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1 Pontif Pontifícia Universidade Cat cia Universidade Católica de São Paulo. lica de São Paulo. Programa de Estudos P Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Pol Graduados em Economia Política. tica. Grupo de Pesquisas em Economia Industrial, Trabalho e Tecnologia Grupo de Pesquisas em Economia Industrial, Trabalho e Tecnologia. EITT X CICLO DE DEBATES EM ECONOMIA INDUSTRIAL, X CICLO DE DEBATES EM ECONOMIA INDUSTRIAL, TRABALHO E TECNOLOGIA. TRABALHO E TECNOLOGIA. Dias 23, 24 e 25 de Abril 2012. Dias 23, 24 e 25 de Abril 2012. 8:30- 9:00h Abertura 9:00 – 12:00 h Economia Industrial Frederico Turolla – (ESPM) Lia Hasenclever _(UFRJ Antonio C. Lacerda e Alexandre Oliveira(PUC/SP) Roland Saldanha – PUC/SP Augusto Rodrigues (Uniítalo) 8:30 -12:00 h Economia do Trabalho Maria Cristina Cacciamali (FEA/USP) e Fabio Tatei (FEA/USP) Wilson Menezes (UFBa) Vladimir Sipriano Camillo (Univ. Sto André) Claudemir Sugahara (Uniítalo) Anita Kon (FEA/PUCSP) Organizadores: Profª Anita Kon, Profª Elizabeth Borelli - Apoio logístico: Equipe EITT-PUCSP Inscrições grátis: e-mail - [email protected] informando nome e instituição e endereço. Local : Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- Rua Monte Alegre, 984 . Perdizes -São Paulo – SP. Tels: (011) 3670-8516 (PUC-Programa de Economia Política). www,pucsp.br/eitt 23/04/2012 - Segunda-feira – Auditório 100A 14:30 -18:00 h Economia da Sustentabilidade I Sylvia Maria Saes – (FEA/USP) Raquel S.Pereira e Fernanda L. Ferreira -(UM SC S) Vanessa Gayego Bello Figueiredo (FAU/CEUNSP) Samira El Saifi e Ricardo S. Dagnino - (UNICAMP ) 24/04/2012 - Terça-feira – Auditório 100 14:30 -16:00 h Economia da Tecnologia I Paulo Bastos Tigre (UFRJ) André Tosi Furtado (IG/UNICAMP) Luiz Kubota (IPEA) 16:30 – 18:00h Economia da Tecnologia II Francisco Carlos Ribeiro et alii (FATEC) Dimária Meirelles – (UPMackenzie) João B. Pamplona e Juliana N.Freitas (FEA/PUCSP) 25/04/2012 – Quarta-feira – Auditório 333 8:30 -12:00 h Economia da Agro–Indústria Felipe M. B. Rezende e Eduardo Luiz Machado (Insper e Unifesp) Mario Antonio Margarido (FGV/SP e IEA) e outros Marisa Zeferino Barbosa – (IEA) 14:30 -18:00 h Economia da Sustentabilidade II Ivete Delai e Sérgio Takahashi (FEARP/USP) João Alexandre Paschoalin Filho (Uninove) Paula M. Soares Passanezi (FMU) e Fabio Konishi Elizabeth Borelli – (FEA/PUCSP)

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PontifPontifíícia Universidade Catcia Universidade Catóólica de São Paulo.lica de São Paulo.Programa de Estudos PPrograma de Estudos Póóss--Graduados em Economia PolGraduados em Economia Políítica.tica.

Grupo de Pesquisas em Economia Industrial, Trabalho e TecnologiaGrupo de Pesquisas em Economia Industrial, Trabalho e Tecnologia..

EITT

X CICLO DE DEBATES EM ECONOMIA INDUSTRIAL, X CICLO DE DEBATES EM ECONOMIA INDUSTRIAL, TRABALHO E TECNOLOGIA.TRABALHO E TECNOLOGIA.

Dias 23, 24 e 25 de Abril 2012. Dias 23, 24 e 25 de Abril 2012.

8:30- 9:00h

Abertura

9:00 – 12:00 h

Economia Industrial

•••• Frederico Turolla – (ESPM)

•••• Lia Hasenclever _(UFRJ•••• Antonio C. Lacerda e Alexandre Oliveira(PUC/SP)•••• Roland Saldanha – PUC/SP•••• Augusto Rodrigues (Uniítalo)

8:30 -12:00 h

Economia do Trabalho

•Maria Cristina Cacciamali (FEA/USP) e

Fabio Tatei (FEA/USP)

• Wilson Menezes (UFBa)

• Vladimir Sipriano Camillo (Univ. Sto André)

• Claudemir Sugahara (Uniítalo)

• Anita Kon (FEA/PUCSP)

Organizadores: Profª Anita Kon, Profª Elizabeth Borelli -Apoio logístico: Equipe EITT-PUCSP

Inscrições grátis: e-mail - [email protected] informando nome e instituição e endereço.Local : Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- Rua Monte Alegre, 984 . Perdizes -São Paulo – SP.

Tels: (011) 3670-8516 (PUC-Programa de Economia Política). www,pucsp.br/eitt

23/04/2012 - Segunda-feira – Auditório 100A

14:30 -18:00 h

Economia da Sustentabilidade I

• Sylvia Maria Saes – (FEA/USP)

• Raquel S.Pereira e Fernanda L. Ferreira -(UM SC S)

• Vanessa Gayego Bello Figueiredo (FAU/CEUNSP)

• Samira El Saifi e Ricardo S. Dagnino - (UNICAMP )

24/04/2012 - Terça-feira – Auditório 100

14:30 -16:00 h

Economia da Tecnologia I

• Paulo Bastos Tigre (UFRJ)

• André Tosi Furtado (IG/UNICAMP)

• Luiz Kubota (IPEA)

16:30 – 18:00h

Economia da Tecnologia II

• Francisco Carlos Ribeiro et alii (FATEC)

• Dimária Meirelles – (UPMackenzie)

• João B. Pamplona e Juliana N.Freitas

(FEA/PUCSP) 25/04/2012 – Quarta-feira – Auditório 333

8:30 -12:00 h

Economia da Agro–Indústria

• Felipe M. B. Rezende e Eduardo Luiz Machado

(Insper e Unifesp)

•Mario Antonio Margarido (FGV/SP e IEA) e outros

•Marisa Zeferino Barbosa – (IEA)

14:30 -18:00 h

Economia da Sustentabilidade II

• Ivete Delai e Sérgio Takahashi (FEARP/USP)

• João Alexandre Paschoalin Filho (Uninove)

• Paula M. Soares Passanezi (FMU) e Fabio Konishi

• Elizabeth Borelli – (FEA/PUCSP)

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ANITA KON e ELIZABETH BORELLI (organizadoras)

INDÚSTRIA, TECNOLOGIA E TRABALHO: DESAFIOS DA ECONOMIA

BRASILEIRA

1a edição

São Paulo Edição do autor

2012

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Copyright©2012: Anita Kon et alii. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

K82e Kon, Anita et alii. INDÚSTRIA, TECNOLOGIA E TRABALHO: DESAFIOS DA ECONOMIA BRASILEIRA Anita Kon, – São Paulo: [s.n.], 2012 Vários autores ISBN 1.Economia I. Título.

Capa: Homenagem a Archangelo Ianelli

Grupo de Pesquisas EITT-Economia Industrial, Trabalho e Tecnologia

Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política-PUC/SP Rua Ministro Godoy, 969 – 4o andar – Sala 17 - 05015-000 – São Paulo, SP

Fone e Fax: (0xx11) 3670-8516 www.pucsp.br/eitt

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ÍNDICE Apresentação

CAPÍTULO I - ECONOMIA INDUSTRIAL

Antonio Corrêa de Lacerda e Alexandre S.de Oliveira - Os investimentos em infraestrutura no Brasil no período 1930-2010...............................................8

Frederico Araujo Turolla - A Abordagem Econômica dos Negócios Internacionais e do Investimento Direto Estrangeiro....................................32

Roland Veras Saldanha Junior - Regulação do Saneamento e Universalização.............................................................................................50

Augusto de Pinho Rodrigues - A inserção internacional e as vantagens dinâmicas da integração econômica: ocaso do Mercosul estudado do ponto de vista do Brasil e da Argentina..................................................................72

CAP. II – ECONOMIA DA TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

Vanessa C.Gomes e Luiz Guilherme de Oliveira - C,T&I: Uma Análise da Trajetória Brasileira para a Promoção de Competitividade e Desenvolvimento..........................................................................................94

Francisco Carlos Ribeiro, Flaviano Agostinho de Lima, Célio O. De Conti, Luiz Carlos Rosa, Galdenoro Botura Junior - Potencialidades e desafios dos parques tecnológicos: o caso de Sorocaba (SP)........................................112

Luis Claudio Kubota - Determinantes da probabilidade de adoção de comércio eletrônico nas firmas brasileiras..................................................131

João B. Pamplona e Juliana N.de Freitas- O modelo dos paradigmas tecnoeconômicos (PTEs) de Carlota Perez: uma interpretação para as crises do capitalismo...................................................................................145

CAPÍTULO III – ECONOMIA DO TRABALHO

Maria Cristina Cacciamali e Fábio Tatei - Gênero, mercado de trabalho e salárops entre a mão de obra qualificada no Brasil e México....................174

Wilson F. Menezes - Probabilidade de transição do desemprego e da inatividade para a ocupação no mercado de trabalho brasileiro................200

Claudemir Sugahara - Desenvolvimento sustentável e empregos verdes no Brasil...........................................................................................................225

Anita Kon - Desafios atuais do Mercado de Trabalho Brasileiro: criação de empregos e sustentabilidade......................................................................241

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CAPÍTULO IV. ECONOMIA DA AGROINDÚSTRIA

Felipe Martins Bacelar de Rezende e Eduardo Luiz Machado - Contribuição da cana-de-açúcar na redução das emissões de CO2 no Estado de São Paulo...........................................................................................................272

Mario Antonio Margarido, Paulo Furquim de Azevedo e Pery Francisco de Assis Shikida - Eficiência e coordenação oligopolista no mercado de etanol anidro no Estado de São Paulo: uma aplicação dos modelos ARCH/IGARCH...........................................................................................294

Marisa Zeferino Barbosa - Energia e Agronegócio: o biodiesel na dinâmica agroindustrial da soja..................................................................................319

CAPÍTULO V. ECONOMIA DA SUSTENTABILIDADE

Elizabeth Boreli - Nanotecnologia e Sustentabilidade...............................334

Raquel da Silva Pereira e Fernanda Longhini Ferreira - Indicadores de Sustentabilidade Ambiental utilizados pelas Prefeituras Municipais do Grande ABC................................................................................................346

Vanessa Gayego Bello Figueiredo - Desenvolvimento Local Sustentável: os desafios da preservação, do planejamento participativo e da gestão pública em Paranapiacaba......................................................................................371

Samira El Saifi e Ricardo de Sampaio Dagnino - Grandes projetos de desenvolvimento e implicações sobre as populações locais: o caso da usina de Belo Monte e a população de Altamira, Pará........................................396

Ivete Delai e Sérgio Takahashi -Sustentabilidade corporativa no varejo brasileiro: práticas reportadas pelas maiores empresas dos setores supermercadista e lojas de departamento..................................................411

João Alexandre Paschoalin Filho, Cláudia Terezinha Kniess e Gustavo Silveira Graudenz - Gerenciamento e manejo sustentável de resíduos sólidos de construção e demolição (RCD): um desafio para o setor da construção civil...........................................................................................437

Paula Meyer Soares Passanezi e Fabio Konishi - Análise da relação e correlação entre indicadores macroeconômicos, o setor automobilístico e geração de energia.....................................................................................459

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Apresentação

Este livro reúne pesquisas apresentadas no X Ciclo de Debates,

organizado pelo Grupo de Pesquisas em Economia Industrial, Trabalho e Tecnologia (EITT). O Grupo EITT, certificado pelo CNPq e inserido no Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política da PUC/SP, está cumprindo 18 anos de atividades em 2012. Atuam como participantes professores, mestrandos, doutorandos e graduandos da PUC e de outras instituições, bem como outros especialistas, cujos trabalhos vem servindo como referência para agentes e instituições públicas e privadas, com o objetivo de entender a realidade econômica brasileira.

Neste ano de 2012, o EITT realizou o décimo Ciclo de Debates em Economia Industrial, Trabalho e Tecnologia consecutivo que, como nos anos anteriores, reuniu pesquisadores de centros nacionais de ensino e pesquisa, que apresentaram e debateram suas mais recentes pesquisas desenvolvidas nas áreas afins com o intúito de troca de idéias e conhecimentos entre várias instituições acadêmicas e de pesquisa.

Os temas deste X Ciclo de Debates tiveram como objetivo subsidiar as políticas públicas e privadas do país, através da discussão de questões relevantes da economia brasileira, particularmente tendo em vista o recente contexto de crise financeira internacional do período, que apresenta reflexos intensos no Brasil. Estas políticas vem passando pela necessidade de reformas institucionais e metodológicas de cunho liberalizante, visando a realocação de recursos entre setores e melhor adequação da relação capital-trabalho na direção de técnicas mais intensivas na absorção de mão-de-obra, fator abundante em nossa economia. As mesas de debates tiveram por tema Economia Industrial, Economia da Tecnologia e Inovação, Economia do Trabalho e Economia da Sustentabilidade.

O EITT incluiu há alguns anos em suas discussões a questão relevante do desenvolvimento sustentável, acreditando que é exatamente nesta conjuntura de crise que as questões relacionadas à sustentabilidade devem ser priorizadas e a oportunidade de saída da crise tem maiores possibilidades de ocorrer por meio de medidas públicas e privadas que explorem a capacidade da geração de trabalho e aumento da produtividade de caráter sustentável. Nesse sentido, no X Ciclo e neste livro o tema da Sustentabilidade ocupou um espaço bem representativo e equivalente à relevância destes desafios.

De uma maneira geral, os textos abordam as discussões que se desenrolam neste contexto de crise internacional, sobre os recentes processos de mudanças tecnológicas e institucionais, e suas repercussões na estrutura da indústria e do mercado de trabalho à medida que criam e destroem empresas, empregos e mercados. Os temas são polêmicos,

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desde que as modificações na maneira de organização da economia mundial na atualidade, muitas vezes resultam em mudanças na trajetória anterior bem sucedida das economias nacionais e mundiais, que não tiveram possibilidade de acompanhar no mesmo ritmo a modernização estrutural e organizacional em direção à competitividade interna e internacional e muito menos de dar conta da alavancagem vertiginosa das atividades financeiras da década de 2000.

Os trabalhos do EITT incorporam uma filosofia de intercâmbio com outras instituições de ensino e pesquisa às quais agradecemos a valiosa colaboração dos pesquisadores, pelos conhecimentos novos introduzidos nos trabalhos do Grupo EITT. Os componentes do EITT agradecem ao apoio do CNPq para a realização do evento e desta publicação.

Anita Kon

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Capítulo I Economia Industrial

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OS INVESTIMENTOS EM INFRAESTRUTURA NO BRASIL NO PERÍODO 1930-20101

Antonio Corrêa de Lacerda* Alexandre da Silva de Oliveira**

Resumo: o trabalho apresenta as experiências de planejamento econômico no Brasil, com foco na investigação dos investimentos em infraestrutura no período de 1930-2010. A hipótese é que o desenvolvimento da infraestrutura brasileira requer um Estado indutor do crescimento econômico de longo prazo. A justificativa os planos econômicos ampliaram os investimentos em infraestrutura até os anos 1970. No entanto, houve uma carência de infraestrutura devido a ausência estatal nos anos 1980 e 1990. A partir dos anos 2000, houve um novo ciclo de investimentos em infraestrutura, com o Estado como indutor de uma maior taxa de crescimento econômico. Na seção 1 é apresentado o debate teórico acerca dos determinantes do investimento e da poupança, que caracteriza a discussão sobre o planejamento e crescimento econômico. Na seção 2 são apresentadas as características da experiência de planejamento econômico e os ciclos de investimentos em infraestrutura dos anos 1930-1970. Na seção 3 são apresentadas as características econômicas do país entre os anos 1980-1990. Já na seção 4 são discutidas as características do novo ciclo de investimentos dos anos 2000.

Palavras-chave: infraestrutura, crescimento econômico, economia brasileira. Apresentação

O trabalho apresenta um panorama dos investimentos em

infraestrutura no Brasil no período 1930-2010. A pesquisa concentra-se na avaliação da hipótese de que o desenvolvimento da infraestrutura brasileira, por sua característica de monopólio natural, requer um Estado indutor do crescimento econômico de longo prazo.

A justificativa é que os investimentos públicos, principalmente, do Plano de Metas e o II PND, ampliaram os investimentos privados nacionais

1 Artigo apresentado no X Ciclo de Debates do EITT, de 2012. * Professor-Doutor do Departamento de Economia e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política da PUC-SP, Coordenador do Grupo de Pesquisas Desenvolvimento e Política Econômica (DEPE) da PUC-SP e Diretor do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento. e-mail: [email protected] ** Doutorando em Economia pela FEA-USP, Mestre em Economia e Economista pela PUC-SP e Membro do Grupo de Pesquisas Desenvolvimento e Política Econômica (DEPE) da PUC-SP. Web-site: http://www.pucsp.br/depe. e-mail: [email protected]

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e estrangeiros em infraestrutura até os anos 1970. Em contraposição, a carência de infraestrutura, em virtude da ausência estatal e da reestruturação produtiva dos anos 1980 e 1990 representaram gerou uma debilidade infraestrutural no país, que passou a ser uma oportunidade de início de um novo ciclo de investimentos em infraestrutura nos anos 2000, impulsionados pela consolidação dos fundamentos macroeconômicos do Plano Real e pela implementação do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).

Nesse sentido, o Estado voltou a ter um papel fundamental nos anos 2000, especialmente, com o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que combinado com a estabilidade macroeconômica do país um crescimento acelerado da economia mundial, impulsionaram os investimentos domésticos e estrangeiros no Brasil.

Isto posto, na seção 1 é apresentado o debate teórico acerca dos determinantes do investimento e da poupança, que é o pano de fundo para a discussão sobre os determinantes dos investimentos. Na seção 2, são apresentadas as características dos ciclos de investimentos em infraestrutura dos anos 1930-1970, que caracterizam as experiências brasileiras de planejamento econômico, com destaque para o Plano de Metas e o II PND – Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento.

Na seção 3 é apresentada uma revisão das condicionantes que determinaram a crise do Estado, desequilíbrios macroeconômicos e a escassez de investimentos públicos em infraestrutura nos anos 1980 e 1990. Por fim, na seção 4 é apresentado o novo ciclo de investimentos em infraestrutura no Brasil dos anos 2000.

1. Um resgate teórico: planejamento econômico e o debate entre investimento e poupança

Celso Furtado (1983 e 2001) define amplamente o planejamento

econômico como o uso de técnicas e o estabelecimento de objetivos globais a serem alcançados pela economia em períodos previamente fixados. Refere-se, principalmente, à atividade governamental, com a formulação sistemática e a tomada de decisões de política econômica, com o objetivo de disciplinar a atividade produtiva para se promover o desenvolvimento econômico2.

A discussão é antiga e deriva dos debates entre as abordagens3 keynesiana e neoclássica acerca do investimento e poupança para

2 Por outro lado, para Lafer, define-se como “uma visão ampla do desenvolvimento da economia, fixando objetivos a atingir e procurando assegurar a consistência entre a oferta e demanda de bens em todos os setores”. (LAFER, 1970, p. 16). 3 Nessa seção, os principais referenciais bibliográficos foram: ARROUS (1999), BRUNO (2008), KALDOR (1974 e 1978), KEYNES (1988) e MARSHALL (1985).

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economias fechadas, ou seja, sem se considerar os efeitos de preços relativos ou a demanda externa.

Nas abordagens de crescimento econômico4, um resultado de longo prazo é obtido com o aumento da poupança agregada. Nessa abordagem, utiliza-se o conceito de função de produção, com o produto (Y) sendo determinado pela acumulação de capital (K), a expansão do trabalho (L) e, com papel de destaque, da eficiência ou produtividade do trabalho (A):

Yt = f (Kt, Lt, At) A acumulação de capital (K) é representada pelo investimento bruto

da economia, que é definido por (Ib) e é determinado pela soma do acréscimo do estoque de capital da economia (Fbkf), que representa a ampliação da capacidade produtiva da economia e o termo (VarEst-dep), corresponde as variações de estoque dos bens produzidos não vendidos, descontada a depreciação física do capital:

Ib = Fbkf + (VarEst-dep) Na função de crescimento econômico apresentada acima, temos que

a taxa de crescimento do produto e da poupança são determinadas pela eficiência ou produtividade do trabalho (A), representada pela taxa de crescimento tecnológico, com o crescimento do produto sendo uma função crescente da razão entre capital e trabalho.

Nesse sentido, o papel da poupança é prover os recursos monetários necessários para a expansão de novo capital e a depreciação do capital já instalado. Se não ocorrem aumentos de eficiência ou produtividade do trabalho, não aumenta-se a poupança e, com isso, não ocorrem aumentos de investimentos e; portanto, não se viabiliza o crescimento crescimento econômico do país.

Na abordagem alternativa de Keynes (1988), o investimento é determinado previamente à poupança5, sendo que o produto interno bruto é definido pela igualdade entre rendas e despesas:

Desta forma, na abordagem keynesiana, o investimento define a renda que, por sua vez, define a poupança. Considerando que os investimentos são cíclicos e definidos em função crescente dos lucros e decrescente do estoque de capital e da taxa de juros, determina-se o crescimento do produto (Y) somando-se ainda o consumo (C) e os gastos do governo (G).

Y = C + I + G

4 Conforme Simonsen e Cysne, os modelos neoclássicos de destaque são: modelo de Solow e o modelo de progresso técnico endógeno. (SIMONSEN; CYSNE, 2009, p. 534-542). 5 Na definição de Keynes, temos que: ”Presumindo que as decisões de investir se tornem efetivas, é forçoso que elas restrinjam o consumo ou ampliem a renda. Assim sendo, nenhum ato de investimento, por si mesmo, pode deixar de determinar que o resíduo ou margem, a que chamamos de poupança, aumente numa quantidade equivalente”. (KEYNES, 1988, p. 56).

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Enquanto que na abordagem neoclássica, prevalece a maior importância da eficiência e produtividade na determinação do crescimento econômico, nas abordagens keynesianas, contribuiu-se para definir o crescimento econômico não somente como a ampliação desta eficiência ou produtividade, como também se salientou a importância da acumulação do capital e do aumento da força de trabalho.

A partir das teorias de Keynes, os países capitalistas se convenceram da necessidade da intervenção do governo para evitar ou reduzir os efeitos das crises cíclicas que caracterizam o modelo econômico capitalista. Essa atuação governamental se dá especialmente em benefício do emprego e dos investimentos.

O planejamento econômico originou-se com o reconhecimento de que os mercados não são formas infalíveis na alocação de recursos nem, tampouco, ajustados automaticamente. Com isso, é necessária uma atuação governamental ativa, por meio de políticas econômicas com o objetivo de ampliar os investimentos e aumentar o acesso da população aos serviços básicos, bem como, do ponto de vista produtivo, promover a redução dos estrangulamentos, com desdobramentos sobre o desenvolvimento econômico6.

Com isso, uma função assumida pelo Estado foi de agente protagonista, provedor e impulsionador de políticas públicas no sentido de se atingir o desenvolvimento econômico. Para isso, assumiu funções como a estabilidade da moeda e o crédito, aumento da produção e distribuição de renda. Os Estados, por meio de seus governos institucionalizados passaram a atuar de forma direta e substituir atividades empresariais privadas para beneficiar a população, como na construção de estradas ou grandes obras de grande interesse público.

Sendo assim, a partir dos desdobramentos da crise econômica de 1929, a maioria dos países procurou adotar políticas de planejamento do econômico e industrialização, para se atingir o desenvolvimento. Já na década de 1930, o governo dos Estados Unidos interveio de forma acentuada no processo produtivo, com o New Deal do presidente Roosevelt, pode ser considerado uma das primeiras experiências no sentido de se realizar um planejamento econômico, com o objetivo de combater as consequências da terrível depressão que se seguiu à crise da bolsa de valores em 1929.

Cada vez mais os Estados passaram a serem produtores e reguladores de setores importantes para o novo ciclo de crescimento que se

6 Nas palavras de Rodriguez (1981), “admite-se que o livre jogo das forças do mercado conduz à persistente manifestação de problemas de balanço de pagamentos, de acumulação e subutilização de capital e de forças de trabalho (...) para que com a industrialização se consiga aumentar substancialmente os níveis de produtividade e otimizar a alocação de recursos, é preciso orientar-se por meio de uma política deliberada de desenvolvimento”. (RODRIGUEZ, 1981, p. 48).

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aproximava. Os Estados passaram a programar políticas em setores nos quais havia grandes dificuldades de viabilização de investimentos, como em infraestrutura há uma grande necessidade de volumosos capitais altamente específicos.

Nesse sentido, os setores de infraestrutura têm como principal característica a presença de elevados custos fixos, que se devem pelos investimentos altamente específicos de capital físico. Além disso, os custos fixos elevados destes setores provocam um duplo efeito: (i) maior eficiência produtiva é obtida somente por meio um estrutura concentrada de mercado, com altas barreiras à entrada e poucas empresas operadoras – monopólio natural; e (ii) problema de controle e fiscalização do superlucro de monopólio através de regulação adequada.

2. Os ciclos de investimentos em infraestrutura entre as décadas de 1930-1970

No Brasil, o planejamento econômico e o Estado indutor do

crescimento significou a ampliação dos investimentos7 em infraestrutura no período de 1930-1970, o que marcou o início industrialização da economia brasileira.

A partir da crise econômica mundial de 1929, que desarticulou os setores agrário-exportadores, principalmente a cafeicultura, devido aos choques externos ocasionados pelas quedas abruptas dos preços de seus produtos, combinada a Revolução de 1930, criou-se as condições para a viabilização da transferência de poder para os capitalistas industriais (Furtado, 2001), como a transição do fator dinâmico da economia brasileira para o mercado interno8.

Esse processo foi estimulado, a partir de meados da década de 1930, por Getúlio Vargas, que adotou uma série de medidas, para impulsionar um processo de substituição de importações, com algumas restrições à sua expansão, provocada pela produção e da taxa de lucro produzida domesticamente. Com esse diagnóstico de insuficiência de capacidade de oferta, o Estado inicia um processo de criação de empresas

7 Os principais autores são: FURTADO (2001), LAFER (1970), LESSA (1982), PIRES; GREMAUD (1999), PRADO JR. (2002), TAVARES (1977). 8 Segundo Prado Jr. a indústria ganha relevância para a economia brasileira nos pós-1930, no enfrentamento dos efeitos da crise de 1929, sendo que o país “ingressa em numa fase em que a par do crescimento, sob certos aspectos, de suas forças produtivas e de diversificação de suas atividades econômicas – em particular no que diz respeito ao progresso industrial”. (PRADO JR., 2002, p.301).

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estatais9 com foco em indústrias como de siderurgia, petróleo e derivados e mineração.

A partir de 1945, com o fim da segunda guerra mundial, os investimentos da economia brasileira foram impulsionados pela demanda doméstica. Segundo Bastos (2003), “o governo enveredou por um rumo, com controle de importações, expansão do crédito, plano de investimentos públicos, fomento à indústria substitutiva de importações, que provocou a oposição ideológica de técnicos e empresários prejudicados pela reversão da abertura, embora continuasse experimentando oposição política de lideranças, sobretudo Getúlio Vargas, sempre favoráveis à reversão da abertura”. (BASTOS, 2003, p. 2).

Isto posto, a partir dos anos 1950, ocorreram iniciativas como a criação da Comissão Mista Brasil - Estados Unidos, para identificar e definir projetos de investimento em infraestrutura que seriam financiados pelo Eximbank norte-americano e pelo World Bank.

No que se refere ao projeto nacionalista de Vargas, houve a restrição do financiamento externo de projetos de infraestrutura na forma de investimentos diretos estrangeiros, sendo que Vargas estimulou estes projetos com altas taxas de lucro das atividades industriais aceleradas pela política de câmbio valorizado e de transferências de rendas dos setores agroexportadores para os setores industriais (REGO; MARQUES, 2001, p. 82).

Sendo assim, o período varguista foi um dos fundadores da infraestrutura que serviu de base ao inicio da industrialização brasileira com a contribuição significativa do capital estrangeiro10.

No Brasil, com o Plano SALTE (1947-1951), lançado pelo governo de Eurico Gaspar Dutra, com o objetivo de coordenar uma política para estimular investimentos nos setores de saúde, alimentação, transporte e energia, houve uam melhora nas condições de vida da população brasileira. A partir de 1952, foram realizados expressivos projetos de infraestrutura com apoio, do então criado Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE).

Já no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960), por meio do Conselho de Desenvolvimento, elaborou-se o Plano Quinquenal de Metas, cujos objetivos eram ampliar a participação do setor público na formação de capital, sendo caracterizado como um primeiro ciclo de investimentos

9 Dentre outras medidas, foram criados o Conselho Nacional do Petróleo (1938), Companhia Siderúrgica Nacional (1941), Companhia Vale do Rio Doce (1943), Companhia Hidrelétrica do São Francisco (1945) e Petrobras (1953). 10 A opção desenvolvimentista do governo era afirmada em quase todas as oportunidades no discurso presidencial. Não havia, entretanto, objeções maiores ao capital estrangeiro: a exemplo da implantação da grande siderurgia à época do Estado Novo, com capital e tecnologia estrangeiros, entendia-se que estes seriam bem-vindos ao país. (FONSECA; MONTEIRO, 2005, p. 222).

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públicos em setores de acumulação de capital no Brasil (Furtado, 1967 e 2007).

O Plano de Metas dividiu-se em 31 metas que privilegiavam cinco setores da economia brasileira priorizando os investimentos em: energia, transporte, indústrias de base, alimentação e educação e a meta-síntese, com a criação de Brasília. O plano teve tanto consequências positivas quanto negativas para o país, sendo que, por um lado, deu-se a modernização da indústria e; por outro, o forte endividamento internacional por causa de empréstimos, oriundos de importações de máquinas, equipamentos e instrumentos de produção11.

Apesar dos desequilíbrios macroeconômicos, observados nas contas públicas e os desajustes externos gerados, que culminou em um processo de hiperinflação e restrição ao crescimento, os investimentos do Plano de Metas impulsionaram um crescimento do PIB de 9,4% ao ano, com papel de destaque para o Estado, que exerceu uma substancial demanda por investimento, de forma a sustentar a demanda efetiva e controlar o ciclo econômico. De acordo com Orenstein e Sochaczenski (1990), o financiamento dos investimentos do Plano de Metas era oriundo 50,0% do governo, 35,0% de fundos privados e 15,0% de agências públicas.

No que se refere ao financiamento dos investimentos, Lessa (1981) aponta que as componentes internas do plano foram as emissões de meios de pagamento e a concessão de crédito bancário. Com relação ao financiamento das estatais, especificamente no caso de infraestrutura, Ferreira e Malliagros (1999) afirmam que nos anos 1950, o BNDE foi o agente de financiamento mais importante. Já os capitais externos foram facilitados por políticas de capitais, que foram importantes para financiar a Formação Bruta de Capital Fixo.

Sobre os desdobramentos do Plano de Metas, Villela sintetiza que “entre 1956 e 1960, as principais metas de ampliação da produção e da infraestrutura econômica, reunidas no Plano de Metas, foram alcançadas, com o aumento da FBCF, bem como a meta-síntese de construção de Brasília. Nesse sentido, a política de desenvolvimento econômico de JK foi coroada de sucesso.” (VILLELA, 2005, p. 64).

O Plano de Metas originou o emprego das técnicas de planejamento no país, com enfoque nos investimentos na indústria da transformação como uma característica do Estado Desenvolvimentista, sendo que esse aumento dos investimentos sinalizou a disposição do Estado em atuar não somente em setores tradicionais, como também na infraestrutura.

Outras experiências obtiveram um menor êxito, em comparação ao Plano de Metas. O Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social

11 Lessa identifica diversos “fatores objetivos” que sustentava o Plano de Metas. Um de seus eixos, os projetos de investimento em infraestrutura (...) destinava-se a equacionar notórias carências de uma industrialização desordenada com claros pontos de estrangulamento. (LESSA, 1982, p. 31-32).

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(1963-1965) tinha como objetivos fundamentais acelerar o crescimento do produto e uma melhor distribuição de renda. Já o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), de 1964-1966, tinha o objetivo principal de eliminar os pontos de estrangulamentos internos da economia. No entanto, os desequilíbrios macroeconômicos internos, principalmente, o processo inflacionário e os desequilíbrios das contas externas e públicas, como também a crise de liquidez da economia internacional, diminuíram as possibilidades de obtenção de uma taxa de crescimento econômico consistente.

Nos anos 1970, os governos militares implantaram o Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico, em duas fases, sendo a primeira chamada de I PND (1972-1974) e a segunda, o II PND (1975-1979), em meio a desequilíbrios macroeconômicos e restrições externas. Contudo, o II PND, instituído pelo governo do general Ernesto Geisel, obteve êxito, com o objetivo de ampliar o crescimento economico e corrigir desequilíbrios setoriais, principalmente em insumos básicos, bens de capital, alimentos e energia. O II PND foi uma forma de resposta à crise econômica originada no fim do chamado "milagre econômico brasileiro", período de seis anos consecutivos de crescimento a taxas superiores a 10,0% ao ano que, no entanto, criou uma série de desequilíbrios macroeconomicos, como desajustes fiscais, externos e inflacionários.

O plano foi viável politicamente, de acordo com Valadares da Silva (2003)12, em virtude de uma aliança, principalmente, entre o capital financeiro nacional e as oligarquias tradicionais, que negociaram o papel do capital estrangeiro. O II PND se propôs a realizar um ajuste estrutural na economia brasileira, com alguns ajustes conjunturais de curto prazo, por meio da utilização instrumentos tais como taxa de câmbio, taxa básica de juros, regras para exportação e importação.

O plano obteve êxito parcial, sendo que, pela primeira vez na história, o Brasil conseguiu dominar todo o ciclo produtivo industrial. Contudo essa industrialização gerou uma dívida externa em expansão, culminando na moratória de 1982.

O II PND exerceu um papel positivo para o ajustamento externo da economia brasileira e, principalmente, sustentar o crescimento econômico, impulsionado por meio de elevadas taxas de investimentos13.

12 “as diversas medidas e instrumentos foram criados para o fortalecimento à empresa nacional e que aparecem como reivindicações empresariais em relação às quais os empresários declararam-se atendidos. No entanto, a forte presença do capital estrangeiro nos setores mais dinâmicos dava um caráter contraditório ao discurso dos industriais”. (VALADARES DA SILVA, 2003, p. 21). 13 Gremaud e Pires apresentam as características do II PND: “Como resultado positivo do II PND não há como deixar de realçar o ajuste estrutural do balanço de pagamentos. Com a maturação dos grandes projetos do II PND, tornou-se possível ao Brasil manter elevadas taxas de crescimento de seu produto sem que a economia

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Segundo Batista (1987), as metas do II PND associadas ao crescimento econômico passavam por uma ampliação da infraestrutura no país, com o objetivo de gerar maior emprego, renda e consumo, como também, atingir uma maior produtividade, competitividade e crescimento econômico. De fato, para este período, este processo não foi coordenado pelos mecanismos de ajustamento dos livres mercado, sendo necessária a articulação governamental.

O crescimento do PIB nos anos 1970 foi resultado da expansão da taxa anual de investimento, em média 24,0% do PIB entre 1974 e 1979, que possibilitou o crescimento de 6,8% ao ano, com ênfase nas indústrias básicas, notadamente nos setores de bens e capital, eletrônica pesada, insumos básicos, continuando o processo de substituição de importações.

A participação do setor público na FBCF foi a maior da história brasileira neste período, e a sustentação por anos consecutivos de altas taxas de crescimento e da FBCF/ PIB denota um processo de desenvolvimento. Estes efeitos dos investimentos e da sua alocação dependiam, conforme afirma Medeiros (2007), “de um regime monetário, cambial e fiscal favorecedor do alto crescimento”. Entre 1950 e 1965, as variações da FBCF do setor público seguiam exatamente as variações da FBCF da administração pública, pois muitas empresas estatais estavam sendo criadas na época e ainda participavam pouco do total investido pelo governo federal, principalmente nos anos 1970.

No período de 1930-1970 houve uma ampliação significativa da infraestrutura no Brasil que criou condições para o período de industrialização e superação da dependência externa das importações, que contribuiu em significativa medida os efeitos da dependência externa e intensificou o processo de substituição de importações14. Foi expressiva a importância do Estado, por meio dos investimentos públicos, que impulsionou os investimentos privados, nacionais e estrangeiros, ampliando a infraestrutura brasileira, com destaque para o papel das empresas estatais.

No entanto, esse processo causou efeitos colaterais na economia brasileira, com a elevada participação de empréstimos externos, que aumentou a dívida externa, a escalada da taxa de inflação e a crise fiscal do país.

resvalasse para o estrangulamento externo. Todavia, cabe notar que tal possibilidade viu-se comprometida pelo próprio padrão de financiamento do II PND.” (GREMAUD; PIRES, 1999, p.96-97). 14 Ver principalmente em TAVARES (1977), CASTRO; SOUZA (1985) e FURTADO (2001).

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3. Crise do Estado, desequilíbrios macroeconômicos e a escassez de investimentos públicos em infraestrutura: notas sobre as décadas de 1980-1990

Nos anos 1980-1990, houve a crise do Estado, desequilíbrios

macroeconômicos, o que resultou em uma escassez de investimentos públicos em infraestrutura. As privatizações redefiniram o papel dos investimentos no país e não foram capazes de impulsionar os investimentos necessários para um crescimento da economia brasileira.

Os anos 1980 são caracterizados como um período de crise do Estado brasileiro, com desequilíbrios macroeconômicos, com destaque para a deterioração da situação das contas públicas e externas e a ascensão da inflação, em um contexto de cenário externo de restrição financeira. Estas condicionantes provocaram instabilidade do crescimento econômico do país (BAER, 2004, p. 167).

Com a implantação do Plano Cruzado entre 1985-86, houve uma tentativa por parte do governo de estabilizar a taxa de inflação, com medidas basicamente de controle de preços. Apesar do sucesso inicial do Plano Cruzado, a economia brasileira retornou a uma situação critica de variabilidade da taxa de crescimento do PIB, com uma elevação da taxa de desemprego e a volta das elevadas taxas de inflação.

No mandato do presidente José Sarney (1985-1990), houve uma recuperação do crescimento do PIB, mesmo com a implementação de estabilização e pacotes fiscais para combater as crises internas e externas. Porém, houve uma queda dos investimentos em infraestrutura, com a queda de produtividade e eficiência, tornando a infraestrutura do País obsoleta e incapaz de proporcionar condições de crescimento econômico acelerado, além dos amplos impactos sobre a competitividade da economia brasileira.

O regime macroeconômico adotado pelo Brasil estava em sintonia com as tendências neoliberais impostas sobre os países periféricos, que também beneficiavam a elite financeira, núcleo do grupo de interesses em ascensão no poder. A intensificação da integração entre os mercados financeiros e de produtos implicou em menor autonomia das políticas econômicas nacionais, assim como sobre os seus efeitos, tanto domésticos como globais. O início da abertura e desregulamentação dos mercados brasileiros amplificou a perda de autonomia das políticas econômicas locais, em detrimento ao aumento de influência de fatores externos, com uma maior volatilidade nos mercados financeiros e de capitais.

Os anos 1980 foram marcados pela atrofia dos investimentos estatais e o agravamento das incertezas regulatórias e, principalmente, dos fundamentos macroeconômicos. Com isso, não se promoveu um ambiente favorável aos investimentos privados, nacionais e estrangeiros, com o impacto sobre a infraestrutura brasileira.

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Após dois choques de preços internacionais do petróleo (1973 e 1979) e a crise financeira do México (1982), os principais credores internacionais, ao perceberem as dificuldades dos países em desenvolvimento em conduzir uma dívida bastante elevada e os novos financiamentos, o que provocou o aumento das exigências para a obtenção de novos empréstimos. Houve, como consequência, maior monitoramento por parte de instituições como o International Monetary Fund (IMF) para a obtenção de ajustes internos das economias em desenvolvimento e garantia de pagamento dos juros.

Restabelecida a normalidade institucional, o governo José Sarney implantou, em 1986, o Plano de Estabilização Econômica, conhecido como plano Cruzado, nome da nova moeda então criada, que substituiu o cruzeiro. Seu objetivo principal foi o combate à inflação, e para tanto se estabeleceu a nova moeda, com medidas relacionadas ao congelamento de preços e salários e a eliminação das indexações de preços e salários. As medidas desestimularam a formação de poupança interna e o consumo. Com o congelamento da taxa de câmbio, as exportações caíram e as importações aumentaram. Já no plano Cruzado II de 1987, ocorreu o descongelamento de preços e a alteração dos critérios do cálculo da inflação, no entanto, sem o sucesso pretendido, sendo que até 1989, o governo Sarney implantou dois planos de reforma da economia.

O primeiro foi Plano de Controle Macroeconômico, também chamado de Plano Bresser, de 1987, que congelou preços, salários e aluguéis por noventa dias e adiou a realização de grandes obras públicas. O segundo foi o Plano Verão de 1989, que instituiu o cruzado novo como moeda nacional e extinguiu a política de correção monetária, sendo que este plano não obteve êxito no que se refere ao controle de inflação, como os demais planos econômicos heterodoxos.

Com a inflação em torno de 80% ao mês, governo de Fernando Collor de Melo, implantou o Plano Brasil Novo, ou o Plano Collor, a partir de 1990, para evitar a hiperinflação e promover o ajuste da economia. O plano congelou preços e salários, aumentou impostos e tarifas, instituiu novos tributos e anunciou o programa de privatização de empresas estatais.

Com as sucessivas dificuldades no enfrentamento da questão da inflação, a partir de 1994, o governo implantou o plano Real, que, ao contrário dos anteriores, não congelou preços e salários ou choques na economia, com características ortodoxas. Para isso, concentrou-se basicamente no combate ao desequilíbrio das contas públicas, principal causa da inflação na opinião de muitos analistas.

No entanto, com a estabilização da moeda e dos fundamentos macroeconômicos, restringiu as condições de viabilização dos investimentos em infraestrutura suficiente para um novo ciclo de investimentos em infraestrutura no país.

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Os processos de globalização, associados às estratégias das empresas multinacionais e de regionalização, vinculado à formação de blocos econômicos provocaram alguns impactos para os países em desenvolvimento, especialmente para o Brasil, com desdobramentos acerca das condições de privatização dos setores de infraestrutura no Brasil.

Apesar das evidências no que se referem à nova fase da acumulação capitalista predominante a partir das últimas duas décadas do século XX, há quem questione as evidências de que estaria havendo uma globalização da economia, uma vez que se observa uma crescente concentração nas decisões e nas desigualdades entre os países.

A globalização da economia internacional e a internacionalização da produção das empresas multinacionais ampliaram o comércio e as transferências de tecnologia globalmente, com o impulso dos desenvolvimentos dos mercados financeiros e de capitais, cada vez mais liberalizados e desregulamentados.

A globalização representou em alguns casos a perda de autonomia de política econômica. Na verdade, a autonomia das políticas econômicas dos países fica limitada quando estes fazem uso de política de estabilização, excessivamente baseada na liberalização do mercado e da fixação de metas monetárias, que causam impactos importantes tanto na política monetária como nos juros.

Apesar da maior relevância das empresas no cenário da globalização, os Estados nacionais ainda desempenham um importante papel no posicionamento estratégico dos países15. As mudanças provocadas pelos investimentos diretos estrangeiros alteraram os padrões de estruturas produtivo-organizacionais e redefiniram a noção de competitividade internacional, com a crescente necessidade de investimentos público e privados de longo prazo como, por exemplo, nos setores de infraestrutura.

Com a adoção do Plano Real em 1994, cumpriram-se as etapas para a estabilidade da moeda. No entanto, as desigualdades sociais continuaram excessivas, com o empobrecimento de vastas parcelas da população e queda relativa do mercado de trabalho, que crescia em ritmo menor do que o aumento da população.

A inserção externa economia brasileira nos anos 199016 significou, por um lado, uma forte reestruturação da produção, tendo como pano de

15 Adicionalmente, fatores de ordem política, como o grau de intervenção do Estado, também foram relevantes. Os casos de sucesso estiveram associados, na maioria das situações, à capacidade de articulação entre as condições microeconômicas de organização industrial e às políticas do Estado. 16 “o objetivo das reformas que estavam na pauta de discussão, no Brasil, na entrada dos anos 1990, não deveria ser, portanto, a destruição das instituições que mobilizaram recursos financeiros e poupanças ou a ruína dos agentes produtivos superavitários, mas sim estancar o conteúdo especulativo que suas ações

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fundo o novo paradigma industrial, baseado nas mudanças provocadas pela globalização, a abertura da economia, a privatização e a desregulamentação, e por outro, causou uma desaceleração do crescimento e acumulação de capital no país.

Nesse sentido, a queda dos investimentos em infraestrutura e a precariedade dos serviços públicos, revelam um fator poderoso limitando as perspectivas de crescimento da economia brasileira, principalmente nos anos 1990. Sendo assim, se esta tendência não for revertida no longo prazo, deve ocorrer uma restrição à taxa de crescimento do produto e da produtividade da economia, devido aos baixos investimentos públicos.

O fenômeno das privatizações de empresas e serviços não significa um Estado mínimo para Franco (1999) ou Moreira e Giambiagi (2000). Para esses autores, a lógica é deixar governos e empreendedores privados fazerem o que sabem fazer melhor, sendo que um Estado grande requer muitos impostos para custear muitas despesas com muitas atividades. Já um Estado menor, atento somente aos serviços sociais principais, requer menos imposto, para arcar com menos despesas, fruto de menos atividades.

A questão da privatização foi um dos aspectos mais polêmicos da década de 1990. Com a criação do Programa Nacional de Desestatização (PND) em 1990, tornando-se assim, uma parte integrante das reformas econômicas do governo. No período 1991-1998, somente no âmbito federal, cerca de 60 empresas públicas foram privatizadas, gerando um resultado de cerca de US$ 28,49 bilhões no período.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) representou um importante papel para o PND, pois foi designado como gestor do Fundo Nacional de Desestatização (FND). Suas principais atribuições estavam relacionadas à licitação, contratação, coordenação e supervisão das operações de venda das empresas públicas ao capital privado. O Banco teve o papel ainda de prover recursos, como alternativa de investimento para a infraestrutura diante da falta de recursos orçamentários. No que se referem aos estados, estes aderiram ao programa, com a venda de empresas públicas e o leilão de concessões, atraindo investidores privados para construir uma nova infraestrutura17.

Com a evolução das privatizações, houve a necessidade crescente, por parte dos governos, na esfera federal, estadual e municipal, de atrair

apresentavam, recuperar suas funções e a contribuição deles esperada na formação do emprego e do produto nacional.” (BELLUZZO; ALMEIDA, 2002, p. 282). 17 Rigolon explica as externalidades positivas oriundas dos investimentos em infraestrutura: “Estimular o investimento em infraestrutura pode ser uma estratégia eficiente para promover o investimento privado e a retomada do crescimento econômico sustentado. Por outro lado, dadas externalidades associadas à oferta de serviços de infraestrutura, há uma tendência de o investimento privado nesse setor ser inferior ao socialmente ótimo”. (RIGOLON, 1998, p.148).

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investimentos privados para atender as demandas e os anseios crescentes da população diante da insuficiência de recursos nos orçamentos públicos, comprometidos quase totalmente com despesas como aposentadorias, quadro de funcionários públicos, saúde pública, segurança, educação e pagamento de juros de dívidas já contraídas18.

Fatores como os desequilíbrios macroeconômicos, amplificados pela crise da dívida externa da década de 1980, hiperinflação e desajustes das contas públicas provocaram uma queda significativa dos investimentos públicos em infraestrutura no período. Estes mesmos fatores negativos, como também o período de incertezas políticas associadas à transição da ditadura para a democracia, bem como excessiva burocracia e inseguranças institucionais, provocaram expectativas negativas, fazendo com que os investimentos privados também recuassem.

De um lado, o processo de abertura e as privatizações foram realizados sem coordenação ou objetivos predefinidos. Por outro lado, a participação do capital estrangeiro, impulsionou a produtividade da infraestrutura, principalmente do setor de telecomunicações.

4. O novo ciclo de investimentos em infraestrutura dos anos 2000

Já nos anos 2000, com a retomada do Estado como principal indutor

e regulador do crescimento, e o novo ciclo de investimentos em infraestrutura, viabilizado pelo financiamento público, com destaque para o papel do BNDES.

No ambiente externo dos anos 2000, a economia internacional registrou crescimento acelerado da produção, comércio e dos fluxos de capitais. No ambiente doméstico, o Plano Real tem sido a melhor experiência de estabilização da economia brasileira durante os dois mandatos do governo FHC de 1994 a 2002 e foi aprimorado pelos dois mandatos do governo Lula de 2003 a 2010. No entanto, a sua sustentabilidade e principalmente a retomada do crescimento econômico depende de reformas mais profundas, de âmbito estrutural, envolvendo as áreas fiscal-tributária, financeira e administrativa.

Um dos elementos fundamentais da política econômica é a taxa de câmbio. Não há crescimento econômico possível sem uma taxa de câmbio compatível com as condições competitivas da produção nacional comparativamente à estrangeira. A taxa de câmbio necessária para o crescimento do país, de acordo com o arcabouço teórico do desenvolvimentismo é aquela que torna competitivas as exportações e a maior geração de valor agregado local, influenciadas pela taxa de câmbio.

18 Pinheiro, Giambiagi e Moreira apontam que “na área da infraestrutura a privatização representa apenas uma etapa das reformas na regulamentação”. (PINHEIRO; GIAMBIAGI; MOREIRA, 2001, p. 13).

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Os fundamentos da política macroeconômica, baseado no regime de metas de inflação, controle dos gastos públicos, com superávits das contas primários do governo e o regime de câmbio flutuante desde janeiro de 1999, foi utilizada para a economia brasileira atingir uma expansão média do PIB de 4,0% a.a. entre 2000-2010, com impactos sobre os investimentos fixos, principalmente a FBCF e os investimentos em infraestrutura19.

Segundo a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB20), houve uma necessidade total de investimentos anuais em infraestrutura no Brasil21 da ordem de R$ 160,9 bilhões, a preços constantes de 2009, que contemplam os setores de energia, petróleo e gás, transportes, telecomunicações e saneamento. Já os investimentos realizados nos setores de infraestrutura registraram um crescimento médio anual de 11,0% no período 2003-2009, com aumento de R$ 58,2 bilhões até atingir R$ 121,9 bilhões em 2009, ou cerca de 76,0% dos investimentos necessários. Para o período de 2003-2009, o setor público respondeu por uma média de 58%, enquanto que o setor privado correspondeu por 42,0% dos investimentos em infraestrutura.

Com relação à distribuição setorial dos investimentos em infraestrutura, o setor de telecomunicações, com um marco regulatório estabelecido e a ampliação dos investimentos na década de 1990 até atingir R$ 19,2 bilhões ou cerca de 97,0% das necessidades anuais de investimentos de R$ 19,7 bilhões em 2009, denotando o sucesso do processo de privatização deste setor.

Para o setor de energia, por outro lado, os anos 1990 e o processo de privatizações não contribuiu para o desenvolvimento do setor, principalmente, devido à baixa taxa de investimentos públicos no setor, a burocracia governamental, que atrapalha o ritmo de execução de obras, e o

19 Segundo artigo sobre os problemas e desafíos do financiamiento para os países da América Latina, da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL): “La apertura de los mercados de servicios de infraestructura y la venta de las empresas estatales permitieron el ingreso de empresas extranjeras portadoras en muchos casos de nuevas técnicas de producción, tecnologías y modalidades de organización empresarial, que resultaron determinantes para la modernización de la infraestructura y de los servicios producidos localmente. Por cierto, esta modernización resulta crucial para obtener mayores ganancias de competitividad sistémica y atraer nuevas corrientes de inversión a los demás sectores productivos.” (ROZAS, 2010, p. 60). 20 Neste trabalho, a ABDIB é considerada uma fonte primária de dados sobre a infraestrutura no Brasil. Há uma pouca disponibilidade de informações e precariedade no acompanhamento dos dados, sendo sistematicamente divulgados a partir do ano de 2003. 21 O presente trabalho aborda os investimentos realizados e necessários em infraestrutura, considerando os impactos macroeconômicos. Apesar da grande relevância, o trabalho não aborda a questão da distribuição geográfica dos investimentos realizados e necessários em infraestrutura.

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precário marco regulatório, que inibe os investimentos privados. Com isso, os investimentos realizados no setor atingiram US$ 17,5 bilhões em 2009 ou 62,0% dos investimentos necessários anuais de R$ 28,3 bilhões. A falta de investimentos, que atingiu R$ 10,8 bilhões em 2009 representa um elevado custo para a sociedade, e denota a pouca evolução deste setor desde as privatizações dos anos 1990.

Tabela 1. Brasil: investimentos em infraestrutura, por setor (R$ bilhões, preços constantes de 2009)

Investimentos Realizados

Necessi dade Anual (B)

(A)/(B) (A-B) em R$ bi.

Setor 2003-2008 (média)

2009 (A)

Energia 14,0 17,5 28,3 62,0% -10,8 Petróleo e Gás 31,6 39,3 75,3 52,0% -36,0 Transportes 12,2 15,2 24,1 63,0% -8,9 Telecomunicações 15,4 19,2 19,7 97,0% -0,5 Saneamento 4,3 5,4 13,5 40,0% -8,1 Total 77,5 121,9 160,9 76,0% -64,3 Fonte: Elaboração própria, com dados da ABDIB.

Tendo em vista estes resultados, a evolução dos investimentos em infraestrutura ainda apresenta-se aquém das necessidades a serem atendidas para o crescimento sustentado da economia brasileira. Segundo estas estimativas da ABDIB22, há uma carência de investimentos superior a R$ 64 bilhões ao ano.

O governo retomou este ciclo desenvolvimentista como o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em Janeiro de 2007, que é um plano governamental que visou estimular o crescimento da economia brasileira, com o mérito de reintroduzir o conceito de investimento em infraestrutura no Brasil, como ocorreu no Plano de Metas e no II PND.

A previsão de investimentos do PAC totalizou cerca de R$ 657,4 bilhões para o período de 2007-2010, o PAC passou a ser um grande plano de desenvolvimento no país. No entanto, houve certa ineficiência estatal na execução de seus investimentos, sendo que, do total previsto, cerca de R$

22 Nesta pesquisa consideram-se as informações advindas da ABDIB como primárias, pela sistemática de acompanhamento anual dos setores de infraestrutura e pela pouca disponibilidade de outras fontes, dentre elas, as oficiais do governo acerca destes tipos de investimentos.

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444 bilhões ou 67,5% do total foram efetivamente, de acordo com os dados dos quatro anos do PAC.

Tabela 2. Brasil: Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) –Balanço dos investimentos, por setores (R$ bilhões, preços correntes de 2010)

Setores Realizados (A) Previstos (B) (A) / (B)

Logística 65,4 97,7 66,9% Energia 148,5 300,2 49,5% Social e Urbana

230,1 259,5 88,7%

Total 444,0 657,4 67,5% Fonte: Elaboração própria, com dados do 11º. Balanço dos quatro anos do PAC, do website oficial do Plano de Aceleração do Crescimento.

A expansão do investimento em infraestrutura foi considerada

fundamental para a aceleração do desenvolvimento sustentável no Brasil. Dessa forma, o País poderia superar os gargalos da economia e estimular o aumento da produtividade e a diminuição das desigualdades regionais e sociais. Setorialmente, temos a seguinte distribuição dos investimentos:

a) Infraestrutura Logística, envolvendo a construção e ampliação de rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias, com investimentos de R$ 65,4 bilhões, ou 66,9% do previsto;

b) Infraestrutura Energética, correspondendo à geração e transmissão de energia elétrica, produção, exploração e transporte de petróleo, gás natural e combustíveis renováveis, com investimentos de R$ 148,5 bilhões, ou 49,5% do total;

c) Infraestrutura Social e Urbana, englobando saneamento, habitação, metrôs, trens urbanos, universalização do programa Luz para Todos e recursos hídricos, com investimentos de R$ 230,1 bilhões, ou 88,7% do total.

Na medida em que relaciona projetos estruturantes e importantes para o fortalecimento da infraestrutura no País e confere mais transparência ao processo de condução dos projetos, O PAC colabora com a tentativa de solucionar entraves que normalmente interferem no ritmo e nos custos de empreendimentos, como licenciamento ambiental e elaboração de estudos e projetos.

No que se refere a evolução dos investimentos das empresas estatais nos anos 2000. Este resultado pode ser explicado pelo comportamento dos investimentos da Petrobras, que correspondiam a cerca de 85,0% dos investimentos públicos em 2004, e elevou-se a 90,0% em 2009. Com isso, os investimentos públicos expandiram-se de R$ 23,4 bilhões em 2004 para R$ 69,1 bilhões, com crescimento de 24,0% a.a.

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Em suma, apesar das debilidades e ineficiências do Estado, a estabilidade macroeconômica e a reintrodução do conceito de planejamento econômico, por meio do PAC representam avanços para a economia brasileira, em comparação às décadas de 1980 e 1990.

Todavia, estes recursos são insuficientes em comparação ao grande desafio de superar as necessidades em infraestrutura no Brasil. Segundo a ABDIB, são necessários R$ 100 bilhões ao ano para suprir as necessidades do setor. Partes desses recursos devem ser cobertas pelo orçamento público, apesar das debilidades burocráticas, outra parte pelo BNDES, Parcerias Público-Privada e iniciativa privada.Nesse sentido, o BNDES23 tem um papel estratégico na ampliação dos investimentos em infraestrutura. Desde sua fundação24 o BNDES tem um papel de estímulo à infraestrutura do Brasil, sendo que exerceu e exerce um papel importante no total de crédito concedido aos setores produtores vinculados à agricultura, indústria, comércio e a infraestrutura no Brasil nos anos 2000. Nos anos 2000, o BNDES desenvolveu técnicas eficientes de elaboração e estudos de projetos no sentido de ampliar recursos para a infraestrutura no Brasil como, por exemplo, a FINEP25.

A partir desses desenvolvimentos, ampliaram-se os desembolsos. Em 2009, os desembolsos, em preços correntes foram aproximadamente seis vezes superiores ao ano de 2000. Houve um salto de R$ 23,0 bilhões em 2000 para R$ 136,4 em 2009. Vale destacar o papel importante do BNDES durante a crise econômica. Nesse contexto de crise, a maior participação pública no estoque total de crédito, por meio dos bancos públicos, especialmente, o BNDES atuaram de forma a atenuar os efeitos negativos da crise.

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Desde os primórdios da industrialização brasileira, o BNDES tem exercido um papel relevante para os investimentos em infraestrutura no Brasil. O BNDES foi um dos instrumentos de operacionalização financeira do Plano de Metas, ainda como Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE). Lessa destacou a importância do BNDE na implementação do Plano de Metas, “Este banco de investimento, ponto de passagem praticamente obrigatório dos programas governamentais, previa, igualmente, uma melhor compatibilidade dos programas e decisões assumidos setorialmente, ao manipular sua massa de poderes segundo critérios econômicos superiores aos alcançáveis nas unidades isoladas. Preencheu assim, o BNDE, de forma declarada, a função de centro de análise de programas governamentais, constituindo-se por mais esta razão, na peça básica da filosofia do Plano de Metas.” (LESSA, 1982, p. 105). 24 Rego e Marques destacam a importância do BNDES para a infraestrutura brasileira: “a criação do BNDE, em 1952, financiado através de um adicional sobre o imposto de renda, foi fundamental para o financiamento de projetos de infraestrutura de transportes e energia e, posteriormente, de projetos de implantação industrial.” (REGO; MARQUES, 2001, p. 82). 25 Financiadora de Estudos e Projetos, empresa pública vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia, criada em 24 de julho de 1967.

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Tabela 3. Brasil: FBCF Total e investimentos em Infraestrutura (R$ bilhões, preços constantes de 2009)

Indicador 1990-99 (Média) 2000-09 (Média)

FBCF Total (A) 153,5 355,0 Investimentos em Infraestrutura (B) 42,5 86,8

Fonte: elaboração própria, com dados do IBGE, ABDIB e BCB. *média anual

Com isso, segundo o IBGE, o total de investimentos fixos, mensurado pela formação bruta de capital fixo (FBCF), cresceu de uma média anual de R$ 153,5 bilhões no período de 1990-99 para R$ 355,0 bilhões para o período 2000-09. Já segundo levantamento da ABDIB, os investimentos mais que dobraram na década de 2000, em comparação ao decênio anterior. Enquanto que os investimentos em infraestrutura nos anos 1990-99, em média anual, totalizaram R$ 42,5 bilhões, nos anos 2000-09, em média anual, os investimentos em infraestrutura totalizaram R$ 86,8 bilhões.

Este conjunto de dados denota que denota há um novo ciclo de investimentos em infraestrutura em curso na economia brasileira nos anos 2000, impulsionados pela atuação estatal, com destaque para o PAC e as políticas viabilizadas pelos instrumentos financeiros do governo, como o BNDES e o FGTS. Considerações finais

O trabalho analisou a evolução dos investimentos em infraestrutura

no Brasil de 1930 a 2010. A pesquisa concentrou-se na avaliação da hipótese de que o desenvolvimento da infraestrutura brasileira, por sua característica de monopólio natural, requer um Estado indutor e regulador do crescimento econômico de longo prazo.

Constatou-se que os investimentos públicos, principalmente, do Plano de Metas e o II PND, ampliaram os investimentos privados nacionais e estrangeiros em infraestrutura até os anos 1970. Em contraposição, a carência de infraestrutura, em virtude da ausência estatal e da reestruturação produtiva dos anos 1980 e 1990 representou uma oportunidade para o novo ciclo de investimentos em infraestrutura iniciado nos anos 2000, impulsionados pela consolidação dos fundamentos macroeconômicos do Plano Real e pela implementação do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).

Contudo, ainda há um ambiente desfavorável aos investimentos privados, nacionais e estrangeiros em infraestrutura em virtude,

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principalmente, das incertezas regulatórias e do ainda baixo investimento público no país.

Com relação ao papel do Estado, a partir das teorias de Keynes, os países capitalistas se convenceram da necessidade da intervenção do governo para evitar ou reduzir os efeitos das crises cíclicas que caracterizam o modelo econômico capitalista, sendo que a atuação estatal se dá especialmente em benefício do emprego e dos investimentos.

Com relação à função de regulação estatal, esta é mais bem executada se o poder público dispuser de recursos materiais suficientes e de pessoal qualificado. No Brasil, observou-se que a eficiência da regulação depende de uma ampla reforma do Estado, que compreenda não só o ajuste fiscal, mas também a estruturação de um serviço público eficiente.

Foi apresentado o período de 1930-1970, no qual houve uma ampliação significativa da infraestrutura no Brasil que criou condições para o período de industrialização e superação da dependência externa das importações, que contribuiu em significativa medida os efeitos da dependência externa e intensificou o processo de substituição de importações. Este é um resultado do expressivo papel do Estado, por meio dos investimentos públicos, que impulsionou os investimentos privados, nacionais e estrangeiros, ampliando a infraestrutura brasileira, com destaque para o papel das empresas estatais.

Já os anos 1980 foram marcados pela atrofia dos investimentos estatais e o agravamento das incertezas regulatórias e, principalmente, dos fundamentos macroeconômicos. Com isso, não se promoveu um ambiente favorável aos investimentos privados, nacionais e estrangeiros, com o impacto sobre a infraestrutura brasileira.

Os anos 1990 foram marcados pela continuidade da atrofia dos investimentos estatais e o aprofundamento do processo de privatizações. Em setores como de telecomunicações, observa-se uma modernização e ampliação da oferta; contrariamente, em setores como de energia elétrica, houve uma paralisação dos investimentos, em virtude das incertezas regulatórias e a ausência do Estado. No entanto, com o Plano Real de 1994, houve a correção dos desequilíbrios macroeconômicos, viabilizando um novo ciclo de investimentos nos anos 2000.

Constatou-se que, há uma grande dificuldade de viabilização doméstica dos investimentos necessários, principalmente por que, os investimentos em infraestrutura têm como característica a necessidade de grandes volumes de capitais altamente específicos.

Para se viabilizar estes investimentos, é preciso que haja um bom desenho regulatório, para se reduzir as incertezas de longo prazo, como também políticas microeconômicas devem ser voltadas para os objetivos estratégicos do país no longo prazo – direcionando os investimentos domésticos e externos no sentido da promoção do bem estar social e

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aumento da produtividade e competitividade da economia nacional, com destaque para os anos 2000.

Constatou-se na pesquisa que a atividade governamental, com a formulação sistemática e a tomada de decisões de política econômica, tem o papel de disciplinar a atividade produtiva e promover o crescimento econômico, por meio de investimentos em infraestrutura.

Nos setores de infraestrutura, caracterizados como monopólios naturais, há uma necessidade de atuação governamental no sentido de evitar lucros excessivos por parte das empresas e adequar a quantidade e qualidade da oferta desses bens públicos. Nesse sentido, o planejamento econômico, com o uso de técnicas e o estabelecimento de objetivos globais a serem alcançados pela economia em períodos previamente fixados exerce papel importante.

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A ABORDAGEM ECONÔMICA DOS NEGÓCIOS INTERNACIONAIS E DO INVESTIMENTO DIRETO ESTRANGEIRO

Frederico Araujo Turolla*

Resumo O campo de International Business, ou Negócios Internacionais (NI),

vem crescendo no Brasil, refletindo a crescente internacionalização das empresas brasileiras, com as correspondentes demandas de estudo de estratégia empresarial e de políticas públicas associadas. Adicionalmente, o estudo de NI se volta também para a compreensão da atividade e dos papéis das empresas multinacionais no país. Em outras palavras, NI se volta fortemente ao estudo do Investimento Direto Estrangeiro nas duas direções. Este artigo apresenta as principais abordagens de estudo de NI no campo da Economia e comenta sobre a pesquisa no Brasil.

Introdução

Refletindo a crescente internacionalização da economia brasileira, principalmente o investimento direto das empresas nacionais no exterior, vem ganhando corpo, no país, o estudo de Negócios Internacionais (NI), ou em inglês International Business (IB). Trata-se de uma área interdisciplinar que, no país, pode ser considerada como nova e incipiente, mas que no mundo já se encontra bem mais consolidada.

O estudo de NI no Brasil pode contribuir para a intensificação e a definição do foco das nossas estratégias internacionais, públicas e privadas, hoje em pleno andamento. É, também, fundamental para a inserção brasileira no exterior, dado que já há uma ativa e crescente comunidade de NI da qual o Brasil, por muitos anos, pouco participou, mas desde recentemente vem se inserindo de maneira mais efetiva.

No Brasil, a comunidade de NI, ainda relativamente pequena, tem suas raízes, principalmente, na COPPEAD/UFRJ, USP e Fundação Dom Cabral. Reporta-se que as primeiras pesquisas sistemáticas sobre expansão internacional de empresas brasileiras datam dos anos setentas, com esforços realizados na Coppead-UFRJ e com a criação do Núcleo de Estudos em Internacionalização de Empresas, em 1977, naquela instituição (Mariotto, 2007). Hoje, a maior concentração de pesquisadores está nas três principais capitais do sudeste do país: Rio de Janeiro (PUC-RJ, UFRJ/COPPEAD e IPEA), São Paulo (ESPM/PMGI, FGV-SP, Insper, PUC-SP, Uninove/PMDA, USP) e Belo Horizonte (FUMEC, Fundação Dom Cabral, PUC-MG, UFMG). Além destas cidades, há pesquisadores, em

* Professor e pesquisador do Programa de Mestrado em Gestão Internacional da Escola Superior de Propaganda e Marketing (PMGI/ESPM).

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menor número, no Nordeste (Bahia, Ceará e Pernambuco) e nos três estados da região Sul (Turolla e Margarido, 2011).

Os pesquisadores de NI, no Brasil, se reúnem em eventos como o EnANPAD, que é o encontro anual da Associação Nacional dos centros de Pós-Graduação em Administração, e em outros como o Simpósio Internacional de Administração e Marketing da ESPM, que tem em NI uma de suas principais áreas.

Adicionalmente, a comunidade se reúne também no principal encontro mundial da área, promovido pela AIB – Academy of International Business, que possui mais de 3 mil membros em 74 países. O encontro anual é realizado desde 1959, inicialmente nos EUA e depois em países da Europa e Ásia, além de Canadá e México. Em 2010, o Encontro da AIB aconteceu pela primeira vez no Brasil, no Rio de Janeiro, Barra da Tijuca, entre 25 e 29 de junho – sendo a segunda vez na história que o encontro anual aconteceu no hemisfério sul.

Os capítulos da AIB realizam encontros regionais. Em 2008, foi criado o capítulo latinoamericano, o AIB-LAT, que realizou seu primeiro encontro anual no Rio de Janeiro, junto ao encontro global da AIB, em junho de 2010, paralelamente ao encontro da AJBS – Association of Japanese Business Studies.

A AIB edita ainda prestigiado JIBS – Journal of International Business Studies. O JIBS tem uma característica peculiar: apesar de altamente especializado nos tópicos de NI, tem natureza interdisciplinar, portanto abrange estudos de gestão, finanças, marketing, economia e das demais ciências sociais. O JIBS possui um fator de impacto bastante elevado e é considerado um dos dez principais business & management journals da atualidade. No Brasil, há uma publicação especializada em Negócios Internacionais, a InterNext – Revista Eletrônica de Negócios Internacionais, além de outras revistas de temas mais gerais que dão vazão à produção específica de NI.

Na área de análise aplicada e de formulação de políticas para o investimento direto, com importante foco nos países em desenvolvimento, a UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development, ou Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento, é o mais importante think tank global em políticas de investimentos diretos estrangeiros, com foco nas políticas para o investimento dos países em desenvolvimento. A UNCTAD, sediada no complexo do Palácio das Nações em Genebra, possui estrutura própria de pesquisa e análise, promove eventos internacionais que envolvem a comunidade e gera publicações como o World Investment Report (WIR). A UNCTAD foi estabelecida em 1964, tendo como primeiro Secretário-Geral o economista argentino Raúl Prebisch, que assumiu o posto logo após o período de 13 anos em que serviu como Secretário Executivo da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL).

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No Brasil, a SOBEET – Sociedade Brasileira para o Estudo das Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica, é uma tradicional referência de estudos e pesquisas em NI. Desde sua fundação, a Sobeet vem realizando, coordenando ou patrocinando estudos, com diversos focos e níveis de profundidade, sobre os investimentos diretos brasileiros, nas duas direções, de entrada e de saída.

Um sumário da pesquisa acadêmica brasileira sobre a internacionalização das nossas empresas – aparentemente, o primeiro sumário no Brasil – foi produzido por Ogasavara e Masiero (2009). Os autores revisaram 94 artigos acadêmicos brasileiros relevantes, sendo 39 capítulos de livros, 41 artigos dos anais do EnANPAD e 14 de revistas acadêmicas. Um aspecto interessante do estudo é o perfil das citações realizadas pelos autores brasileiros. Os 94 artigos apresentaram 2,5 mil citações. Entre estas, três quartos foram de autores estrangeiros, conforme mostra o quadro a seguir. Nos artigos em revistas, a proporção de citação de estrangeiros é ainda maior.

Quadro - Perfil das citações nos estudos sobre internacionalização de empresas brasileiras Fonte: dados de Ogasavara e Masiero (2009, p. 9)

O estudo mostra que há um caminho significativo para a

intensificação da produção nacional. Esta pode se dar pela simples “substituição de importações” – uma analogia à estratégia de industrialização protecionista e de baixa competitividade perseguido pela economia brasileira na segunda metade do século passado – ou por outras vias. Note-se que, como defendem Ogasavara e Masiero, o elevado peso das citações estrangeiras é positiva, por revelar que a produção brasileira dialoga com a internacional, mas também é preocupante, ao se observar uma simples aplicação e replicação das abordagens estrangeiras (Turolla e Margarido, 2011).

Este artigo tem como objetivo apresentar, de forma sucinta, os elementos centrais da pesquisa em Negócios Internacionais, sob a ótica das principais abordagens econômicas. Para tanto, o artigo foi estruturado em seis seções, além desta Introdução. A seção 1 apresenta as origens do campo de estudo, devidas a Stephen Hymer e Raymond Vernon, nos anos 60. A seção 2 apresenta o paradigma eclético de John Dunning, uma ampla explicação econômica para os fenômenos do investimento direto estrangeiro e a produção internacional de bens e serviços. A seção 3 se dedica à teoria da internacionalização, relacionada à Economia dos Custos de Transação.

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A seção 4 mostra a abordagem comportamental da internacionalização, devida a Johanson e Vahlne da escola sueca de Uppsala. A seção 5 introduz elementos de aplicação da teoria a países em desenvolvimento, que corresponde ao esforço recente que envolve muitos acadêmicos internacionais na “tropicalização” da teoria de NI. Finalmente, a seção 6 contém observações finais sobre a importância dos estudos de NI como suporte às estratégias e políticas públicas para a internacionalização das empresas brasileiras. Elementos importantes deste texto foram apresentados em Turolla e Margarido (2011).

1. Da Economia Internacional à Microeconomia: Hymer e Vernon

O estudo dos investimentos diretos estrangeiros, assim como o do comércio internacional, foi, até meados do século XX, um item da disciplina Economia Internacional. A teoria dominante, até os anos 60, era a de Heckscher-Ohlin, que previa que o comércio internacional ocorreria devido às diferenças das dotações de trabalho e capital entre as nações. Em outras palavras, países com mais mão-de-obra se especializariam nos bens intensivos neste fator e os exportariam para países com maior dotação de capital fixo, e vice versa.

Como desdobramento das teorias do comércio, logo se procurou avaliar as transferências internacionais de capital. Acreditava-se que estas transferências tinham origem nas diferenças de taxas de juros ou retorno do capital entre as nações. O capital deveria fluir das economias onde o retorno é mais baixo para aquelas onde o retorno é mais alto (Buckley e Casson, 2010). Isto deveria criar um fluxo de investimentos diretos com origem nos países desenvolvidos, de baixo retorno, em direção aos países em desenvolvimento, onde o retorno é mais alto.

A predição da teoria, porém, não encontrava eco nos fatos. Após a Segunda Guerra Mundial, o mundo assistiu a uma intensificação dos investimentos diretos, mas este fluxo aconteceu, principalmente, entre países desenvolvidos. Além disto, boa parte do fluxo aconteceu a partir de países que, naquele momento, apresentavam alta taxa de retorno, como os EUA, em direção a países com baixa taxa de retorno como o Reino Unido. Para Buckley e Casson (2009), em linguagem moderna, os economistas da época confundiram investimento em carteira com investimento direto.

Nos anos 60, o estudo do investimento direto estrangeiro passou da Macroeconomia à Microeconomia. Nesta nova fase, o campo de Negócios Internacionais passou a se beneficiar fortemente da teoria Microeconômica já bem estabelecida, particularmente do estudo da Organização Industrial, e dos desdobramentos dessa teoria nesta época, incluindo a teoria das barreiras à entrada. Posteriormente, o campo incorporou, com grande ênfase, os estudos na linha inaugurada por Ronald Coase e a Nova Economia Institucional, incluindo a contribuição, um pouco mais recente, de Oliver Williamson.

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O delineamento das feições atuais do estudo do investimento direto estrangeiro como o conhecemos deve muito à tese de doutorado do economista canadense Stephen Hymer (1960) no M.I.T., orientada pelo proeminente professor Charles Kindleberger. Foi Kindleberger que popularizou o trabalho de Hymer (Kindleberger, 1969). A tese de Hymer é considerada como a primeira tentativa de explicação sistemática das atividades das empresas fora das suas fronteiras nacionais (Dunning, 2001).

A tese apareceu poucos anos após a publicação do famoso trabalho de Joe Bain (1956) sobre como as barreiras de entrada influenciaram a estrutura de diversos setores nos EUA, além de outras contribuições contemporâneas na área da Economia Industrial. Hymer também foi influenciado por fatos históricos: o substancial crescimento das atividades estrangeiras das empresas norte-americanas, especialmente no Canadá e na Europa Ocidental, desde 1950. Sua atenção se voltou para a intrigante concentração destas atividades em setores específicos (Dunning, 2001).

Hymer apontou pelo menos duas razões para o IDE: uma, que as empresas podem ter uma vantagem real de eficiência e assim explorar múltiplos mercados; e outra, as empresas tentariam eliminar a competição entre dois mercados, ocupando ambos. Adicionalmente, haveria a diversificação internacional dos mercados como razão para o investimento direto estrangeiro.

Oliver Williamson comentou a explicação “dual” de Hymer para o IDE e coletou uma citação do autor, de que o investimento direto estrangeiro “permite as firmas comerciais transferirem capital, tecnologia, e habilidade organizacional de um país para outro. É também um instrumento para restringir a competição entre firmas de diferentes nações” (Hymer, 1970, p. 443, apud Williamson, 1985), criando vantagens monopolísticas. No começo dos anos setentas, economistas como Richard Caves (1971) e Robert Aliber (1971) seguiram na linha de vantagens monopolísticas, explorando, por exemplo, o papel das marcas e dos prêmios de taxa de câmbio (Buckley e Casson, 2009).

Na mesma época, um pouco após Hymer, Raymond Vernon tentou desvendar a atividade das empresas norte-americanas no exterior. Vernon argumentou que as empresas norte-americanas desfrutavam de vantagens específicas ao país, relacionadas à dotação de fatores da economia americana, assim como aos padrões de demanda e estrutura de mercado naquele país.

Inicialmente, tais vantagens seriam mais bem exploradas no país de origem; mas, na medida em que os produtos atingem a maturidade, ou mesmo se tornam padronizados, e aumenta a ameaça de competição, a produção migra para o estrangeiro (Dunning, 2001). Ele desenvolveu, assim, uma teoria do ciclo de vida do produto em que, nos estágios avançados, ocorre a internacionalização.

Nas palavras de Oliver Williamson,

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“o estudo de Raymond Vernon de 1971 das corporações da Fortune 500 revelou que 187 delas tinham uma presença multinacional substancial. O dispêndio em P&D como porcentagem das vendas era maior entre estas 187 do que entre as firmas remanescentes no grupo das Fortune 500. Ademais, de acordo com Vernon, as firmas que se tornaram multinacionais tendiam a ser tecnologicamente inovadoras no momento de fazer seus investimentos diretos estrangeiros iniciais” (Williamson, 1985).

Vernon, assim, previu que empresas com elevado investimento em inovação se internacionalizariam após atingirem certo estágio. Desenvolveu, portanto, uma teoria dinâmica da internacionalização das empresas, com importantes aspectos comportamentais. A linha comportamental sobre a internacionalização seria explorada posteriomente pelos pesquisadores da Universidade de Uppsala, que criariam a abordagem comportamental mais famosa da atualidade.

