Artigo Para Refletir

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Sobre a Educação Física Escolar: fundamentação e história de uma práxis CORRÊA, Ivan Livindo de Senna 1 ; MORO, Roque Luiz 2 ; SABEDOTTI, Paulo 3 . Resumo O presente estudo teve como finalidade relatar o processo de construção de uma práxis pedagógica em Educação Física Escolar, coerente com a realidade estrutural e social das escolas públicas do Rio Grande do Sul. Para isso, utilizamos os procedimentos metodológicos da investigação-ação, que se caracteriza por sua intervenção no contexto investigado e pelos atores do ensino/aprendizagem serem os próprios agentes solucionadores dos problemas. A investigação-ação ocorreu em escolas públicas municipais de Restinga Sêca-RS e Santa Maria-RS, no período de 1990 a 2001. A pesquisa teve como resultado uma proposta pedagógica crítica para a Educação Física Escolar, apontando alternativas para as seguintes temáticas pedagógicas: o papel social da Educação Física Escolar; os conteúdos da Educação Física Escolar; a organização e/ou distribuição dos conteúdos no tempo escolar; os procedimentos metodológicos para o trato dos conteúdos; e, a avaliação do ensino/aprendizagem, dos conteúdos, no tempo/espaço escolar. Palavras-chaves: prática pedagógica; educação física escolar; pedagogia crítica Introdução A prática da Educação Física Escolar, vem se constituindo num campo de estudo e reflexões da pedagogia da educação física. O que, nas ultimas duas décadas, proporcionou o surgimento de várias propostas pedagógicas 1 para a Educação Física Escolar. Apesar dos esforços teóricos, as mudanças do cotidiano escolar continuam dependendo das ações isoladas de educadores que construam significados sociais, políticos e culturais a sua prática educativa. Isto é, a Educação Física Escolar está vinculada aos conhecimentos e interesses do professor, pais e alunos. Procurando somar esforços aos estudos da pedagogia crítica da educação física, em nossa práxis procuramos encontrar alternativas para as seguintes questões pedagógicas: Qual o papel social da Educação Física Escolar? Que conteúdo adotar para a Educação Física Escolar? Como organizar/distribuir esse conteúdo no tempo escolar? Quais procedimentos metodológicos adotar para o estudo desse conteúdo? Como avaliar o processo ensino/aprendizagem, dos conteúdos, no tempo/espaço escolar? Com esse questionamento, objetivamos construir uma proposta pedagógica para a Educação Física Escolar coerente com às dificuldades estruturais da escola e que contribuísse para a construção 1 Prof. MS da Rede Pública Municipal de Santa Maria-RS 2 Prof. Dr. do Curso de Educação Física: Licenciatura Plena do CEFD/UFSM 3 Prof. Especialista da Rede Pública Municipal de Caxias do Sul-RS Endereço: Av. João Machado Soares, 1240, Bloco C-3, Apartamento 331, Camobí, Santa Maria - RS. CEP: 97-110-000. Revista Kinesis, Santa Maria, N° 26, p. 137-166, Maio de 2002.

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  • Sobre a Educao Fsica Escolar: fundamentao e histria de uma

    prxis

    CORRA, Ivan Livindo de Senna1; MORO, Roque Luiz2; SABEDOTTI, Paulo3.

    Resumo

    O presente estudo teve como finalidade relatar o processo de construo de uma prxis pedaggica em Educao Fsica Escolar, coerente com a realidade estrutural e social das escolas pblicas do Rio Grande do Sul. Para isso, utilizamos os procedimentos metodolgicos da investigao-ao, que se caracteriza por sua interveno no contexto investigado e pelos atores do ensino/aprendizagem serem os prprios agentes solucionadores dos problemas. A investigao-ao ocorreu em escolas pblicas municipais de Restinga Sca-RS e Santa Maria-RS, no perodo de 1990 a 2001. A pesquisa teve como resultado uma proposta pedaggica crtica para a Educao Fsica Escolar, apontando alternativas para as seguintes temticas pedaggicas: o papel social da Educao Fsica Escolar; os contedos da Educao Fsica Escolar; a organizao e/ou distribuio dos contedos no tempo escolar; os procedimentos metodolgicos para o trato dos contedos; e, a avaliao do ensino/aprendizagem, dos contedos, no tempo/espao escolar.

    Palavras-chaves: prtica pedaggica; educao fsica escolar; pedagogia crtica

    Introduo

    A prtica da Educao Fsica Escolar, vem se constituindo num campo de estudo e reflexes da pedagogia da educao fsica. O que, nas ultimas duas dcadas, proporcionou o surgimento de vrias propostas pedaggicas1 para a Educao Fsica Escolar. Apesar dos esforos tericos, as mudanas do cotidiano escolar continuam dependendo das aes isoladas de educadores que construam significados sociais, polticos e culturais a sua prtica educativa. Isto , a Educao Fsica Escolar est vinculada aos conhecimentos e interesses do professor, pais e alunos. Procurando somar esforos aos estudos da pedagogia crtica da educao fsica, em nossa prxis procuramos encontrar alternativas para as seguintes questes pedaggicas: Qual o papel social da Educao Fsica Escolar? Que contedo adotar para a Educao Fsica Escolar? Como organizar/distribuir esse contedo no tempo escolar? Quais procedimentos metodolgicos adotar para o estudo desse contedo? Como avaliar o processo ensino/aprendizagem, dos contedos, no tempo/espao escolar?

    Com esse questionamento, objetivamos construir uma proposta pedaggica para a Educao Fsica Escolar coerente com s dificuldades estruturais da escola e que contribusse para a construo 1 Prof. MS da Rede Pblica Municipal de Santa Maria-RS

    2 Prof. Dr. do Curso de Educao Fsica: Licenciatura Plena do CEFD/UFSM

    3 Prof. Especialista da Rede Pblica Municipal de Caxias do Sul-RS Endereo: Av. Joo Machado Soares, 1240, Bloco C-3, Apartamento 331, Camob, Santa Maria - RS. CEP: 97-110-000.

    Revista Kinesis, Santa Maria, N 26, p. 137-166, Maio de 2002.

  • da cidadania. Para isso, utilizamos os procedimentos metodolgicos da de investigao-ao2, que se caracteriza pelos seguintes aspectos: a situao problema faz parte das experincias cotidianas do professor; o objetivo da investigao aprofundar a compreenso que o professor tem do problema; o referencial terico um instrumento de auxilio compreenso do problema; o relatrio se caracteriza como uma histria do problema; o investigador quem age para solucionar o problema; a linguagem utilizada a mesma utilizada pelas pessoas envolvidas no problema; o dilogo o recurso utilizado para superao do problema; e, a existncia de troca de informao entre os participantes do contexto investigado decisiva.

    A construo da proposta pedaggica resultado do nosso trabalho em escolas do ensino fundamental nos municipios de Restinga Sca-RS e Santa Maria-RS. Para possibilitar ao leitor a compreenso do processo de construo da proposta, primeiramente, apontamos as perspectivas para a Educao Fsica Escolar, aps, descrevemos a caminhada de construo da proposta e ento, a prtica pedaggica da Educao Fsica numa perspectiva crtica.

    Apresentao e discusso dos resultados

    Perspectivas curriculares para uma Educao Fsica Escolar

    Os estudos da pedagogia crtica tm salientado os conflitos de interesses sociais que perpassam a Educao Escolar. Interesses, que esto presentes em todos os nveis de construo curricular3 4 , como na elaborao de legislaes, nos documentos oficiais e livros didticos, na ao pedaggica do professor e na avaliao curricular. Esses conflitos ocorrem basicamente entre aqueles que querem perpetuar, atravs da educao os valores de mercado e aqueles que minimizam esses valores, atravs da construo de aes pedaggicas que buscam romper com a lgica social discriminatria e excludente.

    O reflexo desses conflitos se materializa na diferena de qualidade dos estabelecimentos escolares. Existem escolas bem equipadas (com bibliotecas, laboratrios, anfiteatros, aparelhos e local apropriado para a prtica de Educao Fsica), com projetos pedaggicos definidos, corpo docente comprometido com o projeto da escola e comunidade escolar envolvida no processo ensino/ aprendizagem. Mas tambm, existem escolas com estrutura precria (faltam classes, merenda, bibliotecas, laboratrios, aparelhos e local apropriado para a prtica de Educao Fsica), dificuldade de acesso, sem projeto pedaggico definido, professores desestimulados, comunidade que no participa do processo ensino/aprendizagem, onde apresentam altos ndices de evaso e reprovao escolar. Essa diferena de estabelecimento de ensino geralmente est vinculado hierarquia social, isto , as escolas que atendem as classes mais elevadas so didaticamente melhor equipadas que as escolas que atendem as classes populares5. Isso vem a contribuir para excluso social, j que a estrutura educacional relativiza o acesso de todos aos conhecimentos acumulados historicamente.

