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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS ELAINE OLIVEIRA SOUZA O PROCESSO CRIATIVO E O TRANSTORNO DEPRESSIVO EM VAN GOGH NATAL 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES

CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

ELAINE OLIVEIRA SOUZA

O PROCESSO CRIATIVO E O TRANSTORNO DEPRESSIVO EM VAN GOGH

NATAL

2017

ELAINE OLIVEIRA SOUZA

O PROCESSO CRIATIVO E O TRANSTORNO DEPRESSIVO EM VAN GOGH

Monografia apresentada à

Universidade Federal do Rio Grande

do Norte como requisito parcial para

a obtenção do título de Licenciada

em Artes Visuais.

NATAL

2017

ELAINE OLIVEIRA SOUZA

O PROCESSO CRIATIVO E O TRANSTORNO DEPRESSIVO EM VAN GOGH

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para a obtenção do título de Licenciatura em Artes Visuais.

Orientador: Prof. Dr. Vicente Vitoriano Marques Carvalho

Natal,_____de dezembro de 2017

BANCA EXAMINADORA:

_____________________________________________________ Profo. Dr. Vicente Vitoriano Marques Carvalho

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

_____________________________________________________ Profa. Dra. Laís Guaraldo

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

_____________________________________________________ Profa. Dra. Bettina Rupp

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Dedico meus agradecimentos àqueles que me ajudaram a superar obstáculos e a

desenvolver esse trabalho: aos professores, amigos e família, meu muito obrigada.

“O que sou eu aos olhos da maioria das pessoas? Uma não

entidade, ou um homem excêntrico e desagradável – alguém que

não tem e nunca terá posição na vida, em suma, o menor dos

menores. Muito bem, mesmo que isso fosse verdade, devo querer

que o meu trabalho mostre o que vai no coração de um homem

excêntrico e desse joão-ninguém”

Carta no 218 (21 de julho de 1882)

RESUMO

O trabalho discute as influências do Transtorno Depressivo sobre o processo criativo e sobre a obra do artista Vincent van Gogh, através da leitura de imagem das obras: “Still Life – Vase with Fourteen Sunflowers” (1889), “Starry Night” (1889) e um autorretrato (1889). Para isso, foi discutida a abordagem da Gestalt, voltada para aspectos psicológicos e artísticos, e do Transtorno Depressivo, de acordo com o DSM-5. A leitura ainda tem base na fala do pintor em cartas ao seu irmão Théo. Elementos visuais específicos como cor e formato ganharam destaque durante as análises e foram relacionados a fundamentos da Gestalt e da psicanálise junguiana. Essa pesquisa auxiliará quando a temática for Transtorno Depressivo considerando uma relação ativa com as artes visuais. Será possível analisar a influência da depressão numa expressão artística visual ou, ter como referência a leitura de imagem utilizada como método para processos terapeúticos e/ou tratamentos alternativos.

Palavras-chaves: Transtorno Depressivo; Vincent van Gogh; leitura de imagem.

ABSTRACT

This work discusses, through image reading, the influences of Depressive Disorder on

Vincent van Gogh’s creative process, with a focus on the following works: “Still Life –

Vase with fourteen sunflowers” (1889), “Starry Night” (1889) and a selfportrait (1889). In

order to do this, I discuss both Gestalt's approach, which is focused on psychological

and artistic aspects, and the DSM-5 definition of Depressive Disorder. The analysis is

also based on the painter’s written expression in letters to his brother Théo. Specific

visual elements, such as colors and formats, gained prominence during analysis and

were linked to fundamental elements in Gestalt's theory and in Jungian psychoanalysis.

This research aims to help in dealing with the issue of Depressive Disorder, through an

active participation in the visual arts. It will be possible to analyze the influence of

depression in visual artistic expression and use image reading as a referential method

in therapeutical processes and other alternative treatments.

Keywords: Depressive Disorder; Vincent van Gogh; Image reading.

LISTA DE IMAGENS

FIGURA 1 Vincent van Gogh, Red Vineyards At Arles, 1888.............................. 11

FIGURA 2 Vincent van Gogh, Digger, 1882......................................................... 17

FIGURA 3 Vincent van Gogh, Digger, 1882......................................................... 17

FIGURA 4 Vincent van Gogh, Miners Women Carrying Sacks, 1882.................. 18

FIGURA 5 Vincent van Gogh, Carpenters Yard and Laundry, 1882.................... 18

FIGURA 6 Vincent van Gogh, Still Life - Vase With Fourteen Sunflowers, 1889 27

FIGURA 7 (Foto de Jane Perkins) ........................................................................ 28

FIGURA 8 Vincent van Gogh, Still Life – Vase With Fourteen Sunflowers, 1889 29

FIGURA 9 Vincent van Gogh, Coleus Plant in a Flowerpot, 1886........................ 32

FIGURA 10 Vincent van Gogh, Vase with a red poppies, 1886........................... 32

FIGURA 11 Vincent van Gogh, Vase with poppies cornflowers peonies and

chrysanthemums, 1886........................................................................................

32

FIGURA 12 Vincent van Gogh, Vase With Fifteen Sunflowers, 1888.................. 34

FIGURA 13 Vincent van Gogh, Vase With Fifteen Sunflowers, 1888.................. 34

FIGURA 14 Vincent van Gogh, Vase With Fourteen Sunflowers, 1889............... 37

FIGURA 15 Vincent van Gogh, Vase With Fourteen Sunflowers, 1889............... 37

FIGURA 16 Vincent van Gogh, Vase With Fourteen Sunflowers, 1889............... 38

FIGURA 17 Vincent van Gogh, Vase With Fourteen Sunflowers, 1889............... 38

FIGURA 18 Vincent van Gogh, Vase With Fourteen Sunflowers, 1889............... 38

FIGURA 19 Vincent van Gogh, Sunflowers, 1888................................................ 41

FIGURA 20 Vincent van Gogh, Starry Night, 1889............................................... 44

FIGURA 21 Joey Kuhn, Tocados pelo Fogo, 2016.............................................. 45

FIGURA 22 Vincent van Gogh, The Starry Night Over the Rhône, 1888............. 48

FIGURA 23 Vincent van Gogh, Starry Night, 1889............................................... 48

FIGURA 24 Círculo Cromático............................................................................. 51

FIGURA 25 Tonalidades Azul............................................................................... 52

FIGURA 26 Vincent van Gogh, Old Vineyard with Peasant Woman, 1890.......... 55

FIGURA 27 Vincent van Gogh, Road with Cypresses, 1890................................ 56

FIGURA 28 Vincent van Gogh, Landscape with Couple Walking and Crescent

Moon, 1890...........................................................................................................

57

FIGURA 29 Vincent van Gogh, Two Cypresses, 1889......................................... 58

FIGURA 30 Vincent van Gogh, Still Life with Four Sunflowers, 1887.................. 59

FIGURA 33 Vincent van Gogh, Self Portrait, 1889............................................... 61

FIGURA 34 Vincent van Gogh, Self Portrait, 1887............................................... 62

FIGURA 35 Vincent van Gogh, Self Portrait, 1887............................................... 62

FIGURA 36 Rembrandt, Self Portrait, 1642.......................................................... 65

FIGURA 37 Rembrandt, Self Portrait, 1656-58.................................................... 65

FIGURA 38 Rembrandt, Self Portrait, 1660.......................................................... 65

FIGURA 39 Rembrandt, Self Portrait, 1665.......................................................... 65

FIGURA 40 Vincent van Gogh, Self Portrait with Dark Felt Hat at the Easel,

1886......................................................................................................................

68

FIGURA 41 Vincent van Gogh, Self Portrait with Straw Hat, 1887....................... 68

FIGURA 42 Vincent van Gogh, Self Portrait Dedicated to Paul Gauguin, 1888... 68

FIGURA 43 Vincent van Gogh, Self Portrait" with Bandaged Ear, 1889.............. 68

FIGURA 44 Vincent van Gogh, Self Portrait, 1886............................................... 69

FIGURA 45 Vincent van Gogh, Self Portrait with Pipe, 1886............................... 69

FIGURA 46 Vincent van Gogh, Self Portrait with Dark Felt Hat at the Easel,

1886......................................................................................................................

69

FIGURA 47 Vincent van Gogh, Self Portrait, 1887............................................... 70

FIGURA 48 Vincent van Gogh, Self Portrait, 1887............................................... 70

FIGURA 49 Vincent van Gogh, Self Portrait with Straw Hat, 1887....................... 70

FIGURA 50 Vincent van Gogh, Self Portrait, 1889............................................... 71

FIGURA 51 Vincent van Gogh, Self Portrait" with Bandaged Ear, 1889.............. 71

FIGURA 52 Vincent van Gogh, Carta no 652, 1890............................................. 73

FIGURA 53 Vincent van Gogh, Wheatfield with Crows, 1890.............................. 74

SUMÁRIO

Página

1. INTRODUÇÃO................................................................................................... 10

1.1 TRANSTORNO DEPRESSIVO..............................................................

1.1.1 O ARTISTA E O TRANSTORNO DEPRESSIVO...................

1.1.2 ESQUIZOFRÊNICO, DEPRESSIVO, EPILÉPTICO,

BIPOLAR: SOBRE O DIAGNÓSTICO........................................................

1.2 METODOLOGIA E LEITURA IMAGÉTICA...........................................

1.3 GESTALT: PSICOLOGIA E ARTE.......................................................

2. STILL LIFE........................................................................................................

2.1 AMARELO: A COR AMBÍGUA.............................................................

2.2 FORMATO............................................................................................

2.3 “EU TENHO UM POUCO DE GIRASSOL”..........................................

3. “STARRY NIGHT”..............................................................................................

12

15

16

21

24

27

31

36

40

44

3.1 AZUL: A COR PREDILETA..................................................................

3.2 O ILUSÓRIO, IMAGINAÇÃO E SONHOS...........................................

3.3 FORMATO CÍRCULAR........................................................................

4. “SELF PORTRAITS”...........................................................................................

4.1 1886/1889.............................................................................................

4.2 UM SEMBLANTE AMARGO................................................................

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................

APÊNDICE

PLANO PARA A AÇÃO PEDAGÓGICA..............................................

RELATÓRIO AÇÃO PEDAGÓGICA....................................................

50

52

54

61

66

70

73

77

81

83

10

1. INTRODUÇÃO

Atrelada à expressão “mal do século”, a depressão vem ganhando espaço

no contexto das sociedades urbanas cada vez mais individualizadas e

competitivas. O processo de globalização separa países, famílias e relações e,

por seguir nesse caminho, o século XXI vem se moldando cada vez mais a essa

expressão. Mas será que a depressão só ganhou espaço agora, diante deste

contexto?

Cresci vivenciando cenas depressivas. Minha mãe, diagnosticada com

Transtorno Bipolar, oscilava entre a depressão e uma suposta normalidade (fase

maníaca do Transtorno Bipolar), enquanto eu ainda era criança. Ela passava

seus dias deitada, variando entre choros e cochilos.

Curiosidade de criança ou não, sempre tentava buscar uma saída para a

questão do desânimo observada por mim e me questionava, dentro da minha

condição de criança, como encarar essa tristeza profunda de um jeito produtivo.

Um tempo depois, aos 15 anos, já tendo descoberto minha habilidade no

desenho e na pintura, tive minha primeira crise depressiva que devido à genética

ou a outro fator externo, veio de forma semelhante às crises depressivas da

minha mãe as quais presenciei quando criança. Desde então, aconteceram

comigo extensos períodos depressivos, um a cada ano (períodos de, no mínimo,

um mês). Hoje, aos 22 anos, depois de algumas recaídas e muitas produções,

ainda me pergunto: porque, mesmo durante o desânimo, sem querer realizar

atividades necessárias como comer, eu ainda me sinto motivada a produzir, seja

um desenho, uma pintura ou um conto? Porque comigo acontece desse jeito e

com minha mãe não acontecia? Porque sinto essa necessidade de comunicação

comigo mesma através das artes visuais? O que uma pintura de um autor com

depressão pode ter de diferente de um que não a tenha? Posso eu ser mais

sensível que a maioria das pessoas supostamente consideradas normais? A

depressão pode ter influência durante o processo criativo de um artista ou não?

A partir desses e outros questionamentos inicio meu trabalho.

11

Artistas são pessoas sensíveis que encontraram um meio para expressar

sentimentos, antipatias ou críticas. E, se a arte imita a vida ou a vida imita a arte,

num artista diagnosticado com depressão em seu processo criativo e obra

sentimentos e pensamentos serão expressados através de elementos distintos

e específicos que poderão ser descobertos e/ou ocultos através de sua análise.

Diante dos questionamentos particulares sobre a temática “arte e

depressão” e com o objetivo maior de decifrá-los, escolhi um artista que também

conhecesse a depressão vivenciando-a e que, por preferência minha, se

encaixasse no movimento Impressionista, por ter sido marcado por novos

métodos na pintura, e/ou Pós-Impressionista, devido às inovações

características no uso das cores e técnicas, no intuito de encontrar diferentes

meios individuais de pintar. Entre os pintores do pós-impressionismo está

Vincent Willen van Gogh (1853-1890), conhecido pelo uso de cores vivas que

sugerem sentimentos positivos, os quais se opunham ao seu estilo de vida

desprovido de recursos materiais e carente em relação à saúde mental, e formas

menos fieis à realidade consideradas mais soltas, que despertam o imaginativo,

aspecto que se assemelhava ao seu desprendimento das regras sociais e

artísticas já impostas anteriormente. Van Gogh, que dedicou boa parte da vida à

(Figura 1) Vincent van Gogh. Red Vineyards At Arles. 1888.Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

12

sua arte e ao seu amor por ela, e que, em vida, vendeu apenas um quadro, “Red

Vineyards At Arles” (Figura 1), hoje é considerado um dos principais artistas do

pós-impressionismo (HAZIOT, 2012. MARCHIONI, 2011).

