COMEMORAÇÕES DOS 500 ANOS DO “DESCOBRIMENTO” DO...

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ASSOCIAÇÃO JUINENSE DE ENSINO SUPERIOR DO VALE DO JURUENA - AJES INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DO VALE DO JURUENA ISE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO INTERDISCIPLINAR DO ENSINO FUNDAMENTAL DE 1ª A 4ª SÉRIES COM ÊNFASE EDUCAÇÃO INFANTIL E ALFABETIZAÇÃO. 8,0 COMEMORAÇÕES DOS 500 ANOS DO “DESCOBRIMENTO” DO BRASIL: A MARCHA DOS POVOS INÍGENAS (2000) Alvino Moraes de Amorim Orientador: Prof. Ilso Fernandes do Carmo CAMPO NOVO DO PARECIS / 2008

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ASSOCIAÇÃO JUINENSE DE ENSINO SUPERIOR DO VALE DO JURUENA -

AJES

INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DO VALE DO JURUENA – ISE

ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO INTERDISCIPLINAR DO ENSINO

FUNDAMENTAL DE 1ª A 4ª SÉRIES COM ÊNFASE EDUCAÇÃO INFANTIL E

ALFABETIZAÇÃO.

8,0

COMEMORAÇÕES DOS 500 ANOS DO “DESCOBRIMENTO” DO BRASIL: A

MARCHA DOS POVOS INÍGENAS (2000)

Alvino Moraes de Amorim

Orientador: Prof. Ilso Fernandes do Carmo

CAMPO NOVO DO PARECIS / 2008

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ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO INTERDISCIPLINAR DO ENSINO

FUNDAMENTAL DE 1ª A 4ª SÉRIES COM ÊNFASE EDUCAÇÃO INFANTIL E

ALFABETIZAÇÃO.

COMEMORAÇÕES DOS 500 ANOS DO “DESCOBRIMENTO” DO BRASIL: A

MARCHA DOS POVOS INÍGENAS (2000)

Alvino Moraes de Amorim

Orientador: Prof. Ilso Fernandes do Carmo

“Monografia apresentada como exigência

parcial para obtenção do título de

especialização em Educação

Interdisciplinar do Ensino Fundamental de

1ª a 4ª séries com ênfase Educação Infantil

e Alfabetização”.

CAMPO NOVO DO PARECIS / 2008

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ASSOCIAÇÃO JUINENSE DE ENSINO SUPERIOR DO VALE DO JURUENA -

AJES

INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DO VALE DO JURUENA – ISE

ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO INTERDISCIPLINAR DO ENSINO

FUNDAMENTAL DE 1ª A 4ª SÉRIES COM ÊNFASE EDUCAÇÃO INFANTIL E

ALFABETIZAÇÃO.

BANCA EXAMINADORA.

____________________________________________

_________________________________________________

________________________________________________________

ORIENTADOR

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DEDICATÓRIA

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele,

por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as

pessoas precisam aprender; e , se podem aprender a odiar,

podem ser ensinadas a amar” ( Nelson Mandela )

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AGRADECIMENTOS

A Deus, o que seria de mim sem a fé que eu tenho nele.

Aos meus pais, irmãos, minha esposa Marlene Pereira, minhas filhas, Isabella e

Rafaella que, não mediram esforços para que eu chegasse até esta etapa de minha vida.

Aos professores que com paciência e incentivo tornaram possível a conclusão desta

monografia.

.

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RESUMO

A pesquisa tem como objetivo estabelecer uma reflexão a cerca do que se

comemorou quando o Brasil completou 500 anos. O trabalho aborda questões referentes aos

acontecimentos e aos eventos alusivos à data dos 500 anos de “descobrimento” do Brasil,

realizados em Cuiabá ao longo do ano 2000, com o intuito de registrar como ocorreram e

como foram organizadas pelos diferentes segmentos da sociedade. O trabalho tem como foco

as comemorações em geral, mesmo as que ocorreram à margem do poder público, como as

realizadas nos espaços escolares e aquelas promovidas pelos movimentos sociais organizados.

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SUMÁRIO

Introdução…………………………………………………………...........……......................07

1. Vozes da comunicação em Cuiabá.....................................................................................10

1.1. Assembléia Legislativa ....................................................................................................10

1.2. Prefeitura Municipal de Cuiabá.....................................................................................11

1.3. Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT...........................................................12

1.4. Escolas Públicas e Particulares.......................................................................................13

2. Marcha dos Povos Indígenas..............................................................................................19

2.1. Trajeto...............................................................................................................................21

Considerações finais................................................................................................................30

Referencias bibliográficas .....................................................................................................32

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho abordará questões relacionadas às comemorações, diálogos

e confrontos nos 500 anos de descobrimento do Brasil. Para isso estudaremos os movimentos,

as manifestações e os eventos alusivos à data, realizados em Matogrosso, pelos diferentes

segmentos da sociedade, analisando as formas de organização, as divergências geradas, e as

marcas e reflexões deixadas na sociedade. Ganham relevo, neste contexto, as comemorações

organizadas à margem das patrocinadas pelos agentes econômicos privilegiados e pelos

protagonistas do Estado Nacional, realizadas estritamente no espaço escolar, ou através de sua

articulação com o espaço público local e regional.

No decorrer do texto serão discutidas questões referentes ao movimento

denominado Marcha dos Povos Indígenas, ocorrida no dia 11 de Abril de 2000, em Cuiabá,

que fez parte das manifestações do Movimento de Resistência Indígena, Negra e Popular do

Brasil: Outros 500. Composto por diversas associações de caráter profissional e organizações

de luta social, que teve como objetivo imediato se contrapor às comemorações oficiais com o

intuito de divulgar uma contra-história que se opusesse ás construções da memória nacional.

Analisaremos também as celebrações realizadas em escolas públicas e particulares e também

aquelas patrocinadas pela UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso, pela Assembléia

Legislativa do Estado de Mato Grosso e pela Prefeitura Municipal de Campo Novo do

Parecis.

Este trabalho visa estimular o leitor a refletir sobre o que se comemora hoje,

seu significado anterior e atual para a nossa sociedade, suas diversas características e as

08

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relações entre ser mato-grossense e pertencer à comunidade nacional, ou seja, estimar o que é

ser brasileiro.

O tema comemoração é bastante polêmico e nos leva á inúmeras discussões

relacionadas ao seu significado simbólico, por um lado e aos interesses em jogo nas

respectivas conjunturas históricas. No ano de 2000 o Brasil através de iniciativas diversas,

dedicou-se a comemorar, a analisar e a rever o processo de colonização que se deu em 1500

pelos portugueses. 1

Foi um ano marcado por discussões e comemorações alusivas aos 500

anos de “descobrimento”, momento de muitas surpresas, dúvidas, medos e reflexões.

