Em Movimento JACA No 04
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ja.ca quarto ano
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em movimento ja.ca quarto ano
in movement ja.ca fourth year
Em Movimento JA.CA Quarto Ano Organizao de Francisca Caporali
Belo Horizonte: JA.CA, 2014.
256 p.:il, color.; 24 cm.
Texto em portugus e ingls.
ISBN 978-85-64194-09-0
1. Arte brasileira. 2. Arte moderna Sc.XXI
I. Caporali, Francisca.
CDD 700
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JA.CA - Centro de Arte e Tecnologia atua como uma plataforma para o aprendizado e o intercmbio de experincias. O Centro busca incentivar projetos artsticos que utilizem abordagens e tecnologias variadas para atuar especificamente frente realidade local, seja atravs de estmulos educacionais ou ativamentos de prticas colaborativas.
O projeto foi concebido como uma expanso de uma trajetria artstica e do interesse de seus fundadores que, por alguns anos que antecederam inaugurao do espao fsico, se ocuparam por investigar questes que lhes pareciam essenciais: dinmicas da arte no espao urbano e possveis estratgias para colaboraes.
no ano de 2010 o ja.ca iniciou suas atividades e desde ento, artistas brasileiros e artistas internacionais tiveram a oportunidade de trabalhar lado-a-lado nos atlis do centro, localizado no bairro jardim canad.
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estavam guardadas em um local
mais distante. Com a ajuda dos
bolsistas do Deseja.ca (programa
de extenso universitria da
Escola de Arquitetura e Design da
UFMG realizado em parceria com o
JA.CA), conseguimos nos instalar
em pouqussimo tempo, e no
primeiro dia de abril recebamos
os primeiros residentes. O projeto
Re:USO inaugurou o novo espao e
reforou o entendimento de que o
bairro o nosso laboratrio de
trabalho.
O Re:USO foi concebido quando
estvamos em meio s mudanas,
num processo de entender o Jardim
Canad sob um novo olhar. Alm
disso, nos intrigavam como as
cidades brasileiras respondiam s
transformaes pr Copa do Mundo
de Futebol. Propusemos Funarte
uma residncia itinerante, vivida
em trs momentos: o primeiro
no Jardim Canad, o segundo em
Salvador e o terceiro em Belm.
Selecionamos seis propostas
que dialogaram, cada uma sua
maneira, com o universo em torno
do descarte e do reaproveitamento
dos resduos produzidos nestas
localidades, tpicos das bordas
destes densos plos urbanos,
atravessados pelas j referida
especulao imobiliria. Durante
a primeira etapa da residncia
conseguimos uma integrao entre
o programa Deseja.ca e os artistas
residentes, onde os 14 bolsistas
do programa alimentaram a resi-
dncia com a pesquisa e a produo
geradas nos seus dois anos de
existncia.
Durante a parceria entre o JA.CA
e a EA/UFMG vivemos um processo
intenso de produo, com diversos
mapeamentos do bairro, participa-
o crescente de bolsistas e maior
densidade das propostas, projetos
e pesquisas realizados.
O ano de 2013 foi um perodo de
grandes expectativas para
o programa, j que uma vez
contemplado por um projeto do MEC-
SESU de financiamento para aes
extensionistas, teramos recursos
financeiros para sua consolidao.
Espervamos ansiosos pela chegada
de uma infinidade de materiais que
solidificariam trs oficinas:
MAR.CA a marcenaria que j exis-
tia, mas receberia um aporte de
maquinrio e materiais de consumo
que at ento no possuamos; um
completssimo ateli de serigrafia
para o ESTAM.CA (estamparia) e
equipamentos para o TE.CA que pos-
sibilitaria desenvolver projetos
de tecelagem. O financiamento do
MEC tambm serviria para pagar
os trs tcnicos, um para cada
oficina, alm de cobrir gastos
com alimentao e transporte
para todas as atividades. Por
vrias questes internas prprias
de uma Universidade pblica na
dimenso da UFMG, o Deseja.ca,
at dezembro de 2013, no havia
recebido o material solicitado e
nenhuma verba para pagamento dos
tcnicos. Mesmo com todos esses
imprevistos a equipe buscava
maneiras de desenvolver atividades
no bairro, envolvendo uma rede j
ampliada de parceiros contata-
dos nos anos anteriores. Lindas
intervenes foram feitas, como:
a horta comunitria, as oficinas
de carrinho de rolim, a pintura
no muro da Escola Estadual Maria
Josefina Sales Wardi e o mapeamento
de bordado com as senhoras do
CRAS (Centro de Referncia de
Assistncia Social). Todas elas
realizadas com grande precarieda-
de material, mas equilibradas pela
enorme colaborao dos parceiros,
formando uma rede solidria muito
importante pra ns. Infelizmente
os diversos problemas enfrentados
nesse ano e o desgaste por eles
deixado, impediram a continuao
da parceria, deciso difcil, mas
realizada em comum acordo.
A conexo com os alunos da EAD/
UFMG permanece com sua participa-
o nas atividades do JA.CA, bem
como a colaborao mtua entre
professores e pesquisadores que
compartilham muitos desejos e
inquietaes. A experincia do
Deseja.ca deixa a certeza de que
o JA.CA deseja contribuir com a
melhoria da qualidade de vida das
pessoas que vivem o cotidiano do
bairro e que a investigao sobre
as diversas formas de reaproveita-
mento de resduos tem lugar certo
em projetos futuros. Percebemos
hoje com maior clareza as possibi-
lidades de incidir politicamente
na realidade das comunidades,
comeando pelo Jardim Canad.
Estivemos presentes em reunies
da associao do bairro, acompa-
nhamos de perto os debates para
alterao do Plano Diretor de Nova
Lima e participamos da elaborao
do plano municipal de cultura de
Nova Lima. Em 2013, passamos a
integrar a rede do PDEOS (Programa
de Desenvolvimento de Empresas e
Organizaes Sociais), promovido
pela Fundao Dom Cabral. Sob
sua orientao, formulamos nossa
misso, que sintetiza o sentido da
existncia do JA.CA e norteia nos-
sas proposies: queremos contri-
buir para a democratizao da arte
e cultura realizando aes que as
integrem ao cotidiano de pessoas
e comunidades onde atuamos. Esse
texto est claro nos objetivos de
nosso estatuto social sim, em
2013, o JA.CA formaliza-se como
uma associao sem fins lucrativos,
com CNPJ prprio, embora ainda em
Nossa escolha em viver no Jardim
Canad constantemente atuali-
zada pelas questes singulares de
um territrio de fronteira, beira
de estrada, passagem ou elo entre
o lugar do trabalho e moradia
de muitos moradores da regio
metropolitana de Belo Horizon-
te. O bairro parece pertencer a
outro lugar, distante da sede do
municpio, ilhado pela minerao.
Ocupado ordenada e desordenada-
mente, o Jardim Canad contem-
porneo a seu tempo, pelo menos
no que diz respeito a especulao
imobiliria de seu territrio.
Ns, que aqui vivemos, no estamos
protegidos da voracidade do
processo de gentrificao que toma
o bairro.
Com a impossibilidade de permane-
cer no primeiro galpo onde
o JA.CA abriu as portas em 2010,
uma vez que o proprietrio props
quadriplicar (sim, multiplicar
por quatro) o valor do aluguel,
decidimos guardar todos os per-
tences acolhidos generosamente
pelo patrocinador deste projeto e
esperar que a temporada das chuvas
passasse para ento alugarmos
outra sede.
A poca de chuva, de novembro a
maro (e agora, com as mudanas
climticas, se espaando at
finais de abril, adentrando o ms
de maio), sempre trouxe eventos
memorveis para a equipe do JA.CA:
alagamentos, goteiras, curtos
eltricos e mofo, muito mofo. Con-
dies climticas que nos fizeram
adiar a entrada em novo espao.
O perodo sem sede representou um
tempo mais dilatado que resultou
em reflexes sobre os caminhos do
JA.CA, j que com um espao em
funcionamento, grande parte do
nosso tempo fica consumido com a
manuteno diria do local e de
sua programao.
No ter tido uma sede por cinco
meses nos fez desapegar da estru-
tura fsica e nos forou a projetar
e a realizar atividades fora do
JA.CA. Foi o tempo de reforar,
para a equipe, a importncia do
territrio para o qual o JA.CA
foi planejado: o Jardim Canad,
e entender que a cada ano, vaga-
rosamente, estabelecamos mais
vnculos com esse entorno e que a
permanncia do Centro ali ainda
de fato importante. O territrio
retoma sua questo central para
o projeto, tornando-se campo de
nossas principais aes.
Em maro de 2013, enquanto esper-
vamos pelo interminvel processo
de aprovao dos crditos dos
fiadores para alugar um galpo na
Rua Hudson, um encontro fortuito
nos corredores de um supermer-
cado do bairro nos levou outra
estrutura, localizada mesma
Avenida Canad, j desruborizada
pela cobertura de asfalto. O
asfalto que tapou a terra vermelha
sugeriu um progresso to descabido
e uma especulao to surreal que
fez com que nosso antigo locador
acreditasse no aumento fabuloso do
valor do aluguel.
No ms seguinte, o JA.CA atraves-
sou a rua e se instalou em frente
ao antigo galpo, de onde se podia
observar as placas de vende-se
e aluga-se que se amontoaram
sobre a sua fachada por todo o
ano de 2013, comprovando que no
estvamos loucos por recusar pro-
posta to disparatada. Obviamente
nossa mudana foi um tanto mais
complexa que um simples atravessar
da avenida, uma vez que as dezenas
de caixas pertencentes ao Centro
Em Moviento ja.ca Quarto ano
In movement ja.ca fourth year on page 212
O territrio retoma sua questo central para o projeto e passa a ser reforado o uso deste como o lugar principal para as aes do JA.CA.
francisca caporali,
joana meniconi e mateus mesquita
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A pedido dos que moravam aqui, ajeitamos novos quartos e conseguimos acomodar todo o grupo. Individualmente, cada um pesquisava o bairro sob a tica do percurso, do caminho, tensionando o ato de planejar vivncia da realidade, que marcada pelos encontros e pelos desvios. Porm, no a relao entre os processos que marca a passagem desses artistas pelo JA.CA, mas sim a relao de amizade e de cumplicidade que eles estabeleceram entre eles, conosco, com o bairro e, especialmente, com o JA.CA. esse trato afetuoso que marcou o nosso ano, que confirma a relao de confiana e liberdade estabelecida entre os que aqui frequentam e o entendimento que o JA.CA um espao e uma experincia a ser construda coletivamente.
endereo provisrio.
