Encontros e Confrontos Linguísticos: O Local e o Global na...

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  • ANPUH XXV SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA Fortaleza, 2009.

    Encontros e Confrontos Lingusticos: O Local e o Global na frica

    Diego Barbosa da Silva*

    Resumo:A lngua desde o Renascimento e o surgimento dos Estados nacionais tem apresentado um importante papel na construo da nao. Como dizia Renan (1997), se no fosse o poder do Estado de segregar, selecionar e classificar, dificilmente existiria a comunidade nacional. Se o Estado era a concretizao do futuro da nao, era tambm condio para a existncia de uma nao. Assim, o Estado-nacional utilizar a lngua como um instrumento para exercer o seu poder, inclusive simblico, de muitos conflitos e negociaes (Bourdieu, 1996).Nosso objetivo analisar a poltica lingustica dos pases africanos aps os processos de independncias a partir da dcada de 1960 e discutir, sobretudo, a escolha de lnguas europeias como oficiais nessas novas naes. Contudo, no podemos nos esquecer nesta anlise a vasta diversidade tnica e lingustica do continente africano, dentro de um mundo cada vez mais globalizado, onde o ingls, principalmente por seu vis econmico, exerce domnio e surge como uma lngua global (Crystal, 2003 e Lacoste & Rajagopalan, 2005). Palavras-chave: identidade-lngua-nao Abstract: The language from the Renaissance and the emergence of national states has shown an important role in building the nation. As said Renan (1997), if not the power of the State of segregate, select and sort, hardly exist in the national community. If the State was the realization of the future of the nation, was also a condition for existence of a nation. The National State will use the national language as a tool to exercise its power, even symbolic, of many conflicts and negotiations (Bourdieu, 1996). Our goal is to analyze the language policy in African countries after the process of independence from the 1960s and discuss, especially the choice of European languages as official in new nations. However, we can not forget this analysis the vast ethnic and linguistic diversity of the African continent, in a increasingly globalized world, where English, especially for its economic bias, exercise area and emerges as a global language (Crystal, 2003 and Lacoste & Rajagopalan, 2005). Keywords: identity-language-nation

    O presente artigo fruto de um debate comum e inquietude a respeito dos motivos

    pelos quais pases africanos tm adotado lngua europeias como oficiais.

    No entanto, no podemos analisar a questo, a no ser dentro de um contexto histrico

    mais amplo, levando em considerao o processo de colonizao e descolonizao de toda

    frica, respeitando, porm as especificidades de cada nao africana. Afinal, no podemos

    falar de uma frica, mas de vrias fricas.

    * Mestrando pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e servidor do Arquivo Nacional.

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    Bethania Mariani (2008:74) nos mostra que teorizar sobre a passagem das lnguas

    europeias na frica como lnguas de colonizao para lnguas nacionais, considerando como pano de fundo os efeitos da violncia simblica da colonizao lingustica bem como a heterogeneidade lingustica constitutiva das naes, discutir a trajetria scio-poltica das lnguas e das ideias lingusticas, discutir tambm a histria do sempre conflituoso percurso da construo de identidades nacionais, por um lado, e dos conflitos poltico-lingusticos internacionais, por outro.

    A questo lingustica na frica consequncia do processo de colonizao que

    introduziu e imps no continente tambm uma colonizao lingustica a partir do ingls,

    francs, portugus e espanhol. Esses quatro idiomas de origem europeia promoveram

    profundas transformaes lingusticas em uma frica com cerca de 2092 lnguas autctones1

    tanto quanto as naes europeias modificaram toda estrutura poltico-scio-econmica da

    frica, sobretudo aps a Conferncia de Berlim (1884-1885).

    Podemos observar adiante como alguns estudiosos, no incio sculo XX, portanto,

    durante o perodo colonial da frica, viam a relao lngua-Estado. O escritor francs de

    idioma provenal, prmio Nobel de Literatura em 1904 e defensor das lnguas regionais

    francesas, Frdric Mistral dizia que a lngua o mais poderoso instrumento de conquista,

    porquanto permite impor ideias e valores sem contestao e o gegrafo francs Vidal de La

    Blache, nas vsperas da I Guerra Mundial afirmava o papel de um pas no mundo se mede

    pelo nmero de indivduos que falam sua lngua (SOUZA, 2001:12).