As comemorações tiveram ângulos de expressão, observação e avaliação

diferenciados: houve, de um lado, as comemorações oficiais, quando se estabeleceu a aliança

entre o Governo Federal, as maiores empresas estatais e a grande mídia, representada

principalmente pela Rede Globo, e do outro lado às comemorações populares, nelas incluídas

as realizadas em espaço escolar e aquelas promovidas em cidades de escassa projeção

nacional e baixo prestígio midiático, como Cuiabá.

O Brasil é um país marcado por elevada diversidade, relacionada à paisagem, à

composição racial de sua população, desigualdades e contradições sociais, e a nossa “precária

democracia” está vinculada a persistente fragilidade dos movimentos sociais. O período

republicano foi marcado por uma forte exclusão social e política, “a exclusão social é fruto da

herança de 400 anos de escravidão”, e a “... exclusão política, por sua vez, foi marca

incontestável do próprio ato de proclamação da República, que se constituiu em ação quase

exclusiva das elites militares.” 2

A partir dessas considerações podemos afirmar, portanto, que os movimentos

populares partilhavam de uma base objetiva para denunciar as exclusões implícitas na

celebração do status quo e insistir na reparação das injustiças multisseculares acumuladas nos

500 anos de suposta epopéia nacional.

O trabalho foi realizado através de pesquisa bibliográfica, pesquisa

documental, pesquisa científica, levantamento e análise iconográfica e realizações de

entrevistas com participantes dos eventos alusivos à data comemorativa dos 500 anos. Vale

1 NEVES, Lucilia de Almeida. Comemorações, diálogos e confrontos – identidade nacional: A questão

democrática e a sociedade civil da República brasileira. In: COSTA, Cléria Botelho da & MAGALHÃES, Nancy

Alessio. Contar história, fazer História – História, cultura e memória. Brasília: Paralelo 15.2001. p.37. 2 Ibid., p.38.

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ressaltar que boa parte dos registros do período é de acervos particulares, como fotografias e

registros de atividades no espaço escolar.

Destaco ainda que existe pouca documentação escrita sobre o tema estudado, e

que, portanto o uso de depoimentos e o uso de imagens foram de grande importância para a

construção do trabalho. As imagens usadas destacam muitos aspectos dos eventos realizados,

identificam os protagonistas e suas características, os locais de protesto, os atos de protesto,

além de registrar aspectos sociais que algumas vezes os textos passam por alto. Isso nos

mostra que as “...imagens, assim como textos e testemunhos orais constituem-se numa forma

importante de evidência histórica.”3

Acrescento que as fotos da Marcha indígena utilizadas no decorrer do trabalho,

é de autoria do fotógrafo profissional Waldemir Martins4, e que foram compradas do

fotografo pela ADUFMAT.

3 BURKE, Peter. Testemunha Ocular: História e Imagem. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2004. p.17.

4 Segundo informações fornecidas pela ADUFMAT, o fotografo Waldemir Martins faleceu. Acrescento ainda

que não foi possível entrar em contato com os familiares do fotografo para adquirir maiores informações sobre

ele, pois os contatos que me foram passados pela ADUFMAT, encontram-se desatualizados.

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1. VOZES DA COMUNICAÇÃO EM CUIABÁ.

1.1. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA

Em comemoração aos 500 anos do “Descobrimento” a Assembléia Legislativa

do Estado de Mato Grosso programou para o dia 26 de abril de 2000 às 17 horas uma

celebração de Ação de Graças no Palácio Filinto Müllher5, com a presença de representantes

religiosos cristãos e evangélicos.6

Neste mesmo dia foi aberta ao público a Exposição denominada “Em Busca de

um Mundo Desconhecido”7, onde foi exposto os “Descobrimentos Portugueses”, organizados

em Lisboa e cedida ao Instituto pelo Núcleo de Documentação e Informação Histórica

Regional (NDHIR) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). A seguir, segundo o

cronograma de divulgação das celebrações, teve lugar a Sessão Solene do Plenário das

Deliberações Osmar Soares, alusivo aos 500 Anos de “Descobrimento” do Brasil, encerrando

a programação com um Sarau literário e musical.8

5 Localizado na Praça Moreira Cabral, antiga sede do Poder Legislativo Estadual. 6 Dados contidos do Convite de programação de divulgação do evento, pertencente ao acervo da Assembléia

Legislativa. 7 Segundo o jornal A Gazeta do dia 26/04/2000, em reportagem denominada: Assembléia comemora data com

uma exposição, a exposição “Em Busca de um Mundo Desconhecido” ficou aberta a visitações até o dia 02 de

maio de 2000. 8 Dados contidos na Pasta de Exposições Científicas, pertencente ao acervo do Arquivo da Assembléia

Legislativa do Estado de Mato Grosso.

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A diretriz das celebrações patrocinadas pelo Poder Legislativo estadual foi a do

ecumenismo religioso, contrastando as comemorações da Costa do Descobrimento, nas quais

se viu o cristianismo representado apenas pela Igreja Católica Apostólica Romana.

Percebe-se, a partir da consulta à programação do evento que esta não teve a

preocupação em aproveitar a data para levantar discussões, e tampouco para refletir sobre a

situação em que vivia a sociedade brasileira e muito menos sobre o que devemos fazer e

mudar para termos um país mais igualitário e mais democrático. Assim como as demais

comemorações oficiais realizadas ao longo do país, a da Assembléia reproduziu as

concepções desgastadas e questionáveis da memória nacional, e buscou exaltar na Celebração

de Ação de Graças os motivos dos louvores a Deus pelo país “abençoado” em que vivemos.

Se analisarmos, as belezas naturais do Brasil, tão referidas exaltadas nos

diários e cartas dos navegadores e evangelizadores, hoje já não é motivo de comemoração,

tendo em vista que ela está sendo destruída ao longo dos 500 anos, pelos povos que aqui

chegaram cegos em busca de riquezas não medindo esforços, nem conseqüências para

alcançar seus objetivos. Acredito assim como Marilena Chauí que os governantes ao se referir

e divulgar o Brasil como “país-jardim”, sem catástrofes naturais e guerras, como mostra

Marilena Chauí “... lança-nos para fora do mundo da história”.9

1.2. PREFEITURA MUNICIPAL DE CUIABÁ

A Prefeitura Municipal de Cuiabá promoveu o evento denominado “De Cabral

a Cabral”, uma alusão ao descobridor do Brasil, Pedro Álvares Cabral, e ao fundador de

Cuiabá Pascoal Moreira Cabral, que foi realizado no dia 22 de Abril de 2000, no Complexo

Turístico da Salgadeira.

De acordo com o Convite da Comemoração dos 500 anos, o evento foi aberto

às 17 horas, com o descerramento da placa alusiva a data, sendo a seguir realizada uma série

de atividades, como a execução pela Banda da Polícia Militar/MT, do Hino Nacional e da

protofonia da ópera “O Guarani”, apresentação de Pára-quedismo, votação da música que

representa Cuiabá, Shows regionais, apresentação da Tribo Indígena Bakairis, apresentação

9 CHAUÍ, Marilena de Souza. Brasil: Mito Fundador e Sociedade Autoritária. São Paulo: Fundação Perseu

Abramo, 2000. p.63.