A participao no PDEOS tambm
foi importante para o JA.CA in-
tensificar articulaes com outras
organizaes sociais e pequenas
e mdias empresas que atuam na
regio. No fim do ano, por meio de
uma parceria com Escola de Design
da UEMG e o Espao Transformar
recebemos a oficina do Studio
Superfluo, um coletivo de jovens
designers de Roma. Por dois meses,
a marcenaria do JA.CA serviu como
espao de criao colaborativa
de design entre o coletivo e um
grupo de adolescentes do Jardim
Canad que vivem em situao de
vulnerabilidade social. O grupo,
formado quase exclusivamente por
garotas, construiu quatro objetos
de madeira, participando desde
a criao em esboos no papel
a confeco propriamente dita,
servindo-se da madeira de pallets
descartados pela indstria local.
A oficina serve como piloto para
desdobramentos futuros envolvendo
as jovens do bairro e abre novos
caminhos para a apropriao do
Centro pela comunidade.
Depois de um ano de muitas trans-
formaes gratificante perceber
o reconhecimento do nosso
trabalho, que parece ultrapassar
os muros do espao fsico que
ocupamos, seja ele qual for. Mais
fludo, mais lquido, mais imerso
nas questes locais. Independente
da estrutura fsica que ocuparmos
j somos reconhecidos como um
lugar de trocas, de convivncia
e de criao de elos afetivos
entre os mais diversos pblicos.
Entre outubro e dezembro, reali-
zamos um ciclo de residncias no
qual recebemos quatro artistas
brasileiros dois de Belo Horizon-
te e dois de fora.
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Escola de Arquitetura UFMG/ Fundao Dom Cabral (Programa de Desenvolvimento de Empresas e Organizaes Sociais do Jardim Canad e Regio)/ Espao Social TransformarEscola de Design UEMG (Comunidades Criativas das Geraes)/ Studio Superfluo/ E.E. Maria Josefina Sales Wardi/ CRAS Jardim Canad (Centro de Referncia de Assistncia Social)/ Instituto Primus/ Arca Amaserra/ Instituto Cresce/ CAC Jardim Canad (Centro de Apoio Comunitrio)/ Fundao Clvis SalgadoGontijo (So Geraldo)/ Prodomo/ Mharmaros/ Nigara/ AVG Sider/ Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais 9 Edio
Obrigado!
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reuso yuri barros rafael rg gabriel nast andr hauck & camila otto ricardo villa c.l. salvaro
Exposio
contra escambrosdeseja.ca horta comunitaria muro da escola
studio superfluoresidencia 2013 beto shwafaty estandelau roberto freitas raquel schembri daniel toledo & marina camara
exposio
biografiasenglish
pg.
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yuri barros
rafael rg
gabriel nast
andr hauck & camila otto
ricardo villa
c.l. salvaro
re:uso
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20 21re:uso
Os artistas Andr Hauck e Camila Otto fizeram uma arqueologia do cotidiano local, colecionando
pertences descartados pelo bairro;
objetos ordinrios que foram
catalogados de maneira cientifi-cista, como se estudadas por uma
comunidade estranha aos seus usos.
A cor vermelha do minrio conduz
a uma unidade destes objetos
e conecta, esteticamente, os
diversos elementos coletados cor
do solo local, que impregna todos
os sapatos, vestes e corpos dos
que transitam pelo bairro, assim
como as construes, vegetao e
espaos do Jardim Canad.
A contaminao pela cor vermelha
foi tambm tratada no trabalho
do artista Ricardo Villa, que in-corporou o minrio sua produo
de diamantes concretos, alterando
o tom acinzentado deste ltimo
material. Os diamantes do projeto
Distopia buscam uma reflexo
sobre a ressignificao do valor
do imvel, dando forma preciosa
a restos de construes.
mdulo 2 / salvador
No bairro Santo Antnio em
Salvador estivemos imersos em
discusses sobre a gentrificao,
patrimnio histrico e especulao
imobiliria. Em resposta a estas
questes o artista Gabriel Nast criou uma serigrafia que identifica-va os muitos imveis desocupados
no bairro, responsveis pelo
aumento artificial e exponencial
dos preos locais.
O artista Ricardo Villa ocupou-se em criar peas que utilizam o
material mais recorrente das cons-trues brasileiras: o concreto;
para que as pessoas pudessem
ocupar as estreitas caladas
do bairro histrico, ele criou
bancos enformados em baldes de
construo, com pernas compostas
de madeiras descartadas.
Camila Otto e Andr Hauck seguiram com suas pesquisas fotogrficas,
e recorreram aos produtos da
Feira de So Joaquim, tradicional
mercado popular, confrontado a
muitas adversidades decorrentes
das transformaes na cidade de
Salvador, insistente em manter-se
em funcionamento.
mdulo 3 / belm
Em Belm nos instalamos em um dos
edifcios mais tradicionais da ci-dade, o Manoel Pinto, que oferece
uma vista privilegiada, demarcada,
em grande extenso, pelos largos
rios Guam e Guajar. O artista
Rafael RG buscou vivenciar as di-ferentes reas urbanas, estudando
as maneiras locais de comunicao:
faixas com anncio, cartazes e a
rdio nos postes. Conectou-se com
algumas comunidades que sobre-vivem marginalmente s expanses
urbanas. No Puta Dei, evento que
chama a ateno para as condies
de trabalho das prostitutas de
Belm, participou como DJ e ganhou
a Corrida de Calcinha. Ofereceu o
workshop El Futuro del Amor que
incitava reflexes sobre as rela-es afetivas no mbito das redes
sociais e o ato de projetar,
a partir de autores como
Jonathan Franzen, Borys Groys
e Michel Focault.
C. L. Salvaro e Yuri de Barros trabalharam em conjunto,
acompanhados pelos participantes
do workshop oferecido no SESC
Boulevard. O grupo ocupou-se em
derivas pelo centro histrico de
Belm, alm de construir, com
materiais encontrados no campus
da Universidade do Par, uma
jangada para aproveitar o ltimo
dia da estadia nos rios que
rodeiam a cidade.
mdulo 1 / jardim canad / mg
No Jardim Canad, os 6 artistas
produziram obras em uma dinmica
de workshops, com a participao
de estudantes e interessados,
discutiram questes particulares
da realidade do bairro.
Yuri Barros, junto a um grupo de estudantes de arquitetura,
instalou um letreiro feito de
materiais descartados, projeto
que inicialmente propunha inserir
a palavra QUANDO paisagem do
Jardim Canad foi, devido s
motivaes dos estudantes e das
dinmicas do bairro, alterado para
QUANTO, e colocada sob a estrutura
de uma casa inacabada que estava
venda.
Rafael RG, inspirado no maior meio de comunicao do bairro, o carro
com auto-falantes, levou ao bairro
um trio eltrico e promoveu um
manifestacao mvel, instigado pela
impactante atuao da mina Capo
Xavier, localizada nas imediaes
do bairro. Os participantes do
workshop, bem como os moradores
e circulantes usaram a estrutura
do caminho para protestar,
manifestando-se sobre temas caros
ao bairro. O artista props, entre
outras questes, uma mudana no
nome do bairro: de Jardim Canad
para Jardim Xavier, desligando as-sim, o Canad da identidade local,
identificado por uma pesquisa do
artista como um pas conhecido por
suas permissivas legislaes de
explorao mineral.
O artista C. L. Salvaro, a partir da adoo de um lote que dispunha
de uma precria estrutura inicial,
criou interferncias paisagsti-cas, avanando na construo de um
pequeno barraco: instalou telha-do, porta, piso, deck, pintou as
paredes, trouxe mudas de jardins
vizinhos e criou um compostrio.
Aps o trmino da residncia, o
artista seguiu cultivando este
espao, at encontr-lo comple-tamente destrudo. Paredes foram
derrubadas, telhado, porta e
todas as madeiras incorporadas
construo queimadas, e as plantas
arrancadas. As reaes truculentas
s ocupaes de propriedades
privadas parecem apontar o destino
da interveno devastada em um
trmino radical, mas esteticamente
potente.
Gabriel Nast criou um mural nas paredes externas de um grande lote
em construo, usando o prprio
material que descamava do muro
como suporte para suas pinturas,
o artista criou uma instalao que
parecia derreter-se sobre o solo
vermelho da regio, de forma que
o resduo usado para construir
o trabalho, no final, parecia
ter sido disposto cuidadosamente
pelo artista.
re:uso on page 218
Atravs do projeto Re:Uso, o JA.CA deseja estimular a pesquisa em torno do aproveitamento de material descartado para a criao de intervenes em vizinhanas que, assim como o Jardim Ca-nad, so frutos das recentes expanses metropolitanas. Interessa ao projeto pesqui-sar as bordas desses densos plos urbanos, entender suas dinmicas e como elas se transformam neste momento de intensa especulao imobiliria.
O JA.CA Centro de Arte e Tecnologia selecionou entre os artistas inscritos atravs de convocatria aberta, projetos inditos em diversas mdias a serem realizados durante a residncia. O pri-meiro momento, com durao de 15 dias, aconteceu na sede do projeto, no bairro Jardim Canad em Nova Lima/MG, e reuniu todos os 06 artistas selecionados.
francisca caporali
e mateus mesquita
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jardim canad
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24 25re:uso jardim canad
yuri barros on page 218
O quando horizonte precrio
encantador no qual no posso
tocar me atinge a vista. Ativa
a conscincia. A inconscincia.