    Neste contexto, a Conferncia de Berlim foi responsvel pela partilha da frica, entre

    a Frana, Reino Unido, Portugal, Espanha, Blgica, Alemanha e Itlia2 e tambm pela

    manuteno da independncia poltica de apenas dois pases africanos: Etipia e Libria. Tal

    diviso no respeitou a dinmica scio-poltica da frica, unindo etnias rivais num mesmo

    territrio e dividindo um mesmo grupo tnico em vrias colnias, sob diferentes

    administraes.

    No entanto, depois de sofrer sculos de explorao colonialista e imperialista, surgem

    na frica diversos movimentos nacionalistas de independncia aps a II Guerra Mundial.

    Esses movimentos foram liderados pelas elites coloniais que mantinham forte contato com a

    metrpole e que utilizavam a lngua europeia como lngua do movimento de libertao. A 1 A quantidade corresponde cerca de 30% de todas as lnguas do mundo. A Europa tem cerca de 239 lnguas

    ou 3,5%. As lnguas mais faladas na frica so o rabe (175 milhes), o suale (10 milhes como materna e 80 milhes como segunda lngua), amrico (42 milhes), hausa (25 milhes + 15 milhes como segunda lngua), oromo (35 milhes), ibo e yorub (cerca de 25 milhes cada). Fonte: site Ethnologue.

    2 Alemanha a Itlia perderam suas colnias para os pases da Trplice Entente, aps a I Guerra Mundial, mais

    precisamente para a Frana e o Reino Unido.

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    lngua aqui sofre um processo de resignificao quanto objeto simblico (MARIANI,

    2007:244). Hannah Arendt diz que a sociedade da nao no mundo moderno aquele

    domnio curiosamente hbrido onde os interesses privados assumem significao pblica

    (BHABHA, 1997:50-51).

    A nao, como dizia Ernest Renan, um plebiscito dirio, um eterno poder de

    excluso, frente a um poder de pertencimento. Resultado de um longo passado de esforos, a

    nao um desejo de viver junto, vontade de continuar valer a herana que recebemos. A

    nao seria incompleta, um projeto a exigir uma vigilncia contnua, um esforo a fim de

    assegurar que a exigncia fosse ouvida e obedecida. Se no fosse o poder do Estado de

    segregar, selecionar e classificar, dificilmente existiria a comunidade nacional. Se o Estado

    era a concretizao do futuro da nao, era tambm condio para a existncia de uma nao

    (BAUMAN, 2005; RENAN, 1997:40).

    Destarte, o Estado surge buscando a obedincia de seus indivduos e se apresenta

    como meio de consolidao e concretizao do futuro das naes, um futuro sem limites, do

    povo e da cultura e a garantia de sua continuidade (BAUMAN, 2005:27-28).

    Diferentemente do surgimento dos Estados nacionais na Europa, criados atravs de um

    processo lento de pertencimento e excluso de um mesmo grupo geralmente homogneo, de

    construo de uma identidade em oposio ao outro, a alteridade, o surgimento dos Estados

    africanos se deu a partir da estrutura colonial e territorial, que agregava vrios grupos tnicos,

    cada um com uma identidade prpria que exclua e repelia as demais, num sentido de

    afirmao.

    Porm, as elites africanas, consequncias de um processo intercultural, inclusive de

    conflito, no viam outra soluo para o futuro desses novos pases, a no ser utilizar o modelo

    de Estado europeu deixado como herana na frica pelos colonizadores. Esse modelo iria

    poupar custos e evitar uma nova reorganizao geopoltica do continente. Por isso, os pases

    africanos, recm independentes criaram em 1963, a Organizao da Unidade Africana (OUA),

    que segundo o artigo II da Carta da OUA, tinha como objetivos a) defender a soberania,

    integridade territorial e independncia dos estados africanos, b) erradicar todas as formas de

    colonialismo da frica, c) promover a unidade e solidariedade entre os estados africanos, d)

    promover o desenvolvimento scio-econmico, entre outros. Isto , os pases da OUA

    decidiram no modificar as fronteiras estabelecidas na Conferncia de Berlim.

