emprega tanto arte quanto técnica e envolve muitas ...

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TEORIA PROJETOS DE MELHORAMENTO DO PRODUTO: DOSANDO A QUALIDADE INTRODUÇÃO P rodutos são os responsáveis pela entrada de dinheiro nas empresas – sejam eles bens, serviços, softwares etc. Manter um produto atualizado, atraente, bem calibrado e competitivo, é um desafio constante em qualquer ramo de ativida- de. Esta é a função do processo de desenvolvimento de produtos. Projetos de desenvolvimento de produtos abran- gem tanto o desenvolvimento de novos produtos quanto o melhoramento de produtos (CRAWFORD; BENEDETTO, 2006). Algumas diferenças típicas entre as duas modalidades são mostradas generica- mente na Tabela 1. Quase a totalidade das publicações sobre desenvol- vimento de produtos aborda a primeira modalidade; contudo, é na última que se encontra a maior parte das aplicações, no cotidiano das organizações. Essa assimetria motivou o enfoque do artigo no melhora- mento de produtos. Melhorar um produto significa alterar suas carac- terísticas técnicas de modo a aumentar seu sucesso – expresso, por exemplo, como qualidade percebi- da, satisfação do cliente ou competitividade. Muitas das técnicas tradicionais desse processo se baseiam em intuição e julgamentos subjetivos, e até alcançam bons resultados. Contudo, elas enfrentam dificuldades para tratar de forma objetiva e transpa- rente questões cruciais, tais como: (1) Quais componentes do produto contribuem mais J. AMARO DOS SANTOS UFPR / Departamento de Administração Professor Associado Resumo: Para se manterem atraentes, produtos exigem melhoramentos periódicos – sejam bens, serviços, software etc. Em projetos de melhoramento, a formulação da “qualidade ideal” do produto é uma questão central e complexa. Ela emprega tanto arte quanto técnica e envolve muitas variáveis. Apresentamos procedimentos para dosar a qualidade técnica de produtos, com foco na satisfação dos clientes. Aplica- se tanto a produtos tangíveis (nas indústrias automotiva, de construção, de eletroeletrônica, mecânica etc.) quanto serviços (em bancos, empresas de TI, hospitais, setor público, eventos etc.). Os conceitos apresentados permitem: (1) calcular os ganhos na Satisfação do cliente (SC) com melhoramentos no produto, (2) dimensionar as características técnicas do produto, e (3) avaliar a compatibilidade entre a qualidade técnica e a qualidade percebida do produto. Palavras-chave: projeto de produto, melhoramento de produto, desenvolvimento do produto 66 Out & Nov / 2017 projectdesignmanagement.com.br 67

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teoria

ProjetoS de

melhorAmento do Produto: doSAndo A qUAlIdAde

introdução

Produtos são os responsáveis pela entrada de dinheiro nas empresas – sejam eles bens, serviços, softwares etc. Manter um produto

atualizado, atraente, bem calibrado e competitivo, é um desafio constante em qualquer ramo de ativida-de. Esta é a função do processo de desenvolvimento de produtos.

Projetos de desenvolvimento de produtos abran-gem tanto o desenvolvimento de novos produtos quanto o melhoramento de produtos (CRAWFORD; BENEDETTO, 2006). Algumas diferenças típicas entre as duas modalidades são mostradas generica-mente na Tabela 1.

Quase a totalidade das publicações sobre desenvol-vimento de produtos aborda a primeira modalidade; contudo, é na última que se encontra a maior parte das aplicações, no cotidiano das organizações. Essa assimetria motivou o enfoque do artigo no melhora-mento de produtos.

Melhorar um produto significa alterar suas carac-terísticas técnicas de modo a aumentar seu sucesso – expresso, por exemplo, como qualidade percebi-da, satisfação do cliente ou competitividade.