Considerar minhas lembranças de infância, dúvidas e noções acerca da

depressão torna o objetivo maior desse trabalho conhecer alguns aspectos da

personalidade do artista a partir da análise de algumas obras que não somente

leve em consideração aspectos artísticos, como também psicológicos e sociais:

a doença, sentimentos e a própria personalidade do artista (Vincent van Gogh),

tentando responder aos meus próprios questionamentos. Para isso, antes da

análise, faz-se necessária uma breve explicação sobre o Transtorno Depressivo

para depois discutir a possível influência da depressão no processo criativo do

artista e em sua obra.

1.1 TRANSTORNO DEPRESSIVO

A tristeza é um sentimento inerente à vida. Desde que o homem começa a

viver em sociedade, passa a lidar com sentimento de expectativa, frustração, e,

consequentemente, tristeza. Todos, sem exceção, passamos em algum

momento da vida, por situações e experiências tristes, mas o que as tornam

negativas ou positivas é a forma como as encaramos e absorvemos as

consequências que elas acarretam.

Encontram-se registros de episódios depressivos desde a antiguidade. Por

exemplo, o Antigo Testamento relata a história do Rei Saul e o “mau espírito”

que o teria possuído. O Transtorno Depressivo foi constantemente considerado

um fardo religioso “diabólico” e/ou romantizado pelos próprios doentes, em sua

maioria artistas que usavam o próprio sofrimento como objeto de trabalho e

sustento de vida. Sendo por motivos religiosos ou artísticos, em ambos os casos

os doentes não recebiam atenção e tratamento adequado devido à falta de

conhecimentos sobre o assunto.

13

De acordo com Agnes (2017), os estudos sobre o transtorno iniciaram-se

com Hipócrates (460-377 a.C.), em 400 a. C., quando ele usou pela primeira vez

o termo “melancolia” para designar perturbações mentais. O termo continuou

sendo usado até meado dos século XII, quando Moses Maimonides (1135–

1204), médico judeu, considerou a melancolia como uma entidade patológica

distinta da que já se conhecia. A partir de 1854, os estudos começaram a

avançar para o mais próximo que conhecemos hoje. O psiquiatra Jules Falret

(1824–1902) descreveu uma condição na qual o paciente experimenta humores

alternados de depressão e mania. Outro, Jules Baillarger (1809–1890),

constatou uma condição na qual os pacientes tornavam-se extremamente

deprimidos entrando em um estado de estupor. Karl Kahlbaum (1828–1899),

associou os estágios de depressão e mania como sendo de uma mesma

patologia. E Emil Kraepelin (1856–1926) descreveu uma psicose maníaco-

depressiva, o que hoje se aproxima do conceito do diagnóstico para Transtorno

Depressivo-Bipolar.

Ainda nos avanços da medicina psiquiátrica, Freud (2011, p. 46-47) afirma

que

a melancolia se caracteriza por um desânimo

profundamente doloroso, uma suspensão do

interesse pelo mundo externo, perda da

capacidade de amar, inibição de toda atividade e

um rebaixamento do sentimento de autoestima,

que se expressa em auto recriminações e auto

insultos, chegando até à expectativa delirante de

punição.

Ele concebeu a depressão como sendo um processo dinâmico e individualizado.

Atualmente, a depressão é caracterizada como sendo um estágio

prolongado de melancolia. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de

Transtornos Mentais DSM-5 (2014, p. 202), o Transtorno Depressivo Maior-161

14

é caracterizado por episódios distintos de pelo menos duas semanas de duração,

“envolvendo alterações nítidas no afeto, na cognição e em funções

neovegetativas, e remissões interepisódicas”. Confirmando a presença de cinco

ou mais dos nove sintomas expostos pelo DSM-5 é possível confirmar o

diagnóstico da depressão. Os principais sintomas são:

1. Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, conforme

indicado por relato subjetivo (p. ex., sente-se triste, vazio, sem esperança) ou

por observação feita por outras pessoas (p. ex., parece choroso). (Nota: Em

crianças e adolescentes, pode ser humor irritável).

2. Acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as

atividades na maior parte do dia, quase todos os dias (indicada por relato

subjetivo ou observação feita por outras pessoas).

3. Perda ou ganho significativo de peso sem estar fazendo dieta (p. ex., uma

alteração de mais de 5% do peso corporal em um mês), ou redução ou aumento

do apetite quase todos os dias. (Nota: Em crianças, considerar o insucesso em

obter o ganho de peso esperado).

4. Insônia ou hipersonia quase todos os dias.

5. Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observáveis por outras

pessoas, não meramente sensações subjetivas de inquietação ou de estar mais

lento).

6. Fadiga ou perda de energia quase todos os dias.

7. Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada (que podem

ser delirantes) quase todos os dias (não meramente autorrecriminação ou culpa

por estar doente).

8. Capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, ou indecisão, quase

todos os dias (por relato subjetivo ou observação feita por outras pessoas).

9. Pensamentos recorrentes de morte (não somente medo de morrer), ideação

suicida recorrente sem um plano específico, uma tentativa de suicídio ou plano

específico para cometer suicídio. Os sintomas causam sofrimento clinicamente

15

significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas

importantes da vida do indivíduo. O episódio não é atribuível aos efeitos

fisiológicos de uma substância ou a outra condição médica.

1.1.1 O ARTISTA E O TRANSTORNO DEPRESSIVO

Para o senso comum, “artista” é o indivíduo dotado de um dom, de um

talento a mais, capaz de retratar a realidade de um maneira sensibilizada, o que

o torna diferente do esperado. Roberto (2010, p. 13), mestre em psicologia clínica

pela PUCRS e analista junguiano, afirma que “o artista é antena viva da

sociedade e capta, antes de todos, os aspectos inconscientes do coletivo,

antecipando para a mesma”. De acordo com o autor o artista reconhece,

antecipadamente, experiências vivenciadas pela mesma sociedade.

Bachelard (2013, p. 24) diz que “a arte é do artista sobre a matéria, mas é

também da matéria sobre o artista, despertando suas qualidades e moldando-as

enquanto expressão do seu ser”. Seguindo essa linha de raciocínio, o artista é

afetado pela matéria de acordo com sua observação e absorção particulares de

suas próprias vivências e, com isso, ele acaba por transformar-se e transformar

seu modo de fazer arte e observar arte, expressando, a seu modo, seu eu

interior.

Com essas citações é possível afirmar a importância do artista enquanto

representante do seu próprio tempo, sendo possível conhecer essa pessoa

através da sua obra, explorando aspectos sociais e particulares de sua época,

levando em consideração também aspectos descobertos de seu estado de

espírito, ou seja, seus sentimentos internalizados e expressos em seu trabalho.

Schopenhauer, assim como van Gogh, sofria com o transtorno depressivo.

O pensador não descartava a tristeza. Considerava a possibilidade de haver uma

função produtiva para ela na vida de um indivíduo. Sobre como ele se sentia ao

ser tomado por um sentimento melancólico, Solomon (2010, p. 24) cita:

16

“achamos o prazer muito menos prazeroso, a dor muito

menos dolorosa do que prevíamos”, escreveu

Schopenhauer. “Precisamos em todas as épocas de uma

certa quantidade de desvelo, sofrimento ou carência, como

um navio precisa de lastro para manter seu curso correto”.

Apesar do desânimo que, em geral, a depressão causa, muitos artistas

sentem-se “inspirados” durante uma crise melancólica e desenvolvem seus

trabalhos com mais vontade e segurança pela necessidade de externalizar suas

angústias, tornando o momento de produção artística algo prazeroso e até

necessário.

Sobre este aspecto, dentro da relação entre Arte e Psique, Freud (2010),

quando discorre sobre a incansável busca da felicidade, assegura que, mesmo

a arte sendo uma forma de escape aos desprazeres e descontentamentos da

vida, ela ainda assim não consegue ser a cura ou a extinção do problema, ou

seja, da depressão, doença que nada mais é que a expressão psicológica do

sentimento de frustração diante de uma busca falida da felicidade particular.

1.1.2 ESQUIZOFRÊNICO, DEPRESSIVO, EPILÉPTICO, BIPOLAR:

SOBRE O DIAGNÓSTICO

Apesar de ser um dos mais famosos artistas do Pós-Impressionismo,

Vincent van Gogh passou por momentos de muitas inseguranças profissionais e

pessoais que geraram uma pressão interna entre seus familiares. Vindo de uma

família de pastores e comerciantes de arte, van Gogh tentou seguir a tradição

familiar e tentar a vida pelos mesmos caminhos, embora sem sucesso. Aos 15

anos, já acompanhava seu irmão e fiel confidente Théo na profissão de

marchand. Continuou no ramo até descobrir um maior interesse pela religião.

Tentou por diversos caminhos se adequar aos preceitos religiosos e seguir

17

sendo pastor, mas seus esforços não foram suficientes e o consideraram inapto

ao cargo. Foi então que, para impressionar os superiores que o subestimaram

ou na tentativa de se descobrir, decidiu ser um missionário e partir em expedição

evangelizadora, instalando-se em Wasmes, Bélgica - área de mineração de

carvão próxima a Bruxelas, para tratar de doentes incuráveis, passando por

várias privações materiais. A tentativa falhou mais uma vez mas, foi durante esse

tempo que van Gogh pode evoluir suas habilidades artísticas, esboçando

desenhos dos mineradores e paisagens do lugar (Figuras 2, 3, 4, 5), até que,

aos 27, anos decidiu tornar-se pintor profissional.

(Figura 2 e 3) Vincent van Gogh. Digger. 1882. Caneta sobre papel. Fonte: WikiArt.com

18

(Figura 4) Vincent Van Gogh. Miners Women Carrying Sacks (The Bearers Of The Burden). 1882. Caneta e tinta sobre papel. Fonte: WikiArt. com

(Figura 5) Vincent van Gogh. Carpenters Yard and Laundry.1882. Giz sobre papel. Fonte: WikiArt.com

19

Um diagnóstico psiquiátrico preciso não foi dado na época. Por isso não

sabemos exatamente a que doença van Gogh tanto se refere em suas cartas a

seu irmão Théo (VAN GOGH, 2016).

Carta no 574 (23 de janeiro de 1889, p. 323):

[...] a doença veio me interromper.

Carta no 631 (maio de 1890, p. 367):

E eu me deixei ir não sem reflexão, mas sem insistir em

lamentar coisas que poderiam ter acontecido. Dizem que

na pintura não se deve procurar nada, nem nada esperar,

além de um bom quadro e uma boa conversa e um bom

jantar como felicidade máxima, sem contar os incidentes

menos brilhantes. Talvez seja verdade, e por que recusar-

se a aceitar o possível, sobretudo se assim fazendo

enganamos a doença?

Carta no 474 (março/abril de 1888, p. 195):

Estou bem curioso em saber o resultado daqui a um ano,

espero que então eu seja menos incomodado por

doenças. Atualmente há certos dias em que sofro muito,

mas isto não me inquieta nem um pouco.

Carta no 569 (9 de janeiro de 1889, p. 311):

Ora, se eu me recobrar, devo recomeçar e não poderia

atingir novamente estes cumes aos quais a doença

parcialmente me arrastou.

Carta no 571 (17 de janeiro de 1889, p. 321):

Após minha doença eu naturalmente fiquei com o olho

muito, muito sensível.

Carta no 573 (23 de janeiro de 1889, p. 322):

Quando depois da doença revi minhas telas, a que me pareceu melhor foi a do meu quarto [...] Durante minha

20

doença revi cada quarto de nossa casa em Zundert, cada atalho, cada planta do jardim.

Autores como Artaud (2017) defendem que o pintor jamais foi louco. Outras

hipóteses afirmam que seus eventuais surtos (brigas, corte do lóbulo da orelha

e suicídio) foram fruto de uma esquizofrenia, transtorno bipolar e até uma

epilepsia não tratados. Esquizofrênico, epiléptico ou bipolar? Não existe uma

resposta concreta, mas é clara a presença de uma angústia constante em sua

vida pessoal e na carreira de artista, traço que caracteriza o Transtorno

Depressivo. Hoje, já não se pode mais atualizar o diagnóstico do artista, mas

podemos conhecê-lo melhor através de sua obra.

Artaud (2017, p. 26) diz ainda que “Van Gogh era uma dessas naturezas

dotadas de lucidez superior”. Observam-se em um de seus Girassóis, em

cintilante amarelo cromo, ou em um azul da Prússia, em Starry Night,

sentimentos contraditórios e confusos expressos através de cores

predominantes complementares, temas, composições e focos diferentes:

enquanto que no primeiro, ainda que usando o aberto amarelo cromo e cádmio,

conseguia esconder a beleza da flor atrás da morte dela mesma, na segunda

exala a beleza dos reflexos na água de uma noite estrelada, ainda que usando

uma cor fria. Expressava-se sem medo que seu inconsciente ou seus desejos

fossem descobertos e, com isso, conseguiu desenvolver uma linha de criação

autêntica, ao ponto de atualmente reconhecer-se “um van Gogh” de longe. Como

era de sua preocupação, conseguiu deixar clara sua impressão à sociedade e,

principalmente, aos seus sucessores.

