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ENSINO JURÍDICO: O DESAFIO DE UMA NOVA METODOLOGIA LEGAL EDUCATION: THE CHALLENGE OF A NEW METHODOLOGY Fernanda Eloise Schmidt Ferreira Feguri Viviane Cristina Rodrigues Cavallini RESUMO O artigo em pauta se fundamenta na tentativa de espelhar a realidade do ensino jurídico nacional, em nível de graduação. Com efeito, são numerosas as faculdades que oferecem o curso de Bacharelado em Direito no país. Alguns cursos jurídicos são de qualidade duvidosa, enquanto outros são verdadeiros centros de excelência na área. A metodologia de trabalho que fundamenta esse estudo se baseia na pesquisa bibliográfica e documental, sobretudo na coleta de dados estatísticos apresentados pelos organismos de poder público que medem a qualidade da educação superior no Brasil, sobretudo nos cursos de Direito. Os resultados obtidos demonstram o crescente número de cursos reprovados em avaliações promovidas pelo Ministério da Educação (MEC). De igual modo, o resultado apresentado pelos candidatos no Exame de Ordem, da OAB, continua preocupando. A conclusão a que se chega remete à necessidade de uma reavaliação de como ensinar Direito e de como mudar o atual quadro da educação jurídica nacional. Não resta dúvida de que o estágio obrigatório já não se faz suficiente, e a ausência da prática de pesquisa é algo a ser modificado nas instituições que oferecem o curso de Direito. Nesse contexto, a adesão ao chamado ensino reflexivo aparece como uma possível saída. Palavras-Chave: ensino jurídico; educação superior; pesquisa e avaliação. ABSTRACT The article on the agenda it is based in the attempt of mirroring the reality of the national juridical teaching, in graduation level. With effect, they are numerous the universities that offer the course of Bachelor in Law in the country. Some juridical courses are of doubtful quality, while others are true excellence centers in the area. The work methodology that bases that study bases on the bibliographical and documental research, above all in the collection of statistical data presented by the organisms of public power that measure the quality of the superior education in Brazil, above all in the courses of law. The obtained results demonstrate the crescent number of courses reproved in evaluations promoted by Ministry of Education (MEC). In equal way, the result presented by candidates in the Exam of Order, of OAB, it continues worrying. The conclusion the one that she arrives sends to the need of a test of how to teach law and of how to change the current picture of the national juridical education. It doesn't remain doubt that the obligatory apprenticeship no longer it is done enough, and the absence of the research practice is something to be modified in the institutions that offer the course of law. In that context, the adhesion to the call reflexive teaching appears as a possible exit. Words-key: juridical teaching; superior education; researches and evaluation.

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ENSINO JURÍDICO: O DESAFIO DE UMA NOVA METODOLOGIA

LEGAL EDUCATION: THE CHALLENGE OF A NEW METHODOLOGY

Fernanda Eloise Schmidt Ferreira Feguri

Viviane Cristina Rodrigues Cavallini

RESUMO O artigo em pauta se fundamenta na tentativa de espelhar a realidade do ensino jurídico nacional, em nível de graduação. Com efeito, são numerosas as faculdades que oferecem o curso de Bacharelado em Direito no país. Alguns cursos jurídicos são de qualidade duvidosa, enquanto outros são verdadeiros centros de excelência na área. A metodologia de trabalho que fundamenta esse estudo se baseia na pesquisa bibliográfica e documental, sobretudo na coleta de dados estatísticos apresentados pelos organismos de poder público que medem a qualidade da educação superior no Brasil, sobretudo nos cursos de Direito. Os resultados obtidos demonstram o crescente número de cursos reprovados em avaliações promovidas pelo Ministério da Educação (MEC). De igual modo, o resultado apresentado pelos candidatos no Exame de Ordem, da OAB, continua preocupando. A conclusão a que se chega remete à necessidade de uma reavaliação de como ensinar Direito e de como mudar o atual quadro da educação jurídica nacional. Não resta dúvida de que o estágio obrigatório já não se faz suficiente, e a ausência da prática de pesquisa é algo a ser modificado nas instituições que oferecem o curso de Direito. Nesse contexto, a adesão ao chamado ensino reflexivo aparece como uma possível saída. Palavras-Chave: ensino jurídico; educação superior; pesquisa e avaliação.

ABSTRACT

The article on the agenda it is based in the attempt of mirroring the reality of the national juridical teaching, in graduation level. With effect, they are numerous the universities that offer the course of Bachelor in Law in the country. Some juridical courses are of doubtful quality, while others are true excellence centers in the area. The work methodology that bases that study bases on the bibliographical and documental research, above all in the collection of statistical data presented by the organisms of public power that measure the quality of the superior education in Brazil, above all in the courses of law. The obtained results demonstrate the crescent number of courses reproved in evaluations promoted by Ministry of Education (MEC). In equal way, the result presented by candidates in the Exam of Order, of OAB, it continues worrying. The conclusion the one that she arrives sends to the need of a test of how to teach law and of how to change the current picture of the national juridical education. It doesn't remain doubt that the obligatory apprenticeship no longer it is done enough, and the absence of the research practice is something to be modified in the institutions that offer the course of law. In that context, the adhesion to the call reflexive teaching appears as a possible exit. Words-key: juridical teaching; superior education; researches and evaluation.

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INTRODUÇÃO

A questão da educação no Brasil tem sido uma das mais intrigantes e

debatidas na atualidade, sendo que tal debate inclui todos os níveis de ensino,

portanto inclui o ensino superior público e privado. Para além dos dispositivos legais

que garantem uma educação de qualidade, através da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (LDB) e da Constituição Federal, há que se ressaltar o contexto social e

político da contemporaneidade, muitas vezes desfavorável à consolidação daquilo

que prevê a legislação vigente.