    O historiador nigeriano Toyin Falola, como crtico desse processo de descolonizao

    afirma que hoje no podemos criticar o imperialismo europeu na frica sem tambm criticar

    a elite africana que gerencia o mundo ps-colonial (RODRIGUES, 2005:162).

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    Foi dessa forma, atravs da poltica, entre elas a lingustica, que as elites africanas se

    mantiveram no poder.

    Aps a independncia, era extremamente necessrio criar, forjar uma identidade

    nacional, acima da identidade tnica, capaz de manter o novo pas unido. Era necessrio, por

    exemplo, criar uma identidade angolana ou nigeriana, que congregasse as identidades

    umbumdu, kikongo e kimbundu ou hausa, ibo e yorub, respectivamente e que fosse superior

    a elas.

    As elites africanas logo perceberam que a lngua seria mais que um meio para isso,

    pois a lngua funciona como forma de dominao e homogeneizao cultural e como forma

    de resistncia cultural (RODRIGUES, op. cit.:162.) e tambm sob a lngua oficial que seria

    construdo a nova nao. Bourdieu (1996:32), inclusive, diz que no processo de constituio

    do Estado que se criam as condies da constituio de um mercado lingustico unificado e

    dominado pela lngua oficial.

    Assim o Estado afirma e confirma uma identidade e consequentemente uma lngua, a

    lngua nacional. Afinal, identidade traz segurana. Dessa forma, as demais identidades so

    submetidas a sua proteo, ou melhor, controle, o que s endossa a superioridade da

    identidade nacional. Bourdieu foi ainda mais longe ao afirmar que a lngua oficial que se

    impe de maneira imperativa, sendo a nica legtima naquela jurisdio, contribui para

    reforar a autoridade que fundamenta sua dominao (BOURDIEU, op. cit.:31).

    A lngua europeia escolhida como oficial desempenharia um importante papel na

    construo dessa identidade, afinal as naes africanas eram resultados do choque cultural

    europeu e africano. No entanto, no podemos nos esquecer de que essa lngua dita europeia,

    no era mais to europeia, j que em solo africano sofreu influncias e transformaes,

    formando muitas vezes uma nova lngua, como o crioulo de Maurcio, Seicheles a Cabo

    Verde ou uma variao da lngua europeia.

    Essa escolha foi baseada no que Mariani chama de ideologia do dficit lingustico nas

    lnguas africanas (MARIANI, 2007:241), isto , na ideia de que a lngua europeia

    emancipada, emancipadora e desenvolvida, enquanto as lnguas africanas so tidas como

    primitivas, tradicionais e subdesenvolvidas (BARBER in RODRIGUES, op. cit.:165). Ou

    seja, para as elites, as lnguas europeias esto mais preparadas e tm inclusive um potencial

    maior para representar a realidade do mundo atual, com seus avanos tecnolgicos e

    cientficos. Tal medida baseia-se na concepo centrista ocidental de mundo e a lngua

    europeia aqui vista como um instrumento civilizatrio e como critrio para o

    desenvolvimento da frica.

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    Do ponto de vista poltico, a escolha da lngua de origem europeia como oficial

    mostrou-se positiva, para as elites, sob os seguintes aspectos:

    a) Apresentava um valor simblico, tinha escrita, gramtica definida, dicionrio, vasta

    literatura e histria documentada ao contrrio de muitas lnguas africanas, ou seja, a lngua

    europeia detinha a praticidade em relao ao mundo atual.

    b) Exerceria o papel de lngua de contato internacional das novas naes, com os

    demais pases do mundo.

    c) Evitaria problemas, causados por uma possvel escolha de uma lngua africana do

    pas, como oficial, impedindo consequentemente a valorizao e ascenso de um grupo tnico

    perante os demais. Por isso, optou-se pela escolha de uma lngua vista como neutra.