    Os conflitos de interesses sociais perpassam a prpria elaborao da legislao educacional, pois durante o processo de construo da Lei n. 9394/96, tramitou paralelamente dois projetos: um na Cmara de Deputados e outro no Senado. O projeto da Cmara de Deputados era fruto de grande debate com a Sociedade Educacional Organizada6. J o que tramitava no Senado, era de autoria do Senador Darcy Ribeiro (PDT-RJ) e assinado pelos senadores Maro Maciel (PFL-PE) e Maurcio Corra (PDT-DF). Como se sabe, venceu, na disputa poltica parlamentar, o projeto do Senador Darcy Ribeiro (Lei n. 9394/96), que se caracteriza por sua flexibilidade, o que ir possibilitar aos Estados, Municpios e Escolas elaborarem seus prprios Projetos poltico-pedaggico.

    A flexibilidade da lei, que amplia e legitima as disputas de projetos na educao escolar. Com isso a educao escolar poder: tanto retroceder a uma pedagogia conservadora ou manter a igual situao que se encontra, assim como avanar rumo a uma pedagogia crtica6. Essa incerteza nos

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  • apresentada pela autonomia da escola e do professor, podendo estes, interpretar leis e parmetros curriculares conforme suas concepes. Assim, a prtica curricular passar a constituir-se cada vez mais numa arena poltica7 e a escola o espao de lutas onde os educadores transformadores podero ampliar ou implementar uma prtica pedagogia crtica. Nesse sentido, a dificuldade para tanto ser: como realizar uma prtica pedaggica crtica? Quais aes poderemos adotar para construir uma pedagogia crtica?

    A prtica pedaggica, crtica, no almeja simplesmente possibilitar ao aluno o acesso a determinados conhecimentos, mas sim a transformao social. Tambm, se sabe que as transformaes sociais no ocorrero unicamente pela educao escolar, no entanto sabe-se que a educao escolar pode desempenhar papel fundamental na construo da cidadania. Assim, mesmo que "a educao no transforma o mundo, transforma pessoas e pessoas transformam o mundo"8, atravs da participao ativa nas lutas emanciapatrias.

    No entanto, a construo da cidadania necessita de educadores crticos que propem aes educativas que superem as relaes pedaggicas que reproduzem os valores sociais excludentes. As aes propostas devem contribuir para a formao de cidados crticos, autnomos, solidrios e comprometidos com os movimentos que buscam a transformao da sociedade excludente. Com isso, criar-se- espaos, no currculo escolar, de resistncia e de vivncia de relaes solidrias, igualitrias, criativas, crticas e emancipatrias.

    Tambm, o desafio da pedagogia crtica ser a superao da pedagogia conservadora, a qual caracteriza-se, em nosso entender, nas relaes autoritrias/hierrquicas e/ou no abandono dos educandos aos seus prprios conhecimentos e interesses. As relaes autoritrias/hierrquicas constituem-se em: o professor quem possui o conhecimento, quem sabe, quem pensa, quem fala em aula, quem disciplina, quem escolhe contedos e quem avalia o processo de ensino/aprendizagem9, na medida que o aluno considerado como mero receptor de conhecimento e executor de ordens. O abandono dos educandos, caracteriza-se quando o professor usa de sua autoridade para atribuir, unicamente ao aluno, a responsabilidade de escolher os contedos, de estudar e refletir sobre esses contedos e de se avaliar, cabendo ao professor o controle disciplinar perifrico do aluno.

    A prtica educativa autoritria/hierrquica ser conservadora porque reproduz a ordem social vigente, atravs da inculcao de valores autoritrios, elitistas e seletistas, inerentes ao sistema escolar. Essa prtica ignora: o conhecimento cultural do aluno e as potencialidades destes em refletir, comunicar-se, criticar e criar. J a prtica de abandono dos educandos, tambm ser conservadora porque atribui a responsabilidade do processo educativo, unicamente, capacidade individual ou coletiva dos alunos e aos seus conhecimentos culturais. Com isso, acaba reproduzindo os valores inerentes cultura regional e/ou s relaes de mercado presente no senso comum dos alunos.

    Quanto a Educao Fsica Escolar, as perspectivas curriculares esto vinculadas ao processo de construo dos projetos polticos-pedaggicos das escolas. Com isso, as aes pedaggicas na Educao Fsica, tambm podero variar entre aes conservadoras e aes crticas. O que nos leva as seguintes questes: O qu justificaria a prtica da Educao Fsica Escolar? Seria a necessidade de melhoria do condicionamento crdio/respiratrio e da reduo do percentual de gordura das crianas e adolescentes? Seria a massificao da prtica de esportes federados? Seria a necessidade de controle disciplinar dos alunos atravs de atividade fsica? Seria a "potencialidade" da prtica de Educao Fsica de reduo do uso indevido de drogas? Seria a possibilidade de construo da cidadania pela socializao do conhecimento da cultura corporal de movimento? Ou, seria a inteno de possibilitar momentos prazerosos e alegres aos alunos durante a permanncia na escola?

    Nesse momento, no nossa inteno responder essas questes, no entanto vamos ilustrar, a seguir, o que entendemos como prtica pedaggica conservadora na Educao Fsica Escolar.

    A aes pedaggicas que vamos descrever so exemplos fictcios, baseados em dilogos com os colegas sobre a realidade da Educao Fsica na Rede Pblica Municipal de Restinga Sca-RS, de Santa Maria-RS e de resultados de pesquisas 1 0 1 1 realizadas com professores de Educao Fsica em escolas das Redes Estadual, Particular e Municipal de Ensino de Santa Maria-RS. A pedagogia

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  • conservadora que aqui descrevemos, apresenta em seu discurso cotidiano, a definio da Educao Fsica Escolar como a disciplina que possibilita o desenvolvimento integral do ser humano, tanto na sua parte intelectual, afetiva, social e motora1 0 11. Sendo assim, seus defensores concebem a educao fsica como a rea de conhecimento mais importante da escola, porque contribui para a promoo da sade, combate o uso indevido de drogas e ainda, tem a finalidade de contribuir para o desenvolvimento do esporte brasileiro.

    O professor, que defende o desenvolvimento integral do ser humano, diante do compromisso social burocrtico que lhes atribudo, procura durante o ano letivo, ouvir os interesses de seus alunos e construir sua prtica educativa. Prtica essa, que constitui-se em fazer uma sondagem sobre as atividades mais solicitadas para as aulas de Educao Fsica, masculina e feminina.

    Geralmente observamos, que a maioria dos meninos escolhem jogar Futebol e a maioria das meninas escolhe jogar Voleibol e Dana. O que leva o Professor de Educao Fsica, no muito contente com a escolha dos alunos, sugerir uma outra atividade ou esporte opcional, geralmente escolhem o Handebol. A escolha do Handebol dar-se-ia, porque se acredita que este um esporte de fcil aprendizagem e o mais apropriado para a escola, que no possui muitos recursos materiais para a prtica de educao fsica. Assim, depois da escolha dos contedos, o professor os distribuem durante o ano letivo, um jogo a cada dois ou trs meses, dependendo das condies climticas e do perodo destinado a entrega de avaliaes (notas).

    Durante as aulas, o professor observa a participao, o comportamento dos alunos, quanto ao respeito aos colegas e o esforo dos mesmos para conseguirem participar ativamente dos jogos. Com essas observaes o professor, a cada bimestre ou trimestre, atribui uma nota aos alunos.

    Nos dias de chuva, as aulas so ministradas na sala de aula, onde o professor, s vezes, faz uma exposio sobre as regras do Futebol, Voleibol e Handebol. Uma vez ou outra d continuidade ao processo com algumas aulas de ginstica ou coloca uma msica para as meninas danarem e deixa o restante dos alunos praticarem jogos de mesa (Xadrez, Dama, Domin, etc).

    Quando a escola participa dos jogos escolares, o professor dedica uma ateno maior aos seus atletas, deixando mais vontade aqueles que no querem participar e aqueles que naturalmente so excludos da turma. Muitas vezes, o professor esfora-se e marca treinos alm do horrio destinado s aulas de educao fsica.

    A prtica que descrevemos aqui como conservadora o estaria ocorrendo na maioria das escolas. O que s vezes diferencia a prtica o espao, o tempo, o material e a forma que os alunos escolhem os contedos. Existem escolas que possuem espaos adequados e aparelhos suficientes para que os professores ampliem os contedo, geralmente introduzindo, alm dos citados anteriormente, o Basquetebol e o Atletismo. Outras oportunizam diversas modalidades esportivas em turno oposto as demais disciplinas curriculares. Assim os alunos podem escolher quais modalidades esportivas praticaro. Algumas escolas alm da carga horria obrigatria, oportunizam aos alunos a participao em equipes esportivas ou em grupos de danas.