Desde Hymer e Vernon, as teorias sobre o investimento direto estrangeiro experimentaram uma evolução significativa, com várias contribuições importantes, que são apresentadas nos itens a seguir.

A mais ampla e reconhecida contribuição para a teoria dos investimentos diretos foi realizada por John Dunning. Embora as contribuições de Dunning sejam bastante associadas aos seus trabalhos a partir dos anos setentas (dois trabalhos frequentemente citados são Dunning 1977 e 1988), sua origem é anterior às contribuições de Hymer e Vernon: datam da tese de doutorado de Dunning, de 1958, embora seus artigos mais importantes sejam posteriores.

2. O “paradigma eclético” de John Dunning

O professor John Harry Dunning faleceu em janeiro de 2009, deixando o mais amplo legado de contribuições à teoria de negócios internacionais e à explicação dos investimentos diretos estrangeiros, em quase 50 livros e mais de 150 artigos. Foi uma figura central nas atividades da UNCTAD e do United Nations Centre on Transnational Corporations, desde os anos setentas até o fim da sua vida, inclusive orientando a preparação anual do World Investment Report.

Figura 1 – Professor John Harry Dunning Fonte da imagem: Academy of

International Business

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Dunning criou e aperfeiçoou um paradigma geral de análise da internacionalização, com base na racionalidade econômica desse movimento. Desenvolveu, assim, uma estrutura de explicação para o investimento direto (ou a produção internacional de bens e serviços, como ele denominou o fenômeno em um de seus principais artigos), que foi batizada de “paradigma eclético”. Este ficou também conhecido como “paradigma OLI”, pelos seus três componentes, que refletem as vantagens que são exploradas pelas empresas que se internacionalizam e que constituem, de certa forma, a motivação dessas empresas para a internacionalização.

Estas vantagens são: O, de ownership (propriedade); L, de location (localização); e I, de internalização (internalization). Estas são apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1 - Sumário do paradigma OLI

O L I

Nome PROPRIEDADE LOCALIZAÇÃO INTERNALIZAÇÃO

Característica Específicas à empresa

Específicas ao local de destino

Relacionadas ao custo de transacionar

Tipo de vantagem

Ativos tangíveis e intangíveis que a firma detém.

Fatores locais dos mercados de destino.

Economias obtidas pela utilização de transações internas à empresa em vez de usar o mercado.

Fonte: Fleury e Fleury (2007); Amatucci (2009); Mariotto (2007) As vantagens específicas da empresa (O, de ownership) são

derivadas de sua propriedade e/ou nacionalidade. Essas vantagens podem ser de caráter estrutural, correspondente à posse ou acesso exclusivo e privilegiado a recursos que criam ativos; ou transacional, que se refere à capacidade da empresa tirar proveito de falhas de mercados, pela administração eficaz de conjuntos de ativos localizados em diferentes países e da capacidade de gerenciar alianças estratégicas e redes de empresas.

As vantagens específicas de localização (L, de location) estão relacionadas aos locais onde se implantam as operações no exterior. Também podem ser vistas pelo lado estrutural ou transacional. Os aspectos estruturais estão relacionados às condições locais - institucionais, econômicas, culturais - que influenciam o desempenho da subsidiária. Incluem, desde o acesso e uso de fatores locais, até políticas de incentivo.

Pelo lado transacional, as vantagens de localização se referem à capacidade da empresa de tirar proveito da gestão coordenada de ativos instalados em diferentes países em decorrência de sua implantação em um lugar específico. As vantagens de localização se referem, por exemplo, à

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obtenção de acesso a mercados, fontes de matéria-prima, canais de distribuição, incentivos governamentais locais, entre outros.

Nas vantagens específicas de internalização (I, de internalization), a empresa procura reduzir e eliminar diversos custos de transação, buscando minimizar encargos com o câmbio, da propriedade de informação e redução da incerteza, obter maior conhecimento sobre o mercado em que está atuando, vantagens contratuais e usufruto de um racional e adequado aparato legal, entre outros.

O texto de Dunning e Lundan (2006), um dos mais importantes artigos de John Dunning antes de sua morte, resume os elementos centrais e últimos avanços do paradigma eclético e de seus desdobramentos. 3. A teoria da internalização

Com base nas teorias do custo de transação, a teoria da internalização, associada a Buckley e Casson, se tornou o paradigma dominante na explicação da existência e do crescimento da empresa multinacional (Dunning, 2001). As falhas de mercado e os custos de transação assumiram, com isto, um papel central na teoria de Negócios Internacionais. Trata-se de uma teoria relativamente complexa, que gera uma abordagem peculiar sobre a formação das empresas transnacionais.

Do fim dos anos setentas até o começo dos anos oitentas, a empresa transnacional passou a ser percebida crescentemente como “uma instituição que coordena o uso de ativos intermediários gerados em um país, com atividades de valor adicionado resultando destes ativos em outro país (ou países), em vez de uma firma que possui ou controla instalações de produção em dois ou mais países” (Dunning, 2001, p. 41).

Os expoentes da teoria da internalização em NI foram, segundo Dunning (2001), os textos de Peter Buckley e Mark Casson (1976) além de Jean-François Hennart (1977, 1982), Nils Lundgren (1977) e Birgitta Swedenborg (1979). Os principais expoentes dessa teoria, que hoje podem ser considerados os principais acadêmicos ativos na área de Negócios Internacionais, são Peter J. Buckley e Mark Christopher Casson. O professor Peter J. Buckley hoje dirige o Centre for International Business da Universidade de Leeds, no Reino Unido. Publicou 21 livros e mais de 120 artigos acadêmicos, sendo 12 deles no JIBS. Foi presidente da AIB entre 2002 e 2004 e atua como senior advisor na produção do World Investment Report da UNCTAD. Mark Christopher Casson é professor da Universidade de Reading desde 1969. Escreveu ou editou mais de 30 livros e publicou mais de 100 artigos acadêmicos. Atua como consultor em diversas organizações internacionais e multilaterais, inclusive como senior advisor na produção do World Investment Report. A teoria do custo de transação é a base conceitual dessa discussão e descende,

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Figura 2 – Professores Mark C. Casson e Peter J. Buckley Fonte: páginas eletrônicas da Universidade de Reading e da Academy of International Business

intelectualmente, de Ronald Coase (1937). Conforme Buckley e Casson, havia uma interessante percepção no artigo seminal de Coase. Ele teria notado que, nas aulas sobre teoria dos preços, se ensinava que os mercados coordenam a economia; nas aulas de negócios se ensinava que os gestores coordenam a economia; e nas aulas sobre socialismo, são os planejadores que coordenam a economia. O Quadro 2 a seguir sumaria estes mecanismos alternativos de coordenação.

Quadro 2 - Mecanismos alternativos de coordenação segundo Ronald Coase Disciplina Quem coordena a economia

Teoria dos preços (microeconomia) Mercados Business Gestores Socialismo Planejadores

Fonte: Buckley e Casson (2010) Coase concluiu que, diante de mecanismos alternativos de

coordenação, se escolheria a forma mais barata. Todos os mecanismos de coordenação são imperfeitos. Porém, alguns mecanismos são mais imperfeitos que outros (Buckley e Casson, 2010).

Assim, a explicação de Buckley e Casson para a existência da empresa transnacional está assentada sobre a visão de Coase sobre a coordenação, em que todos os mecanismos de coordenação são imperfeitos. Um elemento central dessa visão é que alguns mercados são mais imperfeitos que outros. Nas palavras de Buckley e Casson, por várias razões, o mercado da tecnologia é, em geral, altamente imperfeito, principalmente por duas razões.

Em primeiro lugar, porque seus direitos de propriedade são muito mal definidos. Por exemplo, ainda que seja possível patentear inovações, é sempre possível criar “em torno de” uma patente. Pode-se chegar a um ponto em que inventores evitam proteger patentes para proteger segredos e

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não chamar a atenção dos potenciais concorrentes sobre sua invenção (Buckley e Casson, 2010, p. 8).

Em segundo lugar, o custo de transferir a tecnologia para outros países desencoraja empresas de investirem no exterior, sendo que neste caso optam por explorar a inovação no seu mercado doméstico. Buckley e Casson consideram que esta é a razão pela qual as transnacionais são mais comuns entre indústrias de alta tecnologia. Desta forma, explicam a persistência de uma defasagem tecnológica entre os países, mesmo com o investimento das empresas transnacionais.

Assim, com imperfeições tão marcantes quanto no mercado de tecnologia, o custo de usar o mercado na coordenação das atividades é elevado e, neste caso, as empresas preferem utilizar a sua organização interna. Estabelecem, assim, estas atividades sob propriedade e controle comuns.

Estas imperfeições não acontecem apenas no mercado de tecnologia, havendo vários outros casos relevantes. Em particular, se a tecnologia pode ser vista como um insumo intermediário na produção de um bem, outros insumos caracterizados por imperfeições de mercado podem ter sua produção internalizada juntamente com a atividade a jusante, o mesmo valendo para a atividade a montante da cadeia produtiva (Buckley e Casson, 2010). Podem, assim, ser obtidos de forma mais eficiente sob propriedade e controle de uma mesma organização ou grupo econômico.

Entre estes insumos podem estar a propaganda e os capitais, ambos caracterizados por imperfeições importantes (Buckley e Casson, 2009; Williamson, 1985). Um outro caso importante se refere aos insumos em que há necessidade de controle de qualidade, atividade que pode apresentar fortes assimetrias de informação. A própria aquisição de tecnologia traz incerteza sobre o bem ou serviço adquirido, podendo ser considerada como um problema de controle de qualidade (Buckley e Casson, 2010).

Quando estas falhas de coordenação envolvem diferentes países, as empresas se tornam empresas transnacionais. Assim, as empresas transnacionais apareceram, inicialmente, com maior ênfase, nos mercados com maior intensidade tecnológica, onde a transferência de tecnologia indiscutivelmente coloca maiores dificuldades em termos de custos de transação (Williamson, 1985).

Buckley e Casson afirmaram, em 2010, na sua revisão da teoria, após mais de 30 anos de pesquisa, que “nós começamos com um problema – como explicar a existência da empresa multinacional e a forma como ela se comporta”. Eles acreditam que, juntamente com outros acadêmicos, encontraram a resposta a esta pergunta. Entretanto, afirmaram que a resposta apenas levantou novas questões, que se multiplicaram em outras novas questões. Esta percepção reflete a riqueza e a variedade de temas no campo de NI, além de estar na origem da crescente atividade de pesquisa hoje verificada em torno da abordagem de internalização.

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A referência atual mais completa sobre a abordagem da internalização é Buckley e Casson (2010), um livro que sumaria o entendimento mais recente dos autores sobre a teoria da internalização e que eles denominaram “o essencial de Buckley e Casson”. Uma versão mais compacta pode ser encontrada no artigo de Buckley e Casson (2009), publicado no JIBS.

4. O modelo de Uppsala

Os pesquisadores da Universidade de Uppsala, na Suécia construíram, a partir de meados dos anos setentas, uma abordagem pioneira sobre os aspectos comportamentais da internacionalização das empresas. Inicialmente, os pesquisadores de Uppsala (Hörnell, Vahlne e Wiedersheim-Paul, 1973; Johanson e Wiedersheim-Paul, 1975; Johanson e Vahlne, 1977), observando a internacionalização das empresas suecas, verificaram que o comportamento organizacional observado se mostrava diferente do que previa a literatura de NI naquela época.

A previsão da literatura era de que as empresas escolheriam, para sua internacionalização, o melhor modo de entrada em um mercado através da análise dos seus custos e riscos, com base nas características do mercado e levando em consideração os seus próprios recursos. O que eles encontraram no histórico das empresas suecas foi algo diferente, que eles chamaram de establishment chain: primeiro as empresas exportavam; depois, formalizavam suas entradas através de negociações com intermediários, representantes ou agentes no país de destino. Quando cresciam no mercado externo, substituíam os representantes ou agentes por pessoal próprio; e, crescendo ainda mais, estabeleciam a planta para produzir no mercado-alvo, evitando assim as barreiras comerciais (Johanson e Vahlne, 2009).

Outro achado importante dos pesquisadores de Uppsala foi que o processo de internacionalização das empresas suecas não começava pelo “melhor” mercado disponível no mundo. Em vez disso, frequentemente o processo se iniciava por mercados que eram próximos do mercado doméstico em termos de distância psíquica.

Este conceito, distância psíquica, foi definido por eles como "os fatores que dificultam o entendimento dos ambientes estrangeiros” (Johanson e Vahlne, 2009, p. 1412). A distância psíquica consiste na soma de fatores que interferem no fluxo de informações entre países; a distância geográfica, uma vez que pode envolver diferenças culturais, políticas, sociais e econômicas, é um exemplo (Vahlne e Wiedersheim-Paul, 1973).

Quanto maior a distância psíquica, segundo eles, maior a liability of foreigness, outro conceito importante do modelo de Uppsala. Porém, gradualmente, após a entrada em mercados próximos, a empresa adquire experiência, e passa a entrar em mercados mais distantes em termos

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psíquicos. O modelo tem um caráter dinâmico, pois o aprendizado gradual permite a entrada em novos mercados, em um processo sequencial e contínuo de internacionalização.

Há importantes limitações do modelo de Uppsala: o processo é linear, esquemático, determinista e não tem volta, não considerando a possibilidade dos desinvestimentos. Não considera aspectos como a possibilidade de “queimar etapas”, típica de empresas de países em desenvolvimento e também de empresas de tecnologia, assim como omite o ambiente de negócios (Borini et al, 2006, p. 46). Há, inclusive, a teoria das empresas “born globals”, introduzida por Knight e Cavusgil (1996), que dá conta de um grande número de empresas cuja velocidade ou padrão de internacionalização desafiam as predições de Uppsala.

Na versão mais recente da teoria de Uppsala, sistematizada em Johanson e Vahlne (2009), a raiz da incerteza se deslocou para o conceito de redes, em vez das fronteiras nacionais. Em outras palavras, a empresa enfrenta incertezas relacionadas à penetração nas redes relevantes de negócios internacionais. Como coloca Eden (2009), “ser estranho à rede relevante, em vez da distância psíquica, é a causa original da incerteza” (Eden, 2009, p. 1409).

A abordagem das redes considera que os mercados são, na verdade, redes de empresas onde, no contexto da internacionalização, as empresas devem desenvolver posições em redes no exterior (Carneiro e Dib, 2007, p. 6). Assim, o conceito original, de liability of foreigness, ou o problema de ser estrangeiro, foi substituído pela liability of outsidership, ou a questão de se estar fora de uma rede relevante. No contexto da análise de subsidiárias, a rede de relacionamento pode ser externa, que diz respeito ao relacionamento da subsidiária com fornecedores e outros parceiros, ou interna – entre as subsidiárias da mesma empresa (Borini, Fleury e Fleury, 2010).

A abordagem mais atual da escola de Uppsala pode ser encontrada em Johanson e Vahlne (2009), um artigo sucinto que reflete o entendimento dos autores sobre o estado atual de sua teoria.

5. Tropicalização: a teoria sob o Cruzeiro do Sul

Uma importante contribuição à teoria de NI no Brasil teve origem na UFRJ, através de autores como a professora Angela da Rocha e os pesquisadores do Núcleo de Pesquisa em Internacionalização de Empresas, instalado no final dos anos setentas.

Mais recentemente, Afonso e Maria Tereza Fleury (2007) desenvolveram uma interessante discussão sobre a internacionalização dos “entrantes tardios” (late movers). O tema não é novo na literatura e já foi explorado desde o fim dos anos setentas, avaliando as novas transnacionais do terceiro mundo (Ogasavara e Masiero, 2009).

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Um número razoável de empresas de países emergentes, tradicionalmente exportadoras, vem aumentando suas operações globais. Em contraste com as pioneiras (early movers) dos países desenvolvidos, as condições e características da internacionalização dos entrantes tardios (late movers) são sensivelmente distintas.

As principais diferenças incluem: o grau de competição mais elevado, demandando mais inovação; os early movers já estarem avançando para sofisticadas formas de controle da cadeia global de valor; a maior incidência de políticas públicas e de intervenção no processo de internacionalização; e a presença de restrições institucionais ao comércio, afetando fortemente os países em desenvolvimento (Fleury e Fleury, 2007, p. 5).

A caracterização das empresas entrantes tardias na literatura de Gestão Internacional identifica, conforme os professores Afonso e Maria Tereza, algumas características salientes: empresas maduras e integradas, originadas em mercados protegidos da competição internacional, ainda que bastante turbulentos, com processos intensivos em recursos naturais e mão-de-obra barata, com baixa competência tecnológica e baixa capacitação gerencial.

A argumentação de Fleury e Fleury vai na linha de Bartlett e Goshal (2000) e de Ramamurti (2004), que introduziram novos elementos relacionados ao papel das empresas transnacionais de países emergentes na agenda de NI.

Parte da argumentação considera que as novas multinacionais, entrantes tardios oriundos dos países emergentes, não possuem ativos intangíveis que se tornem vantagens significativas para sua penetração nos mercados internacionais (Silveira e Spohr, 2010).

Há, assim, algum ceticismo sobre a viabilidade dos late movers na competição internacional. Em particular, Bartlett e Goshal (2000) prevêem que as heranças de origem (liabilities of origin) vão levar as empresas de países de internacionalização tardia a se verem presos a mercados internacionais de commodities, operando em posições fracas e vulneráveis (Fleury e Fleury, 2007).

Apesar dos esforços iniciais nas últimas três décadas, a literatura sobre as multinacionais tardias ainda não se encontra bem desenvolvida, com muitas questões relevantes ainda em aberto – ou seja, com grandes oportunidades de pesquisa e de aplicação no Brasil!

Claramente, o estudo dos países emergentes, seus investimentos diretos e suas empresas multinacionais é um tema prioritário de pesquisa no cenário mundial da área de NI, gerando publicações como Meyer (2004) e o livro recente de Ramamurti e Singh (2009).

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6. Comentários finais: convergência NI-IE

O esforço de pesquisa já dedicado á área de Negócios Internacionais no Brasil parece pequeno frente à magnitude dos desafios e do potencial do país e de suas empresas no mercado internacional. É fundamental que a Academia se beneficie do amplo estoque de conhecimento que, há pelo menos cinco décadas, vem sendo acumulado no entendimento do investimento direto e dos negócios internacionais.

O melhor a esperar de nós, que nos dedicamos aos Negócios Internacionais no Brasil, é que não sejamos meros sujeitos de um processo de “substituição de importações” do conhecimento internacional pela produção interna de artigos na área. De fato, boa parte do conhecimento utilizado na área é hoje importado: conforme estudo recente, três quartos das citações nos artigos brasileiros se referem a artigos estrangeiros.

Nossa melhor contribuição à internacionalização brasileira será dada se nos tornarmos competitivos na produção do conhecimento específico, ocupando um papel relevante no cenário internacional, notadamente no que se refere à compreensão do investimento direto brasileiro, da internacionalização tardia de nossas empresas e de outros fenômenos dos países em desenvolvimento. Políticas públicas bem desenhadas e efetivas para a internacionalização sustentável das empresas brasileiras seriam uma decorrência natural e provável do fortalecimento da pesquisa na área de Negócios Internacionais, no Brasil.

Um interessante aspecto que vem suscitando pesquisas é a relação entre NI e o campo da Economia Internacional (EI). Este último foi o substrato sobre o qual, nos anos 60, o primeiro se desenvolveu. Os dois campos se separaram e seguiram trajetórias paralelas que, em algum momento, poderão, eventualmente, convergir, retomando as origens.

A importância da relação entre os dois campos motivou uma chamada recente da Review of World Economics, nos seguintes termos:

“Despite their shared historical roots, international economics (IE) and international business (IB) have developed as two distinct fields of study. While economists directed their efforts at formalizing the workings of international trade and investment at the macroeconomic level, business scholars attempted to open the black box of the (multinational) enterprise, relying more on conceptual narratives than mathematical tools. With the advent of new trade theory (Helpman and Krugman, 1987), the firm was re-introduced as the object of interest in international economics. The recent advancement of the heterogeneous firm in formal models of (“new new”) international trade (Melitz, 2003) has further spawned an unprecedented amount of theoretical and empirical

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microeconomic research in international economics (Greenaway and Kneller, 2007). Hence, after fifty years of co-existence, the potential for spillovers between IE and IB has increased significantly”.

O potencial desta sinergia entre os campos de NI e EI é particularmente interessante no caso brasileiro, considerando que EI conta com uma tradição relativamente antiga no país. O aproveitamento dessa sinergia, portanto, pode acelerar a promoção dos estudos de NI no Brasil, o que certamente trará benefícios para aspectos relevantes do desenvolvimento do país.

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REGULAÇÃO DO SANEAMENTO E UNIVERSALIZAÇÃO Roland Veras Saldanha Junior*

Resumo A novas diretrizes do Saneamento tornam obrigatória a regulação

independente dos serviços públicos relatos no Brasil, explicitando ser a universalização do acesso princípio fundamental na prestação. São expressivas as dificuldades técnicas e políticas para a implantação de boas práticas regulatórias, lembrando que no Brasil a experiência com Regulação por Incentivos é ainda recente e dispersa. O potencial de arcabouço regulatório de qualidade para a promoção e aceleração da universalização, neste contexto, não pode ser menosprezado, em especial para evitar que a descalibragem dos Mecanismos de Incentivo degenere na frustração dos objetivos almejados. Propiciar melhor informação sobre técnicas de Regulação e a importância da calibragem dos incentivos, assim como a participação dos administrados, com controle do Judiciário, são meios tidos como essenciais na busca das melhores trajetórias à universalização do saneamento.

Abstract:

The new Brazilian Sanitation Directives impose independent regulation of related public services, whereas stating universal access to sanitation services a fundamental principle in Brazil. Technical and Political difficulties on best regulatory practices are massive, and Incentive Regulation experience in Brazil is still recent as well as scattered. The potential role of a high quality regulatory framework in promoting and anticipating universal access in this setting should not be underestimated, especially in trying to avoid the degeneration of poor Incentive Mechanism’s calibration into universal access underachievement. Providing better information about Regulation techniques and incentive calibration, easing users’ participation and strengthening Judiciary’s control are taken as essential means in the search of the best paths aiming sanitation universal access.

I. INTRODUÇÃO

A Regulação de monopólios naturais é tema tecnicamente

apaixonante, politicamente intrincado e socialmente prioritário. Independente da titularidade dos ativos, de se tratar da prestação de serviços públicos concedidos à iniciativa privada, no todo ou em parte, ou da oferta direta por empresas/entes públicos, falar de regulação econômica no

* (Mestre em Economia de Empresas FGV/SP, Professor de Economia Industrial e Economia Internacional na PUC-SP)

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século XXI é apontar para a qualidade das instituições em uma sociedade, para as condições de existência e coexistência humanas, para as perspectivas de vida desta e das próximas gerações.

Dos inúmeros e complexos problemas técnico-institucionais postos a uma sociedade no mundo atual, o bom equacionamento dos desafios trazidos pela existência das restrições tecnológicas decorrentes da subaditividade de custos na oferta de serviços essenciais como, por exemplo, os da distribuição de energia elétrica, de gás natural e, particularmente, de água e saneamento, aparece como sinal de competência e maturidade que não pode ser menosprezado. Esta maturidade, vale sublinhar, não decorre necessariamente da técnica regulatória escolhida - já que todos os monopólios naturais podem ser bem ou mal regulados sob quaisquer regimes de Regulação -, mas da adoção de medidas regulatórias que, considerados os empecilhos técnicos, políticos e institucionais, sejam consistentes com trajetória racional e factível para a obtenção das soluções regulatórias de melhor conveniência social.

A idéia de uma Regulação perfeita é quimérica, mas a busca permanente de aperfeiçoamentos regulatórios é tarefa cotidiana em sociedades com maior experiência na área (Baldwin, 2010). Em países em desenvolvimento ou transição, obstáculos já bem conhecidos e referenciados na prática dos países desenvolvidos, como os importantes os temas da captura dos entes reguladores e das vantagens da desregulação, quando factível a introdução de estímulos competitivos (Demsetz, 1968; Stigler, 1971), facilitam, em tese, prévias preparação e prevenção contra defeitos comuns.

Em literatura mais recente e específica, o tema da Regulação nas economias em desenvolvimento acha referência obrigatória na obra de Laffont (2005), encontrando-se atualizada survey a este respeito em Estache et alii (2010). A Regulação na prática depende de grande expertise técnico na formulação e operacionalização de mecanismos, de solidez jurídico-institucional, transparência, efetivo controle externo e de ativa participação democrática. Destacam os trabalhos mais recentes na área que falhas institucionais, de capacitação e de controle externo, quer por usuários, quer pelo Judiciário, facilmente inviabilizam o atingimento de resultados satisfatórios em Regulação, ainda que referenciada por mecanismos de incentivos de última geração, nem sempre recomendados para países em desenvolvimento, como é o caso dos Price Caps.

Não é, portanto, de se fetichizar a Regulação ou a “Ela” atribuir poderes sobrenaturais. A Regulação de qualidade precisa ser construída em sociedade, adaptada e burilada com cuidado, perseverança e humildade, reconhecendo a importância, os agudos conflitos de interesse e a elevada complexidade dos problemas regulatórios a serem enfrentados em cada sociedade distinta.

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Resta bem justificado o prêambulo, considerada a discussão proposta neste trabalho, que se debruça sobre o papel da Regulação no atingimento de metas de universalização na prestação de serviços de distribuição de água e coleta de esgotos na atualidade brasileira, tema que vem despertando crescente interesse no país, vide Galvão et alii (1997, 1998 e 1999), Oliveira et alii (2011 – Parte 2), por exemplo.

Como se verá na Seção II, um breve delineamento dos desafios postos pela nova Lei de Saneamento26 em contexto de graves e desiguais déficits de infraestrutura na distribuição de água potável e coleta de esgotos no país, caracteriza um problemática de Regulação pouco trivial. A recente legislação anda bem ao estabelecer a obrigatoriedade de regulação técnica e independente para os serviços de saneamento no país, mas peca por lançar sementes e diretrizes frouxas, sem preparo adequado do solo institucional que, pelos encaminhamentos empíricos já observáveis, facilmente germinarão distorcidas, tendendo a produzir frutos distintos dos esperados com alguma boa Regulação.

Especialmente preocupante é a idéia de que se possa, através da simples implantação mecânica de Protocolos de Mecanismos de Incentivos regulatórios de última geração, como é o caso dos preços teto (Price Caps), garantir resultados adequados ao estímulo aos investimentos socialmente adequados na infraestrutura brasileira de saneamento. Estes mecanismos costumam ser peça importante de qualquer empreitada regulatória, mas mal manejados e inacessíveis ao controle democrático podem ser transformados em instrumentos poderosos para a implantação de uma Regulação de fachada, em que exageradas rendas de monopólio, alta ineficiência, baixa qualidade dos serviços e descumprimento de metas de investimento são os resultados práticos esperados.

A Seção III será dedicada a breve apresentação dos contornos lógicos da Regulação por Incentivos, com ênfase no Mecanismo de Price Cap. Deverá ficar claro que esta moderna forma de Regulação vem para tentar enfrentar as dificuldades da existência de assimetria informacional entre os entes reguladores e as agentes regulados, com bom respaldo lógico para estimular, em tese, ganhos de eficiência e de bem estar frente a outras alternativas regulatórias conhecidas. Na Regulação por Incentivos encontram-se mecanismos de alta sofisticação analítica e, neste sentido, de difícil assimilação por agentes não especializados nestas técnicas. A adoção de mecanismos de Regulação por Incentivos, neste contexto, surge no intuito de resolver problemas de assimetria informacional entre Regulador e regulada, mas introduz nova assimetria de informações, agora dificultando a compreensão e o controle externo dos demais administrados

26 Lei Federal 11.445 de 2007, regulamentada pelo Decreto Presidencial 7.217 de 2010.

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e do Judiciário não especializado a respeito das decisões e razoabilidade das escolhas regulatórias em estruturação e vigência.

Quer por erros técnicos e de estimativa, quer pela existência de obstáculos à participação social e controle externo da ação regulatória, um resultado bastante prejudicial na implementação da Regulação por Incentivos merece detida atenção no Brasil: o problema da descalibragem regulatória, a ser enfrentado na Seção IV. O sofisticado aparato lógico na Regulação por Incentivos, análogo a um aparelho de última geração tecnológica, precisa estar finamente calibrado para cumprir suas funções. Esta calibragem inicia na fixação de parâmetros regulatórios básicos, como a Base Regulatória de Remuneração de Ativos (BRRA) e o custo ponderado de remuneração do capital (wacc), mas depende do desenho geral do Regime Regulatório, incluindo os intervalos entre revisões tarifárias, as penalidades por descumprimento de metas de investimento, e os fatores de estímulo a reduções de custos no decorrer do tempo.

Acionado o “aparelho”, a principal preocupação tem que estar em verificar e ajustar sua calibragem, na adequação destes parâmetros, ou seja, “regular”. A ainda incipiente experiência brasileira com a Regulação por Incentivos, infelizmente, não indica a atenção necessária ao problema da calibragem regulatória, como se discute ao final da Seção IV.

Na Seção V são discutidos os principais caminhos pelos quais a Regulação pode interferir na universalização do saneamento, facilitando a captação e viabilização de investimentos em montante e qualidade. Não é difícil mostrar que o arcabouço regulatório tem papel determinante e primordial no objetivo e na velocidade da universalização do acesso a serviços públicos, como em saneamento. A análise anterior, todavia, também deixa claro que a interferência regulatória pode ser benéfica ou bastante prejudicial à mais rápida e efetiva universalização, a depender da qualidade e maturidade das instituições e práticas de Regulação vigentes.

II. NOVA LEI DO SANEAMENTO E REGULAÇÃO: CONTEXTO

JURÍDICO E EMPÍRICO

Construir redes de distribuição de água potável e providenciar a coleta e tratamento de esgotos são tarefas que exigem imensos investimentos em infraestrutura. Estas redes de distribuição e coleta, por sua vez, impõem restrições, pelas vias tecnológica e de custos, que dificultam muito soluções de oferta descentralizada por meios de mercados competitivos. Em regra, costuma mais barata e eficiente a produção de serviços de saneamento com a concentração da oferta num único prestador por região geográfica27, em extensão a ser definida de acordo com a

27 Não se exclui, importante notar, a possibilidade de compartilhamento de redes por diferentes ofertantes como alternativa regulatória. Para as finalidades deste

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importância e características da subaditividade de custos em cada situação específica.

Oliveira et alii (2010, Parte 1) usam dados da Pesquisa Nacional de Saneamento IBGE para mostrar que, em 2008, 78,6% dos domicílios brasileiros teriam acesso à rede de água, contra 63,9% estimados em 2000, sendo que apenas 44% destes domicílios teriam acesso à rede geral de esgotos em 2008 (33,5% em 2000). Relativamente ao tratamento de esgotos, este seria serviço disponível para pífios 30,2%, dos domicílios brasileiros em 2008, ainda que em importante melhora no cotejo com o acesso a esgoto tratado em 2000, que atendia a cerca de 11,8% dos domicílios.

Esboçado em médias nacionais, o quadro de acesso aos serviços de saneamento básico no Brasil esconde situação ainda muito mais grave. Nas áreas rurais 77% da população brasileira não dispõem de esgotamento sanitário adequado e o acesso a estes serviços de esgotamento sanitário é muito heterogêneo entre as Unidades Federadas, com ligações à rede de esgotos em Estados como o Pará, Amapá e Rondônia que não ultrapassam 3,5% dos domicílios (Oliveira el ali, op. cit.).

Galvão e Paganini (2009), bem lembram que desde o final da década de 1980, ainda que se considere a criação do Ministério das Cidades, em 2003, o Brasil não conta com uma “política setorial” consistente para o saneamento, fato que bem se amolda aos expressivos déficits de atendimento e aos baixos níveis de investimento nestas infraestruturas. Vem então, em 2007, a publicação da Lei Federal 11.445, posteriormente regulamentada pelo Decreto Presidencial 7.217 de 2010, em que as diretrizes para o Saneamento no Brasil se renovam, ao menos na moldura jurídica, para dar destaque à Regulação técnica e independente neste setor.

Diferenciando entre as funções de planejamento, regulação e prestação dos serviços de Saneamento, a Lei 11.445/2007 fixa a Regulação como condição de validade para a formalização de contratos de prestação destes serviços (art. 11, III), com autonomia reforçada ou “independência” (art. 21, I e II) e referenciada pelo uso da técnica, com transparência e participação dos usuários na gestão.

O arcabouço jurídico no qual os serviços públicos regulados ocorrem no país é, em verdade, mais amplo e referenciado constitucionalmente em princípios da Administração Pública, como o da legalidade, impessoalidade, motivação, publicidade e subsidiariedade, também diretamente envolvidas as regras infraconstitucionais respeitantes às Concessões (Lei 8.987/95) e Licitações (Lei 8.666/93) públicas. Para além da importante providência posta pela Nova Lei do Saneamento, de obrigatoriedade da Regulação na

argumento, todavia, concentra-se na problemática dos monopólios naturais, já que a liberalização de acesso, providência de “desregulação” presume e depende do diagnóstico mais geral.

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prestação destes serviços públicos, esta Lei fixou prazo para a regularização de concessões precárias, vencidas ou por prazo indeterminado, forçando apressados trabalhos para o atendimento das diretrizes regulatórias recentes.

Há então que se considerar, para além do déficit na prestação de serviços de saneamento no Brasil, a insuficiência e a dimensão dos desafios para implementar a Regulação deste setor e de outros setores no país. Galvão e Ximenes (2008, Cap 1) apresentam resumo de recente levantamento feito pela Associação Brasileira das Agências Reguladoras – ABAR -, que em detectou para 2008 a presença de apenas 18% de municípios “regulados” no Brasil, em universo que beira 5400 cidades. Da avaliação das 14 Agências Reguladoras estaduais envolvidas no levantamento, os autores ainda destacam que estes entes não atendiam ou atendiam apenas parcialmente as exigências postas pela nova Lei do Saneamento, somente 5 realizando audiências e consultas públicas, 2 exigindo e organizando dados de Contabilidade Regulatória, 6 regulando tarifas e 3 contando com Ouvidorias.

É deste quadro de precariedade de infraestrutura física e regulatória em Saneamento que se divisam as metas de universalização dos serviços de Saneamento no Brasil, já passados cerca de cinco anos de vigência da Lei 11.445/2007. Se não há dúvidas que as soluções regulatórias ora em construção terão influência direta na determinação do momento e dos custos a serem arcados pela sociedade brasileira para encontrar a ampla disseminação de acesso às redes de água e esgotamento sanitário, uma avaliação minimamente objetiva tende a revelar prospectos pouco favoráveis para o futuro, em especial pela falta de maturidade regulatória no país.

III.REGULAÇÃO POR INCENTIVOS: CONTORNOS LÓGICOS

Apesar de pouco acessível a não especialistas, há farto material

bibliográfico disponível a respeito de mecanismos de Regulação por Incentivos, já quase trintenária na aplicação em alguns países.

Para os objetivos deste trabalho é importante ressaltar a sofisticação analítica e teórica dos mecanismos de Regulação por Incentivos de última geração, já que a pouca familiaridade e dificuldade de compreensão destas técnicas de fronteira tanto dificulta sua melhor aplicação, como facilita sua implementação de forma inadequada, sem que usuários, administrados e, eventualmente, mesmo os entes reguladores conheçam a existência ou extensão destes problemas.

Nesta Seção, entretanto, a proposta vai em sentido contrário, num esforço de apresentar didaticamente a lógica da moderna Regulação por Incentivos para posteriormente expor disfunções mascaradas pela complexidade técnica envolvida. Para evitar mal entendidos, deve-se ter

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clareza que este esboço didático do problema de regulação de monopólios naturais e da solução encontrada nos mecanismos de Price Caps prioriza os elementos mínimos necessários à compreensão do problema da descalibragem regulatória, a ser discutido na Seção IV. Para aprofundamentos e maior rigor a respeito destes temas, remetem-se os interessados à referida bibliografia especializada.

Esta apresentação organiza-se em quatro etapas, sempre com espírito de síntese didática. Na primeira ocupa-se da ilustração dos conceitos de subaditividade de custos e de monopólio natural. A seguir cuida-se de estruturar, em contexto de análise estática e supondo preços lineares, o problema percebido por um monopólio natural não regulado. Finalmente, discutem-se as soluções de Regulação por taxa de retorno (RoR) e, a seguir, por Price Caps, sob o referencial normativo de busca da máxima eficiência, vale dizer, abstraindo-se dos importantes problemas distributivos envolvidos na problemática regulatória.

Uma atividade produtiva é classificada como um monopólio natural quando a tecnologia de produção e a demanda pelo bem ou serviço forem tais que seja mais barato atender ao mercado com a oferta de uma só firma do que com duas ou mais. Trata-se de situação em que pela presença de economias de escala ou de escopo significativas, a oferta de um bem ou serviço por um único produtor implica custos menores do que se esta demanda fosse atendida por dois ou mais ofertantes.

Figura 1 – Subadtividade de Custos e Monopólio Natural

Na Figura I, que esboça o problema de monopólio natural para uma

firma uniproduto, a curva de Custo Total Médio (CMe) exibe perfil declinante por toda a escala de produção relevante à atenção da demanda de mercado, ilustrada pela curva QD. Como os custos médios estão sempre “caindo” quando a quantidade produzida aumenta, a participação de mais de um ofertante nesta indústria seria, pela ótica do potencial de otimização de custos, indesejável.

É trivial perceber este ponto, bastando comparar os custos médios

para a oferta das quantidades RQ e MQ , ( 0,5M RQ Q= ∗ ). Como

( ) ( ) ( )M R RC Q C Q C Q< + , fica evidente que a oferta da quantidade

RQ por um único ofertante é mais eficiente ou barata do que a oferta da

mesma quantidade por dois ou mais ofertantes, pelo que se diz haver subaditividade de custos28.

28 Para definição mais geral do conceito e para o caso de firmas multiproduto, que se aproveitam de economias de escopo ver, p.e., Panzar (1989).

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Sem constrangimentos externos, quer de Regulação, quer da entrada ou ameaça de entrada de concorrentes, um monopolista natural tende a desperdiçar o potencial das economias de escala ou escopo que bem aproveitariam à sociedade, preferindo as rendas

Figura 2 - Solução do Problema do Monopólio Natural Não Regulado

máximas que conseguiria, sob a lógica privada, obter com seu negócio. O preço em monopólio não regulado, PM, é maior do que o Custo Médio mínimo de produção factível com este perfil de demanda, PR, e ainda maior do que o preço PC, que garantiria a máxima eficiência possível, encontrado no cruzamento da curva de demanda e da curva de custos marginais (CMg).

Na Figura 3 reproduzem-se as escolhas do monopolista natural em ilustração mais limpa e útil à compreensão do problema posto à teoria da Regulação. Suponha-se, inicialmente, que o regulador tivesse pleno conhecimento da exata posição e especificação das curvas postas na figura abaixo, em hipótese bastante implausível já que as informações de custos são privativas do monopolista e o exato perfil da demanda seja normalmente inacessível até ao ofertante, embora este sempre tenha vantagens informacionais sobre seus usuários na comparação com o regulador. Com conhecimento perfeito do problema enfrentado pelo monopolista, um regulador interessado em maximizar a eficiência no uso dos recursos disponíveis à sociedade, a situação conhecida na literatura como de “primeiro melhor” ou “first best”, tenderia a impor a prática do preço ou tarifa PC, compatível com o máximo aproveitamento das economias de escala ou escopo envolvidas, com a oferta de QC unidades.

Como se observa da Figura 3, contudo, o padrão declinante dos

custos médios só pode ocorrer se os custos marginais forem inferiores aos médios, (CMg) < (CMe), de forma que com esta opção regulatória o monopolista seria constrangido a operar com prejuízo igual à área do retângulo B, tendendo a fechar o negócio ou sair da indústria a médio ou longo prazos. Desta situação instável, três alternativas se abririam em solução: (i) o regulador providencia transferências ou subsídios equivalente a B por período ao monopolista, (ii) o regulador permite ou estimula a discriminação de preços ou tarifas não lineares, de forma a extrair dos consumidores a fonte de receitas adicionais para a cobertura da área B e (iii) o regulador desiste do “first best”, passando a se referenciar na fixação de uma tarifa regulada igual a PR, que cobre os custos médios de produção.

Em regimes Regulação por taxa de Retorno, RoR, os problemas centrais a serem enfrentados pelo regulador apareciam concentrados nas escolhas entre as três alternativas postas no parágrafo anterior, mas são

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ainda agravados pela incontornável constatação prática do desconhecimento da especificação das curvas de custos da empresa regulada, bem como do exato perfil da demanda.

Resolver o problema esboçado na Figura 3, com interesses regulatórios, mas sem conhecer com mínimo rigor as curvas de custos e de demanda é tarefa inglória. Os mecanismos de RoR são artifícios de regulação indiretos, consistindo da garantia de determinada rentabilidade ou taxa de retorno sobre os investimentos realizados pela empresa regulada. A priori trata-se de idéia simples e aparentemente compatível com a minimização de custos médios, bastando para tanto estabelecer preços compatíveis com taxas de retorno sobre os investimentos que limitassem ou reduzissem a possibilidade de obtenção de lucros extraordinários, como ocorreria num monopólio não regulado29.

Sob RoR, novos investimentos tendem a exigir ampliação das receitas e das tarifas médias para manter a rentabilidade autorizada pelo regulador. Assim, espera-se que o intervalo entre revisões tarifárias neste tipo de regime regulatório seja estreito, com reajustes de preços solicitados pela empresa regulada sempre que aumentos nas despesas operacionais e nos investimentos venham a reduzir a rentabilidade mínima garantida pelo ente regulador. Os incentivos para que a regulada reduza custos na prestação do serviço, por outra via, são bastante reduzidos, já que os benefícios com custos mais baixos são, pela RoR, repassados diretamente aos usuários sob a forma de menores tarifas, não aproveitando à ofertante.

Foi grande a repercussão do trabalho de Averch e Johnson (1962), mostrando que quando a taxa regulatória de retorno sobre os investimentos for maior do que os custos de capital da empresa regulada, esta empresa não minimizará seus custos e perceberá estímulos para expandir suas atividades em outros mercados, mesmo percebendo prejuízos. O conhecido e pernicioso efeito A-J, ainda que passível de mitigação por reguladores interessados e capacitados na identificação de investimentos exagerados ou imprudentes, deixou marca de suspeição sobre a RoR e esteve no núcleo dos desenvolvimentos da teoria da Regulação até meados da década de 1980. Incentivos regulatórios de baixa potência na busca de ganhos de eficiência, alta frequência nas revisões tarifárias e tarifas desnecessariamente elevadas são, em síntese, características normalmente associadas à regulação por RoR que, de forma coerente, também são qualificadas como alternativas de baixo risco para as empresas reguladas.

Volgesang (2002), apresenta rica retrospectiva do desenvolvimento da moderna Regulação por Incentivos, justificando o aparecimento dos mecanismos de Price Caps como uma guinada pragmática, em que a idéia de Regulação ótima é substituída pela da Regulação prática, com

29 Na Figura 3, um monopólio não regulado auferiria lucros extraordinários, também conhecidas como rendas de monopólio, mensuráveis pela área do retângulo A.

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propriedades desejáveis para lidar com os desincentivos à busca de ganhos de eficiência pelos prestadores em contexto de assimetria informacional.

A consideração explícita dos problemas estratégicos entre regulador e regulados, associados ao conhecimento assimétrico dos parâmetros ilustrados na Figura 3, incluindo refinamentos associados aos níveis de esforços na busca de ganhos de eficiência e de qualidade na prestação pelas empresas reguladas, estruturaram sofisticadas contribuições teóricas de natureza bayesiana, hoje bem enquadrados na Teoria de Design de Mecanismos de Incentivos.

O pragmatismo, porém, também implicou maior ênfase na busca de referenciais regulatórios observáveis (contábeis) e objetivos (independentes da qualidade do regulador), no que se conhece pela linha não bayesiana da moderna Regulação por Incentivos. A impossibilidade de prever ou antecipar precisamente a evolução destes indicadores empíricos impede almejar a uma Regulação ótima, indicando o caminho alternativo – de “terceiro melhor” – em que se pretende incentivar ganhos de eficiência e qualidade paulatinamente no decorrer do tempo, visando um referencial ótimo apenas no longo prazo.

A Regulação por Incentivos, desta forma, pode ser encapsulada na delegação de certas decisões de fixação dos preços à firma regulada, permitindo que ela se aproprie de lucros maiores pela implementação de reduções de custos. Se na RoR o regulador tinha como tarefa prioritária o controle do comportamento das empresas reguladas, sob a Regulação por Incentivos passa a se preocupar em recompensar as prestadoras de acordo com os resultados atingidos e verificados.

Os mecanismos de Price Cap, hoje em uso disseminado no mundo30, aparecem como representantes típicos da Regulação por Incentivos, envolvendo uma mescla de instrumentos não bayesianos e bayesianos.

Sem se comprometer com a garantia de uma taxa de retorno mínima sobre os investimentos da firma regulada, como acontece na RoR, pelos Price Caps a reguladora fixa um preço máximo, “cap” ou teto, que a empresa regulada não pode ultrapassar na cobrança dos serviços por ela prestados durante dilatado intervalo de tempo, que corresponde a um ciclo tarifário31. No Brasil, a prática mais usual é de ciclos tarifários quinquenais.

Estes preços teto costumam ser determinados no início de um ciclo tarifário a partir de pormenorizada avaliação de plano de negócios submetido pela empresa regulada para o ciclo, com descrição detalhada de orçamento com os custos operacionais (OPEX) e investimentos (CAPEX).

30 Volgesang (2002, p. 4) lembra que o uso dos Price Caps foi proposto pela primeira vez por Littlechild (1983), em Relatório para o Governo Britânico a propósito do setor de Telecomunicações. 31 Quando há oferta de mais de um serviço ou a possibilidade de discriminação de preços ou tarifação não linear, o Price Cap se refere a um índice dos preços dos serviços regulados.

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Ocorre ainda a cada início de ciclo a fixação ou atualização do valor da base de remuneração regulatória de ativos, BRRA, e do custo ponderado de capital, wacc32 para, em consonância às previsões de demanda pelos serviços e com os fluxos de desembolsos orçados, determinar um menor preço máximo compatível com a viabilidade econômico-financeira do negócio.

Fazendo referência à Figura 3, sem esquecer que a posição das curvas de custos não é do conhecimento do regulador, a intenção na fixação do Preço Máximo ou teto seria atingir, usando dados contábeis e planos de negócios, PR ou PC, o menor compatível com a sustentabilidade do negócio regulado.

Fixado o Preço Máximo inicial, P0, a metodologia de Price Caps prevê ajustes periódicos, dentro do ciclo tarifário, para reajustar as tarifas médias pela inflação na economia local, sendo usual ainda permitir repasses de custos de materiais ou produtos envolvidos na prestação, mas cujos preços não sejam definidos pela empresa regulada.

A componente bayesiana da Regulação por Price Caps aparece na introdução de um fator redutor de preços, denominado Fator X, também aplicado periodicamente dentro do ciclo tarifário. O Fator X é uma estimativa dos ganhos de produtividade percebidos ou factíveis à empresa regulada, em média, no decorrer do ciclo. Se a empresa regulada conseguir reduções de custos superiores às antecipadamente previstas no Fator de desconto X, apropria-se das rendas adicionais, em estímulo potencialmente forte a ganhos de eficiência.

Na Regulação por Price Caps, o compromisso com a manutenção do preço teto por um período longo, considerada a incidência do Fator X durante o ciclo, implica forte estímulo para que a empresa regulada antecipe e intensifique seus esforços de redução de custos dentro de cada intervalo tarifário. Importante notar, não obstante, que um atento acompanhamento dos padrões de qualidade na prestação dos serviços passa a ser fundamental em regimes de Price Caps, já que a redução da qualidade na prestação costuma ser um dos caminhos mais diretos e fáceis para a diminuição de custos e consequente ampliação dos lucros da ofertante.

Finalmente, para encerrar esta breve apresentação dos contornos da moderna Regulação por Incentivos, há que se abordar os perigos do “ratchet effect” ou “efeito ajustamento”, em tradução livre. Posto o problema regulatório em contexto estratégico, é bastante razoável esperar que a firma regulada procure se antecipar aos movimentos do regulador, neutralizando ou arrefecendo impactos esperados negativos de uma redução dos Preços

32 Do inglês weighted average cost of capital. O wacc ou custo médio de capital ponderado, inclui o custo do capital próprio da regulada, bem como o do capital de terceiros a ser usado no ciclo tarifário, em ponderação de participação conforme previsões de uso.

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Teto em decorrência de ganhos de eficiência obtidos durante o ciclo regulatório.

Uma das formas para evitar reajustes nas tarifas reguladas para baixo seria exatamente reduzir os ganhos de eficiência ou inflar propositalmente os custos, aproveitando-se das vantagens informacionais que a regulada tem diante do regulador. Liston (1993) chega a igualar os Price Caps à RoR como decorrência do “ratchet effect”, mas esta comparação é rebatida por Volgesang (op. cit.), lembrando que na Regulação por Price Cap os ciclos tarifários tem duração longa e pré-determinada, além de inexistir limitação à redução dos preços praticados pela regulada.

IV. O PROBLEMA DA DESCALIBRAGEM REGULATÓRIA

Do exposto na Seção anterior, parece claro que a Regulação por

Incentivos, aqui referenciada no mecanismo de Price Caps, decorre de inegável evolução pragmática e conceitual na prática regulatória internacional. Efetivamente, o uso desta modalidade de Regulação por Incentivos está estabelecido na experiência inglesa, Canadense, Australiana e, em rápida expansão mesmo no EUA, país de maior tradição no uso da RoR.

A utilização de mecanismos de Regulação por Incentivos, do tipo Price Caps ou em variantes, já faz parte da prática regulatória brasileira desde a virada do século, encontrando-se em recente publicação da Associação Brasileira das Agências Reguladoras (Galvão e Ximenes, 2008) a proposta de Normas de Referência para a Tarifação dos serviços de saneamento que explicitamente recomendam a adoção da Regulação por Incentivos.

Lamentavelmente, entretanto, a experiência brasileira com o uso de Price Caps expõe, até o momento, resultados decepcionantes. Sem pretender transformar este argumento acadêmico em peça acusatória, dificilmente se encontraria oposição técnica e isenta à afirmação que no Brasil os Preços Teto ou Caps têm sido, em regra, superdimensionados, redundando em estruturas de incentivos frouxas ou inócuas.

Exageros – por vezes grotescos - na determinação dos parâmetros regulatórios básicos como a BRRA e o wacc, normalmente decorrentes do uso de metodologias idiossincráticas e mal amparadas tecnicamente, desatenção com a fixação de limites à imposição de subsídios cruzados, menosprezo ao papel e metodologia para estimativa do Fator X têm sido, entre outros defeitos, recorrentes nas duas últimas décadas de Regulação por Incentivos no país. A manutenção prolongada deste tipo de desacertos regulatórios merece reflexão, tanto pela persistência, quanto nos efeitos perniciosos dela decorrentes.

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É evidente que uma oposição firme e sistemática a defeitos regulatórios por parte da sociedade em geral e dos usuários em particular não vem ocorrendo no país.

As reclamações sociais existem, mas estão dirigidas às tarifas finais praticadas, à baixa qualidade de serviços e aos atrasos no acesso universal, e não à falta ou fragilidade da Regulação que deveria zelar pela modicidade tarifária, pela promoção e controle da qualidade, ganhos de eficiência e universalização. A cultura regulatória ainda é insignificante no Brasil e mesmo quando emergem conflitos de interesses localizados, o preparo do Judiciário para resolvê-los é bastante questionável.

Mister reconhecer que, neste contexto, o uso de técnicas regulatórias sofisticadas e de difícil compreensão aparece como conveniente véu ou proteção a excessos de discricionariedade e desvios de finalidade. As regras gerais para os contratos em Regulação por Incentivos são respeitadas, mas estes contratos permitem e acobertam com facilidade o fenômeno da descalibragem regulatória.

Um mecanismo de regulação por incentivos descalibrado é aquele em que não estão bem ajustados os parâmetros que induzem a firma regulada a buscar ganhos de eficiência e cumprimento das metas de investimento planejados, com garantia de manutenção ou melhora de qualidade na prestação e com máxima atenção ao imperativo da modicidade tarifária. Na regulação descalibrada o mecanismo de incentivos existe formalmente, mas não funciona na prática.

A eficácia da Regulação por Incentivos depende de contínua e fina calibragem das tarifas permitidas e do Fator X por ocasião das revisões tarifárias, havendo que se esperar providências da reguladoras no sentido de respaldar suas escolhas com objetividade e técnicas bem estabelecidas. Abusos só deveriam ser permitidos no excesso de zelo em garantir publicidade e motivação técnica para as opções regulatórias, convocando e dando espaço à participação dos usuários e do controle Judiciário. A boa Regulação aproveita ao bom regulador, mas a qualidade técnica na Regulação não pode ser bem apreciada e promovida sem ampla publicidade e controle externo.

Nas Consultas Públicas referentes a inovações normativas e em Audiências Públicas por ocasião de Revisões Tarifárias, a qualidade das informações abertas ao público em geral é bastante precária, lacunosa e mal organizada. A análise de planos de negócios de uma empresa regulada é tarefa complexa e custosa, mas é raro a disponibilização dos documentos básicos com mais de 30 dias de antecedência, havendo nas audiências públicas tempo de colibri para manifestação e debates, por vezes concedendo-se 5 ou 10 minutos máximos para exposições orais.

Mas o que se costuma discutir nestas ocasiões são metodologias pouco assentadas ou inéditas e dados nebulosos, o que frequentemente torna o ritual das Revisões Tarifárias e Consultas Públicas uma encenação

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de transparência, cuja principal finalidade é o cumprimento de uma formalidade legal. As contribuições de terceiros interessados, ainda que consideradas em documentos regulatórios posteriores, costumam ser apreciadas superficialmente e, quando apontam para a descalibragem ou suas fontes, sumariamente rejeitadas, ainda quando re-submetidas em Pedidos de Reconsideração.

Restaria então o recurso ao Judiciário, em seu inafastável dever de apreciar, em conformidade à legislação vigente, qualquer conflito de interesses na sociedade. Ocorre que neste ponto, pelo despreparo deste Poder para adjudicar em temas de técnica regulatória de última geração, e considerada a elasticidade dos limites da discricionariedade administrativa garantida aos entes reguladores, desanimam-se os poucos administrados que detectaram impropriedades na Regulação a pleitear seus direitos em juízo.

A boa regulação, o uso eficiente dos recursos nacionais e a defesa dos consumidores enquadram-se na categoria de direitos transindividuais ou coletivos, aproveitando a toda a sociedade. Usuários particulares que identificam e denunciam irregularidades ou erros na Regulação dificilmente encontrariam vantagens na redução de tarifas ou melhora de qualidade que superassem os ônus e a demora de processos judiciais por eles instaurados. Fica assim um hiato, perigoso espaço de aplasia e omissão, em que pode continuar a prosperar, sob a fachada das técnicas de fronteira, a Regulação descalibrada.

V. REGULAÇÃO E UNIVERSALIZAÇÃO DE ACESSO

São importantes e bem conhecidos os elos entre a Regulação e a

universalização de acesso a serviços públicos essenciais. Na verdade, uma das tarefas típicas e essenciais da boa Regulação é promover e acelerar, aos menores custos possíveis e respeitando o Princípio da Modicidade Tarifária, o acesso universal.

Na aplicação ao saneamento, Oliveira et alii (2010, Parte 2) bem sintetizam a importância da Regulação no sentido de (a) estimular investimentos na infraestrutura necessária e (b) estimular ganhos de eficiência na produção dos serviços públicos em Saneamento.

A promoção de investimentos, ampliando o acesso a fontes de financiamento e a efetiva implantação de redes de abastecimento de água e escoamento/tratamento de esgotos encontra na Regulação, melhor dizendo, na boa Regulação, poderosíssimo aliado. Importante lembrar que esta boa Regulação depende de arcabouço jurídico-institucional bem assentado, que facilita e torna menos arriscadas as decisões de investimentos vultosos e de retorno de longo-prazo, como é o caso específico da indústria de saneamento.

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Para investidores no setor de saneamento, diferente do que ocorre com não especialistas, a qualidade da prática regulatória, a calibragem dos mecanismos de incentivos, a transparência e controle externo capacitado são características de fácil detecção. Apesar da longa maturação destes investimentos, sob boa Regulação os riscos com o negócio de saneamento, baixos por natureza, reduzem-se ainda mais, aumentando a atratividade das inversões.

É certo que a lucratividade de operações na indústria da Saneamento em condições de regulação frouxa, descalibrada, pode ser extraordinária e atrativa. Ocorre que a lassidão regulatória, implicando Preços Teto exageradamente altos e incentivos de baixa potência vem para desestimular investimentos, especialmente aqueles menos lucrativos e em áreas remotas.

O resultado esperado de excessos tarifários sobre os planos de investimentos de uma empresa regulada dependem de diversos fatores, dentre eles a magnitude e as chances esperadas de penalizações por descumprimento. Se tais penalizações, assim como as tarifas, forem frouxas, imaginando a situação de um monopólio não regulado, os únicos investimentos prováveis ocorrerão nos segmentos de alta rentabilidade e rápido retorno, em estratégia de “cream skimming” ou “cherry picking” que são, por definição, a antítese da pretensão de acesso universal a serviços públicos.

Finalmente, aproveitam-se as estimativas de investimentos necessários à universalização de acesso aos serviços de saneamento no Brasil preparadas por Oliveira et alii (2000, Parte 1), para estressar o segundo papel determinante da Regulação nesta empreitada.

Trabalhando com quatro cenários, os autores projetam os aportes de investimentos e o intervalo de tempo necessários à universalização do saneamento no Brasil, incluindo o acesso à água e aos serviços de esgotamento sanitário. Os cenários são controlados conforme o nível de investimentos, (i) mantendo-se os patamares atuais de R$ 5 bilhões/ano, ou (ii) duplicando os recursos alocados para a faixa dos R$ 10 bilhões/ano, e sob as alternativas de se (1) manter os níveis atuais de produtividade na prestação dos serviços ou (2) conseguir ganhos de produtividade da ordem de 30% sobre o estado tecnológico atual.

Na combinação (i.1), sem variação nos níveis de investimentos ou da produtividade estima-se que a universalização no acesso à água chegue no ano de 2039 e no acesso a esgotos, somente em 2060, 39 e 50 anos de 2010, respectivamente, com custo estimado de R$ 255 bilhões. A duplicação dos investimentos anuais em saneamento, mantidos os níveis de produtividade atuais, no cenário (ii.1), exigiria aportes totais menores, da ordem de R$ 220 bilhões, em particular porque a universalização no acesso à agua chegaria em 2021, 18 anos antes que no cenário (i.1) e aos esgotos em 2031, 29 anos antes.

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O que mais impressiona nas projeções, contudo, á a consideração dos cenários com ganho de produtividade. Mantendo-se os investimentos anuais recentes, mas com ampliação de 30% na produtividade, cenário (i.2), os aportes necessários despencariam para R$ 165 bilhões, concluída a universalização de acesso à água e aos esgotos em 2028 e 2042, respectivamente. Com o dobro dos investimentos anuais e os ganhos de produtividade do cenário (ii.2), em cerca de sete anos se teria atingido o acesso universal à água no país (2017), e em quatorze anos haveria a universalização do acesso a esgotos (2024).

Lembra-se que na boa Regulação por Incentivos o que se busca e pode-se conseguir é exatamente o aproveitamento de eficiências na prestação, sendo a referência de ganhos da ordem de 30% extraída da experiência da Sabesp, maior empresa de Saneamento do país que foi presidida por Oliveira logo antes da publicação do trabalho recém discutido.

Pela aceitação da descalibragem regulatória, prática hoje comum na Brasil, e aquiescência à sua disseminação junto aos entes de Regulação do Saneamento que precisarão ser instituídos ou adequados às nova legislação setorial posta pela Lei 11.445/2007 e regulamentos, não há exagero em situar o resultados do pior cenário (i.1) como previsões até otimistas.

VI. CONCLUSÕES E ENCAMINHAMENTOS

Ainda que um diagnóstico objetivo leve a uma avaliação pessimista

do arcabouço regulatório brasileiro na atualidade, a urgência na reativação e aceleração dos investimentos em saneamento no Brasil não deixa margem para atrasar as obras de infraestrutura até que os defeitos regulatórios sejam reduzidos ou sanados. A boa Regulação, como se avançou nos corpo deste trabalho, é resultado de um processo de amadurecimento, não pode ser implantada direta e imediatamente de livros texto ou de experiências estrangeiras à realidade de uma sociedade.

Assim é que, em sede de conclusões, propõem-se algumas cautelas simples, e de todo razoáveis, para que os principais defeitos da regulação de infraestruturas no Brasil possam ser superados concomitantemente à realização dos investimentos tão necessários, com a paulatina e firme ampliação da participação dos usuários, administrados e do Poder Judiciário na ação regulatória. Com as escusas pelo trocadilho, há ainda muito que investir e sanear na Regulação brasileira. Regulação é ação, contínua e difícil, não é status ou máscara.

O que se discutiu aqui, ainda com ênfase no tema do Saneamento, aplica-se facilmente a outras infraestruturas e serviços regulados. Superar os obstáculos que separam a sociedade brasileira de boas trajetórias regulatórias equivale a construir pontes sobre uma perniciosa armadilha institucional. O sucesso nesta empreitada por uma Regulação calibrada e

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eficaz, a seu turno, é passo fundamental para a aceleração do crescimento e desenvolvimento socioeconômico sustentado no Brasil.

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A INSERÇÃO INTERNACIONAL E AS VANTAGENS DINÂMICAS DA INTEGRAÇÃO ECONÔMICA: O CASO DO MERCOSUL ESTUDADO DO

PONTO DE VISTA DO BRASIL E DA ARGENTINA Augusto de Pinho Rodrigues*

Resumo

Este trabalho se propõe a estudar as vantagens da integração econômica para os países do MERCOSUL, Brasil e Argentina. Dos efeitos percebidos, na perspectiva recente deste bloco econômico, destacam-se a criação de comércio, a pouca competitividade das exportações, as diferenças de competitividade entre commodities e manufaturas e o relativo aumento do comércio regional, que são foco da presente análise. Visando avaliar as vantagens conseguidas a partir da efetivação do MERCOSUL, o trabalho pretende contribuir para a discussão relativa à adoção de uma estratégia de integração regional em opção à abertura comercial multilateral, à luz das teorias do comércio internacional. Palavras Chave: Integração econômica, competitividade, análise estrutural diferencial. Abstract This research aims to study the advantages of the economic integration for two countries of MERCOSUL: Brazil and Argentina. From this perspective, is observed the trade creation, the exports low competitiveness and some evidences showing that the two biggest economies of Latin America are specialized in export commodities shift and share analyses and the regional evolution of the commerce, all those points are highlighted in this work. Trying to value the real advantages of the agreement of MERCOSUL, this search aims to provide a discussion if regional integration can help increasing the world competitiveness from those economies external sector, according to the international economics theory. How would be the best strategy: regional integration or commercial multilateralism? It will discuss theories and arguments from economic thoughts trying to explain the consequences from the integration between countries considering a trade flow analysis. In addition, it considers an individual analysis of the main MERCOSUL members Brazil and Argentina and their advantages related to the regional integration.

Key words: Economic integration, Competitiveness, shift and share analyses.

* Uniítalo

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1. INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, foi possível observar um aumento substancial

no volume de comércio no mundo, muito influenciado pelas negociações do GATT nas décadas de 1960 e 1970, elevando o grau de abertura da economia em escala mundial.

E inquestionável a importância do comércio internacional para um país e, esse tema é amplamente difundido na literatura, tal como os possíveis ganhos com a abertura comercial. Após a Segunda Guerra Mundial, o liberalismo se difundiu como ideologia dominante e foi defendido, principalmente, pelas nações da Europa Ocidental e dos EUA, como condição para superação das assimetrias entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Contudo, ao longo do século vinte, foi possível observar o aumento de propostas que vise à integração regional como opção à abertura multilateral, que levou à formação de blocos econômicos regionais visando ao mercado comum, levantando a questão: o que é melhor para um país, a concentração de suas relações de abertura multilateral internamente ao bloco de mercado comum ou a integração internacional?

Independente de qual é a melhor estratégia, durante o século XX, o comércio internacional aumentou de forma exponencial, isso se deve à remoção de barreiras tarifárias e de outros tipos sobre os fluxos comerciais, aumentando as formas multilaterais de comércio de uma maneira geral. Contudo, com o aprofundamento das relações multilaterais de comércio, problemas relacionados às assimetrias territoriais começaram a ser notados. Com isso, teorias de integração regional foram desenvolvidas, defendendo a estratégia de aproximação regional como opção ao multilateralismo. Na segunda metade da década de 1980, e ao longo dos anos 1990, observou-se uma quantidade inusitada de acordos de preferência comercial e, já em 2002, estavam notificados um total de 250 acordos na Organização Mundial do Comércio.

Nos anos 1980, esse processo foi especialmente intenso na America Latina, tendo em vista a crise econômica do período e a crescente marginalização do continente. Com a assinatura do tratado de Montevidéu (1980), foi criada a ALADI (Associação Latino Americana de Integração), dando continuidade a alguns objetivos iniciais da ALALC (Associação Latino Americana de Livre Comércio), objetivando (i) eliminação gradativa dos obstáculos ao comércio recíproco dos países-membros; (ii) impulsão de vínculos de solidariedade e cooperação entre os povos latino-americanos; (iii) promoção do desenvolvimento econômico e social da região de forma harmônica e equilibrada, a fim de assegurar um melhor nível de vida para seus povos; (iv) renovação do processo de integração latino-americano e estabelecimento de mecanismos aplicáveis à realidade regional; (v) criação de uma área de preferências econômicas, tendo como objetivo final o estabelecimento de mercado comum latino-americano (ALADI, 2009).

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Outro exemplo seria a CAN (Comunidade Andina de Nações), surgida em 1969, que aproximou suas relações comerciais de acordo com o protocolo de Quito (1987), em um período de explosão da dívida externa e do desequilíbrio do balanço de pagamentos dos países latino-americanos. Na decada de 1990, o processo se aprofunda ainda mais, com a criação do MERCOSUL, objeto central deste estudo. Outros acordos menos representativos do ponto de vista do comércio internacional, foram estabelecidos no continente Americano, como é o caso da AEC (Associação dos Estados do Caribe). Nesse contexto, observa-se que antigas relações de integração tornaram-se maiores, ao longo do século XXI, como é o caso da União Européia, que em 2002 tornou-se a primeira união monetária de escala continental, estabelecendo o euro como moeda circulante dos países membros (BAUMAN; CANUTO; GONÇALVES, 2004).

Teorias elaboradas no âmbito da CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e Caribe, órgão da ONU), desde 1949, defendiam a idéia de criar um mercado comum Latino-Americano. A limitação dos mercados internos, bem como a dificuldade em se identificar as indústrias com "vantagens comparativas dinâmicas", sempre foram apontadas como obstáculos a esta política. Estas limitações, entretanto, foram avaliadas pela CEPAL e muitas soluções foram construídas a partir dos resultados esperados pela integração. Com isso, haveria a possibilidade de reduzir a vulnerabilidade nas contas externas dos países da região com o aumento de políticas de integração regional, visto que se acreditava que seria vantajoso para as economias expandir os mercados nacionais com o intuito de proteger as indústrias da região, prejudicadas pelo baixo valor agregado das exportações latino-americanas. A argumentação defendia a idéia de que a integração promoveria reformas estruturais do lado da oferta, que proporcionariam melhores resultados que a simples liberalização, que estimularia reformas do lado da demanda, devido aos ganhos dinâmicos provenientes da integração, foco de análise do presente estudo.

Mas os reais efeitos da integração ainda eram um mistério, economistas neoclássicos, principalmente da escola de Chicago, afirmavam que a melhor opção estratégica era a abertura multilateral, o que justificou a retomada das negociações para formação da Organização Mundial do Comércio, que acabou assumindo personalidade jurídica internacional na década de 1990. Esse período foi marcado pelas muitas rodadas de negociações internacionais que acabaram por contribuir para o aumento do fluxo comercial mundial. As teorias que sustentavam esse argumento e essas negociações expunham, com frequência, as vantagens estáticas, ou relativas ao ganho de bem-estar, que a eliminação das tarifas alfandegárias proporcionaria.

Os possíveis efeitos da integração regional, segundo a literatura tradicional, são duas vantagens aos estados membros. A primeira estática, relacionada com os modelos tradicionais de comércio da teoria neoclássica,

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em que os consumidores aumentariam seu bem estar devido ao aumento da eficiência do comércio, e a segunda dinâmica, que aborda determinadas mudanças estruturais na economia, na dinâmica das inovações tecnológicas e no comportamento dos agentes envolvidos. Podemos, entretanto, considerar pelo menos três efeitos dinâmicos da integração: o aproveitamento de economias de escala, a atração de investimentos diretos e o progresso tecnológico decorrente (BALASSA, 1972).

Para contribuir para essa discussão analisaremos as duas principais economias do MERCOSUL (Brasil e Argentina) durante os quinze anos de implementação do acordo, através de dados macroeconômicos, modelos de mensuração da competitividade baseados em fluxos comerciais (estabelecem relação com as vantagens dinâmicas) e através da comparação entre criação e desvio de comércio. Com esses dados, teremos uma idéia das vantagens, desvantagens ou irrelevância para o Brasil e para a Argentina formarem o MERCOSUL do ponto de vista dinâmico.

No atual contexto de globalização dos mercados e da crescente interdependência dos mesmos, se faz relevante estudar os reais efeitos da regionalização dos mercados, sendo este um fenômeno mundial em plena expansão. As assimetrias territoriais e históricas geram diferentes resultados de integração, por esse motivo tal estudo regional, pode contribui para enriquecer a discussão sobre as orientações de política econômica externa e sua relação com a opção pela regionalização ou a multilaterização do comércio em escala global, no sentido de visualizar se a regionalização pode trazer maiores benefícios econômicos do que a simples liberalização comercial, no caso sul Americano. Além disso, examinar os ganhos econômicos provenientes dos tratados do MERCOSUL, para os dois membros, através de diversos indicadores, pode revelar maiores possibilidades de vantagens futuras presentes neste modelo de integração. 2. Mudanças Dinâmicas para as Economias do Brasil e Argentina do Ponto de Vista da Competitividade

A proposta é avaliar a competitividade mundial do Brasil e da

Argentina, no setor de commodities e manufaturas, com base em índices. A tabela 5 traz dados do market share das commodities brasileiras e argentinas, em que é possível notar que, no início da união aduaneira, as mesmas representavam cerca de 1% do comércio mundial para a Argentina e quase o dobro para o Brasil. Apesar de não haver uma mudança drástica no quadro. Passados 5 anos da formação do MERCOSUL, o Brasil parece aumentar sensivelmente o seu market share. Ao longo dos anos 2000 (até 2008), o Brasil aumentou em 48% a importância desse comércio para o comércio mundial, porém a Argentina pouco mudou esse quadro.

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Tabela 1 – Market Share das Commodities Primárias, Excluído o Combustível

Países 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Argentina 1,4 1,6 1,7 1,9 1,7 1,6 1,7 1,6 1,9 1,6 1,6 1,5 1,7 1,9

Brasil 2,6 2,6 2,9 2,9 2,8 2,7 3,1 3,0 3,2 3,5 3,7 3,6 3,6 4,0

Fonte: Dados Brutos da UNCTAD. Elaboração própria. Nota: Standard Internacional Trade Classification - SITC 5 até 8 menos 667 e 68.

Tabela 2 – Market Share de Produtos Manufaturados

Países 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Argentina 0,2 0,2 0,2 0,2 0,2 0,2 0,2 0,16 0,15 0,15 0,17 0,18 0,18 0,21

Brasil 0,66 0,65 0,68 0,67 0,6 0,68 0,69 0,66 0,68 0,77 0,85 0,83 0,79 0,83

Fonte: Dados Brutos da UNCTAD. Elaboração própria. Nota: Standard Internacional Trade Classification - SITC 5 até 8 menos 667 e 68.

Os produtos manufaturados, se comparados com as commodities, representam pouco do comércio mundial, em 1995 representava 0,2% para Argentina e 0,7% para o Brasil. Em 2000, esse quadro nada muda, e o crescimento de 0,01% de 2003 para 2004 não pode ser considerada uma mudança no quadro. Melhora considerável e notada após 2004 para ambos os países, mas mesmo em 2008 a fatia de mercado das commodities ainda é muito superior ao mercado de manufaturas (cerca de 8 vezes maior para a Argentina e 4 vezes maior para o Brasil).

Se considerarmos o mercado total mundial, veremos que tanto o

Brasil quanto a Argentina mantêm percentuais de mercado que variam pouco durante os 15 anos (cerca de 1% para o Brasil e 0,4% para a Argentina) e que se aproximam mais das fatias de mercado das manufaturas que das commodities em ambos os casos.

Tabela 3 - Market Share Total

Países 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Argentina 0,41 0,45 0,48 0,49 0,42 0,42 0,44 0,4 0,4 0,38 0,39 0,39 0,4 0,44

Brasil 0,92 0,9 0,96 0,95 0,86 0,87 0,96 0,94 0,01 1,07 1,15 1,15 1,17 1,26

Fonte: Dados Brutos da UNCTAD. Elaboração própria.

Em sua obra clássica, Bela Balassa (1972) considerava que os preços relativos, antes do comércio, eram uma forma de medir as

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Vantagens Comparativas Reveladas (VCR), conceito criado por ele que se insere na questão das vantagens competitivas de uma nação.

VCRki = (Xki / Xkw) / (Xni / Xnw) Nessa nomenclatura temos Xki como as exportações de determinado

produto em certo país, Xkw as exportações mundiais totais do produto em questão (nesse estudo utilizaremos um agrupamento de produtos definidos como commodities de acordo com o SITC). Analogamente, Xni são as exportações totais do país e Xnw as mundiais. Nesse caso, os países cujo índice for menor que 1 apresentaram desvantagens em relação ao comércio mundial e se for maior, vantagens.

Para eliminar a dupla contagem e facilitar a análise Vollrath (1989) reescreveu a fórmula de modo a destacar a Vantagem Relativa das Exportações (VRE) da seguinte maneira:

VREki = Ln (Xki / Xkr) / (Xmi / Xmr) De modo que m representa todos os produtos com exceção de k e r,

todos os países menos i. Se o índice for positivo, o país apresenta vantagens na exportação do produto, se for negativo, não. Sobre o mesmo assunto, Carvalho (1999) ressaltou a necessidade de considerar as importações no cálculo levando-o a calcular VCR da maneira abaixo:

VCR ki = (Xki - Mki) / (Xki + Mki) M representa as importações, logo, quanto mais próximo de 1,

maiores seriam as Vantagens Comparativas Reveladas. Por fim, em análise da agricultura norte-americana, Vollrath (1989)

passa a medir a Competitividade Revelada (CR) considerando as importações e exportações de maneira ponderada. Nesse caso, também, um país leva desvantagens se o resultado for negativo.

CR ki = Ln {[(Xki / Xkr) / (Xmi / Xmr)] / [(Mki / Mkr) / (Mmi / Mmr)]} De acordo com o índice de VRE, as commodities argentinas e

brasileiras apresentam baixa competitividade das exportações, porém CR nos mostra que o Brasil é bem menos competitivo que a Argentina (tabela 7). Contudo vale destacar a melhora no CR argentino ao longo do período.

Tabela 4 – Commodities Primárias, Excluído o Combustível Indicadores de Competitividade 1995 1998 1999 2000 2001 2004 2005 2006 2007 2008

Argentina - VRE -4,054

-3,809

-3,919

-3,976

-3,937

-3,982

-3,993

-4,033

-3,929

-3,829

Argentina - CR 1,801 1,776 1,876 1,828 1,958 2,381 2,299 2,22 2,208 2,082

Brasil - VRE -3,465

-3,371

-3,406

-3,452

-3,329

-3,202

-3,145

-3,164

-3,145

-3,035

Brasil - CR 0,801 0,515 0,623 0,487 0,712 1,306 1,269 1,234 1,196 1,099

Fonte: Dados Brutos da UNCTAD. Elaboração própria. Nota: Standard Internacional Trade Classification - SITC 5 até 8 menos 667 e 68.

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Tabela 5 – Produtos Manufaturados

Indicadores de Competitividade 1995 1998 1999 2000 2001 2004 2005 2006 2007 2008

Argentina - VRE -4,953

-4,662

-4,918

-4,976

-4,917 -5,21

-5,154

-5,152

-5,144

-5,104

Argentina - CR -0,865 -1,07

-1,081

-0,901

-0,661

-0,653

-0,674

-0,672

-0,777 -0,76

Brasil - VRE -4,703

-4,746 -4,85

-4,688

-4,673

-4,552 -4,43

-4,433

-4,473

-4,374

Brasil - CR -1,663

-1,583

-1,633

-1,528

-1,548

-1,488 -1,43

-1,444

-1,481 -1,7

Fonte: Fonte: Dados Brutos da UNCTAD. Elaboração própria Nota: Standard Internacional Trade Classification - SITC 5 até 8 menos 667 e 68

Os produtos manufaturados apresentam vantagens competitivas

maiores, mas não satisfatórias, no caso da Argentina, se comparado ao Brasil e, ao longo do período, o quadro não muda consideravelmente.

3. Análise do Comportamento das Exportações Brasileiras e Argentinas: uma Decomposição por SHIFT SHARE: Apresentação e Formalização do Modelo

Os padrões de especialização33 influenciam a estrutura de comércio

exterior de determinados países e, nesse estudo, analisaremos o Brasil e a Argentina e suas respectivas estruturas comerciais às variações, ao longo do tempo, na competitividade, verificando a real relação entre as variáveis, além de mensurar perdas e ganhos no setor externo da economia. Novas teorias de crescimento endógeno, abordagens keynesianas e evolucionárias de comércio e crescimento relacionam, diretamente, bem-estar e crescimento a padrões de especialização estrutural para reforçar essa hipótese e apresentar um modelo de análise estrutural-diferencial.

O modelo SHIFT SHARE, também classificado na literatura nacional como modelo estrutural-diferencial é uma técnica de decomposição (por cálculo diferencial) estática, comumente utilizada nas abordagens de economia regional. Metodologicamente, é importante considerar que essa técnica não possui causalidades, mas identifica potenciais causas da variação dos fluxos comerciais e insere certa noção de perdas e ganhos advindos das relações econômicas com o exterior. Para compensar a

33 Conjunto das importações e exportações de determinadas indústrias em determinado país comparadas em estrutura ao observado no comércio mundial total em regiões específicas.

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ausência de causalidades, recomenda-se a construção de uma base teórica com a qual os resultados do modelo (os efeitos) serão analisados.