11

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do grupo de dança Ballet, participação de índios Rikbáktsa10

, execução de “O Guarani” e do

“Hino Nacional Brasileiro” pelo Prof. Abel Santos, na Viola de Cocho, show pirotécnico, e

Show Nacional com o grupo Família Lima. 11

Ao analisar a programação percebemos que a data foi transformada em um

grande espetáculo, e as atrações artísticas o prato principal, tal fato pode ser percebido pela

forma como foi destacado no convite a participação do grupo Família Lima “a maior sensação

do momento”, tanto que esta foi à atração culminante da noite e a qual finalizou o evento. O

significado do que aconteceu nos 500 anos que se passaram, assim como o povo indígena que

aqui viviam antes da chegada dos portugueses e os marginalizados da sociedade tiveram

pouco ou nenhum destaque no evento. Foi como se quisessem fazer com que a população

esquecesse as condições sociais, econômicas e políticas que o país estava enfrentando e

pensassem que tudo era maravilhoso, momento ideal para se divertir. Podemos dizer que a

população contribuiu para que o objetivo do poder político local se fosse alcançado, o que se

explica pelo grande número de participantes, que segundo estimativa divulgada pela Polícia

Militar de Mato reuniu público superior a 15 mil pessoas. 12

Vale ressaltar que segundo informações da mídia, além da participação

artística, houve também colaboração da Polícia Militar de Mato Grosso, na segurança local

dos participantes, o que não aconteceu em outras regiões do país, como Porto Seguro - BA.

Talvez essa colaboração se deva ao fato dos governantes municipais e estaduais não estarem

se sentindo ameaçados por manifestantes do movimento Brasil Outros 500, já que estes apesar

de se expressarem em diversas cidades do país, tinham como alvo principal o governo federal

e as comemorações oficiais dos 500 anos realizadas na Bahia.

É importante também lembrar que houve a intenção de se comemorar o

aniversário de Cuiabá e os 500 Anos de Descobrimento no mesmo dia, o que pode ser

confirmado pelo título. “De Cabral a Cabral”.

1.3. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - UFMT

10 \Acredito que houve um erro de digitação ou de compreensão do nome desse povo indígena por parte do

elaborador do convite de programação da Prefeitura Municipal de Cuiabá, tendo em vista que no convite está

escrito “Indíos Riktpsa”, e a forma correta é “Indío Rikbáktsa”, forma esta que utilizei no texto. 11 Dados contidos no Convite do Evento, localizado no acervo do Arquivo da Assembléia Legislativa do Estado

de Mato Grosso. 12 CARVALHO, Fábio. Festa do descobrimento leva 15 mil à Salgadeira. Jornal A Gazeta. Cuiabá 24/04/2000.

12

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A Universidade Federal de Mato Grosso, na época dirigida pelo Prof. Dr.

Fernando Nogueira Lima, assim como a maioria das Escolas e Universidades do país, teve as

Comemorações dos 500 Anos antecipadas, devido ao feriado da Semana Santa.

O evento alusivo à data organizado pela UFMT, foi realizado no dia 20 de abril

de 2000 as 20h00min no Centro Cultural/UFMT, local onde foi exibido o clássico da

filmografia brasileira, “O Descobrimento do Brasil” do diretor mineiro Humberto Mauro,

realizado em 1937. A trilha sonora original foi criada por Heitor Villa Lobos, recebendo

posteriormente a denominação “Suíte Brasil”, e foi executada ao vivo pela Orquestra

Sinfônica da UFMT, acrescida de músicos convidados da Orquestra da Universidade de

Brasília-UNB, sobre a regência do Maestro Fabrício Carvalho. 13

A programação contou ainda com palestra referente às características

singulares do filme magistral de Humberto Mauro, proferida por um componente do

Departamento de História da UFMT. O evento ocorrido na UFMT destacou-se pelo seu

caráter elitista ao se alinhar com as práticas da cultura erudita, o que teve como conseqüência

o pequeno afluxo de participantes: a comunidade acadêmica e os setores da comunidade local

que freqüentavam a programação regular da Orquestra Sinfônica e do Centro Cultural da

UFMT. Ainda que o evento tenha se destacado pela excelência de seu apuro artístico e pela

elaborada homenagem à geração dos nacionalistas de 1930–Villa-Lobos, Humberto Mauro,

Roquete Pinto – ele não foi um sucesso de público.

1.4. ESCOLAS PÚBLICAS E PARTICULARES

Em algumas escolas, como o Colégio Salesiano São Gonçalo, a Escola

Cooperar e a Escola Estadual José de Mesquita, Escola Estadual Madre Tarcila, verificou-se

que as comemorações resguardaram o feriado religioso da Semana Santa, não estendendo as

suas atividades para além do dia 20 de Abril de 2000, uma quinta-feira.

Várias foram às atividades comemorativas realizadas pelas escolas, os alunos e

professores utilizaram-se de muita criatividade para demonstrar uma rica percepção do

momento histórico e se posicionar de forma diversa das manifestações oficiais.

13 Informações contidas no Convite do evento, pertencente ao acervo particular do Profº. Ms. Carlos Américo

Bertolini.

13

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Segundo informações obtidas através de depoente, o tema “Brasil 500 Anos”

foi abordado de forma crítica pelo Colégio Salesiano São Gonçalo, procurando distanciar-se

dos valores apregoados pelo discurso oficial. Os eventos comemorativos foram realizados na

semana do aniversário dos 500 anos, com a encenação de números de danças, apresentação de

palestras e leitura coletiva de textos.14

Durante a programação de lançamento da quadra de selos referente aos 500

anos, a Empresa Brasileira de Correios Telégrafos realizou, na manhã do dia 18 de Abril

(terça-feira), no Anfiteatro do Colégio São Gonçalo, com a participação de alunos da 7ª série,

uma representação de momentos dos 500 anos de nossa história. “Uma equipe, coordenada

pela professora de dança, vestida a caráter mesclando os estilos e culturas, entre elas, a

indígena, dançou ao som da música “Brasil Mostra a Sua Cara”, do Cazuza. O grupo de teatro

do Colégio São Gonçalo fez uma performance sobre o Brasil, retratando a espetacular mistura

de culturas que formam o país.”15

O Colégio Salesiano São Gonçalo, também participou do

evento Brasil 500 anos “Resgatando nossa História”, realizado pelo Moitará Sebrae Center.16

A escola é um lugar de suma importância para se discutir assuntos referentes à

situação social, política e econômica, pois nela se concentra os futuros dirigentes deste país.

Assim como disse Padre Firmo17

, o Brasil ainda é uma criança, “Tudo no Brasil é grande,

menos o homem. Então façamo-nos grandes no sentido de trabalhar por um mundo melhor.