    Os exemplos cima estariam representando o que chamamos de ao pedaggica conservadora. Pois algumas prticas observadas imitam o esporte de alto rendimento1 2, tornando a educao fsica escolar uma extenso da instituio esportiva federada, valorizando um grupo por excluso da maioria. Com isso, reproduzem-se os princpios ou cdigos desportivos, que so: "rendimento atltico-esportivo, competio, comparao de rendimentos e recordes, regulamentao rgida, sucesso esportivo e sinnimo de vitria, racionalizao de meios e tcnicas"13. Outras prticas, devido precria condio da escola, deixando aos alunos a escolha dos contedos, reproduzem o senso comum do cotidianos dos mesmos. Isto , o aluno freqenta as aulas de educao fsica para praticar o esporte que conhece por possui habilidades especficas.

    No concordando com o contexto exposto acima e, almejando contribuir para a construo de uma prxis crtica na Educao Fsica Escolar, que apresentamos nossa proposta pedaggica vivenciada em escolas de Ensino Fundamental da Rede Pblica Municipal de Restinga Sca-RS e de Santa Maria-RS. Nossa inteno a de trazermos a pblico nossa experincia de vida em Educao

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  • Fsica Escolar. Com isso, pretendemos estimular os colegas professores de Educao Fsica a refletirem sobre sua prtica pedaggica e a buscarem construir aes que garantam aos educandos o acesso a um conhecimento significativo da cultura corporal de movimento.

    O processo de construo da prxis na Educao Fsica Escolar

    O processo de construo de nossa prxis pedaggica deu-se pelos princpios dialticos de Ao-reflexo-ao9 e pela influncia das teorias crticas da Educao Fsica.

    A prxis pedaggica iniciou na disciplina MEN 306 - Prtica de Ensino de Educao Fsica (Estgio Supervisionado) do CEFD/UFSM, realizada no primeiro semestre de 1990, pelos Estagirios Paulo Sabedotti e Ivan Livindo de Senna Corra.

    O Professor (Estagirio) Paulo Sabedotti realizou, inicialmente, sua prtica de ensino, com alunos do 1a srie do Ensino Mdio da ento Escola Estadual de 2o Grau Professora Maria Rocha, concluindo sua prtica com alunos de 7a srie do Ensino Fundamental da ento Escola Municipal de Ensino Fundamental Lvia Menna Barreto, Localiza-se na Rua Ernesto Pereira, Vila Santos Dumont, Bairro Camobi, Santa Maria-RS.

    O professor (Estagirio) Ivan Livindo de Senna Corra, inicialmente, no engajado na proposta, comeou sua prtica de ensino com alunos da 2a srie do Ensino Mdio da ento Escola Estadual de 2o

    Grau Professora Maria Rocha e concluindo, agora j engajado na proposta, na 6a srie do Ensino Fundamental da ento Escola Municipal de 1 Grau Lvia Menna Barreto.

    Paralelo ao Estgio Supervisionado, o Prof. (Estagirio) Paulo Sabedotti e o Prof. Roque Luiz Moro, realizaram um estudo monogrfico com o objetivo de "analisar a prtica de ensino - Estgio Supervisionado - e identificar o quanto a Educao Fsica proposta, se distancia ou se aproxima de uma prtica progressista"14. Ao conclurem que a prtica de ensino no foge de uma proposta pedaggica "Tecnicista", Sabedotti e Moro sugerem uma proposta (Quadro 1) que poderia possibilitar orientao aos alunos da disciplina MEN 306 Prtica de Ensino de Educao Fsica (Estgio Supervisionado) do

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  • Quadro 1 - Sntese do plano de curso do estgio supervisionado do Prof. Paulo Sabedotti, Santa Maria, primeiro semestre de 1990.

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  • CEFD/UFSM. Com a experincia do Estagio Supervisionado e o constante dilogo com o Professor Roque

    Luiz Moro, ao assumirmos o cargo de professor em escolas pblicas continuamos a construo da presente proposta.

    No perodo de 1993 a 1994, implementamos essa proposta na ento Escola Municipal de 1o

    Grau Sete de Setembro - Restinga Sca-RS. Essa escola, localizada na Vila Rosa, interior de Restinga Seca, caracteriza-se por ser a escola mais antiga do municpio, fundada 24 de abril de 1912, por famlias ascendentes de imigrantes alemes. At hoje, preserva-se o prdio da primeira escola, tendo a comunidade da Vila Rosa papel importante na preservao, ampliao da escola, bem como da construo da prtica educativa.

    No incio da dcada de noventa, a Prefeitura Municipal de Restinga Sca-RS, fechou algumas escolas do interior, implantando um sistema de transporte escolar pblico e gratuito e centralizando o atendimento na ento Escola Municipal de 1o Grau Sete de Setembro - Restinga Sca-RS. Com essa ao, transforma a escola que at ento atendia a comunidade da "Vila Rosa", numa Escola Ncleo que atende tambm s comunidades de "Barro Vermelho" e "Silncio". Os alunos que freqentam a escola so filhos de pequenos agricultores e trabalhadores rurais, que como tpico das crianas e adolescentes da regio, trabalham com a famlia no cultivo do arroz irrigado e do tabaco (fumo).

    Tal prtica pedaggica em Educao Fsica ocorreu com as turmas de 1a a 8a srie, num tempo regimental de 2 (duas) horas/aula semanais. Inicialmente, houve resistncia por parte da comunidade em aceitar a proposta, quanto aos jogos acrobticos. E interessante resgatarmos a fala de um pai que dizia: "minha filha no vai ser Artista de Circo para aprender cambalhotas". Esse conflito inicial foi superado com encontros, onde participavam, o Diretor da Escola, Secretrio de Municpio da Educao, Professores de Educao Fsica do Municpio (da rede estadual e municipal de ensino) e os pais interessados em participar. Ao apresentarmos a proposta e submetermos apreciao do coletivo, iniciou-se um processo de compreenso, pela: comunidade; Direo da escola; colegas professores; e, alunos.

    Acreditamos que na Escola Municipal de 1o Grau Sete de Setembro - Restinga Sca-RS, a proposta, de certa forma, rompeu com o "senso comum" do qu seria Educao Fsica, j que a sua prtica era pautada pelos "torneios interescolares" que se caracterizavam mais como eventos para arrecadar fundos para a escola sede. O fato de constarmos em nossa proposta a Construo de Jogos Acrobticos estvamos rompendo com a concepo que as aulas de educao fsica o local para jogar o futebol, o voleibol e o atletismo.

    J, no perodo de 1995 a 1997 implementamos essa proposta na Escola Municipal de Ensino Fundamental Major Tancredo Penna de Moraes, Santa Maria-RS; localizada no Distrito de Palma, na Rodovia RS 287. A escola caracteriza-se por ser uma "escola ncleo" e por guardar a memria da Sesmaria de Palma e da Colonizao Italiana. Ao entrarmos em contato com um descendente do Major Tancredo Penna de Moraes (proprietrio que doou o terreno onde est localizada a escola) e pesquisarmos nos arquivos da escola e na histria do Rio Grande do Sul, de Santa Maria e da 4a

    colnia de Imigrao Italiana (Silveira Martins - RS), pode-se ter uma compreenso das comunidades que compe a escola.

    Constatamos que, as comunidades que abrangem a escola tiveram sua organizao graas s famlias de ascendncia italiana, pelos proprietrios da Fazenda da Palma, onde est localizada a escola, pelos empregados e descendentes de escravos da mesma. A referida fazenda surgiu no incio do sculo XTX, com o recebimento de uma sesmaria pelo Sr. Jos Fernandes Penna, bisav do Major Tancredo Penna de Moraes. Ainda hoje, na sede da fazenda encontra-se a Casa Grande, construda em 1847 e a cozinha da Senzala em estado de boa conservao.

    No resgate histrico15 observa-se que a escola atende as seguintes comunidades:

    I Comunidade de Vila Figueira, formada pela famlia Figueira e pelos empregados do Engenho de Arroz da famlia. Na localidade, existia uma escola multiseriada

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  • que se chamava Santo Antnio; > Comunidade de So Sebastio formada pelas famlias Toneto e Soares, e que tinha

    uma escola multiseriada, com o mesmo nome da comunidade;

    > Comunidade de Faxinai da Palma formada pelas famlias, Camponogara Toneto, Fuganti, Noal, Negrini, Santini, Penna e Santos, onde haviam duas escolas multiseriadas, uma chamava-se Pillon e o mesmo nome da localidade;

    > Comunidade de Linha Cinco Sul (Vale dos Panos), formada pelas famlias Milani, Bianchin, Loro, Cechin, Feltrin, Sachet, Bolson e Daros, que havia uma escola multiseriada com o mesmo nome da localidade;

    > Comunidade Benjamim Constant, formada pelas famlias Bevilaco, Pano, Bilinazzo, Soares e Lemos, que possua uma escola multiseriada com o mesmo nome da localidade (uma das mais antigas da regio);

    > Comunidade de Linha Sete Sul formada pelas famlias Righi, Cazani, Rosa, Lourence, que tinha uma escola multiseriada, que se chamava Santa Augusta;

    > Comunidade de Palma formada pelas famlias Balconi, Weber, Moro, Cioccari, Penna e Moraes, que possua duas escolas: uma que originou a sede da Escola Ncleo Major Tancredo Penna de Moraes; e, a outra que se chamava Olavo Bilac.