A análise SHIFT SHARE das exportações decompõe em quatro os efeitos estruturais:

i) efeito-crescimento (EM) mundial do comércio compara a expansão das vendas externas nacionais com as mundiais - visa mensurar a competitividade geral do país;

ii) efeito-estrutural setorial (ES) analisa a média ponderada do crescimento das exportações em mercados setoriais específicos, novamente comparadas com o crescimento observado no mercado mundial – visa mensurar a competitividade setorialmente;

iii) efeito-estrutural geográfico (EG) consiste em relacionar a média ponderada das exportações para mercados de setores específicos em regiões do mundo pré-estabelecidas – visa analisar a competitividade setorialmente e em regiões específicas;

iv) efeito-competitividade (EC) é considerado uma medida competitiva geral do país que leva em conta setores específicos e o âmbito geral da estrutura de exportações. Sem especificar os fatores do aumento da competitividade discrimina seus fatores estruturais.

Aprimorando a análise, abordaremos métodos de análise das compras externas, que podem ser divididas em três grandes grupos:

i) efeito-crescimento doméstico (EM*) compara o crescimento das importações com o crescimento da produção;

ii) efeito-estrutural setorial (ES*) relaciona a pauta de importações de certas indústrias com a expansão do produto doméstico setorial;

iii) efeito-competitividade (EC*) analisa e relação da fração que corresponde às importações de certa indústria na renda interna setorial com o produto, também setorial.

Como suposto, assumimos que os efeitos da competitividade internacional provêm dos dados consolidados de importações e exportações. Sendo s a fatia de mercado que correspondente ao país foco de estudo; q as exportações e X as do mundo; i e j representam os produtos e os países respectivamente. Com essa notação, segundo Canuto e Xavier (1999), podemos mensurar a competitividade com a fórmula (usamos � para designar derivadas):

ɗq = ∑i∑jsij ɗXij + ∑i∑jɗsij.Xij (1)

∑i ∑j sij ɗXij corresponde ao efeito-crescimento e ∑i ∑j ɗsij ao efeito-

competitividade. Rearranjando a equação chegamos a: ɗq = s.ɗx + [∑isi . ɗXi - s.ɗXi] + [∑i∑jsij.ɗXij - ∑isi . ɗXi] + ∑i∑jɗsij.Xij (2)

Para melhor explicar a relação, destacamos que o primeiro termo mostra o efeito-crescimento do comércio mundial (EM), o segundo efeitos-estruturais setoriais (ES), o terceiro efeitos geográficos (EG) e o último o efeito-competitividade (EC) setorialmente diferenciado.

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Como vantagens ou desvantagens comparativas reveladas nas exportações, consideram-se ES um efeito que provém do crescimento de certas indústrias nacionais, do ponto de vista das vendas externas, em um período, comparado com o comércio mundial total, podendo a média das exportações ser maior ou menor que a última. Isolando-se esse termo em (2) podemos reescrever da seguinte forma, já que s = q/x:

ES = [∑i (qi / Xi).ɗXi - (q/X).ɗX] (3)

Se ɗX = ∑iɗXi (multiplicando o primeiro termo por q/q e o segundo

por Xi/Xi), podemos redefinir ES como:

ES = q[∑iɗXi/Xi(qi/q - Xi/X)] (4)

Se os resultados forem positivos concluímos que o país apresenta

vantagens comparativas e crescimento acima da média mundial, do contrario o Estado apresentara desvantagens e crescimento acima da média, se for igual a zero as exportações seriam iguais as do comércio mundial. Neste trabalho analisaremos o setor de commodities (excluído os combustíveis) e a indústria de manufaturas agrupadas de acordo o Standard International Trade Classification (SITC) desde o inicio do MERCOSUL (1995) até 2008.

O terceiro termo de (2) designa a EG, que aqui definimos como o crescimento das exportações para mercados específicos:

EG = q[∑jXj/Xj(qj/q - Xj/X)] (5) Sendo positivo o EG, a estrutura de destino das exportações terá

alguma especialização geográfica se a taxa de crescimento das importações também estiver acima da média mundial. Com o intuito de verificar o crescimento do mercado intra e extra-bloco, utilizaremos a variação das exportações regionais Brasil-Argentina (Argentina-Brasil) e as relativas ao resto do mundo.

Mudando o foco do estudo para as importações, temos que m são as importações totais e mi as totais setoriais; y e v a demanda agregada (DA) e a relação importações DA respectivamente no país; por fim, yi será a demanda doméstica do setor e vi a razão doméstica entre importações setoriais sobre DA da indústria em questão.

ɗm = ∑iviɗyi + ∑iyiɗvi (6)

Rearranjando a fórmula, por intermédio de soma e subtração de termos referentes ao efeito crescimento (primeiro termo de (6)), temos:

ɗm = vɗy + [∑iviɗyi - vɗy] + ∑iyiɗvi (7)

Os termos à direita representam, nesta ordem, o efeito-crescimento doméstico (EM*), efeito-estrutural setorial (ES*) e o efeito-competitividade (EC*), todos em relação às importações. ES* também pode ser expresso como as vantagens comparativas da produção doméstica em relação à produção externa. Como medida de referência, comparamos a expansão do

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mercado doméstico com o incremento das importações, descrevemos ES*, se v = m/y (para produção internacional e nacional), como:

ES* = ∑imi/yi. ɗy – m/y. ɗy (8)

Da mesma maneira que com as exportações podemos simplificar ES* da seguinte maneira:

ES* = m[∑iɗyi/yi (mi/m - yi/y)] (9)

Caso o crescimento do PIB tenha valor inferior (superior) ao aumento da estrutura de importações da maioria das indústrias internas (relativamente), o ES* apresentará valores positivos (negativos). No país em que forem detectadas vantagens comparativas relativas em certos setores, as importações serão decrescentes e as exportações crescentes. As indústrias analisadas são as mesmas das exportações.

O EC para as exportações e consequência das mudanças estruturais iniciadas em fatores macroeconômicos, como mudança na taxa de câmbio ou na carga fiscal, ou em fatores sistêmicos, como por exemplo, melhora da infra-estrutura e diminuição do custo de transação. Podendo ser derivado até dos efeitos da competição, o EC tentará retratar os ganhos de competitividade para as exportações independente da origem. O mesmo raciocínio pode ser feito para as importações no caso de EC*.

Retomando a equação (2), podemos expressar seu quarto termo (EC) fazendo as devidas substituições:

EC = ∑i (q1

i /x1

i*q0

i/x0

i)* x0

i (10) De modo similar podemos expressar EC* já exposta no terceiro

termo de (7): EC* = ∑i (m

1i /y1

i*m0

i/y0

i)* y0

i (11) Nesse ponto, cabe introduzir o conceito de efeito competitividade

nacional (ECN) que iremos mensurar, comparando a estrutura das importações (ECN*) e exportações (ECN) domésticas com o com outro conjunto de referência, neste caso, o mercado brasileiro (argentino) e o conjunto dos outros países de mundo, excluído o Brasil (Argentina). Os vetores presentes, no Efeito Competitividade Nacional, serão expressos por:

qni = q. xi/x (12) mni = m. yi/y (13) Sendo assim: ECN = ∑i (qn1

i /x1

i*qn0i/x

0i)* x

0i (14)

E: ECN* = ∑i (mn1

i /y1

i*mn0i/y

0i)* y

0i (15)

O último efeito de competitividade que abordaremos é de alocação (EA e EA*) que é a diferença entre EC e ECN (EC* e ECN*) que é uma medida de discrepância entre a alocação de recursos no mundo e no país de estudo. Somados esses efeitos, podemos expressar efeitos de estado (estrutura) combinados com efeitos dinâmicos (mudança no market share),

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ambos ligados às exportações e importações de indústrias para mercados específicos dos países nas identidades abaixo:

ǧq = EG + ES + EM + ECN + EA (17)

ǧm = EG* + ES* + EM* + ECN* + EA* (18) Para suavizar os efeitos dos preços relativos na trocas

internacionais, utilizamos deflator calculado pela CEPAL para preços de importação e exportação a preços de 2008. No caso do PIB, foi usado o deflator implícito no seu cálculo, também disponibilizado pela CEPAL e calculado para cada país individualmente, também a preços de 2008 (Anexo).

Na aplicação prática do método estrutural-diferencial (análise shift and share), utilizamos os indicadores segundo a sugestão de Richardson (1971 apud Canuto) e Xavier (1999) para os efeitos relativos às exportações:

ES = ∑ S0i . ∆Qi - S

0∆Q A semelhança do segundo termo de (2), S0

i é a fatia de mercado do país no período inicial (1995 a 2001); ∆Qi a diferença das exportações médias entre o período inicial e final (2002 a 2008); S0 a fatia de mercado total do país no início e ∆Q é a diferença entre as médias das exportações de todo o mundo nos dois períodos.

EG = ∑i∑j S0

ij. ∆Qij - ∑i S0

ij. ∆Qi

O market share do país nos mercados selecionados (brasileiro ou argentino e o resto do mundo) em certa indústria j é representado por S0

ij e ∆Qij é o mesmo que ∆Qi só que para o setor j – terceiro termo de (2).

EC = ∑i∑j ∆Sij. Qij

Sendo ∆Sij a diferença da média da parcela de mercado do período e

Qij é a média das exportações setoriais mundiais do período – quarto termo de (2).

EA = ∑i∑j [Q0

ij - Q0

iw]. ∆Sij

Neste caso Q0ij é média das exportações no período inicial para

mercados específicos no setor j e Q0iw é a média das exportações totais

mundiais agrupadas por setor (EC - ECN). Para as importações temos que: EM* = V.(Y2 - Y1) V é razão entre importações e produto; e (Y2 - Y1) é a diferença do

produto no período – primeiro termo de (7). Para o efeito estrutural temos: ES* = M.{∑i [(Y2 - Y1)/Yi].[(Mi/M) - (Yi/Y)]} Em que M são as importações totais e Mi as setoriais; Y representa a

renda e Yi a do setor – segundo termo de (7). Por fim: EC* = ∑i [(Vi2 - Vi1). Yi

(Vi2 - Vi1) é a diferença da razão exportações produto para o país i–terceiro termo de (7).

A Tabela 6 apresentar os resultados do modelo para o Brasil e a Argentina. Como o efeito estrutural é negativo para os dois períodos, é

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possível afirmar que, para os produtos analisados, que há especialização em setores que crescem abaixo da média mundial. No caso do Brasil, as conclusões não são diferentes, sendo a perda quase duas vezes maior que a da Argentina.

Tabela 6 - Análise Estrutural Diferencial das Exportações em Milhões US$ de 1995 a 2008 (Argentina).

Efeitos Commodities Manufaturas

Estrutural Setorial (22.144,25) (22.414)

Geográfico (312,19) (56.313)

Competitividade (52,09) (7.221)

Alocação 21.710,84 (5.165,62)

Competitividade Nacional (21.762,93) (2.056) Fonte: Dados Brutos da UN, UNCTAD e CEPAL. Elaboração própria. Nota: Standard Internacional Trade Classification (SITC 5 até 8 menos 667 e 68) e Produtos Manufaturados (SITC 5 a 8 menos 667 e 68).

Se comparados com outros efeitos, a competitividade aparece em

valores baixos para a Argentina, e a desvalorização cambial que vem ocorrendo pode ter contribuído para isso. O Brasil apresenta melhores resultados sobre esse mesmo efeito, mesmo com a tendência de valorização do real que começou em 2003, o aumento nas exportações pode ter contribuído para melhorar essas cifras.

Tabela 7 - Análise Estrutural Diferencial das Exportações em Milhões US$ de 1995 a 2008 (Brasil).

Efeitos Commodities Manufaturas

Estrutural Setorial (44.470,53) (45.947,75)

Geográfico (512,37) (69,04)

Competitividade 158,32 (8,41)

Alocação (18.460,31) 752,35

Competitividade Nacional 18.618,63 (760,76) Fonte: Dados Brutos da UN, UNCTAD e CEPAL. Elaboração própria. Nota: Standard Internacional Trade Classification (SITC 5 até 8 menos 667 e 68) e Produtos Manufaturados (SITC 5 a 8 menos 667 e 68).

O efeito geográfico é negativo para os dois países, é interessante

notar que o market share médio das commodities brasileiras na Argentina foi 9,15%, e o da última, apenas 2,84%, o percentual que corresponde ao resto do mundo, o valor é de 2,8% e 1,48%. Esses valores, certamente,

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influenciaram os resultados finais desse efeito (Anexo). No caso das manufaturas, os números não são muito animadores, já que a Argentina detém apenas 0,58% do mercado mundial médio (sem o Brasil) e o Brasil 0,71%, no mesmo período (1995 a 2008).

A competitividade nacional é positiva e bem relevante no caso brasileiro, o resultado pouco promissor da Argentina é justificado pela eficiência alocativa negativamente expressiva das commodities. O que sustenta as afirmações cepalinas de que existem baixa taxas de inovação tecnológica em países em vias de desenvolvimento exportadores de commodities, podendo ser um sinal de que existe deteoração dos termos de troca nas principais economias sul-americanas. A diferença explicitada pelos valores calculados para medir os efeitos de competitividade sobre as commodities e as manufaturas, também, pode sustentar essa afirmação.

Tabela 8 - Análise Estrutural Diferencial das Importações em Milhões US$ 1995 a 2008 (Argentina).

Efeitos Commodities Manufaturas

Crescimento doméstico (19.607,74) (19.607,74)

Competitividade estrutural setorial 13.004,74 (27.786,49) Competitividade (2.258,86) (21.425,47)

Fonte: Dados Brutos da UN, UNCTAD e CEPAL. Elaboração própria. Nota: Standard Internacional Trade Classification (SITC 5 até 8 menos 667 e 68)e Produtos Manufaturados (SITC 5 a 8 menos 667 e 68);

Tabela 9 - Análise Estrutural Diferencial das Importações em Milhões US$ 1995 a 2008 (Brasil).

Efeitos Commodities Manufaturas

Crescimento doméstico 12.719,29 12.719,29

Competitividade estrutural setorial 34.353,08 (85.628,51) Competitividade (795,22) (59.345,86)

Fonte: Dados Brutos da UN, UNCTAD e CEPAL. Elaboração própria Nota: Standard Internacional Trade Classification (SITC 5 até 8 menos 667 e 68) e Produtos Manufaturados (SITC 5 a 8 menos 667 e 68).

Para as importações, a Argentina revela um nível de importações

que cresce mais que a produção nacional, ao contrário do Brasil que é bem mais competitivo neste ponto, o que encontra certa justificativa na tendência a desvalorização do peso argentino e a valorização do real nos anos 2000. As commodities são mais eficientes, estruturalmente falando, para ambos

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os países, porém as perdas são grandes no caso das manufaturas. O efeito-competitividade é negativo, mas pouco significativo para as commodities, já no caso das manufaturas, elas são bem pouco competitivas.

4. CONCLUSÃO

Mesmo com a tendência de valorização do real ante o dólar, o Brasil

continua aumentando suas exportações em níveis tão crescentes quanto o das importações em termos absolutos ou relativos e apresenta resultados positivos na Balança Comercial desde o início da década. Os dados da Argentina mostram um cenário parecido com menores valores absolutos e ambos os países estão cada vez mais abertos ao mercado internacional.

Para a Argentina, o comércio intra-MERCOSUL parece mais relevante, percentualmente, que para o Brasil, mas ambos os comércios com o resto da América Latina são pouco relevantes se comparados o com o restante do mundo. Mas a abertura do mercado vem ocorrendo regional e multilateralmente. Apesar da necessidade de reformas das instituições internacionais, os fluxos comerciais vêm aumentando gradualmente, talvez a integração regional contribua mesmo para a abertura gradual do comércio como pensa parte da CEPAL ou exista uma tendência mundial à abertura, pela maior integração dos mercados aliados ao aumento do número de acordos bilaterais de comércio em todo o mundo.

O fluxo comercial regional entre Brasil e Argentina vem aumentando desde 2003, e o Brasil obteve superávits comerciais durante todo o período, o que talvez tenha estimulado algumas disputas jurídicas entre os países, porém, em 2008, o Brasil importou 11% do total da Argentina, e ela comprou do vizinho 13% do total gasto nas importações. Isso reafirma a evolução do comércio regional.

Em relação à composição das importações, ambos os países do MERCOSUL gastam mais produtos de média e alta tecnologia, segundo classificação da CEPAL, e exportam produtos primários e commodities, o que sugere uma leitura atual do pensamento cepalino da década de 1950. Em 2008, o Brasil é responsável por 4% de todo o mercado mundial de commodities, se somarmos à Argentina, esse número chega a 6%, mas são responsáveis, juntos, por apenas 1% das vendas de manufaturas, e respondem por 1,4% de tudo que se exporta no mundo. Pode ser que o Brasil e a Argentina revelem vantagens comparativas para produção de commodities, e por ser o setor mais produtivo da economia, o capital migraria para esse setor, como afirmam os neoclássicos, e estamos produzindo e comercializando mais e consequentemente, aumentando o bem-estar, seja ele paretiano ou não.

Uma maneira de esboçar o quadro de especialização produtiva de dois países do MERCOSUL seria estudar as suas respectivas competitividades. A Competitividade Revelada dos dois é positiva para as

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commodities e negativa para as manufaturas, sendo o resultado da Argentina quase duas vezes melhor em ambos os casos. Os preços relativos das vendas externas parecem favorecer as commodities para os países da América do Sul em detrimento das manufaturas, o que influenciou os resultados obtidos para o indicador de competitividade revelada. Analisando a competitividade por intermédio de cálculo estrutural, os resultados são ruins para quase todos os critérios analisados, porém as importações se mostram mais competitivas, porém nesses cálculos, diferentemente do caso das vendas, levamos em conta a produção interna. É possível que isso estabeleça relação com as políticas de crescimento do mercado nacional e de protecionismo empregadas durante os 15 anos de MERCOSUL analisado.

No caso da Argentina, podemos dizer, resumidamente, que se tornar um membro do MERCOSUL não influenciou de maneira decisiva a trajetória do comércio exterior desse país em relação ao resto do mundo, porém as relações intra-bloco são de extrema importância e, certamente, a redução tarifária beneficiou o fluxo global de comércio. Já o Brasil, apesar de não ser tão dependente do comércio regional como a Argentina, se beneficiou do aumento do comércio no bloco, além de manter superávits em suas transações com o bloco e com a Argentina individualmente. Os resultados de criação e desvios de comércio, do ponto de vista das importações brasileiras, mostraram que houve aumento geral de bem-estar para o mundo e o bloco no agregado de todas as indústrias estudadas.

Do ponto de vista da estrutura do comércio exterior, os resultados revelam uma especialização na venda de commodities e na compra de manufaturas, se analisarmos apenas esses dois grupos de produtos no Brasil e na Argentina. O Brasil com câmbio valorizado é competitivo no mercado internacional de commodities e a Argentina, mesmo com todos os conflitos entre ruralistas e governo, consegue apresentar bons resultados para esses setores agropecuários e extrativos minerais, o que o presente estudo confirma. Isso parece uma razoável explicação para o fato de que esses países revelam vantagens comparativas na produção de matérias primas, mas vale lembrar que o valor total do comércio internacional de manufaturas é quase 5 vezes maior que o comércio de manufaturas. Teriam as duas maiores economias da America Latina não completado seu processo de Substituição de Importações? Estaríamos sofrendo algum tipo de deterioração dos termos de troca? Seriam as vantagens comparativas vantajosas, independente do valor agregado dos produtos exportados?

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Capítulo II Economia da Tecnologia e da

Inovação

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C,T&I: UMA ANÁLISE DA TRAJETÓRIA BRASILEIRA PARA A PROMOÇÃO DE COMPETITIVIDADE E DESENVOLVIMENTO

Vanessa Cabral Gomes* Luiz Guilherme de Oliveira*

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo descrever a trajetória das políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) no Brasil, com base num referencial teórico consistente com a percepção desses elementos como quesitos fundamentais para a promoção de crescimento e competitividade. Além disso, procura-se analisar cada ação do governo, com a finalidade de se compreender qual corrente de pensamento os formuladores de políticas públicas tinham em mente quando estabeleceram tais condutas. Por fim, o que se reconhece é que houve avanço nos instrumentos e meios formais de estímulo a C,T&I nas últimas décadas, mas que há poucos trabalhos que mostram seus efeitos na produção tecnológica do país, levantando a necessidade de estudos sobre os resultados dessas políticas. Palavras-Chave: Competitividade; Desenvolvimento; Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação. INTRODUÇÃO

A percepção de que Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) são quesitos fundamentais para a promoção de crescimento e competitividade de nações, é tema cada vez mais consensual entre estudiosos e governantes. Mais além, tem se reconhecido a importância da capacitação e do aprendizado para a prática da atividade inovativa, que num contexto de sociedade do conhecimento, têm se tornado essenciais para nações que pretendem se sobressair frente às outras no cenário internacional.

Além disso, diversas correntes teóricas vêm se destacando ao longo dos anos na intenção de compreender esse processo, assim como políticas têm sido formuladas e implementadas com o objetivo de fomentar o desenvolvimento e a competitividade de países. O papel exercido pelo Estado é então fundamental, uma vez que por meio do planejamento, incentivo e fiscalização atividades de C&T, busca promover, articular e controlar essas atividades.

Nesse contexto, o trabalho tem por objetivo descrever a trajetória das política em C,T&I no Brasil, uma vez reconhecida a importância destas para o desenvolvimento e a competitividade do país. Além disso, procura-se analisar cada ação do governo, com a finalidade de se compreender qual corrente de pensamento os formuladores de políticas públicas tinham em mente quando estabeleceram tais condutas.

* Professores da Universidade de Brasília - UnB

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Embora se inicie nos anos 50, é no fim da década de 60, que C&T passam a ser considerados elementos centrais pelo governo. Nesse período, os esforços eram voltados à formação de recursos humanos de elevada qualificação e às instituições de pesquisa, elevando significativamente o número de pós graduações no país. O pressuposto era que o baixo desenvolvimento tecnológico nacional decorria de uma infraestrutura deficiente, onde não se produzia pesquisa básica.

Essas políticas marcaram a realidade brasileira em uma assimetria entre bons indicadores acadêmicos e índices piores quanto às atividades de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) empresarial. Em consequencia, enquanto as diversas políticas implementadas até o fim da década de 90 implicaram no êxito da Universidade, a atividade inovativa nas empresas deixou bastante a desejar.

Visando superar essa desarticulação, a partir de 1999 foram feitas diversas reformas no Sistema Nacional de Inovação. Este, passou a entender o processo inovativo como um modelo sistêmico, onde diversos atores estão envolvidos e trabalham em rede. Com isso, a empresa passou a ser vista como um importante agente na produção de CT&I. Entre as reformas mais importantes estão a criação dos Fundos Setoriais, que passa a ofertar recursos para setores vistos como estratégicos para Brasil e a criação de leis que permitem a subvenção econômica e incentivam o trabalho concatenado de empresas e universidades.

Apesar de ter se passado mais duas décadas desde as primeiras reformas no sistema de CT&I no Brasil, e de se reconhecer que houve um grande avanço nos instrumentos e meios formais de interação universidade empresa, há poucos trabalhos que mostram os resultados dessas políticas para a produção tecnológica do país. Nesse sentido, é necessário que se estude com mais profundidade esses resultados, visando compreender se as políticas brasileiras em Ciência, Tecnologia e Inovação estão no caminho correto

1. Inovação e Competitividade 1.1 Competitividade e Desenvolvimento

Nas últimas décadas, a competitividade tem surgido como um importante tópico de estudo, tanto para a pesquisa acadêmica quanto para formulação de políticas econômicas. Essa visão de que nações, regiões e cidades devem ser competitivas parte da visão de que essas não tem outra opção senão a de se esforçar para serem competitivas, a fim de sobreviver no novo mercado global.

Apesar da aparente simplicidade, o conceito de competitividade é vasto e complexo, haja vista a quantidade de variáveis envolvidas, a multiplicidade de dimensões relacionadas e a sua sustentabilidade ao longo do tempo.

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Diferentes discussões sobre competitividade tem sido apresentadas nos últimos tempos. Para Paul Krugman (1997), competitividade é um conceito somente aplicável a firma, perdendo o sentido quando aplicado a economia nacional. Na mesma linha, Ferraz et al (1995) determina como elemento base da análise de competitividade a empresa, a definindo como “a capacidade da empresa em formular e implementar estratégias concorrenciais, que lhe permitam ampliar ou conservar, de forma duradoura, uma posição sustentável no mercado” (p. 3).

Do lado oposto, Coriat (1997) é um dos autores que veem a competitividade como uma causa nacional, uma vez que, para ele, competitividade é um elemento chave para a sobrevivência das nações. Chudnovsky e Porta (1990) possuem uma definição mais ampla, onde a competitividade internacional é um conceito utilizado para aludir tanto ao desempenho de uma firma ou indústria, quanto a um país na economia internacional, sendo necessário fazer a distinção ente o estudo macroeconômico (nível de país) e microeconômico (nível de firma).

Para Bianco (2007), a competitividade a nível nacional pode ser vista por meio de três enfoques distintos: o tradicional, o estrutural e o sistêmico. O enfoque tradicional utiliza os preços de exportação como fator explicativo do nível de competitividade de uma economia. Nesse sentido, os preços de exportação de um país em relação aos dos outros são o que determinam sua posição no mercado. Para esse enfoque, um país será mais ou menos competitivo se seus custos de produção forem menores ou maiores, respectivamente, que o dos outros países.

O enfoque estrutural, procurando melhorar a pequena capacidade explicativa do modelo anterior, vê a competitividade como aquela que deriva de um conjunto de inovações e condutas tecnológicas dos agentes que se desenvolvem dentro de um sistema nacional, sendo empresas ou outras organizações ligadas a atividade. Nesse enfoque, a principal fonte por onde emana a competitividade é o conhecimento e aprendizagem institucional ligada à tecnologia.

O enfoque sistêmico representa uma perspectiva mais ampla do que seja competitividade, incorporando ao enfoque estrutural variáveis adicionais. Nessa direção, esse enfoque parte da premissa de que os ganhos de competitividade de uma firma não provém apenas dos esforços que ela realiza, mas da interação de variáveis e políticas de níveis micro, meso, macro e meta. Este último é um nível adicional que representa “a capacidade estatal de conduzir a economia e a existência de padrões de organização social que permitam mobilizar a capacidade criativa da sociedade, fatores necessários para melhorar o desempenho dos três níveis anteriores” (BIANCO, 2007, p. 15).

Esse noção de competitividade sistêmica foi apresentado também por Ferraz et al (1995), que defende que competitividade é um fenômeno dinâmico cuja principal variável é a capacidade das empresas de formular e

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por em prática estratégias e competências, determinadas pela trajetória passada e pelos processos de aprendizagem e capacitação acumuladas pela firma.

A partir da metade da década de 80, a competitividade internacional deixou de ser vista por meio da análise de fatores de preços e custos, e passou a ser estudada pela importância do papel da mudança tecnológica. Essa atenção dada à tecnologia corresponde a dinâmica de longo prazo inspirado em Schumpeter, que vê a inovação e a difusão tecnológica como motores para o processo de crescimento e mudança estrutural. (CASTELLACCI, 2008)

Porter (1999), nessa linha, define que “a competitividade de um país depende da capacidade da sua indústria de inovar e melhorar” (p.167). Assim, a prosperidade nacional é fruto da habilidade de suas empresas de criar novas tecnologias e novas maneiras de fazer as coisas, para que se torne cada vez mais produtivo. Na mesma direção, Possas (1999) afirma que a incorporação do progresso técnico, o dinamismo industrial e a consequente elevação da produtividade induzem à competitividade. Para Freeman e Soete (2008), as inovações não só são cruciais para os que desejam acelerar e sustentar o crescimento econômico, mas também para os que aspiram mudar a direção do avanço econômico, em busca de melhor qualidade de vida.

Em conclusão, o progresso técnico, a aprendizagem e a inovação têm o potencial de aumentar a produtividade o que, por sua vez, induz a um rápido crescimento econômico e social do país. Assim, no sentido mais fundamental, se um país busca competitividade e desenvolvimento deve ter em mente a necessidade de uma base sólida em ciência e tecnologia.(OCDE, 2010)

1.2 A Inovação sob uma Perspectiva Evolucionista

Como dito acima, são muitos os estudos que relacionam inovação, mudança tecnológica e aprendizado à competitividade, uma vez que esse tópico tem sido objeto de pesquisa de diversos autores nos últimos tempos. Esses estudos têm em comum a tradição Schumpeteriana como fonte de inspiração, que baseiam suas pesquisas e indicam que, numa perspectiva de longo prazo, a competitividade internacional de indústrias está ligada à sua própria atividade inovativa e à difusão intersetorial de conhecimento.

Nesse sentido, a Teoria Evolucionista define uma linha heterodoxa do pensamento econômico que vem se desenvolvendo e ganhando força a partir da década de 70. (VALE, BONACELLI et al., 2002). Essa propõe uma perspectiva para a transformação econômica baseada na “compreensão da grande complexidade da mudança cumulativa na tecnologia e na organização econômica” (NELSON e WINTER, 2005), reconhecendo que o avanço técnico culmina no crescimento da produtividade e da concorrência

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entre firmas. O progresso tecnológico, percebido como inovações em processos e produtos, fundamenta, então, a essência do objeto estudado.

De acordo com Vale e Bonacelli et all. (2002), é possível afirmar que o processo inovativo estará diretamente conectado às competências das organizações, uma vez que a inovação depende das rotinas da firma e as rotinas nada mais são que as qualidades desta, ou seja, suas competências. Mais além, as rotinas incorporam as habilidades dos indivíduos que a compõem, uma vez que o comportamento da empresa pode ser resumido ao comportamento dos agentes ali presentes. Nesse sentido, o que se deve reconhecer é que as competências da organização, somadas às habilidades de seus indivíduos atuantes, são ativos de grande valor estratégico das empresas, condicionando seu grau de competitividade no mercado.

O que se deve observar aqui é que investir em competências e habilidades, ou melhor, estimular o conhecimento, torna-se essencial para a organização que queira sair a frente no mercado, garantindo seu espaço. Atualmente isso tem-se tornado tão claro que diferentes países, desenvolvidos ou não, tem investido fortemente em ciência, tecnologia e inovação, fazendo destas uma importante parte de suas agendas públicas e privadas, seja em âmbito local, setorial, nacional ou internacional. (PACHECO, 2010)

A visão evolucionista, então, considera importantes conhecimento e aprendizado individual, organizacional, interorganizacional e a cooperação entre os atores sociais para que a inovação ocorra. Além disso, reconhece que um conjunto de políticas públicas conscientes e coordenadas é essencial para a promoção de atividades intensivas em conhecimento em todos os setores, objetivando melhorar as potencialidades das firmas e possibilitar ganhos de competitividade. (FREEMAN, 2002)

2. Políticas de Ciência Tecnologia e Inovação 2.1 Um breve histórico

No final do século XIX já era evidente a harmonia entre ciência e avanço industrial. A internalização do método científico pela indústria para gerar novas tecnologias surge então como fator decisivo que viabilizou o salto de produtividade e o nascimento de importantes inovações que caracterizaram a Segunda Revolução Industrial, cujos exemplos mais marcantes são as indústrias química e eletromecânica. (FREEMAN e SOETE, 2008; GUEDES, 2010)

Embora no período anterior à II Guerra, o desenvolvimento científico como instituição não estivesse ausente, o Estado agia eventualmente como protetor, patrão, diretor e cliente da ciência. O estreitamento das relações entre o Estado e a Ciência acelerou-se no período do pós-guerra, estabelecendo-se mais firmemente à época da II Guerra, onde havia uma ampla rede de laboratórios de pesquisa organizados, e de instituições

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correlatas nos governos, nas universidades e no setor produtivo, empregando mão de obra especializada em tempo integral. (GODIN, 2006)

O objetivo do Estado junto a essas instituições, nesse período, era principalmente o desenvolvimento de produtos de guerra, mas estes foram o fruto de diversas tecnologias posteriores, voltadas às necessidades civis. O Projeto Manhattan é um exemplo de destaque, que visava a criação da primeira bomba atômica, mas que posteriormente foi fonte de tecnologia para a energia atômica, aviões a jato, computadores, radares, etc. (CONDE, 2004)

Com o fim da II Guerra Mundial, houve uma mobilização de forma articulada e sistematizada a favor da ciência, visando vantagens e benefícios que a atividade de pesquisa poderia alcançar nos desenvolvimentos social e econômico. A partir desse momento o abandono da ciência e seus desígnios tornou-se impossível.

Em 1945, a pedido do presidente dos Estados Unidos, foi lançado o relatório Science: the Endless Frontier, elaborado pelo então diretor do Escritório de Pesquisa Científica e Desenvolvimento dos EUA, Vannevar Bush (BUSH, 1945). O relatório Vannevar Bush, como é conhecido, é o documento mais significativo e representativo da mudança de visão de ciência para guerra para ciência como promotor de desenvolvimento.

De acordo com esse relatório, os EUA deveriam manter seus investimentos em pesquisa científica com a finalização da guerra. Recomendava que fosse criado um órgão de âmbito nacional com funções de incentivar e apoiar a educação científica, a pesquisa básica e o desenvolvimento de uma política nacional voltada especialmente às atividades científicas.

Em 1950, em consequencia dessas recomendações, foi fundando nos Estados Unidos a National Science Foudation (NSF) que tinha como objetivo mapear e incentivar a atividade científica, cadastrando pesquisadores, orientando a pesquisa e alocando recursos em setores considerados prioritários. Esse documento teve repercussão internacional e até o início da década de 60 a maioria dos países industrializados havia criado organizações com as mesmas funções. (CONDE, 2004)

Este relatório trouxe ainda questões referentes ao estabelecimento de orientações estratégicas para a pesquisa e os instrumentos pelos quais se deveriam operar as políticas de C&T. Para Bush, as pesquisas básica e aplicada deveriam estar separadas, uma vez que, misturadas, a pesquisa aplicada expulsaria a pesquisa básica. Nessa visão, a pesquisa básica deveria ser isolada de considerações prematuras sobre sua utilidade, sendo ela uma poderosa criadora de progresso tecnológico, à medida que tanto a pesquisa aplicada quanto o desenvolvimento fossem convertendo as descobertas da ciência básica em inovações tecnológicas que atendessem à sociedade. (STOKES, 2005)

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O Relatório Vannevar Bush é um marco para a ciência e tecnologia. Não só porque estabeleceu um paradigma de política de C&T adotado por quase todos os países industrializados até o fim dos anos 50, mas porque difundiu uma concepção da dinâmica da inovação que dominou o pensamento científico e tecnológico até pouco tempo.

2.2 Políticas de CT&I no Brasil

As políticas de apoio e financiamento da CT&I no Brasil remontam aos anos 50, onde foram criados pelo governo dois órgãos de apoio a pesquisa e desenvolvimento: a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior – CAPES e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.

Contudo, foi na década de 60 que medidas que estruturariam o setor de C&T no Brasil ocorreram. Em 1967 foi instituída a Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP, e com ela o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). O FNDCT foi criado pelo do Decreto-Lei no 719, datado de 31 de julho de 1969, do qual a Finep se tornaria a Secretaria Executiva, no ano de 1971. (FINEP, 2011) (FILLHO e NOGUEIRA, 2006)

Com a instituição do Sistema Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (SNDCT), em 1972, o setor passa a se organizar de forma sistêmica, uma vez que seu objetivo era a desenvolver uma maior integração entre as atividades científicas e tecnológicas no Brasil. O SNDCT, coordenado pelo CNPq agrupava todas os órgãos governamentais que dispusessem de recursos para a atividade de P&D para planejar, coordenar, executar e controlar a pesquisa em C&T. (FILLHO e NOGUEIRA, 2006; GUEDES, 2010)

Esse projeto de financiamento em pesquisa e desenvolvimento, condicionada ao modelo desenvolvimentista que caracterizou os governos militares na década de 70, é o primeiro suporte à formação de sistema de C&T no país. Para os presidentes Médici e Geisel era importante que o Brasil fosse uma “potencia emergente” e acreditavam que essa condição seria viabilizada investindo-se em ciência a tecnologia. (VALE, BONACELLI et al., 2002)

As décadas de 70 e 80 foram marcadas por várias reformas estruturais, objetivando o progresso do país. Três Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs) foram implementados, e cada previa um diferente Plano Básico de Desenvolvimento Tecnológico. (FILHO, 2003)

Em 1984 foi implementado o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - PADCT, resultado de convenio brasileiro com o Banco Mundial. Esse programa tinha como objetivo ampliar, melhorar e consolidar a competência técnico cientifica nacional, no âmbito de empresas, centros de pesquisa e universidades. Para tanto, o PADCT foi elaborado para ser um instrumento complementar na política de

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desenvolvimento em C&T, por meio de ações coordenadas de agencias federais. (TEIXEIRA e RAPPEL, 1991)

Apesar de ter sido concebido como instrumento complementar de capitalização do setor de C&T, PADCT transformou-se na principal fonte de financiamento das atividades de P&D nesse período. Além disso, embora originalmente o programa devesse apoiar setores vistos como prioritários para o desenvolvimento do brasileiro, fortalecendo as ligações do setor produtivo, na realidade, os financiamentos concebidos eram direcionados mais à pesquisa básica que aplicada. (GUEDES, 2010). Foram destinados recursos às universidades, incrementado a formação de mestres e doutores, além de implantarem novos grupos de P&D e consolidarem os já existentes. (TEIXEIRA e RAPPEL, 1991) Essa ampliação a infraestrutura universitária brasileira é condizente com a lógica do modelo linear de inovação.

A Criação do Ministério da Ciência e Tecnologia

Em 15 de março de 1985 foi criado o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), concretizando um decreto-lei de reforma administrativa que havia criado o ministério em 1967, mas que não havia sido colocado em prática. A intenção era criar um órgão que se dedicaria especificadamente à ciência e tecnologia, uma vez que esses seriam elementos que mostrariam ao mundo que o Brasil compreendia que, sem uma base sólida em educação, ciência e tecnologia não se poderia ser um país desenvolvido. (VIDEIRA, 2010)

A partir do decreto 91.146, que dá vida ao MCT, este passou a concentrar a conduzir as ações antes sob a responsabilidade do Ministério do Planejamento e teve como uma de suas primeiras medidas para o fortalecimento institucional a incorporação da FINEP e do CNPq, juntamente com suas respectivas unidades de pesquisa. Este passou a ser então órgão da administração direta, o qual possui autoridade nos seguintes assuntos: política nacional de pesquisa científica, tecnológica e inovação; planejamento, coordenação, supervisão e controle das atividades da ciência e tecnologia; política de desenvolvimento de informática e automação; política nacional de biossegurança; política espacial; política nuclear e controle da exportação de bens e serviços sensíveis.(MCT, 2010)

Desde então, o objetivo do MCT (2010) tem sido exercer funções estratégicas, desenvolvendo pesquisas e estudos que gerem conhecimento e novas tecnologias, bem como a criação de produtos, processos, gestão e patentes nacionais, vistas como essenciais para o desenvolvimento econômico e social do país.

As políticas públicas implementadas na segunda metade do século XX foram responsáveis pela criação das bases institucionais de suporte a CT&I que impulsionaram a ciência e tecnologia no Brasil. Todavia, embora tenham havido muitas conquistas por parte da comunidade científica, onde programas de pós graduação foram fortalecidos e universidades colocadas

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em destaque, a consolidação tecnológica das empresas não acompanharam o êxito. Além disso, verificou-se uma elevada dificuldade em se transferir conhecimento cientifico das universidades e instituições de inovação para o setor produtivo. (VALE, BONACELLI et al., 2002)

Para Pacheco (2007), são vários os motivos que explicam a fragilidade das políticas tecnológicas criadas para as empresas nesse período. Entre elas o autor destaca: a instabilidade econômica das décadas de 80 e 90; a escassa cooperação entre empresas; as orientações de curto prazo das políticas econômicas; a inadequação do aparato institucional de política de C&T; a ausência de um sistema de institutos de pesquisa não universitário; além de outros.

Os Fundos Setoriais e o Marco Regulatório de CT&I Partindo-se da necessidade histórica de se articular uma política em

C&T que envolvesse tanto o setor privado quanto o setor público, foram criados em 1999 os Fundos Setoriais (FS), cuja concepção deu início à implantação de um novo instrumento de financiamento de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação no País. De acordo com a FINEP (2008), a administradora dos Fundos (com exceção do FUNTTEL, administrado pelo Ministério da Comunicação), os FSs representam um novo padrão de financiamento para a C,T&I, e pretendem garantir a constância de recursos e alcançar a eficiência na gestão das atividades, promovendo sinergia entre as universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo. De acordo com Sá (2005), a implementação dos Fundos Setoriais representou um novo mecanismo de estímulo ao fortalecimento do sistema de C&T nacional.

Seguindo a experiência bem sucedida do CT-Petro, o Fundo Setorial do Petróleo e Gás, criado em 1997, foi proposta a criação de um conjunto de Fundos Setoriais, que modificariam o relacionamento das agências de fomento do MCT (a saber, CNPq e FINEP) com os outros órgãos setoriais do Governo. Esses fundos teriam como foco o desenvolvimento cientifico e tecnológico de um determinado setor, e ainda teriam as seguintes características: ser um programa integrado, com participação de universidades, centros de pesquisa e do setor privado; contemplar instrumentos complementares, como apoio à formação e qualificação de recursos humanos, fomento à pesquisa, indução à inovação; prever uma complementaridade de ações das Agências, Órgãos Públicos e do Setor Privado. (PACHECO, 2007)

Na época foram propostos treze Fundos Setoriais e um fundo horizontal, voltada a infraestrutura de pesquisa, e com o passar do tempo outros fundos foram sendo instituídos, na medida do necessário. Atualmente são quinze fundos, sendo treze relativos a setores específicos e dois transversais, sendo um voltado à interação universidade-empresa (Fundo

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Verde-Amarelo) e outro destinado à melhoria de infraestrutura de pesquisas. (FINEP, 2008).

Em 2004 foram implementadas as Ações Transversais, que abriam a possibilidade do uso de recursos de diversos Fundos para uma mesma ação para promoção de C&T. Ficou decidido, com essa implementação, que 50% dos recursos de cada Fundo seria para essa modalidade de ação (FINEP, 2008). A Figura 1 apresenta os Fundos Setoriais e suas respectivas siglas.

Sigla Nome do Fundo CT Aero Fundo para o Setor Aeronáutico CT Agro Fundo para o Setor de Agronegócio CT Amazônia Fundo Regional da Amazônia

CT Biotec Fundo Setorial de Biotecnologia CT Energ Fundo Setorial de Energia CT Hidro Fundo Setorial de Recursos Hídricos

CT Infra Fundo Setorial de Infraestrutura de Pesquisa

CT Info Fundo Setorial para Tecnologia da Inovação

CT Saúde Fundo Setorial de Saúde

CT Aqua Fundo para o Setor de Transportes Aquaviários e Construção Naval

CT Transporte Fundo Setorial de Transportes Terrestres

CT Petro Fundo Setorial de Petróleo e Gás Natural

CT Espacial Fundo Setorial Espacial

CT Minerais Fundo Setorial Mineral

Fundo Verde-Amarelo de Interação Universidade - Empresa

Figura 4: Fundos Setoriais e suas respectivas Siglas Fonte: Elaborado pelos autores

Para Pacheco (2007), o período anterior à criação dos fundos teve poucos precedentes no que se refere à criação de políticas de incentivo à inovação por parte do governo federal brasileiro, sendo os fundos setoriais indiscutivelmente uma política de grande impacto sobre os investimentos do Governo Federal em P&D.

Embora os Fundos Setoriais tenham sido concebidos de forma a propor soluções aos gargalos inerentes à política nacional de CT&I, (VALE, BONACELLI et al., 2002), os esforços para a institucionalização de outros

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marcos regulatórios voltados para incentivar a pesquisa cientifica não para por aí.

A Lei nº 8.661/93 é tida como um dos primeiros instrumentos de incentivo à adoção de estratégias empresariais de inovação no Brasil. Ela estabelecia que a capacitação tecnológica da indústria e da agropecuária seria estimulada através de Programas de Desenvolvimento Tecnológico Industrial - PDTI e Programas de Desenvolvimento Tecnológico Agropecuário - PDTA. Suas principais características eram as deduções de despesas de P&D do imposto de renda sobre produtos industrializados incidente sobre os equipamentos e instrumentos destinados a atividades de P&D e acelerar a depreciação desses equipamentos e instrumentos. Para que se pudesse usufruir desses benefícios, as empresas deveriam elaborar os PDTI/PDTAs e submete-los a análise e aprovação do MCT.

Sancionada em 2 de dezembro de 2004, a Lei 10.973, denominada “Lei da Inovação”, foi regulamentada em 11 de outubro de 2005 pelo Decreto 5.563. Ela é considerada um dos principais pontos de referência da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce) (MOREIRA, ALMEIDA et al., 2007), que objetiva aumentar a eficiência econômica, o desenvolvimento e difusão de tecnologias com maior potencial de indução do nível de atividade e de competição no comércio internacional.

A Lei da Inovação está organizada em três vertentes: 1. Constituição de ambiente propício às parcerias estratégicas entre as universidades, institutos tecnológicos e empresas; 2. Estímulo à participação de instituições de ciência e tecnologia no processo de inovação; 3. Incentivo à inovação na empresa. Nesse sentido, a lei foi desenhada com vistas a promover a interação entre empresas, universidades e centros de pesquisa.

Ainda em 2004, dentro da reforma tributária aprovada pelo Congresso Nacional, foi criada a Lei de Informática, que prorrogou até 2019 os benefícios fiscais para a capacitação do setor da tecnologia da informação, favorecendo os investimentos em P&D. nas empresas de informática. O decreto que regulamentou a lei, publicado em setembro de 2006, prevê que as empresas habilitadas à isenção de até 95% do IPI terão de investir, em contrapartida, o equivalente a 5% sobre o faturamento com vendas no mercado interno, excluídos os tributos, de bens de informática incentivados. O decreto também regulariza o pagamento de débitos anteriores em P&D das empresas e dispõe sobre a exclusividade de empresas nacionais nos pregões do governo federal para compras no setorOutra medida tomada pelo Governo para melhorar os níveis de desempenho de P&D num setor específico foi a criação da lei de Biossegurança, de maio de 2005. Ela consentiu pesquisas até em tão proibidas no Brasil, como os estudos com células-tronco embrionárias. Essa lei regulamenta o funcionamento do Conselho Nacional de Biotecnologia, abrindo amplas possibilidades para a pesquisa científica e tecnológica nesse importante campo.

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Regulamento Data Finalidade

Lei nº 9.478 06.08.97 Institui CTPetro – Fundo Setorial do Petróleo

Lei nº 9.991 24.07.00 Institui CTEnerg – Fundo Setorial de Energia

Lei nº 9.992 24.07.00 Institui CTTransp – Fundo Setorial de Transportes

Lei nº 9.993 24.07.00 Institui CTHidro – Fundo Setorial de Recursos Hídricos

Lei nº 9.994 24.07.00 Institui CTEspacial – Fundo Setorial de Atividades Espaciais

Lei nº 10.052 28.11.00 Institui FUNTTEL – Fundo Setorial de Telecomunicações

Lei nº 10.168 29.12.00 Institui FVA – Fundo Verde Amarelo

Lei nº 10.176 11.01.01 Institui CTInfo – Fundo Setorial de Informática, e renova incentivos para o setor de informática, alterando a lei nº 8.248/91

MP nº 2.199-14 24.08.01 Autoriza, até o limite de 5%, despesas administrativas do FNDCT

MP nº 2.159-70

24.08.01 Altera o FVA e reduz o Imposto de Renda (IR) para remessas ao exterior que pagam a contribuição do FVA

Lei nº 10.197 19.12.01 Institui CTInfra – Fundo de Infra-Estrutura para Pesquisa

Lei nº 10.232 19.12.01 Amplia a base de cálculo do FVA

Lei nº 10.232 19.12.01 Institui o CTBio – Fundo Setorial de Biotecnologia

Lei nº 10.232 19.12.01 Institui o CTAgro – Fundo Setorial de Agronegócios

Lei nº 10.232 19.12.01 Institui o CTSaúde – Fundo Setorial de Saúde

Lei nº 10.232 19.12.01 Institui o CTAeronáutico – Fundo Setorial de Aeronáutica

Lei nº 10.232 19.12.01

Determina que as leis orçamentárias destinarão valor não inferior à receita da União com o IPI de bens de informática para o FVA – com objetivo de subvencionar gastos de P&D as empresas, estimular capital de risco e equalizar taxas de juros de empréstimos da FINEP para P&D empresarial

Lei nº 10.524 25.07.02

Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO – Dispõe sobre as diretrizes para a elaboração da lei orçamentária de 2003, excetuando as despesas da União com C&T dos limites de contingenciamento

PL nº 7.049 03.09.02 Regulação ampla do FNDCT (com base em iniciativa do Senado Federal – PLs nº 85 de 15/05/2001)

(continua)

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(continuação)

Lei nº 10.637 30.12.02 Abatimento em dobro, no Imposto de Renda, dos gastos em P&D que resultem patentes e dá outros incentivos às empresas (MP nº 66 de 29/08/02)

Lei nº 11.077 02.12.04 Lei de inovação - Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo

Lei nº 10.974 30.12.04 Lei da Informática - Dispõe sobre benefícios fiscais à empresas de informática, favorecendo investimentos em P&D.

Decr. nº 5.553 11.10.05 Regulamenta a Lei de Inovação

Lei nº 11.105 23.05.05 Lei da Biossegurança - regulamentou o funcionamento do Conselho Nacional de Biotecnologia

Lei nº 11.195 20.11.05 Lei do Bem - dispõe sobre incentivos fiscais para a inovação tecnológica

Decr. nº5.796 07.07.06 Regulamenta a Lei do Bem

Decr. nº 5.906 26.09.06 Regulamenta a Lei da Informática

Figura 5: Marcos Regulatórios de Instrumentos de Políticas de Incentivo à Inovação (1997-2006) Fonte: Guedes (2010), com adaptações

Em novembro de 2005 é revogada a Lei nº 11.196, originária da Lei

A Lei nº 8.661/93 que instituía os PDTI/PDTAs. A Lei do Bem estimula o processo de inovação na empresa privada, entre outras medidas ao permitir a redução de 50% do IPI incidente sobre equipamentos importados para P&D. (MOREIRA, ALMEIDA et al., 2007) Além disso, estabelece subvenções econômicas concedidas em virtude de contratações de pesquisadores, titulados como mestres ou doutores, empregados em empresas para realizar atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica. Tanto a Lei da Inovação quanto a Lei do Bem constituem o marco regulatório que viabiliza a concessão de subvenção econômica no Brasil. (FINEP, 2010)

A Figura 2 apresenta de forma sucinta uma lista de regulamentos criados como instrumentos de políticas de incentivo à inovação, concentrados no período de 1997 a 2006.Mais recentemente, outros programas foram criados pelo governo brasileiro, afim de dar fôlego a pesquisa em CT&I. O PACTI, Plano de Ação de de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional foi lançado em 2007, e prevê um orçamento 2007-2010 de R$ 41 bilhões. Está estruturado em quatro prioridades estratégicas: expansão do Sistema Nacional de CT&I; promoção da inovação em empresas; PD&I em áreas estratégicas e CT&I para o desenvolvimento social. (MCT, 2009). Em 2008 criou-se a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), sob responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) no qual inclui gastos

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e metas fiscais para setores-chave como informática, biotecnologia e energia. Uma dessas metas consiste em elevar o dispêndio privado em P&D para 0,65% em relação ao PIB em 2010.

A Figura 3 apresenta um esquema com a linha do tempo dos principais marcos em C,T&I no Brasil.

Figura 6: Linha do Tempo dos Principais Marcos Regulatórios em C,T&I no Brasil Fonte: Guedes (2010), com adaptações

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do reconhecimento por parte dos governos de que ciência,

tecnologia e inovação promovem a competitividade internacional do país, estas passaram a ser um importante item na agenda de políticas públicas nacionais. Em consonância, os governos passaram a se preocupar com a geração e manutenção de condições favoráveis para promoção de conhecimento. (OCDE, 1999; SÁ, 2005; OCDE, 2010)

Conforme enfatizado ao longo desse trabalho, a inovação de produtos e processos se torna cada vez mais essencial a empresas e governos que pretendam estar a frente no mercado concorrencial. Pelo enfoque da Teoria Evolucionista, instituições que não inovam tendem a perder espaço, até serem eliminadas. E isso se aplica aos países, que no cenário globalizado vão ficando cada vez mais atrasados frente aos países desenvolvidos. Assim, para um país em desenvolvimento como o Brasil é fundamental que se formule políticas à favor da atividade científica e tecnológica.

A fim de se compreender a realidade da pesquisa em CT&I no Brasil, este trabalho procurou explicitar a trajetória de suas políticas publicas, descrevendo cada passo tomado pelo governo ao longo de sessenta anos de compromisso com a pesquisa no país.

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Para Pacheco (2007), a realidade científica do Brasil é marcada pela assimetria entre bons indicadores acadêmicos (publicações, formação de doutores) e índices relativamente piores quanto às atividades de P&D do setor privado. Essa disparidade é herança de políticas públicas embasadas no modelo linear de inovação, onde o governo deve investir na capacitação de recursos humanos e na pesquisa básica para que se chegue a um produto ou processo inovador.

Diversas políticas implicaram no êxito dos indicadores acadêmicos, entre eles: a reforma da pós-graduação na década de 60; a implementação de bolsas de apoio à pesquisa e pós-graduação; avaliações sistemáticas; e as exigências de qualificação do corpo docente das universidades federais. Essas políticas foram sustentadas por três agências federais: CAPES; CNPq e pelo FNDCT, gerenciado pela FINEP. Todavia, a atividade inovativa nas empresas estava bem atrasada, uma vez que as políticas públicas voltadas ao suporte de P&D nas firmas foram pensados da mesma maneira que as políticas de apoio a pesquisa acadêmica. (PACHECO, 2007)

Visando superar a desarticulação entre universidades e empresas, a partir de 1999 foram feitas diversas reformas no Sistema Nacional de Inovação. Este, passou a entender o processo inovativo como um modelo sistêmico, onde diversos atores estão envolvidos e trabalham em rede. Com isso, a empresa passou a ser vista como um importante agente na produção de CT&I. Entre as reformas mais importantes estão a criação dos Fundos Setoriais, que passa a ofertar recursos para setores vistos como estratégicos para Brasil e a criação de leis que permitem a subvenção econômica e incentivam o trabalho concatenado de empresas e universidades.

Apesar de ter se passado mais duas décadas desde as primeiras reformas no sistema de CT&I no Brasil, e de se reconhecer que houve um grande avanço nos instrumentos e meios formais de interação universidade empresa, há poucos trabalhos que mostram os resultados dessas políticas para a produção tecnológica do país. Nesse sentido, é necessário que se estude com mais profundidade esses resultados, visando compreender se as políticas brasileiras em Ciência, Tecnologia e Inovação estão no caminho correto.

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POTENCIALIDADES E DESAFIOS DOS PARQUES TECNOLÓGICOS: O CASO DE SOROCABA (SP)

Francisco Carlos Ribeiro*

Flaviano Agostinho de Lima * Célio Olderigi De Conti*

Luiz Carlos Rosa ** Galdenoro Botura Junior ***

Resumo

A expectativa do empresário, segundo Keynes, pode ser alimentada por dois lados, a saber: o volume da demanda efetiva e a eficiência marginal do capital. Com base em estudos de dados apontados em artigos que relacionam educação e rendimento e face as estatísticas dos BRICs e PIGs, o referido artigo propõe-se a pensar a importância dos Parques Tecnológicos para o crescimento-desenvolvimento econômico. Utiliza para isso o estudo de caso do Parque Tecnológico de Sorocaba que está em fase de implantação e aponta algumas questões envolvidas na relação entre implantação de um Parque Tecnológico e o efetivo processo de inovação tecnológica. Embora, a princípio, sejam relações recíprocas, essas relações podem não ocorrer a contento, devido a algumas limitações apontadas.

1. As dificuldades macroeconômicas e simbólicas e o desafio imposto aos Parques Tecnológicos

Para discutir os desafios que se impõem aos Parques Tecnológicos,

resolvemos apresentar de maneira sucinta e limitada34, de um lado, as dificuldades macroeconômicas para o crescimento econômico das economias em crise e, por outro lado, as dificuldades (de certa maneira) de se conter o excesso de consumo nas economias emergentes e as relações simbólicas expressas por esse acesso ao consumo, bem como suas consequências.

Separamos, de um lado, os PIIGs. O motivo disso é que a sigla original era de países em dificuldades econômicas e de crescimento designados como: (P) Portugal, (I) Irlanda (G) Grécia e (S) Espanha. Ocorre que com a atual crise da Itália e o processo de certa recuperação da Irlanda - a Irlanda pleiteia sair do mal visto grupo- e a Itália se tornou a bola da vez nele. Por outro lado, conforme comentário do jornalista Rogério Wasserman35, na matéria “Sucesso dos BRICS gerou proliferação de

* Fatec Sorocaba; (Fatec Sorocaba e Unesp)**; (Unesp)*** 34 Limitada e de certa forma arbitrária foi a escolha das variáveis de análise face ao escopo do comentário. 35 Da BBC Brasil em Londres.

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acrônimos econômicos” o jornalista aponta a inclusão, por alguns analistas de mais um I no Pigs, de Itália e a inclusão de um K nos Brics (Bricks então), incluindo a Coréia do Sul. Entretanto, cabe a ressalva de que na classificação do conjunto de estatísticas do FMI, Coréia do Sul figura como país de economia avançada e não como os Brics, considerados emergentes.

Também incluímos os Estados Unidos, obviamente não se enquadrando em nenhuma das duas situações (Brics ou Pigs). Porém, os utilizamos também dado o poder econômico americano e por viverem uma atual crise, como objeto de análise.

Como variáveis escolhidas (não usaremos todas ao mesmo tempo) para a nossa análise temos: a evolução do PIB (partindo da base 2009), a evolução populacional, as taxas de juros de desconto de títulos, a concentração de renda, a taxa de desemprego, a taxa de inflação e a concentração de renda. Nem todas as estatísticas (em especial o índice de Gini) são sincrônicas, mas isto não obsta a nossa análise, que é apenas aproximativa e tem por objetivo apontar os desafios econômicos que demandarão aos Parques Tecnológicos que se apresentem através de inovações e soluções criativas. Frisamos as limitações quanto à precisão da nossa análise quando comparadas à precisão que teríamos numa análise mais aprofundada de cada país.

1.1. Voltando a Keynes

John Maynard Keynes, aponta no Teoria Geral que a expectativa do empresário é a determinante do volume de emprego e renda. A expectativa do empresário, por sua vez, tem por base dois elementos-chave: a demanda efetiva e a eficiência marginal do capital. A demanda efetiva é condicionada pela propensão marginal a consumir (que determinará ao longo do tempo a demanda agregada e a oferta agregada dada). Por outro lado, a eficiência marginal do capital é condicionada pelos recebimentos líquidos futuros descontados a taxas de juros do mercado.

Com base nessas premissas Keynesianas, vamos observar as dificuldades dos PIGS. Considerando que a Suécia, Noruega tem respectivamente Gini de 23 e 25, isso já dá uma ideia do pequeno espaço na redistribuição que esses países do grupo PIIGS poderiam avançar. Obviamente que, quanto mais próximo da melhor distribuição se chegar, maiores as dificuldades de distribuição de renda, sem contar as questões simbólicas de diferenciação entre grupos econômicos e o efeito imitação que comentaremos depois.

Se analisarmos do ponto de vista da distribuição de renda (Tabela 1), temos que:

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Tabela 1 – Índice de Gini – países selecionados PAÍSES GINI

PORTUGAL

ITALIA

IRLANDA

GRECIA

ESPANHA

38,5

32

29,3

33

32 Fonte: World Factbook Central Intelligence Agency. Elaboração p´ropria

Segundo dados apontados por Soares et al ( 2004, p.22), o

rendimento do trabalho representa 85% da queda verificada do índice de Gini no Brasil. Segundo esses autores, os Benefícios de Prestação Continuada, em especial foram (e são) muito importantes para retirar parcelas da população da situação de extrema pobreza. No entanto eles observaram que a maior parte da redução do Índice de Gini foi devido ao efeito concentração, e os rendimentos do trabalho representaram 85% do efeito total, ao passo que os Benefícios de Prestação Continuada (7%) e o Bolsa Família (21%), somados, 28%36.

Um estudo econométrico feito por Marquequetti et ali (2002) apontou, ao pesquisar as micro-regiões do Estado do Rio Grande do Sul, no período de 1991 a 1998, que os investimentos em educação em ensino fundamental, impactam sobre a distribuição de renda e sobre o crescimento econômico37. Por outro lado, esse artigo associou negativamente o ensino superior e médio a taxas de crescimento econômico nessas regiões. Marcelo Resende e Ricardo Wyllie apontaram retornos à educação, para homens e mulheres em torno de 15,9% e 12,6% por ano de estudo (2005 p. 10). Entretanto, esse estudo não segmenta por tipo de escolaridade, apontando que os retornos se dão por ano, não medindo a princípio a intensidade em cada faixa (enfim, não foi explicitada por faixa), devido à metodologia ser diversa.

A literatura, por sua vez, é farta no que diz sobre as relações entre crescimento do produto e avanço tecnológico. E para isso, a formação em educação média e universitária (normal e tecnológica) apresenta papel fundamental.

36 Se somarmos os dois valores excede a 100. Entretanto, há participações negativas e outras positivas que não foram elencadas. Detalhes ver Soares et al, 2006, p. 22 37 Aqui, eles apontam a questão do ensino de qualidade e seus efeitos. Não vamos entrar nessa discussão nesse artigo.

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Voltando a Keynes e nos direcionando por esses estudos econométricos citados poderíamos de maneira simplista38 correlacionar da seguinte forma: os investimentos em educação39 atingem as classes pobres com menos escolaridade, gerando efeitos sobre a renda (leia-se consumo), fruto da melhoria das condições de competitividade do trabalho, pelo efeito alfabetização-qualificação; por outro lado, os investimentos em educação média e superior são elementos fundamentais para a evolução da tecnologia e por sua vez, do crescimento do produto e, diga-se de passagem, para a eficiência marginal do capital.

Assim temos como eixo de análise esses dois ângulos: a inclusão de melhores condições de trabalho para as classes de menor escolaridade40 levam a melhores rendimentos e atuam sobre a demanda agregada, alimentando a expectativa do empresário. Por outro lado, os investimentos em educação média e superior e a sua canalização em ações de desenvolvimento de tecnologia desempenham papel fundamental na melhoria da eficiência marginal do capital.

Necessário retomar aos PIGs. Olhando a taxa de escolaridade, segundo os critérios adotados pelo Relatório do Desenvolvimento Humano, temos na Tabela 2: É razoável admitir que quanto mais baixo o índice de educação muitas famílias estarão aquém do ensino básico e quanto mais próximo de 1, mais a base tende a estar coberta, sendo que a diferença tende a espelhar os que estão excluídos do ensino superior. Também é notório que, quanto mais próximo de 1, maior o esforço marginal para avançar, sem contar a dificuldade de evitar qualquer evasão ou exclusão que já ocorreria do índice deixar de ser 141. Portanto razoável concluir que quanto mais próximo de 1, menores seriam os efeitos para a demanda agregada. Isso não necessariamente pode se aplicar aos efeitos sobre a eficiência marginal do capital. Se os acréscimos em educação forem canalizados para atividades concentradas em intensa pesquisa tecnológica, como os parques tecnológicos, então podemos ter alguma repercussão sobre o investimento

38 Simplista no sentido que se cada um dos elementos apontados demandam pesquisas mais aprofundadas, quiçá então todas as variáveis em conjunto! 39 Com qualidade evidentemente. 40 Obviamente que os ganhos no salário mínimo exerce um papel forte nisso. 41 Obviamente aqui desconsideramos as aproximações. Esse é o principal problema os quais padecem os programas de avaliação de mérito em instituições de ensino público que os adotam. Se por um lado, eles sejam necessários para aferir e trabalhar a qualidade, as Faculdades e Universidades de excelência podem vir a ser prejudicadas justamente por serem as melhores dado o limite máximo de avanço, pois um índice perfeito teria como premissa evasão zero e aprovação total e, uma escola benchmark pode se ver prejudicada por não conseguir avançar mais devido justamente ao seu alto padrão. Assim, quanto mais o país se aproxime de 1, mais difícil é avançar.

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devido a melhoria da eficiência marginal do capital e ou da inovação tecnológica na criação de novos produtos geradores de demanda.

Como podemos ver, dentre os países do PIIGs, o que mais pode colher frutos de efeitos de redistribuição é Portugal devido ao menor número na educação disseminada. Mas mesmo Portugal se encontra numa faixa intermediária quando comparamos com os Bricks, então vejamos: Tabela 2 – Índice de Educação – PIGs PAÍSES INDICE DE EDUCAÇÃO IRLANDA ESPANHA GRECIA ITALIA PORTUGAL

0,963 0,874 0,861 0,856 0,739

Fonte: UNDP International Human Development Indicators. Elaboração própria

Tabela 3 – Índice de Gini – BRICKS

Tabela 4 – Índice de Educação – BRICKS

PAÍSES GINI

Países ìndice de Educação

AFRICA DO SUL 65 COREIA DO SUL 0,934

BRASIL 53,9 CHINA 0,837

INDIA 45 RUSSIA 0,784

RUSSIA 42 AFRICA DO SUL 0,705

CHINA 41,5 BRASIL 0,663 COREIA DO SUL 31 INDIA 0,45 Fonte: World Factbook Central Intelligence. Elaboração própria.

Fonte: UNDP International Human Development Indicators. Elaboração própria

E um olhar nos Estados Unidos isoladamente também permite

refletir:

Tabela 5 – Índices de Educação e GINI – Estados Unidos PAÍS INDICE DE EDUCAÇÃO GINI ESTADOS UNIDOS 0,939 45,0 Fonte UNDP International Human Development Indicators. Elaboração própria.

Considerando que os países lideres do Ranking Educação são

Noruega, com 0,985 e Austrália com 0,981, seus respectivo números dão a

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ideia de como a base já deve estar coberta e como os recursos canalizados nesses países com maior proximidade deles, em termos numéricos de educação, devam concentrar seus esforços em investimentos de pesquisa e tecnologia, se analisados como política de promoção de crescimento-desenvolvimento econômico.

Por outro lado, países como a Índia e Brasil podem e devem colher os efeitos nas duas frentes. Tem um horizonte a avançar na inclusão educacional, portanto com bom efeito sobre a renda e o consumo, e no nível superior devem urgentemente iinvestir em tecnologia, na medida que a base vai se aproximando do teto.

Olhando pela ótica da concentração de renda e das políticas de melhoria da competitividade de mão de obra, diga-se, educação e qualificação e considerando os índices de concentração, há um potencial de transferência ainda forte nesses países do BRICkS e isso pode ser traduzido genericamente em consumo e emprego.

Mas para isso é de fundamental importância, o aporte de recursos públicos. Ai começa outra dificuldade, o endividamento dos países. Os países do grupo PIIGs, quanto ao endividamento público, que se encontram na seguinte situação:

Tabela 6 – Relação Dívida/ PIB % - PIGs

Tabela 7 – Relação Dívida/ PIB % - BRICKS

PAÍSES DÍVIDA/PIB% PAÍSES DÍVIDA/PIB%

PORTUGAL 106,03 BRASIL 64,98

ITALIA 121,06 INDIA 62,43

IRLANDA 109,27 AFRICA DO SUL 36,06

GRECIA 165,56 COREIA DO SUL 32

ESPANHA 67,42 CHINA 26,88 Fonte: Fundo Monetário Internacional – World Economics Outlook Elaboração própria

RUSSIA

11,68

Fonte: Fundo Monetário Internacional – World Economics Outlook Elaboração própria

Como é possível perceber, justamente os países que mais precisam

incentivar o consumo são os que mais devem e precisam gerar superávits para conseguir aquecer a economia, num segundo momento. O problema é que eles necessitam alongar o perfil da dívida, trocando títulos de curto por títulos de longo prazo para terem folga de caixa para incentivar o consumo. Por outro lado, a Comunidade Européia cobra deles corte de gastos públicos (que é política recessiva), num primeiro momento. E são

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necessariamente os países emergentes aqueles que têm maior grau de liberdade para alterar seus gastos. Nem mesmo os EUA, como podemos perceber abaixo, tem essa possibilidade.

Tabela 8 – Relação Dívida/ PIB % - Estados Unidos PAÍSES DIVIDA/PIB % ESTADOS UNIDOS

100,04

Fonte: Fundo Monetário Internacional – World Economics Outlook. Elaboração própria.

Quanto mais cortes da despesa pública são feitos, mais o efeito

recessivo no curto prazo impacta sobre a receita pública devido à redução da arrecadação e por outro lado, mais as pessoas adiam o consumo face ao clima de incerteza. Se somarmos a esses complicadores, o problema da taxa de desemprego e da taxa de juros e inflação pode-se fechar o seguinte quadro:

Tabela 9 – Taxas de Desemprego, Inflação e Juros – PIIGS (%)

Tabela 10 – Taxas de Desemprego, Inflação e Juros – BRICKS (%)

Países Taxa de desem-prego

Inflação Taxa de juros

Países Taxa de desem-prego

Inflação Taxa de juros

Portugal 12,21 3,18 1,75 Brasil 12,21 3,18 1,75 Irlanda

14,3

1,34

1.75

Russia 14,3 1,34 1,75

Itália 8,2 2,61 1,75 India 8,2 2,61 5,5 Grécia 12,46 2,12 1,75 China 12,46 2,12 1,75 Espanha 20,7 1,99 1,75

Africa do Sul

20,7

1,99

1,75

Coreia do Sul

3,72

2,96

1,5

Fonte: Fundo Monetário Internacional – World Economics Outlook. Elaboração própria

Fonte: Fundo Monetário Internacional – World Economics Outlook . Elaboração própria

Quanto ao caso dos PIIGS, por serem os países mais endividados,

também apresentam situações de significativo desemprego. Por outro lado, os membros da Comunidade Européia não têm a liberdade de executar a política monetária. Diferente do Brasil, cujo grau de liberdade da taxa de juros está muito mais limitado ao grau de endividamento e pelo nível mais alto de inflação.

A situação americana também merece preocupação. Nos Estados Unidos o juro real já é negativo. Por um lado, os Estados Unidos é o país

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que está em quarto lugar no quesito índice de educação. Por outro lado, é um país com altíssimo investimento em tecnologia. Com juro negativo, embora não seja refém de um sistema monetário exógeno praticamente chegou ao teto. Poderá ser um dos caminhos possíveis, se o mercado não responder, em médio prazo, a criação de produtos intensivos em tecnologias direcionados para os países emergentes.

Tabela 11 – Taxas de Desemprego, Inflação e Juros – Estados Unidos (%) PAISES Taxa de

desem-prego

Inflação Taxa de juros

Estados Unidos

9,09% 2,99 0,5

Fonte: Fundo Monetário Internacional – World Economics Outlook. Elaboração própria.

Contudo, países como a Índia tem baixa inflação e endividamento,

podendo inclusive aquecer seu mercado sem grandes efeitos. Enfim, as relações das dificuldades macroeconômicas são complexas e desenvolver tecnologia permite melhorar a eficiência marginal do capital e influenciar as expectativas de longo prazo. Manter ajustes financeiros conjugados com variáveis que alterem as expectativas é fundamental para jogo tão importante.42

1.2. As questões simbólicas do consumir e o meio ambiente

Países que têm histórico de altos índices de Gini traduzem-se em

comunidades que foram alijadas por anos dos centros e dos produtos de consumo, operando na margem. Quando muito, suas populações mais pobres praticavam o efeito imitação para se diferenciarem43. Portanto, para os ingressantes nessas novas faixas de renda, ascender é consumir, afinal, os que os diferenciará dos outros que ainda não tiveram a felicidade de ascender é justamente o poder de consumir. Por outro lado, conforme o consultor Adalberto Viviane, em reportagem denominada “Gringa Gelada”44 elaborada pela jornalista Tatiana Freitas, “Com a Classe C consumindo as marcas líderes, as classes B e A, buscam diferenciação.”. O problema é que

42 Não incluímos as analises de Balanço de Pagamentos. Um complicador a mais que deixa a realidade complexa, ratificando a afirmação que esses tipos de análises quando feitos em conjunto, merecem ser considerados simplificações necessárias para elaborarmos análises. 43 Ribeiro, no livro Aspectos Econômicos da Onipotência (Annablume, 2011) explicita melhor essas relações simbólicas e esse efeito imitação, dentro do processo de bens posicionais. 44 Folha de São Paulo, 19 de fevereiro de 2012 .

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não são apenas as classes A e B que buscam diferenciação, mas sim todas as categorias.45

Assim, o fetichismo da mercadoria, pelo paradoxo de incluir-se para diferenciar e excluir-se (migrar para outra categoria superior) visando fugir do lugar comum, implica na produção de bens e serviços que, por sua vez, aumenta a pressão adicional sobre o meio ambiente.

Como manter os padrões de consumo se há, por um lado, a necessidade de consumir para diferenciar-se e por outro, desenvolver tecnologias limpas e poupadoras de recursos naturais?

No nosso entendimento, isso passa pela análise das características fetichistas do consumo e também quanto à criação de novas tecnologias.

Se de um lado, necessitamos aprofundar o conhecimento das relações de fetichismo da mercadoria para atuar no trato dessas compulsões de consumo, por outro lado, a criação de tecnologias mais limpas e economizadoras de recursos ambientais passa por desenvolver tecnologia e, por consequência, os Parques Tecnológicos, bens direcionados podem ser núcleos de pensamento e criação dessas tecnologias economizadoras de recursos naturais. Entender o fetiche da mercadoria e ao mesmo tempo trabalhar com economia de recursos ambientais se apresentam como dois elementos importantes para o futuro do planeta. O desenvolvimento de Parques Tecnológicos que sejam atuantes em pesquisa, passa a ter um papel significativo nesse novo jogo político que se apresenta.

2. A temática dos Parques Tecnológicos no Brasil, em São Paulo e em Sorocaba (SP)

A temática dos Parques Tecnológicos (PT) foi iniciada no Brasil pelo

CNPq na década de 80. Contudo, devido especialmente à falta de uma cultura inovadora, a temática deu origem às primeiras incubadoras de empresas. Retomado em 2000, a idéia dos Parques Tecnológicos é revigorada visando à promoção do desenvolvimento tecnológico, econômico e social, num novo período de estabilidade interna (Plano Real) e turbulência internacional, motivadas, dentre outros motivos, pela nova consciência do Governo Federal, das necessidades dos Governos Estaduais e Municipais desejando estimular suas regiões e do êxito de várias experiências internacionais, como Espanha, França, EUA, Coréia e Taiwan. Atualmente, no país, são cerca de 65 projetos de Parques Tecnológicos, consideradas as fases iniciais ou já em operação.

Segundo amplo estudo elaborado pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), em parceria com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e o

45 Para melhores esclarecimentos disso, ver Ribeiro, 2011.

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Sebrae, em 2007, denominado “Parques Tecnológicos no Brasil: Estudo, Análise e Proposições”, deve-se escolher no país, para receber recursos públicos e investimentos, 20 parques tecnológicos que possam atuar como centros de excelência nacional. Os demais parques deverão atuar em âmbito regional.

Apesar das dezenas de Parques Tecnológicos no Brasil, todos, sem exceção, segundo a pesquisa, estão longe do desempenho dos Parques Tecnológicos internacionais, pois ainda não dispõe de suficiente competência empresarial, científica e tecnológica para transformá-los em reais propulsores do desenvolvimento.

2.1. Dormindo com o Inimigo

Um parque tecnológico tem por conceito básico, o envolvimento da

indústria (iniciativa privada), das universidades, do governo com o objetivo de gerar inovação tecnológica e a partir disto, aplicar estas inovações às indústrias instaladas ou encubar outras. Dentre os primeiros parques do Estado de São Paulo estão os de Campinas, São Carlos, São José dos Campos, São Paulo. Referidas cidades tinham o histórico de um grande número de solicitações na FAPESP de projetos do tipo PITE46 e PIPE47, ou seja, um histórico de inovação tecnológica. Assim, se habilitaram a receber o parque, pois se encaixavam no modelo adotado, que foi a existência de um parque industrial na área, pessoas qualificadas para desenvolverem as idéias e trabalharem nesta indústria e capacidade de geração de ideiasinovadoras. Onde não tinha, o Governo tratou de investir no quefaltava, como, por exemplo, em São José dos Campos, onde foi aberta uma Faculdade de Tecnologia (FATEC) para formação de mão de obra qualificada.

A junção da iniciativa privada, poder público e universidades, num local propício à inovação, sem dúvida, permite uma sinergia melhor do que essas atividades dispersas. Mas é preciso atenção para que não se caia em armadilhas sutis.Absolutamente, não se pode confundir um Parque Tecnológico, na sua versão conceitual, como um grupo aglutinador de empresas e esquecer o principal elemento que é a “inovação tecnológica.”

Como apontava Schumpeter, o empresário que promove o desenvolvimento econômico é justamente o inovador, o que realiza a mudança (leia-se, destruição criativa). Cria novos processos ao mesmo tempo que tal criação, em muitos casos, dada a maior eficiência, deixa obsoletos outros (Schumpeter, p. 72).

46 Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica. 47 Pesquisa Inovativa na Pequena Empresa.

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Assim reunir empresas, poder público e universidades podem propiciar a inovação, mas não é inovação. Inovação será efetivamente dada pela capacidade desses agentes exercerem a criatividade.

2.2. O Parque Tecnológico de Sorocaba

Em meados de 2008 são dados os primeiros passos para a criação,

por parte da Prefeitura Municipal, do Parque Tecnológico de Sorocaba (PTS) num contexto mais amplo das políticas federais e, sobretudo, da política paulista de incentivo à inovação tecnológica, especialmente quanto ao “Sistema Paulista de Parques Tecnológicos” previsto na Lei Complementar (LC) n° 1.49, de 19 de junho de 2008 e demais decretos regulamentadores. Mencionada LC estabelece que as medidas de incentivo visam ...”alcançar a capacitação e o desenvolvimento industrial e tecnológico internacionalmente competitivo do Estado de São Paulo”... e foi regulamentada quando da publicação do Decreto n° 54.196, de 02 de abril de 2009.

Em Sorocaba tal ação se dá por meio da Lei Municipal n°8.599 de 16 de outubro de 2008, que, no Art. 1º, cria o Parque Tecnológico de Sorocaba (PTS) visando ...”criar condições favoráveis ao desenvolvimento sustentável do Município de Sorocaba”, A referida lei municipal n° 8.599/2008 regulou também sobre a localização do referido Parque, asseverando que o mesmo teria predominância do setor eletro-metal-mecânico. Tais setores de predominância foram suprimidos quando da edição da lei municipal n° 9.672, de 20 de julho de 2011, que dispôs sobre a Organização do Sistema de Inovação de Sorocaba e sobre medidas de incentivo à inovação tecnológica, à pesquisa científica e tecnológica, ao desenvolvimento tecnológico, à engenharia não-rotineira e à extensão tecnológica em ambiente produtivo, no Município de Sorocaba.