O período histórico contemporâneo ora denominado pós-modernidade

caracteriza-se, pois, pela futilidade dos valores, pela perda do sentimento de

certeza, pela flexibilização dos princípios, tudo passa a ganhar uma nova dimensão

norteada pelos ditames do consumo e do capitalismo. A crise de autoridade e a

dúvida tomada como fundamento epistemológico nas relações de

ensino/aprendizado enfraquecem qualquer nova política pública na área da

educação. É assim no ensino fundamental e é assim na universidade.

Ademais, a cultura social que agrega a educação informal – veiculada nos

meios de comunicação, na mídia em geral, nas propagandas e nas ruas desta

sociedade de consumo – remete a valores muito pouco condizentes com o discurso

pedagógico prevalecente na escola. De tal modo, estudar deixou de valer à pena.

Estuda-se hoje, sobretudo, visando ganhos financeiros – em tempo recorde se

possível – e poucas vezes visando propriamente uma formação emancipadora, de

ser humano liberto, crítico e auto-consciente.

A condição de má formação escolar e do péssimo nível cultural com o qual

chegam às universidades a maioria dos estudantes tem levantado dúvidas a respeito

do papel da escola nos níveis fundamental e médio. Será que a escola tem

preparado os alunos para a realidade que encontrarão no ensino superior? O que

pensar daquelas instituições universitárias que aprovam em seus vestibulares

mesmo os alunos mais despreparados? Com efeito, não cabe à universidade corrigir

falhas de outras instâncias de ensino, muito embora algumas instituições de ensino

superior recorram a essa medida.

Se a escola não cumpre com seu papel de formar o aluno nos alicerces do

saber, preparando-o para o domínio da língua portuguesa e das ciências básicas,

desenvolvendo seu pensamento crítico, imergindo-o nas vertentes da pesquisa

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científica, então será dificultoso recebê-lo no ensino de graduação sem que ele

tenha tão necessário alicerce cultural.

A partir de tão calamitoso contexto, o presente estudo tentará apontar a

repercussão negativa da crise da educação no âmbito do ensino superior,

priorizando as faculdades de Direito. Deveras, o ensino jurídico no Brasil vem

apresentando falhas graves em diferentes aspectos nos últimos anos e o baixíssimo

índice de aprovação no rigoroso Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

retrata bem essa realidade.

Os dizeres do emérito Rizzatto Nunes (2008) corroboram o acima exposto:

A melhor demonstração de que o sistema de ensino e avaliação não é adequado está no resultado. Os egressos das faculdades de Direito, dirigindo-se aos concursos das carreiras jurídicas, apesar de alguns deles ser altamente concorridos, acabam não se tornando bons profissionais, demonstrando no exercício da profissão toda sorte de erros técnicos e de falta de conduta ética. São petições mal feitas, acusações equivocadas, decisões erradas, desprezo pela pessoa humana dos envolvidos nas questões jurídicas. Não resta dúvida, pois, que a escola de Direito merece reforma de ordem pedagógica (NUNES, 2008, p.22).

A metodologia de ensino dos cursos de graduação em Direito precisa ser

revista, sua grade de disciplinas deve ser atualizada, o ensino deve seguir aliado à

prática do estágio desde muito cedo, tudo precisa melhorar. Algumas propostas já

começam a ser postas em prática, mas ainda resta muito que fazer.

1. Educação Superior: novos paradigmas

Educação superior em suas mais variadas áreas pode ser definida como um

processo de continua reconstrução da experiência, com o propósito de ampliar e

aprofundar o seu conteúdo social, enquanto ao mesmo tempo, o indivíduo ganha o

controle dos métodos envolvidos.

Definir a educação e os processos de ensino e de aprendizagem no contexto

atual do ensino superior significa analisar criticamente o processo de planejamento e

de avaliação dos cursos ofertados; significa, sobretudo, analisar o potencial

pedagógico dos recursos humanos e tecnológicos disponíveis. A universidade e

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suas funções deve ser considerada do ponto de vista da necessidade de

reformulações para atingir suas finalidades em termos qualitativos. É urgente e

necessário o fornecimento de subsídios com relação a pressupostos teórico-práticos

em metodologia do ensino superior que possibilite a construção de uma ação

docente de qualidade.

Na verdade, o corpo de professores que se dispõem a lecionar em grau

superior deve estar continuamente atualizando-se. A participação em congressos, a

publicação de artigos, a busca pelo auto-aperfeiçoamento não pode ter fim. Somente

isso irá oportunizar a reflexão continuada de professores sobre seus estudos,

pensamentos e prática. No conjunto, a educação nada mais é senão um processo

que nunca termina. Há uma tendência para aludir à educação como algo que

termina, uma experiência que tivemos como, por exemplo, durante os cinco anos de

faculdade, ou num curso de pós-graduação. Isso soa como se tivéssemos passado

por algo final, algo que nunca mais experimentaremos de novo. Contudo, na

realidade, a educação jamais termina (KNELLER, 1990).

Não são poucos os motivos que induzem à formação continuada. Muda o

conhecimento, mudam as leis, muda a sociedade. As potencialidades que o docente

deve buscar desenvolver hoje em seus alunos abrange uma gama de saberes que

aumenta a cada dia. Mais do que na esfera da educação básica, no ensino superior

o desenvolvimento do pensamento crítico se faz regra. Que dizer então quando o

ensino de graduação tem em sala de aula futuros juristas, operadores do Direito?