    Hoje os alunos que freqentam a escola trabalham no tempo no escolar, auxiliando os pais no cultivo do arroz irrigado ou prestando servios aos grandes e mdios proprietrios das terras da regio e/ou do engenho de arroz.

    O trabalho desenvolvido na Escola Municipal de Ensino Fundamental Major Tancredo Penna de Moraes, da 4a a 8a srie do ensino fundamental, teve grande aceitao pela comunidade escolar e tem hoje continuidade pelo trabalho da Professora Claudia Maristela Lima Ledel. A Professora Claudia, aps o conhecimento da proposta, engajou-se ao seu desenvolvimento e deu continuidade ao planejamento curricular (da 4a 8a srie do Ensino Fundamental). Esta escola manteve uma continuidade do trabalho - j so 07 sete anos de implementao da proposta - o que demonstra a possibilidade de construirmos formas diferenciadas de prticas de Educao Fsica Escolar.

    Por outro lado, no ano de 2000, tivemos a oportunidade de trabalhar com as sries iniciais, 7a

    e 8a sries da Escola Municipal de Ensino Fundamental Joo da Maia Braga. Esta escola localiza-se no Passo das Tropas, Distrito de Pains, Santa Maria-RS. A mesma diferencia-se das demais por atender as crianas e adolescentes, tanto filhos de pequenos agricultores e trabalhadores rurais, como os de trabalhadores urbanos. Nessa escola tivemos a construmos um significativo acervo de materiais alternativos, sendo a explorao destes o contedo bsico do nosso trabalho nas sries iniciais.

    Simultaneamente a prtica pedaggica e as nossas reflexes, pela consulta ao referencial terico, vinculada a pedagogia crtica da Educao Fsica Escolar, foi significativo construo de nossa prxis. Assim, ela tem se caracterizado pela utilizao de um referencial terico crtico da Educao Fsica, que constitudo por:

    (..) no que tange a concepo de educao, (...) filia-se ao que se chama genericamente de teoria crtica da educao; por outro lado, sofre influncia marcante tambm, da sociologia crtica do esporte que se desenvolve na Europa, basicamente na dcada de 70 - uma terceira fonte, talvez mais restrita aos trabalhos de Kunz, Bracht e Baecker, a prpria pedagogia esportiva alem de orientao crtica - alm do trabalho realizado pelo Prof. Reiner Hildebrandt como professor visitante na UFSM . (Bracht, 1998).

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  • A seguir faremos um breve comentrio dos principais autores que influenciaram nossa prtica, seguindo a ordem cronolgica de leitura.

    A obra de Reiner Hildebrandt e Raif Lagng - "Concepes abertas no ensino de educao fsica influenciou nosso trabalho ao descrever a construo de aulas onde os alunos so sujeitos do processo. Isto , os alunos participam da construo dos objetivos, na escolha dos contedos atravs de suas prprias formas de movimentar-se, na resoluo de problemas individual ou coletivamente e na avaliao do processo. Outro ponto significante da proposta o processo de construo de aulas, que se constitui em: organizao do material; problematizao ou apresentao da temtica da aula; organizao ou auto-organizao em pequenos grupos; resoluo dialgica do problema ou temtica no pequeno grupo; sistematizao das solues encontradas; apresentao ao grande grupo dos resultados e auto-avaliao da aula.

    importante citar que Reiner Hildebrandt ministrou, para os professores da rede pblica de Santa Maria-RS, o curso intitulado - "A prtica pedaggica de Educao Fsica escolar"18, onde esclarece que as aulas abertas pressupe a existncia de uma programao curricular mnima, o que vem contribuir para a legitimao de nossa proposta de programao.

    A obra de Celi Taffarel - "Criatividade nas aulas de educao fsica"19, contribui para nossa prtica, ao demonstrar numa pesquisa comparativa, que possvel desenvolver a criatividade nas aulas de educao fsica do ensino fundamental. Para desenvolver a criatividade a autora utilizou os seguintes procedimentos: criao de situao problema; explorao da composio dos materiais utilizados; combinao de vrios materiais para construir um jogo; explorao das possibilidades de se movimentar utilizando os materiais; e substituio ou troca de materiais durante a execuo do jogo. O seu trabalho, tambm relata experincias, realizadas no incio da dcada de 80, com crianas das sries iniciais do 1o Grau da Rede Estadual de Ensino do Rio Grande do Sul, o que serviu de subsdio para a nossa prtica pedaggica no ensino fundamental.

    A obra de Grupo de Trabalho Pedaggico UFPe-UFSM - "Viso Didtica da Educao Fsica: anlises crticas e exemplos prticos de aulas"20, faz uma apologia as aulas abertas a experincia e relata o desenvolvimento de aulas na pr-escola, 1a e 4a srie do ensino fundamental. O Grupo de Trabalho apresenta trs legitimaes das aulas abertas. A primeira - a legitimao Didtico-Pedaggica, constitui-se na construo de aulas centrada no aluno, no processo, na problematizao e na comunicao. A segunda - a legitimao humana, constitui-se na valorizao do conjunto dos interesses do aluno e do professor, a aprendizagem deve ser aberta s experincias e os contedos de aprendizagem devem referir-se a relaes de vida contidina fora da escola. A terceira - a legitimao poltico-social, constitui-se na possibilidade de construir atravs de experincias e da reflexo crtica, novas relaes e novos significados sociais, o que quer dizer, contribuir na superao da relao histrica (Opressor/oprimido) e na transformao social.

    A obra de Coletivo De Autores "Metodologia do ensino de educao fsica"21, apresenta de forma sistemtica os pressupostos para a elaborao de uma teoria pedaggica e conseqentemente a elaborao de uma programao curricular. O que influenciou em nossa proposta foi a importncia dada ao projeto poltico-pedaggico, a compreenso de currculo e de Educao Fsica e, principalmente, os ciclos de aprendizagem. Com a leitura desta obra podemos compreender que a aprendizagem escolar precisa, alm de estar aberta a participao do aluno nas decises, deve ter uma certa seqncia lgica dos contedos.

    A obra de Elenor Kunz - "Transformao didtico-pedaggica do esporte "22, aponta para o trabalho pedaggico, o desenvolvimento de trs competncias: objetiva, social e comunicativa. O que significa: o aluno assimila conhecimentos e informaes sobre a cultura corporal de movimento; entende as relaes socioculturais onde vivem; e, sabe entender a comunicao do outro e se comunicar, tanto pelo se movimentar, como pela linguagem verbal. O que vem enfatizar a importncia social da Educao Fsica Escolar, principalmente na formao de competncias para a adaptao ou resistncia s relaes que fazem parte do senso comum da sociedade em que vivemos.

    Revista Kinesis, Santa Maria, N 26, p. 145-166, Maio de 2002.

  • Outros autores significantes para a construo de nossa prtica pedaggica so: Demerval Saviani na obra - "Escola e Democracia: teorias da educao, curvatura da vara, onze teses sobre educao e poltica"23; Paulo Freire - "Pedagogia do Oprimido"9 e "Pedagogia da Autonomia"24; e, IngridMarianneBaecker (2001) - "Vivncia de movimento e Educao Fsica"24.

    A prtica pedaggica da Educao Fsica numa perspectiva crtica

    A construo da prtica pedaggica resultou na proposta apresentada abaixo, que se constitui em: definio do conceito de Educao Fsica Escolar; definio dos conhecimentos a serem trabalhados; organizao dentro do tempo e espao escolar; determinao dos procedimentos metodolgicos; e, a construo de instrumentos de avaliao.

    A concepo de Educao Fsica

    Nesse trabalho compreende-se a Educao Fsica como uma prtica curricular realizada na escola. Sendo que, essa prtica teria a finalidade de introduzir o educando ao estudo da cultura corporal de movimento21 e instrumentaliz-lo para um qualificado exerccio da cidadania. Com isso, a Educao Fsica Escolar estaria socializando os conhecimentos sistematizados e contribuindo para a transformao das relaes excludentes, atravs da apropriao crtica dos conhecimentos e da vivncia de relaes igualitrias, solidrias e participativas. Por exemplo, garantir o acesso aos jogos, ginsticas, danas, lutas e esportes, resgatando a cultural corporal dos alunos e compreendendo os seus significados histricos atravs da reflexo, construo e desconstruo da cultura corporal.

