ensino-pesquisa-extensão, colocando o conhecimento construído nesse âmbito a

  • 29

    favor das demandas sociais. A partir dessa relação, as universidades podem vislumbrar um

    trabalho acadêmico voltado para uma práxis pedagógica que estimula os futuros professores a

    pensar o ensino, a pesquisa e a extensão como processos integrados, auxiliando-os

    significativamente no diálogo entre teoria e prática.

    O processo de formação docente tratado na universidade precisa trabalhar a teoria

    pensando na reflexão e construção de conhecimentos acadêmicos voltados para a

    transformação social, com um “pensar a vida” como processo humanizador, na forma de

    soluções de problemas reais, realizando a função social de busca pela melhoria da qualidade

    de vida, compromisso das instituições de ensino superior, por meio do conhecimento

    científico.

    No entanto, se o processo de formação docente segue a ideia de pensar o professor

    como um simples instrumento de “recepção” de saberes produzido por outros, colocando os

    conhecimentos teóricos e práticos em uma contraposição artificial, pode-se tornar deficitário,

    formando não o professor, mas o “transmissor” de saberes na lógica da educação bancária

    criticada por Paulo Freire (1975). Esse modelo da racionalidade técnica que tem se mantido

    presente na formação do profissional de educação, ao menos desde as últimas cinco décadas,

    orienta as práticas pedagógicas atuais. É um tipo de relação que não valoriza o professor em

    sua ação docente, como espaço de reflexão e de construção de conhecimento, mas sim como

    um mero transmissor dos conhecimentos construídos ao longo da história da humanidade. O

    que subentende tais conhecimentos como neutros e ahistóricos, colaborando para um processo

    de reprodução de saberes e de manutenção das relações de poder, engessando a criatividade e

    a emersão de novos saberes, necessários para conceber outras formas de construir a realidade

    social.

    Segundo Zeichner (2008), essa racionalidade técnica que vê a “teoria”

    desenvolvida somente nas universidades e a “prática” desenvolvida somente nas escolas,

    ignorando a práxis pedagógica, torna o ensino uma atividade meramente técnica. Para ele,

    “[...] ainda existem, hoje, muitos exemplos desse modelo de racionalidade técnica na prática

    reflexiva em programas de formação docente ao redor do mundo” (ZEICHER, 2008, p.542).

    Esse fato dificulta, ainda nos dias atuais, o processo de formação docente. Para Nóvoa (1997),

    a lógica da racionalidade técnica está sempre se opondo ao desenvolvimento de uma práxis

    reflexiva.

    Para Alarcão, o processo reflexivo preconizado por Schön é composto de dois

    movimentos (reflexão na ação e reflexão sobre a ação) que têm um valor epistêmico e,

  • 30

    Tê-lo-ão ainda mais se sobre eles exercermos outra atividade que os ultrapassa: a

    reflexão sobre a reflexão na acção, processo que leva o profissional a progredir no

    seu desenvolvimento e a construir a sua forma pessoal de conhecer. A reflexão sobre

    a reflexão na acção ajuda a determinar as nossas acções futuras, a compreender

    futuros problemas ou a descobrir novas soluções (ALARCÃO, 1996, p. 17).

    Para Imbernón (2005), é importante que a formação inicial do docente forneça as

    bases para que o futuro professor/educador possa construir um conhecimento pedagógico

    especializado, ou seja, que ele desenvolva as competências e habilidades necessárias à

    docência, utilizando como ferramenta as disciplinas do currículo formal e formativo e as

    especificidades didáticas envolvidas no processo de ensinar e aprender. Corroborando esse

    pensamento e, de acordo com Nóvoa:

    [...] a formação docente passa pela experimentação, pela inovação, pelo ensaio de

    novos modos de trabalho pedagógico. E por uma reflexão crítica sobre sua

    utilização. A formação passa por processos de investigação, diretamente articulados

    com as práticas educativas (NÓVOA, 1997, p.28).