Sim, este é um ambiente ainda mais exigente. Aqui o papel do ensino vai muito além

do repassar de conteúdos decorados, assimilados sem tanta preocupação com

noções de valor ou com a historicidade jurídico-política.

Na faculdade de Direito a idéia de educação deve estar intimamente ligada às

idéias de liberdade, democracia e cidadania, construídas através da atividade crítica

de cada indivíduo frente aos padrões, normas e idéias impostas pela sociedade

onde vive. Com razão, o problema da corrupção que permeia os órgãos

governamentais, a ingerência política, a desigualdade econômica e o descaso

histórico do governo brasileiro para com os direitos fundamentais dos cidadãos, são

problemas que somente se encerrarão com o aprimoramento da democracia, e isto

se da por meio de uma cultura crítica oriunda do conhecimento dos direitos do

cidadão.

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Assimilar conhecimentos na esfera do direito visando tão somente galgar

bons posicionamentos no mercado de trabalho está longe de ser o ideal da

formação universitária. Cabe ao ensino como um todo e ao ensino jurídico em

especial a formação da consciência cidadã. Educar para a cidadania tem grande

contribuição para alterações no campo da cultura política, por meio da ampliação do

espectro da participação política, não só em nível macro do poder político nacional,

mas incrementando-a a partir do micro, da participação em nível local, das

organizações populares, e contribuindo para o processo de democratização e

ampliação da conquista de direitos de cidadania (PERUZZO, 2002).

Não obstante a certeza do acima mencionado, o que se vê nas faculdades de

direito é, cada vez mais, uma escassez qualitativa, vale dizer, uma ausência na

formação tal como se deu outrora. Nos velhos tempos o ensino jurídico não se

limitava a preparar o aluno para o Exame de Ordem, como tem acontecido hoje em

muitas instituições. Nos tempos de juristas como Rui Barbosa, Oliveira Viana,

Raymundo Faoro, Caio Prado Junior, entre outros, as faculdades jurídicas

promoviam uma formação humanística primorosa. Todo aquele que obtivesse um

diploma de Bacharel em Direito, obtinha uma formação que lhe dava condições de

atuar em diferentes áreas, o que de fato ocorria.

Hodiernamente, se há uma crise na formação de médicos e professores, há

também uma crise na formação dos bacharéis em Direito. O problema não se

restringe a uma classe ou categoria profissional. Cabe, pois, aos sistemas de

avaliação do ensino superior buscar respostas para a falência do ensino universitário

no Brasil. Tudo indica que o problema da educação superior começa na verdade no

ensino básico, sempre abandonado, carente de amplos investimentos do governo.

2. A avaliação do ensino superior: o caso do ensino jurídico

Em todo o país o ensino superior vem sendo reavaliado. Não raros são os

cursos de graduação em Direito que recebem um parecer negativo do Conselho

Federal da OAB, setor responsável pelo ensino jurídico. Poucos cursos obtiveram ou

conquistaram o selo “OAB Recomenda”. Outro dispositivo usado no processo de

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avaliação do ensino jurídico no país acontece com o ato da aplicação do Exame de

Ordem, este também de responsabilidade da OAB.

O gradativo aumento do número de Faculdades de Direito – a maioria

instituições privadas de pouca qualidade – acabou gerando frustração em muitos

bacharéis que depois de formados, não obtiveram sucesso no Exame da OAB.

Milhares de estudantes recorrem aos cursos preparatórios para o Exame de Ordem,

a maioria se decepciona com os resultados obtidos nas Faculdades, descobrindo

tardiamente que perderam tempo e dinheiro. O número de cursos preparatórios para

o temido Exame de Ordem tem se multiplicado no país.

A carreira jurídica, antes motivo de orgulho e ascensão social para muitos,

tornou-se um caminho incerto para a juventude estudantil. O número expressivo de

escritórios de advocacia demonstra a existência de um mercado saturado nalgumas

regiões do Brasil.

Os educadores em geral, estão tentando uma solução para a crise do ensino

jurídico. Novas propostas para uma grade de disciplinas na graduação em Direito

vem sendo pensada. Hoje já se tem como certo que algumas áreas jurídicas não

podem ficar de fora da grade disciplinar, como direito ambiental, direito de

informática, direito internacional, direito educacional, biodireito, etc. Ademais, deve-

se atentar para o ensino interdisciplinar, sempre que possível.

Não obstante a preocupação existente com os cursos jurídicos, o problema da

educação superior ultrapassa a questão das áreas de conhecimento. Todos os

cursos de nível superior estão sendo repensados no país. Nesse sentido, o

Ministério da Educação tem sido um importante parceiro da Ordem dos Advogados

do Brasil e seu Conselho de Ensino.

Relativamente ao Ministério da Educação a posição dos técnicos avaliadores

não é muito diferente daquilo que já constatou o OAB. O MEC tem se demonstrado

preocupado com a alta reprovação da educação superior no quesito qualidade,

sobretudo no ensino privado. Não são apenas os cursos jurídicos que vão mal, há

também péssimas Faculdades de Medicina, de Engenharia, de Pedagogia, de

Fisioterapia, entre outras áreas. A privatização disfarçada da educação superior,

imposta pelo governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, está mostrando

seus lamentáveis resultados.