    Dessa forma, outro problema seria se os pases africanos tornassem oficiais todas as

    lnguas do pas, tal medida encontraria dificuldade na sua implantao no sistema de ensino,

    administrativo, judicirio, entre outros, assim como representaria um alto custo. Se o territrio

    fosse dividido em lnguas oficiais em cada regio, isso reforaria a identidade regional, em

    prol da identidade nacional.

    A partir das polticas lingusticas africanas, podemos classificar os Estados nacionais

    em quatro categorias, para assim poder observar, abaixo, que a maioria dos pases valorizam a

    lngua externa.

    1. Pases africanos de maioria rabe: mesmo com diversidade tnica, apresentam uma maioria

    tnica rabe e aplicam uma poltica de arabizao do pas sob o aspecto lingustico. o caso

    da Arglia, Marrocos, Tunsia, Egito e Lbia.

    2. Pases da frica Subsaariana com poltica exoglssica, ou seja, que adotam uma poltica de

    valorizao da lngua externa.

    2.1 Pases com grande diversidade lingustica:

    Angola, Benin, Camares, Chade, Congo, Cte dIvoire, Djibuti, Gabo, Gmbia, Gana3,

    Guin, Guin-Bissau, Guin Equatorial, Libria, Mali, Maurcio, Mauritnia, Moambique,

    Nambia, Nger, Nigria, Repblica Democrtica do Congo, Senegal, Serra Leoa, Togo,

    Zmbia e Zimbbue.

    2.2 Pases com pequena diversidade lingustica:

    Cabo Verde e So Tom e Prncipe.

    3. Pases da frica Subsaariana com poltica endoglssica, ou seja, apresentam uma poltica

    de promoo da lngua interna. Podemos dividi-los em dois grupos:

    3 Pases com poltica lingustica exglssica, porm com tendncias endoglssicas, sobretudo na utilizao das

    lnguas nacionais no ensino primrio.

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    3.1 Pases com vasta diversidade tnica e lingustica:

    frica do Sul, Etipia, Eritreia, Qunia, Repblica Centro Africana, Tanznia e Uganda.

    3.2 Pases com uma etnia majoritria:

    Botsuana, Burundi, Lesoto, Madagascar, Malau, Ruanda, Somlia e Suazilndia.

    Observando a classificao acima, podemos perceber que poucos so os pases com

    uma poltica de valorizao da lngua nacional. Botsuana, Burundi, Lesoto, Madagascar,

    Malau, Ruanda, Somlia e Suazilndia so de grupo tnico majoritrio e por isso mesmo

    torna-se mais fcil adotar como lngua oficial, a lngua da etnia principal ou dominante, como

    o tswana (lngua materna de 80% da populao de Botsuana e segunda lngua de 19%), o

    sesotho (lngua materna de 85% da populao do Lesoto e segunda lngua de 14%) e o

    malgaxe (lngua materna de 98% da populao de Madagascar). Porm em todas essas

    naes, com exceo da Somlia, a lngua nacional e oficial africana disputa prestgio com o

    ingls em Botsuana, Lesoto, Malau e Suazilndia e com o francs em Madagascar e Ruanda.

    Analisaremos, agora, uma poltica lingustica endoglssica, adotada a favor do suale

    na Tanznia, na frica Oriental, de resultados interessantes. O pas foi formado em 1964, com

    a unificao de duas ex-colnias, Tanganika e a ilha de Zanzibar. A partir da a Tanznia

    tomou medidas de valorizao do suale para tornar-se lngua oficial e nacional. O suale

    uma lngua de formao heterognea, formada a partir do comrcio martimo e do contato nas

    costas da frica Oriental, falada como materna em Zanzibar e como segunda lngua no litoral

    do pas. Vale ressalta aqui que o suale foi estimulado e permitido na poca da colonizao

    alem e britnica (ABDULAZIZ, 2003:106) e por isso diferentemente dos demais pases

    africanos, emergiu como candidato lngua nacional e oficial na Tanznia, sendo adotado

    como lngua da independncia por Julius Nyerere4.