    Como aqui argumentado, a formação docente também é desenvolvida no próprio

    processo de ensino-aprendizagem, pois o professor é um sujeito que vive em uma

    determinada época e em um determinado local. Ele é sujeito histórico e temporal. Como diz

    Gatti (2001), é um ser datado e situado que resulta de relações vividas. Sua história de vida,

    suas relações e experiências, compõem a forma como os saberes são concebidos,

    determinando o seu valor, para que devem ser ensinados e como sendo fundamentais para os

    recortes que o professor fará ao longo de sua função docente.

    Sacristán (1999) traz a ação docente como uma realização em um grupo de

    pessoas definidas com características próprias que é a condição básica que essa ação,

    enquanto atividade profissional manifesta-se conjuntamente entre os sujeitos envolvidos e o

    grupo como um todo. Ainda para esse autor, “a função dos professores define-se pelas

    necessidades sociais a que o sistema educativo deve dar resposta, as quais se encontram

    justificadas pela linguagem técnica pedagógica” (SACRISTAN, 1999, p. 67).

    Entende-se por linguagem técnica pedagógica aquela adquirida na formação

    profissional, as quais exigem dos docentes saberes específicos, relacionando conhecimento e

    prática de acordo com a exigência de cada realidade vivida. A relação teoria-prática muitas

    vezes se torna falha quando prioriza as convicções dos professores, culturalmente adquiridas

    por meio da experiência e da socialização, em detrimento de saberes teóricos, e vice-versa.

    Nas palavras do autor:

  • 31

    A possibilidade de a teoria fecundar a prática é limitada. Pelo contrário, é necessário

    incentivar a aquisição de uma consciência progressiva sobre a prática, sem

    desvalorizar a importância dos contributos teóricos. Nesse sentido, a consciência

    sobre a prática surge como uma ideia-força condutora da formação inicial e

    permanente dos professores. [...] Trata-se apenas de recusar uma linearidade

    (unívoca) entre o conhecimento teórico e a acção prática (SACRISTÁN, 1999, p.

    78).

    A formação docente passa por mobilizações de conhecimentos e experiências,

    tanto numa dimensão prática quanto numa dimensão teórica, voltada para produção de novos

    saberes que ocorre na partilha de experiências e saberes individuais, nos espaços de formação

    mútua: “[...] nos quais cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de

    formador e de formando”, e em que “[...] é preciso investir positivamente os saberes de que o

    professor é portador, trabalhando-os do ponto de vista teórico e conceptual” (NÓVOA, 1997,

    p.26).

    Parte-se do princípio de que a formação docente está diretamente ligada à

    identidade de cada sujeito, construtor de sua história pessoal, profissional, e,

    consequentemente, social. Segundo Ercy Soar (2007), a palavra “identidade” relaciona-se à

    palavra indivíduo, a qual etimologicamente significa que o Eu é indivisível, ou seja, que cada

    pessoa é um todo indissolúvel. A etimologia da palavra “identidade” origina-se do latim

    identĭtas que significa idem, ou seja, “o mesmo”. Aquilo que nos caracteriza como diferente

    dos demais. Considera-se aqui, contudo, que o termo “mesmo” não significa estático ou

    fixado, pois a identidade humana é multifacetada e dinâmica. Freire (1997) afirma que o

    indivíduo constrói-se na relação dinâmica e contraditória daquilo que se herda genética e

    biologicamente e daquilo que se desenvolve dentro e por meio das relações sociais. A partir

    desse ponto de vista, fica clara a importância da identidade do professor que se constrói como

    sujeito, educador e educando, na/da prática educativa.