Os jovens estão em formação de personalidade, que se forme também uma juventude sadia,

que lute para melhorar o país.”18

O evento referido acima realizado pelo Moitará Sebrae

Center19

, ocorreu durante o período de 7 a 28 de Abril de 2000, em comemoração aos 500

14

Informações adquiridas através de entrevista realizada com o Prof. João Medeiros Alves no dia 11/09/2006

por volta das 18h00min. O Prof. João de Medeiros Alves - Professor de História do Brasil do Colégio Salesiano

São Gonçalo (5ª series e 1º anos do Ensino Médio). O depoente afirmou que nada foi programado previamente

em plano de aula referente ao assunto, pois “não havia nada para se comemorar”. 15

Bess – Da redação. Correios lançam quatro selos comemorativos. Jornal A Gazeta. Cuiabá. 19/04/2000. p. 5E 16 Cujas atividades não se têm registro no Colégio, e a sua participação se confirma apenas por constar no

convite de programação do Moitará Sebrae Center. 17 Padre Firmo, hoje já falecido era diretor do CSSG da época. 18

Bess – Da redação. Correios lançam quatro selos comemorativos. Jornal A Gazeta. Cuiabá. 19/04/2000. p.

5E 19 O Moitará Sebrae Center que se localizava na Av. Lavapés, nº. 510 – Bairro Duque de Caxias, hoje se

encontra desativado.

14

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anos de Brasil, e que reuniu música, arte, dança, folclore, gastronomia e artesanato mato-

grossense.20

Este evento teve participação de escolas particulares, estaduais e municipais21

,

os alunos apresentaram os resultados dos trabalhos realizados nas escolas, juntamente com

professores, coordenadores e diretores, através de pesquisas e muita criatividade. Também fez

parte das atividades apresentadas, a realização de palestras, homenagens, lançamentos de

livros e exposições.

De acordo com informações obtidas através de depoentes, em Março de 2000 à

Escola Cooperar recebeu um convite do Moitará, solicitando que a escola se apresentasse no

Brasil 500 anos. A partir dai foi criada uma comissão de professores juntamente com a

coordenação onde todos os professores se empenharam. A escola fez um projeto, e dentro

desse projeto foram desenvolvidas diversas atividades. No decorrer de um mês a escola

dedicou-se na pesquisa e construção de trabalhos alusivos à data, diversas atividades foram

desenvolvidas para serem apresentadas pelos alunos da educação infantil ao ensino Médio,

quando cada um desenvolveu atividades relacionadas à data comemorativa, envolvendo

danças regionais, canções, musicais teatros, recital, mosaico cultural, exposição de trabalhos e

gravações, tudo foi feito segundo a depoente de acordo com o nível escolar de cada turma de

forma interdisciplinar, e apresentados no decorrer do dia 26/04/2000 no Moitará Sebrae

Center. A depoente relatou ainda que os alunos participaram de forma maciça, e que os

trabalhos foram feitos para que os alunos aprendessem sobre a história de nosso país. Na

época foram comentadas e discutidas as apresentações da Rede Globo de televisão “pra nós

tudo que tava acontecendo era uma comemoração”. 22

Foto 01

20 Informações extraídas da programação do evento Moitará Brasil 500 anos, pertencente ao acervo da Escola

Cooper. 21 Colégio São Gonçalo, "Centro Educacional Maria Auxiliadora”, EMFE Antonia Titã Maciel de Campos,

EMFE Elza Luiza de Campos, EMFE Firmo José Rodrigues, EMFE Gláucia Borges Garcia, EMFE São João

Bosco, EMFE Silva Freire, Instituto Cuiabano de Educação, Colégio Notre Dame de Lourdes, da Escola

Domingos Sávio (VG), Colégio Ibero Americano, Escola Chave do Saber, Colégio Adventista, Escola Cooperar,

Colégio Expressão e Colégio Coração de Jesus. 22 Informações adquiridas através de uma entrevista com a Profª. Stela Maria Auler Galvão de Barros no dia

20/09/2006, por volta das 16h00min. A Sr.ª Stela Maria Auler Galvão de Barros era diretora da Escola

COOPERAR na época.

15

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Evento Resgatando Nossa História. Data: 26 de Abril de 2000. Local: Moitará Sebrae Center –

Cuiabá/MT. Autor desconhecido. Arquivo Escola Cooperar.

Constatamos na imagem acima (foto 01) 23

a presença de alguns alunos

pertencentes a 2ª série B caracterizados de índio e evangelizadores. Um aspecto importante a

ser destacado, é o fato dos alunos de tez mais clara, lado direito da foto, estarem

representando os colonizadores, e isto é percebido pela vestimenta utilizada, que na época não

fazia parte dos hábitos indígenas. Do lado esquerdo da foto, percebemos os alunos de tez mais

escura, representando os índios, com seus artefatos e pinturas corporais. Podemos dizer que a

caracterização dos alunos é uma representação típica da história tradicional. Na parte central

na segunda linha da foto, notamos a presença da professora da turma, Srª. Lana Jussara, que

coordenou a turma no evento do Moitará.

Os alunos da 7ª série da Escola Cooperar também apresentaram seus trabalhos

em outro evento, ocorrido no Auditório da Secretaria de Turismo24

, no local foi realizada, a

exposição “Brasil – 500 anos, passando por Cuiabá”. A programação contou com a execução

do Hino Nacional Brasileiro, jogral, pronunciamentos25

, declamação de poemas, e

23 Apesar de não haver referências confiáveis sobre a autoria da foto, ela será considerada e analisada no

trabalho, pois oferece detalhes importantes, principalmente com relação a representações da história do

descobrimento. 24 Localizado na Praça da República, no dia 14 de Abril de 2000, ás 19h00min 25 Do Sr. Secretário Estadual de Turismo, Ezequiel José Roberto, da Diretora de Ensino da Escola Cooperar,

professora Elcina Souza de Paula e do Sr. Moíses Martins, Membro da Academia Mato-grossense de Letras,

escritor, poeta cantor e compositor.

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agradecimentos. Os trabalhos realizados pelos alunos incluíram fotos, entrevistas e gravações

sobre o tema.26

Vale ressaltar que o título da exposição “Brasil – 500 anos, passando por

Cuiabá”, na realidade designa exatamente o seu contrário e traí a nossa angustia de não ter

participado do calendário oficial das comemorações, tendo em vista que nenhum evento de

nível nacional patrocinado pela Rede Globo, pela Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil

ou pela Companhia Vale do Rio Doce, passou por Cuiabá.

