El Chavo Del Ocho Chaves
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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARAN
PROGRAMA DE PS-GRADUAOSTRICTU SENSUEM
COMUNICAO E LINGUAGENS
MICHAEL PIZZATTO BAHR
EL CHAVO DEL OCHO/CHAVES:
TRADUO, ADAPTAO, DUBLAGEM
CURITIBA
2014
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BAHR, Michael Pizzatto.
Dissertao apresentada Universidade Tuiuti do Paran para a obteno do Ttulo de Mestreem Comunicao em Linguagens Linha de Cinema.
Qualificado em:29 de agosto de 2013.
Defendida em:27 de maro de 2014.
Banca Examinadora
Prof. Dr. Jos Gatti, Instituio: Universidade Tuiuti do Paran (UTP).
Orientador
Prof.a. Dr.a Graziela Bianchi, Instituio: Universidade Tuiuti do Paran (UTP)
Prof. Convidado do Programa
Prof. Dr. Rafael Tassi Teixeira, Instituio: Universidade Tuiuti do Paran (UTP)
Prof. Convidado do Programa
Prof.a. Dr.a Mnica Fort: Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Prof. Convidado Externo
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TERMO DE APROVAO
MICHAEL PIZZATTO BAHR
EL CHAVO DEL OCHO/CHAVES:
TRADUO, ADAPTAO, DUBLAGEM
Esta dissertao foi julgada e aprovada para a obteno do ttulo de Mestre em Comunicao
e Linguagens na rea de concentrao: Cinema, do Programa de Ps-Graduao Strictu Sensu
da Universidade Tuiuti do Paran.
Curitiba, _____________de ______________ de 2014
___________________________________________Programa de Ps-graduao Strictu Sensu
Universidade Tuiuti do Paran
Orientador: Prof. Dr. Jos Gatti
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AGRADECIMENTOS
Agradeo, imensamente, aos professores Prof. Dr. Fernando Andacht e a Prof..
Dr.. Sandra Fischerque mostraram como levar o conhecimento de uma forma to bela e
encantadora para os alunos, e em especial ao meu orientador Prof. Dr. Jos Gatti, que fez
mais que orientar: foi um incentivador, o comandante linha dura, necessrio para a
concluso deste trabalho. Prof.. Dr. Mnica Fort, que me acompanha desde 2001,
quando j gostaria de escrever sobre Chaves na especializao; sua contribuio foi
imprescindvel para o desenvolvimento deste trabalho. Prof.. Dr.. Graziela Bianchi, uma
grata surpresa no final do curso, compondo a banca de qualificao e apontando os erros que
tentei solucionar da melhor forma possvel.
Aos meus amigos de mestrado, Juliana de Souza, pelos alertas de entrega de trabalho,
congressos e conversas desesperadoras sobre os nossos projetos, obrigado por todo o suporte
durante estes dois anos; ao Roberto Svolenski, amigo de dcadas que ingressou no programa
junto comigo e deixou as aulas mais divertidas, proporcionando filmes impossveis de serem
encontrados. Aos grandes colegas Andr Santini,pelas conversas e risadas necessrias para o
alvio do stress, Adriana Coca,pelo carinho e lembranas do Chaves, Bruno Mendona,
pelas dicas de autores, sem esquecer dos roncos em sala de aula, Joo Henrique Nadal, pelasconversas de filmes, rock e jogos, Luclia Alencastro, incentivadora como a pioneira a se
tornar mestre na turma, Rodrigo Oliva, pelas brilhantes apresentaes sobre os temas de
videoclipes, e aos colegas Adriana Rodrigues Suarez, Ana Melech, Carla Feitosa,
Cristina Mendes, Diocsianne Moura, Emilene Novak, Flvia Bespalhok, Hlcio Fabrie
Letcia Hermman que tornaram esta trajetria importante, pelo aprendizado e reflexes em
sala de aula.
Agradeo imensamente ao meu melhor amigo Ronaldo Bolhke, uma amizade queultrapassa duas dcadas, por me ajudar a construir e estruturar melhor as ideias neste processo
final de trabalho; saber que nossa amizade renovvel foi o maior presente de todos.
Muito obrigado aos amigos, que entendiam os dias de desespero, Evandro Zatti,
Marcos Camillo da Silva, Maicon Jhonny de Oliveira;agora hora de voltar a incomodar
vocs.
Tambm devo e muito a minha namorada Suzy Curti, que me estende a mo em
qualquer situao, mesmo no sabendo como resolver de imediato os problemas, e me
mostrando como se constri e renova um amor a todo momento. Uma pessoa nica em minha
vida, que foi fundamental para a minha estrutura emocional neste trabalho.
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E por fim, a essncia da minha vida, as pessoas que construram a minha educao,
que me deixaram um legado para eu passar aos meus descendentes. O motivo de eu estar em
um programa de mestrado dar orgulho a vocs, meus eternos pais, Jussara Maria Pizzatto
Bahr e Rogrio Castro Bahr. Ns nos veremos algum dia, contando as novidades. Amo
vocs.
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RESUMO
A dissertao se prope a pormenorizar o processo de dublagem do seriado mexicano ElChavo del Ocho/Chaves no que diz respeito s relaes entre a lngua original da obra e
aquela na qual foi vertida, a produo de sentidos, a compreenso da voz, traduzida eadaptada para uma voz brasileira, a dublagem. A pesquisa tem como foco um estudo de caso,analisando a fala/traduo de um enunciado mexicano para uma adaptao/fala de umenunciado em lngua portuguesa. A dublagem elemento essencial neste estudo, de modo aexaminar como os valores de uma nao so apresentados em uma cultura com crenasdiferenciadas. Ao se estudar a dublagem, faz-se necessria uma discusso sobre o termotraduo, alm da abordagem do conceito de dialogismo e da tcnica do sincronismo labial.O dublador tambm ganha espao neste estudo, apresentando-se as funes e caractersticasda profisso. Acredita-se na importncia do estudo da dublagem, considerando-se que ela fator indispensvel para que grande parte da populao tenha acesso aos programasestrangeiros. Este trabalho teve como base os estudos de Mikhail Bakhtin, Walter Benjamin,
Haroldo de Campos, Jsus-Martin Barbero, Roland Barthes, Stuart Hall.
Palavras-chave: Chaves,El Chavo del Ocho, dublagem, traduo, adaptao.
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ABSTRACT
The dissertation aims to detail the process of dubbing the Mexican seriesEl Chavo del Ocho /El Chavo, the relationship between the original tongue in which the show was produced andits version in Portuguese, understanding voice, translated and adapted for a Brazilian voice,the dubbing. The research focuses on a case study, analyzing the speech / translation of aenunciation to an adaptation Mexican / Brazilian speaks of an utterance. Dubbing is essentialin this study, in order to examine how the values of a nation are presented in a culture withdifferent beliefs. By studying the process of dubbing, it's necessary a discussion of the term"translation", in addition to traditional concepts such as dialogism and lip sync. The dubberalso has space in this study, performing the functions and features of profession. This workshows the importance of the study of dubbing, considering that it's indispensable for a large
part of the population to have access to foreign shows. This dissertation was based on studies
of Mikhail Bakhtin, Walter Benjamin, Haroldo de Campos, Jsus-Martin Barbero, RolandBarthes and Stuart Hall.
Keywords: Chaves,El Chavo del Ocho, dubbing, translation, adaptation.
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populares. (MARTIN-BARBERO,1987, p.198). Com o cinema, criou-se uma nova forma de
mimetizar condutas e costumes humanos, a qual, por sua vez, refluiu sobre a sociedade,
influenciando os indivduos, promovendo mudanas profundas em suas vidas. Com o cinema
sonoro3, a representao do humano vertida para a tela ganhou a possibilidade de explorar
elementos de ordem psicolgica, cultural etc. relacionados voz. A televiso, cujos prottipos
surgiram ainda na dcada 1920, mas que se popularizou aps seu estabelecimento comercial a
partir do final da dcada de 1950, deu novas e grandes dimenses ao processo de produo e
transmisso dessas representaes. (RIBEIRO, SACRAMENTO, ROXO, 2010, p. 15)
Por definio, as matrias-primas com que lida a arte de produo audiovisual so a
imagem e o som. No mbito deste estudo, importa o modo pelo qual os componentes
imagticos e sonoros, sobretudo os ltimos, so trabalhados para produzir os sentidos queoperam na relao dialgica estabelecida entre obra e telespectador: gestos e expresses
faciais podem comunicar contedos psicolgicos relevantes para esse mesmo dilogo, bem
como a escolha de certos elementos de cenrio, de figurino etc., podem denunciar traos
culturais que colaboram com o mesmo fim. O mesmo se pode dizer da presena de certas
realidades sonoras, particularmente a voz humana e elementos que lhe dizem respeito: a
linguagem, o idioma, a produo de sentido, a cultura. O seriado concebido, produzido e
protagonizado por Roberto Gmez Bolaos,El Chavo del Ocho, o objeto da anlise desseselementos neste estudo.
Sustentam a observao desses mesmos elementos as noes de enunciado e
comunicao em Mikhail Bakhtin; as de lngua e fala segundo Roland Barthes e outras,
as quais colaboram para responder a uma das questes fundamentais deste estudo: como a
comunicao verbal possibilita a veiculao de significados numa pea audiovisual, e,
portanto, o estabelecimento do dilogo entre audincia e autor?
A resposta dessa mesma questo um fator importante na compreenso das razespelas quais o seriado mexicanoEl Chavo del Ocho fez tanto sucesso em tantas vizinhanas
vecindades ou vecindarios4, semelhantes quela retratada na obra, espalhadas pela poro
hispanfona da Amrica Latina. A voz, no sentido que Bakhtin d ao termo5, tem papel
3A voz foi incorporada ao cinema em 1927, e houve uma sria controvrsia a respeito do tema, a qual serabordada neste estudo.4Diccionario de la Real Academia Espaola, 2014. Disponvel em : . Acesso em 02 jan2014.