Atualmente não existe mais o Exame Nacional de Cursos, conhecido como

“Provão”. Este fora extinto no governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Agora

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o Ministério da Educação tem feito uso de uma nova forma de avaliação das

faculdades nacionais, públicas e privadas. Hoje no Brasil temos o denominado

SINAES. Criado pela Lei n° 10.861, de 14 de abril de 2004, o Sistema Nacional de

Avaliação da Educação Superior é formado por três componentes principais: a

avaliação das instituições, dos cursos e do desempenho dos estudantes.

O SINAES avalia todos os aspectos que giram em torno desses três eixos: o

ensino, a pesquisa, a extensão, a responsabilidade social, o desempenho dos

alunos, a gestão da instituição, o corpo docente, as instalações e vários outros

aspectos. O referido Sistema possui uma série de instrumentos complementares,

quais sejam: a auto-avaliação, a avaliação externa, o Exame Nacional de

Desempenho de Estudantes e outros instrumentos de informação (censo e

cadastro). Os resultados das avaliações possibilitam traçar um panorama da

qualidade dos cursos e instituições de educação superior no país. Os processos

avaliativos são coordenados e supervisionados pela Comissão Nacional de

Avaliação da Educação Superior (CONAES). A operacionalização é de

responsabilidade do Instituto Nacional de Educação Superior.

As informações obtidas com o SINAES são utilizadas pelas Instituições de

Ensino Superior (IES) para a orientação da sua eficácia institucional e efetividade

acadêmica e social; pelos órgãos governamentais para orientar políticas públicas e

pelos estudantes, pais de alunos e público em geral, para orientar suas decisões

quanto à realidade dos cursos e das instituições. Com efeito, ninguém quer se

matricular em um curso reconhecido e apontado como de má qualidade. Com isso

cresce a disputa pelas boas faculdades.

Cursar uma faculdade que não prepara bem o profissional, seja em que área

for, significa estar impossibilitado de obter aprovação em exames de classe e

concursos públicos, este último o grande sonho de uma maioria de formados em

todo o Brasil.

A tabela a seguir ilustra bem os resultados obtidos no Exame de Ordem no

ano de 2009, em cada estado nacional. Percebe-se a porcentagem de bacharéis

inscritos e o número de candidatos aprovados.

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Fonte: Exame de Ordem – OAB/2009

Para funcionar adequadamente, um curso superior deve submeter-se a três

estágios: o primeiro, de autorização, o segundo, de reconhecimento e o terceiro, de

credenciamento, ou seja, de renovação periódica para funcionar. Neste caso, o

credenciamento e recredenciamento serão decorrência de um processo de

avaliação permanente pelo poder público (CARNEIRO, 2002).

O Decreto 2.306/97 determina que a criação e o reconhecimento de cursos

jurídicos em instituições de ensino superior, inclusive universidades, dependerá

previamente de manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do

Brasil. Idêntico procedimento deverá ocorrer no caso de criação de cursos de

Medicina, Odontologia e Psicologia, sendo que neste caso, o processo de criação

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deve ser submetido à avaliação prévia do Conselho Nacional de Saúde

(CARNEIRO, 2002).

A questão da avaliação externa (aquela feita pelo poder público no caso em

foco) poderá gerar turbulências junto às universidades, sempre muito ciosas de sua

autonomia. Esta, porém, não é a postura tomada pelas grandes instituições

universitárias do mundo. Normalmente, além de suas próprias avaliações elas se

deixam submeter ao controle externo do MEC, ou no caso dos cursos jurídicos, da

OAB.

Nos Estados Unidos, as universidades se deixam acompanhar por diferentes

tipos de avaliação, conduzidas por agências não-governamentais. No Canadá e na

Inglaterra também acontece isso. Aqui no Brasil o temor da avaliação externa está

em que esta seja usada para fixar parâmetros para a redistribuição diferenciada de

recursos, no caso das instituições públicas obviamente. No Brasil, universidades

como a USP e a UNICAMP têm avançado muito na direção de processos mais

amplos de avaliação.

3. Inovações no ensino através da pesquisa e da prática de estágio

Deve-se favorecer a construção da autonomia intelectual dos alunos através

da pesquisa e da prática. No Brasil são poucos os alunos que chegam à

universidade com alguma experiência de pesquisa realizada no ensino médio. A

disciplina de metodologia científica, oferecida já no primeiro ano dos cursos de

graduação, deve dar conta de incentivar os acadêmicos a se envolverem na

pesquisa.

Tradicionalmente os cursos de Direito em especial não têm muito

envolvimento em pesquisa, ainda que não faltem temas a serem estudados. Na letra

da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em seu artigo 43, se

pode ler que a educação superior tem por finalidade, entre outros pontos, “incentivar

o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da

ciência e da tecnologia [...]”. Deveras, a prática da pesquisa vem sendo apontada

como crucial no trabalho do aprendizado em diferentes disciplinas. Quem pesquisa,

aprende mais e melhor.

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No ramo do Direito tem espaço a pesquisa documental, a pesquisa qualitativa

e quantitativa, a pesquisa bibliográfica, os estudos de caso, a análise comparativa,

entre tantas outras opções. Quanto aos temas, faltam estudos na esfera do direito

eletrônico, no direito educacional, no biodireito, etc. Havendo incentivo do corpo

docente, certamente não faltarão alunos interessados em produzir ciência jurídica de

qualidade nos inúmeros cursos de Direito espalhados pelo país.

Para a escolha acertada do tema a ser pesquisado, o acadêmico de Direito

deve escolher um assunto para o qual haja fontes disponíveis; deve-se observar

também se existe professor interessado em orientar aquele tema específico

escolhido. O tema deve ser delimitado dentro de uma determinada área do Direito.