    Em 1967, atravs da Declarao de Arusha, o suale foi implantado no ensino mdio,

    um dos poucos casos na frica do gnero. Para que essa medida fosse efetivada foi preciso

    uma interveno estatal no corpus da lngua, principalmente no desenvolvimento de novos

    lxicos feito pelo The National Swahili Council e tambm do incentivo e do desenvolvimento

    de uma expresso literria em suale.

    Em 1987, a Tanznia permite o uso da lngua inglesa no ensino mdio, sob forte

    presso internacional que o ingls impe, apesar de a medida ter-se revelado,

    comprovadamente um obstculo ao processo de aprendizagem. (MAZRUI; MAZRUI in

    RODRIGUES, op. cit.:164)

    4 Julius Nyerere (1922-1999) foi lder da independncia de Tanganika e presidente da Tanznia de 1964 a

    1985.

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    Mesmo tendo alguns aspectos favorveis como a utilizao do suale pelos

    colonizadores, o fato de ser vista como lngua de independncia, o fato de ser vista como uma

    espcie de lngua neutra no ligada diretamente a nenhuma etnia, como nos mostra Calvet

    (2007:121), o suale um bom exemplo de poltica lingustica de status e de corpus de

    sucesso. O suale, uma lngua falada como materna por apenas 1% da populao (antes de

    1960), a partir do poder estatal, tornou-se lngua falada por 95% da populao como segunda

    lngua, ampliando sua participao no continente, tornando-se lngua oficial da Unio

    Africana, organizao que substituiu a Organizao da Unidade Africana (OUA) em 2002.

    Um bom termmetro para a vitalidade do suale observar a quantidade de verbetes na

    wikipedia, 12 mil, ao lado de idiomas como o javans, bengali, africner ou servo-croata, com

    mais falantes maternos, mesmo a frica tendo apenas 2% dos domnios da rede mundial e 1%

    da populao com acesso internet, segundo Mouhammet Diop (2007), consultor do Banco

    Mundial, durante o 2 Frum de Governana da Internet em 2007 no Rio de Janeiro.

    Qunia e Uganda apresentaram nesses ltimos anos uma tendncia endoglssica,

    tambm a favor do suale, que lngua franca em toda frica Oriental, de Moambique a

    Somlia. A partir de setembro de 2005, Uganda voltou a adotar o suale como lngua oficial.

    Tal medida visa a uma maior integrao regional, afinal o suale j era oficial na Tanznia e

    no Qunia.

    Entre os pases exoglssicos, podemos destacar Cabo Verde e So Tom e Prncipe,

    que embora apresentem baixssima diversidade lingustica no tornam oficias as suas lnguas

    crioulas, porque articulam e reconhecem o carter internacional da lngua portuguesa.

    Os demais pases africanos subsaarianos adotam polticas exoglssicas, porm muitos

    deles reconhecem as lnguas africanas como nacionais e as utilizam no ensino primrio.

    Um caso curioso, recente, foi a adoo pela Guin Equatorial, a partir de julho de

    2007, da lngua portuguesa como oficial no pas numa tentativa de se aproximar e aderir

    Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa. L, o francs oficial desde 1998, ao lado do

    espanhol, que oficial desde a independncia em 1968.

    Concluso

    A poltica lingustica de um pas fundamental para o seu desenvolvimento, porm,

    questionamos qual seria a melhor poltica a ser adotada num continente assolado por guerras,

    misria e desigualdade scio-econmica. A maioria dos pases africanos optou por uma

    poltica exoglssica que, dcadas depois, tem se mostrado ineficaz ao desenvolver o

    continente, sobretudo na educao.

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    Segundo Ayo Bamgbose, a erradicao do analfabetismo na frica depende do uso

    de lnguas africanas como meio de instruo no primeiro e segundo nveis do processo de

    escolaridade formal (RODRIGUES, op. cit.:173). O linguista nigeriano mostra a importncia

    da implantao de uma poltica endoglssica. Lnguas maternas so um veculo de

    integrao social e participao poltica em todo o continente africano (RODRIGUES, op.

    cit., p.:163). A utilizao de uma lngua europeia no ensino afasta o aluno e a maior

    responsvel pelas altas taxas de evaso e reprovao nas escolas.