Segundo informações de depoente, os preparativos da Escola José de Mesquita,

para as Comemorações dos 500 Anos do Descobrimento começaram a ser discutidos no inicio

do ano letivo do ano 2000. Ele alegou que a escola teve uma longa preparação, e que as

atividades foram planejadas, realizadas e apresentadas no espaço interno da escola, sob a

coordenação dos professores os quais fizeram com grande detalhamento, como atividade

didática curricular, e que os preparativos acabaram culminando no projeto da escola, com

realização de uma série de eventos com a participação de professores, de alunos e da

comunidade. Foram feitas várias pesquisas o que resultou na elaboração de painéis, de

cartazes, de palestras e apresentações culturais. 27

A Escola Madre Tarsila organizou-se de forma crítica frente as comemorações

dos 500 anos de conquista dos Europeus com professores, alunos e mobilização da

comunidade em frente a praça da cultura em Campo Novo do Parecis afim de realizar seu

Teatro enfocando a chegada de Cabral na Nova Terra, contou com a presença de segmentos

religiosos e participação de outras Escola.

Os eventos de Porto Seguro foram acompanhados pela sociedade Brasileira e

foi um desastre, o depoente acrescenta que procurou mostrar para os seus alunos a cena da

Nau que não funcionou, a exclusão na participação, que segundo ele foi um evento para

alguns poucos, não foi um evento feito para os brasileiros. O FHC não queria que os

brasileiros entendessem de Brasil. O depoente considera que as comemorações da escola

26 Informações extraídas da programação do Convite da Exposição “500 anos de Brasil, passando por

Cuiabá”, feita pela Escola Cooperar. Localizado no Acervo documental da referida escola. 27 Informações adquiridas através de uma entrevista com o Prof. Guilherme B. da Silva, no dia

22/09/2006, por volta das 10h00min. O Prof. Guilherme é professor de História da Escola José de Mesquita

– Cuiabá/MT.

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foram importantes, pois a data não poderia passar em branco: foi um momento de reflexão

sobre nós mesmos. 28

“A teoria do “descobrimento” – dos “500 anos do Brasil” visa ocultar a

verdade. A verdade. A verdade é a violência com que os portugueses

implantaram aqui a exploração colonial:

É a versão oficial dos dominadores para esconder a verdade do extermínio

a que foi submetido o povo indígena;

É para esconder a espoliação devastadora, portuguesa, que no final de três

séculos, deixou uma herança de pobreza, atraso cultural e tecnológico;

É para esconder que deixemos-nos incluso no rol dos países

subdesenvolvidos das economias periféricas.

Não devemos festejar a invasão, devemos sim, refletir sobre o assunto... Não

transformemos nossos carrascos em heróis”.29

Ao longo da pesquisa tivemos muitas dificuldades em conseguir

documentações a respeito do objeto de estudo, o que pode estar relacionado a pouca

importância que as entidades escolares deram ao arquivamento dos projetos realizados nas

escolas. Tal atitude dificultou a reconstrução histórica dos movimentos realizados pelas

entidades escolares e o caráter híbrido de suas encenações.

Vale destacar também que esse descaso para com a memória dos protagonistas

menores, anônimos e isolados aos milhares ao longo de todo o país, contribui para a diluição

do saber escolar,sustentáculo imprescindível para se instaurar um ensino de efetiva qualidade.

Ampliou-se a exclusão cultural com a multiplicação dos deserdados da memória nacional.

28 Informações adquiridas através de uma entrevista com o Prof. Guilherme B. da Silva, no dia 22/09/2006, por

volta das 10h00min. O Prof. Guilherme é professor de História da Escola José de Mesquita – Cuiabá/MT. 29 SILVA, Guilherme Benedito da. 500 Anos de Verdade. Cuiabá. 2000, p.21.

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2. MARCHA DOS POVOS INDÍGENAS

A Marcha dos Povos Indígenas faz parte das manifestações do Movimento de

Resistência Indígena, Negra e Popular, Brasil: Outros 500, movimento que começou a ser

delineado por entidades ligadas aos movimentos sociais30

, a partir do ano de 1998. Mas cujo

projeto só começou a ser posto em prática no início de 2000.

No início de abril 2000, caravanas31

indígenas de diversas regiões do país

saíram em protesto em direção a Porto Seguro-BA, percorrendo a rota da instrução do país ao

contrário, do interior para o local do Descobrimento, visando chamar a atenção da sociedade

para a causa indígena e contestar a versão oficial do Descobrimento.

Em Cuiabá, a manifestação ocorreu no dia 11 de Abril de 2000, com objetivo

de protestar contra o tratamento dispensado aos excluídos pelos organizadores das

festividades oficiais. Os manifestantes queriam “...desmistificar a construção da mentira

oficial e revelar a verdade histórica vivida pelos povos indígenas, pelos povos negros

escravizados, pelas classes sociais e setores populares, explorados e excluídos.”32

As comemorações do descobrimento do Brasil, as de caráter oficial, as

reportagens da mídia, os seminários acadêmicos, as exposições, utilizaram o termo

30 CIMI, CUT, CNBB, e outros. 31 Caravana de Minas Gerais e Espírito Santo; Caravana do Amapá: Caravana da Amazônia Ocidental (Acre,

Rondônia e Mato Grosso); Caravana Nordeste; Caravana do Sul; Caravana da Amazônia; Brasília; Porto Seguro;

Salvador (Bahia); Santa Cruz Cabrália (Bahia). 32 Texto do Manifesto Brasil: 500 Anos de Resistência Indígena, Negra e Popular.

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“descobrimento”, para descrever a chegada dos portugueses ao Brasil. As comemorações

oficiais privilegiaram o olhar europeu sobre o mundo americano que estava aqui, e também de

tudo que aconteceu depois, de maneira que a perspectiva do europeu é a perspectiva

privilegiada, encobrindo o genocídio, a violência e a exploração dos povos que aqui viviam,

além de desconsiderar a existência destes antes de sua chegada. 33

A marcha dos povos indígenas ocorrida em Cuiabá contou, com a presença de

aproximadamente 250 índios de Mato Grosso, Rondônia e Acre. Participaram também do

protesto movimentos populares, como o Movimento de Conscientização Negra e o

Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), estudantes e sindicalizações de várias

classes trabalhadoras. Em torno de 176 lideranças indígenas dos Estados de Rondônia e Acre

uniram-se com 75 lideranças indígenas de Mato Grosso. Estes seguiram viagem até Porto

Seguro na Bahia para participar da festa dos 500 anos, cujos acontecimentos foram trágicos e

antidemocráticos. 34

No ano 2000 que o governo federal se mostrou intolerante frente aos

movimentos políticos de oposição, o que nos faz perceber que: “No Brasil, quando

autoridades e editorias da grande imprensa começam a acusar de baderneiros movimentos

políticos de oposição, é preciso botar as barbas de molho”. 35

Esta colocação mostra que a

tolerância e a paciência das autoridades estão chegando ao seu limite, e que devido a isto

situações difíceis podem vir a acontecer com os democratas.

Tal fato nos faz perceber que a violência sofrida pelos membros do Movimento

“Brasil: Outros 500” em algumas regiões do país esta relacionada à incapacidade do governo

em aceitar a participação popular e as suas diferentes visões e interpretações dos

acontecimentos. Para impedir e neutralizar os opositores, o governo FHC passou por cima dos

direitos e das garantias constitucionais, como o direito de se manifestar pacificamente e o

direito de ir e vir.