O diagnóstico preciso de uma doença mental atualmente acontece através

de um processo que requer tempo e paciência do médico psiquiatra e do próprio

paciente. Os “Transtornos Bipolares” e os “Transtornos Relacionados”, no DSM-

5 Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, foram separados

apesar dos sintomas comuns aos dois. De acordo com o DSM-5 (2014, p. 202), a

característica comum aos Transtornos Depressivos, Transtornos Bipolares e aos

Transtornos Relacionados

21

é a presença de humor triste, vazio ou irritável, acompanhado de

alterações somáticas e cognitivas que afetam significativamente a

capacidade de funcionamento do indivíduo.

O que difere entre eles são “aspectos de duração, momento ou etiologia

presumida”.

Se hoje ainda há grandes chances de erro médico com a escolha de

medicação adequada para cada transtorno, há 120 anos essas denominações e

medicações nem existiam. Por isso, nesse caso pouco importa o diagnóstico

exato. Hoje sabemos que a depressão está envolvida em muitos outros

transtornos mentais, incluindo o bipolar e a esquizofrenia. Não por sua doença

mas através da sua arte e seu amor por ela, Vincent van Gogh tornou-se imortal.

1.2 METODOLOGIA E LEITURA IMAGÉTICA

Em uma leitura de imagem observam-se traços específicos do autor,

aspectos de sua personalidade que envolvem questionamentos de ordens

social, pessoal, econômica, política, dentre outras. Desse modo, o artista

consegue se comunicar com o espectador. E, na vida urbana atual, marcada

pela saturação imagética provocada pelas amplas redes virtuais (PERES, 2008)

que possuem uma enorme capacidade de entretenimento e distração,

construímos uma sociedade cada vez mais ansiosa e imediatista e,

consequentemente, diminuímos o espaço (já bem pequeno) reservado para a

reflexão e/ou contemplação de uma expressão de pensamento mais complexa,

sensível pois requer tempo e atenção. Diante desse contexto, uma leitura de

imagem pode nos proporcionar um momento de aprendizados e (re)descobertas

acerca da própria obra em analise e de nós mesmos.

Segundo Sardelich (2006, p. 460), autores como Freire (1989) e Manguel (2001)

defendem a importância da experiência de vida do leitor como influência para a

22

leitura de imagem, o que faz o processo de leitura imagética ser algo interminável

e não exclusivo, algo a ser diferente para cada pessoa. Comentando Manguel,

Sardelich (2006, p. 460) corrobora que: “nenhuma narrativa suscitada por uma

imagem é definitiva, exclusiva, pois o que vemos é sempre a imagem traduzida

nos termos da nossa própria experiência”.

A autora ainda defende a importância da leitura de imagem na “perspectiva

da compreensão crítica da cultura visual”, visto que realizando esse trabalho

pode-se encontrar outras formas de compreensão acerca da realidade em que

estamos inseridos e vivenciá-la com outros pontos de vista.

A escolha de quatro obras específicas dentre um acervo de 910 pinturas e

1100 desenhos (HISTORY, 2017) de Vincent van Gogh ocorreu através de um

processo de exclusão no qual delimitei os anos de 1889 e 1890 devido à instável

saúde mental do artista. Terminada essa primeira seleção, já reduzida a, em

média, 440 obras (de acordo com o acervo disponível online no WikiArt.com), o

critério de escolha partiu de três principais aspectos: tema (retratos, paisagens,

natureza morta, pintura de gênero, autoretrato), predominância de cores

específicas (amarelo, azul, vermelho) e forma, quanto à repetição e

desenvolvimento destes, o que torna possível a construção de uma “marca”

particular no trabalho de cada artista.

As quatro obras escolhidas foram: Still Life – Vase with fourteen sunflowers.

1889. Óleo sobre tela (Figura 6); Starry Night. 1889. Óleo sobre tela (Figura 21);

Autorretrato, 1890. Óleo sobre tela (Figura 22);

Para analisar as obras, foi usado o método de leitura desenvolvido por

Feldman (1970) e acrescentado por Barbosa (2014). Feldman especifica os

quatro estágios a serem seguidos para a realização da leitura de imagem:

descrição, análise, interpretação e julgamento. Ele acredita que, a partir do

conhecimento sobre a linguagem da arte e do ato de ver, associando princípios

estéticos, éticos e históricos, a capacidade critica se desenvolve. Barbosa

classifica o método desenvolvido por Feldman como sendo um Método

Comparativo (2014, p. 45), o qual propõe formar um olhar crítico em termos de

23

arte e que deve ser analisada através da comparação entre duas ou mais

imagens.

1. Descrição: “prestar atenção ao que vê”.

Identificar e relacionar apenas o que está evidente na obra visual como linhas,

cores, texturas, formas, etc.

2. Análise: “observar o comportamento do que se vê”.

Identificar na obra elementos da composição visual como a organização espacial

das formas, técnica utilizada, temática, entre outros, estabelecendo relações

entre esses elementos.

3. Interpretação: “dar significado à obra de arte”.

Dar significado ao que observou na obra, procurando identificar quais os

sentidos, ideias, sentimentos e expressões intencionadas pelo autor.

4. Julgamento: “decidir acerca do valor de um objeto de arte”.

Emitir juízo de valor sobre a obra: se ela é importante ou não, se tem qualidade

estética, adicionando impressões particulares acerca da obra (experiências,

lembranças, informações).

As obras serão analisadas, levando em consideração também os aspectos

psicológicos relacionados à depressão e aos seus sintomas baseados na

abordagem psicológica da Gestalt (GOMES FILHO, 2009) e em alguns

fundamentos da psicanalise junguiana (JUNG, 1971, 1964, 1985).

24

1.3 GESTALT: PSICOLOGIA E ARTE

Resumidamente, a Gestalt é uma abordagem psicológica experimental que

foi desenvolvida no século XX na Alemanha e que, atuando principalmente no

campo da teoria da forma, consegue agregar temáticas psicológicas e artísticas

através do estudo da percepção, linguagem, inteligência, aprendizagem,

memória, motivação, conduta exploratória e dinâmica nos grupos sociais

(GOMES FILHO, 2009, p. 19). A Gestalt defende ainda a dependência das

partes, ou seja, numa imagem, por exemplo, a dependência de cada elemento

que a constitui e não apenas algumas partes:

Não vemos partes isoladas, mas relações. Isto é, uma

parte na dependência de outra parte. Para nossa

percepção, que é resultado de uma sensação global, as

partes são inseparáveis do todo e são outra coisa que não

elas mesmas, fora deste todo (GOMES FILHO, 2009, p.

19).

Basicamente, a Gestalt se fundamenta através de oito leis e cinco categorias

fundamentais e que também são utilizadas no campo artístico na análise de

obras e/ou imagens. As leis (GOMES FILHO, 2009, p. 29-36) são:

Lei da Unidade: "uma unidade formal pode ser identificada em um único

elemento, que se encerra em si mesmo, ou como parte de um todo [...] As

unidades são percebidas por meio da verificação de relações (formais,

dimensionais, cromáticas etc.) que se estabelecem entre si na

configuração do objeto como um todo ou em partes desse objeto”.

Lei da Segregação: "significa a capacidade perceptiva de separar,

identificar, evidenciar, notar ou destacar unidades, em um todo

25

compositivo ou em partes deste todo, dentro de relações formais,

dimensionais de posicionamento".

Lei da Unificação: "consiste na igualdade ou semelhança dos estímulos

produzidos pelo campo visual".

Lei do Fechamento: “O fator de fechamento estabelece ou concorre para

a formação de unidades”.

Lei da Continuidade: “A continuidade, ou continuação, define-se como a

impressão visual de como as partes se sucedem por meio da organização

perceptiva da forma de modo coerente, sem quebras ou interrupções

(descontinuidades) na sua trajetória ou na sua fluidez visual”.

Lei da Proximidade: “Elementos ópticos, próximos uns dos outros, tendem

a ser vistos juntos e, por conseguinte, a constituírem um todo ou unidades

dentro do todo”.

Lei da Semelhança: “Em condições iguais, os estímulos mais

semelhantes entre si, seja por forma, cor, tamanho, peso, direção e

localização, terão maior tendência a ser agrupados, a constituir partes ou

unidades”.

Lei da Pregnância da Forma: “pode-se afirmar que um objeto com alta

pregnância é um objeto que tende espontaneamente para uma estrutura

mais simples, mais equilibrada, mais homogênea e mais regular.

Apresenta um máximo de harmonia, unificação, clareza formal e um

mínimo de complicação visual na organização de suas partes ou unidades

compositivas”.

26

Categorias Conceituais Fundamentais:

o Harmonia (por ordem; por regularidade);

o Desarmonia (por desordem; por irregularidade);

o Equilíbrio (peso e direção; simetria; assimetria);

o Desequilíbrio;

o Contraste (por luz e tom; pela cor; vertical e horizontal; por movimento;

dinamismo; ritmo; passividade; proporção; por proporção e escala;

agudeza;)

Para a análise de imagens ainda se aplicam as Categorias Conceituais para

Técnicas Visuais Práticas (GOMES FILHO, 2009). Informações sobre essas

categorias e as já mencionadas anteriormente serão melhor aplicadas e

exemplificadas ao longo das análises.

27

2. STILL LIFE

(Figura 6) Vincent van Gogh. Still Life - Vase With Fourteen Sunflowers. 1889. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

28

A proximidade de van Gogh com as flores é notória. A natureza morta

esteve presente em muitos dos seus estudos de cor e luz e, em especial, os

girassóis ocuparam um grande espaço em sua carreira de pintor. Ainda hoje ele

é conhecido pelo tema, sendo inevitável associarmos van Gogh aos girassóis

(Figura 7).

De acordo com seus relatos nas cartas a Théo, ele era dotado de uma

personalidade reclusa, gostava de caminhadas ao ar livre.

Com o olhar apurado de quem transforma o que vê, ele soube representar, tanto

na vida quanto na efemeridade vital das flores, algo a mais que uma mera pintura

de natureza morta. A escolha das cores, a textura da tinta na tela, as diferentes

(Figura 7) Entrada Museu Van Gogh, Amsterdan/Holanda. Foto: Jane Perkins

29

movimentações na pincelada, tudo isso faz com que van Gogh seja um pintor de

grande reconhecimento ainda hoje.

A partir do ano de 1881, van Gogh deu início a uma série de pinturas de

natureza morta à qual deu o nome de “Still Life” (WikiArt.com). Essa série possui

mais de cinquenta estudos e quadros, todos a óleo, sendo uma grande maioria

de flores e, dentre elas, os famosos girassóis.

Na imagem da obra “Still Life: Vase With a Fourteen Sunflowers” (Figura 6),

van Gogh representa alguns dos conhecidos girassóis. A forma da flor está

nítida quanto ao seu significado. A cor amarela prevalece e pode-se ver, ainda

que não se tenha acesso à obra original, o relevo que a quantidade de tinta em

excesso causa na tela. As formas são ligeiramente arredondadas e é

(Figura 8) Vincent van Gogh. Still Life: Vase With Fourteen Sunflowers. 1889. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

30

praticamente incontável a quantidade dos girassóis devido a aproximação entre

eles, o que forma um cenário que, apesar do óbvio acerca do significado visual,

conturba a harmonia do cenário floral que tem frequentemente o belo, o claro e

o limpo como sensações imediatas absolutas.

Elementos como claro/escuro e “sombreados”, de acordo com as “leis”

impressionistas, jamais serão executados com a cor preta. Nessa imagem

(Figura 6), principalmente o verde e o marrom conseguem, num degradê e com

leveza, simplificar o sombreado e dar perspectiva à composição final. Ao fundo,

talvez um suporte ou o próprio chão faz uma linha ao horizonte do espaço

representado, expressando, tecnicamente, um limite na profundidade na pintura.

Ao ampliar a imagem (Figura 8), percebe-se claramente o excesso na

quantidade de tinta. São camadas espessas que juntas dão significado ao

trabalho. Van Gogh ainda utilizava desse método de pintura característico do

movimento impressionista e que compactua com o conceito básico da

abordagem psicológica e artística da Gestalt que defende a ideia da

compreensão do todo antes das partes sozinhas, ou seja, se nos aproximarmos

de obras impressionistas levando em consideração as dimensões e escalas da

obra, não se consegue identificar de imediato sua temática mas, ao

distanciarmo-nos, e assim unificando-a, é possível compreender nitidamente a

obra em si.

Diante dessa comparação, observando as semelhanças conceituais

compartilhadas pelo Impressionismo e pela Gestalt, é possível encaixar a

personalidade de van Gogh nelas. Assim como sua pintura, Vincent van Gogh

não se preocupava apenas com um elemento do trabalho. Estava sempre

empenhado com novos estudos no desenho, no experimento de diferentes

materiais e na mistura de novas cores, sempre comprometido com a excelência

que impunha a si mesmo. Essas características o tornavam um artista por

completo: conseguimos defini-lo não somente por seus atos de “insanidade” e

impulsividade, mas pela perseverança que desenvolvia em si e,

consequentemente, em seu trabalho.