O racional e o delrio. Linhas
de fuga diversas convergem e
divergem nos rascunhos da memria.
Atravessam a imaginao. Desguam
no futuro. No futuro que no
chega. Refm de um tempo que no
passa nunca porque passa sempre.
O quando nunca chega. a repre-sentao de um horizonte decadente
do qual a humanidade retrgrada
no consegue se desprender para
viver o agora. E agora? Jos. No!
Elton. Yuri. Eu. Seguirei falando
at quando no mais poder. At
aquele momento no qual estarei
mudo e mais nada. Quando a crtica
de arte abdicar de sua enorme pre-tenso e prepotncia, h de pousar
sobre ns a leveza das bacantes.
Afogaremos o mau humor na suave
embriagez dionsica, e talvez,
quem sabe, absorveremos a crtica
como um complemento que no fecha
estrutura alguma, mas adiciona,
na formula deleuziana do e... e...
e... onde cada ponto de vista cria
apenas mais um desdobramento
possvel. Todos os desdobramentos
so vlidos, desde que sejam
verdadeiros, comprometidos com a
verdade, ou com a mentira, se for
este o caso. A mentira acreditar
que esperar pelo quando acertar
o passo ao paraso! A verdade a
relao esttica com o mundo, e
para alm disso, todas os contor-nos so incertos e ao mesmo tempo
legtimos. Todas as falas so
vlidas. O que arte o que no
pouco importa. Quando a humanida-de abdicar da pretensiosa tarefa
de descobrir e disseminar a verda-de na cabea dos homens, teremos
dado um passo para o fim das es-truturas hierarquizadas de poder.
A arte tem esse poder destrutivo
justamente por ser inapreensvel.
Por inventar o modo de fazer no
prprio processo de feitura, por
ser a obra uma mensagem esttica,
portanto aberta, de reverberaes
singulares em cada individuo-ml-tiplo. Como cientifizar isso? Como
extrair uma verdade de uma relao
desse tipo? A nica verdade a
matria decadente, a apropriao
de materiais residuais, como se
de alguma maneira os que falam
atravs do quando antecipassem o
apocalipse para o qual caminhamos
de mos dadas, ou melhor, atadas,
comprando, vendendo, competindo,
destruindo e gozando, com objetos
fetichizados cujo valor extrado
ao longo de um processo predat-rio, ambiental e humano. Como se
os que falam atravs do quando,
soubessem que no futuro no
muito distante as sucatas sero
os objetos de fetiche. De fetiche
ou de necessidade, caso o fetiche
tenha desaparecido desse plano
restando apenas a sobrevivncia.
Esse quando precrio projetado ao
mesmo tempo sobre os meus olhos e
imaginao me eleva, me suspende
para outro tempo. Tempo esttico.
Durao. Pessoal. Indivisvel.
Qualitativa. Esse quando que
interfere no espao vago, de uma
instituio fraca e morna, que
repele o prprio pensar, tem um
pouco do que toda arte deveria
ter: terrorismo. Confronto!
Esperar o rumo mudar, no tempo.Esperar o rumo mudar, no tempo da vida,Quando as escolhas no podem ser feitas, o tempo que expira.Espera impaciente do mudar,no tempo que leva nossa vida,Quando as escolhas j foram feitas, o tempo que, rubro, expira.Espera do que, na mote, muda, no tempo que transforma a vida.Quando as escolhas, agora, feitas, o tempo, sinto muito, expirou.
hugo nascimento
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26 27re:uso jardim canad
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28 29re:uso jardim canad
Rafael RG on page 218
El futuro Del Amor: A oficina aconteceu a partir da leitura de autores como Jonathan Franzen, Borys Groys e Michel Foucault, onde os partici-pantes foram estimulados a criar frases, imagens, entre outras manifestaes, para a elaborao de materiais que foram expostos na regio.
Bibliografia
Michel Foucault. De outros espaos (1967), Heterotopias.
http://analobocrispi.files.wordpress.com/2009/05/ michelfoucaultheterot_carmela.pdf
Jonathan Franzen, Como ficar sozinho. Capitulo 1 : A dor no nos matar.
www.companhiadasletras.com.br/trechos/13289.pdf
Borys Groys. A solido do Projeto
http://projetosnatemporada.org/eventos/ arte-projeto/groys/solidao-do-projeto/
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30 31re:uso jardim canad
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32 33re:uso jardim canad
Gabriel nast on page 220
Durante a Semana Aberta do RE:USO, Nast envolveu os alunos da Escola Kabum! na criao de um dos seus murais que se utilzam de camadas descascadas de tapumes de construes. Posteriormente os pedaos foram reinseridos ao local de onde o material foi retirado. A precariedade e o improviso com que estes muros so levantados, passam a compor esteticamente o trabalho do artista.Para este trabalho o artista mapeou, com a ajuda dos alunos, as inmeras constru-es do Jardim Canad.
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34 35re:uso jardim canad
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36 37re:uso jardim canad
Andr Hauck & Camila Otto on page 220
inventariar
O coletivo, durante a residn-cia no bairro Jardim Canad e na cidade de Salvador, rea-lizou uma pesquisa artstica atravs de vis arqueolgico e antropolgico. Partindo do convvio com as pessoas e os espaos, coletaram objetos em uso e desuso, respectivamente em Salvador e no Jardim Canad, mas independente de seu valor de uso, ambos apresentavam-se intimamente relacionados com sua origem. Todo o material coletado foi fotografado, clas-sificado, ordenado, exibido e ressignificado pelo casal. O procedimento foi inspirado em mtodos de catalogao museolgicos, seguindo um raciocnio taxonmico, tam-bm influenciado por aspectos subjetivos e visuais.
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38 39re:uso jardim canad
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40 41re:uso jardim canad
Ricardo villa on page 220
distopia
consiste na produo de esculturas em concreto no formato de pequenos diamantes.Utilizando-se de restos de casas em vias de demolio, Villa coleta os resqucios de paredes que conformavam espaos antes ocupados por afetos e os transforma em diamantes de concreto. Diamante, permanente, eterno. Tambm o concreto seria permanente e estvel. Mas estruturas de concreto so desmoronadas pela especulao.Diamante, riqueza, capital.Concreto, real, distpico.Objeto esttico com potncia utilitria, que penetra vid-raas e que abre espao para a multido que vem marchando.
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42 43re:uso jardim canad
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44 45re:uso jardim canad
C.L. Salvaro on page 220
Percursos pelo Jardim Canad ofereceram a Salvaro uma frente de ocupao, estendendo suas pesquisas e intervenes neste campo de trabalho. O encontro com um lote abandonado, tomado por uma vigorosa vegetao e recortado por um precrio par de paredes sobreviven-tes, forneceu terreno para um ensaio de moradia. Em mutiro, um grupo de estu-dantes colaborou na capina, plantio, construo de te-lhado, piso, pintura e demais intervenes para tornar o lote habitvel. Valendo-se de uma rede, Salvaro pernoitou na ocupao, atropelando qualquer reduo esttica de sua construo. Poderosa como sua experincia foi a reao annima de destruir todos as aes realizadas no territrio, trazendo-o de volta a um lugar de mero terreno, agora sem o par de paredes que traziam a memria da moradia.
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46 47re:uso jardim canad
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48 49re:uso jardim canad
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salvador
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54 55re:uso
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56 57re:uso salvador
Gabriel nast on page 221
Em Salvador, intrigado com as dinmicas do mer-cado imobilirio no bairro de Santo Antnio, Nast instalou gravuras com a ilustrao de uma chave em cada porta que fechava edifcios vazios, sem cuidados dirios e deixados runa. Casa centen-rias em uma vizinhana bomia foram compradas e trancadas, espera de uma valorizao da rea para ento serem revendidas.
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58 59re:uso salvador
Ricardo villa on page 221
Seguindo com as experimentaes em esculturas/estruturas de concreto, Villa apresenta Firma Ponto, tamborete construdo com sobras de madeira, referenciado na sincrtica cultura religiosa baiana.
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60 61re:uso salvador
Andr Hauck & Camila Otto on page 221
Durante caminhadas por Salvador Hauck e Otto, ainda se valendo de pro-cedimentos taxnomicos, seguiram na busca por ob-jetos cotidianos deslocados de suas funes originais, desgastados pelo tempo e modificados por esses usos alternativos.Aqui o inventrio se faz por meio do registro fotogrfico dos objetos no local, incorporados a arquitetura, resultando em uma coleo de composies e inter-venes acidentais.
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belm
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68 69re:uso belm
Rafael RG on page 221
Algumas pessoas dizem quetudo isso no passou de umWorkshop, outras dizem quefoi uma carta que me trouxeaqui. Outras porm, acredi-tam que esse tempo todo,no foi nada alm de um finalde tarde numa mesa do Bardo Parque acompanhado demuitas Cerpas e de pessoasque passaram na minha vidaquando eu estava vivendo elfuturo del Amor.
O projeto El futuro del Amor tinha como premissa ampliar, atravs de manifestaes artsticas pblicas, toda a gama de sentimentos envolvi-dos no encontro afetivo entre os artistas Welligton Romrio (PA) e Rafael RG. A inscrio do projeto junto ao JA.CA tinha como objetivo principal promover o reencontro entre os artistas na cidade de Belm do Par.
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70 71re:uso belm
Pag. 70Poema realizado por Rafael RG para integrar o trabalho de con-cluso de curso (tcc) de Welligton Romrio. (Alguns meses depois do RE:USO)
Pag. 71 Carta enviada a Rafael RG por Welligton Romrio publicada no projeto 3.178km em 645 horas. (Alguns meses antes do RE:USO)
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72 73re:uso belm
C.L. Salvaro & Yurri Barros on page 221
C.L. Salvaro e Yuri Barross derivas em Belm embarcaram em uma jangada no rio Guam. De sobras da construo na UFPA e materiais encontrados no centro da cidade, a jangada foi lanada ao rio.
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74 75re:uso
re:uso exposio & publicao
Exhibition & publication on page 221
No dia 01 de Agosto, com a parti-cipao dos artistas residentes
e a presena de Rafael RG, C.L.