    A Unesco tambm defende a utilizao de lnguas maternas no ensino primrio, porm

    a adoo de tais medidas esbarram nas dificuldades econmicas da frica, como a escassez de

    escolas, de professores capacitados e de material didtico. Sem mencionar que a maioria das

    lnguas africanas necessitariam de alguma medida do Estado para se desenvolveram5 para se

    adequarem realidade atual e poderem representar o mundo de hoje.

    Ao debater sobre poltica lingustica na frica, muitos discutem a necessidade de ter

    uma lngua oficial europeia, como nica possibilidade de manter as fronteiras do novo pas e

    questionam se no era uma forma de continuidade da colonizao. No entanto, experincias

    como a tanzaniana e mais precisamente como a indonsia e a turca, comprovam a existncia

    de outra alternativa. Para romper com o colonialismo, a Indonsia, criou uma lngua, o

    bahasa, formado a partir do malaio com lxicos das demais lnguas indonsias, do holands da

    ex-metrpole e das outras lnguas europeias. J a Turquia, para afirmar sua identidade,

    aproveitou influncias rabes e persas para construir um idioma turco, aps a queda e diviso

    do Imprio Otomano em 1922. Tais medidas, antropofgicas, nos mostram outras

    possibilidades daquelas praticadas pela maioria das naes africanas atuais, porm exige

    planejamento lingustico e investimentos estatal.

    Mas, mesmo assim, a respeito desse planejamento, Mariani alerta que os sujeitos so

    tomados pela(s) lngua(s) em confronto, esto inscritos, em um territrio que se constri

    discursivamente nessa heterogeneidade lingustica. Por mais que as polticas de lnguas visem

    administrar os conflitos, nenhum planejamento garante um controle total (MARIANI,

    2008:74).

    Quanto questo de continuidade do colonialismo, se analisarmos a utilizao de

    lnguas de origem europeia dentro de um contexto de dependncia econmica, concluiremos

    que elas podem ser entendidas como uma forma de continuidade da colonizao. Entretanto,

    se as analisarmos em um contexto de resignificao do seu valor simblico, incluindo ideias

    5 Metade das lnguas africanas no apresentam ortografia, segundo Adegbija (1994:101).

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    como o plurilinguismo, pregado pelas organizaes francfonas e lusfonas, perceberemos

    uma ruptura clara do colonialismo, em que, por exemplo, a lngua francesa, hoje, no pertena

    apenas Frana, mas a todos os pases da Francofonia, assim como o portugus dentro da

    Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa (CPLP).

    Quando um Estado africano no apresenta uma poltica lingustica eficaz, ocorre,

    principalmente para aqueles indivduos que no dominam a lngua europeia, uma

    desassociao de dois mundos, dois universos, que se distanciam: de um lado o universo

    local, do cotidiano dessas pessoas, da lngua materna, do outro, o universo das grandes

    cidades, do mundo globalizado e da lngua europeia internacional. Como consequncia desse

    fato, temos a manuteno e mesmo aumento da desigualdade social na frica, marginalizando

    muitos africanos e africanas e privando-os de uma participao poltica e cidad.

    Assim, camos num ciclo vicioso, em que a poltica lingustica um instrumento de

    poder, que acaba por reter esse mesmo poder nas mos das elites.(KPER, 2003:95)

    Para reverter tal questo, Wolfgang Kper (op. cit.:90) prope uma atuao do Estado

    e da comunidade internacional para criar e promover um dilogo, uma conexo entre o

    conhecimento local produzido e o conhecimento de outros contextos. E tambm uma

    participao plural e democrtica nas tomadas de deciso, a respeito da poltica lingustica.

    Acrescentamos a urgncia necessria de polticas lingusticas que desenvolvam o

    biliguismo/trilinguismo individual (a lngua materna, a lngua franca/nacional e a lngua

    europeia) que seria um importante instrumento de conexo desses contextos, o local e o

    global, dentro de um ambiente nacional plurilinguista de convivncia.