31

Sobre os elementos que compõem uma imagem visual, Dondis (1991, p.

51) diz que

sempre que alguma coisa é projetada e feita, esboçada e

pintada, desenhada, rabiscada, construída, esculpida ou

gesticulada, a substância visual da obra é composta a

partir de uma lista básica de elementos.

Para a autora, os principais e mais conhecidos elementos são o ponto, a linha,

o formato1, a direção, a cor, a textura, a escala, a dimensão e o movimento.

Na imagem da obra em análise (Figura 6), é possível identificar alguns

desses elementos e associá-los entre si e com a própria personalidade do autor,

van Gogh.

2.1 AMARELO: A COR AMBÍGUA

Diferente da maioria das pinturas de natureza morta, de flores em especial,

van Gogh apelava quase sempre ao colorido: as pétalas sempre em destaque

com cores fortes em contraste com o fundo (Figuras 9, 10 e 11). O mesmo não

acontece aos girassóis: alguns quadros possuem o predomínio de uma única cor

variando apenas em tonalidade(s).

1 A tradução para o português dos estudos de Dondis traduz “shape” como “forma”. Adotarei nessa pesquisa, a tradução de “shape” como “formato” visto que o conceito de forma engloba uma variação de elementos do desenho e da pintura, como ponto, linha, tom. Ao meu ver, o “formato” conceitua o objeto representado.

32

Figura 9 Vincent van Gogh. Coleus Plant in a flowerpot. 1886. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

Figura 10 Vincent van Gogh. Vase with a red poppies. 1886. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

Figura 11 Vincent van Gogh. Vase with Poppies cornflowers peonies and chrysanthemums. 1886. Óleo sobre tela.

Fonte: WikiArt.com

33

Eva Heller (2013), pesquisou a relação das cores com sentimentos e qualidade

em um universo de 2.000 pessoas, entre homens e mulheres, de diferentes

idades e profissões na Alemanha. Seu livro inicia com uma porcentagem da

predileção entre algumas cores. O amarelo possui 6% de preferência dentre as

onze citadas (azul, verde, vermelho, preto, amarelo, violeta, laranja, branco,

rosa, marrom e ouro). Sabendo que a influência e aplicação de cores é variável

de país para país e, sabendo que van Gogh era europeu, pode-se usar a

pesquisa como base durante está análise. Ela ainda faz algumas combinações

e estabelece sentimentos para elas. De 9 sentimentos apontados, a cor amarela

misturada a outras cores, costuma ser associada a sentimentos considerados

geralmente ruins: inveja, avareza, ciúme, hipocrisia, infidelidade e egoísmo

(HELLER, 2013, p. 30).

Separadamente, a associação feita pela autora do amarelo com sentimentos

pode ser em partes atribuída a personalidade excêntrica e tímida de van Gogh:

o lúdico e o egoísmo sendo mais presentes em sua vida, a amabilidade e o

otimismo que respondia aos valores que carregava em si de respeito ao próximo

e à natureza, a inveja e o ciúme como uma frustração por não alcançar seus

objetivos mais simples. Como em toda pesquisa (HELLER, 2013) há uma

margem de erro, sensibilizada pela personalidade de Vincent van Gogh,

presumo que avareza e hipocrisia não eram palavras presentes no estilo de vida

simples e humilde vangoguiano.

A interpretação sobre personalidades de pessoas públicas que já não se

encontram mais em vida é uma condição bastante relativa, variando entre

culturas e pensamentos diferentes. Apesar do caráter pessimista que essas

combinações deram à cor amarela, outras versões diferentes podem ser

atribuídas a ela em outras partes do mundo.

O amarelo é a cor do otimismo – mas também da irritação,

da hipocrisia e da inveja. Ela é a cor da iluminação, do

entendimento; mas é também a cor dos desprezados e dos

traidores. É assim, extremamente ambígua, a cor amarela

(HELLER, 2013, p. 152).

34

Ainda sobre aspectos da cor, de acordo com Albers (2009, p. 27), a mesma

cor pode ser usada com diferentes significados, assim desempenhando vários

papéis dentro de uma mesma composição visual. Correlacionando essa teoria e

os inúmeros tipos de tonalidades que se podem criar com uma única cor, é válido

o uso quase predominante do amarelo numa obra. A diferenciação nas

tonalidades priva a obra da confusão, pois atribui diferentes papéis na

composição visual final. Na Figura 12, o vaso, o suporte que está por baixo dele,

o fundo e as pétalas possuem diferentes tonalidades e significações. Por

exemplo, o amarelo mais escuro é a mesa ou o suporte que sustenta o vaso, um

amarelo mais claro que o da mesa faz parte do vaso, as pétalas dos girassóis

variam em tonalidade mais claras e mais escuras dando forma ao objeto e, por

fim, o fundo sendo num amarelo bem mais claro que os demais. Uma estrutura

semelhante compõe a obra da Figura 6 e algumas outras ainda com o tema

girassol (Figura 13).

Figura 12 Vincent van Gogh. Still Life - Vase with a fifteen sunflowers. 1888. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

Figura 13 Vincent van Gogh. Still Life - Vase With a Fifteen Sunflowers. 1888. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

35

Albers (2009, p. 06) ainda defende a ideia de “lembrança da cor” como

sendo uma memória visual. O conceito de “memória” remete a situações,

pessoas ou objetos do passado e que de alguma forma, boa ou ruim, marcaram

a vida do indivíduo. Se falarmos “amarelo” em meio a uma multidão, certamente

várias tonalidades diferentes de amarelo surgirão na cabeça de cada pessoa

presente. Diferentes mas todos amarelos. Diante disso, pode-se afirmar que a

“lembrança da cor” acontece justamente por causa dessa variação de

tonalidades. Um exemplo certo é o amarelo mais alaranjado me relembrar de um

café da manhã na casa da minha avó por causa do ovo com gema mole que ela

fazia e, outro exemplo, um amarelo mais claro me lembrar da cor do casaco

preferido da minha mãe. Falo de tonalidades diferentes mas da mesma cor. Se

não fosse a variação de tonalidades, a mesma tonalidade do amarelo poderia

me remeter lembranças boas e ruins ao mesmo tempo.

Essa “lembrança da cor” certamente acontece na Figura 6. Van Gogh com

destreza utilizava o amarelo, algumas vezes mais outras menos, mas sempre

com um objetivo certo: clarear.

Em 1888 van Gogh começou a ser internado em hospitais psiquiátricos. Ele

sempre considerou a ideia de uma “doença” presente em sua vida mas não sabia

ao certo defini-la: ora tristeza, ora angústia. Desse ano em diante, van Gogh

(VAN GOGH, 2016) começa a falar em loucura

Carta no 601 (5 de julho de 1889, p. 360):

“Durante muitos dias estive completamente alucinado em

Arles, se não pior, e é de se presumir que estas crises

ainda voltarão no futuro; é abominável”.

Carta no 585 (21 de abril de 1889, p. 337-339):

“O que me consola um pouco é que estou começando a

considerar a loucura como uma doença qualquer, e aceito

36

a coisa como ela é, enquanto que, durante as crises,

parecia-me que tudo o que eu imaginava era real” [...].

Carta no 585 (21 de abril de 1889, p. 337-339):

“Agora, você entende que se o álcool foi certamente uma

das grandes causas da minha loucura, ela veio então muito

lentamente, e também será lentamente que ela

desaparecerá, se é que ela desaparecerá, é claro. Ou se

isso vem do fumo, mesma coisa”.

Percebe-se a confusão que se instala em sua mente principalmente ao longo

desses três anos (1888-1890). Particularmente, Vincent van Gogh viveu para

encontrar uma resposta sobre si mesmo, suas questões pessoais, personalidade

e seu modo de trabalhar, de fazer arte. Ele viveu em busca de respostas, de luz,

de clarear, de amarelo.

2.2 FORMATO

Na Figura 6, pode-se dizer que elementos como formato, direção e

movimento compõem a imagem, possibilitando clareza da figura representada e

equilíbrio em relação à harmonia visual na composição. Mas, tomando como

base as leis e categorias da Gestalt, podemos redescobrir outras formas e

aspectos de análise da imagem.

Em “Sttil Life – Vase with Fourteen Sunflowers” (Figura 6), as unidades

sobrepostas formadas pelas pétalas compõem a figura final e total da flor,

girassol (Figura 14 e 15). Isso acontece por que na Lei de Semelhança da Gestalt

há uma tendência a que estímulos semelhantes entre si sejam agrupados e se

formem em unidade(s) (Figura 15) e assim, colocando também a Lei da Unidade

em questão.

37

Depois de saber sobre da Lei da Unidade na imagem e tomando-a como

princípio, pode-se analisar as semelhanças dos estímulos produzidos no campo

visual total: a Lei da Unificação que, nesse caso, assim como a Lei da Unidade

também “unifica” as partes formando o todo, o próprio girassol (Figura 14 e 15).

Dentro dessas leis, integrando as Categorias Conceituais Fundamentais na

composição visual da forma na Figura 6, ocorre principalmente uma desarmonia

por irregularidade e um equilíbrio por assimetria devido aos diferentes modos e

direções na composição de cada pétala formando uma única flor. Para

diferenciar cada pétala foram utilizados recursos que diferenciassem direção,

cor, forma e movimentos através da categoria do contraste por luz e tom assim

como por ritmo também, o que deu harmonia na composição total final.

Figura 14 Vincent van Gogh. Vase With Fourteen Sunflowers. 1889. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

Figura 15 Vincent van Gogh. Vase With Fourteen Sunflowers. 1889. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

38

E, enfim, dentro das Categorias Conceituais para Aplicação de Técnicas

Visuais da Gestalt (GOMES FILHO, 2009, p. 82 e 101), duas em destaque são

contempladas na imagem (Figura 6): a Coerência e o Ajuste Óptico.

A Coerência de uma imagem se “caracteriza por uma organização visual

do objeto em que o resultado formal se apresenta absolutamente integrado,

congruente, sem contradição, equilibrado e harmonioso em relação ao todo”

(GOMES FILHO, 2009, p. 82), ou seja, com as mesmas características de estilo

e identidade visual herdadas do próprio artista e do movimento pós-

impressionista, a distribuição balanceada dos elementos visuais (posição e

direcionamento das pétalas), os contrates cromáticos e jogo de tonalidades da

cor amarela e da própria variação na proporção dos elementos na composição.

Tudo isso concorre para o equilíbrio e harmonia nesta imagem (Figura 6).

Ainda falando sobre as Categorias Conceituais para Aplicação de Técnicas

Visuais da Gestalt (GOMES FILHO 2009, p. 101), o Ajuste Óptico funciona como

um refinamento, atuando, em geral, nas linhas que contornam ou delimitam os

elementos na composição visual total (Figura 16, 17 e 18). Essa categoria se

explica como um tipo de controle ou ajuste visual, ou ainda como um refinamento

no desenho da forma.

Figura 16, 17 e 18 Vincent van Gogh. Vase With Fourteen Sunflowers. 1889. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt. com

39

O posicionamento e direção de cada flor (uma parte das flores virada para

baixo, no canto direito inferior, outra parte apontando para o lado esquerdo

inferior, uma outra ao meio em direção ao próprio espectador) dá uma vitalidade

a mais ao ramalhete, mesmo que as flores já se encontrem despetaladas, sem

vida. Nesse aspecto, Van Gogh conseguiu exprimir com muita naturalidade a

efemeridade na natureza ao colocar em destaque a flor que, mesmo quase

morta, compõe o cenário de forma expressiva fazendo surgir, também, um

sentimento de esperança e perseverança que muito quer dizer sobre sua

personalidade (Cartas no 169, 185, 230 e 544)

Carta no 169 (7 de janeiro de 1882, p. 67): “Eis-me novamente num período de luta e de desânimo, de paciência e impaciência, de esperança e de desalento. Mas é preciso que eu o atravesse”. Carta no 185 (abril de 1882, p. 70): “E é a consciência de que nada (exceto a doença) pode me arrancar esta força que começa agora a se desenvolver, é esta consciência que faz com que eu encare o futuro com coragem, e que no presente eu possa suportar muitos dissabores”.

Carta no 230 (Abril de 1882, p. 87): “Estou possuído pelos novos prazeres que sinto nas coisas que vejo, porque tenho uma nova esperança de fazer algo que tenha alma. Estou a tal ponto lambuzado de cores que há cores até nesta carta;”.

Carta no 544 (Setembro de 1888, p. 277): “Após o continuado esforço de tua e de minha parte, até chegar aqui, agora começa a surgir no horizonte: a Esperança”.

Se observadas por um ângulo frontal, as flores geralmente possuem um

formato circular (incluindo seu centro e extremidades - pétalas). Como

40

representando fiel da natureza, van Gogh também tornou a forma circular

predominante na obra. Os girassóis representados, mesmo que sem pétalas,

possuem o disco (parte central da flor em cor marrom) totalmente circular. Platão

descreveu a psique como uma esfera e, os estudos da relação entre símbolos e

homem de Carl Jung (1964, p. 249) apontam que o círculo é um símbolo da

psique. É possível encontrar outras obras de van Gogh com a presença de

formatos circulares, o que embasa essa teoria. A relação entre o pintor e o

movimento circular, tanto na constância das pinceladas como no formato

irregular tendencioso ao círculo será melhor analisado durante a análise da

próxima imagem (Figura 20).