Salvaro, Gabriel Nast, Andr Hauck
e Camila Otto, a publicao RE:USO
foi lanada na Galeria da Escola
Guignard, em Belo Horizonte.
Os artistas expuseram desdobra-mentos das pesquisas iniciadas
alguns meses antes na residncia
itinerante.
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exposio contra escambos
mara berrios
sasha huber
runo lagomarsino
gilda mantilla & raimond chaves
pedro marighella
pedro neves marques
santiago garcia navarro
leandro nerefuh
beto shwafaty
paulo tavares
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78 79exposio contra escambros
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80 81exposio contra escambros
A matriz colonial desse termo
remete a uma histria de trocas
surreais espelho por pau tinta,
papagaio por ferro cortante,
sino por farinha de mandioca,
tecido por gente. O escambo gesto
inaugural das relaes coloniais
implicou o enfrentamento de
sistemas-mundo estranhos uns aos
outros, mas que logo se reinven-
taram em paralelos, coincidncias
e misturas, estabelecendo assim
uma economia de apropriao e vio-
lncia que envolveu a todos: seja
pedra seja planta seja bicho seja
humano. Ser que los espaoles
vencieran a los ndios con ayuda
de los signos? El problema del
otro. Joguemos o jogo do artista
como arquelogo dos tempos.
A Amrica h trinta mil anos
atrs: todos os amerndios compar-
tilham de um velho fundo cultural
comum, onde se radica o perspec-
tivismo. Em seguida, preciso
recordar que o tecido sociocultu-
ral das Amricas pr-colombianas
era denso e contnuo: os povos
indgenas estavam em interao
constante, intensa e de longo
alcance: ideias viajavam, objetos
mudavam de mos entre pontos
muito distantes, as populaes se
deslocavam em todas as direes.
Tempos depois, com os sucessos
arqueolgicos e etnolgicos e a
voga do primitivismo, da banana
e da arte africana, no comeo
do sculo XX, era natural que a
metfora do canibalismo entrasse
para a semntica dos vanguardistas
europeus. Mas o canibal no
passou de uma fantasia a mais
DADA que procurava assustar as
mentes burguesas da europa.
J a ideologia antropofgica
pindorama a de consumir o
consumo num counterstrike consum
se desenvolveu bem no meio e s
margens do salve-se-quem-puder
modernoso, que causou uma
tremenda ressaca internacional
de arte moderna. Mesmo a negresse
ou negromania das vanguardas
europeias continuou relatada
como sendo uma histria alva.
Se, assim como o canibalismo, o
escambo serve de metfora (do tipo
histrico-antropolgico-especula-
tiva), Contra Escambos apresenta
uma tentativa pequena de manipular
as relaes de poder simblico das
coisas e suas mutaes de valor na
troca, nesse sculo XX (bis) e XXI.
Contra Escambos proposta como
uma maneira gestual, simblica,
performtica de lidar com narra-
tivas culturais, vetores polticos
e matrizes econmicas do nosso
passado colonial-moderno, que
ainda persistem e se manifestam no
presente. Trabalhamos com a ideia
de que modernismo e colonialismo
sempre foram duas faces de uma
mesma moeda de troca. Trabalhamos
com a ideia de que enclaves de
primitividade serviram como os
melhores laboratrios de moder-
nidade. Trabalhamos com a ideia
de que certos objetos de troca
signos smbolos commodities so
carregados de um certo poder de
colonialidade. A colonialidade do
poder foi e continua sendo uma
estratgia da modernidade, desde o
momento da expanso da cristanda-
de para alm do Mediterrneo hacia
Amrica-sia, que contribuiu para
a auto-definio da Europa e foi
parte indissocivel do capitalis-
mo, desde o sculo XVI. A histria
do capitalismo muitas vezes apare-
ce como um fenmeno europeu e no
planetrio, do qual todo o mundo
partcipe, mas com distintas
posies de poder. Um caso curio-
so: a Itlia, quando colonizou a
Somlia, levou a banana para l.
escambo: transao de bens e servios entre duas ou mais partes.
Contra EscambrosExperincias Imaginativas nos Trpicos imaginative experiences in the tropics On pAgE 222
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82 83exposio contra escambros
Um lugar que no tinha banana
mas que passou a ter, por uma
associao que os italianos faziam
da fruta com aquele territrio. A
colonialidade do poder um eixo
que organiza a diferena colonial
e coloca a periferia como natureza
e a natureza como periferia. E
um outro eixo Amaznico-Andino
tenta resistir ao aplastamiento
total. Enquanto homens primitivos
escreviam com seus pauzinhos na
caverna, a deusa branca Umbelina
Valeria reproduzia a selva em sua
exuberncia vulvnica. Quem, eu?
Tem culpa eu?
Cada vez mais projetos de
arte tratam de interferir e/
ou processar os grandes fluxos
econmicos e socioculturais que
atravessam todas as esferas da
sociedade. Investigamos a ideia de
arte global. E como essa chamada
arte global lida com realidades
e materialidades locais frente a
discursos globais. nosso roteiro
contra escambado cruza narrativas
globalizantes e outras aes que
ficam margem disso, e encontra
seu foco em histrias e rumores,
legados coloniais e contra-ata-
ques, e remediaes do espao
urbano. A proposta de intercmbio
interregional Redes Funarte
da qual esse projeto recebeu
um dinheirinho gubernamental
encontra seu paralelo num
histrico de escambo, referente
colonial de relaes de troca
de objetos entre povos objetos
esses que so sempre impregnados
de um complexo significado cultu-
ral, social e econmico.
Configurado como uma mostra-encon-
tro itinerante, Contra Escambos
articula uma seleo de obras
de arte, material de arquivo e
pesquisas visuais como ponto de
partida para o debate aberto e
a realizao de desdobramentos
prticos em cada lugar que se
apresenta. por enquanto, Belo Ho-
rizonte e Recife. Assim esperamos
traar conexes entre determi-
nados impasses locais e os temas
abordados na mostra.
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84 85exposio contra escambros
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86 87exposio contra escambros
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88 89exposio contra escambrosCO
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Distribuio gratuita, proibida a venda. Impresso por Meli-Melo press.
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mar.ca / te.ca / estam.ca / graf.ca
horta comunitria
muro da escola
oficinas deseja.ca
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92 93oficinas deseja.ca
O programa DESEJA.CA nasceu de uma pareceria com a Escola de
Arquitetura e Design da Univer-sidade Federal de Minas Gerais,
com o objetivo comum de propor
aes que modifiquem a relao dos
moradores locais com a comunidade
em que vivem. Localizado na regio
metropolitana de Belo Horizonte, o
bairro Jardim Canad encontra-se
ilhado entre as margens de um
parque natural, uma minerao,
condomnios de luxo e uma impor-tante rodovia federal. A relao
entre esses vizinhos imediatos e
a comunidade local formada por
habitantes, que em sua maioria so
imigrantes recentes, se explicita
em paradoxos recorrentes numa
mescla entre condies de vida
dspares. No bairro, a rede de
servios direcionada para atender
os moradores dos condomnios
de luxo (que vo desde oficinas
especializadas em automveis
importados a um supermercado com
artigos de luxo), bem como a que
atende as mineradoras, maior que
a disponvel para os moradores
locais. Nesse cenrio, o volume
de lixo produzido no bairro
uma sria questo ambiental,
j que na regio no h coleta
seletiva, aterros sanitrios ou
alternativas para um destino mais
responsvel. O problema tornou-se
uma oportunidade para ns na
medida que identificamos que uma
parte considervel do lixo das
micro e pequenas empresas pode ser
reaproveitada, especialmente
a madeira dos pallets, encontrados
em profuso. A inteno do pro-grama DESEJA.CA atuar junto ao
desenvolvimento local. Aps dois
anos de pesquisas, experimenta-es e intervenes no bairro,
o que era um projeto tornou-se um
programa de extenso universitria
com objetivos mais ousados de
intervenes comunitrias.
Uma das mais importantes ativida-
des programada props a formao
de grupos de beneficirios de
projetos da prefeitura de Nova
Lima com foco no empreendedorismo
social e na incluso produtiva
via economia criativa. O programa
de extenso comps-se de projetos
integrados, inspirados em ofcios
tradicionais: ESTAM.CA (estampa-ria), MAR.CA (marcenaria) e TE.CA
(tecelagem). Todos voltados para
a criao e produo de objetos
manufaturados com resduos cole-tados no prprio bairro. Um quarto
projeto (GRAF.CA) propunha desen-volver material grfico para todo o
programa: identidade visual, mate-rial didtico, publicaes, sites
e blogs, flyers de divulgao,
alm de oficinas de encadernao e
papelaria artesanal.
Conseguimos realizar algumas
aes muito interessantes, com
a participao crianas, jovens
e adultos do bairro, alm de uma
rede de parceiros, mas a falta
de recursos do programa impediu
a sua continuidade.
introduo deseja.caIntroduction DEseja.ca ON pAGE 226
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94 95oficinas deseja.ca
CARTOGRAFIAS ECLTICAS DO BAIRRO JARDIM CANADECLECTIC MAPS OF JARDIM CANAD on page 226
Stefano BOERI (2010: 183) levanta
a possibilidade da realizao
de atlas eclticos, que seriam
modos de representao do espao e
do cotidiano da cidade atual, no
somente como uma estratificao de
nveis de realidade, mas tambm
como um modo coletivo de se pensar
o espao. Seriam representaes
com mltiplos pontos de vista
e que fazem um contraponto ao
paradigma dominante, atacando-o
lateralmente. Seriam formas de ob-servao dos territrios habitados
em busca de cdigos individuais,
locais e mltiplos que aproximam o
observador do observado.