5O sentido da voz em Bakhtin mais de ordem metafrico, porque no se trata da emisso vocal sonora, masda maneira semnticossocial depositada na palavra. (DAHLET, p. 264)
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de realidades atuantes na dimenso sociocultural, e importantes na constituio da identidade
de cada um dos participantes do drama humano8.
E aqui se atinge o centro de interesse deste estudo: o seriadoEl Chavo del Ocho, cuja
adaptao brasileira recebeu o nome de Chaves ao integrar a grade da programao do
Sistema Brasileiro de Televiso (SBT), teve grande repercusso no Brasil desde que estreou
no pas. A questo que se impe : que elementos e fatores esto em jogo no processo de
dublagem de uma pea audiovisual, no caso, o seriadoEl Chavo del Ocho, e que possibilitam
a transposio das falas de uma obra deste gnero de um idioma para outro de modo a
promover a possibilidade de trnsito de elementos de uma realidade cultural para outra.
Assim, o segundo captulo da dissertao, A Televiso, trata resumidamente de
certas consideraes de ordem histrica a respeito da comunicao de massas, do surgimentoda arte cinematogrfica e das possibilidades inauguradas por ela, ao da televiso.
No mbito do mesmo captulo, o estudo passa em revista aspectos do contexto
brasileiro no que diz respeito a esse mesmo fenmeno: o surgimento dos primeiros canais de
televiso especialmente do Sistema Brasileiro de Televiso, emissora que consagrou a srie
no Brasil as caractersticas socioculturais do pblico que a adaptao brasileira deEl Chavo
del Ocho tinha em mira e as relaes desses mesmos fatos com a biografia do dono da
emissora.Finalizam o captulo alguns elementos de ordem histrica e biogrfica relacionados
especificamente produo de Chaves no Brasil, do sucesso de pblico obtido pelo seriado e
da equipe formada para comandar o processo de sua dublagem, a qual ficou a cargo de
Marcelo Gastaldi.
No terceiro captulo do presente estudo, O Processo da Dublagem, passa-se s
consideraes de ordem terica relacionadas voz, linguagem, produo de sentido, traduo
e modalidades de traduo audiovisual. o momento de fundamentar as anlises feitas nocaptulo seguinte.
O terceiro captulo versa ainda sobre a discusso em torno das dificuldades inerentes
ao processo de dublagem, as quais so experimentadas tambm por aqueles que se dedicam
8Tomo conhecimento de uma parte considervel da minha biografia atravs das palavras alheias das pessoasntimas e em sua tonalidade emocional: meu nascimento, minha origem, os acontecimentos da vida familiar enacional na minha tenra infncia (tudo o que no podia ser compreendido ou simplesmente percebido por umacriana). Todos esses momentos me so necessrios para a reconstituio de um quadro minimamente inteligvel
e coerente de minha vida e de seu mundo, e eu, narrador de minha vida pela boca das suas outras personagens,todo o conhecimento de todos aqueles momentos. (BAKHTIN, 2011, p.142) .
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traduo, razo pela qual as consideraes a respeito da atividade de traduzir feitas por Walter
Benajmin, Haroldo de Campos e Patrick Zabalbeascoa, esse ltimo especialmente no que diz
respeito traduo do humor, assumem papel importante na discusso.
O quarto captulo, A Anlise, traz o exame referido no pargrafo anterior, abordando
os significados veiculados pelos nomes dos personagens, tanto na verso original quanto em
sua adaptao brasileira, as relaes intertextuais que h entre essas mesmas duas verses e
exemplos de solues propostas pelos dubladores para os problemas de traduo, produo e
comunicao de sentido com os quais tiveram de lidar.
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as imagens da vida material, as grosserias, blasfmias e injrias, e o corporal, que liberta o
cmico e o grotesco. O cinema oferece meios para que esse material humano seja expresso e
veiculado a um pblico mais abrangente; uma novidade.
Mas para que a revoluo se consumasse, o prprio meio de propagao da cultura de
massa deveria se tornar mais acessvel. O prottipo da televiso nasce na dcada de 1920 em
Londres como um rdio que produzia uma imagem avermelhada. A Alemanha foi a primeira a
transmitir em alta-definio termo adequado apenas para os padres tecnolgicos da
poca e teve seu grande momento nos Jogos Olmpicos, de 1936, em Berlim. Aos poucos
essa tecnologia migra para casas de alguns particulares, os mais abastados, convertendo-se
num pretexto para reunir as pessoas, j que muitas queriam desfrutar da novidade tecnolgica
que fascinava mais do que o rdio. (TARQUINI, 2007, p.19; RIBEIRO, SACARAMENTO,ROXO, 2010, p. 16).
2.1 A TELEVISO NO BRASIL
Em 1954, a General Electriccria um anncio dizendo que a nova cincia est para
trazer a transmisso de imagens em aparelhos domsticos e o Brasil seria uma das naes
beneficiadas, pois esta tecnologia inseriria o pas na modernidade. Imersa numa imagem de
sonho, na qual aparece materialmente como prximo ao rdio e ao cinema, um misto dos dois,
a televiso antes de ser materialidade povoou o imaginrio. (RIBEIRO, SACRAMENTO,
ROXO, 2010, p.16)
Este hibridismo de rdio e cinema encantou a todos: ouvia-se falar de televiso mesmo
antes de ver televiso. Foi Assis Chateaubriand, que de maneira pioneira, trouxe a TV para o
Brasil, o que causou comoo entre a populao que se aglomerava para acompanhar asnovidades da nova inveno humana. Assim como o fizeram os jornais e o rdio, a televiso
renovava os meios de transmisso de notcias. No entanto,correram duas dcadas at que os
brasileiros aprendessem a explorar as possibilidades oferecidas pela televiso. (Ibid, (ibidem)
p.19-20)
O primeiro canal de televiso no Brasil foi a TV Tupi Difusora de So Paulo que, em
setembro de 1950, comeou a mostrar o poder de influncia da opinio pblica, estimulando a
imaginao fantasiosa de um mundo possvel, diminuindo as distncias entre o telespectadorbrasileiro e o sonho de um pas melhor.Sua programao, exibida ao vivo pelo fato de no
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governo da poca com relao televiso, e o ministro afirmou: No que os programas de
Flvio Cavalcanti, do Chacrinha e do Silvio Santos no prestem. Mas poderiam ser bem
melhores. (RIBEIRO, SACRAMENTO, ROXO, 2010, p.119). Segundo Igor Sacramento,
Corsetti apontou como o pior exemplo a longa durao do Programa de Silvio Santos, o qual
o prprio apresentador acharia irritante se tivesse de ficar 10 horas em frente ao aparelho
televisor. O governo tencionava intercalar, entre estes programas, msicas e espetculos de
contedo cultural, como Villa-Lobos, por exemplo.
Marco Roxo (2010) afirma que a imprensa criou, em 1973, o termo padro Globo de
qualidade, o qual consistia na prpria percepo do pblico de que a emissora estava se
desfazendo de programas considerados j ultrapassados, como alguns de auditrio de Dercy
Gonalves, Flvio Cavalcanti, Chacrinha e colocando programas mais cultos e modernos,como o Fantstico e o Globo Reprter, criando, assim, um novo padro para a televiso
brasileira. Alm disso, nessa mesma poca, a Globo j optava por programas gravados, ao
invs das produes ao vivo, por conta da possibilidade de edio do material. A emissora
abusou dos videografismos, edies velozes baseadas em planos curtos, chromakey para
pirotecnias visuais e de figurinos bastante coloridos. (RIBEIRO, SACRAMENTO, ROXO,
2010, p.121)
2.2 DO BA AO SBT: A TRAJETRIA DE SILVIO SANTOS
Senor Abravanel, um filho de imigrantes gregos de origem judaica nascido em 1930
na cidade do Rio de Janeiro, aos quatorze anos de idade j trabalhava como camel. No curso
de sua trajetria profissional, tornou-se radialista, empresrio, apresentador de televiso, dono
de emissora (TARQUINI, 2007, p.35). Seria simples resumir a sua biografia em uma pequenastorylinecomo essa.
Silvio Santos comeou a ser reconhecido desta maneira, atravs do rdio. No final de
dcada de 1950 j tinha um pblico muito fiel que o acompanhava e, por isso mesmo, Manoel
da Nbrega o chamou para uma sociedade: um carn ofertado a clientes de baixo poder
aquisitivo, que pagaria as prestaes de uma caixa de brinquedos durante o ano e receberia os
produtos sonhados na poca de Natal. Essa ideia, batizada de Ba da Felicidade, tinha o
propsito apenas de poder fechar sem dvidas o negcio, mas Silvio Santos enxergou o seufuturo nestes carns. J em 1958, o Base havia consolidado, e foi o primeiro pr-pago do
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(ibidem), p.166). Graas maneira de se comunicar com o pblico, prometendo-lhe todo tipo
de ajuda - inclusive o atendimento de um mdico espiritual -, as portas da emissora viviam
cheias de pessoas que desejavam ser atendidas, fazendo, assim, com que o SBT fosse
conhecido tambm como popularesco, no sentido de uma crtica cultural, uma
degenerescncia do popular. O mercado publicitrio condenava o SBT, devido s suas
novelas apelativas, ao sensacionalismo de O Povo na TV, que era considerado agressivo
ao telespectador. Anunciantes no queriam promover suas marcas nem mesmo gratuitamente,
o que Silvio Santos no entendia, j que era o segundo em audincia nacional. O fato que
esta emissora tinha um pblico considerado de classe baixa.
Silvio Santos passou ento a uma reformulao para tentar sair do chamado TV
Povo, tirando os programas do ar, mantendo apenasPrograma Silvio Santos, Viva a NoiteeBozona sua programao e contratando atraes mais em acordo com o gosto familiar, como
Hebe e a Praa Nossa, e investindo num jornalismo mais respeitado, com Bris Casoy,
ncora na bancada do telejornal, alm de apostar nas novelas mexicanas para tentar concorrer
com a rede Globo. Passou-se do popularesco ao brega - utilizando recursos em excesso:
muita cor, muito brilho, muita luz, som estrondoso, muitos efeitos especiais. O fato que
outras emissoras tiveram de repensar os programas de auditrio para no perderem uma
considervel fatia de telespectadores. Em 1989, a Globo decidiu tentar combater o SBT comDomigo do Fausto, dirigido por um dos mais experientes membros da equipe doPrograma
Silvio Santos, Deto Costa. (TARQUINI, 2007, p.44).