2.3“EU TENHO UM POUCO DE GIRASSOL”

GIRASSOL. [De girar + sol] S. m. 1. Planta

sublenhosa, de grande porte e ornamental, da

família das compostas (Helianthus annuus), dotada

de grande capitulo com numerosíssimas flores de

corola ligulada amarelo-laranja e de corolo tubulosa

amarelo-pálida, tipo de corola esse que pertence às

flores do disco, as quais têm entre si palhetas

pretas, o que confere ao disco uma tonalidade

escura. O seu fruto é aquênio aristado, achatado e

popularmente chamado semente. [Sin. (na

linguagem cientifica): helianto, verrucária.] 2. Min.

Variedade de opala com reflexos azuis e

vermelhos. [Pl.: girassóis.]

(AURÉLIO, 1986, p. 851)

41

Em um arranjo, na terra ou num vaso, o girassol se destaca dentro de casa

ou em qualquer jardim ornamental. Simbolicamente, a flor de girassol está

trelada ao sentimento de felicidade. A cor amarela e seus variados tons sugerem

um sentido simbólico de calor, lealdade, vitalidade, nutrição e entusiasmo mas,

também pode sugerir um sentimento de avareza, inveja e orgulho (HELLER,

2013, p. 30) assim como outros elementos simbolizados pelo sol, como o leão e

o signo do zodíaco representado por ele.

Figura 19 Vincent van Gogh. Sunflowers, 1888, Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt. com

42

“Eu tenho um pouco o girassol”, disse van Gogh sobre si mesmo (carta no

573, 23 de janeiro de 1889). Diz o popular que somos o que atraímos e atraímos

o que somos. Van Gogh se percebeu nos girassóis e seu encanto com a flor

perdurou, a ponto de hoje ser reconhecido pelos maravilhosos girassóis amarelo

vibrante que ele pintou.

“Still Life” representa uma esperança na efemeridade da vida, a

representação do sutil na morte de uma flor e a beleza disso. “Still Life” é título

para série de flores – natureza morta mas que também se aplica à sua

personalidade de pintor. Ainda há vida para um pintor que sobreviveu com uma

angústia instaurada em si, cravando uma batalha consigo mesmo, para o qual o

único objetivo era caminhar para a completude, satisfação pessoal, felicidade,

girassol.

“Ora, fundir suficientemente depressa esses dourados e esses tons de

flores não é qualquer um que faz, é preciso toda energia e toda atenção de um

indivíduo inteiro” – disse van Gogh (2016, p. 321), explicando a dificuldade de

seu trabalho: no ato de pintar e em se manter “inteiro”.

O uso das diferentes tonalidades cromáticas e formatos possuem uma

forma singular de compreensão, eram usadas pelo pintor de forma contrária aos

seus significados: onde o amarelo significa alegria, utilizou-o com o intuito de

expressar a morte de uma flor e o quão sutil isso pode ser; onde formas e

formatos equilibrados e harmoniosos tendem ao natural, utilizou-os com o intuito

de expressar a imaginação, algo irreal apesar de fácil assimilação.

Aniela Jaffé (1964, p. 250), analista e colega de trabalho de Jung, explica:

:

Nosso ponto de partida é o fato psicológico de que o artista

sempre foi o instrumento e o intérprete do espírito de sua

época. Em termos de psicologia pessoal, sua obra só pode

ser parcialmente compreendida. Consciente ou

inconsciente, o artista dá forma à natureza e aos valores

da sua época que, por sua vez, são responsáveis pela sua

formação. O artista moderno muitas vezes reconhece, ele

43

próprio, a inter-relação entre a sua obra de arte e a sua

época.

Essa fala certamente se aplica a Vincent van Gogh. Ele “sempre foi o instrumento

e o intérprete do espírito de sua época”. Sua obra é tão grandiosa em termos de

qualidade e quantidade que “só pode ser parcialmente compreendida”. Ele tinha

plena consciência sobre sua formação e dava “forma à natureza e aos valores

da sua época”, seja através de suas telas ou pelas cartas deixadas ao irmão.

Van Gogh se tornou um pintor, um poeta, um mestre.

44

3. “STARRY NIGHT”

Figura 20 Vincent van Gogh. Starry Night. 1889. Óleo sobre tela.

45

Além dos girassóis, “Noite Estrelada” (Figura 20) é outra obra muito

característica de van Gogh. Alguns filmes e livros que retratam alguma temática

psicológica relacionada ao ilusório (esquizofrenia, distúrbio bipolar) e/ou crises

alucinógenas geralmente fazem referência a essa obra. Um exemplo é o filme

“Tocados pelo Fogo” (Figura 21. DALIO, 2015). Nele, Carla (Katie Holmes) e

Marco (Luke Kirby) expressam no papel a mentalidade criativa de dois poetas

que possuem o Transtorno Bipolar e que se conhecem durante um período de

internação em um centro de reabilitação psiquiátrica. Na trama, o casal se

envolve afetivamente através da relação entre uma paranoia sobre aspectos

astrológicos e o céu do quadro “Noite Estrelada” de Vincent van Gogh.

O quadro também foi referência para a música “Vincent” de Don McLean

(também conhecida como “Starry, Starry Night”). A música expressa de forma

sensível e poética um pouco do fardo psicológico confuso e da busca interior que

foi a vida de van Gogh.

Figura 21 "Tocados pelo Fogo”, 2016.

Foto: Joey Kuhn.

46

Vincent (Don McLean)

Noite estrelada

Pinte suas cores de azul e cinza

Olhe os dias de verão

Com olhos que conhecem a escuridão da minha alma

Sombras nas colinas

Desenhe as árvores e os narcisos

Sinta a brisa e os arrepios de inverno

Em cores na terra de neve

Agora eu entendo

O que você tentou me dizer

E como você sofreu por sua sanidade

E como você tentou os libertar

Eles não queriam ouvir

Eles não sabiam como

Talvez eles te ouçam agora

Noite estrelada, estrelada

Flores em fogo com chamas brilhantes

Nuvens que giram em uma roxa neblina

Refletem nos olhos azuis de Vincent

Cores mudando de tom

Campos matutinos de grãos âmbar

Rostos cansados com dor

São acalmados pelas mãos afetuosas do artista (Tradução vagalume.com)

Na imagem pode-se observar uma cidade vista de um ponto alto. Casas e

uma igreja ao centro compõem a parte do que representa uma cidade. Um dos

famosos ciprestes está sendo representado também, dessa vez em tons escuros

o que indica a sombra da noite. Podem ser vistas montanhas ao horizonte e, no

céu, elementos arredondados nas cores branca e amarela propõem o brilho das

estrelas e da lua. Há uma movimentação no céu, variando entre tons de azul,

formando uma espiral que sugere a presença do vento refletindo o lado sonhador

de van Gogh.

47

Em 1889, depois de receber um abaixo assinado dos próprios moradores de

Arles, cidade em que morava, Vincent van Gogh decidiu voluntariamente se

internar novamente:

Carta no 579 (19 de março de 1889): Escrevo-lhe de plena posse de minha presença de espírito e não como um louco, mas como o irmão que você conhece. Eis a verdade. Um certo número de pessoas daqui endereçou ao prefeito (acho que ele se chama sr. Tardieu) uma petição (eram mais de oitenta assinaturas) me indicando como um homem indigno de viver em liberdade, ou algo assim. O comissário de polícia ou o comissário central deu então ordem de me internarem de novo. Tanto é que aqui estou por longos dias sob chaves, ferrolhos e guardas no hospício, sem que minha culpabilidade tenha sido provada ou sequer seja provável.

Saint-Rémy-de-Provence é a cidade exibida na pintura. Situada na região de

Provença-Alpes-Costa Azul na França, a cidade acolheu van Gogh em sua

penúltima internação psiquiátrica no monastério Saint-Paul de Mausolé. Apesar

das mudanças e instável saúde mental nesse período, van Gogh produziu mais

de 150 quadros sendo um deles “Noite Estrelada” (Figura 20).

Em seus poucos porém intensos 10 anos de carreira como pintor (dos 27

aos 37 anos de idade), Vincent van Gogh se aproximava cada vez mais do estilo

naturalista de representar sua realidade. Seus estudos e quadros eram

desenvolvidos com base na observação direta e, geralmente, ao ar livre

seguindo a particularidade do Movimento Impressionista, aproveitando ao

máximo a luz natural. Não deve ter sido fácil para um holandês de paleta escura

adentrar no mundo das cores e até, como foi o caso da “Noite Estrelada”, no

mundo da imaginação (Carta no 543). Um grande exemplo dessa transição é a

comparação das duas noites estreladas, uma de 1888 e outra de 1889 (Figura

22 e 23, respectivamente).

48

Figura 23 Vincent van Gogh. The Starry Night. 1889. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

Figura 22 Vincent van Gogh. Starry Night Over the Rhône. 1888. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

49

Carta no 543 (Setembro de 1888, p. 274):

“Eu não ficaria surpreso se você gostasse da Noite

estrelada e dos Campos lavrados, são mais calmas que

outras telas. Se o trabalho andasse sempre assim, eu teria

menos inquietações com o dinheiro, pois as pessoas

viriam mais facilmente se a técnica continuasse a ser mais

harmoniosa. Mas este maldito mistral é bem incômodo

para dar pinceladas que se portem bem e se entrelacem

com sentimento, como uma música tocada com

emoção...”.

Alguns elementos presentes na última “Noite Estrelada” já vinham sendo

estudados pelo artista: estudo de cores visando uma pintura monocromática;

variação de tons, suas combinações e utilidades; diferentes possibilidades de

pintar experimentando o que daria um novo ritmo à pintura, etc.

Jaffé (1964, p. 246), faz referência a Herbert Kuhn e especifica dois estilos

de representação: o sensorial e o imaginativo. Ela diz que Herbert Kuhn

tentou estabelecer uma distinção entre o que chamo estilo

“imaginativo” e estilo “sensorial”. O estilo “sensorial” faz

uma reprodução direta da natureza ou do assunto do

quadro. O “imaginativo”, por seu lado, apresenta uma

fantasia ou uma experiência do artista, de maneira “irreal”

e sonhadora, e algumas vezes “abstrata”.

Na “Noite Estrelada” de 1889 (Figura 23) o pintor utilizou uma técnica que

fugia dos princípios naturalistas do impressionismo (estilo “sensorial” citado

acima): usou sua imaginação (estilo “imaginativo”) numa lembrança de uma

paisagem observada anteriormente da janela do seu quarto em Saint-Paul.

50

Vincent van Gogh observou, absorveu e representou a paisagem e pôde unir

realidade e imaginação numa composição onde seus sentimentos mais

significaram do que uma técnica naturalista perfeita e assim conseguiu obter

reconhecimento do sentimento e do sensível expressos em seu trabalho.

3.1 AZUL: A COR PREDILETA

De acordo com Heller (2010, p. 23), a cor azul possui 111 tons e

nomenclaturas diferentes, tem 45% de preferência e apenas 1% de rejeição num

universo de 2.000 pessoas dentro da pesquisa realizada por ela na Alemanha.

É visível a predileção de van Gogh pela cor azul diante da “Noite Estrelada”

(Figura 24). Dentro da psicologia das cores, o azul é a cor da simpatia e da

harmonia. É considerada cor fria e possui efeito calmante. Está ligada a “todos

os sentimentos bons que não estão sob o domínio da paixão pura e simples”.

Na perspectiva do senso comum, associamos o azul ao céu, ao eterno, ao

sagrado. O que vem do céu é bom. A perspectiva, com a presença do azul,

produz a ilusão de espaço, grandeza, distanciamento, devido às cores à

distância serem recobertas por camadas de ar (HELLER, 2013, p. 24).

A perspectiva produz a ilusão do espaço. As cores podem

também produzir perspectiva. Ao se observar uma

composição cromática composta por azul-verde-vermelho,

o vermelho vai aparecer em primeiro plano, o azul será o

mais afastado e distante. A regra: uma cor parecerá tanto

mais próxima quanto mais quente ela for; e tanto mais

distante, quanto mais fria for.

51

A autora denomina “perspectiva aérea” essa ilusão de espaço e distância

que o azul e outras cores consideradas frias proporcionam. Analisando a cor luz,

se dividirmos ao meio um espectro de luz com doze cores entre suas variações

tonais (Figura 24) percebe-se que as cores que tendem ao lado do branco, ou

seja, que mais refletem outras cores luzes, são consideradas quentes, já as

cores que tendem ao lado do mais escuro, ou seja, que mais absorvem outras

cores luzes, são consideradas frias. O azul posiciona-se no segundo lado.

Ocorre o mesmo, criando um espectro de cor luz dentro da visibilidade da própria

cor azul (Figura 25).

Figura 24 Círculo Cromático. Fonte: teoriadascores.com.br

Fonte: teoriadascores.com.br

52

Em “Noite Estrelada”, a variação entre tons diferentes de uma mesma cor,

no caso azul, possibilita criar uma ilusão de profundidade e preenchimento. Nos

espaços em que quanto mais a variação de tonalidade do azul tende ao escuro

mais distanciamento o elemento proporciona e, assim, quanto mais a variação

de tonalidade do azul tende ao claro mais proximidade (relevância quanto aos

outros elementos) o elemento representado possui.