São exemplos de tema para uma pesquisa jurídica: “Os benefícios e os avanços

oriundos da nova Lei de Tóxicos”; “Os objetivos constitucionais para a educação

superior”; “O caráter pedagógico-jurídico da Lei de Estágio”. Qualquer que seja o

tema deve ser sempre delimitado, objetivo e preciso.

Outro ponto que merece relevo nos cursos de graduação em Direito remete

ao estágio. Onde e quando estagiar? Na verdade, o quanto antes o aluno se

envolver com o cotidiano do universo jurídico melhor será para a sua formação.

Varas de Justiça, Delegacias de Polícia, Escritórios de Advocacia, opções não

faltam. O incentivo deve vir dos professores já no início dos cursos de graduação. O

estágio ajuda no sentido de favorecer a interação e a cooperação; analisar a

realidade e o contexto jurídico onde esta ou aquela matéria se encaixa; refletir sobre

a prática, etc. A intervenção do professor durante as atividades de estágio deve ir

além do estágio obrigatório realizado nos últimos dois anos do curso de

bacharelado. O docente pode acompanhar o aluno em atividade extra-sala de aula –

e dentro de suas possibilidades – poderá acompanhar o trabalho realizado pelo

acadêmico em seu estágio jurídico.

Na Faculdade de Direito de Apucarana, região norte do Paraná, o Núcleo de

Prática Jurídica (NPJ-FAP) vem realizando um gigantesco trabalho de atendimento

jurídico à população carente do Município. São centenas de cidadãos atendidos.

Causas cíveis, criminais e ligadas ao direito de família são debatidas pelos alunos,

juntamente com seus professores e, posteriormente, são redigidas peças

processuais que serão encaminhadas ao Fórum da Comarca de Apucarana.

Ainda, desenvolve-se no Núcleo de Prática Jurídica da Instituição processos

simulados, que são casos fictícios, propostos pelos professores responsáveis aos

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alunos para que estes possam ter contato com outras espécies de procedimentos

não abrangidos pelo atendimento no Núcleo. Os alunos, com a supervisão dos

professores, redigem petições, realizam audiências simuladas, proferem despachos,

pareceres e sentenças que compõem o processo simulado. Tudo isso visando o

ensino crítico-reflexivo aliado à prática, instrumentos importantes para a formação do

operador do Direito.

Nos escritórios de advocacia da região também se encontram numerosos

estagiários de Direito, sendo que alguns atuam em troca de remuneração, enquanto

outros buscam tão somente o conhecimento advindo de tal experiência.

Em 2008 foi editada a nova Lei de Estágio, Lei nº 11.788/08, que manteve a

característica do estágio como atividade sem vínculo empregatício e regulamentou a

atividade no Brasil. A referida Lei trouxe inovações importantes tais como a previsão

do estágio, obrigatório ou não, como parte do projeto pedagógico dos cursos; a

exigência de apresentação, pelo estagiário, de relatório de atividades do estágio; a

permissão para que profissionais liberais de nível superior ofereçam estágio; a

definição das obrigações da instituição de ensino no acompanhamento do estágio; a

previsão de trinta dias de recesso para o estagiário; a delimitação de limite da

jornada de estágio em seis horas para os estudantes do ensino superior, da

educação profissional de nível médio e do ensino médio regular e de quatro horas

para estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na

modalidade profissional de educação de jovens e adultos; a determinação do

número máximo de estagiários em relação ao quadro de pessoal da empresa

concedente, que pode chegar a 20%, caso haja mais de vinte e cinco empregados.

Os educadores mais otimistas acreditam que a nova Lei de Estágio trará

benefícios substanciais à atividade do estágio, com o reconhecimento do seu caráter

educativo, a defesa dos direitos do estudante e a definição dos papéis de cada parte

envolvida. É o fim do estágio sem compromisso com a formação profissional e o

exercício da cidadania.

De modo geral sabe-se que o ensino de qualidade está sempre fundado no

estágio e na pesquisa, ambas são atividades práticas. De fato na esfera universitária

os estudos estão associados ao aprender a pensar e ao aprender a fazer, como nos

relata Delors (2003). O ensino universitário precisa hoje ajudar o aluno a

desenvolver habilidades de pensamento e identificar procedimentos necessários

para abstrair do conhecimento todas as suas riquezas.

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Um ponto que também se sobressai nos cursos jurídicos conduz ao problema

da didática. Até que ponto os professores estão cientes de sua carência de

formação pedagógica para exercer o magistério superior? De fato, a maioria dos

advogados e magistrados não possuem o devido potencial pedagógico específico de

formação, para encarar os desafios da sala de aula. Muitos, a maioria, aprende a

lecionar lecionando.

Uma educadora, aliás, questionava a respeito, e não apenas se referindo aos

docentes do Direito:

Embora a didática seja reconhecidamente como relevante nesse processo, ate que ponto os profissionais do ensino superior reconhecem sua importância? Qual a sua percepção em torno deste conceito? Como a didática poderia contribuir para a superação dos desafios da prática docente? (PIMENTA, 1999, p.127).

No conjunto e para além das especificidades de cada curso de graduação,

todo processo de formação deve dotar os alunos de conhecimentos, habilidades e

atitudes que desenvolvam profissionais reflexivos, isto é, indivíduos com capacidade

de refletir sobre sua posição na sociedade. O papel do operador do Direito numa

sociedade desigual e injusta começa a se delimitar já a partir da formação

acadêmica.

O enquadramento funcional do formando em Direito na era pós-moderna em

nada se assemelha aos anos dourados em que se formavam alguns poucos

bacharéis nas renomadas Faculdades de Direito de São Paulo e do Recife.