2.3 A PARCERIA ENTRE SBT E TELEVISA
Com o interesse de atingir altos nveis de audincia e sem muito dinheiro para investir
na produo de programas locais, Silvio Santos e sua direo artstica do SBT, ao mudar sua
programao em 1983/1984, analisava propostas de exibio de seriados, filmes e novelas
internacionais. Pacotes de programao eram oferecidos emissora. Foi nesta poca que a
parceria com a Televisa comeou a nascer. O vice-presidente do SBT era Luciano Callegari, e
os diretores Orlando Macrin, Renato Amorim, Vanderlei Villa Nova e Rick Medeiros
cuidavam da negociao e aquisio dos materiais vindos da emissora mexicana. (JOLY,
THULER, FRANCO, 2005, p.22).
A Televisa a maior emissora do Mxico e a quinta maior do mundo (atrs da ABC,
da Rede Globo, da CBS e da NBC). mais do que um canal de televiso: trata-se de um
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pessoas inclusive, degustam com pimenta. O termo Colorado ficou conectado a escolha da
cor do uniforme. (JOLY, THULER, FRANCO, 2005, p.36)
Chespirito procurou, em seus roteiros, retratar personagens marginais, no no sentido
meliante (apesar de ter feito o personagem Chompiras), mas no sentido puro do termo, do
que est, de uma forma ou de outra, margem: velhos, crianas, profissionais decadentes,
malandros. (KASCHNER, 2010, p.39)
Por questes contratuais com o canal 2, Aguirre teve de se ausentar por um curto
perodo de tempo e Bolaos precisou criar um novo esquete para cobrir o horrio. Assim
nasceu El Chavo del Ocho. O anti-heri e o garoto tiveram tal aceitao, que a emissora
decidiu dar-lhes caractersticas de seriado, com um dia da semana para cada um, com meia
hora de transmisso e em horrio nobre. Os programas Chapolin Coloradoe Chavesabriramas portas do mercado cmico internacional TV mexicana.
Em 1973, ambos os programas eram transmitidos para quase toda a Amrica Latina, e
em todos os pases sua popularidade colocavam-nos em primeiro lugar na audincia
(BOLAOS, 2011, p.56). Em 1975, a Televisa comprava a TIM. A partir de 1984, o
programa voltou a ter uma hora de durao s segundas-feiras, s 8 da noite, com o nome de
Chespirito. Nessa poca, Bolaos j era um sucesso, e assim seguiu sendo por 25 anos
consecutivos: todas as segundas-feiras, s 20 horas, Chespirito estava em quase todos os laresmexicanos. A obra to reconhecida, que at Matt Groening criou um personagem na seriado
Os Simpsonscom referncia ao Chapolin Colorado, duas dcadas depois. Chapolin Colorado
foi o primeiro programa humorstico mexicano a se internacionalizar. (KASCHNER, 2010,
p.99).
Em 1980, seus esquetesoriginaram um programa semanal de uma hora de durao,
chamado dePrograma Chespirito, e permaneceu no ar at 1995. O seriado acabou por conta
da idade dos atores, pois a rede Televisa considerava que no fazia mais sentido quepersonagens to geis e cheios de expresses corporais fossem interpretados por atores que
no poderiam atuar como na dcada de 1970.
Chespirito tambm estrelou em filmes mexicanos, escritos e realizados por ele
mesmo comoEl Chanfle de 1978,El Chanfle 2 de 1982, Don Ratn e Don Ratero de 1983,
Charrito de 1984eMsica de viento de 1988. A primeira pelcula,El Chanfle, foi um pedido
da prpria Televisa, que gostaria de aproveitar a popularidade dos personagens de Bolaos,
como Chapolin e Chaves, mas Roberto no aceitou filmar com personagens televisivos, pois
acreditava que estas figuras to marcantes da TV no funcionariam nas telas de cinema.
Portanto, aceitou fazer um filme sobre futebol, sua paixo, atuando com todos os outros atores
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das sries que escrevia. El chanfle conta a histria de um assistente da equipe de futebol
Amrica, que enfrenta problemas de empatia com o treinador Moncho Reyes, por conta do
elevado senso de honra e transparncia que nutre pelo jogo. O filme foi codirigido por
Enrique Segoviano (mesmo diretor dos programas de Chespirito na Televisa)
FIGURA 1FRAME DO FILMEEL CHANFLE9
FONTE: TELEVICINE S.A, 1978
Bolaos usava seus programas como forma de merchandisingde seus filmes. Como
exemplo deste marketing, examino o episdio deEl Chavo del OchochamadoDa en el cine
de 1979 (Vamos ao Cinema,de 1988),no qual o garoto Chavesvai ao cinema com alguns
personagens da vila. Sendo uma criana levada, o garoto no consegue ficar muito tempo
quieto em uma sala escura e fica irritado por no poder falar com seus amigos. Assim,
personagens e figurantes comeam a reclamar do barulho que o garoto est fazendo eChaves,
demonstrando desagrado com o filme, verbaliza, a todo momento, na cena a seguinte fala:
CHAVO (Roberto Bolaos, 1979)
- Hubiera sido mejor haber ido a ver la pelcula El Chanfle.
9Imagem capturada do filme El Chanfle. Direo: Roberto Bolaos. Cidade do mxico. Televicine S.A, 1978,96 min. Disponvel em : . Acessado em 18.03.2013
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FONTE: TELEVISA 1979; SBT, 1988.
Na dcada de 1990, a idade forou Roberto Bolaos a abandonar as interpretaes dospersonagens que o tornaram famoso em todos os continentes, levando-o para uma prxima
etapa na televiso: a telenovela. A atriz e esposa Florinda Meza escreveu e interpretou a
telenovela Milagro y magia, exibida pela Televisa em setembro de 1991, e que teve como
diretor o prprio Bolaos, com a ajuda do filho Roberto Gmez Fernndez na direo das
cmeras. (BOLAOS, 2011, p.131)
Em meados de 1992, Chespirito voltou a trabalhar em peas de teatro na Cidade do
Mxico. O dramaturgo havia produzido uma pea em 1966 chamada Silencio, cama,accin, mas sem sucesso. Em 1984, dirigiu e atuou na comdia musical Ttere, baseada no
Pinquio, de Carlo Collodi. Mas foi em 1992, com a pea 11 y 12, que Bolaos obteve
reconhecimento tambm no palco: dividida em dois atos, a obra narra a vergonhosa situao
de Eloy Madrazo (vivido por Bolaos), que perde suas partes ntimas em um acidente e tem
de resolver o problema para poder ter filhos com sua esposa (Florinda Meza), mulher
obcecada por refinamento e beleza, e que pouco se importa com seu marido, j que ele
baixinho e feio. Por no gostar do seu fsico, ele cria codinomes numricos para as partes doseu corpo. (Ibid, (ibidem), p.137)
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o programa prosseguisse sua carreira. (2006, p.56) As explicaes usadas pelo roteiro foram
que Quico foi estudar e morar com a tia, e Seu Madruga foi em busca de um emprego digno.
Em 1981, Valds voltou ao elenco de Chaves,mas em 1982 saiu novamente para protagonizar
a srie Federricocom Villagrn, alm de excursionar com seu circo pelo Peru. Em 1983, o
programaEl Chavo del Ochoparou de ser produzido. Segundo Bolaos, era a hora certa de
parar. (apud KASCHNER, 2006. p.56) Seis anos depois, em 1988, Vldes trabalharia
novamente com Villagrn em Ah que Kiko!. Contudo, seu estado de sade era crtico, pois
foi detectado um cncer que comeou no estmago e se alastrou falecendo em 9 de agosto de
1988. (KASCHNER, 2010, p.55).