Assim, a criação do Parque Tecnológico de Sorocaba surge no contexto de duas grandes matrizes: o atual momento econômico que Sorocaba e região vivem, inclusive com as expectativas de crescimento econômico impulsionado pelo bom momento da construção civil, serviços e também pela confiança da vinda da Toyota Motors do Brasil (gerando algo em torno de 1.500 empregos diretos e quase 5 mil indiretos).

Intenta o Parque Tecnológico de Sorocaba desenvolver as bases de elevado grau internacional de competência empresarial, científica e tecnológica, uma vez que se vem planejando ações administrativas para sua instalação e operação.

Procura-se, através de reuniões frequentes, a convergência de propósitos das empresas, governos municipais, estadual e federal, além, da participação das instituições de pesquisa. Aqui cabe lembrar que o pessoal envolvido em fazer isto acontecer, seu entendimento e atuação será o ponto forte das atividades aí desenvolvidas, principalmente em se falando da alta

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criatividade existente no brasileiro, destaque reconhecido nos ambientes empresariais internacionais.

Destaque se deva dar às prioridades de recursos humanos, financeiros e para instalação do Parque Tecnológico de Sorocaba, no seu inicio de vida e, durante sua evolução que seja regado com os recursos necessários no momento certo. Desta forma a viabilização de recursos para operação e investimento em laboratórios será uma atitude positiva para o desenvolvimento tecnológico que se busca.

Sorocaba e região têm instituições universitárias com potencial capacidade a ser desenvolvida no âmbito da pesquisa. Mas é preciso mais. Senão vejamos:

Sorocaba, pela qualidade das suas instituições de ensino48 por sua vez, é uma cidade fornecedora de mão de obra para indústrias já consolidadas. No caso de Sorocaba ainda existe carência de trabalho intensivo na geração de ideias inovadoras e formação de mão de obra voltada à inovação.49

Um Parque Tecnológico não é um condomínio de empresas. Se observarmos o documento (termo de referência) sobre Parques Tecnológicos elaborado pela Prefeitura Municipal, o documento está muito mais focado em apresentar os benefícios potenciais às empresas e instituições de ensino que ali se instalarem (em especial as empresas) do que, um documento mais analítico sobre o processo de inovação como um todo e que dá sustentabilidade ao conceito de Parque Tecnológico.

Num primeiro momento, para maximizar recursos públicos e capital político transformado na capacidade de implementar, pode ser oportuno. Mas se a concepção da inovação não for a base estruturante dele, o resultado poderá ser frustrante.

Por outro há que se distribuir responsabilidades às instituições universitárias. Não é possível abdicar da capacidade de gerar excelentes quadros paras as empresas locais. Mas também haverá a necessidade de produzir pesquisa de maneira sistemática e sustentada50, que será o

48

A Faculdade de Tecnologia de Sorocaba está, por vários indicadores, entre as melhores do país. Além disso, temos a Unesp, Ufscar e duas Universidades Comunitárias, PUC e Uniso. Essas formam profissionais com qualidade para o mercado de trabalho. A taxa de empregabilidade do egresso da Fatec é de 92%. Apesar dessa tradição em formar pessoal qualificado, o processo de pesquisa na Fatec ainda é incipiente que, por sua própria história, busca agora desenvolver a mesma tradição de qualidade em pesquisa. As Comunitárias sempre se deparam com as restrições orçamentárias (inclusive de pessoal em tempo integral para desenvolver pesquisa) e as Universidades Públicas, seus campi ainda se consolidam no município. 49 Pelas limitações apontadas acima. 50 Estamos falando aqui pesquisa sustentada, desde que propicie recursos orçamentários, ambiente, condições materiais para produzir inovação (protótipos,

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amparo da produção de tecnologia de fato. Sem isso, poderá ser parque empresarial, centro de negócios, mas com certeza não será parque tecnológico digno desse nome.

Esses erros não podem passar despercebidos e devem a todo custo serem evitados por todas as lideranças que estão gerindo o processo.

3. Sorocaba e suas potencialidades para o desenvolvimento econômico e tecnológico 3.1. Sorocaba: informações econômicas, histórico-sociais e geográficas

A cidade de Sorocaba (SP), localizada no Estado de São Paulo, foi

fundada em 1654 pelo Bandeirante Baltazar Fernandes. Completou 357 anos em 15 de agosto de 2011. Possui uma área de 448,48 Km² e está a uma altitude de 601 metros, com coordenadas latitude 23º30'06" sul e longitude 47º27'29" oeste, distante 90 km da capital paulista.

O clima é subtropical, com ventos alísios sudoeste (considerados favoráveis). A média climatológica de chuvas entre 1998 e 2008 tomando por base os meses de janeiro foi de 226 mm, e temperatura no mesmo período entre 17,9 (mínima) e 27,3 (máxima), graus Celsius.

A história econômica e social de Sorocaba é marcada pelos ciclos do bandeirismo, tropeirismo, algodão e laranja (baixo impacto), expansão ferroviária e industrial (têxtil e metalúrgica). Cabe salientar que em Sorocaba nasceu a primeira metalúrgica da América Latina, a Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema.

Segundo o último Censo do IBGE de 2010, a população de Sorocaba atingiu 586.625 habitantes, sendo, ainda, importante sede de sua Região Administrativa, com 79 cidades bem como da Região de Governo, com 18 cidades.

Como sede da Região de Governo, Sorocaba tem ao seu entorno os seguintes municípios: Alumínio, Araçariguama, Araçoiaba da Serra, Ibiúna, Iperó, Itu, Jumirim, Mairinque, Piedade, Pilar do Sul, Porto Feliz, Salto, Salto de Pirapora, São Roque, Tapiraí, Tietê e Votorantim que, incluindo Sorocaba, apresenta os seguintes indicadores: • 1.451.252 habitantes; • PIB de R$ 31.858,01 milhões (2009); • PIB per capita de R$ 22.256,15 (2009); • 382.153 empregos, sendo 35,6% da indústria (2010); • 29.366 estabelecimentos, 11,9% da indústria (2010); • Rendimento médio do trabalho de R$ 1.476,50 (2010); • Exportações (FOB) de (+) US$ 1.895.058.928 (2010);

processos inovadores etc), pessoal capacitado e fontes de financiamento e crédito para que as ideias prosperem. Ou seja, a criação de um Parque Tecnológico envolve a participação de várias frentes de trabalho com recursos humanos mais variados.

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• Importações (FOB) de (-) US$ 2.953.215.854 (2010); • Déficit (FOB) de (-) 1.058.156.926 (2010); • Participação nas Exportações Paulistas: 3,335%

Os dados econômicos mais recentes de Sorocaba, extraídos da SEADE ajudam compreender melhor seu perfil:

a) PIB de Sorocaba em 2009 Tabela 12 – Sorocaba – Indicadores Econômicos PIB setor agropecuário: R$ 12.490 mil (0,11%) PIB setor industrial: R$ 4.558.140 mil (38,48%) PIB setor serviços: R$ 7.273.350 mil (61,41%) Impostos Líquidos s/produtos: R$ 2.338.980 mil (16,5%) PIB total (2009): R$ 14.182.610 mil (100%)

Fonte: SEADE. Nota:Elaboração própria b) PIB per capita de Sorocaba em 2009: R$ 24.604 c) Emprego total em Dezembro 2010: Tabela 13 – Sorocaba – Indicadores Econômicos Setor Qtde. % Setor no emprego Indústria: 58.394 33,07% Comércio: 39.980 22,65% Serviço: 67.510 38,24% Construção Civil: 10.181 5,77% Agropecuária: 486 0,28%

Fonte: SEADE.Nota: Elaboração própria d) Renda Média e Participação por setor em 2010: Tabela 14 – Sorocaba – Indicadores Econômicos Setor Renda Mensal (R$) Indústria: 2.447,87 Comércio: 1.191,59 Serviço: 1.619,32 Construção Civil: 1.281,31 Agropecuária: 703,25 TOTAL: 1.774,79

Fonte: SEADE.Nota: Elaboração própria

e) Número de Empresas e participação por setor em 2010:

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Tabela 15 – Sorocaba – Indicadores Econômicos Setor nº Empresas % Setor Comércio: 5.861 45,65 Serviço: 4.885 38,05 Indústria: 1.388 10,81 Construção Civil: 591 4,60 Agropecuária: 115 0,90 TOTAL: 12.840 100,00

Fonte: SEADE.Nota: Elaboração própria

f) Frota de Veículos em 2010: 324.708 veículos g) Comércio Exterior em 2010 e 2011: Tabela 16 – Sorocaba – Balança commercial em 2010 e 2011 2010 Exportações (+) US$ 1.269.354.927 Importações (-) US$ 2.190.465.685 Déficit (-) US$ 921.110.758 2011 Exportações (+) US$ 1.669.350.028 Importações (-) US$ 3.159.622.616 Déficit (-) US$ 1.490.272.588

Fonte: SEADE.Nota: Elaboração própria

h) Distribuição da Renda O índice de Gini de Sorocaba, segundo o Atlas de Desenvolvimento

Humano no Brasil é de 0,55 (2000).

i) Índice de Desenvolvimento Humano – (Índice de Educação) Sorocaba O índice de Desenvolvimento Humano Educação de Sorocaba,

segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano (PNUD) é de 0,858 (1991).

3.2. Sorocaba: impactos da Crise Mundial entre 2008 e 2010 Devido a representatividade do setor industrial (com 38,4% do PIB

e 33,07% do emprego em 2010), especialmente dos setores metal-mecânico, Sorocaba sentiu rapidamente os efeitos da crise econômica mundial no final de 2008, que se prolongou em 2009 para, em 2010, dar sinais de recuperação.

Os indicadores de emprego, PIB e comércio exterior comprovam os efeitos nocivos da crise mundial, com aumento significativo do desemprego, notadamente na indústria, queda do PIB e do comércio internacional.

Não foram mais intensos ou se prolongaram no tempo os impactos da crise em Sorocaba tendo em vista as ações de enfrentamento

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implementadas pelos Governos Federal e Estadual, bem como a consolidação de investimentos empresariais, sobretudo nos setores do comércio, serviços e mesmo da construção civil, que vinham em forte ritmo de expansão e compensaram a queda do setor industrial.

3.2.1. Evolução do Emprego Sorocaba havia terminado o ano de 2007 com 144.376 vínculos

empregatícios e iniciou 2008 em forte ritmo, chegando ao final do ano com 158.870 empregos ou crescimento acumulado de 10,04%.

Todavia, a Tabela 12 evidencia que o montante de empregos no final de 2009, com 159.524 empregados. Comparado com 2008, nota-se uma forte desaceleração do ritmo de 2007, ou crescimento de apenas 0,4%.

Tabela 17–Sorocaba–Evolução do Emprego entre 2008 e 2010

Sorocaba / Emprego por

Setor / Ano2008 2009

Evolução

2008/20092010

Evolução

2009/2010

Evolução

2008/2010

Construção Civil 9.557 9.429 -1,3% 10.181 8,0% 6,5%

Indústria 57.061 51.677 -9,4% 58.394 13,0% 2,3%

comércio 34.811 36.349 4,4% 39.980 10,0% 14,8%

Serviços 57.088 61.683 8,0% 67.510 9,4% 18,3%

Total 158.870 159.529 0,4% 176.551 10,7% 11,1%

comércio e serviços 91.899 98.032 6,7% 107.490 9,6% 17,0% Fonte: SEADE e CAGED. Elaboração própria

De modo mais agudo, a indústria desempregou severamente,

reduzindo em -9,4% os postos de trabalho, recuando de 57.061 (Dezembro de 2008) para 51.677 postos, ou –5.384 empregos. Mas há que se deduzir ainda -3.455 empregos extintos na indústria durante o mês de dezembro/2008 evidenciados pela FIPE/CAGED (FIPE)

Na verdade, com a crise, foram reduzidos -8.839 empregos somente no setor industrial de Sorocaba. Houve compensação no montante geral pelo crescimento dos setores do comércio e serviços que, juntos, cresceram 17% entre 2008 e 2010, equivalente a 15.501 novos empregos cuja média salarial, porém, é 30% inferior ao da indústria.

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3.2.2. Evolução do PIB Em 2006 o PIB de Sorocaba era de 10.161,7 milhões e se elevou

17,2% em 2007, atingindo R$ 11.913,7 milhões. As taxas de crescimento nominal anual do PIB desde 2003 estava acima de +15%, com exceção de +9,9% entre 2005/2006.

Embora se observe crescimento em 2008, para R$ 13.046,6 milhões ou +9,5%, o ano de 2009 terminou com um PIB de R$ 14.182,6 milhões, porém, com diminuição do ritmo de crescimento para +8,7%(SEADE, 2011)

3.2.3. Evolução do Comércio Exterior Sorocabano

Outro indicador do peso da crise sobre a economia empresarial de

Sorocaba pode ser medida pela significativa redução do comércio exterior, que estava em franco crescimento desde 2004 e recuou -40% entre 2008 e 2009, caindo de US$ 4,39 milhões para US$ 2,64 milhões conforme a Tabela 18 a evidencia.

Tabela 18 – Sorocaba – Evolução do Comércio Exterior entre 2004 e 2010

Ano Exportações Importações Saldo BC Volume Comércio Corrente

2004 491.471.508 566.215.427 -74.743.919 1.057.686.935

2005 813.596.472 791.723.578 21.872.894 1.605.320.050

2006 1.065.246.291 1.187.996.835 -122.750.544 2.253.243.126

2007 1.359.955.194 1.427.784.154 -67.828.960 2.787.739.348

2008 1.825.570.271 2.568.663.456 -743.093.185 4.394.233.727

2009 1.250.355.897 1.395.771.930 -145.416.033 2.646.127.827

2010 1.269.354.927 2.190.465.685 -921.110.758 3.459.820.612 Fonte: MDIC. : Elaboração própria

Como foi possível observar nessa subseção, Sorocaba tem um

parque industrial bastante sensível ao comércio exterior e, ao mesmo tempo, os setores comerciais e de serviços, apesar do crescimento inferior ao da indústria, tem sido sustentável.

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4. Considerações Finais Os dados demonstrados evidenciam que Sorocaba tem em seu perfil

industrial forte participação do setor metal-mecânico. Referidos bens são intensivos em tecnologia. Motivo que por si só justifica a intenção de estabelecer um Parque Tecnológico.

Por outro lado, as instituições de ensino sorocabanas tem formado pessoal preparado para os desafios do mercado de trabalho, mas não têm tradição de produção cientifica consolidada.

Entretanto, os documentos elaborados pelo Poder Municipal com referência ao Parque Tecnológico apresentam um portfólio de vantagens do porquê investir no PTS e, não necessariamente, uma política orgânica de produção de inovação51, Repetimos: um Parque Tecnológico não é um condomínio de empresas.

O índice de Gini (2000) de Sorocaba é bastante alto, 055. Por outro lado o índice de educação é 0,858 (1991) é mediano. Muito se fez pela educação ao longo desses anos. Assim há espaço para gerar bem-estar através de práticas educacionais uma vez que o índice gira em torno 0,9, porém com efeitos limitados conforme apontamos no inicio desse artigo.

Potencializar, desta maneira a inovação tecnológica, apresenta-se como o caminho mais viável para modificar as expectativas de empresário (portanto manter as condições ou melhorá-las) de geração de emprego e renda via eficiência marginal do capital dada pelas inovações tecnológicas e pelos novos produtos geradores de demanda.

Mas para isso, o Parque não poderá ser visto como um “condomínio de empresas”, mas como uma grande comunidade, uma população de empresários inovadores, pensando, criando e inovando, sustentavelmente e ludicamente.

Enfim, deverá ser uma “cidade” de empresários schumpeterianos, com maior densidade de criatividade possível por metro quadrado. Se não estivermos atentos a isso, poderemos ser vítimas de uma destruição criativa, veloz e impiedosa.

51 Estamos falando política orgânica a junção de todos os elementos humanos, materiais e legais. Há que se fazer a ressalva que existe a legislação de incentivo à inovação através da lei municipal n° 9.672, de 20 de julho de 2011, que dispôs sobre a Organização do Sistema de Inovação de Sorocaba e sobre medidas de incentivo à inovação tecnológica, mas o gerenciamento de um processo de inovação necessita de capilaridade e coordenação eficiente dos processos.

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RIBEIRO, Francisco Carlos. Aspectos Econômicos da Onipotência. São Paulo: Annablume, 2011

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DETERMINANTES DA PROBABILIDADE DE ADOÇÃO DE COMÉRCIO ELETRÔNICO NAS FIRMAS BRASILEIRAS*

Luis Claudio Kubota**

Resumo O presente estudo procurou identificar quais os determinantes da

probabilidade de adoção de comércio eletrônico nas firmas brasileiras, a partir de microdados da TIC Empresas 2010, do Comitê Gestor de Internet (CGI), e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego. Os resultados indicam que a proporção de usuários de internet nas firmas, o fato da empresa comprar por meio eletrônico e o setor de atividade são estatisticamente significativos para explicar a venda ou não pela internet. Por outro lado, o tamanho da firma, a renda média do trabalhador, a proporção de pessoas com acesso à internet, o fato da firma vender pela internet e o setor de atividade são estatisticamente significativos para explicar a decisão de comprar ou não pela internet.

1. Introdução

Com a emergência da internet, cresce a cada dia o comércio

eletrônico, no Brasil e no mundo. A implantação desse tipo de inovação propicia redução de custos de transação para as firmas, mas, por outro lado, exige que as empresas reorganizem sua logística e sua estrutura de tecnologia de informação, e possuam pessoal qualificado para atender a esse tipo de serviço.

Nos últimos anos, a difusão do uso da internet contribuiu de forma decisiva para mudanças organizacionais das firmas brasileiras, especialmente no que se refere aos aspectos relativos às transações comerciais entre empresas, que passaram a adotar de forma mais intensa o comércio eletrônico. O e-commerce é utilizado como estratégia para aumentar a produtividade das firmas, tanto por meio da diferenciação de seus serviços quanto pela redução dos custos.

O presente estudo procurar desenvolver uma avaliação dos determinantes da intensidade do e-commerce nas firmas brasileiras, tanto do ponto de vista das vendas, quanto das compras. As fontes de dados são a pesquisa TIC Empresas 2010, realizada pelo Comitê Gestor de Internet (CGI), e a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

* A elaboração deste artigo só foi possível devido à cooperação entre o Ipea e o Comitê Gestor de Internet (CGI). ** IPEA. O autor agradece o apoio estatístico de Calebe Figueiredo.

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Além desta introdução, o artigo está organizado da seguinte forma. A seção 2 traz uma revisão de literatura sobre comércio eletrônico. A seção 3 apresenta uma análise descritiva dos dados sobre comércio eletrônico da TIC Empresas 2010. A seção 4 traz os resultados do modelo econométrico. A seção 5 contém as conclusões e considerações finais do texto.

2. Revisão de literatura

Mendonça, Freitas e Souza (2008) apontam que as firmas brasileiras

do setor manufatureiro que adotam tecnologias da informação (TI) especialmente em sistemas de gerenciamento possuem trabalhadores aproximadamente 13% mais produtivos do que as firmas que não adotam esse tipo de tecnologia. Apesar de apontar a tendência ao aumento da produtividade do trabalho para as firmas brasileiras que adotam tecnologias de informação, os autores ressaltam que os retornos do investimento nesse tipo de tecnologia para países desenvolvidos são maiores do que os observados para os países em desenvolvimento, o que pode indicar que os ganhos em termos de produtividade para o Brasil, ainda que sejam positivos, são menores do que os observados para os países centrais.

Entretanto, comparativamente a outros países em desenvolvimento, a indústria brasileira apresenta resultados melhores em termos de produtividade com a adoção de tecnologias da informação e comunicação (TICs) do que a indústria indiana, segundo estudo divulgado por Basant, Commander, Harrison e Menezes-Filho (2006). Para esses autores, a adoção das tecnologias de informação no Brasil é mais intensiva e os retornos maiores devido ao fato de que o emprego das TICs está associado ao maior grau de educação dos trabalhadores desse país. O grau de educação dos trabalhadores brasileiros está relacionado ao conhecimento de operação dessas ferramentas, permitindo reestruturações gerenciais das empresas com a redução das hierarquias dentro das firmas, o que pode influenciar positivamente na agilidade da tomada de decisões e aumento da eficiência em processos gerenciais internos.

Pode-se salientar dos resultados apresentados que a adoção de TICs ocorre mais intensamente em firmas maiores e que os retornos desse investimento são maiores quando os trabalhadores têm mais conhecimento sobre o uso dessa tecnologia, elevando a eficiência de seu uso, o que se deve também observar para o setor de serviços.

Apesar de carência de estudos sobre o impacto das tecnologias de informação e comunicação, e especialmente sobre o comércio eletrônico, no Brasil, existem investigações no exterior que traçam relação entre a adoção do comércio eletrônico e o aumento da produtividade. Para a Austrália, em Dunt e Harper (2002), são apresentadas evidências de que existe uma relação positiva entre a produtividade no setor de serviços e o emprego das TICs na década de 1990.

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Para Lucking-Reiley e Spulber (2001), as transações comerciais entre empresas – business-to-business - por meio do comércio eletrônico inovam justamente porque reduzem o custo dos contratos durante e após a operação, já que a transferência de dados ocorre por meio eletrônico reduzindo os dispêndios com pessoal de escritório para a realização de contratos de papel, processo que normalmente envolve erros. Antes da operação, a tecnologia de internet pode diminuir o custo da pesquisa por fornecedores ou compradores e tomada de preço e comparação de produtos.

A partir desse argumento, pode-se supor que a redução do custo do trabalho, em função da automatização das transações comerciais, reduz a participação do trabalho em termos de custo como fator de produção dessas firmas, aumentando a produtividade do trabalho nesses casos. Essa hipótese foi defendida tanto no trabalho de Bertschek, Fryges e Kayser (2004) quanto por Lucking-Reiley e Spulber (2001), que não rejeitam a hipótese de que a adoção do comércio eletrônico entre empresas afeta positivamente a produtividade do trabalho destas.

Os primeiros ainda defendem que a produtividade do trabalho e o comércio eletrônico são variáveis correlacionadas, posto que as firmas cujas produtividades são maiores têm maior probabilidade de se utilizarem de algum tipo de nova aplicação em tecnologia da informação (como o comércio eletrônico), elevando ainda mais seus níveis de produtividade do trabalho. Portanto, pode-se entender que essas variáveis se influenciam mutuamente.

Não se deve esquecer, entrementes, que o comércio eletrônico não afasta o risco de comportamentos oportunistas e, conseqüentemente, a elaboração de contratos pode constituir uma atividade complexa e que exige freqüentes reformulações. Desta forma, a utilização do comércio eletrônico pode não reduzir o custo de manutenção e cumprimento de contratos, inclusive no que tange aos litígios. No entanto, o crescimento do comércio eletrônico contribui para a expansão de mercados geográficos, o que reduz os custos na troca de fornecedores e clientes, o que pode ser um fator para a redução dos comportamentos oportunistas e, conseqüentemente, redução dos custos de estabelecimento, manutenção e cumprimento de contratos (MADDEN e COBLE-NEAL, 2002).

Além do mais, existem outros efeitos indiretos e estratégicos decorrentes da adoção do comércio eletrônico. Segundo Sellers-Rubio e Mas-Ruiz (2005), um benefício indireto gerado por este tipo de comércio é a melhora da eficiência da organização interna das firmas e mudanças nos relacionamentos entre consumidores e produtores, enquanto um ganho em termos de estratégia deriva da rápida geração de informações, que facilitaria a criação de laços mais estreitos entre compradores e vendedores.

Para esses autores, a implantação dessas novas tecnologias não somente alteram a estrutura de produção das empresas como também

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influenciam no estilo de governança das mesmas, aumentando a eficiência da tomada de decisão pelas firmas. Com um comportamento mais competitivo, as firmas passam a desenvolver mais produtos e serviços, a executar mais operações em tempo real e gerenciar de forma mais eficiente sua estrutura de custo, promovendo o aumento da produtividade.

Ainda, pode-se afirmar que a influência do comércio eletrônico e da adoção de infra-estrutura de tecnologia da informação transcende o aumento da produtividade, já que modifica a estrutura do ambiente de competição entre as empresas e o comportamento social, modificando os hábitos de consumo na sociedade.

Não obstante, a adoção do comércio eletrônico entre empresas implica o aumento do investimento destas em virtude da implantação de novas tecnologias da informação para a criação de plataformas de comércio na internet. O investimento das empresas para a aquisição de hardware e na manutenção de um sistema de transferência de dados que permita às empresas estarem ativas no comércio eletrônico traduz-se no aumento dos custos fixos das firmas em termos de capital, elevando a participação desse fator de produção.

Sabendo-se que o investimento em tecnologias de informação pelas empresas acompanha o aumento do custo de produção destas em termos de capital, pode-se conjecturar que as empresas não adotam essas tecnologias somente porque têm como objetivo reduzir custos também podem se valem do comércio eletrônico para diferenciar seus produtos e serviços a fim de elevar o preço de mercado destes e/ou ampliar sua parcela de mercado pela criação de demanda agregada.

Em Haugland, Myrtveit e Nygaard (2008), o aumento da produtividade para o setor hoteleiro em função da estratégia de venda orientada para o mercado deve-se à orientação dos competidores para os preços praticados pelos líderes de mercado, o que implica na utilização de uma estratégia de interação conjunta entre os competidores que possuem conhecimento da tecnologia e das práticas de mercado empregadas pelas empresas líderes. Ao adotarem as mesmas práticas dos concorrentes que lideram o mercado, as empresas desse setor têm como objetivo aumentar sua participação no mercado.

Nessa análise, a decisão das firmas em adotarem o comércio eletrônico integra uma estratégia de interação conjunta entre as empresas cuja intenção não é apenas promover o aumento da produtividade, mas sim, elevar o comércio. Belleflamme (2001) defende que esse posicionamento das firmas pode ocasionar um fenômeno denominado ‘paradoxo produtivo’ em que o massivo crescimento do investimento em TI não leva o aumento geral da produtividade dos fatores de produção.

Esse autor traz evidências em seu estudo de que a maior parte das firmas adota tecnologias de informação com o intuito de diferenciarem seus

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produtos, sem considerarem se estes investimentos tornarão sua produção mais eficiente, ou seja, se estes reduzirão seus custos de produção.

Se a adoção de comércio eletrônico não visa à redução de custos primeiramente, pode-se afirmar, não obstante, que o contrário pode ocorrer. Conforme Wen (2004), a probabilidade de o comércio eletrônico ser adotado será maior na medida em que ocorrer redução do custo fixo para a criação e manutenção desse tipo comércio e aumento da eficiência da operação por unidade de comércio eletrônico.

A redução dos custos fixos para a implantação do comércio eletrônico deve-se ao desenvolvimento tecnológico do setor de tecnologia de informação e produção em larga escala a preços mais baixos dessas tecnologias empregadas na criação e manutenção desse tipo de comércio. O emprego do comércio eletrônico aumenta a eficiência das operações comerciais e a redução dos custos unitários das transações comerciais, o que pode provocar o aumento da produtividade dos setores que se utilizam dele, contrariando a proposta de Belleflamme (2001) e Casler e Gallatin (1997).

O estudo de Kubota e Milani (2011) utiliza uma metodologia econométrica que procurar contemplar os possíveis impactos de endogeneidade e viés de seleção. Ou seja, procura controlar o possível viés causado pelo fato de que a escolha das firmas adotarem ou não o e-commerce pode ser influenciado pela sua própria produtividade. A pesquisa utiliza microdados da Pesquisa Anual de Comércio 2007, do IBGE. A metodologia foi utilizada por Bertschek, Fryges e Kaiser (2004) para avaliar o impacto de comércio eletrônico entre firmas (business-to-business) na produtividade de empresas industriais e de serviços alemãs.

3. Análise da metodologia e dos dados de comércio eletrônico na TIC Empresas 2010

A pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e

comunicação no Brasil (TIC Empresas 2010) abrange todo território nacional e contempla os seguintes temas: informações gerais sobre os sistemas TIC, uso de internet, governo eletrônico, segurança na rede, comércio eletrônico e habilidades no uso das TICs (CGI, 2011).

A pesquisa utiliza padrões metodológicos propostos no manual da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), pelo Instituto das Estatísticas da Comissão Europeia (Eurostat) e pela Partnership on Measuring ICT for Development (CGI, 2011).

As entrevistas são realizadas por telefone, buscando-se entrevistar o responsável pela área de informática, tecnologia da informação ou equivalente. Nas empresas de grande porte (250 ou mais funcionários),

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optou-se por entrevistar um segundo respondente, a quem cabiam exclusivamente respostas sobre comércio eletrônico, governo eletrônico e algumas alternativas ao indicador das atividades realizadas na internet (CGI, 2011).

A pesquisa utilizou informações da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego, como cadastro base para o desenho da amostra. O universo da pesquisa são as firmas brasileiras com 10 ou mais funcionários cadastrados e que pertençam aos seguintes setores de atuação: indústria de transformação; construção; comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas; transporte, armazenagem e correio; alojamento e alimentação; informação e comunicação; atividades imobiliárias; atividades profissionais, científicas e técnicas; atividades administrativas e serviços complementares; artes, cultura, esporte e recreação; outras atividades de serviços (CGI, 2011).

O universo da TIC empresas é composto por 354 mil firmas. A técnica utilizada na seleção de firmas foi a amostragem estratificada não proporcional. O desenho da amostra utilizou estratificação com alocação desproporcional pelas seguintes variáveis: mercado de atuação, região e porte. Como existem estratos muito pequenos, fez-se necessário a coleta de um número maior de empresas, o que produz uma amostra desproporcional. Dessa forma, é importante que sejam aplicados procedimentos de ponderação, o que faz com que o perfil da amostra (percentual de empresas em cada célula – região x porte x setor) tenha a mesma distribuição do universo considerado no estudo (CGI, 2011). As tabelas 1 e 2 apresentam as estatísticas descritivas para o uso de comércio eletrônico pelas firmas brasileiras.

Na Tabela 1, pode-se constatar que há uma proporção menor de firmas de até 49 funcionários que vendem pela internet (35%), comparando-se com as maiores (39%). Do ponto de vista regional, a região Sul apresenta o maior percentual de usuárias (39%), seguido das regiões Sudeste (36%), Centro-Oeste (35%), Norte (33%) e Nordeste (31%). É possível observar também que o setor que tem maior proporção de firmas vendendo pela internet é a indústria de transformação, com 48%.

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Tabela 1 – Proporção de firmas realizando vendas pela internet 2010 (%)*

Sim Não

Não sabe/ Não respondeu

Faixa de pessoal ocupado

10-49 35 64 1

50-249 39 60 1

250+ 39 56 5

Região

Norte 33 65 3

Nordeste 31 67 1

Sudeste 36 63 1

Sul 39 61 1

Centro-Oeste 35 64 1

Setor

Indústria de Transformação 48 50 1

Construção 28 72 -

Comércio; reparação de veículos e motocicletas 35 64 1

Transporte, Armazenagem e Correio 32 68 -

Alojamento e Alimentação 24 75 1 Atividades imobiliárias; atividades profissionais, científicas e técnicas; atividades administrativas e serviços complementares 31 67 1 Informação e comunicação; artes, cultura, esporte e recreação; outras atividades de serviços 25 73 2

Total 36 63 1 Fonte: TIC Empresas 2010 (CGI. 2011, p. 541). *Firmas com 10 ou mais funcionários com acesso à internet, por faixa de pessoal ocupado, região e setor

Já no que diz respeito às firmas que compram pela internet, é

possível observar na Tabela 2 que o maior percentual de usuárias (64%) se encontra na faixa de 50 a 249 pessoas ocupadas. Do ponto de vista regional, as regiões Norte e Sudeste apresentam o maior percentual de usuárias (56%), seguido das regiões Nordeste e Centro-Oeste (54%) e Sul

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(52%). É possível observar também que os setores que têm maior proporção de firmas comprando pela internet são a indústria de transformação e atividades imobiliárias, profissionais e administrativas, com 60%. As proporções são de ordem de grandeza superior às observadas na Tabela 1, ou seja, o uso de compras pela internet é mais difundido do que as compras pela rede.

Tabela 2 – Proporção de firmas realizando compras pela internet 2010* (%)

Sim Não

Não sabe/ Não respondeu

Faixa de pessoal ocupado

10-49 53 46 1

50-249 64 35 2

250+ 62 32 6

Região

Norte 56 41 3

Nordeste 54 44 1

Sudeste 56 42 2

Sul 52 47 -

Centro-Oeste 54 44 2

Setor

Indústria de Transformação 60 40 1

Construção 55 43 2

Comércio; reparação de veículos e motocicletas 54 45 1

Transporte, Armazenagem e Correio 48 52 -

Alojamento e Alimentação 48 51 1 Atividades imobiliárias; atividades profissionais, científicas e técnicas; atividades administrativas e serviços complementares 60 37 2 Informação e comunicação; artes, cultura, esporte e recreação; outras atividades de serviços 51 47 3

Total 55 44 1 Fonte: TIC Empresas 2010 (CGI. 2011, p. 539). * Firmas com 10 ou mais funcionários com acesso à internet, por faixa de pessoal ocupado, região e setor

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4. Modelos econométricos A primeira pergunta que o estudo procura responder é: “Quais os

determinantes da probabilidade das firmas venderem ou não pela internet?”. De forma a responder esta pergunta propõe-se o seguinte modelo Logit:

Pr(γ=1|X)= Λ (X’β)=1/1+e-(X’β) Onde:

γ=1 se vendeu pela internet|−ει<X’β ou γ=0 se não vendeu pela internet|−ει>=X’β e X’β=β0+ β1Lpoi + β2Lescoli + β3Lrendai + β4Empinti + β5Comprai + β6Regiaoi + β6Cnaei

Tal que:

Quadro 1. Descrição das variáveis Variável Descrição Ecom Variável dummy para venda ou não pela internet Lpo Ln número de empregados (Rais 2010) Lescol Ln anos de estudo dos empregados das firmas (Rais

2010) Lrenda Ln renda média do trabalhador (Rais 2010) Empint Proporção de funcionários com acesso à internet Compra Variável dummy para compra ou não pela internet regiao Variável dummy para a região do país cnae Variável dummy para setor

Conforme informado na seção 3, a pesquisa TIC Empresas 2010

utiliza uma amostragem estratificada não proporcional. Por isso, a estimação de modelos que têm como pressuposto amostras aleatórias resultaria em resultados viesados. Para contornar este problema, utilizou-se o comando PROC SURVEYLOGISTIC do SAS, com a declaração das variáveis utilizadas na estratificação, tanto no modelo 1, quanto no modelo 2. As variáveis Lpo, Lescol e Lrenda foram obtidas a partir do cruzamento com a Rais 2010. As Tabelas 3 e 4 apresentam estatísticas do modelo 1, que trata das vendas pela internet.

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Tabela 3. Estatísticas de Fit do Modelo 1

Critério Apenas

Intercepto

Intercepto e

Covariates

AIC 397933,36 309829,38

SC 397939,80 312693,01

-2 Log L 397931,36 308939,38

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da TIC Empresas 2010 (CGI) e da Rais 2010.

Tabela 4. Teste Global Hipótese Nula: BETA=0 Modelo 1

Teste Qui Quadrado GL Sig.

Likelihood Ratio 88991,9844 444 <,0001

Score 76786,6980 444 <,0001

Wald 519,4829 444 0,0077

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da TIC Empresas 2010 (CGI) e da Rais 2010.

Na Tabela 5, é possível observar que apenas as variáveis Empint,

Compra e Cnae são significativas a 5%. Tabela 5. Análise de efeitos Tipo 3 Modelo 1

Efeito GL Wald

Qui Quadrado Sig.

Lpo 1 0,3165 0,5737

Lescol 1 2,9285 0,0870

Lrenda 1 0,3069 0,5796

Empint 1 5,2119 0,0224

Compra 1 180,4819 <,0001

regiao 4 7,6286 0,1062

cnae 6 320,8783 <,0001

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da TIC Empresas 2010 (CGI) e da Rais 2010.

Na Tabela 6, é possível observar esse resultado em maior detalhe. A

proporção de usuários de internet na empresa tem uma relação positiva com a probabilidade da firma vender pela internet, o que seria de se esperar. As firmas que não compram pela internet têm menor probabilidade de venderem pela internet, o que também é esperado. Como a cnae tem dezenas de possibilidades, a apresentação de seus resultados foram omitidos, mas a variável como um todo é significativa. Não há relação

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estatisticamente significativa entre o tamanho da firma, a escolaridade da mão de obra, a remuneração da mão de obra e as regiões. Tabela 6. Análise dos estimadores de máxima verossimilhança Modelo 1

Análise dos estimadores de máxima verossimilhança

Parâmetro GL Estimativa Erro

padrão

Wald Qui

Quadrado Sig.

Intercepto 1 18,1191 0 , ,

Lpo 1 -0,0240 0,0427 0,3165 0,5737

Lescol 1 -0,4320 0,2524 2,9285 0,0870

Lrenda 1 -0,0730 0,1317 0,3069 0,5796

Empint 1 0,3645 0,1597 5,2119 0,0224

Compra 0 1 -1,2627 0,0940 180,4819 <,0001

Norte 1 1 -0,1730 0,1749 0,9793 0,3224

Nordeste 2 1 -0,2414 0,1759 1,8837 0,1699

Sudeste 3 1 0,0598 0,1422 0,1769 0,6741

Sul 4 1 0,1051 0,1598 0,4328 0,5106

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da TIC Empresas 2010 (CGI) e da Rais 2010.

A segunda pergunta que o estudo procura responder é: “Quais os

determinantes da probabilidade das firmas comprarem ou não pela internet?”. De forma a responder esta pergunta propõe-se o seguinte modelo Logit: Pr(γ=1|X)= Λ (X’β)=1/1+e-(X’β) Onde:

γ=1 se comprou pela internet|−ει<X’β ou γ=0 se não comprou pela internet|−ει>=X’β e X’β=β0+ β1Lpoi + β2Lescoli + β3Lrendai + β4Empinti + β5Ecomi + β6Regiaoi + β6Cnaei

As Tabelas 7 e 8 apresentam estatísticas do modelo.

Tabela 7. Estatísticas de Fit do Modelo 2

Critério Apenas

Intercepto

Intercepto e

Covariates

AIC 416429,60 334016,83

SC 416436,03 336880,46

-2 Log L 416427,60 333126,83

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da TIC Empresas 2010 (CGI) e da Rais 2010.

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Tabela 8. Teste Global Hipótese Nula: BETA=0 Modelo 2

Teste Qui Quadrado GL Sig.

Likelihood Ratio 83300,7624 444 <,0001

Score 69846,9159 444 <,0001

Wald 609,4582 444 <,0001

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da TIC Empresas 2010 (CGI) e da Rais 2010.

Os resultados da Tabela 9 indicam que apenas as variáveis Lescol e regiao não são significativas a 5%.

Tabela 9. Análise de efeitos Tipo 3 Modelo 2

Efeito GL Wald

Qui quadrado Sig.

Lpo 1 7,1159 0,0076

Lescol 1 2,7703 0,0960

Lrenda 1 14,3022 0,0002

Empint 1 34,1107 <,0001

Ecom 1 176,7634 <,0001

regiao 4 8,2915 0,0815

cnae 6 357,0352 <,0001

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da TIC Empresas 2010 (CGI) e da Rais 2010.

Na Tabela 10 é possível observá-los em maior nível de detalhe.

Tabela 10. Análise dos estimadores de máxima verossimilhança Modelo 2

Paâmetro GL Estimativa Erro Padrão

Wald Chi-Square Sig.

Intercepto 1 11,9985 39,7309 0,0912 0,7627

Lpo 1 0,1210 0,0454 7,1159 0,0076

Lescol 1 0,4013 0,2411 2,7703 0,0960

Lrenda 1 0,4979 0,1317 14,3022 0,0002

Empint 1 0,9467 0,1621 34,1107 <,0001

Ecom 0 1 -1,2454 0,0937 176,7634 <,0001

Norte 1 1 0,1860 0,1964 0,8964 0,3437

Nordeste 2 1 0,1045 0,1721 0,3686 0,5438

Sudeste 3 1 0,0148 0,1405 0,0111 0,9160

Sul 4 1 -0,2217 0,1561 2,0186 0,1554

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da TIC Empresas 2010 (CGI) e da Rais 2010.

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5. Conclusões e considerações finais

O presente estudo procurou identificar quais os determinantes da

probabilidade de adoção de comércio eletrônico nas firmas brasileiras, a partir de microdados da TIC Empresas 2010, do Comitê Gestor de Internet (CGI), e da Rais, do MTE. Os resultados indicam que a proporção de usuários de internet nas firmas, o fato da empresa comprar por meio eletrônico e o setor de atividade são estatisticamente significativos para explicar a venda ou não pela internet. Por outro lado, quando se consideram as compras pela internet, o tamanho da firma, a renda média do trabalhador, a proporção de pessoas com acesso à internet, o fato da firma vender pela internet e o setor de atividade são estatisticamente significativos para explicar a decisão de comprar ou não pela internet.

Resultados de pesquisa anterior (Kubota e Milani, 2011) indicam que a adoção de vendas pela internet aumenta a produtividade do trabalho das firmas comerciais brasileiras que adotam aquela modalidade de comércio. No presente estudo, não foi possível efetuar uma análise semelhante, tendo em vista que não estava disponível uma proxy para a intensidade do uso de capital. Do ponto de vista metodológico, merece destaque o fato de que o estudo utilizou uma metodologia que considera o desenho amostral da pesquisa, que evitou o cálculo equivocado de estatísticas com o uso de algoritmos padrão que consideram amostras aleatórias.

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O MODELO DOS PARADIGMAS TECNOECONÔMICOS (PTEs) DE CARLOTA PÉREZ: UMA INTERPRETAÇÃO PARA AS CRISES DO

CAPITALISMO João Batista Pamplona *

Juliana Nakamura de Freitas**

INTRODUÇÃO

O colapso financeiro de 2008 produziu e está produzindo conseqüências significativas. No campo do pensamento econômico colocou em evidência as interpretações heterodoxas – nos últimos 25 anos sufocadas, ofuscadas e desqualificadas pela hegemonia do mainstream neoclássico. A defesa do automatismo e do equilíbrio maximizador dos mercados ficou frágil diante das conseqüências da derrocada financeira. O prosseguimento da crise nos anos seguintes – 2009, 2010, 2011 – revigorou a importância das correntes do pensamento econômico que identificam o capitalismo como um modo de produção essencialmente instável, susceptível a crises endógenas recorrentes, que necessita de regulação do Estado para assegurar uma trajetória de desenvolvimento econômico. Não só o keynesianismo tem tido seu prestígio aumentado, como também outras correntes alternativas ao mainstream, a exemplo dos evolucionistas ou neoschumpeterianos.

Como representante destacada da Economia Evolucionária, Carlota Pérez52 elaborou um arcabouço teórico denominado “modelo dos paradigmas tecnoeconômicos (PTEs)”, que procura explicar os ciclos e estágios do desenvolvimento capitalista descrevendo e interpretando o processo mediante o qual a economia e a sociedade – incluindo suas instituições – assimilam cada grande mudança tecnológica. Para cada revolução tecnológica, há um processo correspondente de difusão e assimilação das novas tecnologias, designado por Pérez como “grande onda de desenvolvimento”.

Cada uma das grandes ondas de desenvolvimento apresenta características específicas, mas também – e principalmente – padrões que se repetem. No modelo de Pérez, as bolhas financeiras – com seus

* Professor do Departamento de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Economia Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC – SP). ** Economista graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC – SP). 52 Carlota Pérez nasceu na Venezuela, em 1939. É graduada em Ciências Sociais Interdisciplinares pela San Francisco State University nos Estados Unidos e pela University of Paris VII na França. Pérez é pesquisadora, conferencista e consultora internacional. Atualmente, é professora de Tecnologia e Desenvolvimento na Tallinn University of Technology (Estônia), pesquisadora associada e professora visitante da Universidade de Cambridge (Reino Unido) e professora honorária na Universidade de Sussex (Reino Unido) (PÉREZ, 2009b).

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episódios de boom e estouro (as crises) – são fenômenos endógenos à forma como a economia de mercado cria e assimila as sucessivas revoluções tecnológicas. As crises não são fruto de algo exógeno – alguma perturbação do mecanismo de mercado causada por fatores alheios ao mercado –, mas sim são próprias, inerentes, ao funcionamento da economia capitalista.

Distanciando-se da ortodoxia econômica, Pérez constrói seu arcabouço teórico por meio de uma narrativa interdisciplinar e sistêmica, na qual a análise da tecnologia, dos fenômenos econômicos, como as crises financeiras, e das instituições se dá por meio da constituição de uma estrutura histórica baseada na idéia de recorrência. Nas palavras da autora, sua estratégia metodológica pode ser assim resumida: “o tipo de modelo resultante se baseia na idéia de que é possível encontrar regularidades dinâmicas e seqüenciais das mudanças recorrentes no funcionamento interno do sistema capitalista” (PÉREZ, 2004a, p. 203, grifo e tradução nossos).

Nosso objetivo nesse artigo é apresentar o modelo explicativo de Carlota Pérez para o desenvolvimento do capitalismo industrial e por meio dele identificar causas, natureza e consequências das principais crises financeiras da atual etapa capitalista, ou seja, da 5ª Grande Onda de Desenvolvimento, também denominada Era das TICs (tecnologias da informação e comunicação).

Para lograr esse objetivo, nosso procedimento de pesquisa consiste na revisão dos principais, e recentes, trabalhos publicados de Carlota Pérez. Cabe destacar que suas principais publicações estão em língua inglesa e espanhola. Não há nenhum trabalho relevante e recente da autora publicado em português 53.

A estrutura desse artigo está composta das seguintes partes, além dessa introdução e da conclusão: o item 1 que aborda as origens do pensamento de Carlota Pérez, ou seja, aponta os autores que marcaram sua trajetória científica; o item 2 que apresenta as características gerais do modelo explicativo desenvolvido pela autora; o item 3 que analisa sucintamente cada uma das cinco grandes ondas de desenvolvimento, destacando as causas, natureza e conseqüências da bolha financeira dupla que caracteriza a era capitalista atual.

53

É interessante assinalar que sua principal obra “Technological Revolutions and Financial Capital” está traduzida para o espanhol, o coreano, o chinês e recentemente para o russo.

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1. A ORIGEM DO MODELO: OS CICLOS DE KONDRATIEV, A TEORIA DE SCHUMPETER E DOS NEO-SCHUMPETERIANOS

Carlota Pérez elaborou um modelo explicativo para a evolução do

capitalismo industrial. A estrutura teórica erguida pela autora funde, segundo Drechsler, Kattel e Reinert (2009, p.3), duas diferentes escolas do pensamento econômico em algo de fato original. De um lado, essa estrutura surge da teoria das crises e ciclos do século XIX que culmina nos trabalhos de Kondratiev54 sobre ondas longas de desenvolvimento econômico. De outro lado, tal estrutura está fortemente enraizada no pensamento schumpeteriano e neoschumpeteriano ou, em outras palavras, na pesquisa evolucionária sobre inovação, trajetória tecnológica e destruição criativa associada aos nomes de Joseph Schumpeter e de seus seguidores Richard Nelson, Sidney Winter, Giovanni Dosi e Chris Freeman.

Para melhor compreender as origens do arcabouço teórico de C. Pérez, é relevante retomar algumas contribuições dos trabalhos de Joseph Schumpeter e dos neoschumpeterianos antes citados, e fazer também uma brevíssima apresentação da teoria dos ciclos de Kondratiev.

De acordo com a teoria de Kondratiev, os ciclos longos constituem um fator essencial para o desenvolvimento econômico, tendo seus efeitos disseminados pela esfera econômica e social. Mesmo que a dinâmica da economia capitalista não se resuma a flutuações, o curso da atividade econômica representa um processo de desenvolvimento, o qual é dado por meio da propagação de ondas de longo prazo geradas por forças inerentes à essência da economia capitalista (KONDRATIEV; STOLPER, 1935, p.115).

Este comportamento do sistema capitalista é favorável às inovações tecnológicas que surgem como variáveis dependentes das forças que ditam o desenvolvimento da economia. Além do progresso técnico, para Kondratiev, muitos fenômenos econômicos e sociais – como guerras e ascensão de novos países à economia mercantil – são endogenamente condicionados. Assim, conclui-se que o pensamento de Kondratiev, apesar de considerar o progresso técnico importante para o desenvolvimento capitalista, o toma como resposta às forças internas do capitalismo (FRISCHTAK; ROSENBERG, 1983, p.679).

De acordo com Joseph Schumpeter (1883-1950), uma economia estacionária sofre um processo circular em que reproduz a si mesma sem mudanças substanciais em cada período de tempo. No entanto, a economia capitalista é dinâmica em sua essência e seu estado natural é a constante

54 O russo Nikolai Kondratiev (1892-1938) publicou, em 1925, Voprosy Kon'iunktur (“Os Principais Ciclos Econômicos”), traduzido para o inglês em 1979 com o seguinte título: The long waves in economic life (STOLPER, 1984, p.1649).

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transformação. A ruptura desse sistema é causada pela introdução de grandes inovações55 que surgem de forma espontânea e descontínua e que se disseminam na forma de ondas e revolucionam a estrutura econômica com novos produtos, processos produtivos, mercados, fontes de matéria-prima e novas formas organizacionais (CRUZ, 1988, p. 434).

Na ruptura do fluxo circular a economia entra em desequilíbrio e se inicia a destruição criadora. Este processo consiste na transformação da estrutura econômica, gerada pela introdução de grandes inovações, na qual a mutação industrial incessantemente destrói a forma de produção anterior iniciando crises – quebra de firmas industriais, comerciais e do setor financeiro – e constrói a nova forma de produção com um núcleo tecnológico distinto (CRUZ, 1988, p. 443). Este processo, apesar de desequilibrar o sistema, é fundamental para o desenvolvimento e evolução 56 do capitalismo.

De acordo com Schumpeter, as transformações do processo econômico decorrentes das inovações, também são caracterizadas por todos os efeitos dessas inovações, assim como pelas respostas que o sistema econômico dá a tais inovações. Os ciclos schumpeterianos são configurados pelo processo iniciado durante o equilíbrio do sistema econômico, quando os agentes operam de forma rotineira seguindo os padrões da economia. Este equilíbrio é interrompido pelo surgimento de uma grande inovação, que inicialmente é adotada por uma minoria de empreendedores. Após a competição entre as formas antiga e nova de produção, um novo padrão de produção surge e a economia alcança um novo ponto de equilíbrio. A evolução do sistema no longo prazo consiste no processo contínuo de destruição criadora (ANDERSEN, 2009, p.12-3).

Na abordagem schumpeteriana o empresário normalmente difere do capitalista, dono do capital. Sendo assim, o papel do crédito é fundamental para o processo já que posto à disposição do empresário viabiliza o surgimento de inovações. De acordo com Schumpeter (1997, p.111): “A concessão de crédito opera [...] como uma ordem para o sistema econômico se acomodar aos propósitos do empresário, como um comando sobre os bens de que necessita: significa confiar-lhe forças produtivas.”

A transformação técnica é o elemento essencial da concorrência schumpeteriana. Por meio deste conceito, a inovação se torna um elemento interno ao sistema – contrapondo-se à teoria neoclássica que considera a tecnologia uma variável exógena ao desenvolvimento econômico –,

55 A inovação pode ser definida como uma nova forma de produzir, já que “produzir significa combinar materiais e forças que estão ao nosso alcance.[...] Produzir outras coisas, ou as mesmas coisas com método diferente, significa combinar diferentemente esses materiais e forças. O desenvolvimento é definido então pela realização de novas combinações” (SCHUMPETER, 1997, p. 76). 56 O termo Economia Evolucionista deriva da concepção darwiniana de evolução das espécies biológicas (ANDERSEN, 2009, p.4).

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constituindo o motor de sua evolução. A busca dos capitalistas por vantagens de custo e qualidade torna a competição um elemento dinâmico e propulsor do desenvolvimento da economia (CRUZ, 1988, p.444).

De acordo com Freeman (1984, p.5), Schumpeter sugeriu três ciclos longos de desenvolvimento econômico: o primeiro teria sido ocasionado pela difusão da máquina a vapor e pelas inovações têxteis durante o final do século XVIII; o segundo ciclo teria se baseado na evolução das ferrovias e nos desdobramentos causados por elas na engenharia mecânica e nas fábricas de ferro e aço; e o terceiro seria decorrente da difusão da energia elétrica, do surgimento do motor de combustão interna e do desenvolvimento da indústria química. Portanto, assim como Kondratiev, Schumpeter acreditava nos ciclos longos da economia, porém em contraponto ao economista russo, a inovação tecnológica seria o motor essencial para o desenvolvimento do capitalismo.

A corrente neoschumpeteriana segue o mesmo preceito básico formulado por Schumpeter sobre inovação como principal elemento da dinâmica capitalista e também incorpora a perspectiva evolucionária. No entanto “esses autores têm como preocupação central a lógica do processo de inovação e seus impactos sobre a atividade econômica” (KUPFER, 1996, p. 355). Assim, a perspectiva neoschumpeteriana permite observar o comportamento de empresas e estruturas de mercado no contexto do dinamismo natural do sistema capitalista promovido pelo progresso técnico (BACHA; SHIKIDA, 1998, p.112).

Dentre os principais autores da linha neoschumpeteriana é cabível destacar os trabalhos de Richard R. Nelson (1930-, Professor da Universidade de Columbia) e Sidney G. Winter (1935-, Professor da Universidade da Pensilvânia), Giovanni Dosi (1953-, Professor da Sant'Anna School of Advanced Studies, em Pisa) e Christopher Freeman (1921-2010, fundador e primeiro diretor de Science and Technology Policy Research na Universidade de Sussex).

Richard Nelson e Sidney Winter são expoentes da corrente evolucionista e enfatizam, segundo Bacha e Shikida (2005, p. 186), o comportamento da firma por meio das idéias de rotina, busca e seleção em um contexto de concorrência schumpeteriana.

De acordo com Mahoney (2005, p.186), para os autores evolucionistas em análise, as firmas devem ser tratadas como motivadas por lucratividade e engajadas na busca de caminhos para aumentar essa lucratividade, mas suas ações não são realizadas para maximizar lucros diante de um conjunto de opções determinado exogenamente. A teoria evolucionário enfatiza a tendência das firmas mais lucrativas conduzirem as firmas menos lucrativas para fora do mercado.

Assim, a concorrência schumpeteriana tende a produzir vencedores e perdedores, sendo que algumas firmas tiram maior proveito de oportunidades técnicas do que outras. Neste ambiente competitivo, o

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padrão de crescimento das firmas é associado às suas rotinas – conjunto de técnicas e processos organizacionais que caracterizam o sua maneira de produzir (BACHA; SHIKIDA, 1998, p.118).

Ainda segundo Bacha e Shikida, o processo de busca contempla inovações que viabilizam a transformação de rotinas. Este processo está ligado à trajetória natural, não sendo configurado como evento aleatório. No entanto, este fenômeno não é previsível, mas decorrente de procedimentos heurísticos em um ambiente de incerteza.

A seleção está relacionada à estrutura institucional. O ambiente de seleção pode ser no-market ou market – o primeiro engloba partidos políticos, universidades, etc.; e o segundo é caracterizado pela competição inter-firmas. Este processo determina a mudança técnica, evidenciando assim o êxito ou falha da inovação (BACHA; SHIKIDA, 1998, p. 119).

Ainda de acordo com Bacha e Shikida, a integração entre os processos de integração entre os processos de seleção e busca determina os padrões de comportamento da firma e do mercado ao longo do tempo. Portanto, a inovação é, ao mesmo tempo, o elemento alimentador e influenciado, sendo que a estrutura atual é o resultado de inovações anteriores que serão substituídas por inovações futuras por meio do mecanismo de seleção. Este fenômeno evidencia o caráter dinâmico da economia capitalista e caracteriza a inovação tecnológica como endógena ao sistema.

Giovanni Dosi elaborou dois conceitos para o estudo da mudança técnica: o paradigma tecnológico e a trajetória tecnológica. De acordo com Kupfer (1996, p.356-357), o paradigma tecnológico é definido por um conjunto de procedimentos que orienta a investigação acerca de um problema tecnológico, delimitando o contexto, os objetivos a serem logrados, os recursos a serem utilizados, enfim um padrão de solução para problemas tecnoeconômicos.

Dosi se refere à tecnologia como um conjunto de conhecimento, prático e/ou teórico, que se aplica a uma determinada atividade e que pode envolver procedimentos, métodos, know-how, experiências, mecanismos e equipamentos. Este conjunto configura a busca por novas soluções técnicas para o processo produtivo e produtos, sendo um processo endógeno e contínuo (BACHA; SHIKIDA, 1998, p. 121).

A trajetória tecnológica de acordo com Kupfer (1996, p.357) é “um padrão ‘normal’ de atividades de problem solving, circunscrito aos limites do paradigma”. Este padrão é o conjunto de regras definidas pelo paradigma vigente que direcionam procedimentos e técnicas de avaliação. Assim, a trajetória tecnológica é definida por desdobramentos internos ao paradigma tecnológico que definem um padrão resultante das respostas aos trade-offs estabelecidos entre variáveis tecnológicas, não sendo conhecidos os seus resultados ex-ante. Cabe ressaltar que a fronteira tecnológica é mutável e assim, a trajetória tecnológica gerada por grandes inovações pode resultar

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no estabelecimento de um novo paradigma (BACHA; SHIKIDA, 1998, p. 121).

A trajetória tecnológica define as necessidades do paradigma, as quais são selecionadas por meio de aspectos técnicos, econômicos, sociais e institucionais. De acordo com Kupfer (1996), citado por Bacha e Shikida (1998), os paradigmas e trajetórias tecnológicas dependem de interesses econômicos de empreendedores, da capacitação tecnológica acumulada e de aspectos institucionais. A necessidade institucional advém do ambiente de incerteza no qual as firmas atuam, tendo assim a função de estabilizar comportamentos e organizar a coordenação entre os agentes econômicos.

Chris Freeman é no campo neoschumpeteriano praticamente o único autor a ter tratado da mudança estrutural de longo prazo e das questões macroeconômicas. No seu importante trabalho “Economics of Industrial Innovation”, ele discutiu o desenvolvimento dos Sistemas de Novas Tecnologias, e no seu trabalho “Technology Policy and Economic Performance”, ele introduziu o conceito de Sistema Nacional de Inovação, focando as interconexões entre tecnologia, economia e instituições. Chris Freeman também desenvolveu a noção de ondas longas, seguindo Kondratiev e Schumpeter e usando uma abordagem histórica. Nesse assunto, ele é considerado um autor-chave (DRECHSLER, KATTEL E REINERT, 2009, p.3).

Segundo Nelson (2001, p.vii), a teoria das ondas longas elaborada por C. Freeman não está sustentada em uma rígida regularidade de tempo ou duração. Na sua teoria, o argumento central é que o crescimento econômico que tem sido experimentado pela economia capitalista necessita ser entendido em termos de uma sequência de eras. Cada era é marcada por um cluster de tecnologias, cujo progressivo desenvolvimento determina o crescimento econômico ocorrido. Este argumento não revela determinismo tecnológico do autor. Na teoria de Freeman, o efetivo desenvolvimento e implantação de uma particular tecnologia, que seja central de uma era, requer uma apropriada estrutura institucional de suporte. Ainda segundo Nelson, esta tese retoma as idéias de Marx e foi recentemente desenvolvida por Carlota Pérez, que modelou sua forma atual, a qual é exposta a seguir.

2. CARACTERÍSTICAS GERAIS DO MODELO

O modelo elaborado por Carlota Pérez estuda o desenvolvimento da

economia capitalista – expresso por níveis crescentes de produtividade – como função de mudanças técnicas. De acordo com a autora, neste processo as ondas longas de desenvolvimento são desencadeadas por revoluções tecnológicas que configuram a instalação de novos paradigmas tecnoeconômicos.

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A revolução tecnológica é um conjunto de tecnologias, produtos e indústrias novas e dinâmicas capazes de impulsionar longas ondas de desenvolvimento econômico. Esta constelação de inovações, estritamente relacionadas entre si, determina um conjunto de tecnologias genéricas e princípios organizacionais que se difundem por toda a economia potencializando o crescimento econômico por meio de altos ganhos de produtividade (PÉREZ, 2004a, p.32).

As revoluções tecnológicas possuem dupla natureza: por um lado promovem novos princípios tecnológicos; por outro, levam a uma mudança institucional, na qual as novas tecnologias se relacionam com os princípios organizativos, os quais não são aplicados apenas na produção – como a melhor forma de organizá-la –, mas também na estrutura das empresas, nas formas de propagação geográfica e na estrutura do espaço geopolítico e social (PÉREZ, 2004a, p.43).

Cabe ressaltar que a revolução tecnológica se diferencia de surgimentos aleatórios de mudanças técnicas por meio de sua capacidade de gerar uma nova gama de produtos, processos e estruturas interdependentes, e principalmente, pela transformação que ocasiona em toda a economia, conduzindo à instalação de um novo paradigma tecnoeconômico (PÉREZ, 2009a, p. 6).

O paradigma tecnoeconômico é definido pela autora como the result of a complex collective

learning process articulated in a dynamic mental model of the best economic, technological and organizational practice for the period in which a specific technological revolution is being adopted and assimilated by the economic and social system (PÉREZ, 2009a, p.12).

De acordo com Pérez (2009a, p.9-11), a construção de um paradigma tecnoeconômico ocorre simultaneamente em três áreas: na dinâmica da estrutura de custos relativos, nos espaços para a inovação e nos princípios e critérios organizacionais.

Na primeira área há o aparecimento de novos elementos para a produção – os quais configuram o fator-chave de cada paradigma capaz de articular o surgimento das constelações revolucionárias –, que essencialmente são caracterizados por possuir custos baixos e decrescentes, ser inesgotáveis em um futuro próximo, ser onipresentes em suas atividades e ter capacidade de elevar a produtividade e reduzir os custos do capital e do trabalho. Como consequência desta transformação os preços são impactados diretamente por meio da redução de custos, dadas as vantagens de custo, e indiretamente, por meio da expansão do mercado, permitindo maiores economias de escala.

A segunda área configura o espaço de oportunidades lucrativas determinado pelo surgimento da nova tecnologia, permitindo sua utilização

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nos setores existentes e induzindo os investimentos às inovações incrementais que viabilizam o desenvolvimento futuro da tecnologia revolucionária.

Por fim, a terceira área compreende a transformação da lógica organizacional que modifica as estratégias de negócio de modo que os métodos organizacionais mais compatíveis com o novo paradigma se demonstram mais eficazes na maximização de eficiência e lucros possibilitados pela nova tecnologia.

Sendo assim, o paradigma tecnoeconômico se constitui em um modelo de ótima prática econômica capaz de guiar as decisões de empresários, gerentes, inovadores, investidores e consumidores durante todo o seu período de propagação (PÉREZ, 2004a, p.32-3). Este modelo se torna o novo senso comum da sociedade, atuando como direcionador às oportunidades que oferecem maior potencial de criação de riqueza (PÉREZ, 2004a, p.42).

As revoluções tecnológicas e os paradigmas tecnoeconômicos detêm os propulsores do crescimento e são difundidos por meio de ondas de desenvolvimento, levando ao aumento do nível de produtividade potencial para todo o sistema produtivo. De acordo com Pérez, o desenvolvimento da economia capitalista é um processo de sucessivas longas ondas de desenvolvimento – com duração de cinco ou seis décadas -, sendo estas definidas como

[…] el proceso mediante el cual una revolución tecnológica y su paradigma se propagan por toda la economía trayendo consigo cambios estructurales en la producción, distribución, comunicación y consumo, así como cambios cualitativos profundos en la sociedad (PÉREZ, 2004a, p.46).

De acordo com Pérez (2004a, p.35), cada revolução é iniciada em um país(es)-núcleo que detém a hegemonia mundial durante a etapa inicial de propagação do paradigma. Posteriormente, o novo conjunto de tecnologias se expande para outros países gradualmente, partindo do centro para a periferia.

Assim, cada onda configura a entrada de novos países para o grupo de economias centrais do sistema. Além disso, as revoluções tecnológicas impulsionam o desenvolvimento de países centrais para um nível mais alto de produtividade (PÉREZ, 2004a, p.46).

A propagação das ondas implica grandes mudanças estruturais. A capacidade de realizar tais transformações, de forma que as potencialidades do paradigma sejam realizadas, é uma habilidade social importante para alcançar o desenvolvimento (PÉREZ, 2004a, p.47). Assim para Pérez (2000, p.8), reconhecer e percorrer a lógica do novo paradigma é fundamental tanto para as empresas – que devem seguir o novo senso comum para não tornarem-se obsoletas –, quanto pelas instituições – que

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por meio da política de desenvolvimento devem perceber as condições e oportunidades de desenvolvimento, adequando-se às possibilidades do novo paradigma. Para a autora:

[…] el poder transformador, el poder orientador, de ese nuevo potencial está en la comprensión del nuevo paradigma. Sólo comprendiendo en qué consiste, cuál es su lógica, vamos a poder moldearlo, utilizarlo y aprovecharlo en función de nuestros objetivos como sociedad (PÉREZ, 2000, p.9).

A mudança de paradigma tecnoeconômico implica um processo de intensa destruição criadora schumpeteriana, no qual os princípios técnicos e organizacionais anteriores são substituídos pelos novos em um longo processo de profundas transformações por toda a sociedade. Dessa maneira, a difusão do paradigma enfrenta resistência das instituições e da população, causando efeitos sociais caóticos e exigindo uma significativa recomposição institucional (PÉREZ, 2004a, p.50).

A transição de paradigmas tecnoeconômicos implica a substituição gradual do modelo produtivo decadente pelo novo cuja potencialidade não é completamente reconhecida pela sociedade a priori. Este fenômeno produz impactos no âmbito sócio-econômico e institucional, modificando a forma de intervenção do Estado na sociedade e na economia e induzindo a substanciais modificações nos campos educacional, político, ideológico e cultural (PÉREZ, 2002).

De acordo com Pérez (2004b, p.16), as consequências sociais de cada transição envolvem o desemprego generalizado, a obsolescência de qualificações em todos os níveis, a destruição do sustento de muitos indivíduos, o deslocamento geográfico de pessoas e atividades e a desigualdade dada pelo crescimento da riqueza de uns e crescente pobreza de outros, o que vale para indivíduos, regiões e países.

As instituições existentes não se adaptam de imediato à transição ao novo paradigma. Elas detêm uma inércia natural resultante do sucesso obtido em modelos de produção anteriores e de interesses particulares. Apenas quando o novo paradigma se difunde e atinge certa massa crítica, os obstáculos para sua implantação se tornam totalmente visíveis (PÉREZ, 2004b, p.16).

Para a Pérez (2002), a inércia e resistência das instituições levam a um desacoplamento entre as esferas tecnicoeconômica e socioinstitucional. Este desacoplamento é provocado pelo distanciamento entre os ritmos de transformação das duas esferas, sendo que de um lado o mercado força a adaptação técnica e, de outro, interesses políticos reforçam a inércia, mantendo as instituições fortemente ligadas às práticas do paradigma anterior. Este fenômeno constitui a principal causa do período de instabilidade do paradigma e assim, somente com o reacoplamento das duas esferas – obtido pela pressão ocasionada pelas consequências sociais

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sobre a liderança política –, o paradigma pode proporcionar os períodos de prosperidade.

É importante ressaltar o papel do capital financeiro no modelo de Pérez. De acordo com a autora, as inovações comerciais são desenvolvidas com o objetivo de obter lucros. Geralmente, o empresário inovador não é o detentor do capital, dependendo assim do financiamento de investidores tomadores de riscos que acreditam no potencial da inovação. À medida que o paradigma estabelecido demonstra sinais de esgotamento, o capital financeiro tende a direcionar-se para o financiamento de novas tecnologias, na busca de novas oportunidades de lucro. Com o estabelecimento do novo paradigma, o capital financeiro é disponibilizado mais amplamente aos empresários com a finalidade de fomentar inovações que exploram os limites da lógica do novo paradigma (PÉREZ, 2004a, p.61-2).

Cabe destacar a diferenciação elaborada por Pérez (2004c, p.6) entre o capital produtivo e o capital financeiro. Os agentes de ambos seguem o mesmo paradigma, no entanto para o capital produtivo, o paradigma se traduz em investimentos em equipamentos, estruturas, aprendizado, formas de organização, etc. 57; já para o capital financeiro, o paradigma é um conjunto de critérios que permitem avaliar a probabilidade de sucesso de uma tecnologia, sendo assim basicamente um modelo idealizado. Portanto, o capital produtivo é o agente capaz de produzir a riqueza, sendo essencialmente path-dependent, enquanto o capital financeiro é o responsável por alocar a riqueza com a finalidade de maximizar constantemente seus retornos de curto prazo, sendo fundamentalmente flexível 58. Esta distinção entre a natureza e os motivos do capital produtivo e do capital financeiro é, segundo Pérez (2009d, p.24), o núcleo de seu modelo e parte importante da explicação da natureza cíclica do capitalismo.

57 “O capital produtivo está amarrado ao paradigma vigente por seu investimento em capital físico, pelo conhecimento específico, pela experiência de seus gerentes e empregados, pelas redes de fornecedores, distribuidores e consumidores, bem como pela confiança que os êxitos obtidos infundiram em seus líderes” (PÉREZ, 2009d, p. 23, tradução nossa). 58 “... quando o dinheiro ocioso começa a se acumular sem encontrar saídas rentáveis, no decorrer de uma trajetória estabelecida, o capital financeiro é mais propenso a reagir e partir em busca de novas direções para investir [...] é o capital financeiro que quebrará a rotina abandonando o capital produtivo, o qual se torna conservador no final de cada onda. A instalação da revolução seguinte será caracterizada pela aliança entre novos empreendedores e o capital financeiro...” (PÉREZ, 2009d, p. 24, tradução nossa).

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2.1 A difusão do paradigma tecnoeconômico e os períodos e as fases da onda de desenvolvimento

De acordo com Dosi, Orsenigo e Silverberg (1988, p. 1032), o

processo de difusão tecnológica é fundamental para o crescimento e transformação das economias. Este processo leva tempo sendo que alguns agentes adotam rapidamente a nova tecnologia enquanto outros podem levar décadas para se adaptarem. Para Stoneman (2002, p.3,6), o processo de difusão abrange a passagem do conhecimento para o uso efetivo das novas tecnologias, realizando os benefícios econômicos que elas podem gerar. O autor destaca que o processo de difusão deve abranger não apenas a nova tecnologia, mas também seus improvements que ocorrem durante o tempo.

Seguindo este conceito, Pérez (2004a, p.55) argumenta que a assimilação completa de uma revolução tecnológica e seu paradigma tecnoeconômico é consolidada quando a sociedade se adapta ao novo sentido comum, estabelecendo os princípios regulatórios e institucionais adequados ao paradigma e guiando-se em direção às potencialidades das novas tecnologias. Para a autora, este processo de assimilação do paradigma está inserido no contexto de seu ciclo de vida, o qual tem duração de aproximadamente 50 anos e abrange o seu surgimento, maturação e esgotamento. Para tal, a autora elabora um ciclo de períodos que explica o processo de difusão do paradigma tecnoeconômico.

Figura 1 – As sobreposições das ondas de desenvolvimento durante

a gestação da onda seguinte e a decolagem da onda anterior, e o declínio da onda anterior e a instalação da seguinte

Fonte: Pérez (2004c, p.8).

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De acordo com Pérez (2004c, p.7-8), cada onda é iniciada por um big-bang, caracterizado pelo surgimento de uma tecnologia revolucionária capaz de estimular os empresários a expandir as inovações no entorno de sua lógica - atendo-se a determinados setores e regiões geográficas, nos quais a nova tecnologia foi criada e desenvolvida. A partir da explosão do big-bang, há um intenso processo de difusão e assimilação do novo paradigma, o que permite que a onda seja dividida pela autora em dois períodos: Installation e Deployment, cada um com duração de duas ou três décadas.

O Período de Instalação é caracterizado pelo turbulento processo de destruição criadora, sendo um período de experimentação no qual os empresários buscam explorar as possibilidades proporcionadas pela nova tecnologia. Estes agentes são aliados ao capital financeiro para enfrentar a resistência dos princípios impostos pelo paradigma anteriormente estabelecido e assim fomentar a emergência do novo paradigma (PÉREZ, 2010a, p.6)

A autora segmentou o período de instalação em duas fases: irrupção e frenesi. A fase de irrupção inaugura a onda de desenvolvimento, começando imediatamente após o big-bang, quando há um novo leque de possibilidades trazidas pela nova tecnologia ao mesmo tempo em que o paradigma anteriormente estabelecido enfrenta seu esgotamento, com indústrias tecnológicas maduras enfrentando mercados saturados. O crescimento de produtividade e os novos produtos apresentados pelas novas indústrias atraem investidores, empreendedores e consumidores. Dessa forma, as empresas do paradigma anterior são forçadas à modernização. Ademais, esta fase é marcada por desemprego crescente e por políticas públicas ineficazes – atrelados ao paradigma anterior –, simultaneamente há a revitalização do mercado financeiro e há a construção de uma nova fronteira de ótima prática pelos novos empresários (PÉREZ, 2004a, p.80-1).

Durante a fase de frenesi, os objetivos do capital financeiro guiam as decisões do capital produtivo por meio do controle das fontes de recursos e dos valores do mercado de ações (PÉREZ, 2010a, p.6). É uma fase caracterizada pela polarização de renda e especulação, porém constitui também um amplo processo de exploração das possibilidades geradas pela revolução tecnológica, revelando o potencial do novo paradigma para criar novos mercados e rejuvenescer empresas antigas (PÉREZ, 2004a, p.82).

Portanto, o Período de Instalação atinge seu fim depois da substituição das indústrias que consolidam o motor do crescimento econômico, da instalação da nova infraestrutura e após a aceitação geral do paradigma como senso comum. No entanto, o fim do período é geralmente caracterizado pela formação de uma bolha especulativa e por um colapso financeiro (PÉREZ, 2004c, p.8).

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De acordo com Pérez (2004c, p.14-5), mesmo com o grande crescimento, as novas indústrias não são capazes de absorver todo o fluxo de investimento proveniente do mercado de ações. Dessa forma, o capital financeiro promove inovações, transformando o mercado de ações em um “cassino”, se distanciando da esfera real da economia e gerando “extraordinary paper mouintains”. Este processo cria um ambiente especulativo e a busca das firmas por maneiras de garantir altos retornos contribui para a hiperinflação dos assets que sustentam a bolha, que sendo reinvestidos no mesmo “cassino, intensificam o fenômeno, atingindo um maior número de investidores. Portanto a bolha especulativa pode ser entendida como “a gigantic process of collective credit creation, orchestred by the financial world in the stock market”.

Entre os dois períodos de propagação do paradigma, existe um intervalo de tempo chamado Turning Point, caracterizado por uma recessão provocada pelo colapso financeiro, onde as negativas consequências sociais e econômicas induzem a uma recomposição institucional (PÉREZ, 2004c, p.8-9). Este intervalo de inflexão é, segundo Pérez (2009d, p.21), um tempo de incertezas, durante o qual o controle da economia tende a passar do controle do capital financeiro para o capital produtivo, caso haja intervenção do Estado na economia que consiga restringir, com regulação, os excessos do capital financeiro explicitados após o estou da bolha, e que consiga, com sua políticas, expandir a produção. O alcance dessa intervenção depende da duração, profundidade e persistência da recessão e suas conseqüências, bem como da pressão política dos excluídos.

Para Carlota Pérez tal mudança institucional propõe a transformação do contexto da economia, favorecendo a volta do capital à esfera produtiva e a criação de empregos, e revertendo o processo de polarização de renda que caracteriza o período de Instalação. Para a autora, o Estado é o responsável por estabilizar o turbulento período de inflexão59.

O segundo período, de decolagem60, é caracterizado pelo processo de “construção criadora”. As tecnologias trazidas pela revolução tecnológica são utilizadas amplamente pelas indústrias de todos os setores, sendo este um período de expansão, extensão e multiplicação das possibilidades trazidas pelo novo paradigma estabelecido até que este encontre sua maturação. Durante este período, o Estado retoma seu papel ativo na economia – diferentemente do período de instalação, quando adota uma

59“... at this transitional point, the role of the State in the economy is a determining factor and the capacity to innovate boldly in government policy is crucial” (PÉREZ, 2010a, p.6). 60 Carlota Pérez usa as expressões deployment, em seus textos em inglês, e despliegue, em seus textos em espanhol, para se referir a esse período. Outra designação em português para esse período poderia ser “florescimento”, mas preferimos o termo “decolagem”.

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atitude laissez faire –, sendo um impulsionador da inovação aliado ao capital financeiro (PÉREZ, 2010a, p.9).

A autora divide o período em duas fases: sinergia e maturidade. A fase de sinergia pode ser denominada a “época de ouro” do paradigma, sendo caracterizada pelo bem-estar e satisfação da sociedade. As estruturas básicas para o desdobramento da revolução tecnológica foram instaladas durante a fase de frenesi, instaurando as condições para a expansão e crescimento e tornando o pleno emprego uma possibilidade realizável. Durante este período, há o avanço das leis trabalhistas, a formulação de medidas de proteção social das classes mais baixas e de distribuição de renda e a ampliação dos mercados de consumo. O poder renovador do paradigma e sua infraestrutura favorecem a difusão de maiores níveis de produtividade por toda a economia, fazendo com que mesmo nos setores cujo modelo de crescimento é moldado pelo capital financeiro, este esteja diretamente vinculado à produção. Portanto, a fase de sinergia consagra o novo paradigma, fazendo com que sua lógica esteja embutida em todas as atividades – dos negócios ao governo e educação –, por toda a sociedade, além de tornar o capital financeiro um verdadeiro apoio ao capital produtivo (PÉREZ, 2004a, p.86-7).

A fase de maturação é a última etapa do ciclo de difusão e implica o amadurecimento do paradigma e saturação progressiva dos mercados, demonstrando gradualmente suas limitações. No entanto, o êxito obtido pela fase de sinergia faz com que os agentes continuem acreditando no potencial da tecnologia, alimentando expectativas de melhoras pessoais e sociais, não sendo estas correspondidas pelo sistema. Durante a fase há uma crescente divisão sócio-política, desencadeando protestos de trabalhadores e atos de rebelião. Ao mesmo tempo, para as grandes indústrias, há o esgotamento das tecnologias, impactando o nível de produtividade e reduzindo os ganhos, dando espaço à concentração de empresas por meio de fusões e aquisições e à exportação de atividades a mercados menos saturados. Este cenário configura o declínio de todo o modelo de crescimento, favorecendo a irrupção de uma nova revolução tecnológica (PÉREZ, 2004a, p.87-8).