Muitas das técnicas tradicionais desse processo se baseiam em intuição e julgamentos subjetivos, e até alcançam bons resultados. Contudo, elas enfrentam dificuldades para tratar de forma objetiva e transpa-rente questões cruciais, tais como:

(1) Quais componentes do produto contribuem mais

j. AmAro Dos sAntosUFPR / Departamento de AdministraçãoProfessor Associado

resumo: Para se manterem atraentes, produtos exigem melhoramentos periódicos – sejam bens, serviços, software etc. em projetos de melhoramento, a formulação da “qualidade ideal” do produto é uma questão central e complexa. ela emprega tanto arte quanto técnica e envolve muitas variáveis. Apresentamos procedimentos para dosar a qualidade técnica de produtos, com foco na satisfação dos clientes. Aplica-se tanto a produtos tangíveis (nas indústrias automotiva, de construção, de eletroeletrônica, mecânica etc.) quanto serviços (em bancos, empresas de tI, hospitais, setor público, eventos etc.). os conceitos apresentados permitem: (1) calcular os ganhos na Satisfação do cliente (SC) com melhoramentos no produto, (2) dimensionar as características técnicas do produto, e (3) avaliar a compatibilidade entre a qualidade técnica e a qualidade percebida do produto.

palavras-chave: projeto de produto, melhoramento de produto, desenvolvimento do produto

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Para tratar o problema citado e seus desdobramentos, emprega-se a metodo-logia:

a. Modelar a qualidade do produto;b. Formular a Satisfação do cliente;c. Relacionar numericamente a quali-dade percebida e a Satisfação do cliente com a qualidade técnica;d. Ilustrar com aplicação em caso real.e. Apontar limitações e providências para o emprego adequado dos concei-tos.

um modElo para mElhorar produtos

A Satisfação do Cliente (SC) tem si-do amplamente citada na literatura técnica como uma estratégia para a competitividade e o sucesso de produtos. Portanto, ela deve ser um indicador útil para monitorar e controlar o processo de melhoramento do produto (HAYES, 1997; FRANKLIN, 2006). Uma represen-tação simples, mas significativa, da SC é mostrada na Figura 1.

Avaliar o sucesso do melhoramento de um produto, dessa maneira objetiva e

teoria

para sua qualidade percebida? E para a Satisfação do cliente?(2) Qual deve ser a qualidade técnica ideal de cada componente do produto?(3) A qualidade técnica e a percebida são compatíveis entre si? Um tratamento sistemático, objetivo e semiquantitativo dessas questões cons-titui o desafio do artigo.

Neste sentido, apresenta-se um pro-cedimento para melhorar a qualidade percebida de um produto e a Satisfação do cliente, com base na adequada do-sagem das características técnicas do produto. Ele é útil tanto para produtos tangíveis (nas indústrias automotivas, de construção, de eletrônicos etc.) quan-to serviços (em bancos, empresas de TI, hospitais, eventos etc.).

Essa abordagem proporciona impor-tantes vantagens: economia de tempo no desenvolvimento do produto, segurança para a equipe envolvida, objetividade nos julgamentos, aproveitamento de expe-riências anteriores, impessoalidade nas escolhas e transparência nas decisões.

Quase a totalidade das publicações so-bre desenvolvimento de produtos aborda a primeira modalidade; contudo, é na úl-tima que se encontra a maior parte das aplicações, no cotidiano das organiza-ções. Essa assimetria motivou o enfoque do artigo no melhoramento de produtos.

Melhorar um produto significa alte-rar suas características técnicas de modo a aumentar seu sucesso – ex-presso, por exemplo, como qualidade percebida, satisfação do cliente ou competitividade.

Muitas das técnicas tradicionais desse processo se baseiam em intuição e julga-mentos subjetivos, e até alcançam bons resultados. Contudo, elas enfrentam di-ficuldades para tratar de forma objetiva e transparente questões cruciais, tais como:

(1) Quais componentes do produto contribuem mais para sua qualidade percebida? E para a Satisfação do clien-te?