Em 1985, o canal 8 muda de sinal, para se tornar XEQ Canal 9, com programao
cultural inteiramente dedicada divulgao da cincia, da cultura e das artes no Mxico.Vrios anos depois, o Canal 9 assume novamente seu formato comercial. Seriados
humorsticos e desenhos animados passam a ter um canal especifico dentro do grupo, o canal
5. Bolaos permaneceu com o Programa Chespiritoat meados de 1995. O seriado Chaves
foi retomado no comeo da dcada de 1990, com os atores bem mais velhos e utilizando as
salas de aula do Professor Girafales. Closes de cmeras eram evitados para no demonstrar a
idade dos atores. O roteiro era pensado nos trocadilhos verbais e no mais nas atuaes
cmicas. Os atores Edgar Vivar, Angelines Fernndez e Ral Padilla foram obrigados a seausentar por muitas gravaes, por problemas de sade. Esta conjuno de fatores fez com
que o sucesso da srie dos anos 1970 ficasse aqum do esperado. As mortes de Ral Padilla e
Angelines Fernndez fizeram com que as gravaes cessassem por definitivo na Televisa. Ao
total, foram 1278 captulos, contado todas as esquetes do programa Chespirito, Chaves e
Chapolin.(Ibid, (ibidem), p.57)
El Chavopassou a ser uma das marcas que permitiu a Televisa ampliar suas ofertas,
expandindo companhias de mdia de outros pases. A estratgia de merchandising doprograma refletiu em suas retransmisses e no preo do uso dos direitos autorais das
personagens. Em 1974, comeou a comercializao de revistas na Amrica Hispnica. A
estreia da srie animada, em 2006, permitiu o lanamento de novos produtos baseados em
seus personagens: o McDonalds distribuiu uma linha de brinquedos, a srie de cereais
Kelloggs criou mochilas e estojos, a Televisa ainda conseguiu criar jogos e animaes em
DVD, calados, entre outros. (KASCHNER, 2006, JOLY, TULER, FRANCO, 2005;
BOLAOS, 2011)
Naturalmente, o sucesso alcanado pelos produtos ligados marca El Chavo
devedor do xito do programa televisivo de mesmo nome, o qual, por sua vez, foi construdo
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nome do personagem Quico para Kiko, podendo assim continuar o personagem em uma srie
prpria criada na Venezuela e, posteriormente, apresentaes do personagem em seu prprio
circo. J a atriz Maria Antonieta de las Nieves mantm na justia o direito sobre o
personagem la Chilindrina (Chiquinha), o que forou a Bolaos retirar a personagem do
seriado em desenho animado. (KASCHNER, 2006, 2010)
Srgio Stern foi o escolhido pela produtora Herbert Richers para dar a nova voz do
personagem Quico no desenho infantil, o que gerou descontentamento por parte dos fs mais
fervorosos. Stern tentou criar uma nova interpretao para Quico, buscando novas formas
fonticas na timbragem para construir o personagem que agora se apresentava em formato de
desenho. Este seriado animado teve vrios problemas com as vozes originais brasileiras,
pois alm do problema com Nelson Machado, Marcelo Gastaldi (Chaves), Mario Vilela(Sr.Barriga e Nhonho), Helena Samara (Dona Clotilde) e Older Cazarr (Jaiminho) acabaram
falecendo nas ltimas duas dcadas. A soluo dos novos diretores de dublagem do desenho
foi a escolha de dubladores que fossem parecidos sonoramente e foneticamente com os
dubladores da primeira verso, e no mais com os atores originais mexicanos. O desenho, que
teve sua estreia em 2007, j passou por quatro dublagens diferentes. Em 2007 e 2008, os
estdios da Herbert Richers ficaram responsveis pela vocalizao, em 2010, a lamo
assumiu as vozes, e em 2012, dois estdios fizeram novos episdios, RioSound e Dubrasil. Osquatro estdios tentaram imitar as vozes dos dubladores originais para agradar aos fs mais
antigos, conseguindo em alguns personagens uma semelhana. Os nicos atores originais que
continuam a dublar a srie so Carlos Seidl (Seu Madruga) e Martha Volpiani (Dona
Florinda). Mesmo Carlos Seidl sendo o dublador oficial do personagem Seu Madruga no
Brasil, j se percebe que sua voz est alterada, quando comparada sua sua voz de 1984.
Alguns fonemas no so mais atingidos na timbragem feita pelo ator na dcada de 1980. Seria
ento, a voz dublada original e temporal mais importante que a voz dos atores mexicanosno caso do seriado Chaves adaptado ao desenho infantil?
O Chavesno feito apenas de vozes; a imagem e a interpretao iconizada pelos
atores mexicanos constri a identidade do programa e na qual a voz brasileira tornou-os
brasileiros para o telespectador. Mas tanto no caso de uma re-dublagem uso o termo re-
dublagem pois os atores tentam imitar os dubladores da primeira verso brasileira no desenho
e DVD , a sensao de estranheza evidente.
Portanto, o primeiro impacto, o primeiro encontro entre o telespectador e o ator
dublado sem conhecer a sua voz original, tornar ela a voz dublada a verdadeira para o
pblico. Uma outra demonstrao da credibilidade da vocalizao do seriado Chaves,
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aconteceu em 2011, nos 30 anos do SBT. Atores da emissora paulista recriaram o seriado
mexicano com todos os detalhes estticos possveis, desde cenrio a figurinos quase que
impecveis, inclusive com a qualidade de imagem precria como nos anos 70, para presentear
aos fs do seriado. O detalhe mais interessante de todo este projeto, foi que os atores
brasileiros, estavam representando os atores mexicanos, com seus gestos e caricaturas
conhecidas pelos telespectadores, mas utilizando-se das formas de vocalizao dos dubladores
da primeira verso, e no se preocupando com as vozes originais mexicanas. Portanto, a
imagem e o som estaro sempre imbricados no meio audiovisual.
Originalmente, a preocupao de Marcelo Gastaldi, na escolha de atores brasileiros
com timbres de vozes parecidos com o original mexicano, e o sincronismo labial, seria um
dos fatores que chamam ateno para este trabalho da dublagem. (MACHADO, 2010, p.68)
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acrescentadas no processo de dublagem s caractersticas de um de seus personagens, por
exemplo, Seu Madruga, ligam-no cultura brasileira de tal modo que tornam o personagem
mexicano mais brasileiro do que propriamente mexicano, por assim dizer, fato que ser
abordado mais pormenorizadamente no captulo 4 desta dissertao.
Essa modalidade de recurso confere obra elementos de uma identidade cultural
diversa, tornando-a no caso do seriado mexicano El Chavo del Ocho, no Brasil conhecido
apenas como Chaves uma obra brasileira com resqucios de elementos mexicanos, j que
aquilo que visvel ao pblico apenas a imagem, e esta imagem est atrelada ao som em
lngua portuguesa.
A imagem, em uma obra audiovisual dublada, pode ser compreendida na
representao do ator atravs de gestos ou expresses universais, no dependendoexclusivamente do som original ou dublado, assim como nos filmes mudos, por exemplo; no
entanto, uma poro considervel da produo de sentido em uma pea audiovisual est
condicionada fala (dilogo) dublada.Assim, a compreenso do sentido depende da fala, e o
processo de dublagem atualiza a obra, no dizer de Benjamin (2001, p.13). No caso do seriado
em estudo, o Chavesbrasileiro entona mais elementos culturais identificveis ao telespectador
do Brasil do que em comparao cultura mexicana do Chavooriginal. Isso significa que,
atravs da voz dos dubladores, o sentido do texto/fala do seriado criado para o pblicobrasileiro; so poucas as referncias culturais mexicanas que chegam ao telespectador por
meio das imagens no seriado, tornando-o, assim, um seriado brasileiro para o pblico
nacional, afirmao que encontra eco no depoimento de Jos Gatti:
apenas uma obra diferente da original, que s poder ser apreendida com plenitudena cultura onde foi gerada. Em outras culturas (onde a obra ser fruda em traduo)ela se torna outra, inclusive com possibilidades de gerar significados novos - einesperados no contexto original. Por isso no devemos fazer juzo de valor (no
nosso papel como pesquisadores), mas apenas avaliar as verses por suas qualidades(e/ou defeitos) intrnsecas. Chavesconseguiu se comunicar com um enorme pblico,inclusive no-hispanfono (como o brasileiro), e foi apropriado de formasdiferentes.11
Muitos dos elementos trabalhados pelo criador da srie, Roberto Gomez Bolaos,
dizem respeito experincia humana em geral, no se restringindo a uma cultura especfica,
como, por exemplo, a fome, a pobreza, a diferenciao de classes. Outros, no entanto, dizem
respeito a traos sociais e culturais tipicamente latinos, o que facilita a adaptao da obra para
o pblico brasileiro.
11Depoimento escrito ao autor (2013).
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acontecimentos: o fator determinante para a aceitao desse fenmeno seria o desejo do
pblico de participar mais ativamente, emocionalmente, dos pensamentos, intenes e
emoes das personagens, j que os dilogos se misturam ao visual. (ARNHEIM,1989,
apud CAJABA, 1997, p.54)
No entanto, houve certa controvrsia entre crticos, diretores e atores em relao
chegada do cinema sonoro. Chaplin (MERTEN, 2003) acreditava que a sonorizao ameaava
aquilo que o cinema mudo tem de melhor, ou seja, a tradio da pantomima13. No entanto,
Fritz Lang concebeu seuM Eine Stadt sucht einen Mrder(M, o Vampiro de Dusseldorfde
1931) de modo que o som desempenhasse uma funo crucial na trama, inclusive sendo a
chave para se descobrir o assassino de Elsie Beckmann, interpretado por Peter Lorre. Nesse
mesmo filme a fala se estabelece como um elemento chave para sua compreenso, mostrandoao espectador onde, como, quando e porque as circunstncias da trama se revelam. O som,
portanto, converte-se num meio de transmisso de sentido, acrescentando nuances e notas que
a mudez completa no seria capaz de aludir:
Para Eisenstein o som no foi introduzido no cinema mudo, saiu dele. Surgiu nanecessidade que levou nosso cinema a ultrapassar os limites da expresso plstica.Para Bresson, o silncio fora inventado pelo cinema falado. As significaes dosilncio, que s ocorrem por contraste com o som. No cinema mudo, portanto, o
silncio, completo, no expressa. (CAJABA: 1997, p.33)
Ainda segundo Cajaba, o som imprime sentido, solicita compreenso de
tom/entonao, timbre, inflexes, enfim, requer dos sentidos um empenho que no se
restringe mais, apenas ao visual. (1997, p.33).
3.3.1 A compreenso da voz
Enquanto o cinema mudo trabalhava apenas com a arte da pantomima, muitos dos
gestos e expresses utilizadas se tornavam universais mesmo com as diferenas culturais ,
mas a partir do momento que o som fica em evidncia, a forma de comunicao se torna mais
ampla. Os enunciados so expostos ao espectador.
Ao partir-se do ponto de que todo objeto est cercado de um discurso, toda palavra
dialoga com outra palavra, portanto sempre estar rodeada de vrias palavras.
13Pea em que os atores se manifestam s por gestos, expresses corporais ou fisionmicas, prescindindo dapalavra e da msica.