    A identidade profissional docente é também construída no cotidiano do professor,

    na qual está imbricada aquilo que ele é e no seu porvir, transformando-se ao longo do tempo,

    de acordo com os conhecimentos desenvolvidos, suas práticas e vivências pedagógicas. Para

    Gatti (2001, p. 167), essa identidade docente “[...] é respaldada pela memória, quer individual,

    quer social.” A construção da identidade docente é pessoal, intransferível e contínua, haja

    vista que cada sujeito tem uma vivência social única e uma percepção própria de mundo,

    favorecendo ao professor a aquisição de novos conhecimentos à medida que passa por cursos

    de formação, treinamentos e estudos, elaborando, reelaborando, articulando e mobilizando

    saberes. Tanto o processo formativo quanto a prática profissional do docente não estão

    desvinculados de sua identidade pessoal, dos conhecimentos e saberes construídos ao longo

  • 32

    das diferentes experiências e ações desenvolvidas em sua vida, incluindo aquelas vividas

    dentro do ambiente educativo que muito o influencia.

    No contexto de se pensar sobre a relevância da formação da identidade do

    docente, como acima descrito, a inter-relação teoria, prática e experiências de vida são

    defendidas por autores como Careaga, (2007) para quem a profissão docente é construída ao

    longo da vida profissional, passando por diversos estágios. Careaga (2007) defende a ideia de

    uma carreira com estágios que obedecem a um caráter dinâmico de construção de saberes e

    práticas pedagógicas, assegurando a profissionalização por meio da atuação docente nas

    diversas vivências profissionais, ajudando-os a identificar as múltiplas áreas do conhecimento

    que necessitariam de maior aprofundamento para o desenvolvimento profissional. Para a

    autora: “[...] esta estrutura em estágios, significa afrontar la 'perversidades' de muchos

    sistemas educativos, que premian la antiguedad por encima de La producción e El

    desempeño”(CAREAGA, 2007, p. 2).

    Na medida em que o professor vai adquirindo experiências e vivências

    pedagógicas, dominando esse campo específico de conhecimento, aprende e reaprende com

    sua prática, construindo-se como profissional. É importante que o professor em sua formação

    inicial e contínua, seja crítico de si mesmo, percebendo seus limites por meio de reflexões

    sobre suas ações. Careaga (2007) ilustra o processo formativo e a prática profissional docente

    por meio do esquema abaixo apresentado.

    Ilustração 1 – Processo formativo e prática profissional10

    Fonte: Careaga, 2007, p. 6

    10Careaga(2007,p.6) adaptado de Alanís Huerta A.,2001.

    Interpretación contextual

    El hacer pedagógico

    Elaboración

    teórica y

    conceptual

  • 33

    Ao analisar o esquema acima, percebe-se que o fazer pedagógico apresenta-se

    como fruto da construção de conhecimentos teóricos e conceituais, os quais, por sua vez, são

    a base das interpretações contextuais construídas pelos profissionais para que ocorra uma

    efetiva ação pedagógica. Conforme Careaga (2007), o processo formativo e a prática

    profissional resultam da intercessão desses três níveis acima representados.

    Kirsch (2013) apresenta um modelo tipológico proposto por Tardif (2002) acerca

    dos saberes pertinentes ao profissional do ensino, ilustrando assim a complexidade e o

    pluralismo do saber docente. Este modelo compreende: saberes pessoais (adquiridos em sua

    história de vida, relaciona-se à formação do sujeito como pessoa); saberes provenientes de sua

    formação escolar (adquiridos nas escolas que frequentou durante sua escolaridade, tendo

    como modelo seus professores); saberes provenientes da formação profissional para o

    magistério (adquiridos nas instituições de formação de professores, estágios, cursos etc.);

    saberes provenientes dos programas e livros didáticos usados no trabalho (adquiridos na

    utilização de ferramentas para os professores: livros didáticos, programas, materiais de uma

    maneira geral) e saberes provenientes de sua própria experiência na profissão, na sala de aula

    e na escola (adquiridos na prática de sala de aula e experiência entre pares). A partir disso,

    analisam-se algumas proposições apontadas por Tardif que são indispensáveis à reflexão

    sobre a formação docente.