Os governantes demonstram assim medo da interferência da grande massa da

sociedade nas questões referentes à administração pública, ou seja,

33 CARVALHO, José Murilo. O encobrimento do Brasil. Jornal Folha de São Paulo - Mais! Brasil 500 D.C . São

Paulo. 03/10/1999 34 OLIVEIRA, Mariane de. Foi invasão. Esta é a posição dos índios sobre os 500 anos do Brasil. Jornal A

Gazeta. Cuiabá. 12/04/2000. p. 2C. 35

CARVALHO, José Murilo. O ovo da serpente. Jornal Folha de São Paulo - Mais! Brasil

500 D.C. São Paulo. 11/06/2000. p.4D

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“Percebe-se, portanto que a inclusão econômica e a inclusão política de

toda a população é afastada porque julgada impossível para a

“governabilidade”. O significado desse fatalismo econômico e político é

óbvio: a igualdade econômica (ou a justiça social) e a liberdade política (ou

a cidadania democrática) estão descartadas.” 36

2.1. TRAJETO

Os manifestantes percorreram diversas ruas da cidade de Cuiabá, manifestando

suas opiniões sobre as comemorações dos 500 anos, passaram pela Praça da República, Rua

13 de Junho, Avenida Generoso Ponce, Prainha, Avenida do CPA, próximo a Avenida Mato

Grosso local onde estava o relógio colocado pela Rede Globo de Televisão e que culminou o

protesto, em seguida saíram em direção ao Palácio Paiáguas, e posteriormente a Sede do

Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra).37

Foto 02

Fonte: Marcha 500 anos de Resistência Indígena, Negra e Popular. Data: 11 de Abril, 2000. Local:

Cuiabá – MT. Crédito: Waldemir Martins – Arquivo Fotográfico ADUFMAT.

Podemos verificar na imagem (foto 02), na primeira linha a presença de quatro

representantes indígenas, segurando uma faixa em que pode se lê: “500 ANOS DE BRASIL

36

CHAUÍ, Marilena de Souza. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Ed.

Fund. Perseu Abramo, 2000. p. 95. 37

OLIVEIRA, Mariane de. Foi Invasão: esta é a posição dos índios sobre os 500 anos do Brasil. Jornal A

Gazeta. Cuiabá. 12/04/2000. p. 2C.

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RESISTENCIA INDÍGENA NEGRA E POPULAR”, o primeiro índio da esquerda para a

direita esta usando chinelo, short, camiseta branca e uma faixa na cabeça, o segundo esta

usando chinelo, camiseta branca, pintura na face e um adereço indígena por cima da calça que

está com a barra dobrada, o terceiro está usando tênis com meia bermuda camiseta branca e

boné vermelho e um adereço indígena na cintura, o quarto está usando chinelo, short,

camiseta branca e um adereço na cabeça. Na primeira linha logo atrás da faixa segurada pelos

índios, notamos a presença de um pequeno número de estudantes, esses aparentam ser do

ensino fundamental 1- 4, com idade entre sete e oito anos de idade. Na calçada do lado

direito, notamos também populares olhando os acontecimentos de forma surpresa. Neste

momento percebe-se que a manifestação estava descendo a Rua 13 de Junho, no sentido da

Avenida Generoso Ponce.

Foto 03

Fonte: Marcha 500 anos de Resistência Indígena, Negra e Popular. Data: 11 de Abril, 2000. Local:

Cuiabá – MT. Crédito: Waldemir Martins – Arquivo Fotográfico ADUFMAT.

Verificamos através da imagem (foto 03) que os manifestantes estão passando

pela Avenida Prainha, no sentido da Avenida Rubens de Mendonça. Notamos na parte central

da foto um índio segurando uma faixa representando seu povo, nela pode se ler: “POVO

KARAJÁ-MATO GROSSO”. Verifica-se que ele está usando short, chinelo, adereço de seu

povo nas pernas, nos braços, no pescoço, na cintura e pintura corporal com traços geométricos

típicos. Seguindo o sentido da faixa notamos que o segundo homem está usando chinelo de

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plástico e bermuda, o terceiro homem está usando chinelo, bermuda jeans e adereços

indígenas e o quarto homem usa tênis, calça jeans, camiseta e adereços indígenas.

Pela variedade e diferença dos adereços indígenas perceptíveis (foto 03),

podemos notar a presença de membros de outras tribos indígenas, já que os índios citados

acima usam cocares diferentes, tanto na estrutura, como na coloração, e diferentes também

dos usados pelos índios que estão no lado direito da foto. Notamos também nos participantes

indígenas a mistura de adereços típicos com a vestimenta trazida pelos colonizadores.

Percebemos do lado direito da imagem (foto 03) ao fundo, um carro de som com diversas

pessoas em cima e uma bandeira do MST do lado direito do carro. Vale destacar que não se é

comum em manifestações indígenas o uso de carro de som, esse aspecto é mais comum em

manifestações populares, e talvez a diversidade dos grupos manifestantes, o qual se inclui

MST, sindicalizações e movimento negro, justifique o seu uso.

Segundo informações da mídia e também dos vestígios mostrados pelas fotos,

podemos dizer que os manifestantes realizaram vários atos de protesto próximo ao Relógio

dos 500 anos, localizado na esquina da Avenida Rubens de Mendonça, com a Avenida Mato

Grosso. Índios, negros e membros dos movimentos populares deixaram no local as marcas da

revolta que sentiam pela comemoração dos 500 anos do “descobrimento”. No local discutiram

sobre necessidade dos índios preservarem a sua identidade, e de resistirem á dominação de

outras culturas. 38

Foto 04

Fonte: Marcha 500 anos de Resistência Indígena, Negra e Popular. Data: 11 de Abril, 2000. Local:

Cuiabá – MT. Crédito: Waldemir Martins – Arquivo Fotográfico ADUFMAT

38Da Redação. Flechadas contra o símbolo dos 500 anos no centro da Cidade. Jornal A Gazeta. Cuiabá.

12/04/2000. p.2C.

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Observamos na imagem (foto 04) o momento em que os manifestantes estavam

em frente ao monumento instalado pela Rede Globo. Percebemos também que o relógio, lado

superior direito, marca 9 horas e 35 minutos, e que o indicador da contagem regressiva,

localizado acima da faixa preta, está marcando onze dias para a data de 22 de Abril.

A imagem (foto 04) exibe a diversidade dos participantes, registra a presença

do MST, com suas bandeiras e camisetas vermelhas, no lado inferior esquerdo e no lado

direito da foto. Nota-se também a presença do Povo indígena Tapirapé, em faixa escrita com o

nome de seu povo, na parte central da foto dizendo: “POVO TAPIRAPÉ-MATO GROSSO”.