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Cada enunciado pleno de ecos e ressonncias de outros enunciados com os quaisest ligado pela identidade da esfera de comunicao discursiva. Cada enunciadodeve ser visto antes de tudo como uma resposta aos enunciados precedentes de um
determinado campo: ela os rejeita, confirma completa, baseia-se neles, subentende-os como conhecidos, de certo modo os leva em conta. (BAKHTIN,1993, p. 297)
Segundo Bakhtin, no so as unidades da lngua que so dialgicas, mas os
enunciados. O enunciado a rplica de um dilogo, pois quando se produz um enunciado,
inicia-se um dilogo com outro discurso. Um enunciado est acabado quando permite uma
resposta do outro. O enunciado sempre ocupa uma posio diante de um problema. Fiorin
afirma que as unidades de lngua no so dirigidas a ningum, ao passo que os enunciados
tm um destinatrio. Unidades de lngua so neutras, enquanto os enunciados carregamemoes, juzos de valor, paixes. (FIORIN, 2008, p.22)
Para auxiliar no entendimento desta diferena entre a lngua e os enunciados,
examinemos a palavra fogo. A palavra pode ser usada a qualquer momento, por qualquer
pessoa, pois todos entendem o seu significado. Se a mesma palavra for inserida em um
enunciado, como por exemplo, Estou pegando fogo!, a palavra fogo deixa de ser uma
unidade de lngua, e contribui para a comunicao de um significado, segundo o qual, por
exemplo, o locutor afirma que est em chamas, ou com muito calor, podendo tambm ser
interpretado como raiva ou at mesmo desejo por outra pessoa. Portanto, de acordo com
Bakhtin, em todo enunciado sempre se ouve pelo menos duas vozes. Mesmo no explcitas,
esto presentes.
Para analisar a importncia da fala em um processo de dublagem, particularmente
aquele que objeto desse estudo, necessrio compreender como estes dilogos entre
texto/fala mexicano se conectam ao texto/fala da adaptao brasileira, j que o ser humano
um produtor de textos na sociedade da qual faz parte.
Mikhail Bakhtin afirma que o grande interesse pelas cincias humanas est no
homem, mas o homem como produtor de textos (apud BRAIT, 1997, p.28) e prope, para
cada cincia humana, um objeto textual especfico, pois pontos de vista diferentes sobre o
texto constroem textos e, portanto, objetos tambm diferentes. Sendo o texto objeto das
cincias humanas, Bakhtin aponta duas diferentes concepes do princpio dialgico: a do
dilogo entre interlocutores e a do dilogo entre discursos, pois considera que nas cincias
humanas o objeto e o mtodo so dialgicos.
Existe o que o autor chama de compreenso respondente: procura-se conhecer um
objeto e um sujeito. As relaes entre o sujeito da cognio e o sujeito a ser conhecido nas
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uma bolinha,de 2014. (Prohibido Jugar Ftbol en el Patio, de 1978, onde Chaves, ao iniciar
uma brincadeira com uma bola de futebol, sugere que gostaria de desempenhar o papel de um
goleiro de algum time mexicano ou ento de alguma das selees participantes da Copa de
1978) Para Bakhtin, A linguagem no falada no vazio, mas numa situao histrica e social
concreta no momento e no lugar da atualizao do enunciado. Assim sendo, o significado da
palavra est tambm ligado histria atravs do ato nico de sua realizao.
(Bakhtin/Medvedev, 1978, apud BRAIT, 1997, p.97).
No entanto, os problemas inerentes ao processo de dublagem de uma pea
audiovisual no se esgotam na criao de meios de transpor referncias de um meio cultural
para outro, vez que toda a comunicao verbal presente na obra deve ser vertida para outro
idioma. H de se tratar ainda, portanto, das questes que dizem respeito traduo.
3.4 TRADUO
Uma definio que indica o significado do ato de traduzir vem de Paulo Bezerra, que
diz: Traduzir estabelecer dilogo entre culturas (BEZERRA, 2004, p.5). O tradutor
adentra a cultura do outro, a vivencia, apalpa os seus elementos, sente-os na suaespecificidade e leva-os para a sua prpria cultura, revestindo-os com a forma que marca essa
individualidade cultural, mas sem apagar as peculiaridades do original. Os tradutores que no
mergulham na cultura em que uma obra foi escrita, no conseguem levar sua essncia sua
prpria cultura, construindo, o que no dizer de Walter Benjamin, uma m traduo:
Aquelas tradues que escolhem para si o papel de intermedirio, que em nome doutro
transmite ou comunica, no conseguem transmitir seno a comunicao, ou seja, o
inessencial. uma das caractersticas que se reconhece uma m traduo. (2008, p.25).
Segundo o depoimento de Jos Gatti, a lngua tm um valor que lhe contestvel, pois a
lngua est sempre viva, portanto, mutvel 14. E esse carter diverso da lngua e suas
variantes um componente vital da diversidade cultural do planeta, o que vem a se tornar um
autntico desafio para o tradutor. Segundo Benjamin, em seu ensaio sobre A Tarefa do
Tradutor, A traduo em primeiro lugar uma forma. E conceb-la como tal significa antes
de tudo o regresso ao original em que ao fim e ao cabo se encontra afinal a lei que determina e
contm a traduzibilidade da obra. (2008, p.26).
Para Roberto Mayoral Asensio (2009) Os estudos de traduo devem ser feitos como
14Depoimento escrito ao autor (2013).
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um produto cultural, no como um processo; o estudo das relaes entre a cultura de origem e
a cultura receptora deve ser visto de uma perspectiva ideolgica.15 (ASENSIO, 2009,
traduo Michael Bahr) A traduo est vinculada no s s diferenas entre as lnguas, como
tambm entre contextos histricos, como afirma Suzana Lages:
Como o tempo, uma traduo caracterizada por uma certa instabilidade, uma vezque se define como mediadora, no apenas entre duas culturas espacialmentedistantes, mas tambm entre dois momentos histricos diversos. A traduo ocupaum espao de passagem, no qual no se fixam momentos cristalizados, identidadesabsolutas, mas se aponta continuamente para a condio diferencial que a constitui.Simultaneamente excessivo e carente, poderoso e impotente, sempre o mesmo textoe sempre um outro, o texto de uma traduo ao mesmo tempo destri aquilo que odefine como original lngua e o faz reviver por intermdio de uma outra lngua,estranha, estrangeira. (2002 p.215)
De acordo com Steiner, todo texto analisado por uma leitura um ato de interpretao
plural, e acontece sem a mediao de uma percepo consciente. A lngua de origem pode
atrair tendncias interpretativas para significados prximos lngua de destino, no caso, s
palavras de som similar do seu prprio idioma. (apud Dilma Machado, 2004, p.25) Se esta
tendncia interpretativa pode aplicar golpes nos tradutores, existem estudos que defendem a
criao de um novo texto, baseado no original, ou tambm conhecido como recriao, j que
deve ser pensado para a cultura de destino.Segundo Augusto de Campos (2012)As melhores tradues as tradues criativas
so aquelas que no parecem traduo. Mas so raras as que atingem esse resultado.
Haroldo de Campos (1994) tambm defende que o processo de traduo deve ser criativo, e
no simplesmente uma transposio do texto original. O texto original foi desenvolvido para
aquela cultura da qual faz parte, e no para cultura de outro pas. Por esse mesmo motivo, a
traduo precisa ser criativa, isto , fazer com que o texto de uma cultura estrangeira faa
sentido na cultura para a qual est sendo traduzido. Os responsveis pela traduo devem estar
no mesmo nvel do original para que a criao em lngua nacional alcance o mesmo nvel do
obtido na lngua original.
Haroldo de Campos (1994) define como transcriao o ato de tomar a lngua
estrangeira como estatuto de criao da lngua nacional, pois a lngua de um povo reflexo da
tradio e da cultura, fazendo parte da histria deste povo. O relacionamento entre o texto
estrangeiro e o texto nacional traz tona uma nova dimenso da discusso sobre a valorizao
15 En ellos se estudia la traduccin como un producto cultural, no como un proceso, y se estudian lasrelaciones entre la cultura emisora y la cultura receptora desde una perspectiva ideological.
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deste estudo. Zabalbeascoa afirma sobre a importncia e os cuidados com os significados na
traduo:
Traduzir humor complicado pelo fato de que muitas vezes o elemento cmicodepende do duplo sentido das palavras, da ambiguidade, de significadosmetafricos, e do significado mesmo da palavra; trata-se do absurdo, surrealismo, ousignificado abstrato ou simblico. (ZABALBEASCOA, 2005, p.191)
A intencionalidade outro fator importante para o qual deve atentar um tradutor na
adaptao de uma obra audiovisual, isto , observar se o humor faz parte da inteno do autor
ou se est sendo causado por outro elemento, por exemplo, um erro engraado fora de texto
praticado pelos atores, o improviso etc. No seriado Chaves, o nico ator que poderiaimprovisar em algumas partes do texto de Bolaos, era Ramn Vldes, e percebe-se isto em
situaes onde o personagem de Vldes, Seu Madruga, tenta elogiar o dono da vila, Senhor
Barriga, trocando o substantivo pelo sobrenome do personagem, pois sempre estava devendo
o aluguel ao proprietrio, ao dizer: A barriga a ltima que morre Seu Esperana. Esse tipo
de inverso acabou sendo usada de modo recorrente pelo personagem, tanto no original
quanto na verso dublada. (KASCHNER, 2006, 2010)
O tradutor, para Zabalbeascoa (2005), tambm deve se focar nos sinais (intenes de
brincar), isto , formas dissimuladas de humor em manifestaes mais evidentes, as quais
tendem a ganhar forma mais explcita na traduo do que seus textos originais, j que a
traduo menos eficaz que o texto original.
Outra dificuldade apontada por Zabalbeascoa so as chamadas piadas particulares,
isto , a anedota produz efeito apenas naquelas pessoas que compartilham das referncias
necessrias para a sua compreenso. O tradutor, na grande maioria das situaes, no pertence
ao grupo em questo e, portanto, deve adapt-la, no se apoiando exclusivamente na palavra
ou frase em si, mas sim, percebendo as passagens que o contexto da cena esto querendo
demonstrar. (2005, p.193)
Os problemas elencados neste tpico so enfrentados pelos profissionais que lidam com
diferentes vertentes de tradues audiovisuais.
3.4.2 Traduo Audiovisual
O termo traduo audiovisual (TAV) ou audiovisual translation (AVT) veio a
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vigorar com a popularizao do VHS nos anos 1980. Portanto, o audiovisual engloba o
cinema, a televiso, o vdeo, e, nestes ltimos anos, os jogos digitais. Para Yves Gambier, at
mesmo o rdio, mostrando a dimenso multissemitica de todos os programas transmitidos.
(FRANCO e ARAJO, 2011, p.1).