    Os saberes profissionais são entendidos como construídos na atividade laboral, a

    partir dos conhecimentos adquiridos na formação teórica e na ação docente, apontando para

    uma prática aplicada e não somente à mera aplicação de teorias aprendidas nos cursos de

    formação. Nesse sentido, existe uma necessidade de se considerar a pessoa do professor, em

    suas crenças, conhecimentos, discursos. Saber o que eles “[...] pensam e falam, além de como

    eles trabalham na instituição escolar e [...] considerar os conhecimentos oriundos das práticas

    dos profissionais do ensino.” (KIRSCH, 2013, p. 48), bem como procurar entender seus

    comportamentos, haja vista que são influenciados pela cultura dominante. Seguindo o

    pensamento de Tardif (2002), não se deve desconsiderar a pedagogia e a didática, que são as

    portas tradicionais de entrada dos conceitos pedagógicos, “mas sim abranger as construções

    dos saberes dos professores a partir de seu trabalho cotidiano” (TARDIF, 2002, apud

    KIRSCH, 2013, p. 48). A prática docente é construída sobre todo o significado dado pelo

    professor às suas experiências e vivências, tanto pessoais quanto profissionais e, portanto,

    surge como uma teia complexa de conhecimentos e vivências que são postos em prática de

    acordo com a situação vivida.

  • 34

    Mizukami (2006) aponta para a formação docente como um continuum, não se

    restringindo à formação inicial nem à formação continuada como as únicas fontes de

    aprendizagem da docência. Para a autora, as concepções, crenças e atitudes dos professores

    constituem-se por meio de experiências e vivências nas histórias particulares de vida escolar.

    Ou seja, o modelo de docência que seus professores transmitiram ao longo de sua

    escolaridade tem muita influência em sua prática de sala de aula, contribuindo, desse modo,

    com sua formação. No momento de sala de aula, o professor depara-se com muitas situações

    divergentes, e que não foram previstas nas teorias e técnicas “aprendidas” em seus cursos de

    formação, colocando-o em uma situação nova e única, não havendo “receitas prontas” para

    tais situações. Isso pode ou não levar o docente a desenvolver capacidades e competências

    necessárias para lidar com incertezas e múltiplas variáveis, o que também pode favorecer o

    desenvolvimento de atitudes positivas em relação à solução de problemas do cotidiano

    escolar.

    Souza et al (2009) analisam as situações de incerteza que ocorrem em sala de aula

    como eventos que não podem ser vistos como abstratos nem técnicos, o que leva o professor a

    inovar, criar, construir possibilidades e a não aplicar modelos prontos e acabados que foram

    aprendidos em sua formação teórica, diante da situação-problema vivenciada em classe. Nesse

    contexto e conforme os autores:

    Assim, a prática educativa exige do docente a capacidade de incorporar, de lidar

    com incertezas, com as variáveis; ela requer desenvolvimento de competências,

    conhecimentos e atitudes que só podem ser apropriadas em contato com essas

    práticas (SOUZA, et al, 2009, p. 226).

    É uma afirmação também presente no pensamento de Nóvoa:

    As situações que os professores são obrigados a enfrentar (e a resolver) apresentam

    características únicas, exigindo, portanto respostas únicas: o profissional

    competente possui capacidade de autodesenvolvimento reflexivo (NÓVOA, 1997, p.

    27).

    Refletindo sobre o que até aqui foi exposto, pondera-se que, quando se fala de

    formação de professores, é fundamental assumir determinadas posições epistemológicas,

    ontológicas e axiológicas relativas ao ensino, à pessoa do professor e dos alunos, pois, mais

    do que um conjunto de saberes operacionais, esta formação está prenhe de situações e

    possibilidades de reflexão e conscientização social, cultural e ideológica da/sobre a própria

    profissão docente.