    No nosso entender, a cultura corporal do aluno seria resgatada ao possibilitar a reflexo sobre o seu movimentar cotidiano2 0, sobre os jogos populares e pela possibilidade de construo de jogos. Assim, o aluno tornar-se-ia um agente crtico e produtor de conhecimento escolar. Essa concepo, de certa forma, revolucionaria a prtica da Educao Fsica Escolar e contribuiria para a construo da autonomia individual e coletiva, onde se valoriza a solidariedade, a justia social, a igualdade de condies, o respeito s diferenas culturais e individuais e participao ativa do cidado nas decises de governo.

    Os Contedos da Educao Fsica Escolar

    Tendo essa compreenso, escolheu-se os seguintes contedos a serem trabalhados no ensino fundamental: jogos acrobticos, jogos rtmicos, jogos de lutas, conhecimentos bsicos de anatomia e fisiologia aplicada ao movimento humano, construo de jogos, desconstruo dos jogos desportivos (futebol, voleibol, handebol, ginstica olmpica, basquetebol e atletismo). Tambm optamos por proporcionar uma parte diversificada do contedo, que de escolha dos alunos.

    Jogos acrobticos - constitui-se em possibilitar, atravs de explorao de materiais e situaes problemas, a vivncia de movimentos como, correr, saltar, rolar, balanar, trepar, escorregar, suspender-se e outros.

    Jogos rtmicos - constituem-se em movimentar-se no ritmo e cadncia de msicas, palmas e outras formas de manifestao rtmicas.

    Jogos de lutas - constituem-se em oportunizar aos alunos a aprendizagem e a vivncia de encenao2 6 de ataque e defesa, onde so enfatizados o conflito e o soprepujar a partir do prazer do jogar com o outro.

    Com os conhecimentos de anatomia e fisiologia possibilita-se ao aluno compreender alguns detalhes da complexidade do movimento e as conseqncias da execuo em excesso e/ou de equvocos, como: dores musculares, cibras, tores, contuses, desidrataes e outros.

    Revista Kinesis, Santa Maria, N 26, p. 146-166, Maio de 2002.

  • A desconstruo dos jogos federados possibilitam aos alunos compreenderem o processo de desportivizao dos jogos populares, bem como os princpios que os compem, por exemplo: jogos de bolas com as mos (voleibol, handebol, basquetebol, beisebol e outros.), jogos de bolas com os ps (futebol de campo, de salo, sete, de areia e outros), jogos em aparelhos (Ginstica Olmpica e outros), e, jogos rtmicos (danas folclricas, danas regionais, dana clssica e outros).

    A diversificao, constitui-se em possibilitar aos alunos escolherem parte dos contedos a serem trabalhados durante o ano letivo, para isso, destinamos 30% do tempo da Educao Fsica Escolar (uma hora/aula semanal).

    Em sntese, a nossa proposta foi inicialmente apresentada e discutida com a comunidade escolar (pais, alunos e professores) e, finalmente, aprovada uma programao mnima da Pr-escola 8a srie do ensino fundamental. Tal programao foi desenvolvida em duas horas/aula semanais e a parte diversificada em uma hora/aula semanal onde trabalhvamos os contedos de interesse imediato dos alunos.

    A organizao temporal do contedo curricular

    A organizao dos conhecimentos, no tempo escolar, deu-se de forma cclica2 1 em quatro momentos de aprendizagem.

    O primeiro ciclo, que vai da pr-escola ao terceiro ano do ensino fundamental representa o perodo de "organizao da identidade dos dados da realidade"21, quando a criana tem uma viso difusa da realidade em que vive. Neste ciclo, em nossa experincia, apresentamos contedos de forma simplifica atravs da explorao do ambiente interno e externo escola (jogos acrobticos/ ginsticos e passeios orientados) e dos jogos rtmicos com msica e percusso (danas/cantigas de rodas, poesia e execuo rtmica instrumental), a partir dos materiais existentes ou construdos na escola.

    O segundo ciclo, mesmo que o referencial terico2 1 corresponda ao quarto, quinto e sexto ano do ensino fundamental, em nossa experincia - devido idade elevada dos alunos do sexto ano ns trabalhamos somente com alunos do quarto e quinto ano do ensino fundamental. Esse ciclo, representa o perodo de "iniciao sistematizao do conhecimento " 2 1 , quando o aluno comea a compreender e relacionar os dados da realidade de forma abstrata. Por isso, adotamos como contedo construo, sistematizao e comparao de jogos (acrobticos, rtmicos, de lutas, de bola com os ps e de bola com as mos).

    O terceiro ciclo, tambm, devido idade elevada dos alunos do sexto ano, ns trabalhamos com alunos do sexto, stimo e oitavo ano do ensino fundamental. Esse ciclo representa o perodo "de ampliao da sistematizao do conhecimento " 2 1 , quando o aluno toma conscincia das finalidades do trabalho escolar, valorizando as reflexes tericas e a sistematizao dos conhecimentos. O que possibilitou-nos o estudo e a desconstruo dos seguintes contedos: ginstica; dana regional e popular (dana de rua); iniciao a lutas (jud e a capoeira); noes de anatomia e fisiologia; e jogos esportivos federados (Futebol, voleibol, handebol, atletismo e basquetebol).

    O quarto ciclo corresponde ao ensino mdio, perodo de "aprofundamento da sistematizao do conhecimento " 2 1 , o perodo onde o aluno comea a perceber, compreender e explicar a realidade. Nesse perodo no temos experincia, mas apontamos como contedo os mesmos do terceiro ciclo, que sero construdos de forma relacionada com o mundo do lazer e do trabalho, priorizando os aspectos tcnicos e tticos dos contedos e a sua importncia ldica para a vivncia de lazer.

    Ao referirmo-nos ao tempo, importante salientar que a periodicidade do contato com o conhecimento necessrio para a sua melhor assimilao. Por isso, apontamos a necessidade de garantir, pela distribuio do tempo escolar, no mnimo em trs horas semanais: duas horas para trabalharmos os contedos mnimos escolhidos pela comunidade escolar; e, uma hora para trabalharmos os contedos de interesse imediato dos alunos.

    Revista Kinesis, Santa Maria, N 26, p. 147-166, Maio de 2002.

  • Os procedimentos metodolgicos

    Na escolha dos procedimentos metodolgicos, tivemos a preocupao de observar as peculiaridades de cada ciclo de desenvolvimento, optando por estratgias que despertassem nos alunos a criticidade, criatividade, imaginao e autonomia organizativa do meio escolar e de si.

    No primeiro ciclo, utilizamos a estratgia de explorao do material, onde construmos as aulas de Educao Fsica, sempre resgatando os temas trabalhados durante as outras atividades curriculares. Pois, compreendemos que o processo de construo do conhecimento, de explorao do ambiente e dos materiais importante por caracterizar o momento de contato do aluno com o meio social, possibilitando a interao aluno-materiais, aluno-aluno, aluno-professor e aluno-materiais-professor. Fruto dessa interao so construidos brinquedos que caracterizam o mundo imaginrio da criana. Pois, o brincar " a primeira manifestao da emancipao da criana em relao s restries situacionais"27. Para ilustrar a ao pedaggica no primeiro ciclo, vejamos o exemplo abaixo:

    Os Objetivos da aula so: proporcionar aos alunos a vivncia de jogos construdos com arcos no ptio da escola - de correr, saltar, rolar e arremessar; e, resgatar o brincar e o se movimentar-se prprios cultura regional infantil.

    Desenvolvimento da aula:

    Inicialmente, aps recepcionar os alunos, o professor comenta que vo trabalhar com aros e sugere os seguintes jogos:

    > Rolara o arco em qualquer direo > Pegador, onde o aluno pegador tenta laar os demais com um arco. > Dois a dois com um arco, ver quem consegue laar o companheiro

    parado a uma distncia X. A distncia deve aumenta quando a brincadeira se tornar de fcil execuo.

    > Um aluno rola o arco e o colega tenta passar por dentro. > Realizar a brincadeira "coelhinho sai da toca " utilizando os aros

    como toca.

    Aps os exemplos de brincadeiras utilizando os materiais, o professor divide a turma em pequenos grupos, sugerindo aos alunos a criao de novas brincadeiras.

    No trmino da aula, o professor rene os alunos, comenta o desenvolvimento da aula, combina os materiais a serem utilizados na prxima aula e propem as tarefas para casa.

    No segundo ciclo, utilizamos a metodologia dialgica, procurando aproximar da proposta de "aulas abertas", que concebe o homem como um ser atuante, autnomo e de responsabilidade social e que desenvolve seus significados do mundo atravs de confrontaes sociais. Neste sentido, "somente em um processo social que permite processos autnomos de confrontao, torna-se possvel uma aprendizagem consciente crtica, no sentido de uma liberao consciente de presses internas e externas"2 8. Ao propormos como contedo construo de jogos, pretendemos proporcionar ao aluno o resgate de suas experincias de movimento, a sistematizao das experincias atravs do registro grfico e o confronto das experincias escolares com a cultura corporal de movimento sistematizada e valorizada historicamente.