Hodiernamente, a realidade tornou-se por demais competitiva. As instituições de

ensino estão agora, lamentavelmente, comprometidas mais com o lucro do que com

ideários de emancipação política ou promoção da justiça social, como fora outrora.

O corpo docente da universidade deveria estar devidamente preparado para

responder aos desafios contemporâneos, especialmente as questões

interdisciplinares que envolvem o mundo social, político e histórico. A prática jurídica

deve ser perspectivada nesse contexto mais amplo e de abrangência global, de tal

modo que permita ao futuro profissional atuar em esferas até bem pouco tempo

impensáveis.

Hoje há mesmo quem se forme bacharel com o intuito único de lecionar. Esse

profissional precisa saber que o foco central do sucesso da atuação do professor

está em sua formação. Não obstante, nenhuma faculdade de Direito tem oferecido

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cursos de graduação que levem em conta a formação do professor de Direito.

Inexiste disciplina pedagógica no bacharelado, fato que obriga os graduados a

buscarem o devido aperfeiçoamento em cursos de pós-graduação, como o de

Metodologia da Ação Docente oferecido pela Universidade Estadual de Londrina

(UEL), entre outras instituições.

Os professores universitários da área jurídica, quando indagados acerca do

que representa a didática, são unânimes em afirmar que são técnicas de ensinar,

mesmo porque, de uma forma ou de outra aprenderam a ensinar com sua

experiência e mirando-se em seus professores. Na verdade o ato de educar é bem

mais amplo do que o da ação de ministrar aulas, pois envolve fins mais abrangentes

para o processo educacional.

De modo geral, o docente de Direito parece possuir um perfil bastante

definido na universidade, como pontua Carvalho Junior (2001, p.191): “são

conservadores ao extremo, transpassando aos alunos uma visão legalista,

formalista, embasada seja num feroz positivismo kelseniano, ou dentro dos marcos

de uma cultura jurídica moldada no liberalismo e nos mitos que o fundam

historicamente”.

O professor de Direito não deve simplesmente conhecer com profundidade os

conteúdos de sua disciplina, embora isto seja fundamental, mas precisa ter

sensibilidade e fundamentação necessárias para detectar o contexto de vivência de

seus alunos e, com isso, ancorar os novos conhecimentos propostos. “Nenhuma

ação educativa pode prescindir de uma reflexão sobre o homem e de uma análise

sobre suas condições”, escreveu o emérito educador Paulo Freire (2002, p.88).

É importante reconhecer que o professor, para construir a sua condição de

mestre do saber, precisa recorrer a saberes da prática e da teoria. No mundo do

Direito, a prática cada vez mais vem sendo valorizada como um espaço de

construção de saberes operacionais. Ademais, a prática que é fonte de sabedoria,

faz da experiência um ponto de reflexão.

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4. Ensino reflexivo na graduação em Direito

O processo do ensino reflexivo possui muitas razões para se consolidar nas

mais distintas áreas do conhecimento. No âmbito jurídico não é diferente. Tudo se

faz a partir do cotidiano da sala de aula, nas relações de ensino-aprendizado. As

mais variadas técnicas de ensino nem sempre ressaltam no conhecimento o que de

fato importa. Ademais, muitas vezes a rotina e a repetição fazem o conhecimento

prático tornar-se tácito e tão espontâneo que os profissionais não mais refletem

sobre o que estão fazendo. Daí a importância da reflexão como elemento

fundamental para o desempenho da atividade aprendida. O espaço de reflexão

crítica, coletiva e constante sobre a prática é essencial para um trabalho que se quer

transformador, para um Direito que promova a justiça.

Falar do ensino reflexivo e de professores reflexivos leva-nos a pensar que,

apesar de existirem certas atitudes e predisposições pessoais nos professores, há

todo um conjunto de destrezas ou habilidades que os professores devem dominar

para concretizar este modelo de ensino. Estas aptidões dizem respeito a habilidades

cognitivas e metacognitivas.

Os educadores ingleses Pollard e Tann (1989) descreveram as destrezas

necessárias à realização de um ensino reflexivo: Destrezas empíricas: têm que ver

com a capacidade de diagnóstico tanto no nível da sala de aula como da escola.

Implicam a capacidade de compilar dados, descrever situações, processos, causas

e efeitos. Requerem dados objetivos e subjetivos (sentimentos, afetos). Destrezas

analíticas: necessárias para analisar os dados descritivos compilados e, a partir

deles, construir uma teoria. Destrezas avaliativas: as que se prendem com o

processo de valoração, de emissão de juízos sobre as conseqüências educativas

dos projetos e com a importância dos resultados alcançados. Destrezas

estratégicas: dizem respeito ao planejamento da ação, à antecipação da sua

implantação seguindo a análise realizada. Destrezas práticas: capacidade de

relacionar a análise com a prática, com os fins e com os meios, para obter um efeito

satisfatório. Destrezas de comunicação: os professores reflexivos necessitam de

comunicar e partilhar as suas idéias com outros colegas, o que sublinha a

importância das atividades de trabalho e de discussão em grupo.

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Os melhores educadores afirmam que as destrezas podem configurar

diferentes componentes na formação de professores, tanto a nível inicial como

permanente. Porém, é necessário que as atividades de formação permanente de

professores universitários incluam elementos que propiciem o desenvolvimento das

destrezas anteriormente citadas.