Tabela 1 - Novo produto vs. Melhoramento

Figura 2 - Construção e avaliação do sucesso

Figura 3 - Avaliação da Satisfação do clienteFigura 1 - Medida da Satisfação do Cliente

(2) Qual deve ser a qualidade técnica ideal de cada componente do produto?(3) A qualidade técnica e a percebida são compatíveis entre si?

Um tratamento sistemático, objetivo e semiquantitativo dessas questões consti-tui o desafio do artigo.

Neste sentido, apresenta-se um pro-cedimento para melhorar a qualidade percebida de um produto e a Satisfação do cliente, com base na adequada do-sagem das características técnicas do produto. Ele é útil tanto para produtos tangíveis (nas indústrias automotivas, de construção, de eletrônicos etc.) quan-to serviços (em bancos, empresas de TI, hospitais, eventos etc.).

Essa abordagem proporciona impor-tantes vantagens: economia de tempo no desenvolvimento do produto, segurança para a equipe envolvida, objetividade nos julgamentos, aproveitamento de expe-riências anteriores, impessoalidade nas escolhas e transparência nas decisões.

proBlEma dE pEsquisa E mEtodologia

O problema de pesquisa pode ser for-mulado como:

“Relacionar objetivamente as neces-sidades subjetivas do cliente de um produto com as características técni-cas desse produto”.

Desse desafio derivam as diversas apli-cações mencionadas no item anterior.

prática, constitui um bom desafio.

sucEsso no procEsso dE dEsEnvolvimEnto dE produtos (pdp)

Pode-se representar o PDP como um desdobramento do sucesso e da satisfa-ção do cliente até a qualidade técnica do produto, conforme a Figura 2.

Assim, desenvolver ou melhorar um produto com sucesso resulta numa adequada dosagem das características técnicas do produto (LE MASON, 2017).

No sentido oposto da Figura 2, me-lhoramentos impostos às características técnicas de um produto impactam na qualidade percebida, na Satisfação do cliente e, finalmente, no sucesso desse produto.

Em ambos os sentidos, é longo o ca-minho que liga o sucesso do produto (por exemplo, a Satisfação do cliente) às características técnicas mensuráveis do produto (por exemplo, a durabilidade de um componente plástico). Esse desafio tem sido tratado com diversas ferramen-tas já consagradas, tais como Análise/Engenharia do Valor, TRIZ, FMEA, QFD, Delineamento de experimentos, Mapas perceptuais, Voz do cliente, Grupos fo-cais, Simulação de sistemas, Pesquisa operacional, entre outras, e aplicados sistematicamente em empresas como Volkswagen, Nestlé, Sadia, IBM, Apple, Samsung, Toyota, Bombardier, como tam-bém em empresas privadas e públicas de porte reduzido. Os conceitos de algumas dessas ferramentas serão empregados pontualmente ao longo do texto.

A Figura 2 também representa a ne-cessidade de integração de diversas áreas do conhecimento no PDP, tais como o marketing e a estratégia do produto (la-do esquerdo) até o design e a engenharia do produto (lado direito), para modelar o sucesso do produto com foco na Satisfa-ção do cliente.

Estimando a satisfação do cliEntE

Estimativas usuais da SC – tais co-mo volume de vendas, fatia de mercado etc. – ainda não estão disponíveis na fa-se inicial do melhoramento do produto. Elas são conhecidas apenas após o lan-çamento do produto ou os testes com protótipos (BRIERLEY, 2006; HILL et al., 2004; LI et al., 2006). Portanto seria mais útil, na fase de planejamento, esti-mar SC com base em outros parâmetros. Na literatura técnica, poucos trabalhos apresentam propostas para quantificar

a SC no processo de desenvolvimento do produto.

Para essa finalidade, propõe-se que a SC seja definida em função da qualidade percebida do produto. Essa proposta será detalhada na seguinte aplicação prática.

Caso: Uma cadeia de postos de com-bustíveis nacional teve como desafio melhorar a qualidade e a competitivi-dade de seu produto “Troca de óleo”.