  • 35

    Para Nóvoa (1997) e Garcia (1997), é importante valorizar paradigmas de

    formação docente que preparem professores reflexivos, que assumam a responsabilidade de

    sua própria formação, que participem efetivamente de políticas educativas e que se

    preocupem com o potencial de transformação e conscientização social que a Educação pode

    trazer. No processo formativo da profissão docente, é essencial refletir sobre teoria e prática;

    porém, nesse processo, ambas não existem em separado.

    Madalena Freire diz que

    Não existe prática sem teoria, como também não existe teoria que não tenha nascido

    de uma prática. Porque o importante é que a reflexão seja um instrumento

    dinamizador entre prática e teoria. Porém, não basta pensar, refletir, o crucial é fazer

    com que a reflexão nos conduza à ação transformadora [...] (FREIRE, 2008, p. 49).

    Paulo Freire (1996) apresenta uma preocupação no que diz respeito aos saberes

    fundamentais à prática educativa-crítica que, para ele, deve ser conteúdo obrigatório nos

    programas de formação de professores:

    É preciso, sobretudo, e aí já vai um desses saberes indispensáveis, que o formando,

    desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito

    também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é

    transferir conhecimento, mas criar possibilidades para sua produção ou a sua

    construção (FREIRE, 1996, p. 24).

    Nessa linha de pensamento, é preciso compreender o processo formativo do

    professor desde o início – e clarificar o pensamento – como um aspecto distinto da formação

    discente, sendo importante fazer-se compreender que “quem forma se forma e re-forma ao

    formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado” (FREIRE, 1996, p. 25).

    O que Freire que dizer com isso? Ele afirma que quem ensina aprende ao ensinar,

    ou seja, o docente está o tempo todo em processo formativo, ensinando e aprendendo. Afirma

    também que ensinar inexiste sem aprender e vice-versa. O docente, nesse processo, deve estar

    sempre aberto a aprender com seus alunos.

    A formação de professores é um fator primordial na melhoria do ensino e,

    portanto, repercute nas relações sociais envolvidas no processo educativo. À medida que o

    professor se dispõe a pensar, repensar, ensinar e aprender com e na sua docência, e, a partir

    daí modificar suas práticas, relacionando os conhecimentos inerentes à profissão a sua práxis,

    seu trajeto formativo e profissional é alterado, passando para uma condição mais favorável ao

    processo educativo.

  • 36

    Continuando a discussão da formação docente, tema central nesta investigação,

    importante faz-se analisar o processo histórico relativo a essa formação, procurando subsídios

    para melhor entendê-la, o que será exposto a seguir.

    1.2 Uma perspectiva histórica da formação docente

    A história é o exercício da memória realizado para compreender o presente e para

    nele ler as possibilidades de futuro, mesmo que seja de um futuro a construir,

    escolher, a tornar possível. Mas é justamente a atividade da memória, a focalização

    do passado que anima o presente e o condiciona como também o reconhecimento

    das suas possibilidades [...] (CAMBI, 1999, p. 35).

    Escrever sobre a formação de professores requer uma análise contextual das

    questões sociopolíticas e pedagógicas que cercam esse tema. Resgatar e construir o percurso

    da formação docente é de suma importância para ampliar as bases do conhecimento e a visão

    sobre o tema em questão. A pedagogia como ciência da Educação tem suas bases

    epistemológicas nas ciências filosóficas e sociológicas, por isso a importância de se pensar em

    uma perspectiva ampla de análise, com o objetivo de melhor compreender essa ciência.