3.2 ILUSÓRIO, IMAGINAÇÃO E SONHOS

Jung (1964, p. 20), em seus estudos sobre conceito, existência e aplicações

dos símbolos, diz que

Figura 25 Tonalidades azul.

53

o que chamamos de símbolos é um termo, um nome ou

mesmo uma imagem que nos pode ser familiar na vida

diária, embora possua conotações especiais além do seu

significado evidente e convencional [...] Assim, uma

palavra ou uma imagem é simbólica quando implica

alguma coisa além do seu significado manifesto e

imediato.

Tendo em vista que os símbolos podem ser fator para uma provável

exteriorização de instintos e/ou pensamentos humanos inconscientes, para

compreensão e qualificação desses pensamentos, de acordo com Jung, é

preciso estudar o inconsciente através dos símbolos e dos sonhos.

Jung diz que os sonhos são como o segundo pensamento e que o homem

produz símbolos de forma inconsciente e espontânea na forma de sonhos (1964,

p. 23). Jaffé (1964, p. 232), resume:

Com sua propensão para criar símbolos, o homem

transforma inconscientemente objetos ou formas em

símbolos (conferindo-lhes assim enorme importância

psicológica) e lhes dá expressão, tanto na religião quanto

nas artes visuais.

Religião e artes visuais são áreas bastante conhecidas pelo pintor e ex

missionário, Vincent van Gogh. Mesmo não tendo referência num sonho, “Noite

Estrelada” exteriorizou aspectos imaginários que circulavam numa mente criativa

e confusa. Todos os elementos figurativos da obra sugerem ao mesmo tempo a

realidade da existência e convivência de um lugar concreto e o lado sentimental

e pessoal do pintor, através, por exemplo, do uso do azul ou, na construção de

elementos figurativos, como o brilho da lua e das estrelas e a rajada de vento no

céu.

54

3.3 FORMATO CIRCULAR

Para analisar alguns formatos na imagem através dos princípios da Gestalt

é necessário citar, esclarecer e classificar algumas leis e categorias que atuam

na obra (Figura 24):

1 – A Lei da Unidade pode ser analisada através da interpretação visual

do formato. A partir daí, pode-se eleger unidades principais presentes na

obra visto que a imagem é composta de vários elementos.

2 – As Lei da Unidade e Lei da Segregação se complementam. Elas fazem

com que consigamos distinguir os vários elementos, separados ou na

composição total.

3 - Pode-se dizer que cada elemento possui significação própria e se

completa por si só devido à Lei de Fechamento que, nada mais é do que

a continuidade de uma ordem de estruturação definida por meio de

agrupamento de elementos que formam a composição final.

Ou seja, relacionando esses três aspectos, pode-se dizer que a Lei da

Segregação acontece devido à Lei da Unidade que, por sua vez, só acontece

devido à presença da Lei do Fechamento. Todas essas leis atuam de forma

conjunta atreladas às categorias conceituais da harmonia e equilíbrio (com

elementos sintonizados quanto ao formato, cor, composição) e do contraste

(“pela cor” com a variação de “tons” e aplicação deles) possibilitando um aspecto

visual agradável para o observador. Fayga (2004, p. 323) diz que “Em van Gogh

encontramos sequencias agitadas de linhas curtas, descontinuas, formas

pontudas, cores que se afastam para regiões das mais remotas antes de

fecharem a relação complementar” e são esses elementos, ao meu ver, que

expressam uma singularidade do artista na obra.

55

Focalizando o céu da imagem (Figura 23), percebe-se um ritmo constante

derivado de um formato predominantemente circular sugerindo a presença de

fortes ventos no local (p. 50, carta no 543: relato sobre o mistral). É possível

encontrar outras obras de van Gogh que possuam elementos em formatos

circulares predominantes:

Figura 27 Vincent van Gogh. The Starry Night. 1889. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

Figura 26 Vincent van Gogh. Old Vineyard with Peasant Woman. 1890. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

56

Figura 27 Vincent van Gogh. Road with Cypresses. 1890. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

57

Figura 28. Vincent van Gogh. Landscape with Couple Walking and Crescent Moon. 1890. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

58

Figura 29 Vincent van Gogh. Two Cypresses. 1889. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

59

Dentro desse universo simbólico apresentado por Jung e Jaffé, o círculo

possui história e significado relevantes para a compreensão e análise artística e

psicológica dos formatos na imagem associadas a van Gogh.

Jaffé cita a Dra. M.-L. von Franz (1964, p. 240), que explicou “o círculo (ou

esfera) como um símbolo do self: ele expressa a totalidade da psique em todos

os seus aspectos, incluindo o relacionamento entre o homem e a natureza”. É

possível associar essa relação (círculo e self) com o movimento circular presente

na Noite Estrelada (Figura 20). O conceito de psiquismo está atrelado

diretamente ao inconsciente: é o conjunto de características psíquicas que

formam a estrutura mental de um indivíduo (MESQUITA; DUARTE; 2017).

Sabendo disto, se o círculo expressa a totalidade da psique e, relacionando ao

conceito de psiquismo, conclui-se que o uso predominante de formas circulares

advém de uma necessidade de van Gogh em incluir um pouco de si em seu

trabalho, funcionando como uma projeção do interior do seu inconsciente

humano sobre o mundo exterior, ou seja, revelando na pintura características de

sua personalidade através da cor e formato, por exemplo.

Figura 30 Vincent van Gogh. Still Life with Four Sunflowers. 1887. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

60

Ainda sobre o formato circular, pode-se observar a espiral. Popularmente se

relaciona a espiral com a loucura, por exemplo, nos desenhos animados, uma

espiral aparece nos olhos dos personagens em situações de confusão mental

(desmaios e trapalhadas). A real Noite Estrelada, apesar de observada pela

janela de um quarto de hospital psiquiátrico, expressa, com traços bruscos e

gentis, sentimentos de uma mente que apenas sofria por sentir demais uma

sensibilidade exagerada.

61

4. SELF PORTRAITS

Figura 33 Vincent van Gogh. Self Portrait. 1889. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

62

“A imagem do cavaleiro solitário que luta contra a morte é

uma imagem romântica. Bela. Comovente. Quem não

desejaria ser um? Criticam o romantismo. Fernando

Pessoa comenta: mas não é verdade que a alma é

incuravelmente romântica?” (ALVES, 2002, p. 18).

Que Vincent van Gogh era dotado de uma sensibilidade a mais não é

novidade. O cavaleiro solitário que luta contra a morte pode ser visivelmente

associado a van Gogh. Um eterno romântico, o pintor das noites estreladas e

dos girassóis mortos colocava beleza nos assuntos mais sombrios e tristes

possíveis.

Analisando as expressões faciais e corporais de alguns autorretratos

realizados por van Gogh (Figuras 34 e 35), nota-se, a princípio, um sujeito

arrogante, prepotente, ambicioso.

Figura 34 Vincent van Gogh, Self-Portrait. 1887. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

Figura 35 Vincent van Gogh, Self-Portrait. 1887. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

63

Essa visão superficial da personalidade aparente de van Gogh cabe

perfeitamente a quem não conhece sua biografia. Vincent van Gogh possuía a

única ambição de deixar sua marca na arte como estudo aos próximos pintores

e admiradores que viriam posteriormente (Carta no 525). O dinheiro lhe

interessava apenas para sua própria sobrevivência e, principalmente, quitar suas

dívidas com seu irmão que até o último dia de vida lhe sustentou sem receio

(Carta no 557). Vincent van Gogh, se retratou da maneira como se via:

fisicamente, um homem anêmico e magro mas que em seu interior possuía a

determinação como fortaleza segura para suas inseguranças (Carta no 513).

Carta no 525 (15 de agosto de 1888):

“Assim fazendo, será que eu ganharia tanto como artista

quanto perderia como homem? Se eu acreditasse nisso eu

seria um maluco famoso, agora não sou um dos famosos;

mas, como você pode ver, não tenho suficiente ambição

por este tipo de glória para pôr lenha nesta fogueira. Prefiro

esperar a próxima geração, que fará com os retratos o que

Claude Monet faz com as paisagens; ricas e geniais no

estilo de Guy de Maupassant”.

Carta no 557 (outubro de 1888):

“Sinto em mim a necessidade de produzir até estar

moralmente esmagado e fisicamente esvaziado,

justamente porque em suma não tenho nenhum outro meio

de chegar a participar nas despesas.

Não posso fazer nada se meus quadros não vendem.

Contudo dia virá em que veremos que eles valem mais que

o preço que nos custaram em cores e minha vida, afinal

bem pobre.

Não tenho nenhum outro desejo nem outra preocupação

quanto ao dinheiro ou às finanças além de, em primeiro

lugar, não ter dívidas”.

Carta no 513 (junho/julho de 1888):

64

“Se eu pensasse, se refletisse nas possibilidades

desastrosas, não conseguiria fazer nada; eu me jogo de

cabeça no trabalho, volto com meus estudos; se a

tempestade na cabeça estiver roncando forte, bebo um

copo a mais para me atordoar.

Isto é ser maluco frente ao que deveríamos ser.

Mas antes eu me sentia menos pintor; a pintura está se

tornando para mim uma distração, como a caça aos

coelhos é para os malucos que a praticam para se distrair.

A atenção fica mais intensa, a mão mais firme.

É por isto então que eu quase me atrevo a lhe garantir que

minha pintura ficará melhor. Pois isso é tudo o que tenho”.

O azul e os formatos circulares continuam em evidência nessa pesquisa

(Figura 33). Apesar do mau tempo, Vincent se retrata de maneira leve utilizando

tons azulados claros misturados à neutralidade do branco, o que proporciona um

aspecto de suavidade. O paletó e o fundo por compartilharem tons e cores

tornam o rosto destaque na pintura. Uma expressão rígida e marcada expressa

em linhas e contornos uma personalidade forte contrastando, ao mesmo tempo,

com a suavidade do azul claro e seus tons.

O retrato afirma-se como gênero de modo autônomo no século XIX. A partir

disso se espalha pela Europa abarcando diferentes escolas e estilos artísticos

(AUTORRETRATO, 2017). Obviamente, o autorretrato está inserido no gênero

retrato. O que diferencia-os é o fato do autorretrato ter um teor autobiográfico.

Geralmente, o rosto prevalece em primeiro plano focalizado. Tomando van Gogh

como exemplo, os autorretratos comumente retratam momentos de introspecção

e reflexão emaranhados ao sentimento de angústia (Figuras 40-42)

Van Gogh se autorretratava repetidamente: 41 é a quantidade de

autorretratos realizados por ele (WikiArt.com) entre os anos de 1886 e 1889. De

forma cronológica, revendo os principais acontecimentos de sua vida e

relacionando-os com alguns autorretratos do período, é possível notar a

expressão de seus sentimentos momentâneos em suas telas através de

65

diferentes modos de se autorretratar assim como Rembrandt, seus autorretratos

expressam sem vaidade e com a máxima sinceridade a personalidade do pintor

(GOMBRICH, p. 420). Os autorretratos de Vincent van Gogh são apenas

comparados aos de Rembrandt, que em 40 anos de carreira se autorretratou

mais de 100 vezes e assim como Vincent, fazia dos autorretratos um “estudo

psicológico” acerca de si mesmo (Figura 36, 37, 38 e 39).

Figura 36 Rembrandt. Self Portrait. 1642. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

Figura 37 Rembrandt. Self Portrait. 1656-58. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

Figura 38 Rembrandt. Self Portrait. 1660. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

Figura 39 Rembrant. Self Portrait. 1665. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

66

Fayga (2004, p. 96-97), fala sobre o artista e como seu diferente jeito de se

autorretratar influenciou não apenas sua carreira mas também sua

personalidade

“O que nos comove é ver um homem enfrentando a vida e se

enobrecendo como ser humano. É poder ver como, por processos

íntimos misteriosos, Rembrandt continuou a crescer, chegando a

ser esse homem singular, que diante da adversidade e da dor

conseguiu afirmar o sentido de viver, num vislumbrar de

possibilidades espirituais tão extensas que nos revelam uma nova

dimensão humama. Sua solidão, Rembrandt conseguiu

transformá-la em força interior, em compaixão e generosidade

sempre mais ampla, ao compreender e aceitar a trágica dignidade

do existir humano, esse existir-no-saber”.

Essa relação tem lógica se notarmos a admiração que van Gogh sentia por

Rembrant. No conjunto de suas cartas ao irmão, seu nome é citado pelo menos

64 vezes. Numa delas, van Gogh expressa sua admiração: “Rembrandt penetra

tão fundo no mistério que diz coisas que nenhuma língua pode exprimir. É com

justiça que se diz de Rembrandt: o Mágico... Não é um ofício fácil” (VAN GOGH,

p. 147). Seus autorretratos, de forma sutil e simples, fazem referência a

Rembrandt na expressão e narrativa, mostrando faces de uma personalidade

também forte e determinada.

4.1 1886/1889

67

Em 1886, van Gogh passava por um período de descobertas e incertezas

acerca de seu futuro. Matriculou-se na Academia de Belas-Artes da Antuérpia,

lá permanecendo por pouco tempo e passando por momentos difíceis, van Gogh

conseguiu ter a certeza que procurava sobre seu futuro. Desistiu do acadêmico

e partiu a Paris em busca de construir suas próprias experiências e

aprendizados. Em Paris, conheceu os impressionistas e se maravilhou com o

uso das cores e luz nas telas. Sua paleta finalmente ganharia cor (VAN GOGH,

2016, p. 382).