A qualidade percebida desse produto (na realidade, um serviço) foi representa-da pelos principais itens das necessidades dos clientes. O conceito de qualidade per-cebida já é discutido há longa data na literatura de Marketing (GRIFFIN, 1991). Aplicado ao serviço “Troca de óleo”, ele é representado por um conjunto de atribu-tos, estimados por γi (por exemplo, numa escala de 1 a 5). Apenas quatro itens da qualidade percebida são mostrados na Figura 3, em benefício da clareza da apresentação.

Admite-se que a Satisfação do cliente seja expressa numericamente pela Equa-ção 1.

SC= Σiwiγi (Eq.1)em que: wi = importância do atributo

(i) γi = qualidade percebida do atributo

(i) No melhoramento do produto, γi va-

ria de Yoi até (Yoi + Yi), sendo Yoi o valor

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teoria

inicial e Yi o incremento máximo na qualidade per-cebida do item (i). Reescrevendo a Equação 1, vem:

SC = Σiwi(Yoi + yi) = SCo + Σiwiyi (Eq. 2)Na Equação 2, SCo é o valor inicial da SC e Σiwiyi

representa a melhoria da qualidade percebida do produto, nos itens (i). Uma melhoria se refere a um aumento de desempenho, enquanto um melhora-mento representa um processo que gera melhorias.

Aplicada ao caso, com wi percentuais, essa equa-ção resulta em CSo = 2,50.

qualidadE pErcEBida vs. qualidadE técnica

Analogamente à qualidade percebida, representa-se na Figura 4 a qualidade técnica do produto por um conjunto de características técnicas χj. Estas são indicadas em uma única escala métrica intervalar de 1 a 5 e em diferentes escalas métricas de razão (15-25; 3-1; 4-3; 2-11), segundo Hair et al. (2009).

No processo de melhoramento de um produto, é razoável admitir que melhorias na qualidade técni-ca promovam melhorias na qualidade percebida do mesmo produto (BORDLEY; PARYANI, 1990; WA-SERMAN, 1992). A matriz Rij indica relacionamentos entre essas variáveis, segundo a escala: irrelevante, fraco, médio ou forte.

Com base em Franklin (2006), propõe-se que me-lhorias até uma referência real da qualidade técnica (por exemplo, benchmarks, um produto concorrente etc.) promovam melhorias na qualidade percebida, até uma referência correspondente, conforme ilus-tra a Figura 5.

Por simplicidade, adota-se uma relação linear en-tre melhorias na qualidade técnica e na percebida (SANTOS; HARLAND, 2012), expressa pela Equação 3.

yi = YiΣjRijxj/Xj (Eq. 3)Combinando-se a Equação 3 com a Equação 2,

consegue-se formular a Satisfação do cliente em fun-ção das melhorias técnicas xj do produto, conforme a Equação 4.

SC = SCo + ΣjSCj = SCo + Σjkjxj (Eq. 4)em que: kj = (ΣiwiYiRij)/Xj No caso, a Equação 4 resulta em: SC = 2,50 +

0,33x1 + 0,14x2 + 0,07x3 + 0,21x4 (as importâncias wi e os relacionamentos Rij são previamente normali-zados nos cálculos, segundo Wasserman (1992).

Com as melhorias xj = (2;1;1;2), indicadas na Figura 5, a Satisfação do cliente passa de 2,50 pa-ra 3,80, e yi = [4,9;3,5;4,0;2,6]. Assim, a Equação 4 consegue quantificar o impacto na SC, causado por variações planejadas para as caraterísticas técnicas

Figura 4 - Características técnicas do produto

Figura 5 - Características técnicas do produto

do produto – ainda na fase prematura do planejamento das melhorias.Essa equação representa uma contribuição para o processo de melho-

ramento de produtos, que permite quantificar a Satisfação do cliente para

avaliar seu sucesso antes da prototipa-gem ou do teste do produto. Ela emprega um modelo semiquantitativo, com pa-râmetros quantitativos e qualitativos (HAYES, 1997; KAHN, 2005). Embora sua finalidade não seja otimizar o projeto do produto, ela ajuda a pesquisar soluções melhores e quase ótimas, quando em-pregada na simulação das características técnicas.