Desde 2011, quando se iniciou
o programa DESEJA.CA, vrias
incurses na tentativa de produo
de outras cartografias do Bairro
Jardim Canad, isto , de levanta-mentos cuidadosos e atentos re-alidade local na sua pluralidade,
tem sido realizadas. A primeira
iniciativa de cartografar o bairro
se deu por meio do Workshop Atlas
da Diversidade, com o arquiteto e
designer colombiano Antonio Yemail
do escritrio Oficina Informal,
realizado em maio de 2011, durante
as atividades da Mostra de Design
de Belo Horizonte (articulado
ao Seminrio Internacional de
Design e poltica).
Durante uma intensa semana,
os participantes do workshop
experimentaram novos processos e
metodologias de diagnstico local
e coleta de dados, com o intuito
de possibilitar a criao de redes
subjetivas em um percurso composto
por diferentes atuaes, que no
se reconhecem atravs de uma
escala homognea ou de um formato
pr-determinado, mas sim, pelo
interesse em trabalhar com a ener-
As aes do programa de
Extenso DESEJA.CA pretendem-se
territoriais, isto , nutrem-se
e retornam s singularidades
desta localidade. O objetivo de
empoderamento de uma comunidade
e promoo da qualidade de vida
das pessoas envolvidas implica,
para alm de uma perspectiva
econmica, a valorizao da iden-tidade cultural de grupos locais,
potencializando a construo de
imaginrios compatveis com o ter-ritrio em que vivem. para tanto,
necessrio entender o territrio
como lugar de troca e configurao
de uma rede produtiva e solidria
e, ao mesmo tempo, agregar
valor aos produtos desenvolvidos
coletivamente atravs da coleta de
informaes que possam potenciali-zar uma esttica que incorpora aos
produtos, a localidade e a cultura
de comunidades especficas.
Assim, existe uma enorme
necessidade de desenvolvimento
de parmetros tericos aliados
investigao e experimenta-o por novas metodologias de
cartografia capazes de compreender
e representar a complexidade
da natureza deste urbano to
singular daquilo que local
atravessado por foras globais
que possam, ento, nortear as
aes extensionistas. Os mtodos
tradicionais de representao
do territrio, mesmo aqueles que
se pretendem qualitativos, so
insuficientes para compreender
a frico entre a produo do
espao e os modos de re-produo
social (relao espao-socieda-de). Como forma alternativa de
se observar e se aproximar dos
eventos urbanos contemporneos,
gia disponvel e trazer vnculos
entre diversas formas de vida. Os
mapeamentos foram realizados por
meio de pesquisas histricas e de
campo, tentativas de compreender
dinmicas distintas do lugar,
suas origens histricas e tnicas,
a formao de uma identidade
local, as atividades econmicas
e culturais, os fluxos de
deslocamento, as tipologias de
construes, e as inteligncias
coletivas aplicadas resoluo
de problemas cotidianos.
paralelamente ao workshop de
Antonio Yemail, foram desen-volvido outros dois: de vdeo
documentrio, com o vdeo-artista
colombiano Alejandro Araque, e
de narrativas, edio e publicao
com o artista argentino Javier
Barilaro (do grupo ELOISA
CARTONERA). Sob a orientao dos
artistas latino-americanos, os
diferentes grupos trabalharam em
coletivo colaborando na coleta de
informaes e narrativas do bairro
e criando uma gama de experincias
visuais em linguagens e formatos
diversos.
Seguindo a lgica dos atlas
eclticos de Boeri, a proposta do
Oficina Informal para o Workshop da
Mostra de Design 2011 adotou qua-tro eixos conceituais norteadores:
1) cartografia de coleta (reconhe-cimento do bairro para a gesto de
material local); 2) baixa resolu-o e imperfeio (estabelecer um
marco de restries assumindo-as
como um dado mais trabalhar); 3)
inteligncia coletiva (reaplicao
de tcnicas de solues constru-tivas populares); 4) urbanismo dos
acontecimentos (aes reversveis
no espao pblico). O Atlas seguiu
as diretrizes da construo cole-
juliana torres e natacha rena
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96 97oficinas deseja.ca
tiva de um modelo analtico para a
visualizao da complexidade das
quais se extraram as oportunida-des de desenho, entendendo-se os
mapeamentos como resultantes sin-tticos de uma realidade hetero-gnea: Mapeamento da Diversidade;
Mapemaneto da Diversidade Material
e das Inteligncias Coletivas; Ma-peamento da Diversidade produtiva
e dos Ofcios Emergentes; Mape-amento da Diversidade Cultural e
dos Acontecimentos; dentre outros
inmeros mapas que compuseram
o ATLAS DA DIVERSIDADE DO BAIRRO
JARDIM CANAD.
Nas disciplinas UNI009, ofertadas
entre 2011 e 2012, experimentou-
se estratgias de mapeamento que
explorassem novas tecnologias
digitais para representao e
compartilhamento de informaes
e estratgias de mapeamento
coletivas e participativas. Em
2012, foram produzidos srie de
mapas temticos sobre o bairro que
tinham em comum a experimentao
de metodologias participativas.
Assim foram produzidos mapas
com os jardineiros locais, na
tentativa de cartografar saberes
populares sobre jardinagem, alm
da compreenso dos processos
econmicos e culturais presentes
no bairro e relacionados a esta
atividade que fortemente pre-
sente e representativa das
foras que ligam o territrio
local ao global.
Outro interessante mapa produzido
no mbito da disciplina da gradua-o foi o mapa de desejos e sonhos
de jovens do bairro, realizados
com alunos de escola municipal
local. Neste mapa, esto revelados
sobre o territrio desejos sobre
o prprio bairro, entrecruzados
com planos de vida. No mapeamento
de restaurantes e bares do Jardim
Canad, embora no tenha logrado
uma metodologia colaborativa,
procurou-se revelar, atravs da
visualizao sobre o territrio
de informaes inusitadas como
sobre o cardpio de lugares rela-cionados com alimentao e lazer
, a complexidade das relaes
de mistura de classes que ocorre
no bairro. Ao fim da disciplina,
um grande mapa foi produzido
com a participao de pessoas do
bairro em um evento organizado
em localidade estratgica. Este
mapa colheu informaes de vrias
ordens e permitiu o cruzamento de
questes aparentemente desconexas
e invisveis que atuam sobre o
territrio.
Na pesquisa Novos processos de
projeto, tem-se produzido, dentro
da vertente emprica, mapeamentos
que tem o intuito de traar uma
compreenso da dinmica urbana do
bairro Jardim Canad, considerando
referencial terico sobre proces-sos de reproduo da metrpole
contempornea, nas escalas macro
urbana e micro regional e suas
especificidades nos pases perif-ricos. Abordagens metodolgicas
tradicionais tem se mostrado
insuficientes para a compreenso
crtica dos atuais processos e
dinmicas scio-espaciais, e
grande parte desta dificuldade
decorre exatamente do fato de que
tais processos so muitas vezes
mutveis, instveis e transit-rios. Interessam as metodologias
capazes no s de apreender e
compreender os movimentos da di-nmica urbana contempornea, mas
tambm os princpios e processos
que a originam. Da mesma maneira,
interessa uma abordagem crtica
que considera que a realidade no
se resume ao que est dado empiri-camente, devendo necessariamente
compreender tambm tudo aquilo
que, no sendo dado, merece ser
construdo.
para tanto, a pesquisa segue uma
abordagem experimental, no sentido
de experimentao como vivncia,
como experincia. Neste sentido
o que convencionalmente se define
e separa como pesquisa terica
e como pesquisa emprica estaro
aqui indissoluvelmente imbricados:
nem a pesquisa terica e sua busca
de referenciais e balizamentos
conceituais podem ser compreen-didos independente das situaes
concretas que a fazem nascer,
nem a pesquisa emprica exclui a
elaborao terica e aprofundada
das questes abordadas. Uma e
outra se alimentam mutuamente.
Somente nessa relao dinmica,
pode-se considerar o mapeamento
dos processos de produo e trans-formao scio-espacial do bairro
Jardim Canad na inter-relao
entre as escalas macro-urbana e
micro-local. procura-se articular
mapeamentos que apontam a relao
entre os processos sociais,
fsicos, produtivos e ambientais.
para tanto, alm de se buscar pela
investigao de informaes no
convencionalmente consideradas
em cartografias tradicionais,
interessa uma experimentao de
formas de representar graficamente
o encontro de dados qualitativos
e quantitativos, de maneira a
revelar relaes entre os planos
visveis do territrio e as foras
invisveis que o perpassa, tanto
as locais quanto as globais. Como
as verticalidades e heterotopias
da macro-economia interagem com o
caldo cultural e econmico previa-
mente existente no Jardim Canad?
Os mapas pretendem confrontar,
por exemplo, dados demogrficos
com indcios dos modos de vida
dos vrios estratos sociais que
compem o bairro, principalmente
na maneira como se apropriam dos
espaos pblicos e coletivos. pro-cura-se mapear os atores sociais
importantes para o processo de
implantao de polticas pblicas
e processos de projeto partici-pativos. procura-se reconhecer a
relao entre a conformao da
forma urbana com os espaos da
vida cotidiana, destacando, por um
lado, os mecanismos espaciais da
desigualdade social e, por outro
lado, as tticas de sobrevivncia
que revelem saberes populares na
produo e apropriao do espao
cotidiano.
por fim, importante destacar que
as pesquisas por mapeamentos,
dentro do programa DESEJA.CA, no
se constituem atividades tericas
puras, de observao externa,
neutra e cientfica. Entende-se a
cartografia como uma co-pesquisa,
como uma prxis que no s busca
compreender o territrio, mas
atuar sobre ele e transformar os
atores envolvidos neste processo:
moradores, artistas, estudantes,
professores e profissionais.
Referncias:
BOERI, S. Atlas eclcticos. In: WALKER, E. (ed.). Lo ordinario. Barcelona: Gustavo Gili, 2010. pg.177-204.
OLIVEIRA, B.; RENA, N. S. A. Territrios aglomerados: design e extenso universitria. In: Natacha Rena. (Org.). Territrios aglomerados. 1 ed. Belo Horizonte: Universidade FUMEC, 2010, v. 1000, pg. 12-23.
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98 99oficinas deseja.ca
jan. fev. mar. abr. mai. jun.