    Antônio Nóvoa (1999), na apresentação do livro História da Pedagogia, de Franco

    Cambi (1999), defende a importância da História da Educação, fundamentando-se em quatro

    ideias principais: primeiro, a História da Educação deve reestabelecer relações com o passado,

    refletindo sobre a própria história; segundo, a História da Educação suscita nos educadores, na

    sociedade atual, uma percepção sobre as ideias e propostas educativas em suas várias

    dimensões, riquezas e diferenças; terceiro, a História da Educação fornece subsídios inerentes

    aos conhecimentos necessários à formação docente, colaborando com a formação cultural da

    profissão. E, por fim, o autor diz que,

    A História da Educação amplia a memória e a experiência, o leque de escolhas e

    possibilidades pedagógicas, o que permite um alargamento do repertório dos

    educadores e lhes fornece uma visão de extrema diversidade das instituições

    escolares no passado. Para, além disso, revela que a educação não é ‘destino’, mas

    uma construção social, o que renova o sentido da ação quotidiana da cada educador

    (NÓVOA, apud CAMBI, 1999, p. 13).

    Assim, não se pode falar de formação de professores sem uma perspectiva

    histórica e, com isso, buscam-se os caminhos percorridos pela educação, principalmente na

    formação docente para refletir sobre o seu devir.

    Ao longo da história, percebe-se que o referido tema é objeto de muitas análises e

    reflexões, porém apresenta ainda muitos pontos obscuros e desconhecidos que necessitam de

  • 37

    mais discussões, análises e reflexões. Vale ressaltar que, ao buscar compreender os caminhos

    da educação e, em específico o caminho da formação docente em uma perspectiva histórica,

    pode-se melhor compreender os problemas que hoje assolam a profissão. Nóvoa (1995, p.14)

    sugere mesmo “que o processo histórico de profissionalização do professorado (passado) pode

    servir de base à compreensão dos problemas atuais da profissão docente (presente)”.

    A pedagogia ocidental nasce da educação na Grécia. Franco Cambi (1999, p. 101)

    nos aponta para a experiência grega como “a matriz fundamental de uma identidade cultural

    complexa relativa aos problemas da educação/formação”. Ele explana sobre três aspectos que,

    a partir do pensamento grego depois amalgamado à filosofia romana, pesaram sobre a

    tradição de educação ocidental. São eles:

    a) A noção de paideia, que está ligada a um ideal de formação educacional, a qual

    procurava desenvolver o homem em todas as suas potencialidades de tal maneira

    que o levasse a ser um melhor cidadão, desenvolvendo-se como homem, não só

    sábio, mas também virtuoso como ser moral político e literário;

    b) A pedagogia como teoria que se preocupa em tratar os problemas educativos de

    forma universal e rigorosa “Nasce um saber da educação no sentido próprio, com

    todos os riscos de abstração, de teorismo, de normativismo que isto comporta”

    (p.102) e,

    c) A problematização da relação educativa que pensa a interação educador-

    educando, tornando o “mestre” envolvido intimamente no processo que é

    eminentemente espiritual e faz do educador “um mestre de vida, e, portanto um

    educador dotado de excepcional carisma e de uma exemplaridade que induz à

    imitação”.

    Nessa perspectiva, Borges et. al. (2011) afirmam que:

    Em nível global, a necessidade de formação docente fora preconizada por Comenius,

    no século XVII, sendo que o Seminário dos Mestres, instituído por São João Batista

    de La Salle em 1684, foi o primeiro estabelecimento de ensino destinado à formação

    de professores. Mas, somente após a Revolução Francesa, mais precisamente no

    final do século XVIII, iniciou-se o processo de valorização da instrução escolar (BORGES et al, 2011, p. 95).

    Para Nóvoa (1995), o processo histórico de profissionalização dos professores,

    inicialmente se dá na Europa, especificamente em Portugal, e teve seu momento crucial na

    segunda metade do século XVIII. Naquela época, existiu uma preocupação em traçar o perfil

  • 38

    do professor ideal num movimento de transição entre o sagrado, a secularização e a

    estatização do ensino. A igreja foi perdendo o controle sobre a formalização da educação e

    aos poucos os professores religiosos foram dando lugar aos professores leigos, normatizados

    pelas diretrizes do Estado. No entanto, pouco se perceberam mudanças significativas nas

    normas e valores originais da profissão que seguia um