Os coeficientes kj indicam quais itens das características técnicas causam maior impacto na Satisfação do cliente e, portanto, devem merecer mais atenção no projeto. Eles também são úteis para análises de sensibilidade, aplicadas a situ-ações críticas de contorno ou à avaliação de parâmetros de projeto.

A adoção de relações lineares entre yi e xj simplifica a modelagem e os cálculos. No processo de melhoramento do pro-duto, é uma premissa razoável, pois as mudanças nas características técnicas de um produto geralmente são moderadas, e imprecisões são mantidas dentro de limites também razoáveis. Se a melhoria proposta tende a mudar consideravel-mente o produto, pode-se adotar relações não lineares no modelo. Nesse caso reco-menda-se para os cálculos ferramentas numéricas (tais como técnicas de simu-lação) em lugar de equações analíticas (HILLIER; LIEBERMAN, 2007).

EstaBElEcEndo prioridadEsUma questão central no processo

de melhoramento de produtos é como priorizar as características técnicas do produto. Uma solução frequentemente citada na literatura técnica há mais de três décadas consiste no seguinte indica-dor (BORDLEY; PARYANI, 1990):

qj=ΣiwiRij (Eq. 8)Um valor elevado de qj indica alta prio-

ridade para a característica técnica (j). Na Figura 4, qj = [56;22;33;41].

O indicador qj é tradicionalmente empregado em metodologias para de-senvolvimento de produtos, tais como Análise/Engenharia do Valor e Quality Function Deployment (GRIFFIN, 1991; AKAO, 1990; ROZENFELD, 2006), entre

outras. Comparando-se o indicador qj = Σiwi-

Rij (Equação 8) com kj = (ΣiwiYi-Rij)/Xj (Equação 4), percebe-se que o primeiro se trata de um caso particular do segun-do.

Conclui-se que: enquanto qj repre-senta apenas as importâncias relativas wi na qualidade percebida, ki considera também os gaps na qualidade (portan-to, a situação competitiva do produto), para estabelecer prioridades nas ca-racterísticas técnicas. Nesse caso, a função-objetivo (HILLIER; LIEBERMAN, 2007) dessa priorização possui um signi-ficado real: o aumento na Satisfação do cliente – agora, uma grandeza mensurá-vel.

Especificamente no melhoramento de produtos, o emprego de kj torna-se ainda mais vantajoso do que em novos desen-volvimentos, uma vez que as metas e as referências para a qualidade são mais explícitas. Isso facilita simulações de múltiplos cenários para dimensionar as características técnicas de produtos.

programando a satisfação do cliEntE

As relações anteriores permitem avaliar o impacto no sucesso do produto, causado pelas variações das características técni-cas xj. Na Figura 2, esse procedimento é representado pela seta inferior.

Agora, deseja-se o inverso: determinar as características técnicas xj do produ-to que “garantirão” o alcance de níveis preestabelecidos da qualidade percebida yi (e portanto da Satisfação do cliente e do sucesso do produto). Trata-se de um processo de dosagem ideal da qualidade técnica.

Essa é uma tarefa típica da Engenha-ria do Produto, que cuida exatamente do dimensionamento das características técnicas de produtos.

A solução ocorre com a inversão dos cálculos anteriores, para que as melho-rias técnicas do produto (xj) sejam agora a variável dependente, e não mais as me-lhorias na qualidade percebida (yi). O resultado é expresso pela Equação 5.

χj = xjo + XjΣiRijyi/Yi (Eq. 5)Essa equação pode ser reescrita da se-

guinte forma para evidenciar a relação entre as melhorias xj e yi na qualidade.