Vrias oficinas foram realizadas durante o ano, repassando para a comunidade conhecimentos sobre tcnicas diversas para pbli-cos de diferentes faixas etrias.
chegada de Novos bolsistas e voluntrios para o deseja.ca
--Aberta seleo para novos bolsistas e voluntrios para os projetos oficinas do DeseJA.CA
--Apresentao s pessoas assistidas pelo CRAS e para a Coordenao de Qualificao Profissional do Programa Vida Nova--Apresentao do projeto a um grupo de atividades para senhoras da 3 idade--Encontro com jovens cadastrados no ProJovem na sede do CRAS
mudana
Reunio de Apresentao aos Programas parceiros
Seminrio O DIREITO A CIDADE: O QUE TEMOS EMCOMUM no sesc palladium
--Visita de capacitao dos bolsistas casa da tcnica de tecelagem Vera
--Oficina TE.CA:Aula de Tear de Prego--Oficina TE.CA:Aula de Croch
Oficina ESTAM.CA: Carimbos
semana aberta re:uso
Oficina de Criatividade: Mapas Contempo-rneos
Oficina de Criatividade: bordado da memria
Oficina de Criatividade: MAR.CA
on page 230
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100 101oficinas deseja.ca
workshop carrinho de rolim
Pr-Workshop Horta Comunitria: Reunio e Visita ao Lote
Workshop Horta Comunitria
Visita ao Complexo Paraopeba Mina Mutuca
Passeio orientado: estudo da palavrA COMO IMAGEM
--Chamada para o Workshop Horta Comunitria divulgada
--Mutiro de construo e produo de plaquinhas para o Workshop Horta Comunitria
jul. ago. set.
Workshop Horta Comunitria
Mapeamento de Relacio-namentos no Jardim Canad
Produo de Bolsas para o Grupo da Terceira Idade do CRAS
--Pintura dos muros da horta e produo de elementos construtivos--Preparao das estruturas para o porto de acesso da Horta Comuntria
--5 Encontro TE.CA e Grupo da Terceira Idade do CRAS--Workshop Muro da Escola:Orientado por artistas residentes do JA.CA
Oficina de Pintura do Muro do JA.CA
out. nov. dec.
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102 103oficinas deseja.ca
horta comunitaria
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104 105oficinas deseja.ca
A horta foi um projeto do
DESEJA.CA com o CRAS Centro de
Referncia e Assistncia Social
da prefeitura de Nova Lima.
Atravs de mobilizao de uma
rede de parceiros conseguimos:
terreno cedido por 2 anos,
oficinas para aprendizado de
tcnicas de plantio orgnico,
material para plantio (terra,
insumo, mudas) e uma cerca de
proteo para as plantas.
Realizada atravs de multires
que envolveram os bolsitas do
JA.CA, organizaes sociais
da regio (Instituto primus,
Arca Amaserra, CRESCE, CAC),
pessoas da comunidade, estu-dantes e o Coletivo ppc.
A horta para uso livre e
administrada pela comunidade
desde sua abertura.
Horta comunitriacommunity garden on page 234
horta comunitria
HORTA COlETIVA
MuTIR
O COM MORADORES E INTERESSADOS WORkSHOPS AbERTOS ACORDOS E PlANEJAM
ENTOS
INSuMOS INVENTOS TCNICAS DE PlANTIO
CONST
RuO DA HORTA PlANEJAMENTO DA HORTA ADEQuAO DO ESPAO CONCESSO DOS lOTES
GR
uPO DE TRAbAlHO INTERSETORIAl DA REGIONAl NOROESTE NOVA lIM
A COMuNIDADE VOluN
TRIOS E TCNICOS
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106 107oficinas deseja.ca
GRAF.CA produziu a identidade visual e o material grfico para o workshop. A con-vocatria aberta reuniu moradores, instituies p-blicas municipais e organizaes sociais do bairro Jardim Canad e regio.
utilizando os pallets des-cartados como matria prima, MAR.CA produziu cercas, e placas de identificao em oficinas com a participao da comunidade.
Intervenes no muro da Horta Comunitria. Ca-rimbos artesanais e mscaras de estncil foram utilizadas na oficina do ESTAM.CA para ornar o espao e identifi-car as plantas.
horta comunitria
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108 109oficinas deseja.ca horta comunitria
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110 111oficinas deseja.ca horta comunitria
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112 113oficinas deseja.ca
muro da escola
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114 115oficinas deseja.ca
A pintura do muro, resultou
de uma parceria com a Escola
Estadual Maria Josefina Sales
Wardi. Os artistas residentes
do JA.CA Raquel Schembri e
Estandelau, em colaborao com
as bolsistas do ncleo de estam-paria do DESEJA.CA e alunos do 9
ano do turno da tarde, conduziram
uma oficina que teve durao de
oito encontros. A oficina contou
com a apresentao dos trabalhos
dos artistas residentes, aulas de
criatividade e de metodologia de
trabalho colaborativo. Algumas
dinmicas foram realizadas em
sala de aula antes que a oficina
enfim fosse transposta para a rea
externa da escola. O mtodo de
pintura foi elaborado a partir de
exerccios realizados em sala de
aula, e proposto por um dos alunos
que criou uma malha de pontos que
poderia ser conectado por linhas
gerando diversas formas.
muro da escolaSchool wall on page 234
muro da escola
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116 117oficinas deseja.ca
A oficina realizada para pintar o muro da escola passou por algumas eta-pas, constitudas de experimen-tos criativos e colaborativos que resultaram em um extenso mural multicolorido.
muro da escola
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118 119oficinas deseja.ca muro da escola
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120 121oficinas deseja.ca muro da escola
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studio superfluo
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126 127studio superfluo
A partir de uma rede colaborativa
estabelecida entre o JA.CA, o pro-grama Comunidades Criativas das
Geraes (ao de extenso da Escola
de Design da UEMG), o coletivo
Studio Superfluo Ecodesign (formado
por alunos em fase final de gradu-ao do Instituto Politcnico de
Torino-Itlia) e o Espao Social
Transformar (associao que atua
junto a crianas e adolescentes em
situao de vulnerabilidade social
no Jardim Canad), foi realizada
a oficina de criao e desenvolvi-mento de produtos confeccionados
a partir do reaproveitamento de
madeiras de pallets.
Entre os dias 18 de novembro e
11 de dezembro, ao longo de oito
encontros, sob a orientao e com
o apoio tcnico das entidades par-ceiras, o grupo de 10 adolescentes
moradores do bairro (garotas
em sua maioria) serviu-se da
marcenaria do JA.CA para projetar
e executar quatro propostas um
banquinho infantil em formato de
urso, um pequeno ba, uma poltrona
e uma casinha de cachorro.
Os encontros envolveram um momento
inicial para a definio e criao
colaborativa dos projetos a
serem desenvolvidos e atividades
prticas na marcenaria, em que
os jovens aprenderam princpios
bsicos relacionados execuo
do projeto, desde a escolha,
desmontagem e preparao das
madeiras dos pallets ao corte,
montagem, lixamento e acabamento
dos produtos piloto.
studio Superfluo on page 223
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128 129residncia 2013
beto shwafaty
estandelau
roberto freitas
raquel schembri
daniel toledo & marina camara
residencia 2013
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130 131residncia 2013
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134 135residncia 2013
Residncia 2013Residency 2013 on page 238
O programa de residncias arts-ticas realizado em 2013 apresentou
novidades em relao s edies
anteriores. Pela primeira vez,
foi aberta uma vaga destinada
a pesquisadores, crticos ou
curadores para a realizao de um
projeto de investigao artstica.
O estabelecimento de prticas
colaborativas entre os residentes
e o desenvolvimento de projetos
que partem de processos criativos
mais reflexivos e abertos
participao de outros pblicos
sempre foram preceitos claros nas
residncias promovidas pelo JA.CA.
No campo artstico, as fronteiras
entre reflexo e prtica esto cada
vez mais tnues e no podem ser
confinadas a lugares especficos,
como a Academia ou a galeria. Ao
instaurar o convvio e a troca de
experincias entre pesquisadores
e artistas em uma residncia, o
JA.CA parte do entendimento de que
projetos de pesquisa e de prtica
artstica no so categorias
estanques e apresentam movimentos
e traos semelhantes. Possibilitar
que artistas e pesquisadores
em arte trabalhem lado a lado
contribui para a criao de redes
de trabalho e, em especial, para
a quebra de vises preconcebidas
e idealistas que costumam colocar
em oposio a atuao do artista
e a do crtico de arte. A outra
particularidade da Residncia 2013
foi a participao exclusiva de
residentes brasileiros.
A convocatria que foi aberta em
agosto anunciava a participao
de um artista estrangeiro, contu-do, durante o processo de avalia-o das propostas e contato prvio
com os artistas pr-selecionados o
candidato estrangeiro selecionado,
Alejandro Haiek (Venezuela), comu-nicou comisso que, em razo de
compromissos assumidos com outros
trabalhos, no poderia permanecer
no Brasil durante os meses de
outubro e novembro.
No processo de seleo, o jri,
composto por Brigida Campbell
(artista, professora da EBA-UFMG
e co-fundadora do EXA), Samantha
Moreira (artista e fundadora
do Ateli Aberto, Campinas)
e Francisca Caporali (artista,
professora da Escola Guignard
e co-fundadora do JA.CA),
priorizou propostas que suscep-tveis a colaboraes entre o
grupo e que fossem provocativas
para o contexto da residncia.
Nesse sentido, dentre os projetos
inscritos, seria mais proveitoso
para a iniciativa substituir
a vaga do artista estrangeiro
pela participao de outros dois
artistas brasileiros.