Cabe ainda ressaltar que há dois períodos de intersecção entre os ciclos de difusão de paradigmas sucessivos. Anteriormente ao big-bang que inaugura o novo paradigma, há o período de gestação de suas tecnologias. Este processo é iniciado durante o período de decolagem do paradigma anterior, fazendo com que as novas tecnologias sejam desenhadas de acordo com os seus princípios. Ademais, as indústrias e estruturas do paradigma estabelecido não desaparecem ao fim da fase de maturação, sobrevivendo durante o período de instalação do novo paradigma. Estes períodos de intersecção representam as batalhas entre as forças de mudança e de resistência, e o contexto e natureza de tais batalhas

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determinam a qualidade e quantidade das oportunidades tecnológicas e financeiras de cada período (PÉREZ, 2004c, p.9).

3. AS CINCO GRANDES ONDAS DE DESENVOLVIMENTO E AS

CRISES DO CAPITALISMO De acordo com Pérez (2007, p.4), desde o final do século XVIII a

economia capitalista atravessou cinco ondas de desenvolvimento desencadeadas por revoluções tecnológicas sucessivas. Cada uma delas articulou uma constelação de novos produtos e indústrias, infraestruturas e fontes alternativas de energia. A Figura 2 ilustra as cinco revoluções comparativamente.

Figura 2 – As cinco ondas de desenvolvimento e seus respectivos

colapsos financeiros, turning points e eras de ouro Fonte: Pérez (2007, p. 12). A primeira revolução tecnológica foi a Revolução Industrial, iniciada

na Inglaterra em 1771, tendo como big-bang a abertura da fiação de algodão de Arkwright em Cromford. As tecnologias trazidas pela revolução foram a mecanização da indústria do algodão, o ferro forjado e a introdução das máquinas no processo produtivo; enquanto as infraestruturas

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redefinidas consistiam em canais e vias fluviais, estradas com pedágio e moinhos movidos por energia hidráulica. O paradigma estabelecido pela Revolução Industrial tinha como princípios a produção em fábricas, a mecanização da produção, a introdução do conceito de produtividade e redução de tempo, a fluidez de circulação para máquinas movidas por energia hidráulica e para o transporte através de vias fluviais, e por fim as redes locais (PÉREZ, 2004a, p.35-44). O fim do período de Instalação deste paradigma foi marcado pela bolha especulativa denominada canal mania na década de 1780 e sua era de ouro foi caracterizada pelo grande salto da Grã-Bretanha, tornando-se o país hegemônico da época (PÉREZ, 2007, p. 12)

A segunda onda de desenvolvimento demarcou o período da Era do Vapor e das Ferrovias, sendo iniciada na Inglaterra – e depois difundida pela Europa e Estados Unidos –, tendo como big-bang o teste do motor a vapor Rocket para a ferrovia Liverpool-Manchester em 1829. Durante este período houve a introdução da máquina a vapor, a mineração de ferro e carvão – fonte de energia essencial para o crescimento -, a construção de ferrovias, a produção de locomotivas e vagões e a utilização de energia a vapor para diversas indústrias. As infraestruturas redefinidas do paradigma consistiam em ferrovias, serviço postal padronizado com ampla cobertura, utilização do telégrafo, construção de grandes portos e depósitos e amplos barcos para a navegação mundial e o gás urbano. Os princípios de sentido comum do período englobavam economias de aglomeração, cidades industriais e mercados nacionais; formação de centros de poder com redes nacionais; utilização de grande escala como progresso; construção de máquinas para a fabricação de máquinas; utilização ampla de energia a vapor (PÉREZ, 2004a, p.35-44). O período experimentou a formação da bolha especulativa railway mania e teve o Victorian Boom como era de ouro (PÉREZ, 2007, p.12).

A terceira onda é caracterizado pela era do aço, eletricidade e engenharia pesada. Os países-núcleo da revolução tecnológica foram os Estados Unidos e Alemanha – tomando a dianteira pela hegemonia mundial frente à Inglaterra – e o big-bang iniciador da revolução foi a inauguração da aciaria Bessemer de Carnegie em Pittsburgh, Pensilvânia em 1875. Este paradigma fundamentou-se na disponibilidade de aço barato, no pleno desenvolvimento do motor a vapor para barcos de aço, na engenharia química e civil pesada, na indústria de equipamentos elétricos, na utilização de cabos de cobre, na difusão de alimentos enlatados e engarrafados e na utilização de embalagens. As infraestruturas criadas para o período eram a navegação mundial em barcos mais velozes – utilização do Canal de Suez –, as redes transnacionais de ferrovias, os grandes túneis e pontes, o telégrafo mundial, o surgimento do telefone e o uso das redes elétricas na iluminação e nas indústrias. Os fundamentos deste paradigma eram a construção de gigantes estruturas de aço, as economias de escala e a

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integração vertical, a distribuição de energia para a indústria, a ciência como força produtiva, as redes e os impérios mundiais, a padronização universal, a contabilidade de custos para aumentar o controle e a eficiência e as grandes escalas para o domínio do mercado mundial (PÉREZ, 2004a, p.35-44). A ferocidade do investimento estrangeiro em ferrovias transcontinentais e mercados globais de carne, trigo e cobre desencadeou a formação de uma bolha especulativa na década de 1880. Ademais, o período teve como era dourada a Belle Èpoque presenciada pela Europa e Estados Unidos (PÉREZ, 2007, p.12).

A quarta revolução tecnológica promoveu a era do petróleo, do automóvel e da produção em massa e foi iniciada em 1908 com o lançamento do primeiro modelo Ford-T pela planta da Ford em Detroit, Michigan. Os países-núcleo da revolução foram Estados Unidos e Alemanha. As tecnologias da revolução constituíam a produção em massa de automóveis, o petróleo barato e seus derivados, a petroquímica, o motor de combustão interna para automóveis, transporte de carga, tratores, aviões e tanques de guerra, a difusão de eletrodomésticos e de alimentos refrigerados e congelados. As infraestruturas que suportavam o paradigma eram as redes rodoviárias, autopistas, portos e aeroportos, as redes de oleodutos, a eletricidade industrial e doméstica de plena cobertura e a telecomunicação analógica mundial com e sem fio. O paradigma consistia na produção em massa e mercados massivos, nas economias de escala e integração horizontal, na padronização de produtos, no uso intensivo de energia com base no petróleo, nos materiais sintéticos, na especialização funcional e pirâmides hierárquicas, na aglomeração de pessoas em centros metropolitanos (PÉREZ, 2004a, p.35-44). O período foi marcado pela formação da bolha especulativa do mercado financeiro que ocasionou a crise de 1929 e sua época de ouro foi durante o primeiro pós-guerra (PÉREZ, 2007, p.12).

Finalmente, a quinta e atual revolução tecnológica estabeleceu a era da informática e das telecomunicações. O big-bang desta revolução foi a criação do microprocessador Intel em Santa Clara, Califórnia em 1971, tendo como país-núcleo os Estados Unidos e configurando o Vale do Silício como região-símbolo da revolução. As novas tecnologias e novas indústrias englobam a revolução da informação, com microeletrônica barata, computadores e desenvolvimento de softwares, telecomunicações, instrumentos de controle, biotecnologia e novos materiais. As infraestruturas características do período são a comunicação digital mundial – via cabo, fibra ótica, rádio e satélite -, a Internet e serviços eletrônicos, as redes elétricas de fontes múltiplas e de uso flexível e o transporte físico de alta velocidade. Os princípios estabelecidos pelo paradigma incluem o uso intensivo da informação – através das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) –; a integração descentralizada e estruturas em rede; o conhecimento como capital com valor intangível; a heterogeneidade,

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diversidade e adaptabilidade; a segmentação de mercados e proliferação de nichos; as economias de escopo combinadas com as de escala; a globalização e a interação entre o global e o local; e a comunicação global instantânea (PÉREZ, 2004a p. 35-44).

De acordo com Pérez (2004a, p.90), o período de instalação do paradigma das TIC correspondeu ao período entre os anos de 1971 (ano do big bang) e de 2001 (ano da explosão da bolha especulativa da NASDAQ). Este Período teve sua fase de irrupção iniciada pelo big bang do paradigma e concluída em 1987 61 , quando se iniciou a fase de frenesi, finalizada, segundo Pérez, em 2000.

A fase de irrupção teve seus antecedentes na revolução dos circuitos integrados dos anos 1960, que permitiria nos anos seguintes as mais significativas reduções de custos dentre os insumos básicos de todas as revoluções tecnológicas. Seus avanços foram intensos. Já em 1965, Gordon Moore previu que os chips de computadores iriam duplicar sua capacidade a cada ano. Em 1975, reviu sua predição afirmando que a duplicação ocorreria a cada dois anos (FREEMAN; LOUÇÃ, 2001, p.303).

A combinação de componentes eletrônicos – válvulas e transistores – em um único chip de circuito integrado possibilitou a redução de custos e as melhorias nos bens eletrônicos de consumo e de capital. As inovações na microeletrônica se destacam por permitirem a redução significativa de custos no armazenamento, processamento e transmissão de informação (FREEMAN; LOUÇÃ, 2001, p.304). Para os autores, o desenvolvimento do microprocessador Intel foi decisivo para a transformação da indústria de semicondutores e de informática, pois significava que o “computer on a chip” pudesse ser produzido de forma barata e em grande escala.

Com o advento dos microcomputadores, a computação foi difundida por pequenas e médias empresas, instituições de ensino e usuários pessoais (FREEMAN; LOUÇÃ, 2001, p. 313-4). Como inovações complementares, a fibra óptica e os comutadores eletrônicos e digitais começaram a se difundir, juntamente com o surgimento do protocolo de interconexão de rede (TCP/IP) (MONTALVÁN, 2010, p.49). No setor de telecomunicações, uma importante inovação tecnológica foi o incremento de capacidade de transporte dos cabos. O aumento exponencial de tráfego das linhas telefônicas foi suprido primeiramente pelos cabos coaxiais e posteriormente, na década de 1970, pelo desenvolvimento da fibra óptica, a qual eliminou as barreiras para a expansão da banda larga (FREEMAN; LOUÇÃ, 2001, p.320).

61 Deve-se ter em conta que o estabelecimento de datas para a transação dos períodos é uma simplificação do processo de transformação da economia. De acordo com Pérez (2004a, p.89), “En realidad, la elección de un año en particular como comienzo o final de una fase es cuestión de juicio y, en este caso, más bien una ayuda para aclarar los conceptos”.

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Além do mais, durante a fase de irrupção o paradigma anterior encontrava cada vez mais problemas sociais nas décadas de 1970 e 1980, como as crises do petróleo de 1973 e 1979, a poluição ambiental ligada à queima de combustíveis fósseis e a insatisfação com os métodos organizacionais fordistas (FREEMAN; LOUÇÃ, 2001, p. 314). As políticas governamentais, baseadas nos preceitos do paradigma anterior, se mostravam ineficazes com o fenômeno da estagflação, ao passo que a saturação dos mercados do paradigma fordista forçava a modernização das antigas empresas em seus produtos e processo de produção, por meio de microprocessadores, computadores e softwares personalizados. Dessa forma, este movimento gerou investimentos para o desenvolvimento da nova indústria (MONTALVÁN, 2010, p.49).

A fase de frenesi (aproximadamente o período de 1987-2001) foi caracterizada pela intensa difusão das TIC por diversos setores econômicos e por países de diferentes continentes. Cada vez mais, o potencial das novas tecnologias era explorado ao passo que seus benefícios eram notados (MONTALVÁN, 2010, p.50). De acordo com Freeman e Louçã (2001, p.301), durante a década de 1990, as indústrias de computadores, de softwares, de microeletrônica, da internet e de telefonia móvel cresceram a taxas elevadas, influenciando o crescimento de toda a economia. No âmbito organizacional, o acesso rápido e fácil à informação estabeleceu um modelo de gerenciamento descentralizado e interativo por meio das networks (FREEMAN; LOUÇÃ, 2001, p.324). Tal fator impactou significantemente a intensidade da globalização.

Contudo, como previsto pelo modelo de Pérez, a fase de frenesi também é caracterizada pela dominância do capital financeiro sobre o capital produtivo. A inflação do mercado de ações da década de 1990 foi, em grande parte, baseada na exuberância irracional sobre os retornos futuros das ações relacionadas à Internet e a outras tecnologias de informação e comunicação (FREEMAN; LOUÇÃ, 2001, p.301). Houve a formação da bolha especulativa denominada Internet mania na década de 1990 e tal movimento culminou no colapso da NASDAQ em 2000, o qual encerrou a fase de frenesi e, por conseguinte, o período de instalação.

Segundo Pérez (2009c, p.803), durante o período de instalação as TIC demonstraram sua capacidade de transformar a atividade produtiva dos diversos setores da economia. Ao fim do período, os pressupostos estabelecidos pelo paradigma eram aceitos pela sociedade como o novo “senso comum”, a infraestrutura necessária ao novo paradigma estava instalada e as empresas que constituíam o motor do crescimento foram constituídas.

De acordo com Pérez (2004a, p.38-9), frequentemente há sugestões que a biotecnologia, a bioeletrônica e a nanotecnologia poderiam ser as propulsoras da sexta revolução tecnológica. Apesar da rápida evolução de tais tecnologias, a ruptura necessária para torná-las baratas é ainda

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imprevisível, considerando as questões éticas que influenciam o ritmo e direção de seu desenvolvimento. A autora defende que este salto tecnológico tem maior probabilidade de ocorrer quando o atual paradigma da informática e telecomunicações demonstrar seus sinais de esgotamento.

3.1. A dupla bolha da Era das TICs (5ª Onda)

A fase de transição do atual paradigma – o turning point da 5ª onda – está demarcada por duas grandes crises financeiras. De acordo com Pérez (2009c, p.802-3), as crises de 2000 e 2008 são dois componentes do mesmo fenômeno estrutural. A internet mania, que culminou no colapso da NASDAQ em 2000, foi o resultado do processo de aceitação das tecnologias revolucionárias pela economia e pela sociedade. Esta crise foi essencialmente baseada nas inovações tecnológicas, sendo gerada por opportunity pull - ou seja, o capital buscando no mercado, oportunidades de obtenção de lucros extraordinários viabilizados pelo potencial das novas tecnologias. No ápice do boom, as ações relacionadas às tecnologias representavam 35% da capitalização total do mercado, sendo que 10% estavam relacionadas à Internet (PÉREZ, 2009c, p.784).

Já a crise do final da primeira década do ano 2000, que resultou no colapso financeiro de 2007-08, foi produto de inovações financeiras. Sua respectiva bolha financeira foi facilitada, acelerada e disseminada globalmente por meio das tecnologias de informação e da Internet. Essa crise foi viabilizada pela grande liquidez do mercado, sendo o resultado de easy credit push, o que atrai para o mercado o capital especulativo em busca de retornos altos e rápidos. Em 2004, a liquidez do mercado era 50% maior do que a média entre os anos 1994 e 2000 (PÉREZ, 2009c, p.796).

As duas bolhas da virada do século, que originaram as duas crises que acabamos de relatar, são identificadas por Pérez (2009c, p. 780) como uma grande bolha tecnológica (GBT) – a internet mania do período 1997 a 2000 –, seguida de uma bolha do excesso de liquidez (BEL) que ocorreu entre 2004-2007.62 Pérez (2009c, p.792) crê que as duas principais diferenças entre uma GBT e uma BEL são as forças que as conduzem e os objetos de especulação. No primeiro caso, a bolha é determinada pela existência na economia real de uma claramente visível oportunidade tecnológica que abre um campo extraordinariamente lucrativo que atrai recursos financeiros para serem aí investidos. Por outro lado, as BELs são determinadas pela disponibilidade de crédito abundante e barato que busca qualquer objeto de especulação disponível ou que possa ser criado por uma inovação financeira. No entanto, todas as manias, prossegue a autora, sejam elas GBTs ou BELs, são alimentadas em sua base por inovações

62 Em inglês as siglas citadas seriam, respectivamente, MTB (major technology bubble) e ELB (easy liquidity bubble).

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financeiras. Financista são igualmente criativos quando encontram “dinheiro ocioso” ou oportunidades tecnológicas.

De acordo com Pérez (2009c, p.798), embora existam diferenças entre as duas bolhas, elas compartilham causas fundamentais e têm similaridades originadas das tecnologias de informação e comunicação que facilitaram a forma de operar e a criação de tipos específicos de instrumentos financeiros. As duas bolhas representam dois estágios do mesmo fenômeno. O segundo boom (2004 a 2007) foi realizado à custa do esgarçamento dos limites da inovações financeiras que já haviam sido introduzidas no período de instalação e pelo próprio boom da internet. Enorme quantidade de inovações financeiras, como derivativos, foi utilizada nas duas bolhas, graças à tecnologia da informação e às comunicações globais que asseguraram transferências e operações ininterruptas.

As inovações financeiras do período 2004-2007, como os ativos associados às hipotecas de alto risco (subprime), ocorreram em um ambiente de inadequada regulação e falta de transparência, mas principalmente em um setor financeiro que já tinha acumulado vários anos de experiência com operações computadorizadas e transações globais instantâneas. As TICs facilitaram a criação, introdução e transação das inovações financeiras além fronteiras e aceleram a velocidade com que a totalidade do sistema financeiro tornou-se opaco e de impossível supervisão. Além disso, embora o risco sistêmico estivesse crescendo, havia uma concordância generalizada de que os novos instrumentos financeiros sem fronteiras estavam diluindo e reduzindo o risco e que o irrestrito mercado livre estava permitindo uma prosperidade sem precedentes (Pérez, 2009c, p.791).

Para Pérez (2009c, p.790), os arranjos institucionais necessários após a primeira crise não foram realizados, sendo o principal deles, a regulação do mercado financeiro. Isso foi fruto das condições históricas do período: a recessão posterior ao colapso da NASDAQ não foi intensa o suficiente para causar fortes pressões políticas que resultassem em uma significante recomposição institucional; as perdas ficaram restritas à NASDAQ; e a revelação das fraudes e da má conduta do mundo financeiro não gerou indignação popular suficiente. Já após a explosão da segunda bolha, os agentes da economia real se viram como vítimas do “cassino” e de suas consequências. A autora defende que este é o momento em que o capital deve retornar à esfera produtiva, o que deve ser viabilizado pela atuação dos governos na constituição de novas regras 63 para o direcionamento dos investimentos à economia real para que assim o paradigma percorra o seu período de decolagem (PÉREZ, 2009c, p.801).

63 Segundo Pérez (2009d, p. 26), foi só depois do descalabro financeiro de 2008-2009 que se deram as condições para gerar uma “verdadeira mudança institucional” a favor da produção que coloque o sistema financeiro subordinado a regras e supervisão adequadas.

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Quando se aborda as conseqüências das bolhas na economia de mercado, C. Pérez alerta para o fato de que elas são processos com legados complexos, com efeitos mistos. Elas têm um efeito negativo mais óbvio, associado ao abalo moral resultante da revelação das fraudes e corrupção, ao aumento da concentração da riqueza e à recessão que atinge duramente os mais pobres. Seu efeito positivo está relacionado à forma intensa com que os recursos disponíveis para investimento se concentram em setores de novas tecnologias e instalam a plataforma que irá permitir uma nova “era de bonança”. “Después de la burbuja, hay infraestrutura suficiente para cubrir las necessidades de una década o más”. (PÉREZ, 2009d, p.25-26).

Referindo-se ao caso concreto das bolhas da era das TICs, Pérez (2010, p. 1) aponta que o boom da NASDAQ facilitou o sobreinvestimento em telecomunicações e cabos de fibra ótica, o que possibilitou interconectar digitalmente o espaço global e transformar dezenas de milhões de pessoas em usuárias da internet, embora o colapso dessa bolha tenha causado dois anos de recessão e tenha cortado permanentemente pela metade o valor inflado das ações de empresas tecnológicas. Já na derrocada de 2008, argumenta Pérez, está havendo e haverá efeito negativo mais profundo e amplo sobre a economia global. No entanto, mesmo nesse caso, a bolha de excesso de liquidez dos anos 2000 – também chamada de bolha imobiliária ou a bolha dos subprimes – tem conseqüências positivas.

As conseqüências dessa natureza apontadas por Pérez (2010, p.1) são duas. Uma delas é o fato de que no período de 2004 a 2007 houve um definitivo impulso ao crescimento global. No centro dessa expansão estavam países asiáticos, especialmente China e Índia, que por meio do baixo custo de seus produtos e serviços aumentaram o poder de compra dos salários nos países industrializados e favoreceram os países exportadores de energia e matérias-primas. A explosão do consumo nos países mais avançados nesse período, que permitiu o crescimento da economia global, foi alimentada pelos recursos do superávit comercial dos asiáticos que retornavam aos países ocidentais. Este mecanismo inflou ainda mais a bolha imobiliária e estimulou novamente o consumo por meio dos ganhos obtidos com a valorização dos imóveis. O estouro desse bolha colocou abaixo toda essa cadeia. Apesar disso, a globalização é um fato e as economias emergentes transformaram-se em elementos decisivos no futuro da economia global.

A outra conseqüência, que poderia ser classificada como positiva em certa medida, é o fato da revelação de todos os caminhos fraudulentos que o mundo das finanças se valeu durante o boom, o que tem ajudado a desfazer o mito do ideal do “mercado livre” e trazido o Estado de volta a sua função ativa na economia. Ainda segundo Pérez (2010, p.1), esta volta do Estado não deve estar limitada a restringir os abusos das finanças, mas também deve favorecer a expansão da produção e do emprego, em

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detrimento da especulação, e distribuir os benefícios do crescimento de forma mais ampla. Isto aconteceu no passado depois das diversas bolhas tecnológicas de cada uma das ondas de desenvolvimento, mas, como alerta Pérez, com diferentes intensidades e temas dependendo do momento histórico e das especificidades de cada revolução tecnológica que sustentava o boom.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O modelo de Carlota Pérez para explicar o processo de desenvolvimento do capitalismo industrial sustenta-se na seguinte seqüência recorrente de estágios presentes em cada uma das cinco grandes ondas de desenvolvimento: a irrupção de uma revolução tecnológica; duas ou três décadas de um período turbulento chamado de instalação que é finalizado pelo estouro de uma bolha financeira; um estágio de transição ou inflexão no qual a crise financeira, a recessão e as conseqüências do domínio das finanças estimulam uma recomposição socioinstitucional por meio da ação do Estado, que passa a regular as finanças e estimular a produção e o emprego, estabelecendo as bases para o estágio seguinte; um período de decolagem, de prosperidade, um tempo de um crescimento econômico mais orgânico, que dura até a maturidade e exaustão da onda existente e fixa as bases para o estágio de irrupção da próxima revolução tecnológica.

Aplicando-se esse modelo para o atual momento da economia capitalista, conclui-se que estamos em um ponto médio da quinta onda (no período de inflexão), presenciando os efeitos mistos do boom e do estouro da bolha financeira dupla, representada pela GBT e pela BEL, dos anos 2000. As bases da revolução e do paradigma das TICs estão dadas. A globalização é uma realidade. A recessão e o aumento da concentração de renda são manifestações da tensão estrutural que só serão superadas com uma recomposição institucional significativa, constituída principalmente da regulação das finanças e de políticas voltadas à produção e emprego conduzidas pelo Estado.

Dependendo da intensidade e conteúdo dessa recomposição institucional, poderá estabelecer-se um período de decolagem, uma “fase dourada”, representado por um boom baseado talvez na “sociedade do conhecimento, global e sustentável”. Seria um período de aumento do PIB e da produtividade, de elevação da gama de produtos, de ampliação do desenvolvimento em termos geográficos, e de desconcentração dos benefícios sociais.

No entanto, cabe considerar as ressalvas que Carlota Pérez corretamente faz a seu modelo. Segunda ela, há muita complexidade que faz seu modelo muito menos claro do que a sequência recorrente de estágios sugere. Assim não se pode fazer uma interpretação mecânica dessa sequência. Cada onda, segundo Pérez (2009c, p.790), é moldada por

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fatores endógenos – aqueles que formam a cadeia causal que explica a sequência – e por múltiplos fatores exógenos. A atual sequência histórica apresenta interrupções e sobreposições e uma grande diversidade de manifestações. Para Pérez (2004a, p.214), qualquer aplicação rígida do modelo corromperá seu objetivo, pois seu maior valor é servir como ferramenta útil para organizar a diversificada vida real e não forçar os fatos para que caibam em “estreitos escaninhos”.

Carlota Pérez revela sua prudência como pesquisadora ao também apontar os limites do seu modelo para estudar situações particulares, sejam de países ou crises financeiras específicas. No primeiro caso, porque há propagação desigual de cada onda entre os países e deslocamentos temporais da sequência de estágios; no segundo caso, porque o modelo procura explicar uma dinâmica de longo prazo e não pode explicar eventos individuais. A autora alerta que seu modelo serve para formar uma compreensão mais ampla, para compreender um contexto no qual ocorre um pânico financeiro em particular. “É uma vista panorâmica de sobrevôo, na qual a massa de fenômenos se ordena de modo grosseiro”. (PÉREZ, 2004a, p. 214-15).

Por outro lado, a autora também defende seu modelo daqueles que possam ver determinismo tecnológico nele. Argumenta Pérez (2009c, p.30) que o potencial de criação de riqueza de um paradigma define um leque amplo de possibilidades e são forças sociais que decidem quais instituições e políticas permitirão o maior ou menor aproveitamento de uma ou outra dessas possibilidades tecnológicas e organizacionais.

A riqueza e o valor analítico do modelo dos Paradigmas Tecnoeconômicos de Carlota Pérez, especialmente na compreensão da causas, natureza e efeitos das crises financeiras recentes, são bem expressos pelas seguintes palavras da autora:

A implicação fundamental da presente interpretação é que o que estamos presenciando não é somente uma crise financeira, mas antes o fim de um período e a necessidade de mudanças estruturais no contexto social e econômico para permitir a continuidade do crescimento sob este paradigma. Globalização e prosperidade nacional dependerão e serão moldadas pelas soluções de longo prazo implantadas face aos desafios colocados pela atual recessão. (Pérez, 2009c, p.803).

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Capítulo III Economia do Trabalho

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GÊNERO, MERCADO DE TRABALHO E SALÁRIOS ENTRE A MÃO DE OBRA QUALIFICADA NO BRASIL E MÉXICO*

Maria Cristina Cacciamali** Fábio Tatei***

Resumo O presente artigo visa analisar a discriminação salarial contra as

mulheres que possuem ao menos o nível superior completo no Brasil e no México. Para tanto utilizamos pesquisas domiciliares compatíveis que permitem a construção de amostras comparáveis entre esses países, em período e categorias de análise similares – PNAD e ENOE no ano de 2008. Para mensuramos os determinantes e impactos da discriminação por sexo no mercado de trabalho, aplicamos a técnica de Oaxaca-Blinder. Os principais resultados revelam que, para ambos os países, o componente de discriminação é menor entre os trabalhadores com ensino superior completo do que para o restante da população, apesar dessa categoria apresentar hiatos de renda superiores perante os demais trabalhadores. O mercado de trabalho mexicano, entre os dois países, guardadas características pessoais, regionais e de categoria ocupacional, oferece menos oportunidades de trabalho para a mulher qualificada perante o homem qualificado e menor hiato salarial. Palavras-chave: discriminação; hiato salarial; mão de obra qualificada; ensino superior; gênero Abstract

This article aims to analyze the wage discrimination against women who have higher education in Brazil and Mexico. This purpose was achieved by applying micro data from two 2008 household surveys that allow the construction of compatible samples between the two countries, both in the same period and similar categories – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Brazil) and Encuesta Nacional de Ocupación y Empleo (México). The determinants and impacts of gender discrimination in the labour market were estimated applying the technique of Oaxaca-Blinder in each country. The main results show that, for both countries, the component of discrimination is less among workers with complete higher education than for the rest of the population, although this category present higher income gaps vis-à-vis other workers. The Mexican labor market between the two

* Os resultados deste artigo foram retirados da Dissertação de Mestrado intitulada “Desigualdades no mercado de trabalho da América Latina: a discriminação por sexo entre os trabalhadores com ensino superior no Brasil e México” defendida por Fábio Tatei no Programa de Integração em América Latina da Universidade de São Paulo em 2011. ** FEA/USP e PROLAM/USP ***

FEA/USP

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countries, controlling personal characteristics, regional and occupational categories, offers fewer job opportunities for qualified women comparative to qualified man and less wage gap.

Keywords: discrimination; wage gap; qualified labour force; higher education; gender.

Introdução

O objetivo deste trabalho é o de analisar as diferenças de salário no Brasil e no México entre homens e mulheres que possuem ao menos o nível superior completo. O propósito de estudar o mercado de trabalho qualificado deve-se a dois motivos. Este mercado constituiu-se em um estrato mais homogêneo onde as assimetrias de informação estão menos presentes, a existência de certificação específica propicia processos e critérios de seleção com critérios padronizados, o contratante então possui informação mais acurada sobre a produtividade esperada e salário que lhe será atribuído. O segundo motivo refere-se ao fato de que a educação de nível superior amplia a probabilidade de acesso às ocupações de maior prestígio, cargos mais altos e de comando das organizações do setor privado tanto para homens quanto para mulheres – o setor público, em principio, parte de critérios de mérito para contratação do trabalho qualificado. A verificação da inserção das mulheres no mercado de trabalho qualificado fornecerá informações importantes sobre a ocorrência e as possibilidades de relações sociais de gênero equitativas.

Brasil e México foram escolhidos como cenários para a análise porque ambos apresentam desigualdade de gênero elevada e persistente, embora se situem entre as economias mais dinâmicas da região latinoamericana com estrutura produtiva diversificada e complexa, e façam parte do grupo de países denominado de “emergente”. A participação feminina cresce nos dois países, sobretudo no Brasil, assim como aumenta o numero de mulheres na força de trabalho que possui formação de nível superior sem, contudo, exercer pressão significativa no setor privado da economia, ou se verifique a ampliação expressiva de mulheres em posição hierárquica elevada, ou nos postos de tomada de decisão ou ainda na redução significativa da desigualdade salarial (Maria Cristina Cacciamali, Fábio Tatei, no prelo). O que se nota então são mudanças marginais, ao invés de estruturais, nas oportunidades e participação econômica das mulheres dessas duas sociedades.

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O cômputo do índice de diferença de gênero produzido pelo Fórum Econômico Mundial, desde o início de sua divulgação, mostra que os dois países se encontram no ramo inferior da distribuição dos países latinoamericanos e dos países de renda média alta. Entre os 26 países pesquisados da América Latina Brasil e México ocupam respectivamente as 21ª e 22ª posições, situam-se em 25º e 27º lugares entre os 38 países de renda média alta, e posicionam-se em 82º e 89º na classificação geral que leva em conta 135 países (World Economic Forum, 2011). A composição do índice considera a participação e oportunidade econômica, situação educacional, saúde e taxa de mortalidade e empoderamento político.64 O perfil que condiciona o baixo desempenho dos dois países é distinto. O índice geral do Brasil é rebaixado pelo subíndice “empoderamento político” – no qual ocupa a 114ª posição –; enquanto o subíndice “participação e oportunidade econômica” abate o índice geral no México para a 109ª posição.

Desse modo, o estudo apresenta a situação de atividade de mulheres e homens nos dois países sob uma perspectiva comparada. Essa descrição foi possível graças ao emprego de microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, Brasil) e da Encuesta Nacional de Ocupación y Empleo (ENOE, México) do ano de 2008 que permite a construção de amostras comparáveis e o estabelecimento de categorias de análise similares entre os dois países e reconhecidas pelo Sistema Internacional de Estatística das Nações Unidas. A idade mínima de 20 anos foi selecionada para definir a população ativa, e nesse recorte consideraram-se três grupos objeto de análise: ocupados, ocupados com formação de nível superior, e ocupados com formação de nível superior inseridos em postos de trabalho que exigem essa formação.

Este artigo encontra-se estruturado em quatro seções, além desta introdução e das considerações finais. A primeira seção apresenta as principais características do mercado de trabalho qualificado em uma perspectiva comparada entre os dois países e os grupos de análise construídos. Entre os principais resultados, as informações apontam menor atividade das mulheres mexicanas em relação às brasileiras em todos os grupos estudados decorrentes principalmente de menores oportunidades do mercado de trabalho para as mulheres, e menor hiato salarial entre os ocupados qualificados no México. Na segunda seção apresentam-se as fontes de dados, os modelos estatísticos adotados para a estimação dos diferenciais de salário e do grau de discriminação salarial, e as respectivas

64 Os subíndices são construídos por meio de um conjunto de indicadores. Destacamos entre outros: participação na força de trabalho, igualdade salarial, mulheres em postos de comando, mulheres ocupadas com formação superior; matriculas nos níveis fundamental, médio e superior; taxa de nascimento de mulheres, esperança de vida; mulheres com assento no parlamento, em ministérios e presidente da nação nos últimos 50 anos.

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variáveis empregadas; e nas duas seções seguintes analisam-se as estimativas decorrentes de equação salarial e os resultados da decomposição de Oaxaca-Blinder.

As taxas de retorno às variáveis consideradas – educação, experiência, categoria ocupacional e região geográfica – mostram comportamento esperado nos dois países, destacando-se os elevados diferenciais de salários entre os ocupados universitários e os demais, e a importância da experiência para a determinação dos salários dos ocupados de nível superior. O grau de discriminação salarial entre sexo foi estimado por meio da técnica de Oaxaca-Blinder que, conforme apontado pela literatura, apresenta limitações. Entre elas destacamos o fato de que o grau de discriminação possa estar compreendendo um conjunto de variáveis não observáveis, por exemplo, capacidade de liderança, qualidade do treinamento ou facilidade de comunicação e relacionamento no local de trabalho, com isso a estimativa desse indicador pode estar superestimado. Contrapomos essa argumentação, entretanto, afirmando que no mercado de trabalho a valoração dos atributos observáveis e não observáveis é definida seguindo padrões masculinos, isto é, são critérios fixados por homens, o que na maioria das empresas viesa sobremaneira a possibilidade de reconhecimento e valoração monetária adequada de habilidades ou méritos apresentados por mulheres. Estudos apontam, por exemplo, que na maioria das empresas as mulheres são preteridas perante os homens em programas de treinamento profissional, elemento da maior importância para ascensão nas carreiras profissionais e promoções para cargos de comando e de tomada de decisão. Nos dois países, as estimativas indicaram que, guardadas características similares, os salários das mulheres são subestimados frente aos dos homens, independentemente da ocupação exercida e do grau de qualificação.

Por fim, tecem-se as considerações finais nas quais se ressalta a importância da manutenção de políticas públicas para minimizar a discriminação negativa das mulheres no segmento qualificado do mercado de trabalho permitindo-lhes maior participação na condução política e econômica de suas sociedades.

1. Condição de Atividade no Mercado de Trabalho Adulto e Qualificado no Brasil e México

A condição de atividade econômica dos adultos é maior no Brasil relativamente ao México. Em 2008, além de o primeiro país mostrar praticamente o dobro da População em Idade Ativa Adulta (PIA) – acima de 20 anos –, a atividade das mulheres mexicanas é cerca de 7 pontos percentuais menor do que a taxa de atividade das brasileiras, enquanto a taxa de atividade dos homens é similar. Esse comportamento se reflete sobre menor taxa de ocupação e desemprego no México, especialmente para as mulheres. (Tabela 1.1). No Brasil a taxa de ocupação global é de

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67,1%, para os homens a taxa é de 80,5% e para as mulheres de 54,9%; para o México os indicadores são respectivamente, 61,6%, 82,7% e 43,3%.65 Este comportamento encontra-se em consonância com os resultados apontados pelo Índice Geral de Diferença de Gênero que indicou, conforme visto na introdução a este artigo, a baixa atividade e a falta de oportunidade econômica para as mulheres mexicanas, como o subíndice principal para a posição inferior daquele país na classificação de 134 países.

Tabela 1.1 Condição de atividade da população adulta. Brasil e México. 2008.

País Sexo Ocupados Desocupados Inativos Total

Taxa de Ativ. (%)

Taxa de Ocup. (%)

Taxa de Desoc. (%)

Homens 48.176.989 2.093.100 9.554.467 59.824,56 84 80,5 4,2 Mulheres 36.344.844 3.225.811 26.633.094 66.203,75 59,8 54,9 8,2

Brasil Total 84.521.833 5.318.911 36.187.561 126.028,31 71,3 67,1 5,9 Homens 24.716.177 922.671 4.237.824 29.876,67 85,8 82,7 3,6 Mulheres 14.900.024 605.016 18.920.331 34.425,37 45 43,3 3,9

Méxi-co Total 39.616.201 1.527.687 23.158.155 64.302,04 64

61,6 3,7

Fonte: Elaboração própria a partir de microdados de Pnad e Enoe, 2008.

O indicador de desocupação da PEA adulta no México (3,7%) é

menor do que no Brasil (5,9%), entre outras causas, em virtude da menor atividade de sua população adulta e maior extensão do setor informal naquele primeiro país.66 A menor participação das mulheres mexicanas no mercado de trabalho por outro lado diminui substancialmente a probabilidade de sua desocupação frente às brasileiras. A taxa de desocupação das mulheres no Brasil é praticamente o dobro daquela masculina – 8,2% vs 4,2%, respectivamente –, no México ela é praticamente igual – respectivamente, 3,9% vs 3,6%. A menor atividade das mexicanas incide sobre a sua inserção na família. A hierarquia por sexo das pessoas nas famílias indica que a condição de responsável cabe à mulher em 16,1% das famílias mexicanas contrastando com o percentual de 24,6% daquelas brasileiras.

65 A taxa de ocupação é dada pela razão entre a população ocupada e a população em idade ativa, a Faixa etária considerada neste estudo é igual ou superior a 20 anos. 66 A taxa de desocupação é a razão entre a população desocupada no período de referência sobre a População Economicamente Ativa, para a faixa etária considerada no estudo.

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Tabela 1.2. Taxa de desocupação da população adulta, segundo coorte etária. Brasil e México. 2008. (em %)

País Coorte etária Homem Mulher Total

20 a 24 anos 9,5 16,9 12,7

25 a 29 anos 5,5 12,0 8,4

30 a 39 anos 3,4 7,9 5,4

40 a 49 anos 2,7 5,2 3,8

50 a 59 anos 2,4 3,1 2,7

60 anos ou mais 1,2 1,4 1,3

Brasil

Total 4,2 8,2 5,9

20 a 24 anos 7,2 9,0 7,9

25 a 29 anos 4,5 5,5 4,9

30 a 39 anos 3,5 3,7 3,6

40 a 49 anos 2,6 2,3 2,5

50 a 59 anos 2,6 1,6 2,3

60 anos ou mais 0,9 0,7 0,9

México

Total 3,6 3,9 3,7

Fonte: elaboração própria a partir de microdados de PNAD e ENOE. Soma-se ao comportamento acima dois resultados adicionais com

relação à taxa de desocupação. Nos dois países esse indicador apresenta comportamento padrão de acordo com as coortes etárias, ou seja, a taxa é negativamente correlacionada com a idade e a diferença das taxas de desocupação entre sexos diminui com o aumento da idade. Esse último indica a importância da experiência profissional para reduzir as barreiras de obtenção de emprego para as mulheres (Tabela 1.2).

Por outro lado, o comportamento da taxa de desocupação categorizada por grau de escolaridade, mostra-se distinta entre os dois países. No México, a taxa de desocupação é positivamente correlacionada com a escolaridade enquanto que no Brasil a relação entre taxa de desocupação e escolaridade mostra o formato de um U invertido, menor para a mão de obra de menor escolaridade e para aquela universitária e maior para aqueles de escolaridade de nível médio incompleto. O mercado de trabalho de mão de obra qualificada mais dinâmico no Brasil frente aos menores índices de escolaridade e o comportamento oposto no México aliado às possibilidades de emigração dos mexicanos para os Estados Unidos encontram-se entre as causas que contribuem para explicar tais

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Tabela 1.3. Taxa de desocupação da população adulta, segundo grau de escolaridade. Brasil e México. 2008. (em %)

País Grau de escolaridade Homem Mulher Total

Sem instrução 3,2 5,5 4,0

Fundamental incompleto 3,4 6,5 4,6

Fundamental completo 4,6 9,4 6,6

Médio incompleto 6,0 13,5 9,2

Médio completo 5,3 10,5 7,7

Superior incompleto 5,7 9,3 7,6

Superior completo 2,7 4,4 3,6

Brasil

Total 4,2 8,2 5,9

Analfabeto ou pré-escolar 2,0 1,2 1,7

Primário incompleto 2,6 1,7 2,3

Primário completo 3,3 3,2 3,2

Secundário ou preparatório para bacharelado 3,9 4,5 4,1

Superior 4,6 5,2 4,9

México

Total 3,6 3,9 3,7

Fonte: Elaboração própria a partir de microdados de Pnad e Enoe, 2008.

diferenças.67 A mão de obra semi qualificada, destarte, encontra muita dificuldade de se ocupar, seja pela baixa escolaridade como, sobretudo pela dificuldade de especificação ocupacional, condicionada pelo aprendizado difuso para o trabalho ou até inexistente, o que aumenta a assimetria de informações nesse mercado de trabalho o que diminui a probabilidade de sua contratação. (Tabela 1.3).

As taxas de atividade e de ocupação da população universitária, conforme o comportamento padrão observado em muitos países, em ambos os países, são maiores do que aqueles apresentados pela população em idade adulta, e mantém, no México, o comportamento de menor atividade

67 A maior parcela da população no Brasil possui grau de escolaridade equivalente ao fundamental incompleto – 34,5% – enquanto 24,3% dos brasileiros possuem ensino médio completo, 12,3% são analfabetos ou nunca cursaram o ensino fundamental, 13,8% apresentam nível de escolaridade superior e 9,1% concluíram sua formação. No recorte por sexo há maior proporção de mulheres com grau de escolaridade superior vis-à-vis os homens, respectivamente 14,8 e 12,6%. A população mexicana é mais escolarizada, a maior parcela de sua população possui grau de escolaridade médio completo – 37,3%, seguido de 15,9% de pessoas com nível superior completo – 15,9%; o percentual de indivíduos analfabetos ou que nunca cursaram sequer o ensino fundamental é 8,8%.

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econômica feminina. No Brasil a taxa de atividade das universitárias é 7 pontos percentuais menor à masculina, de modo que é pouco maior do que 4/5 da taxa de atividade para os homens. No México a taxa é 17 pontos percentuais inferior, pouco maior do que 2/3 da taxa masculina. (Tabela 1.4).

Tabela 1.4. Condição de atividade da população universitária. Brasil e México. 2008.

País Sexo Taxa de Atividade

Taxa de Ocupação

Taxa de Desocupação

Homens 89,60 87,21 2,67

Mulheres 82,30 78,69 4,39 Brasil

Total 85,39 82,30 3,62

Homens 84,91 80,96 4,65

Mulheres 68,03 64,49 5,21 México

Total 77,00 73,24 4,88

Fonte: Elaboração própria a partir de microdados de Pnad e Enoe, 2008. A taxa de desocupação entre a PEA universitária, em consonância

com o comportamento da PEA adulta, mostra figuras distintas no México e no Brasil, em virtude da dinâmica econômica e da demanda por qualificados dos respectivos mercados de trabalho. No México a taxa de desocupação dos universitários é maior do que entre a PEA adulta e maior do que os índices brasileiros inclusive no caso da taxa de desocupação feminina. (Tabelas 1.1 e 1.4). No Brasil o nível absoluto e diferencial positivo da taxa de desocupação feminina, se bem que em patamar e diferença menor, mostra-se praticamente uma vez e meia daquela masculina. A análise entre taxa de desocupação e idade entre a PEA universitária em ambos os países também mostra comportamento padrão para esse tipo de população, ou seja, correlação negativa entre as duas variáveis, exceção feita apenas às mulheres mexicanas na coorte acima de 60 anos em que a taxa de desocupação aumenta sensivelmente. (Tabela 1.5).

Entre os ocupados adultos, a relação entre nível de rendimento hora da ocupação principal e escolaridade é crescente, conforme esperado, bem como a diferença de rendimentos hora entre níveis de escolaridade. O bônus salarial crescente devido ao aumento da escolaridade promove elevado incentivo para que a população de ambos os países almeje obter um grau de escolaridade superior, sobretudo no Brasil. Os ocupados mexicanos com nível de escolaridade superior completo recebem, em média, renda horária 1,8 vezes do que as pessoas com ensino médio completo, e 6,5 vezes acima daquelas analfabetas.

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Tabela 1.5. Taxa de desocupação da população universitária, segundo coorte etária. Brasil e México. 2008. (em %)

País Coorte etária Homem Mulher Total

20 a 24 anos 8,3 12,7 11,1

25 a 29 anos 4,9 6,5 5,9

30 a 39 anos 2,4 4,5 3,6

40 a 49 anos 1,5 2,6 2,1

50 a 59 anos 1,9 2,2 2,1

60 anos ou mais 2,5 0,8 2,0

Brasil

Total 2,7 4,4 3,6

20 a 24 anos 11,2 12,0 11,6

25 a 29 anos 6,3 6,4 6,3

30 a 39 anos 4,3 3,8 4,1

40 a 49 anos 2,0 1,9 2,0

50 a 59 anos 3,0 2,1 2,8

60 anos ou mais 0,7 6,6 1,5

México

Total 4,6 5,2 4,9

Fonte: Elaboração própria a partir de microdados de Pnad e Enoe, 2008.

Tabela 1.6. Diferenciais de rendimento hora entre graus de escolaridade da população ocupada adulta. Brasil e México. 2008.

Brasil México Grau de escolaridade HOMEM

Renda/h MULHER Renda/h

TOTAL Renda/h

HOMEM Renda/h

MULHER Renda/h

TOTAL Renda/h

Sem instrução (2,39) (1,54) (2,09) (11,60) (12,48) (11,93)

Fundamental incompleto

1,63 1,55 1,59 1,32 1,12 1,25

Fundamental completo

1,33 1,39 1,34 1,24 1,19 1,22

Médio incompleto 0,91 0,97 0,92

Médio completo 1,45 1,44 1,41 1,19 1,24 1,20

Superior incompleto 1,51 1,47 1,47

Superior completo 2,17 2,06 2,08 1,88 1,78 1,84

Total (6,55) (5,00) (5,88) (23,41) (21,63) (22,74)

Fonte: Elaboração própria a partir de microdados de Pnad e Enoe, 2008. Obs.: os dados entre parênteses correspondem ao valor do rendimento hora em moeda local.

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No Brasil o diferencial é ainda maior, os ocupados com ensino

superior auferem 2,8 vezes a renda média horária daqueles que possuem o ensino médio completo, e a diferença é de 8,2 vezes em relação à população não escolarizada. (Tabelas 1.6).

O comportamento do diferencial dos rendimentos por sexo é distinto entre os dois países e difere entre o valor por hora e o valor total. Os diferenciais de rendimentos hora mostram-se menores no México relativamente ao Brasil, todavia os diferenciais de rendimentos totais mostram-se mais elevados. Em ambos os países o hiato de rendimento hora se amplia à medida que a escolaridade aumenta, exceto no caso brasileiro entre os ocupados de nível médio incompleto e de ensino fundamental. (Tabelas 1.7 e 1.8). Os dados de rendimento hora ressaltam que a população com ensino superior aufere renda claramente superior ao restante da população menos escolarizada; e que o hiato salarial por sexo aumenta à medida que se eleva o grau de escolaridade.

Tabela 1.7. Diferenciais de rendimento hora da ocupação principal por grau de escolaridade entre sexo. Brasil e México. 2008.

Brasil México

Grau de escolaridade

Homem Renda/h

Mulher Renda/h

Diferencial Homem / Mulher (%)

Homem/Renda/h

Mulher/ Renda/h

Diferencial Homem / Mulher (%)

Sem instrução 2,39 1,54 55,19 11,60 12,48 -7,05

Fundamental incompleto

3,90 2,39 63,18 15,32 13,95 9,82

Fundamental completo

5,17 3,32 55,72 18,93 16,60 14,04

Médio incompleto 4,72 3,21 47,04

Médio completo 6,83 4,61 48,16 22,44 20,61 8,88

Superior incompleto 10,34 6,78 52,51

Superior completo 22,45 13,96 60,82 42,13 36,66 14,92

Total 6,55 5,00 31,00 23,41 21,63 8,23

Fonte: Elaboração própria a partir de microdados de Pnad e Enoe, 2008. Obs.: os dados entre parênteses correspondem ao valor do rendimento hora em moeda local.

No Brasil a renda em valor absoluto dos homens é, em média, 55,7%

superior àquela das mulheres, e entre os ocupados com ensino superior o diferencial aumenta para 77,6%. Assim, se nota que as mulheres universitárias, apesar de auferirem maiores níveis de rendimento do trabalho, além de melhores oportunidades de inserção no mercado de trabalho, apresentam posição relativa ainda mais desvantajosa perante os homens em termos de renda. Ou seja, se visto pelo posto de vista único da mulher, a maior escolarização só apresenta pontos positivos para sua

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carreira profissional, contudo, ao observarmos o todo, torna-se claro as ineficiências do mercado de trabalho, que não remunera essas trabalhadoras adequadamente, ao menos em comparação aos trabalhadores homens de qualificação semelhante.

Neste aspecto, o México apresenta um quadro distinto ao Brasil. Apesar da menor inserção relativa das mulheres mexicanas com formação superior, a escolarização funciona para reduzir a desigualdade por sexo. Entre o total da população, os homens auferem renda média 166,7% superior perante as mulheres, enquanto para a população com ensino superior o diferencial se reduz para praticamente a metade 82,0%. Apesar do diferencial de renda por sexo no México apresentar níveis superiores aos diferenciais do Brasil, ao menos neste aspecto, o viés de renda negativo das mulheres que conseguem uma ocupação é menor. (Tabela 1.8).

Tabela 1.8. Diferenciais de rendimento total da ocupação principal por grau de escolaridade entre sexo. Brasil e México. 2008.

Brasil México

Grau de escolaridade Homem

Renda/h Mulher Renda/h

Diferencial Homem / Mulher (%)

Homem/Renda/h

Mulher/ Renda/h

Diferencial Homem / Mulher (%)

Sem instrução 405,95 194,28 108,95 1277,86 336,77 279,45

Fundamental incompleto

705,49

327,46

115,44

1962,02

557,34

252,03

Fundamental completo

948,12

496,46

90,98

2832,06

808,02

250,49

Médio incompleto 871,64 489,33 78,13

Médio completo 1222,68 696,97 75,43 3667,95 1453,54 152,35

Superior incompleto

1716,82 986,86 73,97

Superior completo 3596,83 2025,02 77,62 5771,2 3169,51 82,08

Total 1134,17 728,56 55,67 3435,13 1288,16 166,67

Fonte: Elaboração própria a partir de microdados de Pnad e Enoe, 2008. Por outro lado, ressalvamos que os diferenciais de rendimento total

por sexo devem ser vistos com cautela, dado que o número de horas dedicadas ao trabalho é distinto entre homens e mulheres, sobretudo no México. Desse modo, verificamos na Tabela 1.9 que para o total da população adulta, as mulheres no Brasil trabalham aproximadamente 8 horas semanais a menos que os homens, enquanto as mexicanas dedicam menos da metade das horas trabalhadas pelos homens. Desse modo, evidencia-se que uma parcela do diferencial de rendimentos por sexo se

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deve ao menor tempo alocado para o trabalho das mulheres. No tocante a população universitária, notamos que o diferencial por sexo das horas semanais alocadas para o trabalho se reduz, seja tanto pela menor média de horas dos homens, como pelo aumento dessa média para as mulheres, em ambos os países. Todavia, ainda se verifica um elevado hiato no México, de modo que as mexicanas trabalham semanalmente o equivalente a 2/3 do tempo dos homens.

Tabela 1.9. Média de horas trabalhadas por semana. Brasil e México. 2008.

País Sexo Adulta (em horas/semana)

Universitária (em horas/semana)

Homem 43,5 41,1

Mulher 35,6 36,3 Brasil

Total 40,1 38,5

Homem 37,4 34,1

Mulher 15,9 22,1 México

Total 25,9 28,5

Fonte: Elaboração própria a partir de microdados de Pnad e Enoe, 2008. Os dados apresentados corroboram a manutenção de traços

patriarcais e sexistas que constituíram ambas as sociedades e tornam claras as bases de desvantagens das mulheres perante os homens no mercado de trabalho com prejuízo para o crescimento econômico dos dois países, principalmente para o México devido à menor atividade feminina, e a não alocação de mão de obra qualificada de ambos os sexos.

2. Fontes de Dados e Modelos Aplicados As bases de dados utilizadas para o desenvolvimento desta pesquisa

são a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) produzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do Brasil, e a Encuesta Nacional de Ocupación y Empleo (ENOE) realizada pelo Instituto Nacional de Estadística y Geografía (INEGI) do México. Ambas as pesquisas extraem informações por meio de procedimentos reconhecidos pelo sistema de estatísticas internacionais e permitem a construção de categorias de análise compatíveis para realizar as estimativas dos efeitos da discriminação no mercado de trabalho qualificado.68 Este estudo a partir de microdados

68 Notas metodológicas da PNAD podem ser consultadas em ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_anual/microdados/2008/Metodologia.zip; e da ENOE em

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construiu a categoria “ocupado” e a submeteu a três filtros: setor urbano privado excluído o serviço doméstico; coorte superior a 20 anos; e nível superior completo. Posteriormente os dados supracitados foram submetidos a um filtro adicional referente a nível superior completo que exerce ocupação que requer formação universitária, como médicos, dentistas, advogados, entre outros. Os anos de escolaridade – 15 para o Brasil e 16 para o México – constituíram-se no critério para selecionar a população ocupada de nível superior.69 Assim, a amostra de ocupados com ensino superior é formada por 6.058.234 observação no Brasil – 3.032.082 homens e 3.026.152 mulheres – e 4.877.758 observações no México – 2.896.832 homens e 1.980.926 mulheres. Por fim, a amostra nas categorias ocupacionais de dirigentes e de profissionais e técnicos de ensino superior é formada por 4.006.079 observações no Brasil – 2.006.493 homens e 1.999.586 mulheres – e 1.811.963 observações no México – 1.120.640 homens e 691.323 mulheres.

A análise da discriminação efetuada segue os pressupostos da teoria econômica convencional, ou seja, de que é possível estimar a renda de uma pessoa a partir de suas características pessoais e econômicas. Assim, partimos da estimação da equação salarial segundo Mincer (1974):

ln(W i) = Xi’β + εi , i = 1, …, n (1), onde: W é um vetor que representa a renda-hora do indivíduo, β é o vetor dos coeficientes, X é o vetor de características do indivíduo, e ε os erros. Em nosso modelo, o vetor X é constituído das seguintes variáveis:

- características pessoais: anos de estudo; experiência, aproximada por idade e idade ao quadrado; e sexo;

- inserção regional: macrorregiões geográficas; utilizam-se dummies para 5 regiões no Brasil – Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste – e para as 8 regiões no México – Nordeste, Noroeste, Oeste, Leste, Centro-Norte, Centro-Sul, Sudeste e Sudoeste. A categoria Sudeste se constitui na base de comparação nos dois países.

- características econômicas: utilizam-se dummies para o Brasil: dirigentes; profissionais das ciências e das artes; técnicos de nível médio; trabalhadores de serviços administrativos; trabalhadores dos serviços; vendedores e prestadores de serviço do comércio; e trabalhadores da produção de bens e serviços e de reparação e manutenção; e ii) para o México: profesionales, técnicos y trabajadores del arte; trabajadores de la educación; funcionarios y directivos; oficinistas; trabajadores industriales, artesanos y ayudantes; comerciantes; operadores de transporte;

http://www.inegi.org.mx/est/contenidos/espanol/metodologias/enoe/ENOE_como_se_hace_la_ENOE1.pdf. 69 Para o caso brasileiro, tal recorte é feito por meio de variável específica da PNAD (v4745), que indica o grau de escolaridade mais elevado alcançado pela pessoa pesquisada; no caso mexicano não existe diretamente tal informação, de modo que foi criada uma rotina para que seja possível construir uma variável compatível.

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trabajadores en servicios personales; e trabajadores en protección y vigilância. A categoria de “profissionais das ciências e artes” se constitui na base de comparação nos dois países.

O estudo da decomposição dos rendimentos, por outro lado, foi efetuado de acordo com o modelo proposto por Ronald Oaxaca (1973) – e similarmente por Alan Blinder (1973). De início, a existência de discriminação é dada pela seguinte relação:

(1) ( )( )0

0

WW

WWWW

fm

fmfmD

−=

,

onde o termo WW fm representa a relação entre o salário

observado para homens e mulheres e ( )0

WW fm é a mesma relação

na ausência de qualquer discriminação. Como o termo ( )0

WW fm

é

desconhecido, a estimação da discriminação é ao mesmo tempo a estimação de tal termo. Assim, na ausência de discriminação, homens e mulheres enfrentam a mesma estrutura salarial, ao passo que a discriminação faz com que as dotações de capital humano do não discriminado sejam sobreavaliadas – ou que as dotações do discriminado sejam subavaliadas. Utilizando o método de mínimos quadrados ordinários, a estimação do salário é dada por:

(2) µβiii ZW +=

')ln( ,

onde W i é o salário do i-ésimo trabalhador, Z i

' é um vetor de

características individuais para cada trabalhador, β é o coeficiente

associado a cada uma dessas características, e µi

é o termo de erro.

A possibilidade de se decompor os efeitos da discriminação daqueles resultantes de diferentes características pessoais existe supondo-se (1) juntamente com as hipóteses relativas à estrutura de salários face à discriminação. Para isso, é preciso que os salários sejam tomados em forma logarítmica. Pode-se reescrever (1) como:

(3) ( ) ( ) ( )0lnln1ln WWWW fmfm

D −=+ Que seja:

(4)

WWW

f

fmG

−=

, Então,

(5) ( ) ( ) ( )WW fmG lnln1ln −=+ ,

Onde: W m e W f

são os salários médios de homens e

mulheres, respectivamente. Usando das propriedades dos MQO, pode-se substituir

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188

(6) ( ) β̂'

lnmim ZW =

(7) ( ) β̂'

lnf

if ZW =

em (5), de modo a ter: (8) ( ) ββ ˆˆ ''

1lnfimi ZZG −=+

Em seguida, tratando a relação dos coeficientes e variáveis agregados e desagregados por sexo por:

(9) ZZZ fm

''−=∆

(10) βββ ˆˆˆ

fm

−=∆

e substituindo βββ ˆˆˆ ∆−=fm

em (8), tem-se que

(11) ( ) ββ ˆˆ ''1ln ∆−=+ ZZ mf

G

Ainda baseando-se em (3) e nas suposições a respeito da estrutura de salários na presença e na ausência de discriminação, pode-se mostrar que:

(12)

βˆ'

0

lnf

ZW

W

f

m ∆

=

(13) ( ) β̂1ln'

∆−=+ Z mD

Assim, decompõe-se o diferencial de salários que é explicada pelos efeitos estimados das diferenças nas dotações entre o grupo padrão e o grupo discriminado na expressão (12) e outra, a qual se convencionou associar aos efeitos estimados da discriminação, na expressão (13). Contudo, tal interpretação deve ser vista com ressalvas, uma vez que o referido termo de discriminação engloba uma série de características não observáveis que podem estar ou não relacionadas com a discriminação pura.

3. Taxas de Retorno por Sexo e Países

O modelo aplicado para os ocupados adultos apresenta os resultados esperado, ou seja, há relação positiva e decrescente entre salário e experiência; e a desagregação por sexo mostra diferenças entre os três tipos de amostras estudadas e entre os dois países. No Brasil os homens expõem maiores taxas de retorno à experiência em comparação às taxas femininas – o que não necessariamente se deve à discriminação, pois pode haver outros fatores influenciando esse diferencial, por exemplo, habilidades pessoais, categoria de ocupação, região geográfica, entre

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outros.70 No México não há diferença significativas da taxa de retorno à experiência de homens e mulheres – o que mostra que, aos menos para esta variável, não há evidências de discriminação por sexo. (Gráfico 3.1).

Na amostra de “ocupados de nível superior” verificamos que os retornos a experiência são maiores ao observado para o total da população dos dois países, sendo constantemente maiores para os homens no Brasil. Por outro lado, no caso mexicano as taxas de retorno mantém sua similaridade entre sexo, apesar de se verificar algumas distinções nos extremos, isto é, com os homens com menor experiência apresentando uma ligeira superioridade da taxa de retorno perante as mulheres, enquanto elas possuem taxas de retornos maiores nas coortes etárias mais velhas. (Gráfico 3.2).

Na amostra de ocupados universitários em postos de nível de educação superior e comparando-os com o total da população universitária, os resultados nos dois países diferem daqueles das duas amostras anteriores. No Brasil os retornos são maiores apenas nas coortes etárias mais novas, enquanto as taxas de retorno convergem entre os ocupados mais velhos, ou seja, quanto maior a experiência do indivíduo com ensino superior, o tipo de ocupação se torna menos relevante para diferenciar o retorno marginal da experiência nos salários. Por sua vez, no México as taxas de retorno à experiência dos ocupados inseridos em postos que exigem educação superior são sempre maiores do que as taxas verificadas para o total dos ocupados com ensino superior, independente do sexo. Esse comportamento aponta que a experiência profissional afeta distintamente o nível de renda recebida no trabalho. (Gráfico 3.3).

Assim, os universitários ocupados em postos que requerem curso superior auferem, em média, renda superior aos universitários ocupados que exercem trabalhos de qualquer natureza, de modo que a elevação da experiência profissional apresenta, na margem, maiores retornos relativos em termos de salários. Ou seja, em ocupações que podemos considerar de maior prestígio, a experiência é mais relevante para se determinar o nível de renda dos trabalhadores, tanto no Brasil como no México.

70 As taxas de retorno à experiência são obtidas calculando-se a derivada parcial da equação de salários, com relação às respectivas variáveis.

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Gráfico 3.1 – Taxa de retornos à experiência. Brasil e México. População adulta. 2008

0,000

0,005

0,010

0,015

0,020

0,025

0,030

20 25 30 35 40 45 50

em

)%

Idade

Homem

Mulher

Brasil México

Fonte: Pnad e Enoe 2008. Elaboração própria.

Gráfico 3.2 – Taxa de retornos à experiência. Brasil e México. População com ensino superior. 2008

Fonte: Pnad e Enoe 2008. Elaboração própria.

Gráfico 3.3 – Taxa de retornos à experiência. Brasil e México. População com ensino superior e ocupada como dirigente ou profissional/técnico de nível superior. 2008

Brasil México Fonte: Pnad e Enoe 2008. Elaboração própria. Os resultados do retorno aos anos de escolaridade também seguem o proposto pela teoria – relação positiva e crescente com o nível de

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renda –, mas as estimativas segundo sexo apresentam comportamentos opostos nos dois países em análise: as mulheres brasileiras possuem maior vantagem comparativa em concluir o ensino superior do que os homens, ao inverso do México. (Gráfico 3.4).

Brasil México

Fonte: Pnad e Enoe 2008. Elaboração própria. O Quadro 3.1 seguinte, apresenta a síntese dos efeitos das variáveis

dummies – região e categorias ocupacionais – incorporadas ao modelo de equação salarial aplicado aos dois tipos de amostra, referente ao ano de 2008. Lembramos que a região sudeste e a categoria ocupacional de “profissionais das ciências e artes” se constituem na base de comparação.

Para as dummies de região geográfica os resultados são válidos tanto para a amostra de ocupados adultos como para as outras duas amostras de universitários, para homens e para mulheres. As estimativas mostram maiores retornos nas regiões dinâmicas ou economicamente mais desenvolvidas de cada um dos dois países. Ou seja, a localização dos trabalhadores influencia em seu nível de rendimento, e o padrão regional se mantém para ambos os sexos.

No tocante as dummies de categoria de ocupação, as estimativas para Brasil e México indicam que, independentemente do sexo, os ocupados da categoria “dirigentes” auferem os maiores retornos salariais, “técnicos e profissionais de ensino superior” apresentam o segundo maior retorno sobre a renda; enquanto os menores retornos foram encontrados entre os ocupados ligados as atividades de comércio e serviços. Somente para este último caso é que verificamos distinções por sexo, assim, no Brasil os menores retornos salariais se verificam para os homens ocupados

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Quadro 3.1 – Síntese dos resultados das regressões para as variáveis explicativas binárias. Brasil e México. Ocupados de nível superior e ocupados de nível superior em postos que exigem escolaridade e nível superior. 2008

Brasil México Variável

Retorno ao rendi-mento Homem Mulher Homem Mulher

População com ensino superior

Menor retorno

Nordeste Nordeste Sudoeste Sudoeste Região Geográfica Maior

retorno Centro-Oeste Centro-Oeste Nordeste Nordeste

Menor retorno

Trabalha-dores dos serviços

Trabalhadores da produção de bens e serviços e de reparação e manutenção

Segurança e vigilância

Operadores de transporte Categoria de

Ocupação

Maior retorno

Dirigente Dirigente Dirigente Dirigente

População com ensino superior e ocupada como dirigente ou profissional/técnico de nível superior

Menor retor-no Norte Nordeste Sudoeste Sudoeste

Região Geográfica Maior

retor-no Centro-Oeste Centro-Oeste Nordeste Nordeste

Menor retor-no

Profissio-nais e técnicos de nível superior

Profissio-nais e técnicos de nível superior

Profissio-nais e técnicos de nível superior

Profissionais e técnicos de nível superior

Categoria de Ocupação

Maior retor-no

Dirigente Dirigente Dirigente Dirigente

Fonte: Síntese das estimativas realizadas pelos autores a partir de Pnad 2008 e Enoe 2008.

na categoria “trabalhadores de serviços” e para as mulheres ocupadas na produção de bens e serviços de manutenção e reparação. Por sua vez, no México os menores retornos salariais dos homens se observam na categoria de segurança e vigilância e concernentes às mulheres na categoria “operadoras de transporte”.

4. Decomposição de Oaxaca-Blinder

A decomposição de Oaxaca-Blinder das regressões salariais, conforme apresentado na seção 2, nos permite desagregar o hiato salarial entre homens e mulheres em duas parcelas: uma determinada pelas diferenças de fatores produtivos dos trabalhadores e outra por fatores não mensuráveis no modelo, que para o presente estudo consideramos como relacionado a ação do fenômeno da discriminação por sexo no mercado de

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trabalho. De modo a facilitar a leitura dessa decomposição, a Tabela 4.1 mostra a aplicação dessa metodologia na amostra dos ocupados adultos para se determinar a composição do diferencial do rendimento: a parcela percentual que é devida à diferença de dotações e a parcela que advém da parcela não explicada. Os valores foram calculados da seguinte forma: X =

(A1 – A2) / (B – A2) e Y = (B – A1) / (B – A2); onde X representa o

percentual devido à discriminação; 1A é o salário/hora do grupo analisado

receberia na ausência de discriminação; 2A é o salário/hora observado do

mesmo grupo; B é salário/hora observado do grupo padrão ou referência –

os homens; e Y representa o percentual devido à diferença de fatores. Os resultados indicam que, caso os atributos das mulheres fossem

valorizados similarmente aos dos homens, isto é, caso não houvesse discriminação no mercado de trabalho, elas deveriam receber salário superior ao deles nos dois países em análise (Tabela 4.1). Efetivamente as trabalhadoras brasileiras recebem uma renda/hora média de R$ 3,77 / h, no entanto, se elas fossem valoradas da mesma forma que os homens, deveriam auferir R$ 5,00 / h. Ou seja, ao invés de receber uma renda 16,6% inferior aos homens, elas deveriam receber 10,6% a mais. No México o diferencial é ainda maior, de modo que as mulheres deveriam receber um rendimento 27,3% superior aos dos homens de qualificação semelhante. (Tabela 4.1). Assim, considerando que homens e mulheres com grau de escolaridade, experiência, localização geográfica e ocupação semelhantes auferem diferentes níveis de rendimento, tal diferencial deve estar relacionado à discriminação das mulheres no mercado de trabalho que por sua vez é um dos palcos mais importantes do reconhecimento das desiguais relações sociais de gênero. Tais resultados estão de acordo com a literatura especializada, que mostram que o efeito da discriminação por sexo sobre o hiato salarial entre homens e mulheres se sobressai sobre os demais determinantes da renda do trabalho.71

Tabela 4.1 – Decomposição de Oaxaca-Blinder. Brasil e México. Ocupados adultos. 2008

Renda/h observado

Renda/h com peso do homem branco

% do hiato devido à discriminação

% do hiato devido à dif. Dotações

Homem 4,52 Brasil

Mulher 3,77 5,00 163% -63% Homem 24,09 México Mulher 19,89 30,66 256% -156%

Fonte: Elaboração própria.

71 Ver, entre outros, Maria Cristina Cacciamali, Fábio Tatei, Jackson William Rosalino, 2009.

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A seguir, apresentamos a decomposição de Oaxaca-Blinder para a subamostra dos trabalhadores com ensino superior e daqueles ocupados em postos de nível superior, contemplando apenas as categorias de dirigentes e dos profissionais e técnicos de ensino superior. Observamos então que ambos os países apresentam rendimentos/hora superiores em relação as resultados da regressão para a amostra dos ocupados adultos, assim como a redução do grau de discriminação, embora esse ainda se mantenha como a principal parcela determinante do hiato de renda entre homens e mulheres. (Tabela 4.2). Igualmente, observamos que a parcela de discriminação do hiato salarial do México permanece superior ao do Brasil. É interessante notar que na parcela dos ocupados qualificados o termo de discriminação apresente uma significância relativa inferior ao observado para os ocupados adultos, o que indica que o acesso de maior número de mulheres à educação universitária e a postos de comando poderia contribuir a superar as restrições de gênero no mercado de trabalho. Os resultados alcançados tornam essa proposição um dilema.

A renda/hora média auferida pelos universitários ocupados em postos que exigem tal formação é superior àquela recebida pelos universitários ocupados em qualquer tipo de ocupação, embora o peso do grau de discriminação dessas duas categorias seja distinto nos dois países. No Brasil não se verificam mudanças significativas, de modo que a parcela do hiato de renda devido à discriminação entre as duas amostras de universitários ocupados é menos de dois pontos percentuais a favor dos ocupados em postos que exigem ensino superior. No México o comportamento é distinto. Naquele país observa-se uma acentuada queda do grau de discriminação, alcançando nível inferior ao do Brasil. (Tabela 4.2). Ou seja, no Brasil onde a demanda por mão de obra qualificada é mais dinâmica o grau de discriminação persiste ou pouco regride nos postos de trabalho de maior prestigio e/ou comando, e no México onde o mercado de trabalho absorve relativamente menos mão de obra qualificada e oferece menos oportunidades para as mulheres, o grau de discriminação diminui. De fato, a composição da categoria de ocupação dos universitários mostra que no Brasil pouco mais de dois terços dos ocupados de nível superior está alocada como dirigente ou profissional de nível superior (67,6%), enquanto no México essa proporção é de 37,5%. Ou seja, uma das interpretações possíveis é que nos países em tela há uma relação positiva entre oferta de postos de maior prestigio e grau de discriminação. Na presença de maiores oportunidades de ascensão as mulheres encontram maior resistência para ocupar posições de tomada de decisão.

Destarte, os resultados da decomposição de Oaxaca-Blinder tornam evidente a posição desfavorável das mulheres perante os homens. Independentemente da ocupação exercida e do grau de qualificação, é elevada a probabilidade das mulheres receberem, em média, renda do

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trabalho inferior aos dos homens com características produtivas semelhantes, simplesmente devido à discriminação no mercado de trabalho.

Tabela 4.2 – Decomposição de Oaxaca-Blinder. Brasil e México. População com ensino superior e população com ensino superior ocupada como dirigente ou profissional/técnico de nível superior. 2008

Renda/h observado

Renda/h com peso do homem branco

% do hiato devido à discriminação

% do hiato devido à dif. dotações

População com ensino superior Homem 14,47

Brasil Mulher 9,71 13,41 78% 22%

Homem 44,06 México

Mulher 39,32 43,64 91% 9%

População com ensino superior e ocupada como dirigente ou profissional/técnico de nível superior

Homem 18,21 Brasil

Mulher 11,81 16,70 76% 24%

Homem 52,90 México

Mulher 44,84 47,73 36% 64%

Fonte: : Elaboração própria.

Considerações Finais A decomposição de Oaxaca-Blinder corrobora evidências

encontradas na literatura a respeito da presença do componente não explicado do diferencial de salários entre sexos – que se convenciona associar ao fenômeno da discriminação.72 Assim, diferenças nos fatores produtivos, pessoais e regionais não são suficientes para explicar o hiato de rendimento do trabalho existente entre homens e mulheres no mercado de trabalho qualificado dos dois países. O presente estudo avança em dois aspectos. O primeiro refere-se à comparação de evidências sobre as diferenças de gênero entre os ocupados qualificados e o total de ocupados adultos. O segundo aspecto é a análise do hiato salarial em uma perspectiva comparada entre dois países latinoamericanos. Ambos os países se situam em posições inferiores da classificação do índice de diferença de gênero, embora constituam economias emergentes com estruturas produtivas diversificadas, rendas per capita médias altas e acima da média da região. Os resultados desta pesquisa indicam que as mulheres brasileiras, em média, tendem a participar proporcionalmente mais no

72 Entre outros: Barros, Franco, Mendonça (2007), Cavalieri, Fernandes (1988), Jasso, Flores

(2004), Lovell (1992), Rocha, Pero (2007), Soares (2000), Wood, Carvalho (1994).

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mercado de trabalho qualificado que as mexicanas, no entanto, a maior dinâmica do mercado de trabalho brasileiro e o maior nível de atividade das mulheres se traduzem em maiores taxas de desocupação e maiores diferenciais negativos de renda frente aos homens do que no mercado de trabalho qualificado mexicano. Por sua vez, a sociedade mais patriarcal do México e as condições de menor dinamismo do mercado de trabalho ratificam a condição tradicionalmente atribuída à mulher de reprodutora e cuidadora dos membros da família. As menores oportunidades econômicas para as mulheres mexicanas se exprimem em menores diferenciais de salários entre ocupadas e ocupados qualificados relativamente aos congêneres brasileiros.

As diferenças de gênero diminuem lentamente nos países que possuem tradição machista e sexista – caso dos países estudados – o que nos leva a enfatizar a importância da promoção de políticas públicas eficazes no combate à manutenção das diferenças sociais de gênero. Rubery et al (1999) sustentam que, embora a maioria dos especialistas reconheça a existência da discriminação das mulheres no mercado de trabalho, muitos deles argumentam que esse comportamento ocorre devido a falhas de mercado, podendo ser suprimida por meio de maior flexibilização das relações de trabalho. Porém, para os autores mencionados, essa alegação não procede, na medida em que a desregulamentação do mercado de trabalho, ao contrário, tende a aprofundar o hiato salarial entre homens e mulheres.

A literatura sobre a necessidade de políticas de Estado para superar comportamentos sociais preconceituosos é considerável no campo da equidade de gênero para combater a pobreza e promover o crescimento sustentado, contudo os estudos apontam que a igualdade avançou mais no acesso à educação do que na mobilidade positiva no mercado de trabalho rumo à ocupação de cargos de comando e tomada de decisão que outorguem poder econômico e político à mulheres, barreira recorrente para as profissionais de nível superior. Estudos recentes sobre o mercado de trabalho brasileiro, por exemplo, mostram que, controladas as características pessoais, geográficas e de tipo de contrato de trabalho, a resistência à contratação de mulheres é maior do que à contratação de homens negros ou mestiços, e que as restrições ao emprego de mulheres aumentam na medida em que se avança nos cargos mais elevados da hierarquia ocupacional. (Maria Cristina Cacciamali, Maria de Fátima José-Silva, 2008).

No caso do mercado de trabalho qualificado a resistência centra-se em comportamentos tradicionais, determinados por critérios e normas estabelecidos a partir de valores e padrões masculinos que ainda se reproduzem em profusão, tendem à própria autoproteção e à manutenção das posições de comando. Pesquisas recentes mostram também que a mulher que ascende a cargos de comando, em geral, encontra-se à sombra

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e sob a proteção de um homem de prestígio que a apoiou e para o qual ela mantém laços de admiração e lealdade. (Maria Cristina Cacciamali, Fábio Tatei, 2011).

Fomentar a prática de igualdade de gênero requer o suporte de leis que penalizem o cultivo de preconceitos e as ações que discriminem sexos, a impunidade constitui um incentivo à manutenção do status quo. Para além do marco legal que confirme a igualdade de gênero, a articulação dos componentes de financiamento, incentivos e focalização – elementos estruturantes e decisivos do desenho de programas públicos bem sucedidos – deve voltar-se para a mudança estrutural dos valores que criaram e norteiam a manutenção das relações de subalternidade da mulher frente ao espaço público – tradicionalmente masculino. Um passo importante é a alteração da mentalidade e da concretude das relações de gênero no sistema educacional e em outras instituições sociais, saúde, gestão econômica e política, entre outras. No sistema escolar, por exemplo, não se verifica a implementação sistemática de práticas que valorizem e sustentem a igualdade de gênero por meio de materiais pedagógicos e conteúdos disciplinares desde o nível maternal até a formação superior. Mudanças institucionais nesse sentido influenciarão também as redes de sociabilidade e contribuirão para a mudança do olhar social sobre a mulher, assim como propiciarão outra visão da mulher para si, abrindo-lhe novos caminhos e a descoberta de outras potencialidades. Somam-se a essa mudança, três propostas que apóiam mobilidade social positiva da mulher. A primeira refere-se à ampliação da igualdade de gênero nos postos de tomada de decisão dos órgãos dos três poderes do estado – porta de entrada para a ascensão por mérito de muitas mulheres e outros grupos sociais em situação de desvantagem. A segunda sugere a introdução de incentivos às empresas que promoverem igualdade de gênero em cursos idênticos de formação profissional, o desenvolvimento das mesmas habilidades e reconhecimento da cultura da organização aumentará a probabilidade das mulheres competirem pelo acesso a cargos superiores da hierarquia salarial e de comando. A terceira reporta-se à valorização por meio das mídias e dos equipamentos culturais da atuação do sexo feminino para além do papel social que tradicionalmente lhe é atribuído. A persistência da difusão do papel positivo da mulher em um espectro amplo de funções sociais oferecerá elementos subjetivos e objetivos para a alteração do quadro dos valores sociais tradicionais, como também para a superação do preconceito dos empregadores acerca de maior oferta de oportunidades de especialização profissional, programas de treinamento e educação continuada para as mulheres – fatores que constroem a competição pelo acesso aos cargos de maior prestígio e grau hierárquico.

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PROBABILIDADE DE TRANSIÇÃO DO DESEMPREGO E DA INATIVIDADE PARA A OCUPAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO

BRASILEIRO

Wilson F. Menezes*

RESUMO O artigo analisa algumas características do mercado de trabalho

brasileiro, com o auxílio da base de 2008 da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio do IBGE e de um modelo probit multinomial. Acompanhando as transformações setoriais da economia brasileira, em que a produção primária ganha fôlego em detrimento da produção industrial, a probabilidade de um desempregado passar à condição de ocupado surpreendentemente diminui com o nível de escolaridade. Atributos pessoais tais como idade, gênero feminino e cor negra diminuem a probabilidade de um desempregado tornar-se ocupado. Essas variáveis apresentam o mesmo comportamento em relação ao movimento da inatividade à ocupação. A presença de rendimentos de outros familiares e a existência de aposentadorias e pensões também diminui a probabilidade de desempregados e inativos alcançar um posto de trabalho.