    Entretanto, no podemos deixar de mencionar, nos ltimos anos, o crescimento de

    uma atuao poltica, em vrios pases, em prol de uma poltica lingustica genuinamente

    africana, como por exemplo, a proposta da nova constituio do Zimbbue em 2000, a adoo

    do berbere como lngua oficial na Arglia em 2002, a adoo do suale como lngua oficial de

    Uganda em 2005, a reforma educacional de 2007 em Gana, o desenvolvimento de diversos

    projetos pilotos de ensino de lngua materna no ensino primrio, no Togo, Senegal, Mali,

    Nger e Nigria, o aumento da conscincia da importncia das lnguas nacionais para os pases

    africanos. Essa preocupao est presente, hoje, em quase todos os pases do continente.

    Lembramos tambm como medida para se buscar solues concretas para essa dicotomia

    (local/global), a criao da Academia Africana das Lnguas (ACALAN) em 2001 e as aes

    da Unesco como a Conferncia Intergovernamental dobre Polticas lingusticas na frica

    (Harare, 1997), a Conferncia Contra Todos os Obstculos: Lnguas e Literaturas Africanas

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    no Sculo XXI (Asmara, 2000) e a Declarao da Unesco Educao em um Mundo

    Multilingue (2003). Porm, tais medidas acabam tendo como barreira a escassez de recursos.

    Num mundo globalizado de hoje, onde as distncias diminuem, dezenas de lnguas

    desaparecem6 e com elas uma viso cultural nica de ordenar o cosmos. Abiola Irele nos

    ensina que os africanos so ambivalentes em relao Europa, sendo ao mesmo tempo

    ressentidos devido alienao causada pelo colonialismo e incuravelmente contaminados pela

    modernidade europeia e pela cultura ocidental (RODRIGUES, op. cit.:165).

    Referncias bibliogrficas: ABDULAZIZ, Mohamed H., The history of language policy in Africa with reference to language choice in education in OUANE, Adama (org.), Towards a multilingual culture of education. Hamburgo: Unesco Institute for Education, 2003. ADEGBIJA, Efurosibina, Language attitudes in Sub-Saharan frica. Clevendon: LTD, 1994. BAUMAN, Zygmunt, Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. BHABHA, Homi K., Narrando a nao. Rio de Janeiro: UERJ, 1997. BOURDIEU, Pierre, A Economia das Trocas lingusticas. So Paulo: Edusp, 1996. CALVET, Louis-Jean, As polticas lingusticas. So Paulo: Parbola, 2007. DIOP, Mouhammet, frica pede internet como foco social e no apenas comercial. Notcia de 14/11/2007 in www.convergenciadigital.com.br. Acesso em 16/04/2009. KPER, Wolfgang, The necessity of introducing mother tongues in education systems of developing countries, in OUANE, Adama (org.), Towards a multilingual culture of education. Hamburgo: Unesco Institute for Education, 2003. MARIANI, Bethnia, Da colonizao lingustica portuguesa economia neoliberal: naes plurilnges in Gragoat, no. 24 1 semestre 2008. Niteri: Eduff, 2008. ___________, Lngua portuguesa, polticas de lnguas e formao de Estados nacionais: notas sobre lusofonia in PONTES, Geraldo; ALMEIDA, Claudia (orgs.), Relaes literrias internacionais: lusofonia e francofonia. Rio de Janeiro: de letras: Eduff, 2007. RENAN, Ernest, O que uma nao?. Rio de Janeiro: UERJ, 1997. RODRIGUES, ngela Lamas, Dominao e Resistncia na frica: A Questo lingustica in Gragoat, no. 19 2 semestre 2005. Niteri: Eduff, 2005. SOUZA, lvaro Jos, Geografia lingustica: dominao e liberdade. So Paulo: Contexto, 2001.

    6 Segundo a Unesco, metade das mais de seis mil lnguas existentes hoje, so faladas por menos de dez mil

    pessoas e correm o risco de extino, nas prximas dcadas. Fonte: The Unesco courier, April, 2000.

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