A taxonomia criada por estes estudos relacionados ao TAV era colocada em xeque por
pesquisadores na rea, j que o termo audiovisual possua grupos de traduo prima vista
(uma traduo de documento escrito para o discurso oral) e a traduo de roteiro (uma
traduo de um documento escrito para outro documento escrito). Nestes dois casos, no era
necessria uma tela que estampasse a traduo, mas apenas papel. Alguns outros tipos de
TAV tambm eram questionados, como por exemplo, a interpretao consecutiva e a
simultnea, (como nas cerimnias do Oscar transmitidas no Brasil, por exemplo) e ainterpretao de sinais. Outros grupos mais confundem sua definio do que explicam:half
dubbingpara voice-over e double dubbingpara audiodescrio.(FRANCO e ARAJO, 2011,
p.2).
Foi apenas em 2005, em um artigo sobre a Traduo Audiovisual e Acessibilidade,
que Das Cintas esclareceu e simplificou a terminologia TAV. Nos primeiros estudos, a TAV
foi usada para encapsular prticas de traduo diferentes usadas na mdia audiovisual, como o
cinema, a televiso, o vdeo, nas quais h uma transferncia de uma lngua-fonte para umalngua-meta. Dentre todas as categorias definidas para a TAV, a dublagem e a legendagem
tornaram-se as mais populares na profisso e as mais conhecidas pelos (tele)spectadores. Mas
existem outras categorias que foram definidas por Cintas sendo: voice-over, dublagem parcial,
narrao, interpretao, narrao de espetculo ao vivo e a supra-legendagem [surtiling] para
pera e o teatro, sendo as duas ltimas includas num estgio posterior. O que levou a nomear
essas prticas de traduo tem que ver com a mudana de lngua que acontece com todos os
casos. (2005, p.4 apud FRANCO e ARAJO, 2011, p.3)Para Cintas, onde h um sinal acstico e um sinal visual, independentemente de ser
transmitido atravs de uma tela (que pode ser ao vivo ou no) ou de um palco (sempre ao
vivo) considerado um meio audiovisual.(apud FRANCO e ARAJO, 2011, p.3)
A TAV est vivendo uma revoluo fomentada pela demanda e oferta de produtos
audiovisuais que se manifestam na multiplicao de redes televisivas regionais e locais, o
aumento das atividades de educao a distncia, o surgimento de plataformas digitais, a
extenso da televiso por cabo e por satlite. (FRANCO e ARAJO, 2011).
Sendo a televiso um dos meios audiovisuais que interessam para esta discusso,
percebe-se o quanto o telespectador apresentado a filmes, sries, programas, documentrios,
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4 ANLISE
A anlise que segue pretende mostrar num caso concreto, o episdio Los Inseptos delChavo (Os inseptos do Chaves, na verso brasileira), os problemas enfrentados pela equipe
nacional de dublagem do seriado.
Mostrar-se- que esses problemas dizem respeito a questes inerentes ao processo de
traduo de expresses verbais de um idioma para outro, o que naturalmente coloca em jogo a
transposio de um conjunto de referncias e notas que so patrimnio de uma cultura para
outro contexto, em que essas mesmas referncias podem ser esvaziadas de seu significado;
assim, entram em questo os problemas de compreenso por parte do tradutor, sua experinciacom as lnguas e as culturas com as quais est envolvido em sua atividade, razo pela qual
Zabalbescoa considera o tradutor uma varivel no processo (2005, p.205).
No entanto, de acordo com o que ficou escrito no captulo anterior deste estudo, as
dificuldades enfrentadas por um dublador em sua atividade no se identificam totalmente com
aquelas com as quais um tradutor tem de se haver. H um mbito exclusivo para a atuao dos
profissionais da dublagem, na qual verificamos problemas que dizem respeito exclusivamente
sua atuao, como, por exemplo, a produo de sentido por meio de vocalizaes, isto ,
questes que dizem respeito ao uso da voz e suas propriedades timbre, entonao etc. , ao
processo de sincronizao labial, por meio do qual se almeja um ajuste perfeito entre a
imagem e o som que lhe corresponde na tela, e outros fatores.
Como o objeto deste estudo uma obra de gnero cmico/humorstico, a questo da
produo do efeito cmico numa lngua diferente daquela na qual a pea audiovisual foi
concebida tambm se introduz, posto que o humor, a comicidade so comunicados no apenas
por conta de evocaes que dizem respeito a uma determinada cultura, mas tambm em
fatores de ordem lingustica que podem estar inelutavelmente encerrados no idioma original
da obra, como, por exemplo, a sonoridade de certos vocbulos, seus possveis significados,
trocadilhos e jogos de palavras que s vezes so impossveis de ser traduzidos para a lngua-
alvo no processo de dublagem.
Assim, analisamos as relaes intertextuais que h entre a verso original do seriado e
a sua adaptao nacional, a razo da escolha dos nomes dos personagens, os critrios que
entram em jogo na determinao das opes de dublagem sincronia labial, sonoridade
cmica, comunicao de sentido por meio do apelo a referncias culturais conhecidas numa
determinada poca, as questes de diferenas de vocabulrio entre os idiomas espanhol e
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FONTE: Televisa, 1975/1979; SBT, 1984/1988.
Percebe-se nestes dilogos, alm de pequenas mudanas de um roteiro para o outro,
inclusive na parte esttica da cena, que as formas de dublagem tambm se modificam. A
verso de 1979 tem certas mudanas que levam em conta a relao que o pblico tem com os
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personagens: o telespectador que acompanha o seriado j sabe que a Bruxa nutre uma
paixo por Seu Madruga, o que fica evidenciado pela escolha dos termos utilizados na escolha
da forma Madruguinha ao invs de Dru Dru, usada na primeira verso. Como o episdio
de 1979 foi dublado na poca do segundo lote de gravao de 1988 a 1992, a equipe de
Marcelo Gastaldi lana mo de recursos lingusticos capazes de comunicar intimidade,
proximidade e carinho, que o caso do diminutivo, e do termo boneco.
Na sequncia desta cena, em ambos os episdios, Seu Madruga irritado por no saber
onde o ferro de passar foi colocado, continua a chamar Chiquinha pela vila, pois julga que a
filha deve estar usando o objeto em alguma brincadeira, quando surpreendido pela menina,
que grita atrs do pai. Aps o susto, Madruga reclama com a garota, indagando a ela sobre o
ferro de passar que deveria estar em sua casa.
Cena 2 - Encontro de Chiquinha com Seu Madruga (original/1975)
DON RAMN (original/1975)
- Donde demonios te habas metido, mocosa del demonio?
- Tengo ms de dos horas buscando la plancha.?
- En donde est?
Neste caso, a traduo literal seria algo como Onde demnios voc estava, fedelha
do demnio/ melequenta do demnio, estou procurando o ferro de passar h mais de duas
horas. Onde que est?. No entanto, Gastaldi e a equipe de dublagem optam por trabalhar
com sentidos, contextos e sonoridades mais condizentes com elementos de cultura popular
nacional: o termo espanhol mocosa, que significa literalmente ter o nariz cheio de muco,
pode, ser usado de modo depreciativo para designar uma criana intrometida, atrevida, ou
ainda algo insignificante; a escolha do equivalente em lngua portuguesa deveria, portanto,
veicular o sentido pretendido pelo autor no original, isto , o sentimento de impacincia aliado
a uma reao contra a suposta insolncia, o presumido atrevimento da criana, efeito atingido
com o uso do termo lambisgia, que tem origem controversa, mas provavelmente derivado
do latim lambere, passar a lngua sobre, e que dentro do nosso contexto social, seria
atribudo a uma pessoa atrevida, mexeriqueira.
Cena 2 - Encontro de Chiquinha com Seu Madruga (dublado/1984)
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SEU MADRUGA (dublado/Carlos Seidl/1984)
- Onde voc se meteu, sua lambisgia?
- Eu estou h mais de duas horas procurando o ferro de passar!
- Onde que est?
Mesmo a questo da sincronia labial no apresentou problemas, posto que a expresso
mocosa del demonio equivalente, em nmero de slabas, a sua lambisgia.
Existe uma diferena nesta cena entre os episdios de 1975 e 1979. Pois em 1975,
Quico j estava no ptio da vila neste momento, juntamente com Chiquinha, e muitas de suas
falas tiveram de ser direcionadas em 1979 para a menina, j que neste ano Carlos Villagrn
no fazia mais parte do elenco.A cena transcorre e, finalmente, Seu Madruga encontra o ferro de passar roupas nas
mos de Chaves, que o havia pedido emprestado para a garota para esmagar as minhocas que
coletava pela redondeza. H, nesta cena, temos duas situaes com relao verso de 1975:
Chaves encontra uma minhoca andando pelo ptio da vila e, ao mesmo tempo, Quico, que
est escutando toda a conversa, invejoso, decide correr e chegar mais rpido do que Chaves
para poder esmagar a minhoca com os ps. Resulta um encontro desastroso, e Chaves esmaga
o p de Quico ao invs das minhocas.J no remakede 1979, os ps esmagados so os da me do Quico, Dona Florinda
(interpretada por Florinda Meza e dublada por Marta Volpiani). Na cena em que atingido,
Quico chora e chama por sua me, enquanto Seu Madruga tira das mos de Chaves o ferro
com o qual machucou o menino mimado. Ao ver sua me, reclama sobre o fato:
Cena 3 - Pisada no p (1975/1984)
QUICO (original/1975)
- Me plancho el zapato con todo el pie, mami!!
QUICO (dublado/Nelson Machado/1984)
- Ele achatou meu sapato com meu pezinho dentro, mame!!
A dublagem coordenada por Gastaldi opta por manter o efeito cmico causado pela
redundncia expressa no original espanhol: planchar, isto , passar ferro, alisar, o sapato
com todo el pie, com o p inteiro, com o p que estava dentro do sapato.
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Seu Madruga, que tinha a prova do crime em mos, defendido pela filha
Chiquinha:
Cena 4 - Meu pai nunca bateu (original/1975)
LA CHILINDRINA (original/1975)
- Mi pap nunca le ha planchado a nadie...