    Como exemplo descrevemos o processo de construo de uma aula do quarto ano do ensino fundamental e o resgate da mesma no quinto ano. A aula transcorre da seguinte forma:

    > Aps a realizao da "chamada " o professor explica o objetivo da aula, que : construir jogos com bolas pequenas e mdias, tendo como tema o "arremessar";

    Revista Kinesis, Santa Maria, N 26, p. 148-166, Maio de 2002.

  • > Divide-se (a escolha dos grupos definida pelo coletivo, observando a participao proporcional de meninos e meninas nos grupos) a turma em pequenos grupos, aos quais so distribudas "bolas de meia", construdas em aulas anteriores pelos prprios alunos;

    > O professor circula entre os grupos explicando o que um arremesso e exemplificando alguns jogos que utilizam bolas pequenas e que foram trabalhados nas sries iniciais (Caador, ovo choco,...);

    > Os alunos discutem em torno da tarefa de construir jogos;

    > O professor agora participa da construo desses jogos, levantando questionamentos, dando sugestes e orientando a sistematizao do mesmo;

    > Os jogos so registrados em cadernos individuais, durante as aulas ou como forma de temas para casa (Figura 1 );

    > Aps os jogos serem construdos e praticados no pequeno grupo, em outras

    Figura 1- Foto da sistematizao de um jogo de bola com as mos, construdo em 2001 por alunos da 5a srie da Escola de Ensino Fundamental Major Tancredo Penna de Moraes, cedido pela Prof1. Claudia Maristela Lima Ladel.

    Revista Kinesis, Santa Maria, N 26, p. 149-166, Maio de 2002.

  • aulas, sero apresentados aos demais alunos e oportunizada sua prtica por toda a turma.

    Com o quinto ano, utilizamos os jogos construdos no quarto ano, os quais foram registrados em cadernos e estes recolhidos pelo professor no final do ano letivo, para servirem como bibliografia de consulta. Com isso, a aula transcorre da seguinte forma:

    > O professor sugere aos alunos o tema da aula - "Jogos de arremesso com bolas pequenas ", propondo o resgate dos jogos construdos no ano anterior e comparao dos mesmos com jogos da cultura corporal de movimento sistematizada e valorizada historicamente.

    > Divide-se (a escolha dos grupos definida pelo coletivo, observando a participao proporcional de meninos e meninas nos grupos) a turma em pequenos grupos e distribui as bolas de meia e os cadernos do ano anterior;

    > Os alunos consultam os cadernos e praticam os jogos ali registrados;

    > O professor circula nos grupos, questionando e estimulando a comparao com os jogos da cultura corporal de movimento sistematizada e valorizada historicamente.

    > O professor sugere que os alunos criem um jogo que se aproxima dos jogos sistematizados da cultura corporal de movimento.

    > Os jogos so registrados em cadernos individuais, durante as aulas ou como forma de temas para casa (Figura 1);

    > Aps o jogo ser construdo e praticado no pequeno grupo, em outras aulas, apresentado aos demais alunos e oportunizado a prtica por toda a turma.

    No terceiro ciclo, utilizando a metodologia dialgica9 2 4 , propomos o estudo sistemtico dos contedos da cultura corporal de movimento. Na nossa experincia, optamos pelos seguintes contedos:

    > no sexto ano, trabalhamos voleibol, futebol, ginstica, anatomia e fisiologia aplicada ao contexto das aulas, danas regionais e atividades de lutas;

    > no stimo ano, trabalhamos o handebol, iniciao a Ginstica Olmpica, anatomia e fisiologia aplicada ao contexto das aulas, danas regionais e atividades de lutas;

    > no oitavo ano, trabalhamos atletismo, basquetebol, anatomia e fisiologia aplicada ao contexto das aulas, danas regionais e atividades de lutas.

    Salientamos que anatomia e fisiologia aplicada ao contexto das aulas, danas regionais e atividades de lutas, perpassam todos o perodo do terceiro ciclo, pois levamos em conta o clima e os espaos escolares. As escolas que trabalhamos no possuem ginsios ou quadras cobertas para a prtica de educao fsica, assim esses contedos eram trabalhados nos dias em que o clima no permitia o trabalho ao ar livre.

    O que diferencia os procedimentos metodolgicos desse terceiro ciclo, em relao ao segundo, que a temtica da aula definida pela especificidade do contedo. Por exemplo, o estudo do Voleibol, que um esporte federado, possui um significado histrico e uma abrangncia internacional, no pode ser reinventado. Assim iniciamos com o estudo da histria do voleibol, dos fundamentos tcnicos e tticos, da sua importncia no mundo do lazer e do trabalho, e da sua desconstruo e criao de formas diferenciadas de jogar o voleibol. Vejamos exemplos de aulas:

    Revista Kinesis, Santa Maria, N 26, p. 150-166, Maio de 2002.

  • >O professor comenta a histria do voleibol e propem como trabalho realizao de uma analogia entre a criao do voleibol, com os jogos criados pela turma nos anos anteriores;

    > na seqncia comenta os principais fundamentos tcnicos do voleibol;

    > numa segunda aula proporciona inicialmente a prtica de exerccios de alongamento, citando os principais grupos musculares que esto alongando, recordando das aulas de anatomia e fisiologia;

    > na seqncia, o professor explica e demonstra as principais formas de deslocamento e dar o toque no voleibol;

    > divide a turma em pequenos grupos conforme o material disponvel, levantando o seguinte tema: "Criar exerccios ou jogos que possibilitem a execuo e criao de diversas formas de deslocamentos e de toque no voleibol". O professor circula nos grupos questionando, contribuindo com a construo das tarefas e orientando o registro das mesmas;

    > em outra aula, os grupos apresentam os exerccios e jogos criados e toda a turma pratica;

    Nesta seo trouxemos exemplos de aulas com a inteno de ilustrarmos o processo de construo de nossa prtica, no significa que um receiturio para outras realidades, mesmo porque, existiram diferenas significativas entre as escolas que trabalhamos. Os sucessos e os fracassos de nossas experincias dependeram muito de nosso compromisso scio-pedaggico e do convencimento da comunidade escolar. No entanto, em todas as nossas experincias seguimos os seguintes princpios metodolgicos: valorizao do conhecimento cultural do aluno; problematizao e apresentao de outros conhecimentos da cultura corporal; envolvimento da comunidade escolar no processo de escolha dos contedos e desenvolvimento do trabalho; valorizao da comunicao corporal, verbal e escrita; auto-avaliao individual e coletiva; e, sistematizao dos conhecimentos culturais trabalhados e/ou construdos em aula.

    Com esses princpios procuramos aproximar dos pressupostos metodolgicos da pedagogia histrico-crtica23 que apresenta cinco passos metodolgicos.

    O primeiro passo metodolgico, partir da prtica social do aluno e do professor. Em nossa prtica partimos da compreenso do aluno e do professor sobre a temtica proposta, tanto na construo de uma aula especfica como na proposta como um todo. Isso pode-se observar, pela preocupao de estar sempre resgatando os conhecimentos assimilados pelo aluno no viver comunitrio ou aprendido e/ou construdos em aulas, sries e ciclos anteriores.

    O segundo passo, a problematizao por parte do professor quanto ao conhecimento do aluno. Na nossa prtica corresponde ao dialogo e questionamento na aula com o aumento da complexidade dos problemas a cada ciclo de aprendizagem.

    O terceiro passo, corresponde a instrumentalizao do aluno, isto , o aluno adquire ou se apropria de um determinado conhecimento cultural. Em nossa prtica percebe-se essa apropriao quando o aluno comea a usar de novas formas de se movimentar trabalhadas e/ou construdas em sala de aula.

    O quarto passo, corresponde incorporao dos conhecimentos trabalhados e/ou construdos em aula. Em nossa experincia, isso corresponde sistematizao e prtica dos conhecimentos construdos em aula e a comunicao desses conhecimentos aos outros membros de sua comunidade. Poderamos trazer o seguinte exemplo: os alunos aps se interessarem, problematizarem e vivenciarem o brincar com pernas-de-pau, assimilam esse brincar no seu viver cotidiano dentro e fora da escola.

    Revista Kinesis, Santa Maria, N 26, p. 151-166, Maio de 2002.

  • Com isso, o conhecimento de brincar de pernas-de-pau que poderia ser precrio, antes do trabalho escolar, passa a fazer parte de seu conhecimento cultural.

    O quinto passo, corresponde prtica social ou a vivncia cultural qualificada pela incorporao de novos saberes, o que corresponde no ponto de partida para outra problematizao. Em nossa experincia, os jogos aprendidos ou construdos e vivenciados no seu cotidiano sero o ponto de partida para a problematizao em aulas, sries e ciclos posteriores.

    A materializao desses princpios depende muito de como ser avaliado o processo ensino/ aprendizagem, quais instrumentos utilizar para diagnosticar? E, como sistematizar o processo? Em nossa experincia utilizamos vrios recursos para avaliao, os quais descreveremos na prxima seo, onde procuramos valorizar a participao do aluno e o diagnstico do andamento dos trabalhos.