χj = Xjo + Σiuiyi (Eq.6)em que: uj = XjΣiRij/Yi Segundo a Equação 6, é possível pro-

gramar melhorias desejadas para a qualidade percebida (yi) e então calcular os incrementos necessários (xi) na quali-dade técnica, para garantir o alcance dos primeiros. Da escolha de yi decorre ime-diatamente o cálculo da variação de SC, pela Equação 2. Dessa maneira, kj indica “quais” características técnicas priorizar, enquanto ui indica “o quanto” cada uma deve melhorar partir de Xoi.

Variações xj correspondem perfei-tamente a variações yi somente se a matriz Rij possuir um elemento por linha e coluna. Em aplicações usuais, quando isso não ocorre, cada incremento xi cau-sa impacto em mais de um yi e, por isso, as variações yi resultantes tendem a ser amenizadas e mais uniformemente dis-tribuídas do que xi.

incompatiBilidadEs na qualidadE

Não é raro que um produto apresen-te incompatibilidades entre a qualidade percebida e a técnica. Há produtos que não são bem aceitos pelos clientes, mes-mo se possuem itens com alta qualidade técnica – e o inverso também ocorre. Por exemplo, um brinquedo com componen-tes muito seguros, superior a brinquedos concorrentes, mas que ainda assim é avaliado como perigoso e frágil. Se o item “segurança” estiver presente nas qualida-des percebida e técnica, estas deveriam apresentar forte correlação entre si e valores similares. Senão, deve existir al-guma incompatibilidade entre elas.

Em projetos reais, incompatibilidades como essa não são facilmente identifica-das, nem quantificadas. Na presença de muitos itens da qualidade percebida e da técnica, reconhecer e medir incompati-bilidades pode ser um desafio complexo.

Para enfrentar essa questão, introduz-se o seguinte indicador:

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teoria

zi = ΣjRijχj (Eq. 7)O indicador zi pode detectar incompa-

tibilidades em três situações:a. Na qualidade inicial do produto (da-ta presente): Zoi = ΣjRijXoj [= Yoi ?]b. Na qualidade de referência do produ-to (data presente): Zoi + Zi = ΣjRij(Xoj+Xj) [= (Yoi + Yi )?]c. Na qualidade melhorada (data futu-ra): Zoi + zi = ΣjRij(Xoj + xj) [= (Yoi + yi )?]

Na primeira situação, se o cálculo de Zoi resultar em valores “razoavelmente” próximos de Yoi, a qualidade percebida e a técnica são consideradas compatíveis. Caso contrário, recomenda-se analisar as causas das divergências.

Nas duas demais situações, as conclu-sões são análogas. A Figura 6 ilustra os resultados nas situações a) e c).

Os resultados encontrados nesse ca-so foram excepcionalmente bons, sem divergências significativas, talvez pela reduzida quantidade de variáveis. Em situações usuais, é considerada normal a presença de algumas divergências – des-de que moderadas.

Algumas causas mais frequentes das divergências entre zi e yi são:

a. Influência de fatores emocionais na qualidade percebida, tais como publici-dade, marca, hábito, imagem etc.

Figura 6 - Compatibilidade entre qualidades

b. Pressa na elaboração da Matriz de relacionamentos ou falta de verificação.c. Pouco cuidado na avaliação de Xoj e xj.

Em nenhuma dessas situações, deve-se tentar “corrigir” Xoj, xj ou Rij para reduzir divergências, pois estas poderiam migrar para outras linhas. A ocorrência de di-vergências significativas pode indicar a necessidade de reformular o estudo, des-de a coleta de dados.

aplicação E comEntáriosO exemplo ilustrativo explorado nas

seções anteriores foi resumido de uma aplicação real, com seis itens da quali-dade percebida e sete itens da qualidade técnica.

A escolha de um serviço como exemplo foi intencional, pois a qualidade per-cebida de serviços é usualmente mais subjetiva e mais complexa do que a de bens físicos (FORD et. al., 2001).

A necessidade de melhoria do serviço de troca de óleo se deveu à existência de diversos concorrentes na proximidade, alguns deles com serviços similares mais competitivos.

Foram realizados três conjuntos de co-letas de dados, para:

a. Identificar e selecionar os itens da qualidade percebida;b. Avaliar as importâncias relativas desses itens;c. Avaliar os itens da qualidade técnica.