DON RAMN (original/1975)
- Djala hijita djala, ignorala.
LA CHILINDRINA (original/1975)
- Cada vez que alguien le echa pleito, l siempre se raja.
O verbo espanhol rajar significa, primordialmente, dividir em rachas, isto ,
fender, partir, quebrar. A traduo literal da fala que contm esse mesmo verbo seria:
cada vez que algum briga com ele, ele se racha (se fere). No entanto, a forma pronominal
rajarse usada em sentido coloquial para exprimir covardia, desistncia, voltar atrs. Assim,o sentido que est sendo comunicado pela fala o de que o personagem do qual se est
falando, Seu Madruga, acovarda-se cada vez que algum, quem quer que seja, o desafia para
uma briga. A opo da traduo para a dublagem a que segue:
Cena 4 - Meu pai nunca bateu (dublado/1984)
CHIQUINHA (dublado/Sandra Mara Azevedo/1984)
- O meu pai nunca bateu em ningum...
SEU MADRUGA (dublado/Carlos Seidl/1984)
- Deixa ela filha, ignore-a.
CHIQUINHA (dublado/Sandra Mara Azevedo/1984)
- Cada vez que tenta bater em algum, acaba apanhando.
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Aqui, o esforo do trabalho de traduo vai ao encontro da afirmao de Walter
Benjamin:
(...) como sucede quando se pretende voltar a juntar fragmentos de uma vasilharompida que devem se adaptar nos seus mnimos detalhes, embora no sejaobrigatria sua exatido, tambm prefervel que a traduo, ao invs de identificar-se com o sentido do original, reconstitua at nos mnimos detalhes o pensamentodaquele no seu prprio idioma, para que ambos, do mesmo modo que os pedaos deuma vasilha, possam reconhecer-se como fragmentos de uma linguagem superior.(BENJAMIN, 1979, p.38)
Como costuma acontecer em diversos episdios do seriado, sempre que o
personagem Quico cai no choro, sua me atribui a culpa a Seu Madruga. Aps as bofetadas e
discusses de praxe, a me de Quico, Dona Florinda, pede ao filho que se retire da presenade Seu Madruga, alegando que ele no deve frequentar a companhia de pessoas inferiores, de
gentalha, palavra usada pela personagem para marcar uma diferena de cunho social que na
verdade no existe.
Cena 5 - Vamos Tesouro (1975/1984)
DOA FLORINDA (original/1975)- Vamos tesoro, no te juntes con esta chusma!
- y la prxima vez vaya a plancharle los cachetes a su
abuela!
DONA FLORINDA (dublada/Martha Volpiani/1984)
- Vamos tesouro, no se misture com esta gentalha!
- E da prxima vez, vai achatar as bochechas da sua av!
Num processo de dublagem, frequentemente prevalece o critrio do sincronismo
labial (tambm conhecido comoLip Sync, em ingls) a fim de preservar algo da veracidade da
cena para o telespectador, no que diz respeito harmonia entre imagem original e som
adaptado. Em outras situaes, o critrio estabelecido pelo sentido da fala original, o que
Haroldo de Campos considera como a traduo recproca. Na cena em questo, no houve a
preocupao com o sincronismo labial, e sim, com o sentido da narrativa. O termo chusma
significa multido de gente vulgar, e carrega uma conotao pejorativa. A equipe de
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dublagem optou pelo termo portugus gentalha, que tem o mesmo significado de seu
equivalente espanhol, e traz a mesma carga pejorativa, conferida pelo sufixo alha.
Seu Madruga, irritado, aps ter sido esbofeteado, devolve a agresso ao garoto
Chaves, que, choramingando, responde com um de seus bordes:
Cena 6 Escapuliu (1975/1984)
CHAVO (original/1975)
- Se me chispote..
CHAVES (dublado/Marcelo Gastaldi/1984)
- que me escapuliu ...
A expresso se me chispote significa perdi o controle. No Mxico, usada
tambm como resmungar algo sem sentido, balbuciar. A traduo brasileira mesclou essas
duas significaes, criando o bordo que me escapuliu.
FIGURA 5FRAMES DO EPISDIOLOS INSEPTOS DEL CHAVO (1975)19
19Imagens capturadas do vdeo disponvel em: . Acessadoem 10.06.2012
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FONTE: Televisa, 1975; SBT, 1984.
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As formas coloquiais presentes nas expresses que figuram na traduo tava,
tava falando foram estruturadas de modo a obedecerem ao critrio da sincronicidade
labial, mas tambm se ajusta ao contexto social correspondente situao dos personagens.
Chaves anda pela vila em direo a uma das minhocas que avistou no cho do ptio e
resolve amass-la com o ferro em mos. Mas Dona Florinda, est prxima do verme e acaba,
pela desateno do garoto, tendo os ps esmagados. Com o impacto da batida, a mulher grita
de dor.
Cena 8 Amassando os ps (1979/1988)
DONA FLORINDA (original/1979)
- Aishhh, quitate!
DONA FLORINDA (dublado/Martha Volpiani/1988)
- Ai, sai daqui !
CHAVO (original/1979)
- Fue sin querer queriendo....
CHAVES (dublado/Marcelo Gastaldi/1988)
- Foi sem querer querendo....
Dona Florinda segue em direo a sua casa, com dificuldade ao andar, devido s
dores pela batida nos ps. Seu Madruga no conseguindo conter o riso, faz o uso de uma
comparao para debochar do modo o andar de Dona Florinda, referindo-se a uma ave.
Cena 9 Saracura com calos (1979/1988)
DON RAMN (original/1979)
(risa)
- Mira mi hijita, caminas como guajolote espinado!
SEU MADRUGA (dublado/Carlos Seidl/1988)
(gargalhadas)
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FIGURA 7COMPARATIVO ENTRE GUAJALOTE E SARACURA
FONTE: Wikifaunia, 2012.
Esta mesma palavra,guajolote, foi utilizada mais no final do episdio, e na traduo
brasileira a palavra foi alterada, inclusive com relao prpria traduo j exposta em
dilogos acima. A palavra guajolote, antes traduzida pelo termo saracura, agora vertida
como sapo, animal associado aos contos de fada e, nas mesmas histrias, feiura, (j que o
prncipe encantado das histrias infantis transformado em um sapo, e para a princesa
conseguir seu to sonhado heri, deveria beijar a coisa horrenda e viscosa que o sapo).
Novamente, Gastaldi usa-se da liberdade do processo de traduo, para mexer no roteiro
original e adapt-lo de modo que se torne acessvel na cultura brasileira. Quando Dona
Clotilde traz o bolo para o Seu Madruga, este oferece para a filha, que se recusa a comer pelo
fato de ter sido feito pelas mos de uma bruxa. Ela especula que poderia haver um feitio e
ela, Chiquinha, poderia se transformar em um sapo.
Cena 10 Elixir Mgico (1975/1984)
CHILINDRINA (original/1975)
- Hay pap, no le haya puesto algn elixir mgico y me vaya
a convertir en guajolote!
CHIQUINHA (dublado/Sandra Mara Azevedo/1984)
- Ai no papai, quem sabe que a Bruxa no colocou nenhum
elixir mgico e me transforma em um sapo!
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CHILINDRINA (original/1979)
- Hay pap, no le haya puesto algn elixir mgico y me vaya
a convertir en guajolote!
CHIQUINHA (dublado /Ceclia Lemes/1988)
- Ai papai, e se ela pos um feitio neste bolo para me
transforma em um sapo!
Percebe-se, na ltima dublagem, que o sentido tenta se aproximar mais ao contexto da
narrativa e no tanto fala da primeira verso.
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havia trabalhado com Cecilia Lemes na novela Sombras do Passado, assim como Roberto
Bolaos havia trabalhado com Maria Antonieta de las Nieves com dublagens para desenhos
animados. Gastaldi precisava de uma atriz que colocasse a entonao de voz como a atriz
mexicana, mas tambm, em conformidade com a primeira verso de Chiquinha, feita por
Sandra. Portanto, Cecilia teve uma dupla misso: revocalizar algo j vocalizado, o que
necessariamente coloca a questo, ao mesmo tempo, da entonao vocal de ambas as atrizes.
Trata-se de trabalhar em um dilogo que est influenciado por mais de uma voz.
Outras formas que chamam a ateno nestes episdios semelhantes so termos
usados para as tradues de palomitas de maiz, burro, ocho quartos e sollositos. Sobre as
palomitas de maiz, a dublagem em 1988 traduziu o termo pelo se equivalente em portugus:
pipoca. No idioma espanhol tal como falado no Mxico, a traduo de maizseria o milho,e de palomitas, pipocas paloma o diminutivo de paloma, pomba; as pipocas seriam
pombinhas de milho, uma dupla aluso cor do produto e ao cereal de que feito. No
Brasil, a pipoca salgada (o milho estourado) o termo usado para designar as pipocas brancas,
sendo as do tipo doce qualificadas como caramelizadas. No idioma espanhol, paloma
significa pomba, eles - os mexicanos - usam o termopalomitas de maiz, fazendo aluso as
palomas brancas, que seriam as pombas brancas brasileiras. No episdio de 1975, a dublagem
simplesmente desconsiderou essas questes de traduo, e usou o termo balas em 1984.No mesmo episdio, Chiquinha, sendo provocada por Quico, que est comendo
pipocas, resolve pedir ao seu pai dinheiro para comprar o salgado. Ao entrar em casa, percebe
o pai, Seu Madruga, ocupado passando roupas, e comea a bajular o pai, tecendo-lhe vrios
elogios antes de pedir pelo dinheiro. Ante a negativa de Seu Madruga a menina comea a
chorar at tentar conseguir o que quer. Seu Madruga adverte a filha:
Cena 11 Lgrimas de Crocodilos (1975/1984)
DON RAMN (original/1975)
- Silencio!
- Ni creas que me vas a impresionar con tus sollositos,
entendiste Chilindrina ?!
SEU MADRUGA (dublado/Carlos Seidl/1984)
- Silncio!