Ao longo do ano de 1887, Vincent vai se cansando de Paris. Apesar de seu

grande esforço no trabalho, foi recebido com bastante indiferença pelos

impressionistas que tanto admirava, iniciando uma rivalidade entre eles (VAN

GOGH, 2016, p.382). Pessoas que sofrem com o Transtorno Depressivo,

geralmente, nos grandes invernos, sentem-se mais solitárias do que o costume.

O mesmo aconteceu com Vincent, no inverno, seu cansaço e nervosismo

aumentaram e a partir dessa situação ele começa a adoecer.

Apesar das turbulências emocionais, van Gogh vinha conseguindo equilibrar

sua personalidade e os acontecimentos que surgiam até então, mas a partir do

ano de 1888, sua vida toma um rumo diferente e definitivo. Em fevereiro desse

ano, van Gogh sai de Paris e estabelece-se em Arles. Lá, sua alimentação, que

já era ruim, piora por falta de recursos financeiros, agravando sua anemia e,

consequentemente, seus sintomas - bastante parecidos com a depressão – de

exaustão e fadiga. Van Gogh construía a ideia de desenvolver a chamada “Casa

Amarela”, que seria uma espécie de ateliê comunitário e albergue para artistas.

Colocou seu plano em ação convidando Gauguin para participar. Depois de

muitas delongas, Gauguin se instala e mora com Vincent por alguns meses até

que, em 25 de dezembro de 1888, van Gogh “ataca” Gaguguin com uma navalha

num momento de crise. Quando Gauguin revida sobre ele, Vincent sai correndo

para fora da casa assustado. Quando retorna, corta sua orelha (VAN GOGH,

2016, P.382-383). A partir daí começam suas internações psiquiátricas.

O ano de 1889, começa com a internação de Vincent em Saint-Paul de

Mausolé e ali permanece durante quase o ano todo, exceto por alguns meses

em que foi liberado mas que logo duas outras crises o fizeram retornar por

vontade própria (VAN GOGH, 2016, p. 383).

68

Por mais que tentasse equilibrar razão, sonho e sentimentos, através das cartas

a seu irmão e seus autorretratos, nota-se uma piora significativa na saúde mental

de Vincent ao longo desses quatro anos (Figuras 40, 41, 42, 43):

Figura 40 Vincent van Gogh. Self Portrait with Dark Felt Hat at the Easel. 1886. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

Figura 41 Vincent van Gogh. Self Portrait with Straw Hat. 1887. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

Figura 42 Vincent van Gogh. Self Portrait Dedicated to Paul Gauguin. 1888. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

Figura 43 Vincent van Gogh. Self Portrait with Bandaged Ear. 1889. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

69

Consigo associar dois sentimentos a esse período: angústia e frustração. Ambos

são característicos do Transtorno Depressivo variando em intensidade e

temporalidade e, ambos são expressos em seus autorretratos.

Os olhos nervosos de quem não sabe como fixar o olhar (Figura 43). As

pinceladas automáticas e ágeis possibilitam uma movimentação para uma figura

aparentemente estática (Figura 41). As marcações de uma feição rígida sugerem

uma preocupação a mais.

Comparativamente, nota-se a influência da luminosidade e cores do nos

seus autorretratos já entre os anos de 1886 e 1887 (Figuras 44, 45, 46, 47, 48 e

49). Sua paleta finalmente consegue um pouco mais de cor embora seus

sentimentos se conturbem ao longo dos anos, graças a sua incessante busca

pela luz. Ele foi sendo guiado e deixado levar por essa claridade que muito

influenciou sua paleta (Figuras 40, 41, 42 e 43). A partir de então, as cores azul

e amarelo substituíam cores escuras anteriormente usadas. Van Gogh utilizava

do amarelo, cor alegre e quente, para retratar temas e/ou expressar a dor e o

sombrio.

Figura 44 Vincent van Gogh. Self Portrait. 1886. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

Figura 46 Vincent van Gogh. Self Portrait with Dark Felt Hat at the Easel. 1886. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

Figura 45 Vincent van Gogh. Self Portrait with Pipe. 1886. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

70

4.2 UM SEMBLANTE AMARGO

A depressão assemelha-se a sentimentos de angústia e frustração. Desde

1889 até sua morte, 1890, van Gogh permaneceu internado e ainda lutava contra

suas próprias incertezas e confusões mentais (Cartas no 571 e 576):

Carta no 571 (17 de janeiro de 1889):

Mas o que é que você quer? Infelizmente isto está

complicado de diversas formas; meus quadros não têm

valor, custam-me, é verdade, despesas extraordinárias, às

vezes inclusive em sangue e cérebro talvez. Não vou

insistir, e o que você quer que eu diga?

Carta no 576 (3 de fevereiro de 1889):

Há momentos em que eu fico tomado pelo entusiasmo ou

pela loucura ou pela profecia como um oráculo grego em

seu trípode.

Figura 48 Vincent van Gogh. Self Portrait. 1887. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

Figura 49 Vincent van Gogh. Self Portrait with Straw Hat. 1887. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

Figura 47 Vincent van Gogh. Self Portrait. 1887. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

71

Tenho então muita presença de espírito com as palavras e

falo como as arlesianas, mas sinto-me tão fraco com tudo

isto...

Suas representações de si mesmo ilustram significativamente essa confusão

mental. Algumas aparentam serenidade (Figura 50), outras a calmaria pós crise

(Figura 51).

Vincent van Gogh comumente retratava-se como uma pessoa de caráter

forte. Até quando expressa sua fragilidade aparente exibida pelos curativos feitos

possivelmente depois de uma crise (Figura 43 e 51), ainda assim autorretratou-

se com um semblante rígido nunca mostrando fraqueza.

Os autorretratos de 1889 já possuíam mais coloração que os anteriores. O

azul e o amarelo sempre muito presentes nas pinturas. Vincent abandona o lado

óbvio escuro e sombrio por mais que se sentisse assim internamente. Vejo isso

na variação de cores e tons como uma busca em achar em si mesmo e na

iluminação característica do amarelo ou na serenidade mental, espiritual e

espacial expressa pelo azul, respostas sobre seus próprios questionamentos e

confusões mentais.

Figura 50 Vincent van Gogh. Self Portrair. 1889. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

Figura 51 Vincent van Gogh. Self Portrait with Bandaged Ear. 1889. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

72

Matisse (2006, p. 139), diz que “cada época traz consigo sua luz própria,

seu sentimento particular do espaço, como uma necessidade”. Aplicando a frase

ao século vivido por van Gogh, XIX, a (cor) luz do período era amarela e azul e

que, por causa de um sujeito sentimental e sonhador, os dias que um dia foram

cinzas na França hoje, coloriram-se.

73

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Figura 46 Vincent van Gogh. Self Portrait with Bandaged Ear. 1889. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

Figura 52 Vincent van Gogh. Última carta de van Gogh (Carta no 652, 29 de julho de 1890).

74

Em 1890, a paleta colorida de Vincent aos poucos perde a cor. O amarelo

e o azul agora escuros dão o aspecto sombrio e solitário. Os corvos que

representam a morte fazem alusão ao seu próprio fim. Dois dias depois do

termino desse quadro (Figura 48), van Gogh, num campo de trigo dá um tiro

no próprio peito e morre dois dias depois, em 29 de julho de 1890.

Através das três obras analisadas nessa pesquisa e com a imagem acima,

pode-se confirmar a influência do Transtorno Depressivo em seu trabalho. Sua

saúde mental não acompanhava positivamente seu excelente desenvolvimento

artístico. Vincent van Gogh era um homem de alta sensibilidade e determinação

e que, por falta de uma medicação correta, não conseguiu suportar as

desavenças que encontrara pelo caminho.

Sua coragem em expressar seus sentimentos mais sinceros me é algo

fantástico. A força das pinceladas contradiziam-se junto à suavidade das cores

claras, expressando a ambiguidade que era ser Vincent van Gogh.

No decorrer de cada análise, diferentes questões surgiam. Conheci mais do

seu grande acervo de estudos e obras. Percebi a expressão suave da morte de

uma flor assim como a importância da imaginação durante uma observação de

uma paisagem simples. O poder dos sonhos e a expressão deles.

Figura 53 Vincent van Gogh. Wheatfield with Crows. 1890. Óleo sobre tela. Fonte: WikiArt.com

75

A depressão atrelada a uma mistura da ilusão e realidade, pode contribuir

com um sentimento criativo de referência inspiradora. Para van Gogh, os usos

das diferentes cores, formas, tons, movimentações e pensamentos, o levou a

uma vitória depois de tantas frustrações: a sobrevivência da sua arte e de si

mesmo para a posteridade. 127 anos depois de sua morte, ainda falamos sobre

o ser brilhante e incerto que foi Vincent van Gogh.

“Qual é, pois, a finalidade do pintor? É realmente iludir os

olhos e imitar a natureza, mas deve-se acrescentar que

isso faz por meio das cores, e é essa a única diferença que

torna a pintura especifica e a distingue das outras artes.

Um pintor só é pintor porque emprega cores capazes de

seduzir os olhos e imitar a natureza” (BLANCHARD, 2006,

p. 37).

Quem melhor capaz de seduzir os olhos e imitar a natureza senão Vincent van Gogh?

Minha pesquisa poderá servir de auxílio no ensino da arte enquanto a

temática for o Transtorno Depressivo considerando uma relação ativa com as

artes visuais, por exemplo, analisar a influência da depressão numa expressão

artística ou pesquisar métodos a serem executados em processos terapêuticos

e/ou tratamentos alternativos. Minha ação pedagógica funcionou dentro desse

aspecto, pesquisando e diferenciando dificuldades e semelhanças com um

mesmo plano de análise de leitura de imagem, mas entre públicos diferentes

(Ver apêndice).

76

Carta que Vincent trazia consigo (de no 652):

29 de julho de 1890

Meu caro irmão,

Obrigado por sua gentil carta e pela nota de cinquenta francos que ela continha.

Já que as coisas vão bem, o que é o principal, por que insistiria eu em coisas de

menor importância? Por Deus! Provavelmente se passará muito tempo antes que

se possa conversar de negócios com a cabeça mais descansada.

Os outros pintores, independente do que pensem, instintivamente mantêm-se à

distância das discussões sobre o comércio atual.

Pois é, realmente só podemos falar através de nossos quadros. Contudo, meu

caro irmão, existe isto que eu sempre lhe disse e novamente voltarei a dizer com

toda a gravidade resultante dos esforços de pensamento assiduamente

orientado a tentar fazer o bem tanto quanto possível – volto a dizer-lhe

novamente que sempre o considerarei como alguém que é mais que um simples

mercador de Corots, que por meu intermédio participa da própria produção de

certas telas, que mesmo na derrocada conserva sua calma.

Pois assim é, e isto é tudo, ou pelo menos o principal, que eu tenho a lhe dizer

num momento de crise relativa. Num momento em que as coisas estão muito

tensas entre marchands de quadros de artistas mortos e de artistas vivos.

Pois bem, em meu próprio trabalho arrisco a vida e nele minha razão arruinou-

se em parte – bom –, mas pelo quanto eu saiba você não está entre os

mercadores de homens, e você pode tomar partido, eu acho, agindo realmente

com humanidade, mas, o que é que você quer?

VINCENT.

77

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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81

APÊNDICE

PLANO PARA A AÇÃO PEDAGÓGICA

Tema: Influência de sentimentos depressivos na pintura.

Público: Grupo 1: 5 universitários UFRN - Artes Visuais

Grupo 2: 5 aposentados em áreas distintas

Grupo 3: 5 universitários em áreas distintas UFRN

Duração: 3 hora/grupo = 9 hora/aula

Disciplina: Artes Visuais

Objetivos

Geral:

- Analisar a influência da tristeza na pintura;

Específicos:

- Observar quatro imagens de obras do artista Vincent van Gogh;

- Identificar sentimentos a partir da leitura das imagens;

- Expressar o sentimento identificado através da pintura e desenho;

- Analisar coletivamente a expressão dos sentimentos “escolhidos” no trabalho

realizado;

- Comparar respostas das discussões entre cada grupo e apontar aspectos

positivos, negativos e dificuldades.

82

Desenvolvimento:

Serão selecionadas pessoas de cursos e áreas diferentes para participar da

ação. A ação pedagógica será desenvolvida inicialmente através de leitura de

imagem: serão discutidas coletivamente os aspectos de leitura baseado em

Feldmand (descrição, analise, interpretação e julgamento). As imagem a serem

analisadas serão as obras analisadas nesse TCC (“Still Life – Vase With a

Fourteen Sunflowers”, “Noite Estrelada”, “Autoretrato” e “Campo de Trigo com

Corvos”). Após a leitura das imagens será lançada a proposta do projeto a partir

de uma pergunta: o que você sentiu durante observação das imagens?

A partir dessa pergunta, a pessoa escolherá um sentimento que venha a

predominar diante das quatro imagens e será proposta a realização de um

desenho ou pintura que expresse esse sentimento. Será válida qualquer formar

de expressão que utilize o papel como suporte. O material será disponibilizado

por mim.