Os valores Rij, bem como a identifica-ção das características técnicas, foram definidos por uma equipe multidiscipli-nar do projeto.

Pontos que merecem destaque no es-tudo são:

a. As pesquisas dos concorrentes exi-giram muito esforço, pela dificuldade natural do acesso a seus clientes e pro-dutos.b. Todas as pesquisas contaram com procedimentos de confirmação;c. Nenhuma das metas escolhidas para a qualidade (percebida e técnica) ultra-passou o respectivo valor de referência empregado – embora isso seja possível no modelo;d. O público-alvo do produto foi cuida-dosamente delimitado no início.e. Os resultados obtidos com o modelo foram muito satisfatórios na prática. Contudo, alguns itens da qualidade per-cebida encontraram menor aderência com a realidade: aqueles relacionados com a imagem do produto, com cam-panhas publicitárias e com padrões culturais arraigados. Essa limitação foi também encontrada em outras aplica-ções em que a influência da marca do produto era muito forte.f. Os dados e resultados são específicos para esse estudo e válidos para um período de tempo curto (alguns semes-tres). Para manter os bons resultados práticos, foram realizadas atualizações periódicas do estudo.

implicaçõEs para o modErno gErEnciamEnto dE projEtos

Todo melhoramento de produto é um projeto. E assim sempre envolve custos, prazos e principalmente a qualidade do produto. Neste último quesito, uma questão central é como dosar a qualida-de do produto para alcançar o sucesso do projeto. Decisões erradas nesse processo resultam em perdas não apenas para o

projeto, mas para o negócio do projeto (LE MASON, 2017).

O negócio do projeto tende a ser o foco do moderno gerenciamento de pro-jetos (BINDER, 2007; FIEDLER, 2016). Segundo essa abordagem:

A função de um projeto não é apenas entregar produtos encomendados, mas pesquisar soluções para as necessidades explícitas e implícitas dos clientes (SAN-TOS, 2015).

Nessa função, a qualidade do produto assume um papel central para o sucesso do negócio, e sua definição ultrapassa os aspectos puramente técnicos do produ-to (FIEDLER, 2016).

conclusõEsO melhoramento de produtos, tema

do artigo, tem merecido pouca atenção na literatura técnica. Apesar disso, ele está presente em qualquer projeto de melhoria, daí sua relevância.

É evidente o papel de bons produtos para a competitividade e o sucesso de qualquer negócio. Justificam-se assim os esforços e investimentos contínuos para criar e melhorar produtos, nas em-presas (LE MASON, 2017).

Neste artigo, o sucesso de um produ-to foi formulado como a Satisfação do cliente, calculada objetivamente com base na qualidade (Figura 2). A aborda-gem adotada é semiquantitativa, uma vez que estabelece relações quantitati-

vas baseadas em estimativas subjetivas e qualitativas.

Em resumo, o artigo contribui para o processo de melhoramento sistemático de produtos, ao permitir:

a. Avaliar objetivamente a Satisfação do cliente, com o produto do projeto (Figura 1);b. Avaliar objetivamente a qualidade percebida no produto (Figura 3);c. Avaliar objetivamente a qualidade técnica no produto (Figura 4);d. Calcular o impacto de melhoramen-tos nas características técnicas do produto, na Satisfação do cliente e nos itens da qualidade percebida (Equação 3 e Equação 4);e. Indicar as características técnicas do produto que devem ser priorizadas no projeto (Figura 4);f. Dosar as características técnicas do produto para garantir melhorias desejadas na qualidade percebida do produto e na Satisfação do cliente (Equação 4);g. Simular mudanças nas caracterís-ticas técnicas e verificar resultados na qualidade percebida e na Satisfação do cliente (Equação 3 e Equação 4);h. Simular melhorias desejadas na qualidade percebida e verificar os re-sultados nas características técnicas do produto (Equação 5).i. Verificar a compatibilidade entre a qualidade percebida e a técnica no pro-

duto – tanto na situação inicial quanto após o melhoramento (Equação 7).