    Os procedimentos adotados para avaliar

    Nos procedimentos que utilizamos para a avaliao, alm atender as exigncias do regimento escolar, que aponta para a atribuio de uma nota para o rendimento dos alunos, tivemos a preocupao de tentar superar a relao de coero, punio, classificao, discriminao e controle dos alunos. Na tentativa da superao, procuramos adotar uma avaliao de cunho processual, contnua, participativa, diagnostica e investigativa, atravs dos seguintes procedimentos:

    > Para atender os princpios de processo, de continuidade e de participao, no sentido de acompanhar a caminhada individual e coletiva do aluno propomos como meios de avaliao o Dirio de classe e a Auto-avaliao.

    > Atendendo aos princpios de investigao/diagnostica e objetivando conhecer as dificuldades de aprendizagem dos alunos e o nvel de apropriao e produo de conhecimento, utilizamos como meios de avaliao um relatrio de pesquisa, provas e exposies das experincias.

    No primeiro ciclo, a avaliao tinha como finalidade o registro do envolvimento dos alunos na explorao dos materiais e na prtica dos jogos propostos. Nesse ciclo utilizamos como meio de avaliao o dirio de classe. As anotaes eram feitas diariamente pelo professor em um caderno onde sistematizvamos: os planos de aulas; as formas encontradas pelos alunos para solucionaros problemas; e, as observaes referentes ao andamento da aula. As observaes eram buscadas: nas dificuldades encontradas pelos alunos em explorar os materiais; no nvel de interesse ou desafios oportunizados pelos contedos propostos; e, nos problemas de relacionamentos que surgiam durante a aula. Essas anotaes serviam de subsdio para o replanejamento e para a avaliao dos alunos nos conselhos escolares.

    No segundo ciclo, com o objetivo de envolver o aluno em todo o processo de ensino-aprendizagem, optamos por utilizar, como meios: um relatrio escrito dos jogos criados; uma ficha de observao; e, uma auto-avaliao coletiva.

    O relatrio consiste em anotar, em um caderno, os jogos criados (Figura 01). O registro seguia o seguinte protocolo: nome do jogo criado; participantes do processo de criao; materiais utilizados; descrio do jogo e/ou suas regras; e, um desenho do jogo criado.

    A ficha de observao (Tabela 2) um recurso utilizado pelo professor para acompanhar o nvel de envolvimento dos alunos nas aulas, o que serve de subsdio para participao e mediao da auto-avaliao coletiva.

    A auto-avaliao consiste no aluno atribuir-se um parecer baseando-se em questes orientadoras, discutidas e aprovadas no coletivo da turma. Num segundo momento, o aluno apresenta a sua auto-avaliao e defende-a no coletivo, ouvindo os comentrios dos colegas a respeito da mesma. O professor participa do processo como mediador e problematizador do processo de avaliao.

    Revista Kinesis, Santa Maria, N 26, p. 152-166, Maio de 2002.

  • Vejamos a seguir algumas questes orientadoras da auto-avaliao e da avaliao do professor, utilizadas em nossa experincia:

    > Tu aprendeste, durante o perodo X, novas formas de movimentar-se ou jogar? Exemplifique ?

    > Tu criaste novos jogos ou somente tem praticado aqueles que os colegas criaram?

    > Tu registraste os jogos criados? Descrevas turma um jogo que criastes? > Interessou-se pela construo dos jogos? Qual o jogo que mais gostaste? > Respeitastes os colegas e o professor durante a participao em aula? > Colaboraste com os colegas na construo e prtica dos jogos? > Foste responsvel na realizao das tarefas propostas em aula? > Procurastes freqentar as aulas e atividades complementares da escola? > O professor te orientou sempre que solicitaste ajuda? > O professor demonstrou domnio do contedo? > D sugestes para melhoria do andamento das aulas.

    No terceiro ciclo, alm de envolver o aluno em atividades de ensino-aprendizagem e de pesquisa, procuramos realizar momentos especficos de avaliao, como forma de motivao e de diagnstico do contedo assimilado pelo aluno. Tambm, Para isso, optamos pelos seguintes procedimentos:

    Uma Ficha de observao (Quadro 2)

    Quadro 2 - Ficha de observao utilizada nas aulas de Educao Fsica na 7a srie, turma 72, e 8a srie turmas 81 e 82 da Escola Municipal de Ensino Fundamental Joo da Maia Braga, em 2000.

    ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL JOO DA MAIA BRAGA EDUCAO FSICA

    Prof. Ivan Li vindo de Senna Corra

    TURMA 72 N. Data e Contedo Trabalhado

    Nome

    01 02 03 04 05 06 07 08 S = Atingiu os objetivos da aula N= No atingiu os objetivos da aula + ou - = Atingiu em parte os objetivos da aula

    Revista Kinesis, Santa Maria, N 26, p. 153-166, Maio de 2002.

  • Quadro 3 - Ficha orientadora da auto-avaliao e avaliao do professor utilizada nas aulas de Educao Fsica da 7a srie, turma 72, e 8a srie turmas 81 e 82 da Escola Municipal de Ensino Fundamental Joo da Maia Braga em 2000.

    ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL JOO DA MAIA

    BRAGA

    EDUCAO FSICA

    Prof. Ivan Livindo de Senna Corra

    Nome: Turma:

    Roteiro para a Auto-avaliao

    1. Respeita os colegas? (0 a 20) 2. Respeita os professores? (0 a 20) 3. Entrega os trabalhos no prazo marcado? (0 a 20) ----4. Interessa-se pelo contedo proposto? (0 a 10) 5. Participa ativamente das aulas? (0 a 20) 6. Colabora com os colegas durante a aula? (0 a 20) 7. Respeita as decises democrticas? (0 a 20) 8. Faz os temas em casa? (0 a 10) 9. Expressa sua opinio sincera sobre o andamento dos trabalhos em aula? (0 a 20)

    10. Demonstra criatividade nas aulas? (0 a 20) 11. Sabe criticar argumentativamente? (0 a 20)

    Total de pontos:

    Avaliao do professor Faa um pequeno comentrio sobre o professor: Forma de apresentar o contedo; domnio do contedo; pontualidade; e relacionamento com os alunos.

    Uma auto-avaliao com questes orientadoras semelhantes a do segundo ciclo, (Quadro 3). Um trabalho escrito, que tem como temtica o registro dos contedos desenvolvidos em aula,

    complementando-o com pesquisa bibliogrfica em jornais, livros e revistas; Uma prova oral-demonstrativa, onde o aluno questionado e tem que responder ou demonstrar

    os questionamentos (os resultados so registrados na ficha de observao do professor). Referente a avaliao salientamos que no basta a mudana dos procedimentos utilizados pelo

    professor, pois precisamos construir alternativas curriculares que rompam com a avaliao vinculada a promoo e classificao escolar, fruto ainda da Lei n . 0 5692/71. No entanto, as experincias isoladas, como as relatadas no presente trabalho, servem apenas como estmulo ao debate sobre a avaliao. Por fim, pode-se dizer que mesmo adotando procedimentos metodolgicos que possibilitam a participao do aluno na sua avaliao, no conseguimos romper com o processo de seleo regimentado no sistema escolar, apenas provocamos o debate a respeito.

    Concluso

    Com este trabalho procuramos relatar nossa experincia pedaggica e de investigao-ao, fazendo um resgate histrico do processo de construo de nossa prxis. Objetivamos, com isso, Revista Kinesis, Santa Maria, N 26, p. 154-166, Maio de 2002.

  • contribuir para a construo de uma pedagogia crtica da Educao Fsica Escolar. A contribuio, deu-se em apresentar uma proposta pedaggica vivenciada, analisada e construda ao longo de 11 (onze) anos em escolas do ensino fundamental do meio rural de Restinga Sca-RS e de Santa Maria-RS e da periferia de Santa Maria-RS.

    Apesar de apontarmos alternativas para a prtica da Educao Fsica Escolar, nos deparamos, ainda, com a dificuldade de construirmos aes pedaggicas unificadas que abrangem um nmero maior de escolas. Em pesquisas realizadas com professores da rede pblica de Santa Maria-RS1 0 11 , observamos que os professores de Educao Fsica almejam construir uma programao curricular unificada, no entanto no se mobilizam para tal, pois esperam iniciativas do poder pblico mantenedor das escolas. Como a Lei Federal n 9394/96 (LDB) atribui s escolas a responsabilidade de construir seus planos polticos e pedaggicos, corremos o risco da Educao Fsica Escolar, continuar sendo definida unicamente pelos interesses e conhecimentos dos professores e alunos.

