Ensaio: a compreensão sobre a pena de morte
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Fernando Carvalho Tabone - Nº USP 6805440
A compreensão sobre a pena de morte
A pena de morte é um assunto amplamente discutido há tempos. Nos
primórdios de nossas civilizações a condenação era vista como algo comum e
necessário para o bem estar social. O Código de Hamurabi, um dos mais
antigos conjuntos de leis escritas já encontrado, previa nele a Pena de Talião,
conhecida popularmente pelo ditado “olho por olho dente por dente”. A pena
consistia na rigorosa reciprocidade do crime e da pena, por exemplo, um
indivíduo quando culpado direto pela morte de outro indivíduo,
consequentemente, deveria também ser condenado a morte.
Porém, com a evolução dos códigos e da discussão sobre os conjuntos
de leis, muitos códigos foram progressivamente deixando de considerar a
condenação à pena de morte como possível. Continuamente as execuções
foram diminuindo e a pena foi sendo banida. Nos últimos anos, no mundo todo,
o número de pessoas condenadas à pena de morte e o número de criminosos
executados diminuíram significativamente. Mesmo países que ainda permitem
em seus códigos a condenação, não estão mais condenando na prática, e
muitos outros, aboliram dos seus códigos a pena capital.
Contudo, a pena capital ainda não deixou de existir e sua condenação,
a morte, continua sendo aplicada em muitos lugares. Há países nos quais seus
códigos ainda permitem a pena de morte no entanto com uma série de
restrições. Como no próprio Brasil, em que a condenação ainda é aceita
apenas à crimes militares, apesar de a mais de cem anos uma pessoa não ser
condenada ou executada. Há países também, como Estados Unidos, China e
Japão, que não só permitem em seus códigos a condenação a civis como de
fato aplicam a pena de morte. Esses países exemplificam alguns dos poucos
que executaram criminosos nos últimos anos. Há países também no Oriente
Médio, região em que muitos países baseiam seus códigos em convicções
religiosas, que permitem e aplicam a condenação à morte, inclusive, à
maneiras bastante rudes, como apedrejamento e decapitação. Por essa razão,
da pena de morte ainda ser aplicada em muitos locais, o tema e debate sobre o
assunto ainda é bastante frequente e repercute consideravelmente quando
pautado na mídia.
No entanto, quando o debate ocorre, o viés é diretamente relacionado
com o modo individual de compreender o assunto, que variar de acordo com a
realidade de cada indivíduo. Recentemente, o ex-presidente do Iraque, Sadam
Hussein, foi capturado pelas forças armadas norte americanas que invadiram o
país na Guerra do Iraque e condenado a pena de morte por enforcamento, sob
a qual foi consequentemente executado. A execução repercutiu mundialmente
e a compreensão sobre o fato, diferenciada em determinados grupos e locais.
Semelhantemente, ocorreu no Brasil que, Joaquim José da Silva Xavier,
o popular Tiradentes, foi capturado pelo governo Português e condenado a
pena de morte por enforcamento, sob a qual, também foi executado. Os dois
acontecimentos possuem certas semelhanças, entretanto, uma grande
diferença, a distância de tempo entre os fatos. Centenas de anos. Não
interpretar a condenação de Sadam Hussein ou o assunto pena de morte como
arcaico, ou algo ultrapassado, principalmente a nós brasileiros, é difícil.