Ao termino da atividade final, será proposta a realização de uma análise

coletiva do material desenvolvido.

Recursos: Computador, Lapís de cor, Tintas aquarela, guache e acrílica, Pinceis,

Lapís Grafite 6B E 2B, Papel gramatura 180 e 300 tam A3.

83

RELATÓRIO AÇÃO PEDAGÓGICA

A ação pedagógica aconteceu em três momentos com três diferentes grupos

(Grupo 1; Grupo 2; Grupo 3). Foram necessárias 3 horas para cada grupo

contabilizando um total de 9 horas.

Para as discussões, desenvolvi um roteiro de perguntas a ser seguido

baseado no método de leitura de imagem de Feldman. Esse roteiro estava

sujeito a ser alterado e/ou acrescentado outros questionamentos caso houvesse

necessidade em cada grupo, sendo utilizado em cada uma das 4 análises feitas

coletivamente por cada grupo. Ao final, foi proposta a realização de uma

atividade pedagógica: a escolha de um sentimento que alguma obra tenha

transmitido e expressar de modo particular esse sentimento num papel.

O roteiro:

1) DESCREVER:

O que está sendo representado?

Qual a cor predomina nessa imagem?

Como são as texturas?

Quais as formas e formatos identificados?

2) ANALISAR:

Como os elementos identificados estão dispostos?

A pintura tem ritmo?

Fale um pouco sobre a técnica utilizada;

Você sabe dizer qual temática expressa? Se sim, qual?

3) INTERPRETAR

O que a imagem expressa?

Algum sentimento está sendo expresso para você? Se sim, qual?

84

Como van Gogh expressou esse sentimento? O que ele usou para

expressá-lo?

4) JULGAR

Você considera essa obra importante num contexto social e artístico?

Essa obra é importante para você?

Essa obra tem qualidade estética?

O que você acharam dessa obra?

Vocês possuem alguma lembrança ou informação pessoais ao

observarem essa obra?

Grupo 1:

A ação pedagógica com o grupo 1 foi realizada no dia 30/10/2017, das 13

às 16 horas. 5 pessoas participaram, sendo todos estudantes do curso de

licenciatura em Artes Visuais da UFRN. Ao longo da discussão foram surgindo

outros questionamentos e comentários acerca de variados assuntos do meio

artístico.

1º - “Still Life – Vase with a Fourteen Sunflowers”

Foi citado o termo “modulação” para expressar as texturas e “harmonia

cromática” para designar equilíbrio visual. Três das cinco pessoas presentes,

discutiram sobre a psicologia da cor amarela, afirmaram que por ser uma cor

quente estaria ali sendo representada em controvérsia ao assunto abordado, no

caso a morte do girassol, pois cores quentes designavam alegria. Uma das

pessoas, para o item 4 – Julgamento, explicou sobre o “ponto de vista

institucional” para a crítica de arte, que acontece quando o lugar, o autor e o

público influenciam nessa critica. Sobre a qualidade estética”, os participantes

revelaram que havia um “ponto de vista estético” pois o quadro despertava algo

a nível do subconsciente. Ainda no julgamento, uma das pessoas, ao perguntar

sobre o que achou da obra, respondeu com o conceito de poética e poiética,

85

explicando que a primeira refere-se a “como faz” e a segunda à “o que leva a

pessoa a fazer”. E nas lembranças muitas coisas foram citadas: os girassóis de

um vestido antigo, elementos solares como o sol e a própria luz, as aulas de que

tivemos em Expressão Visual com a profa. Laís Guaraldo, sobre cor, pinceladas

e unidade das cores.

2º - “Starry Night”

No momento de falar sobre as formas e formatos, uma pessoa referiu-se a

Matisse, sobre a perspectiva explicou que existia uma perspectiva de

pensamento que era uma perspectiva visual e não calculada como acontecia na

Renascença e disse que isso aplicava-se também a Noite Estrelada e outros

trabalhos de van Gogh. Comentaram que a imagem era harmônica apesar dos

muitos elementos encontrados nela; definiram como uma “bagunça arrumada”.

Recordaram sobre sonhos, memórias e sentimentos de nostalgia e uma pessoa

que trabalha com bordado, referiu-se a uma releitura da Noite Estrelada no

bordado.

86

Sobre a qualidade estética da imagem, observaram que comumente a

experiência estética é associada ao belo mas que nem sempre isso acontece.

Era o que acontecia ali por não ser uma noite estrelada comum e naturalista

apesar de conseguir identificar todos os elementos envolvidos. E nas

lembranças falaram sobre as festas de São João devido as luzes.

3º - “Autorretrato”

Sobre o autorretrato mostrado, disseram que a figura de homem ali representado

expressava um ar de tristeza e possuía um olhar bastante profundo. As formas

assemelham-se ao movimento da água, como se o homem estivesse

submergindo. Ao perguntar o que acharam da obra, algumas pessoas disseram

ter medo da fisionomia do homem representado.

4º - “Wheatfield with Crows”

Primeiramente definiram a imagem como sombria. Reconheceram a presença

de uma rajada de vento devido a direção em que o trigo de movia e a que os

pássaros voavam. Falaram sobre o constante uso do azul e amarelo mas que

nessa imagem usou em tons mais escuros. Para eles, a obra passava

sentimentos de medo, agonia e era bastante volumosa.

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FOTOS GRUPO 1:

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89

Grupo 2:

A ação pedagógica com o grupo 2 foi realizada no dia 04/11/2017, das 9 às

12 horas. 5 pessoas se disponibilizaram a participar sendo todos universitários

de áreas distintas de artes.

1º - “Sittl Life – Vase with Fourteen Sunflowers”

Realçaram primeiramente para os tons do amarelo que pareciam terrosos. A

textura que remetia a parede. E as formas assemelhavam-se a círculos e

losangos. Observaram ao fato de haver muita tinta e concordaram que isso dava

as texturas na obra mas ficaram em dúvida sobre o tipo de tinta utilizada.

Falaram sobre a flor mais alta ser o centro da imagem apenas do conjunto inteiro

estar bem centralizada. Não possui ritmo e as flores aparentemente estão mortas

90

o que torna controverso o uso do amarelo. A imagem passa um sentimento de

tristeza e sem vida. Sobre a importância da obra, disseram que não é a mais

conhecida do artista mas que na escola sempre passavam. Confundiram o

quadro “O Grito” de Edvard Munch com van Gogh, acharam parecidos os estilos.

2º - “Starry Night”

Confundiram prontamente o cipreste representada na imagem com uma torre ou

castelo. Falaram sobre a predominância do azul e as formas circulares. Precisei

fazer uma breve explicação sobre o que era ritmo e sobre as diferenças das

tintas acrílica e óleo fazendo demonstrações dessas ultimas. Decidiram então,

que a obra foi feita com tinta óleo e que a obra possuía ritmo causado pelas

linhas das pinceladas. Disseram que a obra é muito importante por que sempre

mostram nas aulas de arte. Disseram que “apesar do azul não passa sentimento

de tristeza”. O céu é “doido” e é uma pintura muito viva. Sobre as lembranças,

uma pessoa associou a um artista que fez uma releitura da Noite Estrelada na

água (link para acesso: <

https://www.youtube.com/watch?v=OrMVh9DiFDs&feature=youtu.be>).

3º - “Autorretrato”

Predominancia do azul mas encontraram também verde, branco e laranja.

Assemelha-se a água. Perceberam nas três obras até agora lidas, uma

tendência ao lado direito. Comentaram sobre Transtornos Dissociativos e

cogitaram a possibilidade de van Gogh ter o Transtorno de Personalidade

Narcisista devido à quantidade de autorretratos que fez. Discutiram sobre a cor,

que apesar de ter tons claros a expressão que passava era de antipatia,

angustia, como se o homem estivesse em posição de defesa. Revelaram que a

imagem não tem importância, apenas se levar a imagem como um registro do

autor.

4º - “Wheatfield with Crows”

91

Compararam essa imagem à Noite Estrelada e disseram que são

completamente diferentes: “uma expressa alegria e a outra é muito sombria”.

Identificaram os elementos da pintura. Falaram sobre as cores expressar,

disseram que não havia predominância como nas outras obras e ele havia usado

muito preto. Precisei falar um pouco sobre o Impressionismo e o Pós-

Impressionismo sobre a utilização das cores, principalmente do preto, e então

desistiram da ideia do preto estar presente ali. Associaram a pintura ao

sobrenatural, fazendo uma comparação ao filme “Sinais”. Uma pessoa falou

sobre o caminho representado ali, e que isso pode ser uma dúvida pessoal do

artista de qual caminho seguir. Aparentemente não gostaram porque a imagem

transmite aflição e angustia.

Quando os questionamentos passaram, falei um pouco sobre a história do

quadro e a frase final do encontro foi: “ele desenhou a própria morte”.

92

FOTOS GRUPO 2:

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94

Grupo 3:

A ação pedagógica com o grupo 3 foi realizada no dia 04/11/2017, das 18 às 21

horas. 6 pessoas se disponibilizaram a participar.

1 – “Still Life”

Esse grupo em especial foi bastante objetivo nas respostas. As respostas para

“o que está sendo representado?”, “qual a cor predominante?” e “quais as formas

encontradas?”, as respostas foram: girassóis, amarelo e circular,

respectivamente. Notei uma dificuldade muito grande na percepção, na

observação e na ampliação de reciocínio. Houveram dúvidas sobre técnica, ritmo

e temática. As respostas saía muito do contexto e algumas pessoas não

respondiam a pergunta. Relacionaram as floras a expressão do outono, para

95

flores mortas, e primavera, para as flores ainda vivas. A lembrança que

associaram foi ao filme “Girassóis da Rússia” de Vittorio De Sica.

2 – “Starry Night”

Ainda bastante presos à representação visual, afirmaram que a pintura havia

ritmo porque expressava um movimento das nuvens ou de seus pensamentos.

Expliquei sobre os gêneros de classificação da pintura e depois decidiram que

Starry Night se trata de uma paisagem que expressa beleza e solidão ao mesmo

tempo, como se sua única companhia numa noite escura fosse as estrelas e a

lua. Todos acharam uma obra muito importante mas não souberam explicar o

porquê.

3 – “Selfportrait”

No autorretrato mostrado, relataram observar um homem de aparência

arrogante, com feições rudes e um olhar duro. A composição, de acordo com o

grupo, não estava centralizada pois o homem estava de lado e voltado para o

lado direito. Concordaram todos que havia harmonia porque era uma obra fácil

de ser contemplada e analisada. O sentimento que relataram associado a

imagem foi de amargura e tristeza, devido ao semblante fechado. E sobre a

importância da obra, concordaram todos que um autorretrato se torna mais difícil

de fazer do que outros gêneros na pintura pelo simples fato de você mesmo ter

que se observar e se retratar. Disseram que isso é muito difícil pois envolve

questões de conhecimento pessoal e alguns aspectos psicológicos.

4 – “Wheatfield with Crows”

Em “Campo de Trigo com Corvos”, compararam com as cores e tonalidades

aplicadas nas outras imagens mostradas. As primeiras possuíam o amarelo e o

azul, também em predominância mas, nessa imagem, essas duas cores eram

escuras e estavam acompanhadas de outras cores também em tons escuros

(verde, marrom) e isso tornava a imagem muito sombria. Destacaram os

96

elementos que “moviam” a imagem fazendo-a ser “puxada para cima”. Houve

uma confusão na hora de responder sobre a temática, ficaram na dúvida entre

natureza morta e paisagem.

FOTOS GRUPO 3:

97

98

99

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de serem as mesmas perguntas feitas nas análises, pode-se

observar os diferentes raciocínios e direcionamentos que a discursão percorria.

Após os três encontros pude apontar algumas semelhanças e diferenças

baseado nas respostas que obtive:

1) Para descrição os três grupos obtiveram praticamente as mesmas

respostas.

100

2) As três discussões chegaram a caminhos completamente diferentes ao

final.

3) O grupo 1 se mostrou mais interessado e mais sensível aos

questionamentos apresentados.

4) Nos grupos 2 e 3 havia muitas lacunas quanto a informações da área de

artes visuais e do próprio artista o que geral dúvidas entre eles.

5) Ao grupo 2, foi necessário explicar conceitos básicos como “o que é ritmo”

numa obra, tipos de tintas (acrílica e óleo), sobre o Movimento

Impressionista e Pós-Impressionista e houve confusão entre alguns

artistas.

6) Ao grupo 3, foi necessário fazer explicações sobre: ritmo, temática,

técnica. Havia uma dificuldade no olhar e perceber sentimentos e

emoções nas imagens.

Isso nos leva a reconhecer a lacuna que o conhecimento artístico possui

hoje em dia, em diferentes idades e profissões e, o quão vasto pode ser a

compreensão racional e sentimental humana sobre uma única imagem.

Essa ação pedagógica serviu para ressaltar a importância entre leigos e

não leigos em arte, sobre o treino do olhar em observar e sensibilizar-se diante

de uma obra de arte. A partir daqui, será possível desenvolver técnicas na arte

terapia, destinadas a educação formal ou informal, para o Transtorno Depressivo

assim como uma breve atividade avaliativa diagnóstica a partir do desenho e/ou

pintura e que pode ser aplicada em consultórios psiquiátricos ou psicológicos ou

nas escolas por psicopedagogos e/ou na sala multifuncional.