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- Nem pense que vai me impressionar com lgrimas de
crocodilos!
Sollositoseria algo como um solucinho, choramingos. A dublagem brasileira usa
a expresso lgrimas de crocodilo, frequentemente associada hipocrisia, justamente um
dos traos da personalidade de Chiquinha. De acordo com o professor Ari Riboldi (2007), em
seu livro O Bode Expiatrio, a origem da expresso biolgica. Mas no tem a ver com
fingimento. Quando o crocodilo est digerindo um animal, a passagem deste pode pressionar
com fora o cu da boca do rptil, o que comprime suas glndulas lacrimais. Assim, enquanto
ele devora a vtima, caem lgrimas de seus olhos. So lgrimas naturais, mas obviamente no
significam que o animal se emocione ou sinta pena da sua presa. Da vem a expresso"lgrimas de crocodilo", querendo dizer que, embora a pessoa chore, suas lgrimas no
significam que ela esteja sofrendo, e muitas vezes so mesmo apenas um fingimento. A
veiculao de sentido por parte da dublagem, neste caso, acrescenta uma nota que no estava
presente na linguagem verbal na verso original da cena: a palavra sollosito no carrega a
conotao de fingimento; no entanto, a encenao da atora ia precisamente neste sentido. A
dubladora, ento, lana mo de um recurso lingustico que cuadra com a representao cnica,
exemplificando mais uma possibilidade da atividade da dublagem.Sobre o termo usado pelo pai de Chiquinha noutra cena, aps ouvir a filha implorar
por um pirulito de caramelo, Seu Madruga usa a gria mexicana ocho cuartos, que seria uma
traduo literal de oito quartos, expresso que no tem sentido no idioma portugus. No
idioma espanhol tal como falado no Mxico, a expresso usada para exprimir de modo
veemente um desacordo.
Cena 12 Lgrimas de Crocodilos (1975/1984)
DON RAMN (original/1975)
- Que paleta de caramelo... Ni que ocho cuartos !
SEU MADRUGA (dublado /Carlos Seidl/1984)
- Que pirulito de caramelo coisa nenhuma!
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FIGURA 9FRAMES DO EPISDIOLOS INSEPTOS DEL CHAVO (1975)
FONTE: Televisa 1975; SBT, 1984.
O termo burro, no idioma espanhol, tem uma vasta gama de significados, dentre os
quais o de uma pessoa sem estudo, rude; a palavra tambm serve para designar o mvel
utilizado como apoio das peas de vesturio no processo de pass-las a ferro uma tbua de
passar roupas. Dentro da narrativa do episdio, Chiquinha pergunta ao seu pai onde deveria
estar o ferro de passar roupas, e Seu Madruga diz para colocar em cima do burro; a menina
olha para Chaves e pergunta se ele aguenta o peso. A ironia construda sobre o efeito de
duplo sentido, que para o espectador mexicano, mas que perderia completamente seu
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potencial cmico numa adaptao para outro idioma que no contasse com uma mesa palavra
que reunisse os dois significados referidos a rudez e o mvel , o que precisamente o caso
da lngua portuguesa. A escolha da equipe de dublagem recaiu sobre o termo cavalete,
vocbulo que designa diversas espcies de peas de apoio, podendo ser aplicada a uma tbua
de passar roupa, e um diminutivo no muito recorrente da palavra cavalo, a qual,
coloquialmente usada em sentido ofensivo. O efeito cmico, imediato para a audincia
mexicana, foi neutralizado na traduo por conta da impossibilidade de se traduzir o jogo de
palavras existente no original, o que um dos problemas enfrentados por tradutores e
dubladores. H uma tentativa de contornar o problema na continuao da cena: Chaves
reclama com Seu Madruga da ofensa recebida, e o homem repreende a filha, que se faz de
desentendida, jogando com a ambiguidade de significado da palavra burro. Uma brevediscusso se inicia em torno do significado desse mesmo termo e, no preciso momento em
que ele pronunciado por Seu Madruga, Quico irrompe na cena, perguntando se estavam se
referindo sua pessoa.
Em portugus, a dublagem modifica o contexto original, convertendo o alegado
desentendimento por parte da menina com base ambiguidade de sentido da palavra em um
mal entendido provocado pela similaridade sonora entre dois termos: cavalete e
cavalinho. Risadas de background surgem, mas para o pblico brasileiro a piada perdesentido, j que o termo burro foi utilizado vrias vezes pela narrativa mexicana.
Cena 12 El burro(1975/1984)
DON RAMN (original/1975)
- Pues no sabes donde est el burro?
QUICO (original/1975)
- Me llam?
SEU MADRUGA (dublado/Carlos Seidl/1984)
- Como voc foi entender cavalinho?
QUICO (dublado/Nelson Machado/1984)
- Me chamaram?
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5 CONSIDERAES FINAIS
O escopo do presente trabalho foi delimitado pela busca de compreenso do processo
de dublagem na adaptao de uma obra audiovisual para um idioma diferente daquele no qual
foi concebida originalmente, levando-se em conta que uma lngua nacional um fato de
ordem sociocultural.
Este mesmo fator o que permite comear a atentar para os principais problemas
inerentes ao processo de dublagem, como a recriao do texto que objetiva transpor as
referncias culturais de que a obra est impregnada em sua concepo original para outro
contexto, os problemas de traduo atinentes mesma atividade, o modo como se d aproduo de sentido na comunicao verbal, os elementos de ordem sonora e lingustica que
influenciam nesse processo, a natureza do fenmeno lingustico e do fenmeno da fala e
outras questes.
O sucesso obtido pela produo mexicana El Chavo del Ocho no Brasil contribui
com uma das premissas desta investigao, isto , possvel transpor o contedo de uma obra
audiovisual de uma cultura para outra, desde que sejam feitos os devidos ajustes, os quais so
necessrios para que se estabelea a relao dialgica entre a obra mesma e o pblico quetrava contato com ela.
No entanto, necessrio esclarecer que essa transposio um processo que leva a
obra a assimilar elementos que lhe eram alheios, descaracterizando-a em certo sentido,
tornando-a patrimnio desse novo ambiente em que ela se inseriu.
Mas justamente essa espcie de descaracterizao que torna a adaptao da obra
audiovisual por meio da dublagem um alvo de crticas. Sendo essa questo de importncia
crucial para o desenvolvimento desta investigao, fez-se necessrio conduzi-la de modo que
se tocassem nas questes que fundamentam a discusso.
Assim, a conduo da anlise foi guiada pelos conceitos de lngua e fala tais como
expostos por Roland Barthes, associados ao fenmeno da produo de sentidos, o que
permitiria ao dublador que goza de domnio dos dois idiomas com os quais est trabalhando
alcanar uma compreenso satisfatria dos fatos de natureza psicolgica, social e cultural
integrados na obra, assim como de seus meios expressivos, ao ponto de criar-lhes um anlogo
na lngua-alvo, no contexto sociocultural ao qual se destina sua traduo.
A produo de sentidos que ocorre quando o profissional da dublagem comea a
determinar os termos do discurso que est (re)criando estudada em funo das noes de
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episdios deEl Chavo del Ochoproduzidos no incio dos anos 1970 no Mxico e que foram
adaptados para o idioma nacional em meados dos anos 1980.
Ao tratar dos problemas de adaptao por meio da dublagem, fez-se necessrio
delimitar o gnero de atividade em que ela se inscreve, a saber, as chamadas tradues
audiovisuais, e, consequentemente, estabelecer a diferena especfica que a torna distinta das
suas demais modalidades.
O repertrio de solues encontradas por dubladores para enfrentar os problemas
elencados no curso desta investigao encontra uma amostragem no seu captulo final, que
traz uma anlise da adaptao de dilogos presentes em um episdio da srie,Los Inseptos del
Chavo (Os inseptos do Chaves). Nesta seo, so tratados de modo mais pormenorizado os
critrios em que se fundam as escolhas de palavras por parte da dublagem sincronia labial,sonoridade, modo de comunicar sentido, as necessidades de adaptao de referncias culturais
etc.
O itinerrio histrico que precede a fundamentao terica e a anlise do referido
episdio torna possvel uma melhor compreenso da evoluo do fenmeno da comunicao
de massa com o surgimento da arte cinematogrfica e da televiso, bem como das
possibilidades inauguradas por esses dois meios de difuso de contedos.
O contexto cultural brasileiro tambm contemplado neste percurso, com umtratamento resumido do surgimento das primeiras emissoras de televiso no pas, das
primeiras produes a passarem pelo processo de dublagem no Brasil, da biografia de Silvio
Santos, o responsvel direto pela introduo deEl Chavo del Ochona grade de programao
televisiva nacional e de certos traos de ordem sociocultural do pblico-alvo da adaptao em
questo.
Tambm so contemplados os elementos de ordem biogrfica do criador da srie,
Roberto Gomez Bolaos, no sentido de trazer tona alguns dados da cultura mexicana que oartista trazia consigo e que transpareceram em suas criaes televisivas, elementos que
necessariamente tiveram de entrar na pauta dos profissionais responsveis pela dublagem do
mais famoso projeto de Bolaos.
Ao fim, constata-se que a no apenas dublagem funciona como elemento difusor do
cinema como quer Cajaba (1997), e, portanto, da cultura desenvolvida, como tambm se
constitui numa importante ferramenta no comrcio cultural, na importao do contedo e
contexto social de outros pases.
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__________________. Da Razo antropofgica: Dilogo e diferena na cultura BrasileiraIn:Metalinguagem e outras metas. So Paulo: Perspectiva, 1992, p. 231-255
__________________. Post-Scriptum; Transluciferao Mefistofatica. In:Deus e o Diabono Fausto de Goethe. So Paulo, Perspectiva, 1981, p. 179-191.
__________________. Transblanco: Reflexes sobre a transcriao de Blanco, de OctavioPaz, com um excurso sobre a teoria da traduo do poeta mexicano. In: CAMPOS, Haroldode; PAZ, Octavio. Transblanco. So Paulo: Siciliano. 2 edio. 1994, p. 63-69
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