    Assim, mesmo no existindo aes pedaggicas unificadas, nosso trabalho poder servir de estmulo a outras publicaes que visam a prxis pedaggica crtica. Com isso pode-se iniciar uma conexo de comunicao que fomente o debate referente a investigao-ao na Educao Fsica Escolar. Pois, pensamos que ainda existe a necessidade de encontrarmos alternativas para os seguintes problemas: Como construir aes pedaggicas unificadas para um sistema municipal de ensino? Como construir espaos e tempos de formao permanente, voltada para a compreenso e construo curricular? E, como construir uma prxis pedaggica que oportunize a autonomia, a criatividade e a criticidade de alunos e professores?

    A resoluo desses problemas, no nosso entender, no depende de prxis isoladas, mas pensamos que aes, como a nossa, podem servir de referncia para outras prxis na Educao Fsica Escolar. Pois, apontamos para a possibilidade de resgatar a cidadania atravs da socializao dos conhecimentos da cultura corporal de movimento e da vivncia de valores como a criatividade, criticidade, solidariedade e autonomia.

    Referncias Bibliogrficas 1CASTELLANI FILHO, Lino. Poltica Educacional e Educao Fsica. Campinas, SP: Autores

    Associados, 1998. 2 ELLIOTT, John. What is action-research in school? Journal of Curriculum studies. Vol. 10, n 4:

    335-7, 1978. 3 APLLE, Michael W. Conhecimento oficial: a educao democrtica numa era conservadora.

    Petrpolis, RJ: Vozes, 1997. 4 SILVA, Tomaz Tadeu. Identidades terminais: as transformaes na poltica da pedagogia e na

    pedagogia da poltica. Petrpolis, RJ: Vozes, 1996. 5 SILVA, Tomaz Tadeu. O que produz e o que reproduz em educao: ensaio de Sociologia da

    Educao. Porto Alegre, RS: Artes Mdicas, 1992. 6 SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educao: LDB, trajetria, limites e perspectivas. 5. ed. por

    uma outra poltica educacional. Campinas, SP: Autores Associados, 1999. 7 SILVA, Tomaz Tadeu. Identidades terminais: as transformaes na poltica da pedagogia e na

    pedagogia da poltica. Petrpolis, RJ: Vozes, 1996. 8 BRANDO, Carlos R. Educao Popular como projeto emancipatrio. In: Frum Mundial de

    Educao: Debates Especiais.Porto Alegre: Salo de Atos da UFRGS: 26 de outubro de 2001. 9 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 18 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

    Revista Kinesis, Santa Maria, N 26, p. 155-166, Maio de 2002.

  • 10 CORREA, Ivan L.C. Um estudo sobre os procedimentos metodolgicos nas aulas de Educao

    Fsica e os valores que permeiam esta ao. Santa Maria: UFSM, 1997. (Monografia em Cincia do Movimento Humano, da Universidade Federal de Santa Maria, RS.).

    11 CORREA, Ivan L.C. Educao Fsica e Currculo: o planejamento curricular nas escolas pblicas

    municipais do bairro Camobi, Santa Maria: UFSM, 2000. (Dissertao de Mestrado em Cincia do Movimento Humano, da Universidade Federal de Santa Maria, RS.).

    12 MORO, Roque Luiz. A reproduo de modelos em Educao Fsica: pedagogia da mendicncia.

    Rio de Janeiro: UGF, 1990. Dissertao (Mestrado em Educao Fsica), 1990. 13 BRACHT, Valter. Educao fsica e aprendizagem social. Porto Alegre, RS: Magister, 1992.

    p.22 14 SABEDOTTI, Paulo & MORO, Roque Luiz. Anlise pedaggica da disciplina prtica do ensino-

    estgio supervisionado- UFSM: indicadores que afastam ou aproximam da Educao Fsica progressista. Santa Maria: UFSM, 1990. (Monografia de concluso do Curso de Licenciatura Plena em Educao Fsica, da Universidade Federal de Santa Maria, RS.). p. 6.

    15 CORRA, I. L. S. et ali. Resgate histrico das comunidades que abrangem a Escola Municipal

    Major Tancredo Penna de Moraes. In: XIII Jornada acadmica Integrada da UFSM. 1999. Anais... Santa Maria: UFSM, p. 919.

    16 BRACHT, Valter. Educao Fsca escolar no Brasil: seu desenvolvimento, problemas e propostas.

    In. Seminrio Brasileiro em "Pedagogia do Esporte": funes, tendncias e propostas para a Educao Fsica Escolar. 1998 Santa Maria: Anais... (Texto em Anexo) Santa Maria: UFSM, 1998. p. 1- 6.

    17 HJLDEBRANDT, R. & LAGING, R. Concepes abertas no ensino de educao fsica. Rio

    de Janeiro, Ao Livro Tcnico, 1986. 18 HILDEBRANDT, R. A prtica Pedaggica da Educao Fsica na Escola. In: Curso de

    Aperfeioamento para Professores de Educao Fsica. Promoo Grupo de Apoio de Educao Fsica da 8a Delegacia de Educao da SEC/RS e Laboratrio de Pedagogia do Movimento CEFD/UFSM, Santa Maria-RS, 1997.

    19 TAFFAREL, Celi N. Z. Criatividade nas Aulas de Educao Fsica. Rio de Janeiro: Ao Livro

    Tcnico, 1985. 2 0 GRUPO DE TRABALHO PEDAGGICO UFPe-UFSM. Viso didtica da educao fsica:

    anlises crticas e exemplos prticos de aulas. Rio de Janeiro: Ao Livro Tcnico: 1991. 2 1 COLETIVO DE AUTORES. Metodologia de ensino de educao fsica. So Paulo: Cortez,

    1992. 22 KUNZ, Elenor. Transformao didtico pedaggico do esporte. Iju, RS: Uniju, 1994.

    23 SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia: teorias da educao, curvatura da vara, onze teses

    sobre educao e poltica. 20 ed. So Paulo: Cortez, 1988. 24 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessrios prtica educacional. Rio de

    Janeiro: Paz e Terra, 1997. 25 B AECKER, Ingrid M. Vivncia do movimento e educao fsica. In: Anais (II Etapa) do I Seminrio

    Municipal de Lazer, Esporte e Educao Fsica Escolar. Santa Maria: SMEd/8aCRE, 2001. 26 FALCO, Jos L. C. Unidade didtica 2 - Capoeira. In. Didtica da Educao Fsica.Org.

    Elenor Kunz. Iju: Ed. UNIJU, 1998.

    Revista Kinesis, Santa Maria, N 26, p. 156-166, Maio de 2002.

  • 27 VIGOTSKI, Levi S. A fomao social da mente: O desenvolvimento dos processos psicolgicos

    superiores. So Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 130. 28 HILDEBRANDT, Reiner. Configurao Pedaggica do Movimento Esportivo no Ensino da Educao

    Fsica Escolar. In: Revista da Educao Fsica/UEM V 1 n 1,1990. p. 37.

    About Physical Education at schools: basement and history of a praxis

    Abstract

    The aim of the present study was to give an account of a pedagogical construction of a praxis process in Physical Education at schools, coherent with the structural and social reality of the public school in RS. It was used a methodological procedure of investigation-action, characterized for its intervention on the studied context and for the "actors" of the teaching/leaning being the agent of the problem solutions. The studied was done at public school of Restinga Seca and Santa Maria cites in RS; from 1990-2001. It resulted on a critical pedagogical propose for Physical Education at schools, pointing out the following pedagogical alternatives: the social role of Physical Education at schools; the contents of Physical Education; organization and distribution of the contents during the class time; methodological approach due to the contents; and the evaluation of teaching/leaning contents in class time at schools.

    Keywords: pedagogical praxis, Physical Education at school, critical pedagogical.

    Sobre la Educacin Fsica Escolar: fundamentacin y historia de una praxis

    Resumen

    El presente estudio tuvo como finalidad relatar el proceso de la construccin de una praxis pedaggica en la Educacin Fsica Escolar, coherente con la realidad estructural y social de las escuelas pblicas del estado del Rio Grande do Sul. Para eso, utilizamos los procedimientos metodolgicos de la investigacin-accin, que se caracteriza por la intervencin en el contexto investigado y por los actores de la enseanza y del aprendizaje seren los propios agentes solucionadores de los problemas. La investigacin-accin ocurri en las escuelas pblicas municipales de Restinga Sca-RS y Santa Maria-RS, en el perodo de 1990 a 2001 y result en una propuesta pedaggica crtica para la Educacin Fsica Escolar. La cual, apunt alternativas para las siguientes temticas pedaggicas: el papel social de la Educacin Fsica Escolar; los contenidos de la Educacin Fsica Escolar; la organizacin y/o distribucin de los contenidos en el tiempo escolar; los procedimientos metodolgicos para el trato de los contenidos; y, la evaluacin de la enseanza y del aprendizaje, de los contenidos, en el tiempo y en el espacio escolar.

    Palabras-claves: prctica pedaggica; educacin fsica escolar; pedagoga crtica

    Revista Kinesis, Santa Maria, N 26, p. 157-166, Maio de 2002.