A educadora portuguesa Isabel Alarcão (2002) ensina que o professor

reflexivo é aquele que pensa no que faz, que é comprometido com a profissão e se

sente autônomo, capaz de tomar decisões e ter opiniões. Ele é, sobretudo, uma

pessoa que atende aos contextos em que trabalha, os interpreta e adapta a própria

atuação a eles. Os contextos educacionais são extremamente complexos e não

existe um igual a outro. O professor pode ser obrigado a, numa mesma faculdade,

ou numa mesma turma de Direito, utilizar práticas diferentes de acordo com a sala

de aula, com a idade dos alunos. Se o docente não tem a capacidade de analisar

caso a caso, automaticamente se tornará um tecnocrata da educação (ALARCÃO,

2001).

Quanto ao aluno reflexivo, este é aquele que gerencia seus estudos porque o

professor tenta formá-lo como indivíduo autônomo. E quem quer um aluno reflexivo

tem de avaliar essa competência. Se uma turma de alunos de Direito obteve maus

resultados, cabe perguntar-se: por quê? De quem é a culpa? A faculdade está

ensinando mal? Os alunos têm problemas? Há inúmeras questões a fazer.

O professor de Direito que pretenda adotar uma metodologia de ensino

reflexivo, deve ser capaz de levantar dúvidas sobre seu trabalho. Ensinar bem o

Direito já não é suficiente. É preciso saber o que acontece com o estudante que não

aprende a lição. No tocante ao problema da evasão dá-se o mesmo. Por que tantas

desistências ao longo de um curso de graduação? Qual o contexto social que

sustenta esse problema? Por que tantas reprovações no Exame de Ordem? Com

quem está a culpa? Será que as faculdades são mesmo ruins? É preciso refletir.

Enfim, o processo de ensino e aprendizado vai além de preocupações

meramente pedagógicas intra-sala de aula. No caso de cursos de graduação em

Direito, deve-se fazer uma análise da totalidade, visando uma formação

humanístico-reflexiva que atenda aos anseios de uma sociedade em permanente

transformação.

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5. Formando o cidadão: a expansão do ensino do Direito

O Brasil é o segundo colégio de advogados do ocidente, perdendo apenas

para os Estados Unidos da América. Seria muito bom se houvesse mercado de

trabalho para todos os bacharéis e se o expressivo número de faculdades de Direito

se refletisse na qualidade do serviço prestado. Porém, não é o que acontece. O

ensino jurídico sem qualidade atinge todo o âmbito da Justiça, pois compromete a

formação de todos os que participam de sua administração: advogados,

magistrados, promotores, operadores do Direito em geral. Acaba atingindo o próprio

conceito de cidadania e de democracia (ARAGÃO, 2007).

A cidadania nos moldes atuais segue uma orientação ideológica que

representa bem mais que a participação em período eleitoral. Toda a sociedade

organizada se fundamenta no estado de Direito, previsto juridicamente. Se as leis

não são bem interpretadas, se não são obedecidas, se não são elaboradas com

base na realidade nacional, então todo o processo democrático estará em risco.

Com razão, não há esfera social que não seja regulamentada em lei. A proteção

estabelecida em direitos e deveres é o fundamento último do bom Direito. Não

obstante, o ensino desse Direito tem sido algo pervertido, inócuo, sem base

científica. Disso resulta a carência cidadã denunciada por Aragão (2007), entre

tantas outras mazelas. O que fazer? Ora, muito já vem sendo feito. Trata-se de um

processo de longa duração; o que não se pode é esmorecer diante desses desafios.

O ensino de qualidade é um direito do cidadão – e muito se fala disso hoje em

dia –, logo o ensino jurídico de qualidade o é mais ainda. A crise que abate a

educação no geral, chegou à faculdade, chegou às faculdades de Direito. Nesse

ambiente prevalece agora a educação mercadológica, enquanto os referenciais

pedagógicos e didáticos são postos de lado. De pesquisa pouco se fala, estágio visa

dinheiro ou status, resta o ensino jurídico esfacelado.

Por que não trabalhar a interdisciplinaridade nos cursos jurídicos? Por que

não unir teoria e prática já desde o primeiro ano do bacharelado? Por que não exigir

um conhecimento básico de Direito nos exames vestibulares? Se a lei obriga o

estudo de filosofia, sociologia e história da África no ensino de nível médio, não

deveria também incluir a obrigatoriedade do ensino de Direito?

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Se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em vários de seus artigos

acentua que a educação visa formar o cidadão, nada melhor que instruí-lo desde

muito cedo quanto às suas obrigações e seus direitos. O jovem adolescente deveria

conhecer o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) precocemente; deveria

receber orientação especializada quanto ao Código Brasileiro de Trânsito, e no

mesmo sentido deveria saber de seus direitos enquanto consumidor que é.

Essa formação de cidadania verdadeira abriria oportunidades que resultariam,

no conjunto, numa melhora gradativa do ensino jurídico brasileiro em diferentes

níveis. De fato o jovem acadêmico da Faculdade de Direito não teria contato com as

leis de seu país apenas quando, já adulto, iniciasse uma graduação em ciências

jurídicas.

Há inclusive, atualmente, muitos calouros universitários que se demonstram

admirados ao ouvir dizer do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que até

então desconheciam; outros ficam espantados quando sabem que nosso país tem

uma legislação de proteção ao consumidor respeitada internacionalmente. Quando

muito, a juventude brasileira conhece um pouco de Direito assistindo o cinema

americano. Esse quadro de desinformação jurídica precisa e deve mudar com

urgência.