Em meados de setembro, foi
anunciado o grupo final dos
participantes da Residncia 2013,
realizada entre 15 de outubro
e 7 de dezembro de 2013: os artis-tas Beto Shwafaty (Campinas-SP),
Estandelau (Ibirit-MG), Roberto
Freitas (Florianpolis-SC) e Ra-quel Schembri (Belo Horizonte-MG);
e os pesquisadores Marina Cmara e
Daniel Toledo (Belo Horizonte-MG).
foram priorizados projetos que se mostraram mais suscetveis possveis colaboraes originadas no processo de compartilhamento de um espao de moradia e trabalho. Os projetos selecionados estabelecem dilogos e abordam questes, cada um sua maneira, que estreitam as fronteiras entre arte, arquitetura e entre a pesquisa e prtica artstica.
francisca caporali, joana meniconi
e mateus mesquita
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136 137residncia 2013
Beto Shwafaty
beto shwafaty
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138 139residncia 2013
As imagens que seguem integram um projeto em desenvolvimento, que parte de uma reviso e interesse crtico sobre certos episdios do modernismo brasileiro. Por meio de produes fotogrficas documentais, peas textuais e elementos escultricos, certos sistemas estticos e padres de valor j estabelecidos so explora-dos. Ao mesmo tempo que h um encanto pelas promessas e utopias no cumpridas do passado e ao arcabouo de conhecimentos ali gerados h tambm a desiluso que advm da percepo de que estes parecem estar, ainda, em estgio de letargia, de hibernao.
Tudo comea com as curvas: da mu-lher, das montanhas e das ondas do
mar. Em seguida, surge um povo que
necessita de um novo imaginrio
para suportar as exploraes do
passado. H tambm a necessidade
de um lder e de seus agentes,
construindo novos caminhos,
imagens e lugares Dizem que vis-lumbrar aquilo que ainda no foi
ao mesmo tempo em que se percebe
tanto as conquistas como tambm os
fracassos, algo imprescindvel a
qualquer projeto.
Mas h tambm um certo efeito o
qual parece ter se instaurado no
imaginrio cultural local que
exercido por uma paisagem cur-vilnea resultante das curvas de
nvel das escavaes e das picadas
sinuosas que escoavam a minerao.
A partir dessas paisagens, temos
pistas que nos permitem ler certa
parte (aquela dita oficial) da
Arquitetura Moderna Nacional, como
uma possvel inverso complementar
aos vazios deixados pelos ciclos
de minerao do passado, ou seja,
ligada a certos valores arcaicos
oriundos da explorao. Construo
e escavao, um negativo e posi-tivo do outro, sincronizados e em
constante movimento, alimentando
ciclos de explorao e progresso.
Para artistas, arquitetos e outros
hbridos (que seriam depois chama-dos designers, mas tambm podemos
incluir certos tipos de adminis-tradores, poetas e governantes),
o Modernismo significava uma nova
perspectiva, ainda que de difcil
aceitao. Ele pretendia chocar,
revirar os costumes e gostos
burgueses, dar forma a uma nova
ideologia poltica que construsse
uma nova sociedade ao instaurar
novos regimes sociais de produo
beto shwafatyrumores e continuidade de um certo barroco moderno. Notas sobre um projeto em progresso
rumours and continuities of a certain modern Baroque. Notes on a project in progress on page 240
material e subjetiva de vida.
Se o Modernismo europeu propunha
uma limpeza dos ornamentos e
outros penduricalhos como forma
radical e austera de romper com
valores opressivos do passa-do; o Barroco, por oposio ao
Renascimento, era assumido como
anti-clssico, arte bastarda e
radical. Teramos, assim, em ambos
uma atitude de oposio s regras
vigentes. Tal fato permitiria
estabelecer certas comparaes
funcionais entre estas manifes-taes, porm muitas das obras
cones de nossa Arquitetura Mo-derna parecem existir numa lgica
oposta a tal diretriz. Deste modo,
podemos indagar: e se o Modernismo
no passou, em nosso territrio,
de apenas uma releitura, de uma
atualizao de certos valores
do passado ligados a uma forma
peculiar e local de Barroco? Que
resultados poderamos identificar
nessa hiptese?
Para alm dos discursos progres-sistas e promessas polticas de
modernizao, nossa raiz artstica
reside no Barroco. Ele nossa
antiguidade, defendia Lucio Costa.
Mas, o estilo adquiriu tal perva-sividade em nosso territrio, que
se tornou mais do que forma ar-tstica: da profuso de detalhes,
ornamentos e arabescos destinados
a ocupar todo o espao da repre-sentao, ele se transformou em
modo de vida, forma de agir e de
saber, num paralelo s dinmicas
de colonizao (cuja ordem era
ocupar, ainda que desordenadamen-te). Ele se prestou a manifestar
o gosto do poder absoluto, da
aristocracia rural, da burguesia
mercante e do poder catequizante.
No toa que a riqueza do ouro
e da minerao tenham embasado a
beto shwafaty
implantao do estilo como lin-guagem visual do Imprio Colonial,
infiltrando-se consequentemente
na formao da subjetividade e do
imaginrio social.
O discurso em defesa de uma
origem barroca criado por Costa
exemplar, pois afirma que nossa
antiguidade poderia situar-se
numa vertente barroco-jesuta,
vista por muitos como pobre e des-provida de excessos, austera como
deveria ser a Arquitetura Moderna
e ao mesmo tempo nica, pelo modo
singular com que o Barroco fora
implantado originalmente pelas
misses catequizantes. H tambm
os impasses envolvidos na constru-o do Grande Hotel em Ouro Preto,
cujo projeto arquitetnico-moderno
de Niemeyer, defendido por Costa,
gerou enorme controvrsia sobre
o modo (por vezes arbitrrio)
pelo qual a Histria encarada e
intervenes em seus patrimnios
realizadas. a partir destas
linhas que podemos observar a
recuperao e permanncia do
Barroco, no como estilo mas como
lgica que influenciou o modo
pelo qual a Arquitetura Moderna
Nacional se construiu, a reboque
dos novos poderes nacionais.
Ento, o principal programa desse
Modernismo, cuja antigidade
reside no Barroco, serve cons-truo (ou melhor, ao remake)
de um imaginrio de poder. So
imagens, formas e esquemas de
representao, ligados a um tipo
de atuao que no se encara como
colonial mas que, contraditoria-mente, se ancora nesta condio
passada. Um Barroco Moderno, cujo
corpo de ideias gera um projeto
esttico pautado numa constante
de variaes formais atravs do
tempo, que revelam no ruptura mas
continuidade. Continuidade esta
que extrapola a esfera formal e
ao final, revela propsitos hist-ricos, econmicos e ideolgicos
similares.
Esta contradio no era to clara
na primeira metade do sculo XX,
quando houve certa coincidn-cia entre os planos estticos
de vanguarda e as ideologias
polticas progressistas, as quais
despontavam como promessas de
desenvolvimento tanto econmico
quanto social. Mas se lembrarmos,
por exemplo, do passado do lago da
Pampulha como rea de minerao
e seu complexo arquitetnico-
moderno como marcos de uma nova
paisagem imobiliria em expanso,
podemos entend-los como faces
de uma mesma moeda: explorao e
progresso. E tais movimentos ainda
ecoam nos modos em que certas
esferas atuais do poder fazem
uso de um vocabulrio estti-co-arquitetnico-moderno para
materializar sua presena pblica
atravs de edifcios suntuosos,
brancos, de concreto, envidraados
e com azulejos (nestes h algo de
tecnolgico e abstrato, de simples
e icnico). So certamente cons-trues despidas da excessiva or-namentao e detalhes do Barroco,
porm, ao tomarmos certa distncia
parecem eles mesmos ornamen-tao em escalas monumentais,
encravadas em nossa paisagem. H
nesses atos monumentais, nesta
vontade construtiva, um potencial
destrutivo sobre certas ordens
naturais. H, nesses edifcios,
muita forma e pouca funo. Faltam
ateno aos detalhes, ao que
diminuto, escala humana. So
construdos, quase sempre, numa
situao provisria e apartada que
se faz permanente.
Entre uma raiz Barroca-festiva e
uma vontade de ordenao Moderna-
construtiva, os equipamentos
utilizados pelo poder assumem,
ento, um status pseudo-moderno.
Parecem algo inerente paisagem,
um elemento local. Mas tal
entonao mascara sua alienao
contextual. So trompe loil, ilu-so e deformao, como no Barroco.
So dispositivos que encarnam, ao
final, a toada de antigos regimes,
atravessados por plos opostos
que anulam a possibilidade de
construir uma outra paisagem,
histrica e social. A nossa
Arquitetura Moderna, curvilnea
e sensual, tambm Barroca,
colonial e mineral.
E partir destes episdios
histricos que podemos encontrar
as origens de certas controvrsias
atuais, como por exemplo das pos-sveis relaes entre a explorao
do minrio nibio e os recursos
utilizados na construo da nova
Cidade Administrativa do Estado de
Minas Gerais, num caso cercado de
rumores sobre envolvimentos entre
esquemas de corrupo, desvio
de recursos pblicos e at mesmo
contrabando desse minrio. Assim,
do ouro ao nibio, do colonial
Barroco ao Moderno sensual, das
Minas Gerais ao Rio de Janeiro,
do interior explorado ao porto-
-capital o Barroco Moderno parece
nunca ser infra-estrutural, mas
composto de rumores e episdios
que se constituem como belas
e raras excesses.
A seduo pelas formas ainda
beto shwafaty
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140 141residncia 2013
persiste. No h mais metais
preciosos para embas-la e sim
novas terras raras, gerando re-cursos para a construo de palcos
do poder, porm de uma velha
histria. Triste fim para esse
Modernismo, que no se deglutiu e
virou tradio, no pior sentido.
Perdeu-se pela falta de ruptura
com uma ideologia manca e colo-nial. Estaramos, assim, fadados
a ser eternamente Barrocos? Mas a
realidade que, talvez, ainda no
tenhamos sido de fato Modernos.
beto shwafaty
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142 143residncia 2013 beto shwafaty
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144 145residncia 2013 beto shwafaty
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estandelau
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150 151residncia 2013
[...] Quem comanda a narrativa no
a voz e sim os ouvidos [...].