Palavras-chave: mercado de trabalho, ocupação, desemprego, inatividade. ABSTRACT

The article analyzes some characteristics of the Brazilian labor market, with the aid of the base's 2008 National Survey by Household Sample of IBGE and a multinomial probit model. Following the sectorial transformations of the Brazilian economy, in which the primary production has got force in detriment of industrial production, the probability of an unemployed get an occupation decreases with educational level. Personnal attributes such as age, female gender and black race lower the probability of an unemployed become employed. These variables have shown the same behavior related to the movement of inactivity to employment. The presence of other family incomes and the existence of pensions also decrease the likelihood of unemployed and inactive achieve a job.

Key words: labor market, occupation, unemployment, inactivity.

* Professor do Curso de Mestrado em Economia da UFBa, Doutor pela Universidade de Paris I, com Pós-Doutorado na Universidade de Paris XIII.

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1. INTRODUÇÃO O processo de criação e destruição de empregos segue

necessariamente os passos dos novos procedimentos tecnológicos e organizacionais da empresas. No caso brasileiro, a implantação desses procedimentos acompanha o mesmo sentido das experiências internacionais. O que difere em relação ao Brasil é o fato de que crescimento econômico recente vem sendo alimentado muito mais no campo da produção de produtos primários, sobretudo os exportáveis, em detrimento de produtos tecnicamente mais complexos e portadores de valores agregados mais elevados.

Um corolário dessa especialização produtiva é a redução das necessidades relativas a uma mão-de-obra com maior peso de qualificação. Fica então perfeitamente justificável o fato de que o desempregado e o inativo com maior nível de escolaridade enfrentem menores chances, em termos probabilísticos, para alcançar de novas oportunidades de trabalho. Esse acontecimento em um país com secular déficit de escolaridade73 caracteriza um verdadeiro desperdício de “capital humano” já acumulado nas pessoas que se encontram desempregadas e/ou inativas.

O presente trabalho defende a idéia de que o processo de destruição criadora ocorrido nos últimos anos no Brasil foi acompanhado de uma alteração substancial na composição setorial da economia com graves desdobramentos na composição da qualificação da força de trabalho, fato esse que problematiza os processos de passagem do desemprego e da inatividade para a condição de emprego.

Estudos dessa natureza têm demonstrado inúmeros determinantes relativos aos fluxos e transições do desemprego e da inatividade para o estado de ocupação. Assim é que, Antigo e Machado (2006) estudaram os fluxos da ocupação, desemprego e inatividade, além dos determinantes da permanência no desemprego, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, tendo concluído que as pessoas mais escolarizadas e que possuíam carteira de trabalho assinada na última ocupação, acabam enfrentando mais facilmente o chamado desemprego de longa duração. Fica então patente que o fenômeno do desemprego nessa região metropolitana é afetado por fatores individuais, mas também em decorrência do comportamento da atividade econômica. Essa é sem dúvida uma conclusão que corrobora no mesmo sentido do aqui exposto.

Ao comparar os sistemas de emprego e os regimes de proteção nas trajetórias ocupacionais, inclusive no desemprego em três grandes

73 Barros e Mendonça (1997) mostram que o Brasil padece de um atraso educacional, relativamente à norma internacional. A eliminação desse atraso permitiria elevar os padrões da renda per capita, contribuindo, por exemplo, para a redução dos níveis de mortalidade infantil, aumentar o desempenho educacional futuro e elevar o desenvolvimento econômico do país.

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202

metrópoles internacionais (São Paulo, Paris e Tóquio), Guimarães (2006) assume que as transformações na organização dos mercados metropolitanos de trabalho têm alterado o padrão das transições entre emprego e desemprego, bem como entre atividade e inatividade. Essas transformações naturalmente dizem respeito à maneira como as sociedades organizam suas instituições para compor seus sistemas de emprego e proteção social. Para o caso de São Paulo, fica evidenciado que houve um aumento substancial no tempo de procura de trabalho entre 1990 e 1997; por outro lado, o próprio desemprego passou a ser uma recorrência importante para o funcionamento do mercado de trabalho, com sérias implicações sobre o desemprego de longo prazo.

Nery et ali (1997) estudaram a mobilidade ocupacional no Brasil ao quantificar aspectos dinâmicos do desemprego e da posição na ocupação. Para tanto, testaram a natureza markoviana do processo de mobilidade entre as posições na ocupação e na desocupação. Esses autores concluíram que a alta mobilidade na posição da ocupação evidencia a alta rotatividade nos postos de trabalho. Essa mobilidade diminui o tempo de ajuste do mercado de trabalho em relação aos choques sofridos, além de induzir uma baixa qualidade dos postos de trabalho decorrente de uma diminuição do incentivo a formação dos trabalhadores por parte das empresas.

Oliveira, Scorzafave e Pazello (2009) também analisaram a evolução do desemprego e da inatividade nas metrópoles brasileiras. Para tanto, esses autores separam o contingente de desempregados e inativos por gênero, buscando com isso analisar os impactos que características socioeconômicas (idade, anos de estudo, posição no domicílio, número de crianças no domicílio dentre outras variáveis) exercem sobre as probabilidades dessas pessoas ficarem desempregadas ou inativas. Os resultados obtidos permitem dizer que a presença de filhos pequenos afeta substancialmente a inatividade feminina, e praticamente não exerce influência sobre a inatividade dos homens, além disso, tem-se que o desemprego atinge relativamente mais as mulheres que os homens, fazendo com que os engajamentos no mercado de trabalho se apresentem de maneira diferenciada para homens e mulheres.

Esses são sem dúvida estudos que contribuem para um melhor e maior conhecimento do funcionamento do mercado de trabalho brasileiro. O elemento novo aqui proposto aparece quando se verifica que o crescimento econômico brasileiro, da forma como vem ocorrendo em passado recente, tem imposto dificuldades para a passagem da condição de desemprego e de inatividade para a ocupação, que decorrem dos níveis de escolaridade das pessoas envolvidas. Para alcançar uma prova da hipótese aqui exposta, optou-se por desenvolver uma abordagem econométrica em que as probabilidades de transição das pessoas classificadas como desempregadas ou inativas para a condição de ocupadas são estimadas

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através de um modelo logit multinomial. Esse modelo permite avaliar empiricamente os condicionantes probabilísticos que estimulam ou dificultam essa passagem.

Além desta introdução, o trabalho encontra-se dividido em mais cinco partes. A segunda parte apresenta algumas considerações teóricas em torno da questão do desemprego, a qual fecha com um realce no processo de destruição criadora de empregos que impulsiona importantes mecanismos de ajuste do mercado de trabalho de maneira atrelada ao próprio movimento conjuntural e estrutural da economia. A terceira apresenta informações estatísticas sobre desemprego e inatividade no Brasil; em seguida a metodologia e os procedimentos econométricos para aplicação do modelo são apresentados, Na quinta parte são apresentadas as variáveis e os resultados empíricos encontrados. Por fim, emitem-se algumas considerações conclusivas.

2. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS EM TORNO DO DESEMPREGO

A relação assalariada de trabalho trouxe consigo a possibilidade do

desemprego, a despeito do grande poder produtivo que ela engendra. Assim, encontra-se desempregado todo indivíduo que, dispondo unicamente da sua força de trabalho para alcançar os meios de sua subsistência, procure e não encontre uma ocupação remunerada. Nesse momento, esse indivíduo deixa de participar do trabalho social e perde sua fonte de rendimento, ao tempo em que a sociedade desperdiça essa fonte de riqueza por excelência, que é o potencial de trabalho do desempregado. O desemprego está diretamente associado às economias capitalistas, mesmo que não se possa desprezar a grande capacidade que esse sistema produtivo apresentou, ainda que de maneira irregular, na geração de milhares de empregos. Mesmo assim, não se pode esquecer que esse mesmo sistema contém, organicamente, um grande poder de subutilização da capacidade produtiva da força de trabalho.

Posto dessa forma, o desemprego torna-se uma fonte de escândalo e de conflito (Freyssinet, 1991). Fonte de escândalo pessoal, porque aqueles que buscam em vão um emprego rapidamente sentem-se socialmente rejeitados e, por isso mesmo, ficam numa situação de inferioridade. Essa inferioridade é ressentida ao nível da renda, do equilíbrio emocional e do desenvolvimento pessoal. Fonte de escândalo social, porque um sistema econômico operando em escala mundial, que ainda não conseguiu prover algumas das necessidades de base das pessoas, dá-se ao luxo de desperdiçar uma quantidade considerável de capacidade produtiva. O desemprego é também uma fonte de conflito. Conflito social, de um lado, porque ele atinge as pessoas de maneira socialmente diferenciada, além de possibilitar o retorno de práticas de segregação racial que o mundo pensou estar em desuso, e de outro, porque uma situação de

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desemprego em massa pode por em xeque a sobrevivência de grande parte da sociedade, caso não se disponha de meios para garantir um mínimo de assistência aos mais atingidos.

Para que o desemprego adquira um significado conceitual é preciso que algumas condições sejam socialmente preenchidas. Em primeiro lugar, o desemprego somente tem sentido quando visto como uma situação inversa à relação do trabalho assalariado, de maneira que os contingentes de trabalho autônomo e de relações informais de trabalho reduzem substancialmente o desemprego. No entanto, quando se trata de relações de trabalho assalariado, em que os trabalhadores são livres e dispõem apenas de suas próprias forças de trabalho para sobreviver, a ausência de uma ocupação impõe restrições significativas à sobrevivência e os coloca na condição de desemprego (Gautié, 2009).

Em segundo lugar, a condição de desemprego enquanto categoria analítica requer que as pessoas envolvidas se encontrem sem trabalho, apta a trabalhar e em busca de uma ocupação. Esses critérios naturalmente colocam problemas conceituais para um dimensionamento estatístico do desemprego. Por exemplo, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) não admite que uma pessoa tendo trabalhado apenas uma hora na semana anterior ao levantamento estatístico possa ser classificada como desempregada. Ademais, para uma pessoa desempregada estar apta ao trabalho significa dizer que ela está disponível ao trabalho em no máximo duas semanas. Além disso, para estar desempregado requer que a pessoa tenha desenvolvido alguma atividade específica de busca por trabalho no mês anterior à pesquisa. O rigor na aplicação dessas exigências influencia diretamente na estimação do quantitativo de desempregados.

No entanto, o mais importante a ser retido a partir desses critérios não é o quantitativo de desempregados, mas uma classificação da população em idade economicamente ativa que emerge desses mesmos critérios. Assim é que se tem a constituição de três grandes categorias: ocupados, desempregados e inativos. As duas primeiras compõem a população economicamente ativa e a terceira, como o próprio nome já explicita sendo composta de uma população economicamente inativa. É evidente que algumas interseções podem dificultar a medição do desemprego, na medida em que as pessoas podem perfeitamente se encontrar em situações intermediárias, o que dificulta sua alocação em uma das categorias. Nesse momento, três situações podem ser consideradas: trabalho voluntariamente a tempo parcial (ocupação ou inatividade?), trabalho involuntariamente a tempo parcial (ocupação ou desemprego?), desemprego camuflado em inatividade (inatividade ou desemprego?). Existe ainda uma situação limite, em que a ocupação, o desemprego e a

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inatividade ficam confundidos, tal é o caso do trabalho clandestino (Freyssinet, 1991)74.

Uma vez estabelecidas as diferentes situações que as pessoas podem se encontrar, bem como os critérios para classificá-las como ocupada, desempregada ou inativa abre-se imediatamente a possibilidade de medir as taxas de participação e de desemprego. A primeira taxa pode ser definida como sendo a relação entre a população economicamente ativa (ocupados e desempregados) e a população em idade ativa (ocupados, desempregados e inativos); enquanto a taxa de desemprego expressa a relação entre o número de desempregados e a população economicamente ativa75.

O desemprego é um fenômeno muito complexo e difícil de ser explicado. São muitas as causas do desemprego. A teoria econômica tem evoluído bastante na explicação das suas causalidades. Na seqüência, alguns elementos dessas explicações são apresentados, para que se possa ter uma noção de seu caráter diverso em termos de origem.

Nas economias capitalistas existe sempre certo nível de desemprego, é o chamado desemprego friccional. Esse desemprego depende diretamente das condições de funcionamento da economia, as quais exigirão um tempo de desemprego para que as pessoas transitem entre duas situações de emprego. Dessa forma, nas conjunturas boas o tempo do desemprego friccional diminui e nas conjunturas mais difíceis esse tempo aumenta. Para além dessa forma, muitos consideram que o desemprego depende diretamente do nível de salário, ou seja, salários mais elevados, em relação ao que o mercado normalmente pagaria em condições de igualdade entre oferta e demanda, acabam por permitir uma oferta de trabalho mais elevada que a demanda, provocando certo nível de desemprego. A esse desemprego vamos denominar de desemprego clássico.

Para Keynes, a demanda efetiva de uma economia (consumo mais investimento) permite uma determinação do nível de produção e esse nível

74 Para o caso da PED, a combinação desses elementos em diferentes temporalidades permite a construção dos conceitos de desemprego aberto e desemprego oculto por trabalho precário e por desalento. O desemprego aberto é composto de pessoas que efetivamente procuraram trabalho nos últimos 30 dias anteriores à entrevista e não exerceram qualquer atividade nos últimos sete dias. O desemprego oculto com trabalho precário é composto de pessoas que realizaram alguma atividade de forma irregular, mas que procuraram trabalho nos últimos 30 dias. Enquanto, o desemprego oculto por desalento é preenchido por pessoas que não têm trabalho, e, por desestímulo do mercado de trabalho e/ou motivos circunstanciais, não procuraram ocupação nos últimos 30 dias, mas o fez nos últimos 12 meses. 75 Por diferença têm-se ainda as taxas de inatividade (relação entre inativos e população em idade ativa) e de ocupação (relação entre o número de ocupados e a população economicamente ativa).

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de produção determina por si mesmo o nível de emprego. Dessa forma, quando a demanda efetiva diminui, por alguma razão, o nível de emprego também se reduz e aparece o chamado desemprego involuntário ou keynesiano. Considerando que a economia capitalista, estruturalmente caminha para uma insuficiência de demanda efetiva, necessário se faz que se fomente a demanda efetiva, através de políticas econômicas dirigidas pelo Estado, para se evitar que o mal aconteça, ou seja, o aparecimento e desenvolvimento do desemprego keynesiano. Os mecanismos dessas políticas, no entanto, devem atuar de maneira suficientemente forte para eliminar o desemprego, ou mantê-lo em um nível razoável, e suficiente fraca para evitar tensões inflacionárias na economia.

A macroeconomia posterior a Keynes colocou a relação entre a inflação e o desemprego no cerne dos estudos macroeconômicos. Em 1958, Phillips constatou a existência de uma relação decrescente, mas não linerar, entre a taxa de inflação e a taxa de desemprego. Dessa forma, existe, para Phillips, um dilema entre inflação e desemprego, enquanto a não linearidade acontece em decorrência da taxa de salário ser muito elástica na alta conjuntura, quando os empregadores disputam a mão-de-obra disponível, mas essa taxa de salário torna-se rígida à baixa nos momentos de diminuição do nível da atividade econômica, quando os trabalhadores resistem a uma queda de seus rendimentos76.

A taxa de crescimento do desemprego influencia negativamente a taxa de crescimento dos salários; e em grande parte a taxa de crescimento dos preços no varejo depende dos preços dos bens importados, repercutindo parcialmente sobre a alta dos salários nominais. A partir dessas observações, Lipsey, em seu trabalho de 1960, reinterpreta da curva de Phillips ao levar em consideração que os ajustamentos dos salários estão em função crescente do excesso de demanda de trabalho (Abraham-Frois, 1991). Em verdade, o desemprego constitui um indicador válido para expressar o excesso de demanda no mercado de trabalho, dado que ele é uma função estável do equilíbrio desse mercado e esse equilíbrio encontra-se em relação inversa com a taxa de desemprego. Dessa forma, busca-se encontrar um valor para a taxa de desemprego que anule a alta dos salários, ou seja, uma taxa de equilíbrio do desemprego. Essa taxa pressupõe que uma vaga de trabalho necessariamente equivale a uma procura de trabalho, o que não é verdade. Mas a interpretação de Lipsey consagrou então uma curva de Phillips em termos de excesso de demanda

76 Considerando esse princípio, a gestão econômica foi conduzida ao longo dos anos 60 pelo acompanhamento da chama curva de Phillips, tendo alcançado seu limite já no início dos anos 70, quando se passou a perceber uma interação de inflação e desemprego resultando na chamada estagflação. Esse momento casa perfeitamente com a crise das matérias primas, em particular o petróleo, muito embora, em um plano mais teórico, muitas evidências e críticas já eram lançadas contra a política stop and go do keynesianismo clássico.

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de trabalho, permitindo uma espécie de arbitragem entre escolhas de combinações realizáveis da inflação e do desemprego77, de maneira que se deve buscar uma determinada taxa de desemprego que anule os efeitos dos aumentos salariais.

O valor dessa taxa de desemprego deve corresponder a uma situação em que não existe excesso de demanda no mercado de trabalho. Isso não significa a eliminação das ofertas e das demandas não satisfeitas, mas tão somente uma igualdade entre oferta e demanda. A interpretação da curva de Phillips, em termos de excesso de demanda, autorizou seu uso como uma arbitragem, ou seja, escolher entre as combinações realizáveis da inflação e do desemprego. A taxa de crescimento dos salários pôde então ser expressa pela soma da taxa de inflação com a taxa de crescimento da produtividade do trabalho. Lipsey, muito contribuiu para o estudo dessa relação, a qual passou a ser chamada de taxa de desemprego de equilíbrio, ou seja, a taxa de desemprego que permite uma estabilidade dos preços. Dessa forma, quando a indexação dos salários se faz de maneira incompleta, a taxa de desemprego de equilíbrio passa a ser uma função decrescente da taxa de inflação. Portanto, a taxa de desemprego exerce um efeito, de curto e de longo prazo, sobre a taxa de inflação.

Na seqüência da contribuição de Lipsey aparece a tese aceleracionista. Tentando entender a instabilidade da curva de Phillips, nesse momento passou-se a considerar as previsões da inflação. Quando a expectativa da inflação é introduzida na estimativa da curva de Phillips, sua instabilidade de curto prazo pode ser explicada, mas sua existência no longo prazo passa a ser questionada. Pode-se então afirmar que a inclinação da curva de Phillips é mais elevada no longo que no curto prazo, significando dizer que o preço a ser pago, em termos de inflação, para reduzir o desemprego é muito mais elevado no longo que no curto prazo. No limite, quando não existir ilusão monetária nem expectativa de inflação, a curva de Phillips pode ser considerada como perfeitamente inelástica. Assim, não é mais possível reduzir o desemprego com um nível mais elevado de inflação, já que nesse momento o desemprego é compatível com qualquer nível de inflação.

Dessa forma, a arbitragem deixa de ser entre desemprego e inflação, mas entre desemprego e aceleração da inflação. Para Friedman a única taxa de desemprego compatível com uma taxa de inflação constante é a taxa natural de desemprego (Abraham-Frois, 1991). As previsões quanto aos preços podem ser revistas a cada momento, de sorte que a tese

77 Com o passar do tempo, a curva de Phillips passou a ser caracterizada pelo uso da inflação, em lugar da taxa nominal de salário. Isso decorre naturalmente da observação de que os trabalhadores não se interessam diretamente pelos salários, mas pelo seu poder de compra.

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aceleracionista pode perfeitamente ser considerada como previsões adaptativas, isso porque os erros persistem no tempo, fazendo com que as diferenças do desemprego em relação ao desemprego natural deixem de ser aleatórias e tornam-se cíclicas ao longo do tempo. Nessa linha de entendimento, um novo avanço aparece com os modelos das expectativas racionais, segundo os quais os agentes econômicos formulam suas previsões explorando da melhor forma possível as informações disponíveis, implicando dizer que a inflação é dada por uma previsão da própria inflação, acrescida de um erro.

A conseqüência mais importante que se pode tirar dessa conclusão é o fato de se excluir toda e qualquer eficácia de uma política econômica sistemática e previsível. A linha de pensamento das expectativas racionais leva ao extremo as conclusões já avançadas por Friedman, ao questionar as políticas de estabilização. Com efeito, para os teóricos das expectativas racionais, a determinação dos salários encontra-se no contexto de uma dinâmica em que a inflação influencia o desemprego e este influencia a formação dos salários. Quando a inflação influencia a formação dos salários, é possível encontrar, no curto prazo, uma relação inversa entre inflação e desemprego. Assim, uma elevação do desemprego reduz a possibilidade de aumento dos salários, fazendo com que a inflação se desacelere.

Com esses desdobramentos a partir da curva de Phillips nasce a idéia de desemprego natural, assim denominado pelo fato desse tipo de desemprego se mostrar insensível às políticas monetárias expansionistas com o objetivo de relançar a economia em um processo de crescimento. O desemprego natural é definido como sendo o nível de desemprego compatível com uma inflação estável, mas flutua com a conjuntura econômica. Abrem-se então duas possibilidades para o desemprego, aquela vinculada à conjuntura e aquela que tem uma ligação com a estrutura econômica.

Como se pode perceber, na literatura econômica o desemprego decorre de inúmeras causalidades; a desaceleração no nível da atividade econômica, a rigidez no funcionamento do mercado de trabalho, a condição simultânea de escassez e excesso de mão-de-obra, o progresso técnico e a histerese do desemprego são apontadas como algumas dessas causas (Artus; Muet 1997). Dessa forma, é interessante conhecer a estrutura do desemprego para melhor entender os mecanismos que ele engendra sobre a atividade econômica, bem como em que medida esses mecanismos vão se atenuando ao longo do tempo de desemprego. A taxa de desemprego pode então deixar de ser o único indicador do funcionamento do mercado de trabalho. Quando isso ocorre, a medida da duração do desemprego aparece como grande auxiliar da taxa de desemprego, para que se possam avaliar as reais condições de funcionamento do mercado de trabalho. Uma

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maior duração do desemprego, caracterizada por um desemprego de longo prazo, aponta no sentido da existência de uma persistência do desemprego.

Na eventualidade de que a persistência do desemprego se prolongue à medida que o tempo passa, é razoável averiguar se a taxa de desemprego não passou a depender de sua própria trajetória e de suas variações. Esse é o fenômeno da histerese do desemprego. Em termos macroeconômicos, a persistência do desemprego surge do fato do salário real não se ajustar de maneira imediata ao nível de equilíbrio competitivo do mercado de trabalho. Isso acontece em razão da existência de uma rigidez de curto prazo dos rendimentos do trabalho. Assim, a rigidez salarial implica um ajustamento diferenciado, ainda que no longo prazo o equilíbrio competitivo possa acontecer. Mas esta é uma explicação muito insatisfatória e pouco convincente. Isso porque falta explicar a causa da rigidez dos salários e, por outro lado, talvez não se possa alcançar o equilíbrio original, ainda que de maneira lenta; de forma que se pode estabelecer um novo equilíbrio sem pleno emprego. Esse novo equilíbrio aparece em situações de imperfeição do próprio mercado, provocada pelas incertezas, assimetrias da informação, comportamentos estratégicos das próprias firmas e/ou sindicatos, dentre outras causas que provocam um subemprego do mercado de trabalho.

Essas situações de equilíbrio econômico com subemprego no mercado de trabalho decorrem de comportamentos não competitivos, tanto por parte dos sindicatos como por parte das firmas. Por um lado, são sindicatos que se beneficiam de um poder de monopólio ou mesmo que não representam a totalidade dos seus afiliados, e por outro, são firmas que dispõem de informação imperfeita acerca das características produtivas de seus trabalhadores, mas que acabam por fixar salários acima das condições competitivas no intuito de elevar a produtividade dos mesmos. Comportamentos dessa natureza acabam por contribuir na formação de um desemprego estrutural e persistente, implicando no aparecimento de subemprego no mercado de trabalho. A persistência do desemprego designa o fato de que após um choque desfavorável ao emprego, o desemprego efetivo retorna muito lentamente em direção ao desemprego de equilíbrio. São duas as explicações para esse fenômeno: 1) o choque desfavorável ao emprego pode ele mesmo ser persistente; 2) os mecanismos que induzem ao retorno da taxa de equilíbrio do desemprego podem ser insuficientes.

Assim, os trabalhadores quando transformados em desempregados de longa duração vão, pouco a pouco, reduzindo suas capacidades de acesso a um novo emprego, e, por conseguinte, vão ficando fora do mercado. Isso acontece por vários motivos. Por um lado, essas pessoas vão ficando defasadas em termos de conhecimento, havendo, portanto uma perda de produtividade que o mercado de trabalho não perdoa. Por outro lado, essas pessoas começam a apresentar uma sinalização negativa junto

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ao mercado de trabalho, quando então passam a enfrentar o estigma do desemprego; nesse instante continuam desempregadas pelo simples fato de estarem desempregadas. Esse é o fenômeno da histerese do desemprego, ou seja, trata-se de uma situação em que a taxa de desemprego, após um choque exógeno, não retorna ao nível de equilíbrio anterior ao choque. Assim, a variação ocorrida na taxa de desemprego passa a ser irreversível, com sérias implicações sobre a política monetária. Isso porque uma possível redução do processo inflacionário deixa um custo caracterizado pela mudança de patamar da taxa de desemprego.

Quando acontece o fenômeno da histerese, o desemprego pesa menos sobre as flutuações dos rendimentos dos trabalhadores, isso porque uma parte dos desempregados, que sofre o problema da histerese, deixa de exercer qualquer tipo de influência sobre a formação dos rendimentos. As causas da histerese do desemprego são múltiplas e, podem ter como origem uma duração prolongada do desemprego, decorrente da presença de insiders no interior das firmas e/ou o pagamento de um salário de eficiência por parte das mesmas. Ademais, a existência de problemas estruturais no mercado de trabalho restringe a demanda de mão-de-obra, deixando um saldo na forma de um desemprego mais elevado em relação a condições competitivas.

Mas a questão do desemprego não se encerra com essas considerações. É preciso lembrar ainda que, a dinâmica da produção capitalista necessariamente requer processos tecnológicos e organizacionais inovadores que conduzem naturalmente à criação e destruição de postos de trabalho, fazendo com que haja uma alteração das composições setoriais da produção e da ocupação. Novas tecnologias e formas organizacionais necessariamente tornam obsoletos alguns produtos e serviços, ao tempo em que introduzem novas necessidades materiais e imateriais, de maneira que, como conseqüência, muitos postos de trabalho sejam criados e recriados enquanto outros tantos desapareçam, provocando desemprego para quem os ocupam78. Dessa forma, a cada instante, muitos empregos são incorporados na economia, enquanto muitos outros simplesmente somem e deixam o rastro de incerteza, empobrecimento,

78 Essa questão (destruição criadora) foi pela primeira vez apresentada por Schumpeter ainda nos anos 30, mas ganha novos contornos com a abordagem evolucionista da economia. Para Schumpeter a destruição criadora acontece quando novas tecnologias encontram aplicação produtiva, tornando as tecnologias tradicionais obsoletas, por não serem mais capazes de competir no mercado, de maneira que acabam sendo abandonadas e destruídas. O sistema econômico se reorganiza em torno dessas novas tecnologias, ao tempo em que novas firmas vão surgindo de maneira contínua, impulsionadas por uma obrigatoriedade de adotar a inovação. As firmas que não conseguem acompanhar os processos inovadores ficam obsoletas e rapidamente devem desaparecer da cena econômica (Schumpeter, 1982).

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miséria e infelicidade para muitas pessoas. Esse é um aspecto normalmente caracterizado como socialmente perverso do desenvolvimento econômico.

A criação de novos empregos sempre é vista como um resultado saudável para a economia, enquanto que o desaparecimento de postos de trabalho é visto como algo ruim em si mesmo, algo que pode até mesmo colocar em xeque as estruturas do capitalismo. Essa é uma maneira ambígua de ver as coisas. Antes de tudo é preciso saber que as inovações tecnológicas e organizacionais ao tornar obsoletos determinados produtos e serviços, deixam também obsoletas as qualificações das pessoas que trabalham em suas produções (Cahuc, Zylberberg, 2005). Essa obsolescência de capital humano dificulta, quando não impossibilita, a realocação dessas pessoas, provocando o tão indesejável desemprego. Além disso, mesmo em situações em que o número de empregos criados se iguala ao número de empregos destruídos, não necessariamente a composição das pessoas permanece a mesma. Considerando uma população economicamente ativa relativamente constante, a taxa de desemprego pode permanecer a mesma, mas isso não significa dizer que as pessoas envolvidas nesse processo não mudem de situação, ou seja, umas se mantêm empregadas enquanto outras perdem seus empregos; da mesma forma, por parte de desempregados, alguns continuam desempregados enquanto outros encontram um posto de trabalho. É toda uma dinâmica que se instala na economia, fazendo com que o nível e a taxa de ocupação aumentem ou diminuam, mas com certeza as pessoas enfrentam rotações entre os postos de trabalho.

3. AVALIAÇÃO EMPÍRICA DO DESEMPREGO E DA INATIVIDADE

As taxas de desemprego e de participação certamente exteriorizam

alguns elementos estruturais presentes na realidade econômica brasileira. Essas taxas foram estimadas com o auxílio da base Pnad para o ano de 2008 e são apresentadas na Tabela 1.

Uma inspeção dessa Tabela permite afirmar que a taxa de desemprego é crescente com o nível de escolaridade do indivíduo até o ensino fundamental completo (9,0%), para em seguida iniciar um processo de diminuição. O desemprego constitui um problema de maior peso para os jovens que para a população adulta, sendo relativamente pequeno para as pessoas com 60 anos e mais, já que essas pessoas enfrentam uma taxa de desemprego de apenas 1,8%. Por outro lado, percebe-se que a taxa de desemprego é mais elevada para a mulher, para o migrante, para o não chefe de família e para o negro. Ademais, essa taxa é relativamente menor na região Sul.

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TABELA 1 – TAXAS DE DESEMPREGO E DE PARTICIPAÇÃO - 2008

Atributo Tx Des Tx Part Atributo Tx Des Tx Part

Brasil 6,6 70,8 Região

Faixa Escolaridade Norte 7,2 71,0

S/ Instrução 4,3 50,8 Nordeste 7,3 69,6

Fund. incompleto 5,0 65,2 Sudeste 7,0 70,1

Fund. completo 9,0 72,7 Sul 4,3 73,5

Médio completo 8,6 80,0 Centro-Oeste 6,7 74,1

Superior 5,2 82,6 Migrante

S/ declaração 10,1 77,2 Não 7,0 71,5

Faixa Idade Sim 5,2 68,1

18 a 29 anos 11,9 78,3 Chefe Família

30 a 59 anos 4,3 78,5 Não 9,2 67,2

60 ou mais 1,8 30,6 Sim 4,0 75,1

Gênero Cor

Mulher 9,0 59,4 Negro 7,5 71,8

Homem 4,8 83,4 Branco 5,7 69,9

FONTE: Cálculos realizados a partir dos dados da Pnad, 2008. Quanto às taxas de participação, tem-se que elas se mostram muito

diferenciadas segundo os mesmo atributos e regiões geográficas. No Brasil, em torno de 30,0% da população em idade ativa se encontra economicamente inativa79. As menores taxas de participação aparecem para as pessoas sem instrução formal, para as mulheres e para as pessoas com 60 anos e mais. O avanço da escolaridade, além de condicionar melhores possibilidades em termos de remuneração, empurra as pessoas para o mercado de trabalho, de maneira que a taxa de participação é crescente com o aumento do nível de escolaridade. As regiões Sul e Centro-Oeste apresentam taxas de atividades mais elevadas que as demais

79 Esse dado contrasta enormemente com alguns países da OECD (2012). Em 2008, as taxas de participação da Alemanha (80,2%), Canadá (80,4%), Japão (80,8%), Dinamarca (84,5%) e Suíça (85,5%) se mostraram bem mais elevadas que a do Brasil. Em um plano internacional, a taxa de participação guarda uma relação direta com o nível de escolaridade da população, baixa taxa de participação implica em uma baixa produtividade do trabalho, além de um desperdício de força de trabalho, já que muitos não contribuem para a produção social, logo dificultam o processo de desenvolvimento socioeconômico e a elevação do nível do bem estar da população como um todo.

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regiões. Essas taxas são também mais elevadas para o indivíduo não migrante, o chefe de família e o negro.

A Tabela 2 permite observar a composição do desemprego e da inatividade, segundo os mesmos atributos da tabela anterior. Em 2008, os desempregados brasileiros se concentraram proporcionalmente mais nas faixas de escolaridade do ensino médio completo e ensino fundamental incompleto. Segundo a idade, os desempregados entre 18 e 39 anos são mais freqüentes. As mulheres são relativamente mais desempregadas que os homens. Em termos geográficos, as regiões Sudeste e Nordeste apresentam maiores freqüências de desempregados. Por outro lado, o desemprego é menos concentrado entre os não migrantes, os não chefes de família e os negros.

TABELA 2 – COMPOSIÇÃO RELATIVA DO DESEMPREGO E DA INATIVIDADE - 2008

Desemprego Inatividade Desemprego Inatividade Atributo

%Des %Pia %Inat %Pia Atributo

%Des %Pia %Inat %Pia

Brasil 100,0 100,0 100,0 100,0 Região

Fx Escola Norte 6,5 22,0 5,9 20,5

S/ instrução 5,3 7,1 19,7 28,7 Nordeste 29,3 22,0 28,2 21,4

Fund. incomp 23,1 10,6 39,9 20,3 Sudeste 46,4 21,1 45,7 21,1

Fund. completo 22,5 21,2 15,1 15,9 Sul 10,2 13,8 13,8 18,7

Médio completo 35,6 22,2 16,7 11,7 Centro-Oeste

7,6 21,1 6,5 18,3

Superior 12,8 13,8 8,4 10,1 Migrante

S/ declaração 0,7 25,1 0,3 13,3 Não 84,7 58,1 78,0 47,2

Fx Idade Sim 15,0 41,9 21,5 52,8

18 a 29 anos 58,9 69,9 22,1 19,3 Chefe Fam

30 a 59 anos 39,2 25,6 40,1 19,1 Não 70,9 67,4 61,0 56,9

60 ou mais 1,9 4,5 37,8 61,6 Sim 29,1 32,6 39,0 43,1

Gênero Cor

Mulher 59,9 57,4 72,9 70,9 Negro 55,3 57,0 47,1 48,4

Homem 40,1 42,6 27,1 29,1 Branco 42,7 43,0 51,8 51,6

FONTE: Cálculos realizados a partir dos dados da Pnad, 2008. A composição da inatividade é mais concentrada na faixa de

escolaridade com ensino fundamental incompleto e ensino médio completo. Os inativos são relativamente mais presentes na faixa etária entre 30 e 59 anos. As regiões Sudeste e Nordeste possuem relativamente mais pessoas inativas que as demais regiões. O não migrante e o não chefe de família

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detêm relativamente mais inativos. Observação especial vai para o critério da cor, já que negros e brancos mantêm certo equilíbrio de participação na inatividade.

4. METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS ECONOMÉTRICOS

Para avaliar os condicionantes probabilísticos do desemprego e da

inatividade em relação à ocupação, utilizou-se o procedimento metodológico de uma regressão logit multinomial. Esse procedimento permite um tratamento econométrico capaz de controlar os efeitos das variáveis consideradas quando a variável dependente contém mais de duas categorias de natureza qualitativa. Dessa forma, serão analisados os efeitos de algumas variáveis relevantes sobre a probabilidade de um trabalhador desempregado ou inativo vir a ser um ocupado.

A regressão logit é apropriada para análises de experimentos que apresentam decisões de escolha qualitativa. O interesse principal desse tipo de modelo é a descrição da relação entre uma variável dependente indicadora de uma escolha discreta e o conjunto de variáveis atributos de escolha. Esse tipo de modelo busca uma especificação entre uma variável dependente qualitativa e os valores das variáveis explanatórias. No entanto, a estimativa desse modelo, diferentemente do modelo linear, requer uma adequação de uma regressão logística, em geral feita pelo método de máxima verossimilhança.

A principal diferença entre o modelo de regressão logit e a regressão linear diz respeito à natureza da relação entre a variável de resposta e as variáveis independentes. Os valores estimados equivalem, em qualquer modelo, ao valor médio das variáveis de resposta, considerando como dados os valores das demais variáveis independentes. Esses valores são

denominados de média condicional expressa por ( )xyE . No modelo de

regressão linear essa esperança encontra-se contida no intervalo

( ) +∞∞− pp xyE ; enquanto que no modelo de regressão logit esse

intervalo assume os valores ( ) 10 ≤≤ xyE , isso porque a variável

dependente é binária. A regressão logit multinomial é uma extensão da regressão logit binária, que leva em consideração mais de duas possibilidades de escolha na variável dependente tomando os mesmos atributos de escolha.

Para efeito de estimação de modelos logit multinomial, Krishnapuram e Carim (2005) adotaram uma técnica específica para representar o vetor

[ ]Tmyyyy ,.....,, 21= , tal que, ( )

1=iy se x corresponde a um atributo

pertencente à classe i e ( )

0=iy se ocorrer de outra forma. As amostras

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podem ser reapresentadas na forma ( ) ( ){ }nn

yxyxD,11

,.....,,= . Assim,

a probabilidade de x pertencer à classe i é dada por:

( )( )( )( )

( )( )∑=

==m

j

i

ii

xw

xwwxyP

T

T

1

exp

exp,1 (1)

em que { }mi ,....,1∈ , o peso do vetor correspondente a classe i é

( )iw e o sobrescrito T denota o vetor da matriz transposta. Para

problemas binários )2( =m , o modelo a ser adotado é conhecido como

regressão logística binomial, enquanto que para (m > 2), esse modelo assume a forma de uma regressão logit multinomial.

No modelo de regressão logit multinomial as variáveis dependentes

aleatórias assumem os valores ),...,,...,( 1 iJijii YYYY = com J categoria

de resposta, relativas ao número de respostas nas J categorias de um

conjunto im itens, com distribuição )( ijimMultin π, , sendo ijπ a

probabilidade de resposta na categoria j , com )( Jj ,....,1= (Andersen,

1996). Nesse modelo, a média e a estrutura de covariância de iY são

dadas por:

( ) ijiij mYE π,=

(2)

( ) ( )ijijiij mYVar ππ −= 1,

(3)

( ) ijijiijij mYYCov ππ−=,

(4)

Na modelagem das proporções esperadas, ijπ é uma categoria

tomada como referência. Supondo que esta categoria seja a última, ou seja, a J-ésima categoria. Então os logits para as demais categorias são definidos por:

kijkjijjijjj

iJ

ij

ij xxx ββββπ

πη ++++=

= ....log 22110

(5)

para =i 1,2,....,I e j = 1, 2,...,J-1.

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Uma maneira de estimar a probabilidade de um indivíduo pertencer a uma determinada categoria no mercado de trabalho, na condição de ocupado, desempregado ou inativo requer o controle de suas características pessoais. Pode-se então estimar a influência dessas características sobre as probabilidades de um determinado indivíduo pertencer a uma dessas condições profissionais. Segundo Greene (1997), estas probabilidades são expressas por:

∑=

β+

β

==2

0k

ix'

ke1

ix'j

e)

ixj

iY(P (6)

onde P é a probabilidade do desempregado ou inativo passar à condição de ocupado; j são as escolhas possíveis para uma pessoa com características (xi).

A interpretação dos coeficientes das probabilidades enfrenta dificuldade. Isso porque normalmente se associa βj ao j-éssimo resultado, mas como se pode verificar na fórmula acima os βj entram na estimativa de todas as probabilidades. Uma maneira de driblar essa dificuldade consiste em calcular o efeito marginal de cada uma das variáveis, em que a estimativa desse efeito para cada uma das variáveis incorpora a média das demais. Essa é uma forma de se considerar, como hipótese, a independência das relações de probabilidades, na medida em que incorpora a idéia de homocedasticidade das perturbações.

5. RESULTADOS EMPÍRICOS 5.1 O modelo ajustado

O modelo ajustado a ser estimado apresenta a seguinte característica:

iii uXxg ++= βα)( (7)

onde α representa o intercepto, os βi são os coeficientes das variáveis

explicativas e iu representa o termo aleatório, considerado com distribuição

normal e variância σ2. Para estimar esse modelo foram consideradas as seguintes variáveis explanatórias: Gênero – dummy que classifica o gênero da pessoa: homem = 1; mulher = 0. Cor – dummy que informa sobre a cor da pessoa: branco = 1; negro = 0. LnIdade – variável contínua em logaritmo natural que representa uma proxy da experiência potencial do indivíduo medida em anos. Migrante – dummy que informa a condição de migratória: migrante = 1; não migrante = 0.

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Escola – variável discreta que representa a escolaridade do indivíduo medida em graus de estudo: sem instrução = 0, fundamental incompleto = 1, fundamental completo = 2, ensino médio = 3 e nível superior = 4. Chefe – dummy para avaliar a posição familiar da pessoa: chefe = 1; demais familiares= 0. LnRdaOutFam – variável contínua em logaritmo natural dos rendimentos de outros familiares que habitam o mesmo domicílio. LnRdaApPen – variável contínua em logaritmo natural dos rendimentos de aposentadoria e/ou pensão que o indivíduo possui.

TABELA 3 – TESTES DAS RAZÕES DE VEROSSIMILHANÇA

Testes das razões de verossimilhança Variáveis Modelo reduzido Qui-quadrado gl Signif

Constante 26491173,984 1367120,618 2 0,000

Gênero 25410092,511 286039,144 2 0,000

Cor 25130803,161 6749,794 2 0,000

LnIdade 26141974,135 1017920,769 2 0,000

Migrante 25140309,173 16255,807 2 0,000

Escola 25405920,758 281867,391 2 0,000

Chefe de família 25282950,360 158896,994 2 0,000

LnRdaOutFam 25124616,221 562,854 2 0,000

LnRdaApPen 25454318,914 330265,547 2 0,000

FONTE: Cálculos realizados a partir dos dados da Pnad, 2008. A estatística qui-quadrado é a diferença nos -2log-verossimilhanças

entre o modelo final e um modelo reduzido. O modelo reduzido é formado omitindo um efeito do modelo final. A hipótese é nula se todos os parâmetros desse efeito são iguais a zero.

A Tabela 3 apresenta os testes das razões das chances (oddes ratio), cujos resultados permitem afirmar que as variáveis consideradas são todas significativas.

As Tabelas 4 e 5 apresentam os resultados da estimação da regressão logit multinomial, a referência de comparação foi estabelecida como sendo os ocupados, de maneira que os coeficientes estimados refletem as probabilidades de desempregados e inativos obterem um posto de trabalho. Esses coeficientes refletem, portanto, o impacto de mudanças no vetor de cada uma das variáveis independentes sobre as probabilidades do indivíduo desempregado ou inativo vir a ser um ocupado. Os sinais dos coeficientes indicam se a pessoa, ao possuir uma característica individual específica, tem a probabilidade de enquadrar-se na condição de ocupado

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no mercado de trabalho. O sinal positivo da variável indica aumento desta probabilidade e o sinal negativo indica uma redução.

Dessa forma, tem-se que a probabilidade de um desempregado ou inativo tornar-se ocupado é influenciada pelos fatores exógenos que compõem as características pessoais dos indivíduos considerados. Uma observação dessa Tabela permite dizer que todas as variáveis contidas no modelo se mostraram significativas, tanto no modelo do desemprego quanto no da inatividade, essa condição fica garantida pela estatística Wald. Serão interpretados apenas os efeitos marginais das variáveis.

5.2. DESEMPREGADO VERSUS OCUPADO

Uma inspeção mais detalhada da Tabela 4 permite afirmar que as variáveis mais significativas, que exercem implicações sobre as probabilidades de um indivíduo médio desempregado passar à condição de ocupado, são idade, gênero e chefe de família; em seguida tem-se a escolaridade, a cor e a renda de aposentadorias e pensões. A dimensão dos impactos pode ser vista pelos coeficientes dos efeitos marginais.

TABELA 4 – ESTIMATIVAS DOS PARÂMETROS – DESEMPREGO PARA OCUPAÇÃO

Intervalo confiança 95% para Exp(B)

Variáveis B EfMarg EP Wald gl Sig

Exp (B)

Lim inf

Lim sup

Constante 4,754 0,017 74.401,2 1 0,000

Gênero -0,641 2,54 0,004 21.479,5 1 0,000 0,527 0,522 0,531

Cor -0,252 -0,25 0,004 5.150,3 1 0,000 0,777 0,772 0,783

LnIdade -2,427 -14,48 0,005 224.873,1 1 0,000 0,088 0,087 0,089

Migrante 0,102 0,10 0,004 543,3 1 0,000 1,107 1,098 1,117

Escolarida-de

0,151 -0,32 0,002 9.240,3 1 0,000 1,163 1,159 1,166

Chefe de família

0,552 0,55 0,005 13.229,4 1 0,000 1,737 1,720 1,753

LnRdaOutFam

0,038 -0,08 0,003 218,0 1 0,000 1,039 1,034 1,044

LnRdaApPen

0,126 -0,32 0,003 1.794,2 1 0,000 1,134 1,128 1,141

FONTE: Cálculos realizados a partir dos dados da Pnad, 2008. Tal como previsto na hipótese desse trabalho, no Brasil de 2008 o

aumento da escolaridade não condiciona chances mais fortes de um desempregado vir a ocupar um posto de trabalho, isso pode ser constatado

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pelo coeficiente negativo estimado para o efeito marginal dessa variável, a significância estatística fica garantida pelo nível de significância bastante elevado da estatística de Wald. Esse é naturalmente um resultado lamentável quando se sabe que o conhecimento é mundialmente considerado como forte condicionante da produtividade do trabalho.

Ainda com o auxílio das informações contidas na Tabela 4, pode-se afirmar que, em relação à mulher, o homem quando desempregado, têm maiores chances de se tornar ocupado. Em sentido inverso aparecem os brancos, que enfrentam uma menor probabilidade para se tornar ocupado, ainda que o efeito marginal dessa variável não seja muito elevado. A probabilidade de uma pessoa desempregada vir a ser ocupada diminui bastante com o avanço da idade, a influência dessa variável se mostrou a mais elevada dentre todas consideradas. A condição de migrante aumenta as chances de obtenção de um posto de trabalho, mas não muito. Os chefes de família têm maiores chances na obtenção de uma atividade profissional.

A disponibilidade de rendimentos de outros familiares reduz as chances de um desempregado vir a ser ocupado, muito embora essa redução seja muito pequena. O mesmo movimento acontece para os rendimentos de aposentadorias e pensões, sendo o impacto desses rendimentos é mais elevado. Os resultados relativos aos rendimentos de certa forma já eram esperados, já que sua existência garante a sobrevivência do indivíduo, colocando-o, em média, em uma situação mais confortável para procurar uma ocupação.

5.3. INATIVO VERSUS OCUPADO

Na Tabela 5 podem ser visualizados os resultados mais

consistentes, bem como os efeitos marginais das probabilidades de inativos virem a ser ocupados. As mais elevadas consistências, por ordem de importância segundo a estatística de Wald, são: idade, renda de aposentadorias e pensões, gênero, escolaridade e chefe de família. A dimensão desses impactos sobre as probabilidades de um indivíduo médio inativo vir a ser um ocupado pode ser visto na seqüência.

Uma inspeção dessa Tabela permite dizer que a elevação da escolaridade não condiciona chances mais fortes para uma pessoa inativa ocupar um posto de trabalho, a contribuição dessa variável é praticamente nula ou desprezível em termos probabilísticos, em face da baixa magnitude do coeficiente de seu efeito marginal. O nível elevado de significância estatística desse resultado fica garantido pela estatística de Wald.

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TABELA 5 – ESTIMATIVAS DOS PARÂMETROS – INATIVO PARA OCUPAÇÃO Intervalo confiança 95% para Exp(B)

Variáveis B EfMarg EP Wald gl Sig Exp(B)

Lim inf

Lim sup

Constante -8,375 0,008 1.021.477,0 1 0,000

Gênero -0,536 -4,71 0,001 275.610,7 1 0,000 0,585 0,584 0,586

Cor 0,031 0,03 0,001 960,7 1 0,000 1,031 1,029 1,033

LnIdade 1,561 -8,71 0,002 618.532,1 1 0,000 4,763 4,744 4,782

Migrante 0,145 0,15 0,001 16046,3 1 0,000 1,156 1,153 1,158

Escolarida-de

-0,243 0,00 0,000 253.528,8 1 0,000 0,784 0,783 0,785

Chefe de família

-0,430 -0,43 0,001 129.807,0 1 0,000 0,651 0,649 0,652

LnRdaOutFam

0,017 -0,01 0,001 406,6 1 0,000 1,017 1,015 1,018

LnRdaApPen

0,574 -2,46 0,001 319.004,3 1 0,000 1,775 1,772 1,779

Pseudo R2 → Cox e Snell 0,136 Nagelkerke 0,180 McFadden 0,104

a) FONTE: Cálculos realizados a partir dos dados da Pnad, 2008. Categoria de referência: Ocupado.

A mulher e o branco, quando na condição de inativo, têm menores

chances de se tornarem ocupados, muito embora a diferença de probabilidade entre brancos e negros seja muito pequena. A probabilidade de uma pessoa inativa vir a ser ocupada diminui bastante com o avanço da idade. A condição de migrante aumenta, mas não muito, as chances do inativo obter um posto de trabalho. Os chefes de família inativos em relação aos demais membros da família têm menores probabilidades para obter uma atividade profissional.

A disponibilidade de rendimentos de outros familiares reduz as chances de um inativo vir a ser ocupado, mesmo que o impacto seja muito pequeno. O mesmo movimento acontece para os rendimentos de aposentadorias e pensões, mas esses rendimentos influenciam com um peso bastante razoável as chances de um inativo médio vir a ser um ocupado. Também os resultados dos rendimentos eram esperados, pelo mesmo motivo relativo ao desemprego.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As pessoas com idade entre 18 e 29 anos têm a taxa de desemprego mais elevada dentre todos os atributos considerados. A mulher e o negro

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enfrentam taxas de desemprego significativamente mais elevadas que as do homem e do branco respectivamente. A taxa de desemprego é crescente com o nível de escolaridade até o ensino fundamental completo (9,0%), quando inicia um processo de queda para alcançar 5,2% dos que possuem nível superior. Os mais elevados contingentes relativos de desempregados possuem o ensino médio completo e ensino fundamental incompleto. O mesmo acontece para as pessoas entre 30 e 39 anos e para as mulheres.

As taxas de atividade são menores para as mulheres (59,4%) pessoas sem instrução formal (50,8%) e para as pessoas com 60 anos e mais (30,6%), significando dizer que essas pessoas participam relativamente menos no mercado de trabalho. Ademais, as proporções mais significativas de pessoas na inatividade são: mulheres (72,9%), pessoas com idade entre 30 e 59 anos (40,1%) e as que possuem apenas o ensino fundamental incompleto (39,9%).

A idade é o fator mais limitante em termos probabilísticos que impede a passagem do desemprego à ocupação; a mulher e o negro também enfrentam probabilidades menores nessa passagem. Quanto às dificuldades de passar da inatividade à ocupação, pode-se apontar o atributo da idade e o fato de ser mulher.

Merecem, no entanto, destaque as variáveis: rendimentos de outros familiares e rendimentos provenientes de aposentadorias e pensões. A presença desses rendimentos contribui de maneira negativa para resgatar indivíduos desempregados e inativos para a condição de ocupado. Isso leva a crer que as pessoas elevam suas exigências em termos de salário de reserva quando dispõem desses rendimentos, mantendo-as durante mais tempo afastadas do mercado de trabalho.

É verdade que não se pode esperar da educação uma solução final para as oportunidades de alocação da mão-de-obra e mesmo para as questões relativas à distribuição da renda. Mas também não pode negar que a educação exerce papel muito importante nessas áreas. Isso porque é através da educação que se podem adquirir conhecimentos úteis para a vida profissional posterior. Muito depende da educação, logo dos processos cognitivos, as novas capacidades de abstração, reflexão e generalização, permitindo soluções mais adequadas para problemas, cada vez mais complexos, impostos pela dinâmica econômica. Assim, quem dispõe desses elementos, sobretudo no atual estágio de desenvolvimento tecnológico, encontra-se mais armado e melhor qualificado para enfrentar o mercado de trabalho, de maneira que uma formação mais aprimorada fornece melhores chances de emprego e vantagens adicionais em rendimentos.

O Brasil tem criado muitos postos de trabalho, é verdade, mas esses postos de trabalho têm sido destinados relativamente mais para uma força de trabalho pouco qualificada, provocando rebatimentos negativos sobre o sistema de remuneração do trabalho. Nesse momento, a política de elevação do salário mínimo e mesmo de formalização das relações de

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trabalho aparece como forma explícita de defesa do bem estar social das pessoas implicadas, mas esse sistema de defesa alcança rapidamente seus limites, dificultando a redução dos custos de mão-de-obra para as empresas.

A título de esclarecimento do que vem ocorrendo em termos de postos de trabalho no Brasil considera-se o comércio bilateral com a China. Trata-se de uma relação de comércio pautada na troca de matérias primas por produtos manufaturados, a qual vem permitindo um saldo positivo da balança comercial brasileira, mas no longo prazo o preço social a pagar por esse mecanismo pode ser caracterizado por uma perda de produtividade da economia brasileira no cenário econômico internacional, com graves conseqüências em termos de qualidade da matriz de emprego. O resultado desse comportamento aparece na forma de uma nova composição do emprego que requer uma mão-de-obra relativamente menos qualificada, evidenciando uma menor necessidade de quadros mais intensivos em conhecimento.

Argumentos contidos em Salama (2011) contribuem para o esclarecimento dessa questão. O Brasil praticamente triplicou seu comércio internacional com a China entre 2006 e 2010. No entanto, em termos tecnológicos esse processo foi acompanhado de uma assimetria muito forte em desfavor do Brasil. A China vem exportando produtos manufaturados para o Brasil, ao tempo em que adquire uma grande pauta de matérias primas, que muito contribuiu para o crescimento da economia brasileira nos últimos anos. A ação desse mecanismo permite naturalmente afirmar que crescimento econômico não necessariamente é sinônimo de crescimento industrial, podendo mesmo resultar em um processo de desindustrialização. Esse fenômeno, chamado por Salama de “désindustrialisation précoce”, vem ocorrendo praticamente em toda a América Latina, em particular no Brasil.

Nessas circunstâncias, é notório que a China vem se tornando a fábrica do mundo, imbatível em muitas frentes produtivas em decorrência de seus baixos salários, ao mesmo tempo esse país tem se tornado o grande comprador de nossas commodities que utilizam uma mão-de-obra de baixa qualificação, fazendo com que o Brasil se torne a fazenda do mundo. O processo econômico recente no Brasil, certamente criou um número mais elevado de postos de trabalho que aqueles que foram destruídos. Isso naturalmente contribuiu sobremaneira para diminuir as taxas de desemprego, fato esse que em si mesmo é positivo. Mas, precisamos também conhecer com dados e informações estatísticas qual a natureza dos postos criados em relação aos postos destruídos. Qual o nível médio de qualificação de uns e de outros?

Dados da Ped referentes às regiões metropolitanas de São Paulo e Salvador entre 1996 e 2007, permitiram a realização de um pequeno exercício estatístico. Tomando-se apenas as pessoas com até três meses

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nas condições de ocupado e desempregado, chega-se a uma estimativa dos fluxos de entrada e saída nesses mercados regionais de trabalho. Em seguida, as condições de escolaridade foram estimadas para essas pessoas. Os resultados apontam de maneira inequívoca, para as duas regiões metropolitanas, que analfabetos entrantes no mercado de trabalho suplantam em número daqueles que saem. Esse movimento é contrário à medida que os níveis de escolaridade aumentam, com exceção de alguns anos do terceiro grau para a região metropolitana de Salvador. Essa comprovação aponta para um grave problema de médio e longo prazo para a economia como um todo, na medida em que fica patente a presença de um forte mecanismo de perda de qualificação da força de trabalho ocupada e corrobora para os resultados aqui apresentados.

Em havendo uma redução das exigências de qualificação nos postos criados, relativamente àqueles que desaparecem, podemos estar entrando em uma armadilha, cujo gatilho necessariamente será puxado em futuro próximo, quando não necessariamente “todos estaremos mortos”. Essa perda de qualificação da força de trabalho, combinada com a forma como vem se verificando nosso processo de destruição criadora, certamente impõe outros custos, sobretudo na forma de uma degradação social hoje tão presente em nossos centros urbanos.

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E EMPREGOS VERDES NO BRASIL

Claudemir Sugahara*

Resumo Neste artigo será discutida a relação entre desenvolvimento e meio

ambiente com o intuito de definir e quantificar os Empregos Verdes no Brasil. Foram examinados os conceitos de desenvolvimento e de desenvolvimento sustentável, apresentando-se algumas políticas de implantação de estratégias de crescimento ambiental sustentável. Os argumentos foram fundamentados com a análise dos resultados da Agenda 21 Brasileira, documento oficial que iniciou a discussão da sustentabilidade econômica como prática de políticas governamentais no país. Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o termo ''Empregos Verdes'' se refere às profissões que simultaneamente promovem o progresso econômico, contribuem com a restauração da qualidade do meio ambiente, minimizando os impactos sofridos pela natureza ao longo dos séculos, além de pressupor o trabalho decente, amparado nas conquistas pela proteção social do trabalho, com salários adequados, condições seguras de trabalho e direitos trabalhistas assegurados. Os dados no Brasil foram extraídos da RAIS (Relação Anual das Informações Sociais). Abordou-se um panorama das formas de empregos verdes no mundo e no Brasil, tratando alternativas de oferta e investimentos em energia alternativa e repercussões nos setores produtivos. São caminhos apontados para fomentar uma discussão consistente sobre o tema e diminuir embates que limitam tanto a classificação quanto a implantação de Empregos Verdes.

Palavras-chaves: Desenvolvimento Sustentável; Sustentabilidade; Economia Ambiental; Empregos Verdes no Brasil; trabalho decente; RAIS.

Abstract

In this article discusses the relationship between development and environment, aiming to define and quantify the Green Jobs in Brazil. In order to achieve this goal, concepts of development and sustainable development were approached and politics for implementation of strategies for environmentally sustainable growth were presented. All these arguments are based on analysis of the results of Agenda 21, a document that would have officially started the discussion of economic sustainability as a practice of government policies in Brazil. According to ILO (International Labor

* Centro Universitário Ítalo Brasileiro (UNIÍTALO) e Universidade Nove de Julho (UNINOVE)

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Organization), the term ''green jobs'' refers to occupations that both promote economic progress and contribute to the restoration of environmental quality and minimizing the impacts that nature has suffered over the centuries by the process of transformation of factors of production into goods and services. The classification of green jobs also requires decent work, which is supported by worker’s achievements in the social protection of labor and wages as well as in safe working conditions and labor rights. Finally, we discussed ways to green jobs in the world and in Brazil departing from the alternatives of energy supply and investments in alternative energy in the world and in Brazil. The final remarks attempts to point out ways that would minimize the conflicts that distinguish and limit the classifications surrounding the green jobs.

Keywords: Sustainable Development, Sustainability, Environmental Economy, Green Jobs in Brazil; decent work; RAIS.

INTRODUÇÃO

Com a reorganização mundial após a Segunda Guerra

Mundial, os processos de descolonização e emancipação do Terceiro Mundo se acentuaram. A Guerra Fria bipolarizou politicamente o planeta e houve a emergência da Organização das Nações Unidas (ONU). A agenda global passou a ser norteada pelo conceito de desenvolvimento identificado com a ideia de crescimento econômico (VEIGA, 2008, p.18).

Contextualizando, Sugahara (2010) articula diversos questionamentos: o conceito de desenvolvimento poderia, necessariamente, ser traduzido como melhor bem-estar social das nações em geral nos últimos 60 anos? Quais metas realmente visam o crescimento econômico e quais são possíveis de atingir? Qual a relação entre o crescimento econômico e a distribuição de renda? Quais os temas centrais para se obter justiça e equidade nos países em desenvolvimento? Uma nação e seus indivíduos, rigorosamente implicados em garantir seu crescimento econômico, poderiam interferir no meio-ambiente a ponto de minar suas reservas energéticas, de maneira que impedisse o contínuo crescimento visado e eliminando as condições capazes de garantir sua própria sobrevivência80 e o eficaz desenvolvimento?

80 Para maiores informações acerca dos problemas ambientais, é indicado o Relatório Stern, oficialmente intitulado The Economics of Climate Change, coordenado pelo economista Nicholas Stern. O relatório encomendado pelo governo britânico trata dos efeitos na economia mundial considerando os impactos causados pelas alterações climáticas e foi apresentado em 2006.

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O documentário The Corporation81 (2003) apresenta como os custos diretos e indiretos do desenvolvimento econômico tem sido repassados à sociedade. Neste panorama, Sugahara (2010) traz à tona questionamentos à tríade dos problemas econômicos fundamentais82: como produzir para o consumo imediato sem comprometer o futuro? Será possível gerar empregos que causem menos impactos ou que até favoreçam a manutenção do meio-ambiente? E empregos criados a um custo sustentável, que simultaneamente preservassem a integridade física, moral e econômica do trabalhador? São possíveis no Brasil?

Uma das respostas está na promoção dos Empregos Verdes, entendidos como empregos que reduzem o impacto ambiental das empresas e dos setores econômicos a índices sustentáveis.

O processo de transição para a Economia Verde encontra-se a caminho de transformações, desenvolvimento e inovação tecnológica. A discussão se ampliou para governos e entidades das mais diversas bases (econômica, política, social), as quais passaram a considerar o mutualismo entre desenvolvimento, ambiente e geração de emprego como o norte da sustentabilidade para o século XXI (RAMOS, MARTINS e FREIRE, 1997).

São objetivos desta pesquisa:descrever a construção histórica do desenvolvimento sustentável e da classificação de Empregos Verdes; mapear as principais atividades relacionadas ao meio ambiente; organizar informações sobre o contingente de trabalhadores alocados em áreas consideradas geradoras de Empregos Verdes no Brasil e no mundo; apontar potenciais oportunidades em profissões criadas a partir da égide da sustentabilidade socioambiental.

Foi realizada uma revisão bibliográfica para consolidar esta discussão. Os dados estatísticos específicos quanto à classificação de Empregos Verdes no Brasil são escassos. As bases de dados nacionais disponíveis para este estudo foram retiradas do Programa de Disseminação das Estatísticas do Trabalho (PDET) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), da Relação Anual de Informações

81 Baseado no livro The Corporation: the pathological pursuit of profit and power de Joel Bakan, este filme trata dos poderes das grandes corporações no mundo contemporâneo, trazendo depoimentos de Milton Friedman, Michael Moore e Noam Chomsky, dentre outros. Seguem a mesma temática os livros de David Korten, Quando as Corporações regem o mundo e O mundo pós-corporativo.

82 Os três problemas fundamentais da organização econômica são: Quais os bens produzidos e em que quantidades? Como os bens são produzidos? Para quem os bens são produzidos?

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Sociais (RAIS)83 e do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED)84, ainda que não classifiquem oficialmente as ocupações como “profissões verdes”. Os dados no Brasil contemplarão o período compreendido entre 2006 a 200885.

A contribuição oferecida com este estudo é o convite ao debate científico sobre a reflexão sobre os pressupostos que subjazem à economia e como as implicações ambientais e sociais são capazes de delinear importantes transformações nos padrões de produção e consumo hoje praticados.

Crescimento, Desenvolvimento e Desenvolvimento Sustentável

Na década de 70, em O Mito do Desenvolvimento Econômico,

Furtado (1974, pp. 75-6) afirmou que a função do conceito de desenvolvimento é (i) desviar a atenção das necessidades fundamentais da coletividade e do avanço da ciência, ao mesmo tempo em que (ii) concentra a atenção em objetivos abstratos, como investimentos, exportações, crescimento econômico. Isto tornava aceitável à periferia sacrificar-se e justificava a necessidade de destruição do meio ambiente. Furtado já discernia uma visão quantitativa do desenvolvimento de uma visão qualitativa, por não existir desenvolvimento sem um projeto social subjacente ao crescimento. No entanto, não apontou uma solução possível.

Amartya Sen (Apud VEIGA, 2008, p. 33-47) constatou que a pobreza deveria ser vista como privação de capacidades básicas e não apenas da baixa renda. Analisou a expectativa de vida, a disponibilidade de alimentos e a subnutrição na Grã-Bretanha no período entre guerras. Embora a disponibilidade de alimentos tivesse caído, também diminuiu a subnutrição da população e aumentou a expectativa de vida dos cidadãos em geral mediante políticas públicas voltadas à manutenção da vida, mesmo durante um lento crescimento econômico.

Em Economia, produção “é a atividade social que visa adaptar a natureza para a criação de bens e serviços que permitam a satisfação das necessidades humanas” (GREMAUD; TONETO; VASCONCELLOS, 2007, p. 31). Do produto resultante determina-se o crescimento econômico de um país, quantificando o aumento (ou a diminuição) da produção em delimitado período.

Embora os conceitos de “Crescimento” e “Desenvolvimento” sejam próximos entre si, é importante esclarecer diferenças. O

83 Instituída pelo decreto nº 76.900 de 2 de dezembro de 1975. 84 Criado pela Lei nº 4.923 de 23 de dezembro de 1965. 85 Considerando ser este o último anuário da RAIS disponível para consuta.

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Crescimento diz respeito ao aumento de produção, de bens que atendam às necessidades humanas. O conceito de Desenvolvimento é ampliado e abrange, além da magnitude da expansão da produção, a natureza e a qualidade deste crescimento e como isto afeta positivamente as condições de vida dos habitantes de um país.

Em, 1990, a ONU criou o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano – o qual é utilizado desde 1993 pelo Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento para mensurar o desenvolvimento social dos países. O IDH é uma média aritmética composta por três indicadores: o indicador de riqueza (baseado no produto interno bruto, o PIB); o indicador da esperança de vida ao nascer e o indicador de escolaridade: considera o número de alfabetizados e de pessoas matriculadas em instituições de ensino.

Políticas de desenvolvimento que visam melhorias da qualidade de vida da população não são tangíveis com imediatismo. Com objetivos estruturados a médio e longo prazo, devem contribuir para a solução dos desafios de internacionalização e polarização social, dentro do que chamamos de desenvolvimento sustentado (SUNKEL, 2001, p. 288-94).

A noção de “sustentabilidade” ligada à noção de “desenvolvimento” implica numa mudança na visão pré-analítica da economia. A economia ecológica, dentro da discussão de economia sustentável, é redimensionada como subsistema do meio ambiente (DALY, 2001). Isto requer uma série de práticas que envolvem ações integradas de todos os agentes sociais.

Para Sachs (2008), o conceito de desenvolvimento sustentável acrescenta a dimensão ambiental à dimensão da sustentabilidade social, vinculando estreitamente o desenvolvimento econômico com o do meio ambiente. Para ser compreendido na sua complexidade, necessita da contribuição dos diferentes campos do saber.

O desenvolvimento sustentável é impensável pelo enfoque econômico predominante, no qual certos agentes de produção (capital manufaturado, força de trabalho e renda) transformam um fluxo de recursos naturais em fluxo de produtos como resposta a demanda dinamizada pela valorização subjetiva dos diferentes bens e serviços. Esses processos geram um fluxo de remunerações que permitem adquirir bens e serviços, possibilitando a manutenção e o crescimento do processo produtivo, perfazendo-se, assim, o esquema básico circular da economia (CAVALCANTI, 2001, pp. 135-6).

O matemático e economista romeno Georgescu-Roegen (1971) contribuiu a esta discussão com a incorporação dos princípios biofísicos que seguem as leis de conservação de massa e energia e a lei da entropia aos modelos tradicionais da ciência econômica. Na economia predominante menosprezam-se bens e serviços

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ecossistêmicos, em princípio disponíveis gratuitamente, e tende à superexploração destes recursos. Denuncia a “falácia dos recursos infinitos”, exemplificando o oceano, que conteria energia para milênios de produção humana, porém indisponível (CLEVELAND e RUTH, 2001. pp. 140-2).

Sunkel (2001) vê dois tipos de políticas e ações como guias das diversas iniciativas de sustentabilidade. Espontâneas ou planejadas, devem ser urgentemente estabelecidas para evitar a deterioração irreparável dos ecossistemas:

a) Reduzir, deter e prevenir a deterioração ambiental mediante a criação de estações de tratamento de água, instalação de filtros, adoção de tecnologias não-contaminadoras, aproveitamento de resíduos e subprodutos, melhoria de eficiência etc.

b) Regenerar parcial ou totalmente e fortalecer as características dos ecossistemas mediante o reflorestamento, utilização de bacias e recursos hídricos, práticas de utilização de solos agrícolas e pastos, planificação de áreas urbanas e costeiras, preservação dos ecossistemas marinhos e da diversidade genéticas etc.

A Agenda 21

A Agenda 21 é “uma ferramenta útil para organizar os esforços da sociedade para alcançar o desenvolvimento sustentável” (TRINDADE, 2001). Mediante os diálogos entre os stakeholders86, integra os agentes sociais em um processo decisório e participativo.

Da Agenda 21 Global originaram-se as Agendas 21 nacionais. Preconizam que cada país busque o consenso interno em todos os níveis de sociedade, identificando, segundo Trindade(2001):

“as demandas do desenvolvimento sustentável e oportunidades de investimento, das competências e capacidades institucionais necessárias, dos requerimentos científ icos e tecnológicos, e do volume de recursos apropriados para ampliar o conhecimento e a gestão do meio ambiente integrada ao desenvolvimento” (pp. 264-5).

A Agenda 21 Brasileira (2000) é colocada como um

instrumento que “permite definir e implementar políticas públicas com base em um planejamento participativo voltado às prioridades do desenvolvimento sustentável”. Composta por dois documentos

86 Stakeholders “são partes interessadas em situações onde há conflitos inerentes. Por exemplo, no transporte público os stakeholders relevantes são os usuários, os transportadores, os fabricantes de veículos, os fornecedores de combustível, e o agente regulador” (Ibid., p. 261).

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distintos, o primeiro “estabelece os caminhos preferenciais na construção da sustentabilidade brasileira”; e o segundo “apresenta em detalhes o processo de construção da Agenda 21 Brasileira e as diferentes propostas resultantes dos debates estaduais” (AGENDA 21 BRASILEIRA, 2000, p. 4).

A “Plataforma das 21 Ações Prioritárias” da Agenda 21 Brasileira é sistematizada em cinco grandes temas87. Neste programa, busca-se a construção de uma democracia participativa no Brasil, aliando o fortalecimento da sociedade e do poder local de modo descentralizado mediante participação dos cidadãos. O paradigma do desenvolvimento é proposto como ferramenta capaz de suplantar o individualismo predatório em busca de um equilíbrio global e coletivo, numa sociedade calcada em valores éticos partilhados (AGENDA 21 BRASILEIRA, 2000, pp. 84-5).

Empregos Verdes

Os Empregos Verdes e decentes resultam da intersecção do

conjunto de atividades ambientalmente sustentáveis com o conjunto formado por postos de trabalhos impreterivelmente decentes, os quais satisfazem demandas e metas do movimento trabalhista. Estão excluídos trabalhos que explorem a mão-de-obra e que deixem o trabalhador em condição de semi-escravidão, submetido a condições degradantes (EMPREGOS VERDES, 2008).

Abrangem atividades profissionais da construção civil à agricultura, do mercado energético à reciclagem, da educação básica às mudanças de legislação. Concretizam-se na adoção de políticas públicas que incentivem a sustentabilidade, o aumento da produção e o uso de produtos ecológicos que diminuam a necessidade de energia e de matérias primas nas diversas atividades econômicas mundiais. Embora não haja parâmetros reconhecidos internacionalmente para comprovar que fazer negócios sustentáveis seja mais rentável, existem vários estudos e indícios concretos de que a “economia verde” vem sendo a responsável pelo crescimento dos empregos verdes (GREEN JOBS, 2008).

Para a OIT, o conceito de "empregos verdes" resume a transformação das economias, das empresas, dos ambientes de trabalho e dos mercados laborais em direção a uma economia sustentável que proporcione trabalho decente com baixo consumo de carbono. Segundo estudo realizado pela OIT, no Brasil já existiam 2.653.059 empregos

87 A economia da poupança na sociedade do conhecimento; Inclusão social para uma sociedade solidária; Estratégia para a sustentabilidade urbana e rural; Recursos naturais estratégicos: água, biodiversidade e florestas; Governança e ética para a promoção da sustentabilidade (AGENDA 21).

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formais nessa área. A meta é reduzir em 20% a emissão de carbono até 2030. (EMPREGOS VERDES NO BRASIL, 2009).

A adesão a essa proposta pode ser estratégica para combater a crise econômica mundial. Quaisquer mudanças futuras ocorridas em direção ao “esverdeamento” na transição para uma economia ambientalmente sustentável dependem de novos padrões de consumo e produção (DOWBOR e SACHS, 2007).

Existem empregos diretos nos setores que produzem bens e serviços mais verdes, empregos indiretos em suas cadeias de fornecimento e empregos induzidos, quando as poupanças de energia e matéria-prima se transformam em outros bens e serviços de maior intensividade de mão-de-obra. O potencial de gerar “empregos verdes” existe em todos os países e é maior nos países em desenvolvimento.

O relatório Empregos Verdes (2008) descreve o papel governamental nesse processo: incentivo fiscal a empresas que produzam projetos ambientalmente sustentáveis, a criação de uma legislação trabalhista ambientalmente correta e responsável e disponibilizar créditos às empresas para que invistam em tecnologias verdes e empreguem trabalhadores de maneira decente.

Empresas privadas podem tanto inovar tecnologias para diminuir o impacto da produção sobre o meio ambiente como também criar metas e estratégias para a redução das emissões dentro da empresa. Há Leis que ampliam a responsabilidade das empresas em relação ao ciclo de seus produtos e obrigam-nas a recolher os produtos no fim da vida útil, como pneus e pilhas alcalinas (EMPREGOS VERDES, 2008).

Panorama mundial dos Empregos Verdes

No relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT)

“Empregos Verdes: Trabalho decente em um mundo sustentável e com baixas emissões de carbono” (2008), os setores que mais apresentam oportunidades de crescimento em Empregos Verdes são: oferta de energia, edifícios, transporte, indústria de base, alimentos, agricultura e silvicultura.

As fontes de energia disponíveis se dividem basicamente em renováveis (obtidas nos mananciais de energia abundantes) ou esgotáveis/não-renováveis (como combustíveis fósseis originados de processos de decomposição de matéria orgânica que demoram milhões de anos) (SANTOS E MOTHÉ, 2007/2008).

São fontes alternativas de energia: a eletricidade eólica, células fotovoltaicas (FV) solares, energia térmica solar, biomassa, energia hidráulica e energia geotérmica. Estas fontes, além de redução no impacto ambiental, possuem maior capacidade de criação

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de empregos do que as não renováveis ao gerar mais empregos por unidade de capacidade instalada, por unidade de energia gerada e por dinheiro investido. No setor, foram criados mais de 2,3 milhões postos de trabalhos nos últimos anos. Contudo, fornecem apenas 2% da energia mundial. (EMPREGOS VERDES, 2008, p. 20).

Os biocombustíveis surgiram com a necessidade de substituir o petróleo, principal fonte energética no mundo contemporâneo. O Brasil e os EUA se destacam como os grandes produtores mundiais, principalmente, do etanol, atualmente produzido a partir de diversas fontes (milho, soja, cana-de-açúcar, dendê, mamona).

Com mão-de-obra intensiva, emprega grande quantidade de trabalhadores com baixa remuneração e qualificação. As vagas de emprego no setor envolvem desde atividades agrícolas até processamento industrial. Estima-se que quase 1,2 milhões de trabalhadores estejam concentrados no campo da geração de energia a partir da biomassa. É esperado aumento significativo no número de empregos na Espanha, França e Nigéria. Com a determinação da Colômbia de misturar álcool à gasolina será possível originar aproximadamente 170.000 empregos no setor do etanol.

Cerca de 40% do consumo de energia, das emissões de gases de efeito estufa88 e da produção de lixo são realizados dentro dos edifícios residenciais ou comerciais. Conforme o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, 2007), o potencial de redução de poluentes dos edifícios pode chegar a quase 30%, seja por meio da construção de edifícios verdes ou pela redução do desperdício de energia e recursos.

Os Empregos Verdes na área de edifícios tendem a expandir mundialmente, tanto na construção de novos prédios verdes quanto no retro-ajuste89, importante empregador nos Estados Unidos, Alemanha, França e Japão. Os empregos criados incluem vagas de auditores, engenheiros, gerentes de projetos e encanadores, serralheiros e eletricistas para a construção civil.

Os edifícios verdes foram concebidos a partir do desenvolvimento de materiais e técnicas para reduzir o consumo de energia, com baixo custo adicional e menor impacto ambiental possível. Durante a construção, o uso racional dos materiais leva à economia energética, inclusive no transporte do material da fábrica até o canteiro de obras. Na fase de funcionamento, a eficiência dos edifícios verdes é amplificada com o uso de um sistema integrado

88 O aquecimento excessivo da Terra é provocado por aumento da taxa de CO2 na atmosfera e consequente retenção do calor gerado pela luz do sol que atinge a superfície do planeta. 89 Ou retrofitting, entendido como renovação ou adaptação de edifícios para eficiência energética, com redução de emissão de poluentes.

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que conecta calefação, refrigeração, iluminação e abastecimento de água.

Uma interessante iniciativa brasileira é o Programa Minha Casa, Minha Vida, realizado pelo governo federal em parceria com Estados, municípios, empresas e movimentos sociais. A Caixa Econômica Federal, responsável pela gestão dos recursos financeiros do programa, estabeleceu 46 critérios de avaliação da sustentabilidade ambiental, dos quais 12 são obrigatórios aos candidatos ao financiamento. Alguns equipamentos utilizados na redução do consumo de energia e de água podem ser incluídos no financiamento do imóvel. O cumprimento das exigências implica em adoção de práticas de construção sustentável e origina novos Empregos Verdes.

Todas as redes de transporte participam na emissão de gases causadores do efeito estufa (terrestre, marítimo e aéreo). Entretanto, os transportes terrestres respondem por 75% das emissões de poluentes atmosféricos nos grandes centros. De acordo com os dados da United Nations News Service90, as emissões de carbono no setor de transportes cresceram 30% no período de 1990 a 2010.

O desenvolvimento de tecnologias no setor automotivo visa mitigar o nível de poluição com investimento em desenvolvimento de combustíveis alternativos, veículos movidos a combustíveis híbridos e veículos elétricos do tipo plug-in91. A produção de autopeças também contribui com o “esverdeamento” do setor ao adotar um sistema em que as peças sejam feitas em bases mais sustentáveis, diminuindo os índices de população e desperdício de energia.

Melhorar a utilização dos meios de transportes públicos auxilia na redução dos impactos ambientais e aumenta os índices de emprego. Também são potenciais criadouros de Empregos Verdes o planejamento urbanístico e a manutenção de veículos.