No lado inferior direito e esquerdo notamos a presença de índios de outras tribos segurando

arco e flechas, e do lado esquerdo localizamos representantes da UFMT, e também uma faixa

dizendo: “500 ANOS DE HISTÓRIA MAL CONTADA”, frase esta que registra a revolta dos

participantes. Abaixo do indicador de contagem regresssiva para os 500 anos, foi fixada uma

grande Faixa preta com letras amarelas, onde se lê: “500 ANOS DE MASSACRE O BRASIL

QUE QUEREMOS SÃO OUTROS QUINHENTOS”.

A imagem (foto 04) mostra também a presença tranqüila de policiais militares

do outro lado da rua na parte central esquerda, fato este que difere das acontecidas no litoral

da Bahia. Aos redores da foto a presença de pessoas paradas, observando os acontecimentos

com olhares curiosos e surpresos, aparentando não saber o que estava acontecendo.

Segundo informações da mídia, guerreiros indígenas dispararam flechas em

direção ao relógio como forma de manifestação simbólica contra a festa dos 500 anos. 39

A variedade dos participantes nos leva a perceber que após 500 anos do

descobrimento, índios, negros e brancos se uniram em buscam das mesmas reivindicações,

saúde, educação e trabalho, buscam uma maior participação na sociedade e lutam pelo fim da

injustiça e discriminação social.

Foto 05

39 Da Redação. Flechadas contra o símbolo dos 500 anos no centro da Cidade. Jornal A Gazeta. Cuiabá.

12/04/2000. p.2C.

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Fonte Marcha 500 anos de Resistência Indígena, Negra e Popular. Data: 11 de Abril, 2000. Local:

Cuiabá – MT. Crédito: Waldemir Martins – Arquivo Fotográfico ADUFMAT.

Na parte central da imagem (foto 05) visualizamos uma placa de metal verde

contendo cinco pequenas cruzes, fixada a uma outra estrutura que continha pinturas indígenas,

a placa dizia: “MOVIMENTO DE RESISTÊNCIA INDÍGENA, NEGRA E POPULAR.

INICIANDO OUTROS 500.” Esta placa representa simbolicamente o futuro almejado, o

enterro dos 500 anos passados e o início de um novo mundo, justo e sem preconceito ou

distinções de raça, de cor e de condição social.

Através das características apresentadas na pintura corporal, marcada por uma

bolinha em cada lado da face, e também pelos artefatos, pode-se dizer que o índio que está do

lado direito (foto 05) segurando a placa pertence ao povo Karajá. Atrás da faixa na parte

central notamos a presença de um representante do Movimento Negro, trajando uma camiseta

branca com a foto de um negro estampada, calça jeans, cinto e sapato preto, e logo atrás a

presença de uma faixa do Partido Trabalhista-PT. Do lado esquerdo da placa vemos um índio

de short e chinelo de plástico, segurando um objeto aparentando ser uma filmadora, e o

segundo índio da direita para a esquerda usando uma camiseta de futebol do Corinthians e

pintura na face.

Foto 06

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Fonte: Marcha 500 anos de Resistência Indígena, Negra e Popular. Data: 11 de Abril, 2000. Local:

Cuiabá – MT. Crédito: Waldemir Martins – Arquivo Fotográfico ADUFMAT.

A imagem acima (foto 06) registrou o momento em que o cacique Carlos

Tapirapé, da aldeia mãe Teri, planta uma muda de pau-brasil próximo ao relógio40

. No lado

esquerdo notamos a presença de um homem usando uma camiseta vermelha onde se pode ler:

“Marcha Popular”, e também de um índio segurando arco e flechas.

Ao lado do cacique (foto 06) visualizamos um homem de tez branca, trajando

calça jeans, camiseta branca, sandálias com meias, boné e óculos de sol, abaixado segurando

em uma das mãos arco e flechas e na outra dois cadernos ou livros, atrás dele percebemos a

presença de duas índias a do lado esquerdo usando camiseta branca dos outros 500, short,

pintura no rosto e uma máquina fotográfica pendurada no pescoço e a do lado direito usando

um top azul, faixa na cabeça e pintura corporal. Logo atrás no centro das duas índias

visualizamos um negro trajando uma camiseta branca com estampa de um negro na frente, o

qual pode se dizer representante do movimento negro. Ao fundo na parte central notamos a

presença da bandeira do MST.

É importante lembrar que ao destacar a mistura na composição da vestimenta

dos indígenas com a vestimenta dos colonizadores, queremos apenas mostrar que estes estão

40 Da Redação. Flechadas contra o símbolo dos 500 anos no centro da Cidade. Jornal A Gazeta. Cuiabá.

12/04/2000. p.2C.

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agindo de acordo com o momento histórico, principalmente porque se esses povos se

apresentarem como de origem, nus, descalços e com os corpos pintados, muitos vão lançar

olhares maliciosos, focalizando não a riqueza de sua cultura de seus adereços, mas sim os

traços de seus corpos e a sua beleza física, o que faria com que os indígenas se sentissem

acuados e intimidados.

O índio que ficou no imaginário popular brasileiro, que andava nu, descalço e

pintado da cabeça aos pés, hoje quase não existe mais. O índio do século XXI tem faces

contraditórias usa calça jeans, camiseta e tênis, mas apesar disso não abandona suas tradições,

as quais são preservadas a muito custo. Se analisarmos melhor perceberemos que eles só

querem o que todo mundo quer, serviços de necessidade básica, mas também utensílios que

trazidos pelos colonizadores que facilitam o dia-a-dia, como isqueiros, óculos de sol,

automóvel e celular.

Precisamos enxergar e entender que os índios de hoje são muito diferentes de

antigamente, principalmente porque tiveram sua cultura minada pelo nosso sistema, embora

ainda resista de forma heróica.

A adaptação do povo indígena, com o povo não indígena dever ser guiada pelas

próprias culturas e necessidades dos povos e seus indivíduos. Hoje várias

populações adicionaram ao seu repertório de conhecimentos técnicas e

instrumentos, como o uso de filmadoras, automóveis e a própria língua portuguesa

de acordo com padrões próprios. Também passaram a exercer outras atividades,

como as de professores, microscopistas e pesquisadores. 41

Foto 07

Fonte: Marcha 500 anos de Resistência Indígena, Negra e Popular. Data: 11 de Abril, 2000. Local:

Cuiabá – MT. Crédito: Waldemir Martins – Arquivo Fotográfico ADUFMAT.

41 PEREIRA, Luís Fernando. Preguiçosos quem, cara pálida? Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de

Janeiro, n.17, p. 24-25, fev. 2007.

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A imagem (foto 07) mostra os manifestantes da Marcha no Palácio Paiaguás, o

que pode ser percebido pelos prédios localizados na parte central superior e na parte esquerda

superior da foto. Segundo informações da mídia os manifestantes foram a Sede do Instituto de

Colonização e Reforma Agrária (Incra), localizado no Palácio Paiaguás, e lá se encontraram

com outros integrantes que estavam acampados no local. 42

Na foto os manifestantes

demonstram sinais de cansaço o que pode ser resultado do longo trajeto percorrido e também

do clima quente devido ao sol forte aparente na foto.