Os educadores são unânimes ao afirmar que não se altera a realidade de

uma escola sem que se altere o quadro que a circunda. Isso vale para a escola de

ensino primário e vale para a universidade, onde se posiciona o ensino jurídico. As

leis do país precisam ser discutidas pela sociedade civil, pelas comunidades de

bairro, pelas associações, etc. A realidade do que acontece nos grandes Tribunais

de Justiça, no Fórum de cada município, nas Varas da Justiça do Trabalho, nas

Delegacias de Polícia, enfim onde se faz presente o papel dos operadores do

Direito, essas realidades deveriam se tornar acessíveis ao cidadão comum.

As leis são inúmeras no Brasil, pouco cumpridas e muito desconhecidas. As

autoridades judiciárias são temidas, quase sempre são autoritárias e distantes do

homem comum, enquanto a ciência do Direito segue mesclada numa linguagem

hermética, inacessível ao cidadão trabalhador; os prédios dos Tribunais de Justiça

são monumentos que ostentam luxo e desperdício do dinheiro público, abrigando

magistrados inertes, processos morosos e alguma corrupção. Certamente esta

realidade em nada contribui para promover o ganho qualitativo do ensino do Direito,

que atualmente segue retido em cursos efêmeros de faculdades ávidas por lucro.

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Quando o estudante, a dona de casa e o operário sentirem no seu cotidiano a

presença de uma Justiça que funciona, que se faz transparente e inteligível, quase

que inevitavelmente isso haverá de repercutir na qualidade do ensino do Direito no

país.

Considerações Finais

Educação é um direito humano com imenso poder de transformação. Sobre

suas fundações estruturam-se a liberdade, a democracia e o desenvolvimento

humano sustentável. Portanto, no limiar do século 21 não deve existir prioridade

maior ou missão mais importante do que a educação para todos, em todos os níveis.

Isso inclui o ensino superior de qualidade.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que historicamente sempre teve

um papel relevante no processo de democratização do país, pode ainda unir-se à

sociedade civil na luta pela educação de qualidade, nos níveis fundamental e médio.

Fazendo isso, indiretamente, a OAB estará contribuindo para que também os cursos

de graduação em Direito melhorem no país. Com efeito, não existe uma separação

entre níveis de ensino. A má qualidade que começa no ensino básico chega à

universidade.

Dentro de uma visão crítica de ensino é necessário observar o processo de

aprendizagem, diagnosticar as deficiências e ajudar o aluno a aprender. Aprender a

olhar para além do simples universo jurídico, desenvolvendo uma visão formativa

holística, fundamentada na essência das relações sociais. O desafio do ensino do

Direito perante as novas metodologias trará um forte ganho qualitativo se levar em

conta ao ensino reflexivo, a prática fundamentada no estágio, o exercício da

pesquisa e, sobretudo, a expansão do ensino jurídico para além da graduação em

Direito.

Ademais, o processo de avaliação no contexto pedagógico acima, precisa

deixar de seu um instrumento de dar nota, punir, medir, quantificar para ser um

instrumento de verificação das fraquezas dos alunos e também dos professores e de

sua práxis, para atingir aquilo que o ensino propõe como meta: o aprendizado.

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A pluralidade de metodologias de ensino é sempre a melhor alternativa. Cabe

aos profissionais do ensino jurídico a coragem de aplicá-las conscientemente.

Excluindo-se os métodos autoritários, arcaicos e positivistas, e ao mesmo tempo

dando-se preferência àqueles que estimulam a autonomia reflexiva do aluno, se

chegará a um padrão razoável do ensino, assemelhado às melhores Faculdades de

Direito do mundo.

Se ainda existe diferença em termos qualitativos entre o ensino superior

brasileiro e o europeu ou norte-americano, isso se dá por diferentes razões. No

Brasil, o problema da falta de recursos nas instituições públicas de ensino superior

aparece com freqüência para justificar problemas de qualidade na educação

universitária.

É sabido que o Brasil se coloca como um dos poucos países do mundo em

que o aluno não paga para cursar uma universidade federal ou estadual. Na Europa,

é comum as instituições públicas cobrarem mensalidades. Com recursos financeiros

garantidos, o ensino superior melhora, surgem ganhos qualitativos em termos

salariais para os professores; a estrutura física das faculdades (prédios, laboratórios

e salas de aula) também acaba recebendo benefícios; verbas para a pesquisa não

faltam.

Tudo aparenta ser muito diferente da realidade nacional, onde alguns prédios

construídos nos diversos campi universitários estão caindo aos pedaços,

laboratórios de pesquisa de ponta restam esquecidos, enquanto professores

catedráticos migram para o exterior. A crise do ensino jurídico, vale dizer, espelha a

crise da educação como um todo.

Nos Estados Unidos a prática de doações milionárias às universidades

públicas por parte de ex-alunos bem sucedidos profissionalmente, também é

comum. Isso contribui para a qualidade do ensino superior americano, recordista na

obtenção de Prêmios Nobel.

O Brasil, dotado de uma cultura diferente e sem recursos financeiros, deverá

se adaptar à realidade internacional, com uma nova legislação para o ensino

superior. Para além dos prejuízos conhecidos na área do magistério jurídico, a

educação como um todo tenderá a decair qualitativamente, quanto menor for a

atenção dispensada a esta relevante área de interesse público.

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REFERÊNCIAS

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classroom. London: Cassell, 1989. RIBEIRO, Guilherme Wagner. Em defesa da pesquisa no ensino jurídico. Jus Navegandi, Teresina, ano 5, n.51, out.2001. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2240. Acesso em: 05 mar. 2010.

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WOLKMER, Antonio Carlos (org.) Fundamentos de história do direito. 4. ed. Belo

Horizonte: Del Rey, 2008.