Os procedimentos descritos cons-tituem uma alternativa e, ao mesmo tempo, um complemento aos métodos intuitivos e menos estruturados para me-lhorar e criar produtos. Entre suas principais virtudes, destacam-se a trans-parência e a facilidade de comunicação numa equipe de desenvolvimento. Eles podem ser empregados como um Siste-ma de Apoio à Decisão em projetos de melhoramento de produtos – com finali-dade mais indicativa do que prescritiva. Assim, é também importante que os analistas questionem se os resultados encontrados são razoáveis, se fazem sentido na realidade.

pErspEctivas Num próximo artigo, expande-se a

proposta atual para quantificar a com-petitividade de produtos. A nova proposta possibilitará escolher a competitivida-de desejada para um produto, e então dosar as características técnicas do pro-duto para alcançar a competitividade escolhida.

Com o artigo “Projetos de melhoramen-to do produto: medindo e controlando a competitividade (Parte 2)”, espera-se contribuir para o monitoramento e ações de melhoria da competitividade de produtos, em bases mais objetivas.

rEfErências 1. BINDER, J. Global Project Management: Communication, Collaboration and Management Across Borders. Gower, 2007.2. BORDLEY, R. AND PARYANI, K. A Concept for Prioritizing Design Improvements Using Quality Function Deployment. Novi: The 2nd Symposium on Quality Function Deployment, 1990.3. BRIERLEY, J.; ALEXANDER, J. Handbook of Customer Satisfaction and Loyalty Measurement, 3rd edition. Ashgate, Burlington, 2006.4. CRAWFORD, M.; BENEDETTO, A.D. New Products Management. McGraw-Hill. Irwin, 2006.5. FIEDLER, R. Controlling von Projekten, 7.ed. Springer Verlag, Wiesbaden, 2016.6. FORD, L.; MCNAIR, D; PERRY, B. Exceptional Customer Service: Going Beyond Your Good Service to Exceed the Customer's Expectation. Adam Media, MA, 2001. 7. FRANKLIN, M. Performance Gap Analysis. ASTD Press, 20068. GRIFFIN, A. The Voice of Customer. Cambridge, MA: Working paper, Sloan School of Management – MIT, 1991.

Doutor e Mestre em Adminis-tração (EAESP/FGV) e Mestre e Graduado em Engenharia (Poli/USP). É professor, pes-quisador, consultor e autor de livros e artigos nas áreas de Gerenciamento de Projetos, Inovação e Desenvolvimento do Produto. Sua formação e ex-periência profissional incluem países como Áustria, Alema-nha, Portugal, EUA e Holanda. [email protected]

soBrE o autor:

J. Amaro dos Santos

9. HAYES, B. Measuring Customer Satisfaction: Survey Design, Use, & Statistical Analysis Methods, 2nded. American Society for Quality, Wisconsin, 1997. 10. HAIR, J.F. et al. Multivariate Data Analysis, 6ª ed. Bookman, 2009.11. HILL, N; BRIERLEY, J.; MACDOUGALL, R. How to Measure Customer Satisfaction, 2nd edition. Gower, 2004.12. HILLIER, F.; LIEBERMAN, G. Introduction to Operations Research, 8th.ed. McGraw-Hill, 2007.13. KAHN, K.B. PDMA Handbook of New Product Development. John Wiley, 2005.14. LE MASSON, P.; WEIL, B.; HATCHUEL, A. Design Theory: Methods and Organization for Innovation. Springer, 2017.15. LI, W.D.; ONG, S.K.; NEE, A.Y.C. Integrated and Collaborative Product Development Environment - Technologies and Implementation. World Scientific, 2006.16. ROZENFELD, H. et al. Gestão de desenvolvimento de produtos. Saraiva, 2006.17. SANTOS, J.A.; HARLAND, P. Customer Satisfaction as a Quantifiable Criterion for the Product Improvement

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