Um analista local, ao relatar os antecedentes dos eventos trágicos da Costa do

Descobrimento, em seminário patrocinado pelo sindicato de docentes da UFMT, considerou:

“Os alvos dos manifestantes atingiram um ponto nevrálgico da modernidade

tucano-pefelista: os relógios monumentais da Rede Globo. A Rede Globo

monopolizou o acesso ao espaço público nas principais capitais do país, sob

o pretexto de que os relógios de Hans Donner, que exibiam a contagem

regressiva até a data do descobrimento, eram peças de interesse coletivo e

até mesmo um “presente” para as comunidades, onde foram instalados.

Após o final das comemorações, eles continuaram a exibir a mídia da Globo,

sem qualquer outra função que a regular divulgação de interesses privados,

mas já depurados dos relógios, transformando-se em verdadeiros

monumentos à imbecilidade da comunicação brasileira em geral e ao

oportunismo dos funcionários da globo. Em diversas localidades, o relógio

foi designado como “bobódromo” (reduto dos Bobos).”43

É importante lembrar que a manifestação acontecida em Cuiabá, diferente do

que aconteceu em outras cidades do país, como no acontecimento que marcou o dia 04 de

abril, quando por volta das 22hs, sem aviso prévio e sem mandado judicial, cerca de 200

soldados da Polícia Militar da Bahia (PM-BA), fortemente armados, com o auxílio de tratores

destruíram completamente o Monumento à Resistência Indígena, construído pela Comunidade

Pataxó (Santa Cruz de Cabrália / BA) em Coroa Vermelha, simbolizando os 500 anos do

ponto de vista indígena. Posteriormente permaneceram no local durante horas, submetendo a

comunidade a constrangimentos, inclusive ameaças de expulsão dos índios de suas próprias

casas caso expressassem alguma reação. 44

Os ânimos também se exaltaram na passagem da Marcha por Brasília no dia 13

de abril, no episódio em que o guerreiro Suruí, de Rondônia, Henrique Labaday, indignado

42 Da Redação. Flechadas contra o símbolo dos 500 anos no centro da Cidade. Jornal A Gazeta. Cuiabá.

12/04/2000. p.2C. 43 Artigo apresentado no seminário 500 Anos de Resistência Indígena, Negra e Popular- Cuiabá/MT- 08 a 11 de

Agosto de 2000. p. 2. 44 LACERDA, Rosane F. Situação de Direitos Humanos dos Povos Indígenas no Brasil no ano 2000. Disponível

em Disponível em: www.cimi.org.br/?system .Acesso em: 09/03/2007.

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pela demora da aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas, por pouco não disparou uma

fechada no então Presidente do Congresso Nacional Antônio Carlos Magalhães.

Outro momento de violação dos direitos constitucionais de livre manifestação

de pensamento, de reunião pacífica, de ir, vir e ficar aconteceu no dia 22 abril quando a

Marcha Indígena 2000 – formada por índios de todas as partes do país e uma multidão de

colaboradores e simpatizantes da causa indígena, foram impedidos de forma violenta pela

Tropa de Choque e Cavalaria da PM-BA de chegar à cidade de Porto Seguro, onde os índios

fariam rituais pela passagem dos 500 anos.45

Podemos dizer que a passagem da marcha por Cuiabá foi pacífica se

comparada às demais realizadas ao longo do litoral baiano e Brasília, ocorrendo com

tranqüilidade e com o apoio da polícia local. A afirmação acima se baseia no foto de não ter

sido localizado nenhum registro e referência na mídia local de situações de confronto na

passagem da Marcha por Cuiabá, entre manifestantes, policiais e governantes.

45 LACERDA, Rosane F. Situação de Direitos Humanos dos Povos Indígenas no Brasil no ano 2000.

Disponível em Disponível em: www.cimi.org.br/?system .Acesso em: 09/03/2007.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Das comemorações dos 500 anos realizadas em Cuiabá, pelas entidades

escolares, e pelos movimentos populares, aqueles ocorridos à margem do Estado, pouco ou

quase nada foi registrado e arquivado. O pouco a que nos referimos se remete em grande parte

às lembranças daqueles que estiveram presentes nos eventos, dificultando assim a sua

reconstrução.

Tal fato nos leva a perceber que este é um dos motivos que faz com que os

excluídos nos 500 anos de Brasil continuem à margem da história, esquecidos, dando espaço

para que o discurso da memória nacional continue prevalecendo.

Vale ressaltar que as escolas públicas e privadas, mesmo reproduzindo alguns

aspectos da memória oficial, ao descrever e reverenciar “o país tropical abençoado por Deus”,

abriram espaço para outras discussões, levando em conta a situação social, econômica e

política do país, o que os fez questionar e refletir que realmente pouco havia para ser

comemorado. Já as comemorações oficiais dos 500 anos, nem de longe foi indicativo de uma

postura de reconhecimento e revisão das relações de dominação, inicialmente trazidas pela

Coroa Portuguesa, e mais tarde expandidas pelo próprio modelo político-econômico adotado

pelo Estado Brasileiro.

Este é um dos aspectos que diferenciam as comemorações populares das

comemorações oficiais, já que estas se preocuparam em exaltar a natureza e a ausência de

guerras e catástrofes naturais, deixando de lado debates de suma importância como, por

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exemplo, como se deu a ocupação da terra hoje chamada Brasil na época do dito

“descobrimento” pelos portugueses e à situação dos povos indígenas e dos marginalizados

durante o decorrer desses 500 anos. Ao fazer isto o Estado reforça e dá margem para que o

Brasil continue sendo visto como mérito de Portugal, e que sem estes esta terra estaria perdida

e esquecida, ignorando as populações indígenas que aqui viviam, a violência e o genocídio

que estes sofreram, quando tiveram suas terras e seus hábitos invadidos pelos colonizadores, e

infelizmente continuam sofrendo.

Percebe se aí o motivo pelo quais as comemorações dos movimentos populares

e escolares não receberam destaque pela imprensa nem pelo poder público, tendo em vista que

os interesses dos governantes divergiam daqueles postulados por estes grupos.

De modo geral acreditamos que as “comemorações” dos 500 anos foram de

grande importância para a sociedade brasileira, no sentido que ao mesmo tempo em que

trouxe à memória fatos importantes de nossa história, fez também com que o povo atribuísse

um novo sentido para a data e refletisse sobre o que os “500 anos de Brasil” representaram

para a sociedade. Precisamos ter consciência de que, comemorar é preciso, para que se

compreendamos sobre os erros do passado e evitarmos que estes erros se repitam.

Temos o dever de descontruir os mitos divulgados pelos discursos oficiais, que

não correspondem á realidade atual de nosso país, servindo apenas para que desigualdades e

desrespeitos sejam ocultos e continuem prevalecendo.

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