Com esta frase, Estandelau apre-senta um dos desenhos que compem
o projeto que realizou durante
a residncia do JA.CA, Atributo
dos figurantes. Neste trabalho o
artista constri, para algumas das
famlias, brases cujas imagens
so criadas por eles prprios
atravs de parmetros estabele-cidos por uma entrevista escrita
e filmada. Atravs da construo
destes brases, Estandelau busca
conhecer esse territrio domi-nado, se esquivando, assim, de
discursos previamente construdos
a seu respeito.
Os brases podem ser descri-tos como jogos de composies
realizadas a partir de elementos
que fazem sentido para o sujeito
a quem se refere. Uma espcie de
decupagem da realidade por ele
vivenciada. A maior dificuldade
enfrentada por Estandelau foi,
no entanto, encontrar aqueles que
deste jogo quisessem participar,
tarefa que realizou ainda que se
deparando com resistncias ou
mesmo negativas, como o artista
se refere no disponibilidade
de alguns abordados. Felizmente,
outras famlias foram, por fim,
receptivas, fazendo com que
Estandelau criasse por exemplo,
para Dona Aurinha, um braso
cujo smbolo central foi Nenego,
o passarinho que a faxineira,
original de Macei, diz ser como
ela, mantendo-o em uma gaiola.
Mas os brases executados por
Estandelau so mesmo simples
representaes daqueles para
quem so feitos? Ou, ao invs de
afirmar algo sobre eles, colocam
perguntas a ns e a eles
prprios sobre seus contextos
de vida, seus valores e seus
smbolos?
Nos parece que o que faz o artista
neste trabalho se aproxima mais da
subverso das relaes semiticas
em que um smbolo assume o
lugar de algo ou de algum ,
fazendo com que se opere a no
uma simples representao, uma
relao direta e causal uma
narrativa linear , mas sim algo
que nos remete chamada nova
ficcionalidade1, termo usado pelo
filsofo Jacques Rancire para
dizer sobre um determinado arranjo
dos signos da linguagem que indis-tingue razo e fico. Indistinguir
razo e fico tomado aqui como
a reivindicao da liberdade de
fazer, declaradamente, aquilo que
toda Histria faz: escrever his-trias. No queremos dizer que os
elementos que compem os brases,
ainda que indicados um a um pela
famlia, desde as cores at os
objetos, configuram uma narrativa
ficcional. Mas sim que, por meio da
interveno de Estandelau, esta
ordenao de signos acaba por
criar uma fenda no prprio sentido
de brasonar, levando-o muito alm
de uma simples relao indicial
sobre aqueles que representa e
propondo, por fim, outras possibi-lidades de pensar suas histrias,
j que, como bem disse Rancire,
o real precisa ser ficcionado para
ser pensado2.
No fortuito, portanto, que
Estandelau atribua, como dito, o
comando da narrativa a quem ouve,
e no a quem narra. Subvertendo a
hierarquia entre quem fala e quem
escuta, este modo outro como o
artista narra sem narrar o torna
parte daquilo de que ele tenta,
atravs de seu trabalho, conhecer.
Ouvindo, ou seja, se deixando
estandelauQuem comanda a narrativa no a voz e sim os ouvidos
He who commands the narrative is not the voice, but rather the ears on page 242
marina cmaraadentrar pela voz do outro e no
narrando ele cumpre aquilo que
havia proposto para si desde o
momento em que projetou este jogo:
compartilhar o ttulo recebido
expresso usada por ele para dizer
sobre ter sido selecionado como
artista residente.
Em outro momento Estandelau escre-ve: Minha rota no Jardim Canad
havia de fato se iniciado. Mais
uma vez eu voltava minha cruz.
Esta misso da qual ele parece
nunca se destacar nos leva a
pensar sobre o extremo compromis-so imposto a si para compartilhar,
construir e dar a ver as formas
de inteligibilidade.
estandelau
1. RANCIRE, Jacques. 2005, pg. 55.
2. Ibidem, pg. 58.
-
152 153residncia 2013 estandelau
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154 155residncia 2013 estandelau
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156 157residncia 2013
roberto freitas
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158 159residncia 2013
1. Digamos que a instalao pbli- ca que Roberto Freitas apresentou
como resultado do perodo de
residncia no JA.CA, em Minas
Gerais, seja exatamente o oposto
de uma instalao pblica. Pri-meiro porque a instalao no pos-sui qualquer carter monumental,
como acontece com grande parte
das obras pblicas, embora no
todas, naturalmente. Mais do que
isso, trata-se de uma instalao
invisvel, ou melhor, camuflada,
escondida na paisagem, fazendo
do prprio desaparecimento um
de seus principais assuntos. De
resto, a instalao foi concebida
no para causar qualquer tipo de
prazer e nem sequer reflexo, e
sim estranhamento e quem sabe at
mesmo algum dano psicolgico.
2. Desde que passei a acompanhar a trajetria de Freitas, creio
que por volta de 2006, o artista
j fazia espcies de mquinas
improdutivas, a partir de certa
compreenso do pensamento de
Duchamp, que poderia ser resumido
da seguinte maneira: o artista no
realiza obras, mas inventa procedi-mentos para que as obras possam ser
realizadas sozinhas. Por um lado,
as mquinas de Freitas podem ter
formas, dimenses e mesmo efeitos
bastante variados, gerando sons,
imagens e/ou movimentos geralmente
repetitivos, sempre inexpressivos,
enfim; por outro, elas no possuem
qualquer funo til. Lembro de
uma instalao que, ao usar aprox-imadamente 2 mil metros de fiao
eltrica, e ocupando duas salas
inteiras de um Museu, era capaz de
produzir apenas uma imagem embaa-da em um pequeno monitor voltado,
alis, para a parede.
3. De l pra c, em sua pesquisa, o artista descobriu novos mecanis-mos, sendo que o principal deles
consiste na possibilidade de que
estas mquinas, atravs de certos
dispositivos de percepo, possam
se relacionar com outras mqui-nas ou mesmo com pessoas. Para
isso, o artista teve que estudar
novos algoritmos e aperfeioar al-guns conhecimentos em programao
de computadores. Suas mquinas
mais recentes, diferente das
anteriores, no apenas so capazes
de notar aproximaes, mas tambm
produzem aes elas prprias.
Dessa maneira, duas mquinas
podem trocar golpes entre elas,
e inclusive se defender, como
o caso de Cedro vs Caxeta, assim
como s mostram do que so capazes
caso o espectador se comporte
adequadamente, a exemplo de Trs,
instalao realizada recentemente
no SESC Pompia.
4. A mquina realizada para o
JA.CA, Fantasmatogrfico, tambm
possui tais aptides, com a nica
diferena de que foi concebida
para o espao pblico, ou seja,
em algum lugar do bairro. A
instalao, nesse caso, funciona
apenas das 23h s 2h (por assim
dizer, seu horrio de visitao)
e consiste em um objeto cintico
que, com a condio de que algum
caminhe pela regio, projeta
imagens e sons (no caso, um co
ladrando) prximo ao infeliz. De
dia, inclusive pra no dar muito
na vista, o dispositivo recarrega
as baterias atravs de energia
solar. Como os fantasmas, o equi-pamento se esconde muito bem no
topo de uma rvore, protegido por
uma estrutura que tem a aparncia
de um coco e, portanto, no corre
o risco de ser nem mesmo destrudo
victor da rosaRoberto freitasO fantasma do Jardim Canad
The ghost of Jardim Canad on page 244
pela natureza. O objetivo de
funcionar em tal horrio, por
sua vez, bastante claro.
5. Em todo caso, se tudo der
certo, o fantasma projetado pela
instalao vem se confundir a
outros fantasmas que, segundo
pesquisa realizada pelo artista,
povoam o imaginrio do bairro.
Assim como vem nos lembrar,
atravs tambm da citao aos
primeiros cinematgrafos, de uma
intrnseca relao entre imagem
e morte, arte e apario. Seja
como for, assim como a arte, os
fantasmas sero sempre estranhos,
salvo engano, e por isso seguiro
nos ensinando que o nico jeito
de saber que estamos vivos
atravs da nossa capacidade de
surpresa, pasmo e susto com o
mundo seja com o mundo da arte
ou o mundo dos fantasmas.
roberto freitas
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160 161residncia 2013 roberto freitas
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162 163residncia 2013 roberto freitas
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166 167residncia 2013 roberto freitas
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168 169residncia 2013
Chegar em Belo Horizonte
dramtico, j do avio se pode
perceber a particularidade da
paisagem. Um mar de montanhas
cerca a cidade e em meio, grandes
feridas abertas pelas mineradoras.
Entre a serra do Rola Moa, o
Retiro das pedras e uma gigantesca
extrao de minrio de ferro, o
Jardim Canad um repetido mar e
particularidades. Uma periferia
onde a pobreza evidente compartil-ha espao com galpes industriais
e lojas de produtos para ricos,
como quadriciclos e obras de
arte. O resto parece to normal
no contexto das desigualdades
vertiginosas em que vivemos.
O Primeiro problema que me in-trigou foi o da mina em atividade
localizada a trezentos metros
do meu novo espao de trabalho.
possvel avistar a mina
praticamente de todo o bairro com
exceo dos lugares mais baixos
sua presena se faz sentir pelas
detonaes, que ocorrem nas teras
e quintas feiras.
Uma minerao o exerccio de
subtrair uma paisagem, desmont-la
com explosivos e coloc-la aos
poucos em grandes caminhes, que
parecem minsculos quando dentro
da mina. O segundo exerccio
o de transferir a montanha
desses caminhes para trens
ainda maiores. Os trens vo para
o litoral e a montanha ruma nos
pores de navios at a China; esse
o terceiro exerccio.
Enfim a atividade econmica mais
importante do Jardim Canad
enviar sua paisagem para China
que, em troca, paga pouco mais de
13 centavos de dlar o quilograma.
Parece um grande modelo de
negcio, muito lucrativo. Mas o
Jardim Canad pobre, e sua popu-lao, que j tem pouco, vai sendo
destituda da prpria referncia
geogrfica. Me pareceu inelutvel
que os buracos na paisagem se
transformem em somticos buracos
no corpo de quem foi dest