No setor de ferrovias, os impactos ambientais são bem mais reduzidos do que nos outros transportes terrestres. Trens emitem menos carbono do que caminhões ou aviões. Entretanto, em detrimento desta vantagem ambiental, os trens não recebem, hoje em dia, elevados níveis de investimento.

O setor da aviação apresenta alto nível de queima de combustível em vôos de curta distância. A indústria aeroespacial produzirá até 2023 mais de 17.000 aviões regionais. No entanto, a empregabilidade e criação de Empregos Verdes no setor são bastante restritas, com espaço para criação de vagas em

90 www.un.org/News/ 91 Sistema semelhante ao veículo híbrido convencional, ex. gasolina & elétrico, cuja bateria pode ser recarregada conectando-se a energia elétrica residencial comum.

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desenvolvimento de energias propulsoras mais limpas (CHAVE, 2005).

Os principais setores que compõem a indústria de base são a indústria de cimento, papel e celulose, alumínio e aço. Devido ao uso intensivo de energia, faz-se necessário criar mecanismos de proteção ambiental e sustentabilidade.

Os Empregos Verdes nessas indústrias são limitados devido ao alto grau de tecnologia e mecanização do processo produtivo. Segundo o relatório “Empregos Verdes” da OIT (2008), o setor da indústria do aço responde por, aproximadamente, 6 a 7 milhões de empregos formais. A reciclagem é a maior fonte de Empregos Verdes, porém os números completos não estão disponíveis. Também há potencial de crescimento nas áreas de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias.

Uma área importante de geração de Empregos Verdes na área de papel e celulose está na adequação das fábricas para atingir as metas de redução dos índices de poluição ambiental. Em regiões pobres do globo, a reciclagem de papel e papelão por meio de cooperativas de catadores de material se destaca como importante fonte de empregos. As cooperativas procuram aprimorar os níveis de remuneração e os padrões de trabalhos, incentivando o aumento de taxa de reciclagem e a qualidade desses empregos. Porém, ainda há muitos trabalhadores envolvidos em atividades sujas, perigosas e mal remuneradas.

Com a revolução verde, os meios de produção agrícola foram modernizados e o campo foi, definitivamente, integrado ao sistema capitalista de produção. Os agricultores passaram a definir a localização de suas fazendas tendo em vista os preços da terra e a facilidade de escoamento da produção para os mercados consumidores.

As principais oportunidades de Empregos Verdes neste setor estão na agricultura orgânica, mais intensiva em mão-de-obra que a mecanizada, desde o produtor até a venda no varejo ao consumidor final. Na Conferência Internacional sobre Agricultura Orgânica e Segurança Alimentar de 200792 foram apresentados estudos sugerindo ser uma opção de desenvolvimento sustentável de âmbito mundial com potencial empregador de jovens escolarizados em áreas rurais.

Em 2009, o IPCC divulgou um estudo com resultados que afirmavam o desmatamento florestal aumentava os índices de emissão de gases de efeito estufa que os setores de agricultura e transporte.

92 Organizada pela Food and Agriculture Organization (FAO).

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A força de trabalho empregada na silvicultura costuma ser local. Pode ser sazonal, de subsistência em atividades de pesca e agrícola ou ainda encontrar empregos informais em setores ligados à extração de toras, com remuneração variável de acordo com o tipo de emprego, local e empregador. Adultos jovens são recrutados sem muita formação técnica, intensiva em mão-de-obra. Essa informalidade ocasiona taxas elevadas de acidentes e de óbitos. Muitos dos postos de trabalho, devido à grande degradação física causada ao trabalhador, não são considerados verdes.

A OIT Brasil e a Promoção dos Empregos Verdes

O conceito de Empregos Verdes utilizado nessa pesquisa fundamenta-se em dados levantados até este momento e está sujeito a alterações a qualquer momento. Sem consenso entre os especialistas quanto à metodologia de avaliação, a própria mensuração do PIB atual pode ser questionada e levar à busca de outras fórmulas capazes de classificar os aspectos sócio-ambientais adequadamente.

A RAIS compila em categorias as informações mais detalhadas

sobre a situação do emprego formal fornecidas diretamente pelos empregadores, como um recenseamento dos contratos formais de trabalho mantidos pelas empresas no mês de dezembro de cada ano.

A CNAE 2.093 não distingue postos de trabalhos verdes gerados pela necessidade de melhorar os meios de produção ajustados a novos modelos de uso e conservação dos recursos naturais. Também não se inserem nesse quadro nenhum dos empregos gerados para minimizar os impactos ambientais gerados pelas empresas, cujas atividades de compensação ambiental são previstas por lei. As preocupações com a gestão dos resíduos são bastante difundidas entre as empresas brasileiras, mas a quantificação dos novos Empregos Verdes é imprecisa.

O número de Empregos Verdes existentes na economia vai além da quantidade de postos de trabalho. Entretanto são estimativas. Embora os quatro grandes grupos de atividades econômicas baseadas na exploração de recursos naturais apresentados na RAIS sejam grandes geradores de novos Empregos Verdes, não são considerados totalmente “verdes”. Mesmo propondo formas de “esverdeamento”, são grandes emissores de carbono com alto consumo de energia e de recursos ambientais nem sempre renováveis.

93 A CNAE – Classificação Nacional de Atividades Econômicas – do IBGE estabelece as categorias que são usadas como referência pelas estatísticas relativas aos setores de atividade econômica no Brasil. Ela constitui o nível mais aprofundado de desagregação das informações da RAIS 2008.

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Tabela 1 Empregos Verdes Formais em 31 de Dezembro de 2006/2007/2008 CLASSES DE ATIVIDADES AGRUPADAS

2006 2007 Var. %

2008 Var. %

Produção e manejo florestal

133.313 145.955 9,48 139.768 - 4,24

Geração e distribuição de Energias Renováveis

480.497 505.675 5,24 547.569 8,28

Saneamento, gestão de resíduos e de riscos ambientais

276.736 292.164 5,57 303.210 3,78

Manutenção, reparação e recuperação de produtos e materiais

361.819 407.029 12,50 435.737 7,05

Transportes coletivos e alternativos ao rodoviário e aeroviário

735.641 760.384 3,36 797.249 4,85

Telecomunicações e tele-atendimento

305.499 373.592 22,29 429.526 14,97

Totais anuais de empregos verdes (E.V.)

2.293.505 2.484.799 8,34 2.653.059 6,77

Estoques anuais de empregos formais (E.F.)

35.155.249 37.607.430 6,98 39.441.566 4,88

Diferenças entre as taxas de crescimento dos E.V. e dos E.F.

1,37 1,89

Participação dos E. V. nos estoques anuais de E.F. (%)

6,52 6,61 1,28 6,73 1,81

Fonte: RAIS, 2006, 2007, 2008.

Perspectivas para a Geração de Empregos Verdes no Brasil Algumas iniciativas contemporâneas podem acelerar a geração de

empregos, impulsionando o “esverdeamento” da economia brasileira: a redução de IPI para eletrodomésticos da linha branca, a inspeção veicular para controle de emissões, a regularização fundiária de propriedades rurais na Amazônia e a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Parece haver uma consciência global de que não há mais

condições de se buscar o Desenvolvimento Econômico como no século XX. A degradação constante dos recursos naturais cria pauta sobre questões sociais, políticas e, sobretudo, econômicas. Atualmente, em virtude da conscientização da avaria à natureza e do tempo necessário para reposição das fontes energéticas para o bem estar humano, buscam-se formas de reaver parte do que foi destruído e de conservar o que ainda não está totalmente degradado.

As transformações no mercado de trabalho, associadas às mudanças de mentalidade acerca da sustentabilidade do Planeta, fizeram surgir uma vasta gama de setores que desenvolveram tecnologias, postos de trabalho e mercado para produtos ambientalmente sustentáveis. A sustentabilidade é construída economicamente como uma via de mão-dupla: a produção é sustentável na mesma medida em que o consumo também o é, não sendo possível formar uma mentalidade de economia sustentável de outra maneira, já que a sustentabilidade advém das mudanças sociais. Esta conquista deve estar pautada na participação de agentes em todos os aspectos e níveis. Mais importante do que apresentar dados é perceber a mudança acelerada da realidade em prol da conservação da natureza sem que, com isto, as nações deixem de crescer.

Os Empregos Verdes Decentes demonstram mudanças na mentalidade do cidadão comum, das empresas e dos governos. A cada dia aumenta o número de empresas que busca produzir de acordo com as metas de redução de carbono. Concomitantemente, é crescente número de consumidores que dão preferência a produtos de empresas as quais demonstram maior consciência ambiental, da produção até seu produto final. A tendência aponta o início de mudança de hábitos e compromisso sócio-ambiental. Quando esta atitude refletir, definitivamente, o comportamento dos produtores e consumidores finais, terão salvaguardados os aspectos de uma sociedade comprometida com a própria sustentabilidade.

Simultaneamente, é preciso introduzir novos padrões de produção de bens de consumo e de serviços a fim de diminuir o desperdício de consumo de energia e melhorar o uso dos recursos naturais. A geração de empregos verdes é, portanto, parte essencial no processo de transição para uma economia sustentável.

Dados da RAIS, publicados pela OIT Brasil, corroboram com o “esverdeamento” da economia e comprovam o aumento dos empregos verdes, quando comparados aos aumentos de empregos

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formais. No entanto, a base de dados nacional disponível mostra-se insatisfatória para o eficiente mapeamento dos Empregos Verdes. As variáveis ainda não são classificadas apropriadamente e isto pode induzir a dois tipos de erros: a) considerar empregos, que não deveriam constar como verdes; e b) não considerar empregos, que deveriam ser.

Embora a produção acadêmica disponível seja escassa, agravada pela disponibilidade de estatísticas diluídas em variáveis não específicas, ao reconhecer a relevância do assunto, propôs-se uma reflexão mais consistente sobre o tema. Com disposição para debater sobre a necessidade de entender o mundo do trabalho mediante uma nova óptica, nesta pesquisa procurou-se salientar dados e informações com maior confiabilidade no panorama econômico do Brasil e do mundo. Muito há para ser estudado e complementado nesse campo fértil em oportunidades, tanto sobre a criação de novos Empregos Verdes quanto para fomentar outras pesquisas neste caminho.

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DESAFIOS ATUAIS DO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO:

CRIAÇÃO DE EMPREGOS E SUSTENTABILIDADE Anita Kon*

Resumo O artigo analisa a situação estrutural da criação e distribuição

do trabalho segundo a qualificação no Brasil, considerando alguns aspectos prioritários para o processo de modernização e melhoria da qualidade que fazem parte dos desafios do mercado de trabalho na atualidade. Focaliza inicialmente a criação de frentes de trabalho no Brasil desde a década de 1990, para em seguida analisar especificamente o perfil da criação e distribuição do trabalho no Brasil segundo a qualificação no período 2002 a 2008. Na seção final examina os desafios do mercado de trabalho brasileiro na atualidade, com respeito à melhoria da qualidade do trabalho, através da criação de empregos verdes, investigando aspectos teóricos e institucionais sobre a questão, bem como o perfil e as perspectivas de geração de empregos verdes no país.

1. Considerações iniciais

Uma questão relevante emerge, sempre que a discussão sobre sustentabilidade e mercado de trabalho é posta em debate: Por que discutir este tema em períodos de crise pela qual as economias estão passando particularmente desde o final da década de 2010?

Parte considerável de agentes econômicos salienta que a destruição de empregos em países avançados no período e a falta de certeza sobre a pronta recuperação da produção e de postos de trabalho, deveriam ocupar prioritariamente os debates para a saída da crise e retomada do desenvolvimento, com medidas para a criação emprego e trabalho em que a preocupação primeira não está na qualidade da ocupação, mas apenas na absorção de trabalhadores.

O artigo procura mostrar que é exatamente nesta conjuntura de crise é que as questões relacionadas à sustentabilidade no mercado de trabalho devem ser priorizadas e a saída da crise tem maiores possibilidades de ocorrer por meio de medidas públicas e privadas que explorem a capacidade da geração de trabalho de caráter sustentável. Isto se dá porque as medidas para isto incluem o aumento da formação do trabalhador, e consequentemente da produtividade e melhor remuneração, um dos mecanismos impulsionadores da demanda de produção via consumo.

* Professora Titular da PUC/SP. Coordenadora do Grupo de Pesquisas em Economia Industrial, Trabalho e Tecnologia da PUC/SP. Aautora agradece o apoio do CNPq à pesquisa.

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Uma série de instituições internacionais ligadas ao mercado de trabalho tem discutido conjuntamente esta questão, buscando determinar a difusão destas idéias no contexto atual e sugestões para a consecução de trabalho sustentável e decente. O novo conceito de sustentabilidade neste mercado, segundo a ótica da OIT, por um lado apresenta um aspecto relacionado à geração de empregos verdes, ou seja, se refere às profissões que, ao mesmo tempo em que promovem o progresso econômico, contribuem com a restauração da qualidade do meio ambiente. Abrange também as ocupações que ajudam a proteger a flora, a fauna, reduzem o consumo de energia, de recursos naturais e de água, minimizando os impactos que a natureza vem sofrendo ao longo dos séculos pela indústria e, consequentemente, pelos trabalhadores.

Por outro lado, sustentabilidade inclui também a idéia de Trabalho Decente, denominada pela OIT, noção que abrange a promoção de oportunidades para a consecução pelos trabalhadores de um trabalho produtivo, adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança e capaz de garantir uma vida digna. O Trabalho Decente é o eixo central para onde convergem os quatro objetivos estratégicos da OIT, como será apresentado. Dessa forma, o ponto relevante a ser ressaltado é que a classificação de emprego verde pressupõe o trabalho decente, segundo definido pela OIT pois “devem também constituir empregos adequados que satisfaçam antigas demandas e metas do movimento trabalhista, ou seja, salários adequados, condições seguras de trabalho e direitos trabalhistas” (PNUMA, 2008, p. 43).

No Brasil, vem crescendo o interesse pelo conhecimento das condições de criação de empregos verdes, seguindo a linha dos países avançados, porém que apresenta desafios consideráveis tendo em vista um mercado de trabalho com características de informalidade muito definidas. Segundo estudo realizado pela OIT em 2009, já existiam nesse país 2.653.059 empregos formais nessa área. A meta é reduzir em 20% a emissão de carbono até 2030.

Observa-se que no Brasil, o debate sobre a criação de empregos verdes ainda é tímido, porém o tema ganhou relevância considerável a partir da reunião da Cúpula das Nações Unidas sobre o Clima, que foi realizado em Copenhagen, na Dinamarca em 2009. O evento vem impulsionando pesquisas, inventos e investimentos na área, gerando leis municipais e estaduais, embora ainda de forma esporádica, determinando que as novas políticas levem em conta a sustentabilidade. O Governo do Estado do Rio de Janeiro, o município de São Paulo e o Estado do Ceará são bons exemplos destas políticas que vem apostando no crescimento sustentável.

Na atualidade, os planejadores acreditam que o panorama nacional de maior estabilidade econômica propicia uma nova geração de empregos

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verdes, de acordo como panorama mundial já apontado no relatório de 2008 da OIT, sobre este tema. O documento, que tem a parceria do PNUMA-Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, da Cornell University Global Labour Institute, da Organização Internacional de Empregadores – OIE – e da Confederação Sindical Internacional-CSI, mostra que os mercados de trabalhos verdes prosperam nos países onde há apoio político forte, incentivo a empresários qualificados e investimentos em trabalhadores capacitados (RPP, 2009).

2. A criação de frentes de trabalho no Brasil desde a década de 1990

Paralelamente à criação de novas frentes de trabalho no Brasil, essencial para a ampliação da inclusão social e elevação dos ocupados no contexto da população economicamente ativa no mercado de trabalho, é fundamental a adequação das oportunidades de trabalho ao perfil de qualificação e escolaridade da força de trabalho. Na atualidade, apesar da ainda considerável taxa de desocupação do país, as empresas se ressentem da falta de trabalhadores aptos para ocuparem postos de trabalho que exigem melhor qualificação e por outro lado, continua precária a abertura de frentes de trabalho adequadas ao nível médio qualificação média dos trabalhadores.

Uma primeira constatação relevante neste sentido está na considerável parcela de trabalhadores (acima de 51%) ocupados em situação de informalidade, o que significa falta de proteção social e obstáculos para a competitividade produtiva em âmbito nacional e internacional, além do custo representado pela precariedade dos trabalhadores, submetidos ao risco de uma queda dos salários em tempos de crise. Observe-se que, estruturalmente, dos empregados em empresas, pouco mais do que a metade é formalizada através de carteira de trabalho assinada.

No período 1995-2002, políticas públicas relevantes para a melhora estrutural da geração de trabalho e emprego, bem como e das condições do trabalhador foram criadas, com intuito de intermediar de forma mais adequada e efetiva a relação entre o aumento de novas frentes de trabalho e o perfil dos trabalhadores, auxiliadas por políticas ativas, voltadas à promoção da atividade produtiva e ao aumento da qualificação do trabalhador.

As principais inovações do período foram o Plano de Formação Profissional (Planfor) e o Programa de Geração de Emprego e Renda (Proger), dirigidos para toda a População Economicamente Ativa (PEA) e o seguro-desemprego voltado apenas para o mercado formal. No caso do Proger , o fornecimento de crédito a pessoas e a empresas de micro e pequeno portes, que tipicamente enfrentam dificuldades de acesso ao sistema financeiro, possibilitou a ampliação considerável de frentes de trabalho. Paralelamente, o Plano Real teve efeitos significativos sobre os

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incrementos ocorridos na massa salarial e no nível de emprego, que foi estimulado pelo aumento do poder de compra da população e a possibilidade da ampliação das frentes de trabalho.

Com estas medidas, em 2002 as políticas de emprego no Brasil não se limitaram apenas a mitigar os impactos dos ciclos recessivos e das transformações estruturais sobre o mercado de trabalho, mas passam a constituir um instrumento direto de geração de empregos e reativação da economia, potencializando seus efeitos anticíclicos e que veio a basear as melhoras estruturais observadas no mercado de trabalho nos períodos seguintes. O crescimento dos serviços públicos de intermediação de mão-de-obra teve como resultado no período entre 1995 a 2000 o aumento em cinco vezes do número de trabalhadores beneficiados e o sistema se tornou mais eficaz na captação de vagas via novas frentes de trabalho e no aumento no mercado formal.

No período posterior, estas medidas foram timidamente implementadas, particularmente a reforma trabalhista que permaneceu apenas do âmbito dos debates, tendo em vista que as prioridades governamentais foram direcionadas para a continuidade da estabilidade macroeconômica, até 2008 e para a absorção dos impactos negativos da crise internacional deste então. Com a crise econômica internacional que teve fortes impactos no país a partir de 2009, houve um aumento considerável da desocupação, que chegou a atingir 9% em Maio de 2009. Foram adotadas medidas de incentivo ao micro-crédito com o intuito de incentivar o aumento do consumo e de novas fontes de trabalho, que deram relativo resultado, pois em junho de 2010, o nível de desemprego se situava em 7%, voltando aos níveis anteriores à crise (7,5% em setembro de 2008) e apenas 0,3% superior aos níveis de 2002 (IBGE, 2008).

No período como um todo a População Economicamente Ativa (PEA) apresentou um crescimento de 10,11% de 1996 a 2002 e de 11,9% de 2003 a 2010, enquanto que a População Ocupada (PO) registrou elevação de 11,3% e de 19,7% respectivamente. O que preocupa nos resultados da análise de criação de novas frentes de trabalho é a qualidade das novas ocupações criadas, configuradas pelo número superior de empregos informais neste último período (IBGE, 2008).

As pesquisas do IBGE mostram que no período de 1996 a 2002, a taxa de participação da população ocupada formal se elevou de 47,2% para 50,5%, enquanto que decresceram no período posterior, até atingir 43% em 2010. Dessa forma as novas frentes de trabalhos se formaram com maior intensidade no mercado informal, em ocupações sem proteção legal e em piores condições salariais. A informalidade, que inclui empregados sem carteira das empresas, ocupados por conta própria e trabalhadores domésticos sem carteira, atingia níveis de 60% dos ocupados em 1995, decresceu para 50,5% em 2002, porém em 2010 situou-se em 57% do total de ocupados.

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Observa-se entre os ocupados, que em no período de 1996 a 2002, a média de participação dos trabalhadores no serviço público do país se situava em 12,5%, registrando no período uma taxa de crescimento médio anual de 1,55% e de 2003 a 2007 a elevação anual esteve em 3,63%. Observe-se que a distribuição destas ocupações governamentais registra a representatividade de 77% e acima de 79% respectivamente em 2002 e 2007 no Executivo, com aumento mais significativo de estatutários em relação aos contratados pela CLT (IBGE, 2008).

Em suma, ocorreu uma relativa recuperação da atividade econômica desde 2003, apesar do crescimento negativo do PIB nos anos de 2005 (-2,8%) e 2009 (-0,8%), porém é preciso salientar os dados mostram que a maior parte dos postos de trabalho criados na atualidade são de baixa remuneração, ou seja, mesmo o emprego formal crescendo, o que é bastante positivo, grande parte das vagas abertas foram com remuneração de até 02 salários mínimos mensais. A persistência de elevada informalidade no mercado de trabalho, apesar do rápido crescimento econômico, indicaria barreiras estruturais à transição para o mercado de emprego formal.. As frentes de trabalho criadas dado seu caráter emergencial, ainda não conseguiram mudanças estruturais relevantes no mercado de trabalho brasileiro que atendessem às necessidades geradas pelo aumento anual da população.

3. Criação e distribuição do trabalho no Brasil: o perfil segundo a qualificação no período 2002 a 2008

A distribuição e evolução dos ocupados no Brasil apresentam especificidades não encontradas em países mais avançados mercado, particularmente no que se refere à amplitude do formal e informal de trabalho e à natureza das qualificações da força de trabalho. As formas de ajustamento do mercado de trabalho às transformações econômicas tecnológicas e produtivas no período mais recente apresentaram impactos diferenciados sobre as condições de trabalho formal ou informal, particularmente de acordo com a qualificação e gênero da mão-de-obra ativa. Um aspecto determinante para o estudo dos impactos da estruturação ocupacional brasileira sobre as condições de criação de empregos decentes e verdes se refere à condição de que apenas os trabalhadores registrados participam obrigatoriamente nestes tipos de ocupações e, dessa forma, as condições de informalidade da mão-de-obra no contexto do mercado de trabalho devem ser objeto de análise específica para o entendimento das possibilidades de transformações que levam à empregos verdes.

As discussões sobre a conceituação de trabalho formal e informal, são extensas e sofrem modificaçaões de acordo com a história das transformações econômicas mundiais. As principais linhas teóricas conceituais sobre o trabalho informal, encontradas na literatura revelam que a economia informal é uma noção cujas fronteiras sociais e econômicas em

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constante movimento não podem ser capturadas por uma definição estrita, e consequentemente o mesmo se dá com os contornos do trabalho formal. Diferentes conceitos ou definições de trabalho informal ou formal são adotados nas análises econômicas, observando-se que as transformações nas definições decorrem das mudanças conjunturais e estruturais pelas quais vêm passando as economias no decorrer do tempo, no processo de (sub) desenvolvimento (OIT, 1993; Cacciamali, 1991 e 2007; Kon, 2006; Curi e Menezes, 2006; Ulissea, 2005).

Neste trabalho, o conceito de mercado formal de trabalho para os propósitos da análise, está ligado ao aspecto legal, uma vez que o mesmo tem proteção do governo e dos sindicatos. Esta formalidade está relacionada ao cumprimento de normas legais que organizam a atividade econômica e o mercado de trabalho, ou seja, aos trabalhadores de empresas com registro em Carteira de Trabalho. Por outro lado, os trabalhadores de empresas que não possuem registro em carteira de trabalho, porém recebem um salário, bem como os trabalhadores por conta própria, caracterizam o mercado informal. Em sua maior parte, os trabalhadores que partem para a informalidade são pessoas que não encontram mais empregos no mercado formal de trabalho, embora em grande parte se relacionem a um conjunto de atividades que não são passageiras e que têm uma função econômica importante na geração de trabalho e de valor agregado (Ouriques e Vieira, 1998, p.5; Cacciamali, 1991).

No mercado de trabalho como um todo as taxas anuais no volume dos ocupados mostraram, no período analisado, decréscimo de 5,1%, porém os indicadores negativos se devem aos trabalhadores por Conta Própria, conforme se observa a partir da Tabela 1, a qual apresenta a distribuição da participação dos ocupados segundo o vínculo empregatício no período 2002 a 2008. Os ocupados formais correspondiam no início do período de análise em torno de 30% do total dos trabalhadores, e cada um dos três níveis de qualificação definidos (chegando a 1/3 entre os qualificados) e apresentam uma evolução considerável no período, os semi-qualificados atingindo 45% do total em 2008 e os demais níveis, cerca de 40% (IBGE, 2008).

As taxas de crescimento no período foram superiores às dos demais trabalhadores informais e consideravelmente mais representativas entre os semi-qualificados, cuja participação se elevou em quase 54%, o que corresponde a um crescimento anual de 9%. Embora em menores taxas (respectivamente em torno de 25%) o mesmo se verificou entre os qualificados e não-qualificados, cujas taxas anuais se mantiveram superiores a 5%. Esses indicadores mostram que a amplitude dos empregos decentes ainda atingia menos de 1/3 dos trabalhadores (excluindo-se os profissionais liberais que trabalham por conta própria).

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Tabela 1 - Participação dos ocupados no total dos ocupados segundo vínculo empregatício e qualificação (%).

Brasil, 2002 e 2008

Qualificação Período Qualificado Semi-qualificado

Não-qualificado

Empresas Com Carteira 2002 32,7 29,5 31,6

2008 40,7 45,4 40,0

2008/2002 24,6 53,6 26,6

%a.a 5,3 9,1 5,7

2002 27,1 17,8 36,7

Sem carteira 2008 31,1 20,7 41,8

2008/2002 14,4 16,0 14,0

%a.a 4,3 5,5 3,7

Conta 2002 40,2 52,6 31,7 Própria 2008 28,2 33,9 18,2

2008/2002 -29,7 -35,5 -42,6

%a.a -4,0 -5,8 -6,6

Total 2002 20,2 61,6 19,2

2008 22,8 58,8 18,4

2008/2002

%a.a 7,1 -9,4 -4,1 Fonte dos dados brutos: IBGE/PNADS 2002 e 2008, , em Kon, (2011) Elaboração própria.

No mercado informal internamente às empresas, a maior

representatividade de trabalhadores sem carteira se aloca entre os não-qualficados que participavam com cerca de 37% de trabalhadores daquela categoria em 2002, com uma elevação anual de 3,7% no período. Nesta condição de informalidade os qualificados tiveram uma elevação na representatividade, dentro de seu nível de qualificação, de 27% a 31% no período (4,3% ao ano), e dos semi-qualificados, perto de 18% se situavam na condição de informais nas empresas, mas o crescimento anual da participação foi superior (5,5%).

A literatura brasileira mostra que o tipo de contratação pelas empresas sem vínculo empregatício legalizado, ou que não cumprem as regulamentações ou legislações fiscais e laborais é resultado da incapacidade de serem assumidos gastos de registro, tributos e outros custos do trabalho. Como definem alguns autores (Ulissea, 2005; Curi e Menezes Filho, 2009), as causas determinantes da formação e crescimento do setor informal estão na excessiva regulação do Estado, baseada em impostos, regulamentações, proibições e corrupção burocrática.

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No contexto de instabilidade econômica mais recente, passando pelo período de obtenção gradativa de estabilização no país, verificada após 1995, até o período que antecedeu a crise financeira internacional (2008), foi observada no país a renovação das relações de trabalho assalariado ou não-assalariado. Esta se deu pela utilização de outras formas de trabalho a domicílio e de trabalho temporário, intermediadas por firmas locadoras de mão-de-obra ou subcontratação. Este conjunto de novas relações de trabalho criado pela estratégia de empresas oligopolistas se difundiu para todo o espaço econômico, levando à reestruturação das demais firmas e gerando condições para a ampliação do trabalho sem carteira nas empresas ou por Conta Própria. Adicionalmente surgem no setor informal oportunidades de ganhos superiores aos empregos de média e baixa qualificação e finalmente, a ampliação das atividades informais é devida ainda à dificuldade de sobrevivência de indivíduos que não logram reempregar-se ou ingressar no mercado de trabalho formal e aceitam exercer trabalhos com menor remuneração (Kon, 2006 e 2011; Baltar, Leone e Borghi, 2009).

Com relação à categoria de trabalhadores por Conta Própria – que pertencem às denominadas economias subterrâneas, invisíveis, paralelas ou negras – as maiores participações de trabalhadores em todos níveis de qualificação se alocam nesta situação e particularmente entre os semi-qualificados, verifica-se uma representatividade de quase 53% em 2002, enquanto os demais níveis contavam com mais de 40% e 31% respectivamente entre os qualificados e não-qualificados. No entanto a evolução desta proporção no período foi negativa para todos os níveis de qualificação, chegando a taxas anuais de queda entre 4% e 7%.

Os dados da evolução anual do total de trabalhadores revelam que entre os qualificados, parte da diminuição de trabalhadores por Conta Própria pode ter sido causada pela migração de trabalhadores para as empresas. No entanto, entre os semi-qualificados e não-qualificados as taxas anuais totais foram consideravelmente negativas (-9,4% e -4,1% respectivamente), o que permite inferir que parte destes migrou para ocupações qualificadas, porém outra parte se afastou do mercado de trabalho. A literatura mostra que em períodos de menor crescimento econômico, parcelas dos trabalhadores deixam de trabalhar por “desalento”, ou seja, desistem de pertencer à força de trabalho ativa (IBGE, 2008; Dedecca, 2006; SEADE, 2004).

Outro aspecto relevante à composição ocupacional dos trabalhadores e que apresenta impactos no potencial de criação de empregos decentes e verdes. se refere à participação no mercado de trabalho entre gêneros. A questão de gênero acrescenta uma nova perspectiva a esta análise distribuição ocupacional em contextos sociais e econômicos diversos, desde que repercute na proporção de empregos formais, na forma de segmentação interna do trabalho, bem como nas taxas

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de desemprego, variáveis influentes no balanço previdenciário de uma economia. As diversidades dos níveis de remunerações entre gêneros e de oportunidades de alocações em situação de formalidade nas empresas, repercutem no estímulo para a busca de requalificação por parte dos trabalhadores.

A Tabela 2 apresenta a distribuição dos ocupados segundo gênero e a evolução desta composição, de acordo a condição de formalidade. Observe-se primeiramente que em quase todas as situações, a representatividade masculina é relativamente superior, mas com diferentes intensidades entre as várias formas de trabalho. A participação do total de ocupados masculinos nos níveis de semi-qualificados e não-qualificados, diminuiu consideravelmente de 2002 a 2008, o que confirma as informações do IBGE de crescimento gradativo e sustentado da participação feminina no mercado de trabalho.

Tabela 2 – Participação dos ocupados no total dos ocupados segundo vínculo empregatício. gênero e qualificação Brasil, 2002 e 2008 (%)

Qualificação Período Qualificados Semi-qualificados

Não-qualificados

H M H M H M Empresas 2002 54,1 45,9 77,5 22,5 55,7 44,3

Com carteira 2008 46,8 53,2 66,4 33,6 43,5 56,5

2008/2002 (%) -13,56 16,0

-14,3 49,5

-21,9 27,6

2002 65,7 34,3 81,2 18,8 23,1 76,9

Sem carteira 2008 63,5 36,5 71,9 28,1 21,5 78,5

2008/2002 (%) -3,4 6,4

-11,5 50,0 -6,8 2,0

Conta própria 2002 78,4 21,6 54,7 45,3 54,1 45,9 2008 72,4 27,6 55,1 44,9 52,1 47,9

2008/2002 (%) -7,7 27,7 0,9 -1,1 -3,6 4,3

Total 2002 61,2 38,8 68,5 31,5 41,2 58,8 2008 59,2 40,8 63,7 36,3 35,9 64,1

2008/2002 (%) -3,2 5,1 -6,9 15,1

-13,0 9,1

Fonte dos dados brutos : IBGE/PNADs 2002 e 2008, em Kon, (2011) Tabulações especiais, elaboração própria.

Entre os trabalhadores formais qualificados e não-qualificados,

ocorreu um comportamento peculiar de mudança estrutural, pois se em 2002 nos dois níveis de qualificação os homens participavam com aproximadamente 55% dos postos de trabalho, em 2008 houve uma

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inversão da concentração segundo o gênero, dado que as mulheres passaram a representar respectivamente mais de 53% e quase 57%.

Este aumento na participação de trabalhadoras no período foi consideravelmente superior nesta situação de formalidade, do que nas demais condições. Entre os semi-qualificados, a diferença de representatividade é relativamente muito mais considerável, pois as mulheres participavam em 2002 com perto de 23% dos empregos formais. Porém no final do período analisado, esta concentração havia se expandido a uma taxa de quase 44% em todo o período, atingindo uma representatividade de metade dos empregos formais neste nível de qualificação, o que equivale a um aumento de quase 50% na participação no período. É possível inferir-se, a partir deste resultado, que a escolaridade superior feminina, retratada nas pesquisas do IBGE, permitiu em parte a substituição de homens em postos de trabalho, em um período de baixo crescimento e busca de estabilidade permanente, tendo em vista que as mulheres auferem em média salários menores.

Com respeito aos trabalhadores sem carteira das empresas, é verificado que a participação masculina nos níveis de qualificados e semi-qualificados é ainda superior em relação aos formais, mas observa-se a mesma trajetória de queda nesta situação relativa no período; entre os semi-qualificados os postos de trabalho preenchidos por mulheres teve uma evolução de 50% na representatividade.

Na categoria de não-qualificados sem carteira, de modo diferente do que em outros níveis as mulheres ocupam mais de ¾ dos postos, porém com elevação pouco significativa no período. Isso significa que entre os trabalhadores menos qualificados, em que o nível de rotatividade nas empresas é consideravelmente superior – conforme comprova a literatura sobre segmentação interna do mercado de trabalho – as mulheres tem prioridade na contratação, desde que aceitem condições menos favoráveis de emprego, como salários menores e não proteção com carteira, como já observado em outras pesquisas (Fichtenbaum, Gyimah-Brempong e Olson, 1994).

As transformações estruturais que ocorreram internamente ao setor formal da atividades da economia, embora não muito contundentes, por um lado se revestiram de um caráter inovador mas, por outro lado, vem desempenhando um papel desequilibrador em relação à criação de um volume de postos de trabalhos formais necessários para incorporar parcela adicional de trabalhadores ainda não protegidos por benefícios sociais e ainda absorver o crescimento da força de trabalho, desde que não tem . Isso se verifica porque a qualificação da força de trabalho apresenta um descompasso em relação à abertura de postos de trabalho mais qualificados e não atende completamente às necessidades requisitadas por estas ocupações.

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As diferenças nas remunerações médias dos trabalhadores segundo condição de vínculo empregatício e gênero, são apresentadas na Tabela 3. Observa-se uma mudança estrutural em algumas relações entre modalidades de trabalho de 2002 a 2008, no que se refere aos rendimentos médios segundo vínculo empregatício, para os dois gêneros. Tanto os homens quanto as mulheres apresentavam nos dois períodos indicadores de defasagem nos rendimentos médios entre os ocupados com carteira assinada e sem carteira (IDRV) abaixo da unidade, o que significa que as remunerações dos sem carteiras eram inferiores aos formais, em todos os níveis de qualificação.

No entanto algumas mudanças na proporção destes indicadores ocorreram no período, entre as mulheres qualificadas, cuja defasagem de rendimentos aumentou em 2008, desde que a remuneração média que correspondia a 90% abaixo da média brasileira para as sem vínculo legalizado nas empresas em 2002, passou a equivaler a 60%. Entre as semi-qualificadas, a defasagem diminuiu não muito significativamente, de uma equivalência de 50% dos rendimentos das sem carteira com relação as com vínculo, no início do período analisado para 60% em 2008.

Tabela 3 - Rendimentos médios* dos ocupados segundo condição de vínculo empregatício e qualificação Brasil 2002 e 2008

Homem

Mulher Total

C/C S/C IDRV ** C/C S/C

IDRV ** C/C

IDRG *** S/C

IDRG ***

IDRV **

2002 Qualifica-dos 9,4 5,7 0,6 6,1 5,3 0,9 7,7 0,6 4,7 0,9 0,6 Semi-qualif 3,0 1,4 0,5 2,6 1,4 0,5 2,9 0,9 1,5 1,0 0,5 Não-qualif 1,7 1,3 0,7 1,5 0,9 0,6 1,7 0,9 1,0 0,7 0,6

2008 Qualifica-dos 6,7 4,3 0,6 4,4 2,6 0,6 5,5 0,7 3,4 0,6 0,6 Semi-qualif 2,5 1,3 0,5 2,0 1,2 0,6 2,1 0,8 1,2 0,9 0,6 Não-qualif 1,6 1,1 0,7 1,3 0,8 0,6 1,4 0,8 0,8 0,7 0,6

Fonte dos dados brutos: IBGE/PNADs 2002 e 2008, em Kon, (2011) Tabulações especiais, elaboração própria *Em Salários Mínimos; **IDSV = Índice de defasagem dos rendimentos médios segundo vínculo empregatício (SC/CC). ***IDSG = Índice de defasagem dos rendimentos médios segundo gênero (M/H)

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A Tabela 3 mostra ainda as diferenças de remuneração entre gêneros (IDRG), onde se verifica que embora as remunerações femininas permaneçam sempre inferiores às masculinas em todos os níveis de qualificação, a relação entre remunerações masculinas e femininas teve ligeiras alterações. Entre os qualificados com carteira, que contribuem para a Previdência Social, houve melhora, embora não muito significativa, entre os períodos, ou seja, de 60% para 70% a equivalência do rendimento das mulheres em relação aos homens, enquanto que nos níveis de semi-qualificados e não-qualificados, embora a disparidade seja menor, esta defasagem aumentou.

Entre outras causas determinantes das diferenças na remuneração entre os gêneros, a literatura econômica internacional destaca a influência da disponibilidade de capital humano – aqui representada pelo nível de qualificação – além da existência de diferenciais de compensação para os mesmos tipos de trabalhos e a discriminação (Bruschini, 2007; Abramo, 2006). No entanto, especificamente para o Brasil, apesar de maiores taxas femininas de escolaridade, frequentemente as oportunidades de emprego legalizado e as condições de remuneração do trabalho em uma determinada função são superiores para os homens a não ser em períodos de menor atividade econômica (Proni e Acosta, 2007; Kon, 2006).

A inter-relação entre o setor formal e o informal é definida pela complementaridade e concorrência como características fundamentais, sendo o setor informal não completamente integrado nem completamente autônomo, porém conserva um grau significativo de relações com o resto da economia, sem perder a autonomia. Este conceito implica no fato de que o setor teria possibilidade de assegurar trabalho para o excedente da mão-de-obra que desejasse ingressar no setor, e a variável de ajuste seria a renda média das pessoas ocupadas, que flutuaria “entre um nível mínimo de subsistência e o nível em que se encontrem alternativas de trabalho” (OIT, 1993; Cacciamali, 2007).

Algumas características da condição de informalidade permitem sua maior adaptação e adequação a economias que se encontram em fases mais atrasadas no processo de desenvolvimento, da mesma forma que a informalidade em economias mais avançadas pode assumir conotações diversas. A relação entre o aumento da informalidade e a estagnação do desenvolvimento no país tem sido claramente detectada em pesquisas empíricas. Se por um lado estas atividades desempenham um papel na absorção de excedentes da mão-de-obra marginais ou parasitárias, por outro lado parte são compostas por atividades altamente qualificadas, geradoras de elevados rendimentos, e assim, a possibilidade de gastos previdenciários é diminuída paralelamente à diminuição da base a ser tributada. No mesmo sentido da possibilidade de arrecadação de receitas, no que se refere aos benefícios da Previdência Social, o aumento da informalidade apresenta repercussões negativas para o equilíbrio das

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contas previdenciárias futuras, o que atrasa a capacidade de expansão da cobertura social.

É necessário salientar-se que qualquer alteração nas fronteiras institucionais da regulamentação das atividades econômicas produz paralelamente um realinhamento do relacionamento formal-informal. O setor informal, portanto, é um componente integrante do conjunto das economias e não apenas um apêndice marginal destas. De forma oposta a abordagens mais tradicionais desenvolvimentistas, as observações mais recentes revelam que a tendência do setor informal é de crescer nas economias altamente institucionalizadas às expensas dos relacionamentos formalizados de trabalho. Portanto representa uma nova tendência social ao invés de constituir uma simples situação de atraso a partir de relacionamentos tradicionais de produção (Kon, 2011).

4. Desafios do mercado de trabalho brasileiro: a criação de empregos verdes 4.1 Aspectos teóricos e institucionais

Em um contexto mundial atual, em que se difunde crescentemente a

consciência sobre a questão da sustentabilidade do desenvolvimento econômico, ameaçada pela super-exploração de recursos ambientais e naturais, o Brasil vem se comprometendo com a participação na comunidade econômica global, de maneira a buscar a preservação de recursos em sua rota de desenvolvimento.

Como visto, particularmente desde a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Ambiental (United Nations Conference on Environment and Development - UNCED), realizada no Rio de Janeiro em 1992 (Eco '92), o país vem se engajando nos debates internacionais sobre a efetivação de medidas de administração eficiente e racional de recursos naturais, que não comprometa a qualidade de vida de gerações futuras e até certo ponto para as atuais. As estratégias do país nesse sentido foram ratificadas na recente conferência sobre mudanças climáticas (COP16), que teve lugar em Cancun em Novembro de 2010, organizada pela ONU, onde foi reconhecida que estas medidas visam enfrentar com as ameaças ao desenvolvimento humano (UN, 1997; Mann, 2002; UBC, 2008; MMA, 2008a; Hardisty, 2010. Gouvello, 2010).

Segundo Banco Mundial (World Bank, 2010), o Brasil está empenhado em diminuir sua emissão de carbono, porém para tanto precisa investir anualmente US$ 20 bilhões até 2030 para se tornar uma economia de baixas emissões de gases causadores de degradação ambiental, particularmente em atividades do setor energético, que demandam por ano investimentos que totalizam US$ 7 bilhões para mitigar as emissões de CO2 para 11 milhões de toneladas anuais. O relatório mostra ainda que a maior redução, de 356 milhões de toneladas anuais de CO2, deve se originar de

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atividades agrícolas e do combate ao desmatamento, que exigem investimentos de cerca de US$ 5,4 bilhões por ano.

Conforme Caruso (2010) que desenvolveu estudo com o intuito de caracterizar a demanda e a oferta de empregos e capacitação “verde” na fase corrente de transição da economia brasileira, a legislação ambiental é o fator prioritário que pode direcionar e organizar o processo de transição do país para uma economia de baixa emissão.

O Brasil conta com a legislação pertinente no Plano Nacional de Mudança Climática (MMA, 2008b), que apresenta 7 objetivos: • Encorajar os setores econômicos para o aumento eficiente do desempenho através de pesquisa e implementação contínua de melhores práticas; • Manter alto nível de participação das fontes de energia renovável em relação ao total da energia fornecida no Brasil; • Promover e construir um mercado internacional para o uso sustentável de bio-combustíveis para o transporte; • Apoiar a redução sustentável de níveis de desflorestamento em todos os biomas brasileiros, demo do a eliminar o desflorestamento ilegal em um período de 4 anos; • Eliminar as perdas líquidas de cobertura florestal brasileira até 2015; • Reforçar as ações intersetoriais para reduzir a vulnerabilidade das populações; • Identificar impactos ambientais das mudanças climáticas, criar apoio de P&D para estratégias para minimizar os custos sócio-econômicos do Brasil de adaptação a estas mudanças climáticas.

A pesquisa de Caruso identificou que a legislação ambiental do país tem impactos diretos sobre o trabalho, que ocorrem em ocupações relacionadas ao controle inspeção do meio-ambiente, e impactos indiretos que repercutem nas empresas que devem mudar seus processos produtivos e adotarem outras tecnologias. A disseminação de capacitação para trabalho verde na economia do país alcança 12% das ocupações e a pesquisa mostra uma tendência para um aumento na demanda por ocupações verdes, quando se considera os empregos formais apenas..

No entanto, a distribuição dos ocupados no mercado de trabalho brasileiro deve ser considerada em sua totalidade e não somente na esfera de empregos formais, desde que é consideravelmente alta a proporção de ocupados informalmente na economia, que apresentam teoricamente potencial ainda não explorado, não apenas de migração para condições de trabalho decente, como definidas pela OIT, mas para o estímulo e treinamento para ocupações “verdes”. As recentes medidas de políticas públicas brasileiras visam seguir algumas determinações da OIT, particularmente baseadas nos Relatórios mais recentes que conceituam mais detalhadamente as características e condições dos mercados de

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trabalho para a criação de empregos decentes e verdes, como apresentado na seção seguinte.

O conceito de empregos verdes utilizados nas ainda incipientes pesquisas brasileiras funda-se em considerações e dados divulgados pela OIT Brasil. Os termos utilizados por esta instituição como: “contribuir significativamente”, “reduzir” ou “melhorar” nos remete a comparações com referência aos padrões de produção e consumo de uma determinada atividade econômica que se preocupa com a redução das emissões de carbono e com a melhoria e conservação do ambiente. Além disso, tudo o que, hoje, é considerado “verde” pode não ser mais, em um curtíssimo espaço de tempo, pois como visto, as constantes transformações que ocorrem nos padrões vigentes de produção e consumo dos países na atualidade, repercutem de forma contundente na criação destas oportunidades de trabalho.

A própria OIT Brasil (2009) chama a atenção que até mesmo as metodologias que hoje quantificam os estudos de impacto ambiental não conseguem qualificá-lo com precisão, e são passíveis de mudanças, visto que falta um consenso entre os especialistas acerca dos melhores indicadores para essa avaliação. Talvez, num futuro próximo, a própria mensuração do PIB, como a conhecemos na atualidade, careça de tantas e tamanhas alterações estruturais, que leve as nações a quantificar suas riquezas fazendo uso de outras metodologias e fórmulas, para que os aspectos sócio-ambientais tenham, de fato, uma unidade de medida capaz de classificá-los adequadamente.

Quaisquer que sejam as mudanças futuras, sabe-se que uma economia ambientalmente sustentável depende, indubitavelmente, de novos padrões de consumo e produção, a fim de se atingir o “esverdeamento” nas mais diversas atividades econômicas. Levando em conta as particularidades da economia brasileira, o artigo Empregos Verdes no Brasil: quantos são, onde estão e como evoluirão nos próximos anos (OIT Brasil, 2009) sintetiza essas transformações em seis grandes eixos: • Maximização da eficiência energética e substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis; • Valorização, racionalização do uso e preservação dos recursos naturais e dos ativos ambientais; • Aumento da durabilidade e reparabilidade dos produtos e instrumentos de produção; • Redução da geração, recuperação e reciclagem de resíduos e materiais de todos os tipos; • Prevenção e controle de riscos ambientais e da poluição visual, sonora, do ar, da água e do solo; e • Diminuição dos deslocamentos espaciais de pessoas e cargas.

Ainda segundo esta publicação, a incorporação, de ao menos uma, dessas características ao atual modelo de produção e consumo já significa

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um relevante serviço ao meio ambiente. Se, além disso, estiver vinculado às condições de um trabalho decente, será classificado como emprego verde. Justamente nessa posição contrária aos padrões dominantes de produção e consumo que estão apontadas as alternativas concretas de estruturação da economia sobre bases mais sustentáveis, resultando na conciliação dos aspectos econômico, social e ambiental do desenvolvimento.

4.2 O perfil dos empregos verdes no país

Pesquisa de Sugahara (2010) para a análise das ocupações verdes, a OIT Brasil utilizou as informações da Relação Anual de Informações Sociais – RAIS do Ministério do Trabalho e Emprego, sobre a situação do emprego formal fornecidas diretamente pelos empregadores, fazendo um verdadeiro recenseamento dos contratos formais de trabalho mantidos pelas empresas em dezembro de cada ano. Esses dados foram reagrupados em categorias como a dos empregos verdes para dezembro de 2008.

Tabela 4 - Empregos Verdes Formais no Brasil em 31 de Dezembro de 2006/2007/2008

Classes de atividades agrupadas

2006 2007 Var. %

2008 Var. %

Produção e manejo florestal

133.313 145.955 9,48 139.768 - 4,24

Geração e distribuição de Energias Renováveis

480.497 505.675 5,24 547.569 8,28

Saneamento, gestão de resíduos e de riscos ambientais

276.736 292.164 5,57 303.210 3,78

Manutenção, reparação e recuperação de produtos e materiais

361.819 407.029 12,50 435.737 7,05

Transportes coletivos e alternativos ao rodoviário e aeroviário

735.641 760.384 3,36 797.249 4,85

Telecomunicações e tele-atendimento

305.499 373.592 22,29 429.526 14,97

Totais anuais de empregos verdes (E.V.)

2.293.505 2.484.799 8,34 2.653.059 6,77

Estoques anuais de empregos formais (E.F.)

35.155.249 37.607.430 6,98 39.441.566 4,88

Diferenças entre as taxas de crescimento dos E.V. e dos E.F.

1,37 1,89

Participação dos E. V. nos estoques anuais de E.F. (%)

6,52 6,61 1,28 6,73 1,81

Fonte: RAIS, 2006, 2007, 2008, em Sugahara, 2010.

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O estudo mostra que o número de empregos formais no Brasil, nesta data era de 39.411.566 e constata-se que a soma dos postos de trabalho oferecidos por esses grupos de atividades representava apenas 6,73% desse montante. Esse número tem crescido lentamente a cada ano, apesar de se destacar ainda o fato de que as taxas de crescimento do número de postos de trabalho oferecidos por essas atividades tem se mantido acima das taxas de crescimento do emprego formal em toda a economia (Tabela 4).

Note-se que esses dados talvez não fossem tão tímidos se não houvessem tantas controversas na separação e organização da lista desses grupos com a quantidade de empregos oferecidos, visto que a CNAE 2.0 não distingue, postos de trabalhos verdes gerados pela necessidade de melhorar os meios de produção, ajustando-os a novos modelos de uso e conservação dos recursos naturais. Isso pode ser constatado, por exemplo, nos postos de serviços abertos tanto na fabricação como na comercialização dos veículos movidos a álcool e a gás natural, que não são contados separadamente dos demais empregos mantidos pelo setor automotivo.

Tabela 5 - Atividades Econômicas Brasileiras Dependentes da Qualidade Ambiental

Agrupamentos de atividades econômicas

2006 2007 Var.% 2008 Var.%

Extração mineral e indústrias de base

414.851 432.537 4,26 457.335 5,73

Construção, comercialização, manutenção e uso de edifícios

2.224.376 2.500.829 12,43 2.861.913 14,44

Agricultura, pecuária, caça, pesca e agricultura

1.280.118 1.036.927 -19,00 1.328.376 28,11

Turismo e hotelaria 998.662 1.075.573 7,70 1.162.645 8,10 Totais anuais de empregos oferecidos nessas atividades

4.918.007 5.045.866 2,60 5.810.269 15,15

Estoques anuais de empregos formais (E.F.)

35.155.249 37.607.430 6,98 39.441.566 4,88

Diferenças entre as taxas de crescimento do emprego

-4,38 10,27

Participação dessas atividades nos estoques de E.F. (%)

13,99 13,42 -4,09 14,73 9,79

Fonte: RAIS 2006, 2007, 2008, em Sugahara (2010). Também não se insere nesse quadro, nenhum dos empregos

gerados para minimizar os impactos ambientais gerados pelas empresas, cujos produtos podem impactar negativamente a natureza e o meio

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ambiente. Fato que ocorre, por exemplo, na extração e refino de petróleo, cujas atividades de compensação ambiental são até mesmo previstas por lei. De modo geral, as preocupações com a gestão dos resíduos são bastante difundidas entre as empresas brasileiras, mas falta saber o que isso significa em número de novos empregos, uma vez que as estatísticas atuais não são precisas na apresentação desses dados.

Existe a consciência de que o número de empregos verdes existentes na economia vai além da quantidade de postos de trabalho oferecidos pelas atividades econômicas brasileiras, cujos produtos favorecem, direta ou indiretamente, a transição para uma economia mais sustentável, no entanto não se apresentam em números correspondentes à demanda, além de serem apenas estimativas. Além dos dados e estimativas obtidos, a RAIS apresenta quatro grandes grupos de atividades econômicas baseadas na exploração de recursos naturais e/ou que dependem da qualidade ambiental (Tabela 5). Isso não só significa um aumento significativo na geração de empregos verdes, como também a incorporação de novos padrões de produção de bens e serviços oferecidos.

Esses quatro tipos de atividades econômicas não são considerados totalmente “verdes”, embora sejam grandes geradores de novos empregos verdes, à medida que incorporam os novos padrões de produção de bens e serviços. Isso decorre pelo fato de serem, ao mesmo tempo, grandes empregadores e grandes emissores de carbono, além de consumirem grande quantidade de energia e recursos ambientais nem sempre renováveis. Esse impacto ambiental no processo de produção atua negativamente no meio ambiente, mesmo que se pressuponha alguma forma de “esverdeamento” a fim de minimizar tais impactos. Os empregos criados para atender essas necessidades específicas só serão classificados como verdes se também atenderem às condições de trabalho decente.

Dentre esses quase seis milhões de postos de trabalho mantidos pelas atividades econômicas dependentes da qualidade ambiental, muitos vêm procurando minimizar os impactos quer sejam por questões econômicas, por imposições legais, por pressão da opinião pública ou dos mercados consumidores. Como ainda há muito a fazer nesse sentido, o crescimento da oferta de empregos verdes nesses setores há de crescer rapidamente, já que se trata de uma consequência direta da introdução de mudanças nos processos de produção.

Outra pesquisa, especificamente em relação à magnitude da oferta de empregos verdes registrados no país, mostra (Tabela 6) a representatividade destes ocupados no setor formal das empresas e em relação ao mercado de trabalho como um todo em 2008, bem como a distribuição do total ocupados do mercado de trabalho por categoria, para possibilitar uma análise do potencial geração de trabalho do país, segundo qualificação.

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Tabela 6 - Participação de empregos verdes formais e de ocupados segundo vínculo empregatício e qualificação no total de ocupados por categoria – Brasil, 2008

Ocupados

Categorias ocupacionais

Empregos verdes

Total ocupados

Qualifica- dos

Semi-qualifica- dos

Não-qualifica- dos

Empresas Com 5,68* 48,3 40,7 45,4 40,0

Carteira 10,18**

Sem Carteira - 16,8 28,2 33,9 18,2

Conta própria - 34,9 31,1 20,7 41,8

Total 2,68*** 100 100 100 100

4,79****

Fontes de dados brutos: OIT (2009) e IBGE/PNAD (2008). Elaboração própria. * Oferta de empregos formais em ocupações "verdes" selecionadas: produção e manejo florestal; geração e distribuição de energias renováveis; saneamento gestão de resíduos e de riscos ambientais; manutenção reparação e recuperação de produtos e materiais; transportes coletivos e alternativos ao rodoviário e aeroviário;telecomunicações e tele-atendimento sobre o total de empregos formais (com carteira) ** Oferta de empregos formais em processos "verdes" sobre total de empregos formais (com carteira) *** Oferta de empregos formais em ocupações "verdes" selecionadas: produção e manejo florestal; geração e distribuição de energias renováveis; saneamento gestão de resíduos e de riscos ambientais; manutenção reparação e recuperação de produtos e materiais; transportes coletivos e alternativos ao rodoviário e aeroviário;telecomunicações e tele-atendimento sobre o total de ocupados.

**** Oferta de empregos formais em processos "verdes" sobre total de ocupados. Observe-se inicialmente que naquele período apenas 5,7% e 2,7%

dos ocupados se alocavam respectivamente entre as ocupações formais nas empresas (que representavam acima de 48% dos ocupados) e no total de ocupados do Brasil. No que se refere à representatividade de trabalhadores em produções cujos processos produtivos são considerados “verdes”, estes indicadores atingem proporções superiores de 10,2% e 4,8% respectivamente nos empregos formais e no total de ocupados do país.

A observação da distribuição dos trabalhadores nas categorias ocupacionais formais e informais segundo a qualificação, mostra ainda a estruturação da força de trabalho segundo a capacitação, mas que, por outro lado, resulta da capacidade de oferta da economia de postos de trabalho adequada à capacitação da mão-de-obra existente. É observado

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que desde o ano de 2010, a oferta por trabalho qualificado vem superando as possibilidades da qualificação da força de trabalho para assumir estes postos. Tabela 7 - Variação do número de ocupados segundo vínculo empregatício e qualificação Brasil, 2002 e 2008 (%)

Qualificação Qualificados Semi-qualificados

Não-qualificados Total

2008/2002 33,4 22,5 33,6 30,1 Com carteira %a.a 4,9 3,5 5,0 4,5 Sem carteira 2008/2002 39,2 -6,2 5,0 15,0 %a.a 5,7 -1,1 0,8 2,4 2008/2002 21,4 9,3 -9,7 9,4 Conta Própria %a.a 3,3 1,5 -1,6 1.5 Total 2008/2002 34,6 4,4 9,3 17,2 %a.a 5,1 0,7 1,5 2,7

Fontes de dados brutos: IBGE/PNAD (2002 e 2008). Elaboração própria. Embora estas proporções ainda se mantenham não significativa no

contexto da economia, com relação à criação de novos postos de trabalho no período de 2002 a 2008 observou-se, por um lado, que o aumento anual nos trabalhadores qualificados (5,1%) superou a evolução dos demais níveis de qualificação (Tabela 7).

No entanto, nas empresas, os postos de trabalho dos qualificados formais tiveram menor elevação anual (4,9%) do que os sem carteira de trabalho assinada (5,7%) e o total de trabalhadores informais qualificados, que incluem os ocupados por conta própria registraram taxas anuais de crescimento de 4,3%, enquanto os grupos de semi-qualificados e autônomos informais cresceram respectivamente 0,1 e 0,5%.

Estes resultados denotam que embora tenha se elevado a oferta de postos de trabalhos de maior qualificação, a qualidade destes postos não se elevou na mesma proporção, no sentido de emprego protegido por benefícios sociais legais. Dos que trabalham por conta própria em torno de 17,7% referem-se a profissionais liberais e outros qualificados autônomos e os demais são informais. Observe-se ainda taxas negativas de evolução de ocupados em duas situações: a) nas empresas, os que se ocupam como semi-qualificados sem-carteira, apresentaram queda anual de 1,1% no período, constatando-se a migração de trabalhadores em situação de emprego sem registro para situações com carteira; b) entre os não-qualificados, os autônomos registraram taxas anuais decrescentes de -1,6%, que devem ter migrado, em sua maior parte, para situações formais.

Informações estatísticas para o período posterior, mostram que após o período de crise em 2009 desde Setembro de 2008, quando ocorreram perdas significativas de postos de trabalho em empresas e aumento de

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trabalhadores informais, verificou-se a recuperação gradativa de postos de trabalho, desde que retornou a tendência de aumento da formalidade, compensando as perdas de ano de crise. Isto significa que no período mais recente o aumento das ocupações em empresas não apenas deverá continuar e contribuir para a elevação do trabalho decente, como também potencialmente para o aumento da representatividade de empregos verdes, se forem delineadas políticas públicas que visem o atendimento aos tratados de sustentabilidade formulados por ocasião da última conferência da COP16, a que o Brasil aderiu.

4.3 Perspectivas para a Geração de Empregos Verdes No Brasil, os desafios da política pública com relação ao mercado de

trabalho e à construção de uma economia “verde”, passam por conflitos originados pelas diretrizes simultâneas de geração de empregos, adequação da natureza do trabalho às condições específicas de qualificação da força de trabalho e o direcionamento do trabalho para empregos verdes. Porém, predominam nas políticas públicas do país a priorização de preservação da estabilidade macroeconômica construída desde a segunda metade da década de 1990, que trouxe consigo uma situação avanço nas condições trabalho e remuneração, embora relativamente menor do que poderia ser apontada como desenvolvimento humano adequado.

As perspectivas em relação à possibilidade de ampliação dos empregos verdes no Brasil passam por algumas medidas específicas governamentais e privadas, centradas em questões como: i) tratamento dos desafios da informalidade do trabalho e investimentos em capital humano; ii) estímulos à construção civil e a novos processos tecnológicos; iii) regularização fundiária de propriedades rurais na Amazônia; iv) inspeção veicular para controle de emissões; v) Política Nacional de Resíduos Sólidos; vi) responsabilidade social das empresas.

Com relação aos quesitos que afetam diretamente a criação empregos decentes e verdes as prioridades das políticas pública deveriam se concentrar na questão da alta participação da informalidade e má qualidade do trabalho, e no investimento em Capital Humano. No Brasil especificamente, a consecução da ampliação de empregos verdes, está correlacionada com a considerável abrangência do mercado informal e com as possibilidades de aumento de postos de trabalho formais. Os diferentes conceitos ou definições de trabalho informal ou formal que são adotados nas análises econômicas do país tem como fóco a dinâmica e as transformações na distribuição do mercado entre ocupações protegidas ou não, que decorrem das mudanças conjunturais, estruturais econômicas e ainda institucionais, pelas quais vêm passando a economia no decorrer do

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tempo, no processo de desenvolvimento (OIT, 1993; Cacciamali, 1991 e 2007; Kon, 2006; Curi e Menezes, 2006; Ulissea, 2005).

Por outro lado, em sua maior parte, os trabalhadores que partem para a informalidade são pessoas que não encontram mais empregos no mercado formal de trabalho, embora em grande parte se relacionem a um conjunto de atividades que não são passageiras e que têm uma função econômica importante na geração de trabalho e de valor agregado. (Staduto, 2009; Cacciamali, 2007; Ulissea, 2005; Banerjee & Newman, 2003; OIT, 1993)

A literatura brasileira mostra que o tipo de contratação pelas empresas sem vínculo empregatício legalizado, ou que não cumprem as regulamentações ou legislações fiscais e laborais é resultado da incapacidade de serem assumidos gastos de registro, tributos e outros custos do trabalho. Como definem alguns autores (Ulissea, 2005; Curi e Menezes Filho, 2009) as causas determinantes da formação e crescimento do setor informal estão na excessiva regulação do Estado, baseada em impostos, regulamentações, proibições e corrupção burocrática.

A persistência de situações de trabalho não protegido no país, em empresas (sem carteira) ou como autônomos, em condições de baixa remuneração, se somam aos demais desafios e ocupam prioritariamente as políticas públicas de geração de empregos em detrimento de políticas voltadas para o incentivo a empregos verdes. No entanto, a transição para um novo paradigma só será possível através da ultrapassagem de barreiras técnicas, financeiras e institucionais ainda não enfrentadas, desde que novos direcionamentos de políticas públicas ainda não assumiram a devida efetivação de modo a beneficiar em escala dinâmica dos efeitos de transformações ambientais.

As várias formas de ajustamento encontradas no mercado de trabalho brasileiro que consistem em respostas às transformações econômicas tecnológicas e produtivas, apresentam impactos diferenciados sobre as condições de trabalho formal ou informal, particularmente de acordo com a qualificação e gênero da mão-de-obra ativa. Cabe lembrar que no contexto discutido anteriormente, a visão sobre empregos verdes agrega tanto o trabalho exercido em ocupações verdes quanto o trabalho exercido em condições de desenvolvimento humano sustentável via emprego decente.

Nesse sentido, um aspecto determinante para a formação de perspectivas favoráveis à ampliação da sustentabilidade no mercado de trabalho, consiste na avaliação dos impactos da estruturação ocupacional brasileira sobre as condições específicas de geração de trabalho decente protegido em que estão incluídos empregos verdes. Estas condições estão ligadas à carcterística específica do mercado de trabalho do país, em que a representatividade dos trabalhadores registrados ou formais, que atendem às condições para requalificação visando assumir função destes trabalhos,

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tem sido consideravelmente inferior aos requisitos para esta evolução, particularmente quando comparados aos países mais avançados.

Em suma, as condições de informalidade da mão-de-obra no contexto do mercado de trabalho brasileiro devem ser objeto de análise específica para o entendimento da participação atual e da potencialidade de geração futura de trabalho decente e verde no país. Observe-se que com relação ao trabalho decente, o mercado de trabalho brasileiro abrange o mercado formal como um todo (43,3% em 2008) e parte de profissionais liberais e proprietários ocupados por conta própria (5%), o que torna desprotegida considerável parcela de trabalhadores por conta própria (51,7% em 2008).

Como salientaram Kemp e Soete (1992 a), como ocorreu em países mais avançados, no Brasil a transição para um novo paradigma de desenvolvimento sustentável passa pela superação das barreiras técnicas, econômicas e institucionais ainda significativas no país. As novas mudanças no caminho da modernização das empresas que tem repercussões no mercado de trabalho na atualidade, ainda não conseguiram benefícios em termos de escalas mais dinâmicas nos efeitos dos avanços no conhecimento e porque ainda as prioridades da seleção de objetivos e metas de políticas públicas ainda estão presas ao antigo regime produtivo ambientalmente predatório.

Recente pesquisa da OIT (ILO, 2009b, pg. 6) concluiu que no Brasil, como em outros países desenvolvidos e em desenvolvimento, a defasagem entre o declínio no produto gerado e no emprego foi menor do que em outras crises extensão das perdas no emprego em decorrência da crise financeira mundial, foi comparativamente menor do que a perda no produto gerado. Porem observou-se ainda em alguns setores específicos que a deterioração no emprego excedeu a queda da geração de produto, caso em que o Brasil esteve acompanhado do Canadá e Itália.

A consecução da estabilidade macroeconômica brasileira iniciada no segundo qüinqüênio da década de 1990 possibilitou a rápida recuperação das atividades após a queda do produto no final de 2008 e primeiro trimestre de 2009 respectivamente de -3,4% e -1,4%. Esta recuperação a partir do segundo trimestre de 2009 (BCB, 2009), foi resultado de estímulos governamentais ao consumo privado, através da diminuição seletiva de impostos sobre produtos de consumo durável, sobre insumos para a construção civil e sobre a ampliação do crédito à pessoa física. Estas medidas permitiram que a alavancagem sobre o mercado de trabalho resultasse em gradativa retomada da geração de postos de trabalho perdidos. Do lado da renda, o aumento do número de Bolsas Famílias, também repercutiu no aumento do consumo, porém não teve reflexos positivos no mercado de trabalho, desde que seu recebimento não é vinculado à condição de exercer um trabalho e foram constatadas situações

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de recusa de trabalho ou de solicitação para trabalhar na informalidade, por trabalhadores receosos de perder o benefício.

Os dados recentes sobre a economia brasileira permitem observar que durante a primeira metade de 2009, os postos de trabalho em empresas continuaram a crescer particularmente nas maiores regiões metropolitanas, o que repercutiu na queda das taxas de desemprego. No entanto, o trabalho no setor informal dentro das empresas que havia declinado na década de 1990, e mostrou variação positiva média de 15% entre 2002 e 2008 permaneceu estagnado nos anos posteriores.

No entanto as mudanças nesta distribuição, embora ocorrendo na atualidade no sentido de favorecer a formalidade, como visto favorece o crescimento mais intenso de ocupações de baixa qualificação e menor remuneração. Como tem sido observado desde os anos 2010, a demanda das empresas por trabalhadores formais mais qualificados, supera a oferta de trabalhadores deste nível. Dessa forma, uma das condições para a ampliação das perspectivas de criação de empregos verdes no país, se refere aos investimentos planejados em capital humano via Educação educação formal nos três graus de ensino.

Observe-se que declínios futuros na taxa de desemprego são potencialmente possíveis e serão prováveis se forem aumentadas as taxas de participação na educação secundária e superior, que ainda permanecem relativamente baixas, causando a defasagem entre oferta de postos de trabalhos que exigem qualificação e a oferta de trabalhadores qualificados.

Como salienta recente pesquisa de Santos (2011) sobre a evolução do capital humano representado pelo ensino no Brasil, houve significativa melhora no fluxo escolar do ensino fundamental, como também a ampliação de acesso ao ensino médio em todas as regiões brasileiras. Não obstante, o Sistema Educacional não conseguiu cumprir uma de suas principais metas elaboradas no Plano Nacional de Educação para o período de 2001 a 2010 (PNE 2000) para o ensino médio, ou seja, ofertar vagas para que, no prazo de cinco anos, correspondam a 50% e, em dez anos, a 100% da demanda de ensino médio, em decorrência da universalização e regularização do fluxo de alunos no ensino fundamental.

A autora mostra que a taxa de freqüência líquida no país era de apenas 36,7% em 2001 e apesar de significativo avanço em todas as regiões brasileiras em 2008 a taxa de freqüência do país alcançou o patamar de apenas 50,4%, ou seja, somente a metade dos jovens brasileiros nessa faixa etária freqüentou o ensino médio. (Santos, 2011, pg.99). Com relação ao ensino superior, a meta principal do PNE se comprometia a prover até o final do ano de 2010, melhoria na oferta desse nível de ensino para incorporar pelo menos 30% da população na faixa etária de 18 a 24 anos até o final daquele ano. No entanto, conforme os dados estatísticos mostram que o Sistema Educacional não conseguirá atingir esta meta, pois segundo a evolução das matrículas totais para o

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período analisado, observa-se que, em 2009 o percentual realizado chegou a apenas 74,0% da meta estimada pelo PNE (2000) faltando um acréscimo de 26% até 2010, o que não foi viável, tendo em vista a evolução decrescente apresentada no período. (Santos, 2011 pg.106).

A distribuição da oferta de vagas educacionais entre o setor público e o privado é meta que consta no PNE (2000), que determina a ampliação da oferta de ensino público em uma proporção nunca inferior a 40% do total das vagas, prevendo inclusive a parceria da União com os Estados na criação de novos estabelecimentos de educação superior. A pesquisa de Santos mostra que esta meta também não foi cumprida, que mostra que a oferta de vagas no ensino público ainda continua em um patamar muito aquém do previsto no PNE. Em 2001 o número de matrículas no ensino público em relação às matriculas totais era de 30,9% e no ano de 2009, esse percentual caiu para 25%, ou seja, apesar do crescimento da oferta de ensino público, a participação no total decresceu (Santos, 2011 pg.107).

É necessário salientar-se que, se por um lado as políticas públicas exercem um papel prioritário na resolução dos desafios do mercado de trabalho, a responsabilidade social das empresas se apresenta como relevante medida complementar, para o aumento da qualidade do trabalho. A inclusão gradativa na sociedade e nas empresas brasileiras da idéia de responsabilidade social, já vem sendo ampliada nesse início de século. Parcela do empresariado e de outras instituições privadas, como de ensino, vem tomando consciência sobre a necessidade de uma postura que se contraponha à cultura centrada na maximização do lucro dos acionistas. Acreditam que a responsabilidade social não é apenas do governo (em troca do pagamento de impostos), do indivíduo, da comunidade, da congregação e das ONGs, mas que cabe também às empresas, ainda que parte delas considere que a agenda social deve ser estabelecida por executivos e empresários, sob critérios empresariais de retorno de investimento (Ethos, 2006).

Em muitos países mais avançados, a integração entre as medidas de responsabilidade social e o desenvolvimento sustentável na prática cotidiana, faz com que as organizações se voltem para os objetivos no longo prazo e passem, então, a perceber que qualidade, preço competitivo e bons serviços não representam mais os únicos diferenciais no mercado. No entanto, no Brasil especificamente, a ação social das empresas envolvidas na responsabilidade social com relação ao desenvolvimento sustentável ainda é tímida e voltada em grande parte para o assistencialismo de curto prazo, através de projetos de ajuda filantrópica, de uma política de doações, não revestida de objetivos outros que diminuir momentaneamente dificuldades sociais enfrentadas pela comunidade.

A ação responsável em relação ao seu meio ambiente interno e externo e às condições individuais do trabalho é que permitirá os impactos positivos sobre a sustentabilidade no desenvolvimento global da economia.

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Além da prática filatrópica, a capacidade empresarial apresenta condições para selecionar outras medidas estratégicas para a construção do capital social da comunidade tendo em vista o desenvolvimento sustentável. A preocupação de investir no desenvolvimento de produtos deve ser associada à seleção dos produtos que causem menor impacto ambiental, à garantia de qualidade junto aos consumidores, e aos projetos sociais e culturais, como parte do planejamento estratégico da empresa com uma visão de longo prazo.

Nesse sentido, a empresa privada brasileira, dispõe de experiência superior e acumulada na área de gestão, tecnológica e organizacional como um todo, de modo a gerar expressivos ganhos de eficiência e qualidade na implementação de medidas necessárias de sustentabilidade, através de parcerias com o governo ou de ação própria independente. Outra constatação relevante para a consecução do desenvolvimento sustentável, como visto anteriormente, é o entendimento do papel do conhecimento na tomada de decisão sobre os padrões de consumo e produção sustentável, por todas as categorias de agentes envolvidos. No contexto sócio-econômico, o detentor de informação tem a possibilidade aplicá-la em conhecimento através da reflexão intelectual, como salienta Robert Kurz (2002), o que é a base para melhores escolhas e para melhor conduzir as tomadas de decisão. No entanto, a obtenção e acumulação de conhecimento são muito onerosas nas condições da sociedade brasileira, e apenas organizações governamentais e empresas com ampla dotação de recursos têm a possibilidade de criar uma infra-estrutura adequada à captação da informação e de sua decodificação para transformá-la em conhecimento.

5. Considerações finais

O objetivo deste artigo foi reunir premissas que contribuam para que a realidade brasileira seja repensada, no que se refere às prioridades de medidas públicas e privadas voltadas para o mercado de trabalho, que impulsionem a criação de trabalho em condições de melhor qualidade através de possibilidades de ampliar a sustentabilidade na área do desenvolvimento sócio-econômico. Na realidade do Brasil, a consciência sobre a crise ambiental – que começou a surgir na última década, paralelamente à percepção da continuidade do amplo grau de desigualdade social –ainda não conseguiu ser disseminada de forma efetiva através de ações políticas e privadas que tivessem amplo êxito. Questões relacionadas à preocupação com o desequilíbrio macroeconômico foram prioritárias na agenda governamental desde os anos 1980. A economia vem enfrentando a necessidade de conviver com políticas rígidas que buscam a estabilidade macroeconômica, mas que, no entanto, retardam e oneram o desenvolvimento social e econômico.

O Brasil dispõe de vantagens comparativas significativas em relação

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a outros países, referentes à biodiversidade e outras condições naturais encontradas em seu território, que criam oportunidades de liderança no ambiente competitivo mundial, se as empresas procurarem formas sustentáveis de exploração destas vantagens, em atendimento às demandas originadas. Contudo, como salientado a preocupação não se resume à sustentabilidade ambiental, mas se estende também à sustentabilidade sócio-econômica de regiões empobrecidas, ao estimular a produção local e o uso de matérias-primas nativas, evocando as competências das pequenas comunidades (Lucas, 2006).

No que se refere às condições do país de compartilhar com os benefícios da globalização e ultrapassar os custos deste processo, torna-se necessário uma ampliação da capacidade de resposta para adaptação às novas condições exigidas. Alguns fatores determinantes desta capacidade estão fora da alçada governamental, e dessa maneira é patente o novo papel das empresas produtoras de bens e serviços e das instituições financeiras para que a tomada de decisão a este respeito apresente uma faceta ética acentuada de comprometimento com a superação das dificuldades de elevação do bem-estar social. A inibição da competição predatória e da exclusão social requer não apenas a atuação eficiente de órgãos reguladores que atuem como direcionadores ao desenvolvimento social, mas também requer a formação de uma nova cultura organizacional em que se efetiva a atuação social estratégica das empresas privadas no processo de busca de formação do capital social e do desenvolvimento sustentável.

Os requisitos para a integração de medidas públicas e privadas são baseados primeiramente no entendimento de que o desenvolvimento sustentável deve ser interpretado de forma mais ampla do que apenas como a redução de impactos no meio ambiente, mas que pressupõe também um compromisso com a redução da desigualdade social a partir de uma política de justiça redistributiva, tanto da parte do governo, quanto de organização privadas.

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Capítulo IV Economia da Agroindústria

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CONTRIBUIÇÃO DA CANA-DE-AÇÚCAR NA REDUÇÃO DAS EMISSÕES DE CO2 NO ESTADO DE SÃO PAULO

Felipe Martins Bacelar de Rezende* Eduardo Luiz Machado**

RESUMO

O trabalho tem como objetivo avaliar se o setor sucroalcooleiro poderá contribuir para que a meta estabelecida pela Política Estadual de Mudanças Climáticas (PECM) seja atendida. Desta forma, busca-se identificar a importância do setor na matriz energética do Estado de São Paulo e analisar a relevância dos produtos derivados da cana-de-açúcar, como o álcool combustível (usado em veículos automotores à combustão), a palha e o bagaço da cana-de-açúcar (usados na geração de energia elétrica) na redução das emissões de CO2. A análise permitirá entender a dimensão do potencial de redução das emissões em função da adoção dessas fontes alternativas de energia em detrimento das fontes tradicionais derivadas do petróleo.

1. INTRODUÇÃO

O aumento da emissão de gases decorrente da atividade humana no

último século intensificou o fenômeno climático conhecido como efeito estufa. Estudos recentes comprovam que caso as emissões de gases do efeito estufa permaneçam elevadas nas próximas décadas, ocorrerão mudanças climáticas extremamente prejudiciais ao meio ambiente e à vida na Terra (SÃO PAULO, 2008).

A maior concentração de gases do efeito estufa fez com que temperatura da Terra aumentasse em aproximadamente 1° Celsius (C). Tal fato é observado pela comparação da temperatura média na superfície terrestre entre 1850 e 2004 (Intergovernmental Panelon Climate Change - IPCC, 2010). Uma das consequências desse aumento de temperatura é a redução da camada de gelo que cobre diversas áreas do planeta, provocando à elevação do nível do mar. Segundo o IPCC (2010), esse é um dos fatores que evidencia o aquecimento global.

De acordo com o Greenpeace (2006), caso não haja a redução de 50% das emissões dos gases causadores do efeito estufa até 2050, a temperatura média da Terra aumentará em mais de 2oC. Esse aumento causaria um “colapso” no clima do planeta, afetando negativamente sua biodiversidade e aumentando a frequência de catástrofes naturais.

* Economista ** Professor do Insper Instituto de Pesquisa e Ensino e da Universidade Federal de São Paulo

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Segundo as projeções do IPCC (2010), um aumento da temperatura na superfície terrestre em até 3oC em 2100 acarretaria em severas alterações no clima atual da Terra. CONEJERO (2006) destaca as seguintes consequências:

(i) Elevação do nível dos oceanos; (ii) Derretimento das geleiras e calotas polares; (iii) Perda de biodiversidade; (iv) Mudança no regime de chuvas; (v) Intensificação de fenômenos extremos (seca, inundações,

ciclones e tempestades); (vi) Desertificação e perda de áreas agricultáveis. Consequentemente tais fenômenos naturais gerariam consequências

sociais e econômicas profundas, como: (i) Escassez de alimento; (ii) Desemprego; (iii) Aumento da pobreza e desigualdade; (iv) Inundações de cidades litorâneas. Da mesma forma, evidências do aumento da temperatura na Terra

decorrentes da atividade humana, associadas ao crescimento das emissões dos gases do efeito estufa, levaram a comunidade internacional a debater o tema em diversos eventos, destacando-se: Conference of the Changing Atmosphere (1988), IPCC’s First Assessment Report (1990) e o ECO-92 ocorrido no Rio de Janeiro em 1992 (BORTHOLIN; GUEDES, 2003). Esses eventos culminaram na assinatura, por diversos países, do Protocolo de Kyoto.