Quando o tema surge logo nos lembramos dos exemplos encontrados
nos livros de história e tendemos a considerar a pena de morte como brutal e
antiquada. É complicada a simples imaginação de sua aplicação nos dias
atuais. Nossa compreensão sobre o assunto é condicionada a comparação
com nosso passado histórico. No entanto, a compreensão sobre o tema pelo
meio militar, mesmo o militar brasileiro, pode ser diferente. Como dito
anteriormente, a condenação à morte é permitida no Brasil apenas em certos
casos de crimes militares. O exercito compreende a pena de morte de maneira
distinta da população civil. A pena de morte é intrínseca as tradições militares e
a convivência com assunto é diferente. A morte é uma conseqüência que pode
ser considerada comum na própria atividade militar. O comando, pulso e a
rigidez são características altamente presentes no exercito. A autoridade não
pode vir a ser questionada e a justiça e impunidade são assuntos de
significativa importância. Portanto, a aceitação da condenação à morte é
compreendida de maneira diferente e mais facilmente aceita, e até mesmo,
num eventual debate, ser defendida como devida para o próprio código civil,
porta conta do entendimento que se tem sobre o tema.
Nas sociedades que convivem com a pena de morte, a compreensão do
assunto surge sob outras variadas formas. Nos Estados Unidos, por exemplo,
onde a pena é comum, a pena de morte pode ser compreendida sobre óticas
diferentes. Sustentar um criminoso no sistema norte americano despende altos
custos ao Estado. Os crimes mais graves são os que acarretam piores penas
que variam conforme o tempo que criminoso deverá passar na cadeia. Para os
crimes mais graves, em que o criminoso passaria mais tempo no sistema
carcerário, o criminoso é condenado à pena morte, desincumbindo assim a
população e o Estado de sustentá-lo por anos, diminuindo os custos públicos.
A convivência do cidadão americano com o assunto permite outras
compreensões sobre a pena de morte. Como esta descrita acima, sobre
aspectos de certa maneira, econômicos.
Na China, em que o governo não é democrático, há também um fator de
repreensão na aplicação da pena. O governo para se sustentar necessita
manter a população sob controle. Por essa razão, a aplicação da pena pode
servir como efeito de coibição a futuros crimes. Apesar desta ser uma intenção
do Estado, a própria população também pode compreender desta maneira a
aplicação da pena de morte, na qual a condenação só existe para que os
crimes não ocorram novamente. A convivência chinesa com a aplicação da
pena permite essa consideração, da utilização da pena como controle social.
Nos pilares da fé islâmica, há uma lei, a Sharia, sob a qual um
mulçumano que renegue sua fé ou blasfeme conta Alá ou Maomé pode ser
condenado à morte. No Oriente Médio, como citado anteriormente, há muitos
países que baseiam seus códigos em fundamentos religiosos, dentre esses, há
países mulçumanos que dependendo da cultura do seu país, chegam a
condenar pessoas à morte pelo motivo exposto na Sharia. Para os
mulçumanos, a pena de morte pode soar como justa simplesmente pela justiça
de Deus ou de Alá cumprida na terra. Os mulçumanos compreendem a pena
baseados na fé e conseguem admiti-la como correta e adequada para sua
realidade.
Nos últimos anos, um fator decisivo na diminuição do número de
condenações e execuções é a recomendação da Convenção Européia dos
Direitos Humanos de abolição da pena de morte nos países participantes. A
recomendação baseia-se majoritariamente no artigo 3 da Carta de Direitos
Humanos, que diz que “todo ser humano deve ter direito a vida, liberdade e
segurança pessoal”. Este artigo permitiu a Convenção a compreensão de que a
condenação à morte vai de encontro aos direitos que devem ser assegurados a
todos seres humanos. Assim, essa foi a principal interpretação e justificativa
dos países europeus que aboliram a pena de morte em seus países.
Compreende-se que a condenação de criminosos à morte fere esses direitos
ratificados na Carta de Direitos Humanos.
Portanto, a múltipla compreensão sobre o assunto pena de morte é que
permite seu continuo debate e discussão. A realidade de quem discute
determina a compreensão sobre a finalidade e justificativa da utilização da
condenação a morte no conjunto de leis. Apesar da progressiva abolição no
mundo e do número de condenações e execuções diminuírem anualmente, a
pena de morte ainda irá subsistir por muitos anos, ao menos, enquanto
permanecerem lugares, países e sociedades com possibilidades diferenciadas
de se compreender sua utilidade.