A partir da convenção de Kyoto de 1997, países estabeleceram metas referentes à redução da emissão de gases causadores do efeito estufa para conter o aumento da temperatura (EXXONMOBIL, 2009).

Dentro deste contexto, o Estado de São Paulo estabelece uma política própria para enfrentar os desafios das mudanças climáticas globais e garantir o desenvolvimento sustentável. A Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC) do Estado de São Paulo, regulamentada em novembro de 2009, prevê a redução de 20% das emissões de carbono até 2020, utilizando como as emissões de 2005.

2. OBJETIVO E MÉTODO

O trabalho tem como objetivo avaliar se o setor sucroalcooleiro

poderá contribuir para que a meta estabelecida pela Política Estadual de Mudanças Climáticas (PECM) seja atendida. Dividiu-se o trabalho em três etapas para entender o potencial de redução das emissões do CO2 a partir da utilização dos subprodutos energéticos da cana-de-açúcar, a saber, o álcool como combustível e a geração de energia elétrica a partir da biomassa, bagaço e palha.

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Primeiro estima-se a produção de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo em 2020. A obtenção dessa estimativa foi feita a partir de estudos da União da Indústria de Cana-de-açúcar (UNICA), Ministério da Agricultura, Governo do Estado de São Paulo e pelo Institute for International Trade Negotiations (ICONE). A importância dessa estimativa de produção está relacionada à projeção da disponibilidade de matéria orgânica para a produção de energia a partir da cogeração e para a projeção de produção de álcool combustível.

A segunda etapa do trabalho está ligada à estimativa de consumo de álcool-combustível na frota automotiva do Estado de São Paulo. A frota de veículos de São Paulo em 2020 será estimada a partir de dados de órgãos do Governo do Estado de São Paulo, como a Secretaria de Estado dos Transportes.

Após a estimativa da frota, estima-se o número carros que estarão rodando com álcool-combustível. Para obter essa informação, serão utilizados dados da Associação Nacional de Veículos Automotores (Anfavea, 2010). Com a frota de veículos movidos a álcool no Estado de São Paulo, será possível estimar o consumo desses veículos. Vale ressaltar que o consumo de álcool combustível no Estado de São Paulo pode ser maior do que a produção no Estado, fato que ocorre em função da integração com os outros mercados produtores, como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

A terceira fase do trabalho constitui-se da obtenção de dados referentes a redução das emissões em função da utilização combustíveis renováveis e das emissões das fontes tradicionais de energia. Esses dados foram obtidos por meio dos estudos da UNICA e de outros trabalhos anteriormente realizados.

Com as projeções do uso do álcool combustível e da energia elétrica proveniente da cogeração para 2020, será possível projetar a contribuição da cultura da cana-de-açúcar para o cumprimento da meta de redução das emissões do CO2 no Estado de São Paulo. Caso ocorra uma redução, tem-se um avanço do ponto de vista ambiental decorrente da cultura da cana-de-açúcar.

3. REVISÃO DA LITERATURA

O efeito estufa consiste na absorção da radiação solar pelos gases

presentes na atmosfera. O calor gerado na superfície terrestre a partir da radiação recebida não é integralmente refletido para o espaço, mantendo aquecido o planeta e, assim, possibilitando a presença de vida. Em razão da transparência da atmosfera à luz solar, aproximadamente 65% da radiação recebida permanece na Terra, enquanto os 35% restantes são refletidos novamente para o espaço (BORTHOLIN; GUEDES, 2007).

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Caso o efeito estufa não existisse, a temperatura na Terra seria da ordem de 15oC a 20oC negativos (CONEJERO, 2006). O equilíbrio conhecido como “ciclo do carbono” mantém o efeito estufa equilibrado e a temperatura média da Terra em 15oC. Esse ciclo é composto pela troca natural de CO2 entre a atmosfera, os oceanos e as florestas.

Os principais gases do efeito estufa listados pelo protocolo de Quioto são : dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), perfluorcarbonos (PFCs), hidrofluorcarbono (HFCs), hexafluoreto de enxofre (SF6).

Observa-se o aumento da concentração do CO2 de 280 partes por milhão para 360 partes por milhão do período pré-industrial até hoje, em decorrência das emissões antrópicas, alterando o equilíbrio existente. As emissões do CO2 respondem por mais de 60% do efeito estufa provocado pela atividade humana. (CONEJERO, 2006)

Apesar de se tratar de um mecanismo fundamental para a vida na Terra, responsável por baixas amplitudes térmicas, o que garantem um ambiente propicio para a vida, o efeito estufa precisa estar equilibrado para não ocorrer o aquecimento excessivo da superfície terrestre. Com o aumento da quantidade de gases de efeito estufa (GEE) presentes na atmosfera, haverá uma maior retenção do calor na superfície terrestre. Esse aumento na temperatura pode mudar drasticamente o meio ambiente, em decorrência do aumento do nível do mar, derretimento das calotas polares e destruição da fauna e flora.

As evidências que comprovam o aquecimento do planeta decorrente da maior concentração de gases do efeito estufa têm levado os países a tomar medidas para reduzir as emissões e transformá-las em economias de baixo carbono. As economias de baixo carbono se caracterizam por um menor coeficiente de emissão de gases do efeito estufa.

No Protocolo de Quioto, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) foi introduzido para permitir que os países desenvolvido, chamados de países do Anexo I, reduzam as suas emissões. O MDL permite o financiamento de projetos que reduzam as emissões nos países em desenvolvimento por parte dos países desenvolvidos. Dessa maneira, os países desenvolvidos que compõem o Anexo I, e que firmaram um compromisso para reduzir as suas emissões conseguem atingir as suas metas por meio de projetos realizados em países em desenvolvimento. Em suma, os projetos geram incentivos econômicos para mitigação das emissões. O MDL gera benefícios tanto aos países desenvolvidos, pois estes irão reduzir as emissões a um menor custo, quanto aos países em desenvolvimentos que estarão recebendo investimentos e transferência de tecnologia dos países desenvolvidos (CONEJERO, 2006).

A emissão de CO2 evitada ou reduzida em função da implantação desses projetos irá gerar Certificado de Emissões Reduzidas (CERs) que podem ser utilizados e comercializados pelos países a fim de atingir suas

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metas de redução das emissões. Com isso, os países desenvolvidos que despediriam altos valores adaptando as suas economias a um novo padrão de emissão, podem gerar o mesmo efeito em termos de emissão com o investimento em países em desenvolvimento, onde o desenvolvimento desses projetos seria menos custoso. De acordo com estudos da Universidade de Colorado, a redução de uma tonelada de CO2 poderia custar menos da metade para os Estados Unidos, se este se utilizasse este mecanismo de flexibilização, se comparado ao custo de redução no próprio país (CONEJERO, 2006).

Para a aprovação de um projeto de MDL e a geração dos CERs é necessário a aprovação por um rigoroso comitê. O projeto que pode estar inserido em diversos setores da economia como o setor siderúrgico, de transporte, aterros sanitários e da indústria da cana-de-açúcar deve cumprir basicamente um de dois requisitos (CONEJERO, 2006):

(i) Redução de emissões através do aumento da eficiência energética;

(ii) Sequestro de Carbono através de sumidouros e da estocagem dos GEE retirados da atmosfera.

3.1 CENÁRIO BRASILEIRO

Dentro do contexto mundial de emissão de gases do efeito estufa, o

Brasil possui uma situação privilegiada se comparada a diversos países desenvolvidos e em desenvolvimento no mundo.

Figura 7: Emissão de CO2 por setor. Fontes: Empresa de pesquisa energética; (Plano de desenvolvimento Energético, 2019), 2010

A menor emissão de gases do efeito estufa no Brasil está diretamente relacionada às suas fontes de energia, tanto para geração elétrica, meios de transporte e indústrias. A composição da matriz

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energética do Brasil possui uma distribuição percentual que deve se manter, de acordo com o Plano de Desenvolvimento Energético (2019), pelos próximos 10 anos. Essa distribuição acompanha o padrão dos países mais desenvolvidos, que têm suas emissões muito vinculadas ao setor de transporte e industrial, conforme ilustrado na Figura 1.

Se forem desconsideradas as emissões decorrentes do desmatamento, as emissões no Brasil devem continuar concentradas nos setores energéticos e industrial. A participação do setor energético, ao contrário do que ocorre em países com fontes não renováveis de energia, apresenta uma baixa participação na composição das emissões do CO2: apenas 6% em 2010, chegando a 8% em 2019.

Levando em conta apenas as emissões para fins energéticos, o Brasil se destaca perante os demais países na emissão per capita. Dentre os 20 maiores emissores de CO2, o Brasil está entre os menores Esse padrão é explicado pela fonte de energia utilizada no país, majoritariamente hidroelétrica, a qual é menos poluidora se comparada às fontes fósseis utilizadas nos demais países. (Figura 2).

Figura 2: Comparativos das emissões de diferentes países (2005) Fontes: Empresa de pesquisa energética, (Plano de desenvolvimento Energético, 2019), 2010

Apesar das características de baixa emissão, o Brasil está entre os

principais emissores absolutos de gases do efeito estufa do mundo. Essa situação ocorre principalmente em função do país apresentar um grande volume de emissões relacionado ao desmatamento e às queimadas em áreas rurais. Tal fato é muito diferente dos países mais desenvolvidos, que têm suas emissões concentradas, em sua maior parte, na produção de energia e transporte. No país 75% das emissões totais estão relacionadas ao desmatamento (CETESB, 2010).

Apesar das características de baixa emissão, o Brasil está entre os principais emissores absolutos de gases do efeito estufa do mundo. Essa situação ocorre principalmente em função do país apresentar um grande

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volume de emissões relacionado ao desmatamento e às queimadas em áreas rurais. Tal fato é muito diferente dos países mais desenvolvidos, que têm suas emissões concentradas, em sua maior parte, na produção de energia e transporte. No país 75% das emissões totais estão relacionadas ao desmatamento (CETESB, 2010).

Por um lado, o Brasil apresenta hoje boa capacidade de redução de suas emissões com a diminuição das queimadas e ocupação irregular das áreas de florestas. Por outro lado, o país ainda está em um estágio em que o desenvolvimento econômico é uma prioridade e as questões ambientais acabam não sendo priorizadas pelos órgãos do governo e pela iniciativa privada.

Essa situação pode levar a um enfraquecimento das questões ambientais frente à necessidade de crescimento e melhoria das condições sociais. Se as questões ambientais forem deixadas de lado e as novas fontes energéticas priorizarem apenas fatores econômicos, poderá haver um retrocesso no volume de nossas emissões provenientes da obtenção de energia elétrica.

Por ser um país ainda em estágio inicial de desenvolvimento, o Brasil não possui compromisso formal com a redução de suas emissões, demonstrando apenas intenções e cooperação para o desenvolvimento de tecnologias e práticas que reduzam suas emissões de CO2 e outros gases do efeito estufa.

3.2 AS EMISSÕES NO ESTADO DE SÃO PAULO

Dentro do contexto mundial de conscientização e execução de

melhores práticas para reduzir as emissões de CO2 e dos demais gases de efeito estufa, o Governo do Estado de São Paulo (GESP), buscando atender às exigências da sociedade quanto à preservação do meio ambiente e redução de seu impacto ambiental, aprovou, em 16 de outubro de 2009, a Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC).

Essa política tem como objetivo estabelecer uma meta clara para guiar os novos projetos e melhorar as práticas que vêm sendo utilizadas no Estado de São Paulo. A PEMC estabelece como meta para o Estado a redução das emissões de dióxido de carbono (CO2) em 20% até 2020, tendo como ano-base 2005 (SÃO PAULO, 2009). De acordo com a PEMC, para atingir essa meta de redução das emissões, o Governo de São Paulo buscará adotar uma política que incentive a adoção de novas tecnologias mitigadoras de emissões, bem como a utilização de novas fontes de energia que emitam baixos volumes de gases do efeito estufa.

A PEMC estabeleceu alguns objetivos, dentre os quais se destacam: (i) desenvolvimento socioeconômico alinhado à proteção do

sistema climático; (ii) fomento a projetos de redução de missões;

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(iii) aumento da parcela de fontes renováveis na matriz energética dentro e fora do Estado;

(iv) promoção da educação e conscientização ambiental; (v) estímulo à pesquisa e ao conhecimento científico para os

temas relativos à proteção do sistema climático; (vi) definição de indicadores e metas para o desempenho

ambiental;e (vii) políticas públicas voltada a um transporte sustentável. Com esses objetivos, o Governo do Estado de São Paulo, por meio

da Lei Estadual no 13.798/2009, estabeleceu: “O Estado terá a meta de redução de 20% das emissões de dióxido de carbono CO2, relativas a 2005, em 2020” e “Ao Poder Executivo será facultado, a cada 5 (cinco) anos, fixar metas indicativas intermediarias, globais ou setoriais antes de 2020.” (SÃO PAULO, 2009, art. 32).

O Estado de São Paulo possui uma estrutura energética diferente dos demais estados brasileiros, pois ela está focada em fontes limpas e renováveis, como a cana-de-açúcar, a partir da cogeração de energia elétrica e a energia hidroelétrica, sendo que essas duas respondem por 93% da produção energética do Estado de São Paulo.

Comparando as emissões do Estado de São Paulo ao produto interno bruto (PIB) do Estado, e comparando o resultado obtido aos valores referentes ao Brasil, nota-se que o Estado possuiu uma intensidade de emissão muito inferior ao do restante do país. A emissão de 1 tonelada de CO2eq para cada R$1.000 (mil reais) produzido no Estado foi em 2005 de 0,14, enquanto o Brasil apresenta uma taxa de 0,72. (CETESB, 2010). O Estado que participa com 33% da composição do PIB responde por apenas 6,5% das emissões totais.

Ao analisar a estrutura produtiva do Estado, a interpretação pode ocorrer de maneira incorreta, o que acarretará em uma conclusão equivocada. Por necessitar de alta quantidade de energia dado o tamanho de sua economia, o Estado de São Paulo é um grande importador do produto, pois não consegue atender à sua demanda interna a partir da produção apenas em seu território. De acordo com a Secretaria de Energia do Estado de São Paulo, em 2005 a demanda de energia do Estado era de 51.333 milhares de toe (Tonelada de Óleo Equivalente) enquanto a oferta de apenas 20.119 milhares de toe o que representa uma importação de 3.214 milhares de toe. Para 2020 estima-se uma necessidade de importação de 15.667 milhares de toe resultando da diferença entre a demanda de 88.930 milhares de toe e a oferta de 73.263 milhares de toe. Dessa maneira, ao analisar a estrutura da energia consumida, verifica-se que sua distribuição não está utilizando uma grande proporção de energia limpa e renovável, conforme se pode ver na Figura 3, a seguir:

Figura 3: Fontes de energia e estrutura de consumo no Estado de São Paulo

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Fontes: Secretaria do Meio Ambiente / Coordenadoria de Planejamento Ambiental. Compondo a matriz energética do Estado de São Paulo, o petróleo e

seus derivados respondem por aproximadamente 45% da fonte de energia (SÃO PAULO, 2009). Assim, a matriz energética do estado não está com um balanço favorável ao meio ambiente como primeiramente pode-se acreditar, e a utilização de combustível fóssil é um dos maiores contribuintes para essa situação.

O setor energético é responsável por 84,7% das emissões de CO2, enquanto a indústria responde por 13,7% e a agropecuária por 1,6%. Dentro do setor energético, 78% das emissões estão relacionadas à queima dos derivados de petróleo, demonstrando a dependência de seus subprodutos e o alto teor de emissão dos derivados de petróleo.

A análise apenas dos dados referentes ao transporte demonstram o alto índice de emissões desse setor, representando 56% das emissões totais. A dependência do transporte rodoviário e a utilização dos derivados de petróleo como combustível nesse setor evidenciam sua grande influência nessas emissões, já que, do total das emissões do setor de transporte, 81% referem-se ao transporte rodoviário (CETESB, 2010).

Para cumprir a meta proposta, o Estado de São Paulo deverá alterar seu perfil de utilização de combustíveis utilizando fontes de menor emissão de CO2. Nesse contexto, o Estado de São Paulo tem um forte aliado: a cultura da cana-de-açúcar. Essa cultura, que em 2008 representava 33,2% da matriz energética do Estado de São Paulo, possui ainda um alto potencial de utilização dentro da matriz energética do Estado, segundo dados da Secretaria de Saneamento e Energia do Governo do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2009). Esse potencial está diretamente relacionado às áreas de pastagens, que poderiam ceder espaço para o cultivo da planta.

Um dos setores mais beneficiados com a PEMC em função de suas características alinhadas ao cumprimento da resolução foi o sucroalcooleiro. A partir do incentivo perante a nova lei, as entidades representantes do setor e outros estudos começaram a ser elaborados, visando a entender o impacto no meio ambiente. Para a UNICA, é possível obter uma redução de até 89% nas emissões de gases do efeito estufa em função da substituição dos derivados de petróleo pelo álcool combustível (UNICA, 2010).

A redução das emissões de CO2, a partir da utilização da cana-de-açúcar como matéria-prima para a fabricação de álcool-combustível e energia, ocorre em função da reabsorção do CO2 emitido pela queima do álcool e do bagaço por meio da fotossíntese no crescimento da safra seguinte. Já no processo de queima dos combustíveis fósseis, não há um processo natural de reabsorção do CO2 emitido (BORTHOLIN; GUEDES, 2007).

Em estudo apresentado pelo Painel de Qualidade Ambiental, realizado pelo GESP, afirmou-se que os gases do efeito estufa derivados da

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queima de petróleo, gás natural, carvão e outras fontes de energia não renováveis são os principais responsáveis pelo aquecimento global. Para a redução desses gases, o estudo indica que devem ser usadas fontes renováveis de energia, como solar, eólica, biomassa, dentre outras. A partir dessa conclusão, percebe-se que a redução das emissões a partir da geração de energia por meio de biomassa e o uso do álcool combustível estão alinhados à redução do aquecimento global.

A produção do álcool e cogeração de energia elétrica no Brasil apresentam índices de eficiência muito superiores aos americanos, um importante produtor mundial de etanol. A partir da alta eficiência da produção de álcool e geração de energia elétrica a partir da cana-de-açúcar, essa cultura têm a capacidade de evitar emissões de 12,6 milhões de toneladas (Mt) de CO2 para cada 100 Mt de cana-de-açúcar plantada (BORTHOLIN; GUEDES, 2007).

Para o processo de cogeração de energia, é importante haver um subproduto que será usado no aquecimento dentro das caldeiras a partir da combustão desse material. Na cultura da cana-de-açúcar, o subproduto que será utilizado na combustão é a palha, o bagaço e a ponta da cana.

Uma das políticas estabelecidas pelo GESP se refere à proibição da queimada dos canaviais para facilitar o corte da planta. A queimada ocorre para eliminar as folhas cortantes e animais peçonhentos, viabilizando, assim, o corte manual da planta. Sem o processo de queima, é necessária a utilização de máquinas no corte da lavoura. Segundo a conclusão do trabalho de Corrêa de Campos (2003), alinhada ao Decreto de Lei Estadual n0 47.700, de 11 de marco de 2003, ratifica-se e pode ser visionada a necessidade de uma redução gradativa das queimadas nos canaviais (SÃO PAULO, 2003). De acordo com Campos e Dinailson (2003), essa medida, terá efeito positivo no balanço das emissões de CO2 provenientes da cana-de-açúcar.

Com a eliminação das queimadas nos canaviais, haverá um aumento da matéria orgânica disponível para a cogeração de energia elétrica. Esse material (principalmente a palha da cana-de-açúcar), que antes era queimado no campo, agora poderá ser utilizado no aquecimento das caldeiras. Com o aumento da disponibilidade de matéria orgânica, haverá um aumento na quantidade de energia extraída do processo de cogeração. A cogeração é definida na Resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) n° 21, de 20 de janeiro de 2000, como:

“[...] o processo de produção combinada de calor útil e energia mecânica, geralmente convertida total ou parcialmente em energia elétrica, a partir da energia química disponibilizada por um ou mais combustíveis.” (ANEEL, 2000, art. 3°).

Dessa maneira, a queima do bagaço, da palha e das pontas da cana-de-açúcar, utilizados como fonte de energia térmica no processo de

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fabricação do álcool e do açúcar, poderia também ser aproveitada na geração de energia elétrica a partir da conversão dessa energia térmica em elétrica.

De acordo com Leme (2005), é possível que ocorra um aumento na eficiência da cogeração de energia elétrica por meio de alterações nas caldeiras que são hoje utilizadas em larga escala. As antigas caldeiras, ainda hoje em funcionamento, buscavam apenas a autossuficiência da usina com relação a seu consumo energético, pois, à época de sua construção, não havia a possibilidade de venda no sistema elétrico desse excedente, como é possível atualmente.

Com um cenário de maior demanda energética, como verificado no balanço energético do Estado de São Paulo, é esperada maior contribuição das usinas como fonte de energia (SÃO PAULO, 2009). O aumento no preço das demais fontes, como as provenientes do petróleo e o barateamento e disponibilidade tecnológica da cogeração, deve incentivar e aumentar sua utilização em escala comercial, pois irá gerar uma receita adicional a partir de um subproduto antes descartado, ou utilizado de maneira ineficiente, pelas usinas.

4. O ESTADO DE SÃO PAULO E A CONTRIBUICAO DA CULTURA DA CANA-DE-ACUCAR

É importante entender a atual composição da matriz energética do

Estado de São Paulo, para avaliar como a cultura da cana-de-açúcar a partir da cogeração de energia e da produção do álcool-combustível pode auxiliar o Estado de São Paulo a atingir a meta de redução das emissões de CO2 em 2020.

Os desafios para São Paulo são muitos. A redução das emissões em 20%, considerando o ano de 2005 como base, representa uma necessidade de mudanças importantes nas fontes e tecnologias que serão utilizadas para obtenção de energia. Aliado ao desafio está o curto espaço de tempo em que os resultados precisam ser atingidos. Considerando todos os estudos, investimentos e aplicação dessas medidas, o prazo à frente está curto.

Os dados oficiais (CETESB, 2010) das emissões do Estado de São Paulo em 2005 mostram uma emissão total de 88,8 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera. A participação da produção de energia e o transporte corresponderam a 85%, ou 75 milhões, desse total. A mudança nessas duas atividades torna-se o maior e mais importante passo para se alcançar o objetivo da PEMC.

Considerando o crescimento econômico que resultará em aumento da demanda por energia, aumento dos números de automóveis em circulação e a manutenção do atual nível de emissão por atividade e a

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mesma eficiência energética, até 2020 a emissão do Estado de São Paulo crescerá 55%, chegando a um patamar de 138 milhões de toneladas de CO2 por ano (Matriz Energética do Estado de São Paulo, 2011). Esse valor representa 65% a mais do que o nível de emissão no ano de 2005 e 95% a mais do que a meta de emissão que é de 71,1 milhões de toneladas de CO2. Em 2008, ultimo ano com levantamento das emissões feito pela secretaria estadual do meio ambiente, as emissões já estavam em 95,7 milhões de toneladas. Para atingir os valores estabelecidos pela PEMC, haverá a necessidade de redução de 25% das emissões, aumentando o desafio a frente.

4.1 ÁLCOOL COMBUSTÍVEL

O governo Brasileiro instituiu, na década de 70, o programa pró-

álcool. Nessa época, o intuito era reduzir a dependência do país das importações de gasolina, derivada do petróleo, que sofria seus primeiros choques, elevando significativamente seu preço e de seus derivados. O Decreto nº 76.593, de 14 de novembro de 1975, que instituía o programa, explicitava a vontade do governo de substituir os combustíveis convencionais pelo etanol:

“[...] visando ao atendimento das necessidades do mercado interno e externo e da política de combustíveis automotivos”. (BRASIL, 1975, art. 1°).

Nesse período, a tecnologia flex, que permite a mistura do etanol à

gasolina em qualquer proporção, não existia. O processo de troca da gasolina pelo etanol ocorreu principalmente do final dos anos 80 ao início dos anos 90. A partir desse período, houve uma redução do preço do petróleo, o que diminuiu a competitividade do etanol como alternativa de combustível. Adicionalmente, o governo reduziu estímulos à produção do álcool e continuou com alguns, como menores impostos sobre os carros a álcool. Esse descompasso entre oferta e demanda gerou uma crise de abastecimento do produto, afetando a credibilidade o programa pró-álcool. Isso levou a uma redução das vendas dos carros movidos a etanol nos períodos subsequentes, reduzindo para apenas 1% das vendas totais de veículos entre 1998 e 2000 (ANP, 2011). A Figura 4 mostra a evolução histórica da utilização dos combustíveis no Brasil.

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Figura4: Evolução histórica da utilização dos combustíveis Fonte: UNICA, 2010

A demanda pelo etanol não reduziu após a diminuição da venda dos

carros movidos unicamente a etanol, pois foi instituída pelo governo a mistura do álcool à gasolina. Esse percentual hoje varia de 18 a 25% do volume total da gasolina vendida nos postos do Brasil (ANP, 2011).

Com o desenvolvimento da tecnologia flex no ano de 2003, novamente o etanol utilizado como combustível único, independente de sua mistura à gasolina, voltou a se tornar realidade. Esse novo ciclo de investimento no etanol tornou-se mais relacionado a um movimento liderado pelo setor privado, que acreditava mais na necessidade de diversificação da matriz energética do que em um programa do governo como o pro-álcool. Alinhado aos interesses privados, o Governo Brasileiro sempre foi favorável à utilização e desenvolvimento de tecnologias limpas e provenientes do etanol. Com isso, o governo também tem investindo em estímulos à pesquisa e expansão da produção e consumo desse combustível.

Atualmente a utilização do etanol, considerando o etanol hidratado usado nos motores flex e o etanol anidro misturado à gasolina, já superou em volume o consumo de gasolina segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP, 2011). Esse avanço da utilização do etanol apresenta indicadores de expansão: as vendas de carros novos no Brasil hoje são constituídas de 93% veículos flex (considerando veículos leves) e apenas 7% de veículos movidos apenas à gasolina (ANFAVEA, 2010) (Figura 5). Essa relação, de acordo com o sindicato, deve permanecer neste estável.

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Figura 5: Consumo nacional de Etanol e Gasolina Fonte: UNICA, 2010

Com o aumento natural da frota de veículos, decorrente do

crescimento econômico e da ainda baixa penetração dos automóveis na população brasileira, esse consumo deve aumentar consideravelmente. A frota hoje em São Paulo, uma das cidades com maior concentração de veículos no país, é de 630 veículos para cada mil habitantes, número inferior ao Japão, que conta com 395 veículos para cada 1.000 habitantes e Estados Unidos e Itália com 539 para cada mil (Jornal Estado de São Paulo, 2011). O gráfico representado pela Figura 6 mostra a composição da frota atual e a projeção até 2019.

Figura 6: Evolução da frota de automóveis no país. Fonte: Empresa de Pesquisa Energética, (Plano de desenvolvimento Energético, 2019), 2010.

Com as vendas se mantendo majoritariamente composta de carros

flex, em 2019 o estoque de carro será de aproximadamente 40 milhões, dentre os quais 78% serão flex. Essa frota, ainda de acordo com o plano de desenvolvimento energético elaborado pelo Ministério de Minas e Energias (2010), deve consumir um total de 52 bilhões de litros dos combustíveis derivados da cana-de-açúcar para uso interno. A extrapolação dos dados verificados na Figura 7 pode ser feita para o Estado de São Paulo.

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Figura7: Projeção da Produção de Etanol no Brasil. Fontes: Empresa de pesquisa energética, (Plano de desenvolvimento Energético, 2019), 2010.

Hoje, a frota do Estado é de 13 milhões de automóveis (DENATRAN, 2011). Utilizando a mesma taxa de crescimento do Brasil de 4,7%, utilizado pelo Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE), em São Paulo, atingiremos uma frota de 20 milhões de automóveis no ano de 2019.

Acompanhando o crescimento da frota, principalmente composta pelos veículos flex, a demanda pelo etanol deve alcançar 64 bilhões de litros em 2019. Esse aumento de 7,4% ao ano representa um crescimento superior ao da frota de automóveis, o que evidencia maior aumento da preferência da população pelo abastecimento dos veículos flex com o etanol.

Utilizando a mesma premissa de que o Estado de São Paulo terá um consumo similar ao do restante do Brasil, a demanda em 2019 será de 26 bilhões de litros de etanol no Estado, correspondente ao consumo proporcional da sua frota perante o consumo e frota total do Brasil.

4.2 COGERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA

Acompanhando o aumento da demanda pelo álcool-combustível,

será necessário aumentar o plantio da cana-de-açúcar para atender à produção. O aumento da área plantada pode gerar problemas caso ocorra de maneira desordenada, ocupando biomas ainda preservados. Pensando nisso, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) mapeou as áreas do Brasil onde a cultura da cana-de-açúcar poderia ser implantada sem prejuízos ao meio ambiente, ocupando terras hoje utilizadas para outras atividades da agricultura, agropecuária e áreas de pastagens.

Com base nesse estudo, foi constatado que o Estado de São Paulo ainda possui 10,6 milhões de hectares aptos ao plantio de cana-de-açúcar. É difícil prever o quanto desse percentual será efetivamente utilizado para novos plantios, mas a projeção atual do Ministério de Minas e Energia, em seu Plano Decenal de Expansão de Energia, estima a necessidade de 11,9 milhões de hectares plantados no país para suprir 1,135 milhões de toneladas de cana-de-açúcar em 2019.

Como o Estado de São Paulo possui uma grande área disponível para o avanço da cultura da cana-de-açúcar e a melhor infraestrutura de produção e distribuição, além de se encontrar próximo aos principais mercados consumidores e ao principal porto de exportação do produto (Porto de Santos), será considerado que a proporção da área plantada em relação à área de plantio total permanecerá constante. Ou seja, São Paulo continuará responsável pela produção de 65% da cana-de-açúcar do país. Um aumento dessa magnitude na oferta de cana-de-açúcar gerará, inevitavelmente, grande quantidade de matéria orgânica (bagaço, palha e

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pontas), que poderá ser destinada à produção de energia elétrica pelo processo de cogeração. (Figura 8)

Esse processo constitui-se na queima da matéria orgânica excedente para a geração de vapor, que movimentará turbinas para a geração de energia elétrica (UNICA, 2010).

Figura 8 Cana-de-açúcar processada Fonte: UNICA, 2010

Correa Neto (2001) estima a quantidade de matéria disponível para a geração de energia elétrica. Ele verificou que cada tonelada de cana-de-açúcar gera 270kg de bagaço e 155kg de palha e ponta, que podem ser utilizadas nas caldeiras.94 Utilizando esses valores, em 2019 a disponibilidade calculada de bagaço será de 306 milhões de toneladas e a de palha e ponta de 176 milhões de toneladas.

A queima dessa matéria orgânica tem potencial de gerar 10.174 MW, de acordo com o PDE. A utilização da cogeração ainda não é completa nas plantas produtoras de cana-de-açúcar no País. Algumas unidades produzem apenas a energia necessária para seu funcionamento, não gerando a capacidade máxima de energia que poderia ser distribuída na rede elétrica (Figura 9).

94Há algumas divergências nos estudos sobre o tema com relação à quantidade exata de biomassa disponível para a utilização como combustível na literatura. De acordo com a Unica, esses valores são de 250kg de bagaço e 204kg de palha (ÚNICA, 2010).

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Figura 9: Potencial de exportação de energia elétrica proveniente do bagaço da cana-de-açúcar Fonte: Empresa de pesquisa energética, Ministério de Minas e Energia (Plano de desenvolvimento Energético, 2019), 2010

Essa diferença entre o potencial e a real capacidade instalada está

estimada 84% do potencial total, acima do atual, que está muito abaixo de sua capacidade. Dessa maneira, a real capacidade que deverá ser explorada é de 8.521MW em 2019.

A partir das informações da Figura 10 é possível inferir alguns dados

referentes à cultura da cana-de-açúcar e seus impactos apenas para o Estado de São Paulo. Além disso, é importante quantificar o quanto essas atividades de utilização do etanol e da cogeração de energia beneficiam o meio ambiente. Apesar da cana-de-açúcar absorver o CO2 emitido durante seu crescimento, algumas partes da cadeia produtiva utilizam combustíveis fósseis, que não têm sua emissão neutralizada pelo processo de crescimento da cana-de-açúcar.

Figura 10: Projeção na capacidade instalada de biomassa no Brasil Fonte: Empresa de pesquisa energética, (Plano de desenvolvimento Energético, 2019), 2010

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Dessa maneira, será utilizado como referência o estudo da UNICA, cujo ciclo do etanol, considerando a totalidade de sua cadeia produtora, encontra-se na Figura 11.

Figura 81: O ciclo do Etanol Fonte: UNICA, 2010. Essa cadeia, apesar de não neutralizar por completo as emissões de

CO2, apresenta uma redução de suas emissões muito significativa, reduzindo em 89% as emissões de CO2 se comparada à utilização da gasolina.

4.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado de São Paulo foi pioneiro no Brasil a adotar medidas que

vão além de indicações de redução de emissão. Ao aprovar uma lei, o Estado firmou um compromisso com sua população e uma data-limite para cumprir a meta de redução das emissões, o que torna o projeto mais real e passível de cobranças de diferentes órgãos e da população.

Ao aprovar a lei, o Estado mais uma vez se tornou referência no país no que diz respeito a padrão de qualidade e desenvolvimento de políticas

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que atendam de maneira mais rápida aos novos cenários político, econômicos e ambientais.

A sinalização do Estado em se preocupar com questões ambientais merece reconhecimento; porém, o estágio atual ainda preocupa, pois estamos pouco avançados em relação ao cumprimento da lei, já que há ainda um trabalho que não vemos sinal de início.

Os projetos que estão sendo realizados, principalmente no setor de açúcar e álcool, certamente ajudarão a reduzir as emissões, porém, essas ações estão principalmente ocorrendo como uma resposta do setor privado a um novo padrão de consumo do álcool-combustível que teve início antes da entrada de vigor da lei, em 2003, com a introdução da tecnologia flex pelas montadoras nacionais. Adicionalmente aos projetos já em andamento, o Estado pode se beneficiar do mecanismo de desenvolvimento limpo para reduzir as suas emissões. A utilização do MDL para financiar novas medidas poderá acelerar a implementação de tecnologias e projetos para mitigar as emissões. Porem, o que estamos vendo hoje ainda é um Estado que não está tomando as medidas necessárias para reduzir significativamente os níveis de emissão.

A entrada em vigor da lei não foi prescindida de estudos que pudessem comprovar sua efetiva possibilidade de realização. Foram levados em consideração tecnologias e inovações ainda incertas e que podem demorar para se tornar realidade.

A cultura da cana-de-açúcar e seus principais subprodutos energéticos, com as tecnologias atuais e mesmo considerando as projeções de aumento de eficiência e produtividade, ainda não consegue impactar suficientemente as emissões do Estado de São Paulo nas proporções necessárias. Com o crescimento esperado da economia, essa energia será um adicional necessário ao crescimento da economia do Estado. Apesar de benéfica e relevante no que se refere a seu nível de emissão, a oferta desse produto não será suficiente para substituir as antigas fontes emissoras.

O crescimento da utilização do álcool combustível e da cogeração de energia elétrica projetado para o Estado de São Paulo não serão suficientes para reduzir as emissões a patamares 20% inferiores ao ano de 2005. Apesar da utilização dos derivados da cana-de-açúcar responder por uma redução de 89% das emissões se comparadas as principais fontes de energia, o Estado de São Paulo continuará crescendo e demandando cada vez mais energia. Dessa maneira com o aumento projetado de 51.333 milhares de toe para 88.930 milhares de toe em 2020, o Estado necessitará de fontes adicionais a cana-de-açúcar para suprir a demanda.

Caso essa oferta seja proveniente das fontes de energia hoje muito presente, como os derivados do petróleo, a cana-de-açúcar apenas mitigará um maior crescimento das emissões, pois o seu uso não estará causando uma redução do total de combustível fóssil utilizado, somente uma redução no crescimento da sua utilização. Dessa maneira, haverá um aumento,

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embora em menor escala, das emissões provenientes desses combustíveis. Como um cenário de crescimento de oferta de energia somente a partir de fontes renováveis, com baixas emissões é pouco provável, vide o aumento de emissão entre os anos de 2005 e 2008, as próprias projeções de órgãos do governo do Estado preveem um aumento de emissões para o ano de 2020.

O uso do etanol, considerando também as reduções provenientes da cogeração, estimado em 26 bilhões de litros, evitará a emissão de 53 milhões de toneladas, dado que para cada mil litros de etanol utilizado há uma redução de 2.020 Kg de CO2 se comparado a gasolina. Sem dúvida essa é uma redução muito significativa demonstrando a importância desse combustível. Porem, como o aumento do consumo do etanol acorre em paralelo ao aumento de combustíveis fósseis, esse valor não é suficiente para reduzir as emissões de 2005, apenas evita que esse crescimento fosse ainda maior. O mesmo ocorre com a cogeração, que sozinha não consegue acompanhar o crescimento da demanda do Estado de São Paulo, tendo um efeito apenas de reduzir o crescimento das emissões futuras e não reduzir as fontes emissoras.

Em 2020, a matriz proveniente da cana-de-açúcar terá uma participação similar a atual no Estado. Por se tratar de um produto agrícola, a cultura da cana-de-açúcar está sujeita as condições climáticas, que podem ao longo de um período mais extenso, prejudicar ou até inviabilizar sua produção. Excesso ou escassez de chuvas, quebra de safra, pragas que afetem sua produtividade e desenvolvimento da planta são riscos presentes na atividade proposta.

A economia de São Paulo estará sempre dependente dos fatores climáticos que podem levar a uma necessidade de importações emergenciais e utilização de outras fontes de energia mais poluidoras, inviabilizando a redução de suas emissões em diferentes períodos.

5 CONCLUSÃO

Para cumprir com a meta estabelecida, o Governo do Estado de São

Paulo precisará aumentar a velocidade de implantação de medidas que estão sendo estudadas. Os meios de transporte e as fontes primárias de energia precisam de uma atenção especial e uma ação em conjunto com a introdução de novas tecnologias, incentivos para a substituição de equipamentos ultrapassados e altamente poluidores e a educação e conscientização da população para apoiar e optar por produtos provenientes de uma cadeia de produção de baixa emissão de carbono.

Por fim, a medida a ser tomada que iria de desencontro com os objetivos iniciais da lei seria a postergação do seu prazo de cumprimento e/ ou o afrouxamento das metas estabelecidas.

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Com base nos estudos já realizados e nas conclusões obtidas e aqui discutidas, fica evidente a importância da cultura da cana-de-açúcar e da cogeração de energia na redução de suas emissões de CO2. Essa cultura, apesar de trazer benefícios, ainda está distante de sozinha, possibilitar que São Paulo atinja um índice de emissão 20% inferior àquele em 2005.

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EFICIÊNCIA E COORDENAÇÃO OLIGOPOLISTA NO MERCADO DE ETANOL ANIDRO NO ESTADO DE SÃO PAULO: UMA APLICAÇÃO DOS

MODELOS ARCH/IGARCH

Mario Antonio Margarido* Paulo Furquim de Azevedo**

Pery Francisco de Assis Shikida*** Resumo:

Este trabalho investiga a eficiência de ajuste a choques e se há evidências de coordenação oligopolista no mercado de etanol. O exercício empírico, por meio da série de preços semanais do etanol anidro no Estado de São Paulo, utiliza modelos heterocedásticos condicionais auto-regressivos das famílias ARCH/GARCH. Constatou-se elevada volatilidade, porém com rápida diluição dos choques de preços sobre o etanol. O primeiro resultado corrobora a hipótese de um mercado concorrencial, em que o preço do etanol anidro é determinado por meio da interação autônoma de ofertantes e demandantes, sofrendo a influência de diversos fatores exógenos, tais como a safra canavieira e a demanda internacional por açúcar. O segundo resultado revela que a arbitragem pelo lado da oferta, por meio da flexibilidade do mix de produção entre etanol e açúcar, e pelo lado da demanda, por meio do já relevante grupo de consumidores que detém automóveis flex fuel, dissipam rapidamente as oportunidades de arbitragem. Embora a experiência dessa indústria com o livre mercado seja relativamente incipiente, as características de oferta e demanda conferem a este mercado propriedades de rápido ajuste a choques, uma importante evidência de eficiência. Adicionalmente, constatou-se que choques positivos e negativos não tiveram impactos distintos sobre a volatilidade, não havendo evidências de assimetria, o que rejeita a hipótese de existência de coordenação oligopolista. Esses resultados sugerem que o movimento recente de concentração de mercado foi insuficiente para impor rigidez à formação do preço do etanol. Palavras-chaves: Etanol, volatilidade, assimetria, concorrência

Abstract: This article investigates efficiency related to the adjustment

to price shocks and the existence of oligopolistic pricing in the Brazilian ethanol market. We estimate volatility and asymmetry for the price of

* Pós-Dr. (GV- Agro- /FGV-EESP). ** Professor Adjunto da Fundação Getúlio Vargas – São Paulo. *** Professor Associado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), do Programa de Mestrado em Economia Regional (Universidade Estadual de Londrina). GEPEC - Grupo de Pesquisa em Agronegócio e Desenvolvimento Regional.

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anhydrous ethanol in São Paulo State - Brazil using ARCH and GARCH models. Results indicate that prices are highly volatile, but that shock persistence is very low. The first finding is consistent with a competitive and decentralized market, in which ethanol price are determined by supply and demand, so it is subjected to exogenous factors, such as climate and international demand for sugar. The second finding shows that arbitrage at both the supply (production mix of sugar and ethanol) and the demand (arbitrage by flex fuel automobile owners) quickly dissipates arbitrage opportunities. Although deregulation has just two decades, supply and demand features provide efficient adjustments to price shocks. Moreover, there is no significant asymmetry, i.e. positive and negative shocks have no different impacts on volatility, which corroborates the competitive hypothesis. These results suggest that the recent mergers, and the consequent increase in market concentration, have not affected price flexibility.

Key Words: Ethanol, volatility, asymmetry, competition 1. INTRODUÇÃO

Dinamismo é o que não falta à indústria canavieira. Há

aproximadamente duas décadas, o setor era intensamente regulado pelo Estado, que intervinha na formação de preços e estratégias empresariais. Como conseqüência, os diversos mecanismos de comercialização, necessários para a operação eficiente das trocas multilaterais em um mercado concorrencial, ainda não estavam postos por ocasião da desregulamentação. Na década seguinte, a mesma indústria vivenciou um processo, ainda inconcluso, de reestruturação, decorrente de investimentos green field e, sobretudo, fusões e aquisições. Estas modificaram a estrutura de capital do setor e resultaram em maior concentração de mercado, o que poderia levantar preocupações de ordem concorrencial. Em paralelo, a inevitável mudança profunda na matriz energética mundial, ainda fortemente baseada em combustíveis fósseis, colocou a cana-de-açúcar na linha de frente das fontes renováveis de energia, em particular por meio do etanol, exigindo mudanças adicionais em sua forma de comercialização, sobretudo para o mercado externo que, a depender do demandante, exige que atributos de sustentabilidade estejam claros na comercialização de etanol.

Essas características indicariam que este mercado apresentaria menor flexibilidade de preços, seja por imperfeições nos mecanismos de mercado, seja por resultado de coordenação oligopolista. Por outro lado, o mercado de etanol apresenta algumas particularidades que conferem maior eficiência à adaptação a choques, por contar simultaneamente com possibilidade de arbitragem tempestiva na oferta, visto que parte relevante das usinas pode ajustar seus mix de produção entre etanol e açúcar, e na demanda, em decorrência da crescente relevância dos automóveis flex fuel

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na frota nacional. Além disso, embora o processo de concentração da indústria seja incontroverso, os níveis absolutos de concentração são ainda baixos e há características estruturais que apontam para uma maior rivalidade entre os concorrentes. Afinal, o mercado de etanol é incipiente e vulnerável à coordenação oligopolista ou é, ao contrário, concorrencial e eficiente na adaptação a choques? Esta é a questão a que se dedica este artigo, verificando empiricamente a aderência das teses formuladas nesta introdução.

Para tanto, este trabalho verifica a presença de volatilidade e de assimetria na série de preços semanais do etanol anidro no Estado de São Paulo, identificando se choques positivos e negativos geram impactos diferenciados ou homogêneos nos preços desse mercado. Para este fim, propõe-se modelar a série de retorno do preço do etanol anidro por meio dos modelos heterocedásticos condicionais auto-regressivos das famílias ARCH/GARCH.

Os resultados dos modelos auto-regressivos oferecem evidências relevantes para a avaliação da eficiência do mercado de etanol e da ocorrência ou não de coordenação oligopolista. Na ausência de mecanismos apropriados para formação de preços e de fluxo descentralizado de informação e de produto, o mercado tende a apresentar maiores fricções (ou custos de transação), que se manifestam na persistência de oportunidades de arbitragem (Barzel, 2005). Estas, por sua vez, indicam que as condições de eficiência de mercado não se realizam plenamente, na medida em que os preços não convergem rapidamente para os custos marginais de produção. Quanto mais longo esse processo, maior a perda de eficiência, que se traduz em menor bem estar social. A persistência de choques de preços é, portanto, evidência de um mau funcionamento do mercado, o qual pode decorrer da insuficiência de mecanismos para transmissão descentralizada de informação ou de outros custos de mensuração e de transação.

Do mesmo modo, a velocidade de ajuste a choques e a assimetria de resposta a choques positivos ou negativos provê evidências a respeito da existência ou não de coordenação oligopolista no mercado de etanol. Desde o trabalho pioneiro de Hall e Hitch (1939), associa-se à coordenação oligopolista uma maior estabilidade de preços. Uma vez estabelecido, tácita ou explicitamente, um determinado preço, pequenas oscilações da demanda ou dos custos de produção tendem a não provocar alterações subseqüentes no preço praticado. Isso ocorre porque mudanças unilaterais poderiam ser interpretadas como defecções do acordo de preços, podendo minar a coordenação oligopolista (Abreu et al, 1986). Também a assimetria de resposta é uma evidência adicional da existência de coordenação oligopolista. Carman e Sexton (2005) mostram que, em mercados em que firmas gozam de poder de monopólio, choques de elevação de custo são transmitidos mais rapidamente que de redução. Dessa forma, o presente

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artigo pretende também verificar se há indícios de coordenação oligopolista por meio da assimetria de resposta a choques na série de preços de etanol.

Avaliar a eficiência e modo de funcionamento do mercado de etanol justifica-se também pela sua relevância econômica direta. O legado da agroindústria canavieira brasileira se reflete em vários aspectos, como na geração de renda e emprego. De acordo com Neves et al. (2010), o setor sucroenergético no Brasil aferiu, em 2008, uma riqueza de US$ 28,15 bilhões, equivalente a quase 2% do Produto Interno Bruto do país, mantendo 1,28 milhão de postos de trabalho formais, com massa salarial estimada em US$ 738 milhões. Pontuando apenas o mercado alcooleiro, na safra 2008/2009 foram produzidos 27 bilhões de litros de etanol, o que deu ao Brasil a segunda maior produção mundial, superada apenas pelos Estados Unidos (34 bilhões de litros em 2008).95

No Brasil são dois os tipos de etanol carburante produzidos: o hidratado (ou álcool etílico hidratado carburante, cujo teor de água é torno de 5% a 6%), usado diretamente no abastecimento de veículos automotores; e o anidro (ou álcool etílico anidro carburante, cujo teor de água é em torno de 0,5%), usado na produção da denominada gasolina C, cuja mistura pode variar entre 20 e 25% de anidro. Esta mistura tem sido estabelecida pela Comissão Interministerial do Açúcar e do Álcool (CIMA), em função das condições de oferta e demanda do produto no mercado (NIGRO e SZWARC, 2010). E, conforme Neves et al. (2010, p.28), “o mercado interno de etanol anidro nas usinas movimentou US$ 3 bilhões com a venda de 6,5 bilhões de litros em 2008 (mercado formal e informal). O maior consumo no Brasil desse produto é misturado à gasolina (atualmente, na proporção de 25%).”

Esta peculiaridade da mistura do etanol anidro, como bem observado em vários trabalhos compilados por Souza e Macedo (2010), sofre a influência de diversos fatores. Em primeiro lugar, o etanol é um subproduto da cana-de-açúcar, que também produz o açúcar (tipo cristal, demerara/vhp ou refinado) e, quando esta commodity apresenta alta de preço, os empresários do setor (proprietários de usina com destilaria anexa) direcionam parcela expressiva da cana para produção de açúcar, em detrimento da produção de etanol; relação contrária também pode ocorrer no caso de uma diminuição do preço do açúcar e melhoria relativa do preço do etanol. Para o IPEA (2010, p.7), “a livre escolha do mercado entre a produção do etanol ou do açúcar também é um fator determinante para o equilíbrio do setor”.

95 Não é intento aqui pormenorizar a evolução da agroindústria canavieira e do etanol carburante no Brasil e mundo. Vários trabalhos perfazem este caminho, sobre isto, ver: Szmrecsányi (1979); Ramos (1999), Moraes e Shikida (2002), Vian (2003), MAPA (2005), Neves e Conejero (2007), Paulillo et al. (2007), BNDES e CGEE (2008), Shikida (2010) e Souza e Macedo (2010).

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298

Além disso, o desenvolvimento e utilização dos motores flex fuel no Brasil, os proprietários de veículos passaram a decidir qual a composição do mix ideal de gasolina/etanol, em conformidade com a conjuntura dos preços desses dois produtos. Em termos microeconômicos, etanol hidratado e gasolina passaram a ser, para os proprietários de veículos flex fuel, substitutos perfeitos ou quase-perfeitos, o que significa que opta por um ou por outro combustível conforme seus preços relativos e as condições técnicas que definem a taxa marginal de substituição, aproximadamente constante e próxima a 70%96. Portanto, se o etanol estiver com o seu preço majorado, o proprietário do veículo flex fuel racionalmente optará pelo consumo da gasolina. Essas características da indústria são também fortes candidatos a explicar a dinâmica de preços do etanol anidro.

O artigo divide-se em quatro seções, incluindo esta introdução. Na segunda seção são apresentados os dados e métodos empregados para a estimação da volatilidade e assimetria do etanol anidro. Em seguida, a terceira seção apresenta e discute os resultados da análise da série temporal, confrontando-os com as hipóteses levantadas nesta introdução. As considerações finais, na quarta seção, concluem este artigo.

2. MATERIAL E MÉTODOS 2.1 Material

Os dados utilizados nesse estudo se referem aos preços semanais

do etanol anidro na Usina, sem Frete, no Estado de São Paulo. A freqüência dos dados é semanal e abrange o período 10 de maio de 2002 a 19 de novembro de 2010. Os dados foram obtidos do site do CEPEA, cujo endereço é http://www.cepea.esalq.usp.br/alcool/. Os preços do etanol anidro encontram em R$/litro.

A fim de transformar a série de preços de etanol em termos variações percentuais, foi extraído o logaritmo dessa variável e posteriormente suas primeiras diferenças (MILLS, 1990). É necessário enfatizar que o etanol é, no mercado doméstico, uma commodity, sendo cotado em bolsa.

96 Conforme a regulagem de cada motor pode haver pequenas variações do rendimento de cada combustível, bem como da taxa marginal de substituição à medida que se modifica a composição de etanol e gasolina. Entretanto, tais variações são relativamente pequenas, de tal modo que é razoável representar ambos os combustíveis como substitutos perfeitos.

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299

2.2 Métodos

Modelo ARCH97 Os modelos econométricos tradicionais pressupõem que a variância

da estrutura de erros é constante ao longo do tempo. No entanto, séries econômicas podem apresentar períodos de pequena volatilidade seguidos de períodos de acentuada volatilidade. Nesses casos, a hipótese de variância constante, também denominada de homocedástica, não mais se sustenta, pois a variância do termo de erro passa ser não constante ao longo do tempo, isto é, heterocedástica.

O trabalho seminal relativo aos modelos auto-regressivos heterocedásticos (ARCH) foi elaborado por Engle (1982). De acordo com

esse autor, se a variância do erro { }tε não é constante ao longo do tempo,

é possível estimar qualquer tendência de movimentos sustentados da variância utilizando um modelo Auto-regressivo de Médias Móveis (ARMA). Partindo-se da seguinte auto-regressão, tem-se:

0 1 1t t ty a a y ε−= + + (1)

Sejam { }t̂ε os resíduos estimados da equação (1), sendo assim, a

variância condicional de yt+1 é:

( ) ( )2

1 1 0 1

2

1

var /t t t t t

t t

y y E y a a y

E ε

+ +

+

= − −

= (2)

Supondo que a variância não seja constante ao longo do tempo,

pode-se modelá-la utilizando um processo ARMA de ordem q (AR(q)) utilizando o quadrado dos resíduos estimados, ou seja:

2 2 2 2

0 1 1 2 2ˆ ˆ ˆ ˆt t t q t q tvε α α ε α ε α ε− − −= + + + + +K (3)

onde vt é um processo ruído branco98.

97 Essa seção baseia-se principalmente em Enders (2004). 98 Também denominado de white noise. Conforme Horton (1997), um processo white noise se caracteriza pelo fato de ser identicamente e independentemente distribuído, com média zero. A sua função de autocorrelaç98 Essa seção baseia-se principalmente em Enders (2004). 98 Também denominado de white noise. Conforme Horton (1997), um processo white noise se caracteriza pelo fato de ser identicamente e independentemente distribuído, com média zero. A sua função de ão (ACF) é igual a zero para todas as defasagens

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300

Se os valores de 1 2, , , nα α αK forem todos iguais a zero, então, a

variância estimada resume-se à constante 0α . Se, por outro lado, a

variância condicional de yt é um processo do tipo auto-regressivo, conforme apresentado na equação anterior, pode-se utilizar essa equação para prever a variância condicional no período t+1. Sendo assim, tem-se:

2 2 2 2

1 0 1 2 1 1ˆ ˆ ˆ ˆ

t t t t q t qE ε α α ε α ε α ε+ − + −= + + + +K (4)

Conforme enfatizado por Enders (2004), a equação (3) é denominada de modelo condicional auto-regressivo heterocedástico (ARCH). Há diversas aplicações para os modelos ARCH, desde que os resíduos apresentados na equação (3) se originem de uma auto-regressão, modelo ARMA, ou então de um modelo de regressão. A especificação linear apresentada na equação (3) não é a mais conveniente. A justificativa para esse fato é que “o modelo para {yt} e a variância condicional são mais bem estimadas simultaneamente utilizando a técnica de máxima verossimilhança. Sendo assim, dada a especificação em (3), é mais tratável especificar o termo de erro vt na forma multiplicativa” (Enders, 1995: 114).

Engle (1982) propôs o seguinte tipo de modelo multiplicativo condicional heterocedástico:

2

0 1 1t t tvε α α ε −= + (5)

onde vt é um processo ruído branco, tal que 2

vσ = 1, também, 1tε − e vt

são independentes um do outro. Além disso, dado que se trata de variância,

então os valores de { }tε devem assumir somente valores positivos. Sendo

assim, torna-se necessária a imposição de restrições sobre os parâmetros

0α e

1α . A restrição para garantir que a variância condicional seja positiva

é que 0 0α > e 10 1α< < .

A equação (5) representa um modelo auto-regressivo de ordem um, ou seja, somente choques no período t-1 afetam o comportamento da seqüência ε no período t. No entanto, pode ocorrer que choques com

ordens mais elevadas também influenciem o comportamento de tε e não

somente choques no período imediatamente anterior. Em função disso, Engle (1982) estendeu o modelo ARCH para ordens elevadas denominado de modelo ARCH (q), o qual é representado da seguinte forma:

(lags) exceto para a defasagem de ordem zero. Outro aspecto relevante é que uma série white noise completamente aleatória implica que não é possível prever seu comportamento por qualquer processo de estimação.

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301

2

0

1

q

t t i t i

i

vε α α ε −=

= + ∑ (6)

Logo, a partir de (6), observa-se que os diversos choques que

abrangem os períodos de 1tε − até

t qε − produzem diferentes impactos

sobre o comportamento de tε , ou seja, a variância condicional se comporta

como um processo auto-regressivo de ordem q. Modelos GARCH Bollerslev (1986) ampliou o modelo de variância condicional ao

utilizar um modelo Auto-regressivo de Médias Móveis (ARMA) ao invés de um modelo Auto-regressivo conforme proposto por Engle (1982).

Dado que o processo de erro é representado como:

t tv hε = (7)

onde: 2 1vσ = e

2

0

1 1

q p

t i t i i t i

i i

h hα α ε β− −= =

= + +∑ ∑ (8)

No caso dos modelos GARCH, as seguintes restrições são

necessárias para garantir valores positivos para à variância condicional:

00, 0, 0, 0ip q α α≥ > > ≥ e 0iβ ≥ .

Dado que vt é um processo ruído branco, o qual é independente das

realizações dos erros passados ( )t iε − , então, tanto a média condicional

quanto incondicional de tε são iguais a zero. Tomando-se a esperança de

(7), tem-se:

0t t tE Ev hε = = (9)

O aspecto mais relevante é o fato de a variância condicional de tε

ser igual a 2

1t t tE hε− = . Isso implica que a variância condicional de tε é

dada por ht conforme apresentado na equação (8). A equação (8) pode ser desagregada em dois componentes. O

primeiro deles, representado pelos coeficientes iβ associados às

variâncias ht-i, representa o componente auto-regressivo, enquanto que os

parâmetros iα associados ao quadrado dos erros

2

t iε − , correspondem ao

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componente de médias móveis. Em outras palavras, o modelo generalizado ARCH (p, q) – denominado de GARCH (p, q) – concebe ambos os componentes auto-regressivos e médias móveis na variância heterocedástica. Quando p = 0 e q = 1, tem-se um modelo ARCH de primeira ordem conforme apresentado em (5) que, por sua vez, é

simplesmente um modelo GARCH (0,1). Se todos os iβ são iguais a zero,

o modelo GARCH (p, q) é equivalente ao modelo ARCH (q). Visto mais detalhadamente, as magnitudes dos coeficientes

estimados para iα e iβ em conjunto determinam as dinâmicas de curto

prazo da série de tempo em função de sua respectiva volatilidade. Mais

especificamente, “grandes coeficientes β de defasagem indicam que os

choques da variância condicional levam um longo tempo para desaparecerem, o que implica que a volatilidade é “persistente”. Grandes coeficientes α do erro significam que a volatilidade reage muito

intensamente aos movimentos do mercado e, assim, para coeficientes β

relativamente mais baixos, as volatilidades tendem a ser mais “pontiagudas”. Nos mercados financeiros, é muito comum, tendo por base observações diárias, estimar-se coeficientes de defasagem (ou de persistência) acima de 0,8 e os coeficientes de erro (ou de “reação”) não mais que 0,2” (ALEXANDER, 2005, p.78).

Os benefícios proporcionados pelo modelo GARCH relativamente ao

modelo ARCH, residem no fato de que um modelo ARCH de ordem elevada possui uma representação GARCH mais parcimoniosa, a qual é mais fácil de identificar e estimar, ou seja, há menos parâmetros a serem estimados. Isso é particularmente verdadeiro desde que todos os coeficientes em (8) devem ser positivos. Também, para assegurar que a variância condicional é finita, todas as raízes características de (8) devem sair do círculo unitário. Quanto mais parcimonioso um modelo, menor a necessidade de imposição de restrições sobre os coeficientes.

A variância do estado estacionário de longo prazo para o modelo

GARCH (1, 1) é obtida substituindo-se 2

tσ = 2σ para todo t na equação

899. Portanto, a variância do estado estacionária é representada pela seguinte fórmula:

( )2 0

1 11

ασ

α β=

− − (10)

99 Em relação à notação, alguns trabalhos representam a variância

2

tσ por ht.

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303

Se 1 1 1α β+ = , então, a variância não condicional não pode ser

mais definida, como conseqüência, as previsões tanto da média quanto da volatilidade não convergem. Nesse caso, dado que a variância não é estacionária, então, o modelo GARCH é integrado e é denominado de I-GARCH100. Como se verá, este é o caso do presente estudo sobre o mercado de etanol anidro.

Outro aspecto relevante relacionado aos modelos de variância condicional diz respeito à assimetria proporcionada pelos efeitos que choques de caráter exógeno (também denominados de efeitos de alavancagem) têm sobre o comportamento da volatilidade101 de variáveis econômicas ao longo do tempo. No entanto, apesar dos modelos ARCH e GARCH levarem em consideração clusters (ou grupos) de volatilidades nas séries, não embutem os efeitos de alavancagem, pois forçam respostas simétricas das volatilidades nas suas respectivas estimações, tanto para choques positivos quanto negativos. Isso se deve ao fato de que a variância condicional, conforme apresentada na equação 8, é função das magnitudes dos resíduos defasados ao quadrado e como resultado, os sinais dos resíduos são desconsiderados. No entanto, conforme observado por Brooks (2002), choques negativos em séries financeiras induzem a volatilidades mais acentuadas do que choques positivos com a mesma magnitude.

Brooks (2002, p.469) ainda afirma que:

[...] (no) caso do retorno de ativos financeiros, assimetrias são tipicamente atribuídas aos efeitos de alavancagem, segundo o qual, uma queda no valor das ações da empresa causa elevação da razão entre dívida e ativos da empresa. Isso leva os acionistas, os quais sustentam o risco residual da empresa, a perceberem que seu fluxo de caixa no futuro será mais incerto.

Em função desse fato, em havendo efeitos de alavancagem,

choques negativos têm efeitos mais acentuados do que choques positivos, gerando dessa forma, a questão da assimetria.

Conforme Franses (1998, p.171-172), “modelos do tipo GARCH que concebem tratamento diferenciado para choques positivos e negativos são denominados de modelos Threshold ARCH (TARCH)”.

Basicamente, quatro são os modelos mais difundidos na literatura de séries temporais que levam em consideração a questão da assimetria no processo de estimação da variância condicional. O primeiro deles é o modelo denominado de GJR, o qual foi desenvolvido por Glosten,

100 Detalhes sobre o modelo I-GARCH podem ser encontrados em Nelson (1990). 101 Conforme Brooks (2002, p.441), a “volatilidade é medida pelo desvio-padrão ou variância do retorno dos ativos, é freqüentemente utilizada como uma medida bruta do risco total de ativos financeiros”.

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Jagannathan e Runkle (1993). O segundo é de autoria de Zakoian (1994). Outro modelo que envolve assimetria foi desenvolvido por Nelson (1991), também denominado de GARCH exponencial ou E-GARCH. O quarto modelo sobre testes de assimetria na volatilidade foi desenvolvido por Engle e Ng (1993).

O modelo GJR tem como ponto de partida o tradicional modelo GARCH, porém é adicionado um termo que captura possíveis assimetrias. Matematicamente, esse modelo é definido da seguinte forma:

2 2 2 2

0 1 1 1 1 1t t t t tu u Iσ α α β σ γ− − − −= + + + (11)

onde, o termo It-1 corresponde a uma variável binária (ou dummy), a

qual assume valor igual a 1 se ut-1 < 0 e zero caso contrário. Se há presença do efeito de alavancagem, então γ > 0. Nesse modelo, a restrição para

não negatividade implica que 0 0α ≥ ,

1 0α ≥ , 0β ≥ e 1 0α γ+ ≥ . Se

0γ ≠ , então, os impactos são assimétricos.

Já o modelo desenvolvido por Zakoian (1994) é semelhante ao modelo GJR. A diferença entre ambos é que o primeiro especifica o desvio-padrão condicional ao invés da variância condicional conforme utilizado no modelo GJR. Outro aspecto a ser realçado, conforme observam Franses e Dijk (2000), é que no modelo de Zakoian, o comportamento assimétrico da variância condicional (ht) é mais complexo relativamente aos outros modelos, pois não somente o sinal do choque é relevante, mas também, o próprio tamanho do choque. Mais precisamente, choques negativos exacerbam mais a volatilidade da variância condicional futura do que choques positivos quanto maior for à magnitude do choque em valor absoluto. Porém, no caso de choques com pequena intensidade, choques positivos ampliam mais a variância condicional relativamente aos choques negativos. Matematicamente, o modelo de Zakoian é representado da seguinte forma:

1 1 1 1 1 1t t t th k h u uδ α α+ + − −

− − −= + + + (12)

onde: 1 1t tu u+

− −= se 1 0tu − > , e

1 0tu+

− = se 1 0tu − ≤ . De forma

semelhante, 1 1t tu u−

− −= se 1 0tu − ≤ e

1 0tu−

− = se 1 0tu − > .

O modelo E-GARCH, por sua vez, pode ser representado

matematicamente da seguinte forma:

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( ) ( )2 2 111 2 2

1 1

2ln ln

ttt t

t t

uuσ ω β σ γ α

πσ σ−−

− −

= + + + −

(13)

Conforme Brooks (2002), a especificação E-GARCH apresenta

várias vantagens em relação ao tradicional modelo GARCH. Dado que se

modela o ( )ln tσ , então, mesmo que os parâmetros sejam negativos, a

variância condicional ( )2

tσ necessariamente será positiva. Em função

dessa característica, não se torna necessária à imposição de qualquer tipo de restrição para garantir a não negatividade dos parâmetros do modelo. Outro aspecto relevante em relação ao modelo E-GARCH reside no fato de que incorpora aspectos relacionados com assimetria em sua formulação, uma vez que, se o relacionamento entre volatilidade e o retorno é negativa, então γ também será negativo.

O teste de assimetria para volatilidade apresentado em Engle e Ng (1993) é denominado como teste de viés de sinal e de tamanho. Ele permite identificar se é mais adequado estimar um modelo GARCH simétrico ou assimétrico. Esse teste normalmente é aplicado sobre os resíduos do GARCH ajustado aos retornos dos dados. Inicialmente, é necessário definir uma variável do tipo dummy denominada de S-t-1, a qual assume valor igual

a 1 se 1

ˆ 0tu − < e zero em caso contrário. O teste de viés de sinal baseia-se

na significância estatística do parâmetro 1φ na equação abaixo:

2

0 1 1ˆt t tu Sφ φ υ−

−= + + (14)

onde tυ é o termo de erro independentemente e identicamente

distribuído (IID). Diante de choques, sejam positivos ou negativos originados

em 1

ˆtu − impactam de forma diferenciada a variância condicional. Se isso

ocorrer, então, o termo 1φ será significativo em termos estatísticos.

Além do viés de sinal, esse teste permite identificar como as magnitudes dos choques afetam a resposta da volatilidade, ou seja, se essa resposta é simétrica ou não. Sendo assim, o teste de viés de sinal negativo deve ser realizado com base numa regressão em que o termo S-t-1 é utilizado como uma variável dummy que mede a inclinação, ao invés da variável dummy do modelo anterior, a qual mede a mudança de nível da série. O viés de sinal negativo estará presente se, novamente, o valor do

parâmetro 1φ for significativo estatisticamente na seguinte regressão:

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2

0 1 1 1ˆt t t tu S uφ φ υ−

− −= + + (15)

Finalmente, o modelo desenvolvido por Engle e Ng (1993) também permite a realização de um teste conjunto envolvendo tanto o viés de sinal

quanto de magnitude. Nesse caso, define-se a variável 1 11t tS S+ −− −= − tal

que, 1tS+

− capture as observações com inovações positivas. Esse teste

tem como base a seguinte regressão: 2

0 1 1 2 1 1 3 1 1ˆt t t t t t t

u S S u S uφ φ φ φ υ− − +− − − − −= + + + + (16)

Nesse caso, os parâmetros de interesse são 1φ o qual indica a

presença de viés de sinal, ou seja, choques negativos e positivos têm diferentes impactos sobre o comportamento futuro da volatilidade, fato esse que não torna recomendável a utilização do modelo GARCH tradicional, pois este leva em consideração a simetria dos choques. Já a significância

estatística de 2φ ou

3φ sugere a presença de viés de magnitude, ou seja,

não somente o sinal, mas a intensidade do choque é relevante para o comportamento futuro da volatilidade. Esse teste conjunto é formulado a partir do cálculo de TR2 a partir da equação 15, a qual tem uma distribuição

2χ assintótica com três graus de liberdade sob a hipótese nula de que não

há ocorrência de efeitos assimétricos. As estimações dos modelos foram obtidas com o software Statistical

Analysis Software (SAS) versão 9.1.

3. ANÁLISE DE RESULTADOS O primeiro passo é determinar se há mudanças na variância ao

longo do tempo, ou seja, determinar a presença de heterocedasticidade. Para tanto, foram utilizados dois testes: a estatística Q e o teste do Multiplicador de Lagrange (LM). Ambos os testes permitem determinar a ordem do modelo ARCH mais adequado no sentido de possibilitar a modelagem de heterocedasticidade. Em outras palavras, esses dois testes pressupõem que as alterações na variância seguem um modelo condicional auto-regressivo heterocedástico.

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307

Tabela 1. Testes Q e LM para detectar presença de efeitos ARCH nos erros para o retorno dos preços do etanol anidro

Defasagens Estatística Q Pr > Q Multiplicador de Lagrange (LM)

Pr > LM

1 44.4544 <.0001 44.2378 <.0001

2 45.0480 <.0001 46.1725 <.0001

3 45.0484 <.0001 46.2334 <.0001

4 46.2621 <.0001 47.5033 <.0001

5 46.3667 <.0001 48.7578 <.0001

6 46.6111 <.0001 49.8335 <.0001

7 59.5646 <.0001 60.3941 <.0001

8 66.0954 <.0001 60.4256 <.0001

9 70.4805 <.0001 62.4377 <.0001

10 71.0987 <.0001 62.4949 <.0001

11 71.2421 <.0001 63.4125 <.0001

12 72.2371 <.0001 63.5865 <.0001 Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados básicos do CEPEA.

Para ambos os testes, a hipótese nula é que os resíduos são

homocedásticos (variância constante ao longo do tempo). A hipótese alternativa é que os resíduos são heterocedásticos. Conforme pode ser visualizado na Tabela 1, a hipótese nula pode ser rejeitada, pois os valores das probabilidades para todas as doze defasagens estão abaixo de 1,0%. Esse resultado indica que a estimação de um modelo ARCH de ordem elevada é necessária para modelar a heterocedasticidade. Portanto, torna-se mais adequado estimar um modelo GARCH102.

Dados que os resultados dos testes Q e LM indicam a necessidade de estimação de um modelo ARCH de ordem elevada, e para evitar a necessidade de imposição de restrições sobre muitos parâmetros estimados, o próximo passo constituiu-se em estimar um modelo GARCH (p=1, q=1).

102 É relevante observar que no caso do modelo ARCH de ordem q (ARCH(q)), p é igual a zero e, conseqüentemente, esse processo possuí memória curta, pois somente as recentes defasagens dos resíduos ao quadrado são utilizadas para estimar mudanças na variância da série temporal. Logo, é mais adequado estimar um modelo GARCH, uma vez que, nesse caso, p > 0, ou seja, o processo tem memória longa em função do fato de que esse modelo utiliza toda informação disponível não somente dos termos de resíduos ao quadrado como também da própria variância defasada.

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Tabela 2. Estimativas do modelo GARCH (1,1) para o retorno dos preços do etanol anidro

Variável Graus de Liberdade

Estimativas dos parâmetros

Erro-padrão da estimativa

Valor do teste t

Pr > |t|

Intercepto 1 0.000657 0.002225 0.30 0.7677 AR1 1 -0.5073 0.0404 -12.57 <.0001 ARCH01 1 0.000296 0.0000397 7.47 <.0001 ARCH12 1 1.0000 0.1362 7.34 <.0001 GARCH13 1 0.1197 0.0468 2.56 0.0105 Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados básicos do CEPEA. 1 Corresponde a 0α na equação 8. 2 Corresponde a 1α na equação 8. 3

Corresponde a 1β na equação 8.

Os resultados das estimativas do modelo GARCH (p=1, q=1)

mostram que o valor de 1β é igual a 0,1197. Isso indica que choques na

variância demoram pouco tempo para se dissiparem, ou seja, possuem reduzida persistência temporal. Por sua vez, o coeficiente estimado

associado a 1α é igual a 1, o que mostra que o retorno dos preços do etanol

possui elevada volatilidade (Tabela 2). Os resultados apresentados pelos coeficientes estimados mostram que as restrições para não negatividade

dos parâmetros foram respeitadas, pois, 0oα > ,1 0α ≥ e

1 0β ≥ .

É necessário observar que a soma dos coeficientes 1α +

1β é

maior que um (1,0000 + 0,1197 = 1,1197 > 1), o que indica que os retornos dos processos GARCH não são estacionários. Portanto, as estruturas dos termos de volatilidade do modelo GARCH não convergem para o nível médio de longo prazo da volatilidade (Tabela 2). Como consequência, foi estimado um modelo Generalizado de Variância Condicional Auto-regressiva Integrado (IGARCH).

Os resultados do modelo I-GARCH (p=1, q=1) são apresentados na

Tabela 3. O coeficiente estimado de 1

β é igual a 0,1462 e estatisticamente

significativo ao nível de 1%. Esse resultado mostra, mais uma vez, que choques na variância demoram pouco tempo para se dissiparem, ou seja, possuem reduzida persistência temporal. Por sua vez, o coeficiente

estimado associado a 1α é igual a 0,8538 e estatisticamente significativo ao

nível de 1%, o que mostra que o retorno dos preços do etanol anidro possui expressiva volatilidade (Tabela 3).

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Tabela 3. Estimativas do modelo IGARCH (1,1) para o retorno dos preços do etanol anidro

Variável Graus de Liberdade

Estimativas dos parâmetros

Erro-padrão da estimativa

Valor do teste t

Pr > |t|

Intercepto 1 0.000803 0.002443 0.33 0.7425

AR1 1 -0.5238 0.0423 -12.38 <.0001

ARCH01 1 0.000306 0.0000357 8.57 <.0001

ARCH12 1 0.8538 0.0488 17.49 <.0001

GARCH13 1 0.1462 0.0488 2.99 0.0028 Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados básicos do CEPEA. 1 Corresponde a

0α na equação 8. 2 Corresponde a 1α na equação 8. 3

Corresponde a 1

β na equação 8.

Dado que a soma de

1 1α β+ é superior à unidade no modelo

GARCH, será utilizado como base o modelo IGARCH, uma vez que a restrição

1 1 1α β+ = está sendo respeitada em relação a esse último

modelo, ou seja, conforme pode ser observado na Tabela 3, 0,8538 + 0,1462 =1.

Esses resultados indicam que o mercado de etanol responde rapidamente aos choques, eliminando as possibilidades de arbitragem. Esse primeiro resultado também contradiz a hipótese de colusão na formação de preços de etanol, visto que os ajustes ao choquem ocorrem com rapidez e não há evidências de estabilidade de preços, como seria de se esperar em mercados em que há comportamento cartelizado.

A dinâmica de mercado estabeleceu-se com a desregulamentação, no início dos anos 90, que retirou do Estado diversos instrumentos de intervenção direta na formação de preços e estratégias empresariais (Farina et al., 1997). Características da oferta e demanda por etanol explicam a velocidade de ajuste a choques, revelando um mercado relativamente eficiente por sua propriedade de esgotar oportunidades de arbitragem rapidamente. Em primeiro lugar, é necessário destacar que os preços do etanol combustível e do açúcar estão intimamente entrelaçados. Apesar de o Brasil ser o maior exportador mundial de açúcar a base da cana, diversos estudos mostram que o país é tomador de preços no mercado externo (MORAES e SHIKIDA, 2002), sendo assim, variações nos preços externos do açúcar são transmitidos para os preços domésticos. Estes, por sua vez, se transmitem ao preço do etanol por meio da arbitragem de oferta, visto

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que, na maior parte das usinas, há alguma flexibilidade de alocação da cana-de-açúcar para a produção de açúcar ou etanol. Desta forma, o usineiro pode arbitrar entre os dois produtos, conforme a sua rentabilidade, sendo esta uma importante fonte de dissipação do choque.

Sendo assim, quando ocorre um choque positivo nos preços internacionais do açúcar, o valor marginal do emprego da cana-de-açúcar para a produção desse produto torna-se maior do que aquele decorrente da produção de etanol. Diante disso, as usinas que possuem flexibilidade de produção entre açúcar e etanol destinam uma maior quantidade de matéria-prima para o primeiro, aumentando a sua oferta e reduzindo a produção de etanol. Essa menor quantidade ofertada de etanol no mercado interno resulta na elevação de seu preço na usina e também para o consumidor final, até o ponto em que o valor marginal do emprego da cana-de-açúcar em ambos os destinos se iguale. Também a política pública de alterar a participação do etanol anidro adicionado à gasolina tem por efeito ajustar a demanda pelo produto, de modo a atenuar a pressão por aumento de preços.

Finalmente, inovações tecnológicas no que concerne aos motores de combustão também exercem influência em relação a choques de preços sobre o etanol. Mais precisamente, o desenvolvimento e utilização dos motores flex fuel permitem aos proprietários de carros alterarem a composição da relação gasolina/etanol consumidos. Desde a introdução dos automóveis flex, o consumidor passou a fazer a análise de custo-benefício e determinar se vai abastecer o carro com gasolina ou com etanol, sendo que o parâmetro normalmente utilizado para a tomada de decisão do consumidor reside no preço relativo desses dois combustíveis. Quando há tendência de crescimento do preço do etanol, o proprietário de automóvel com motores flex tende a reduzir a utilização desse combustível e passa a utilizar mais gasolina, ocorrendo o inverso quando os preços do etanol apresentam tendência decrescente. Uma vez que as usinas podem arbitrar entre a produção de etanol anidro ou hidratado, este movimento de preços, que afeta primeiramente o etanol hidratado, é transmitido para o preço de anidro. Em outras palavras, o mercado de etanol, que já contava com mecanismos de arbitragem eficiente na oferta, por meio da alteração do mix de produção de etanol e açúcar, passou também a contar com um eficiente mecanismo de arbitragem na demanda, tendo agora o preço da gasolina como parâmetro.

Em função desse conjunto de fatores, apesar da volatilidade do preço etanol, choques de preços desse combustível podem ser atenuados pelos fatores ora mencionados. Sendo assim, os resultados do modelo GARCH são coerentes, ou seja, de elevada volatilidade, porém rápida diluição dos choques de preços sobre o etanol.

Outro aspecto relacionado à volatilidade diz respeito à assimetria proporcionada por choques exógenos. Conforme MOL et al. (2005),

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choques negativos tendem a exercer influência maior do que choques positivos sobre a volatilidade e vice-versa, o que é denominado na literatura econométrica por efeito alavancagem.

Visando testar a presença de assimetria proporcionada por choques foram estimados três tipos de modelos TARCH que pertencem à família ARCH. O primeiro deles foi o modelo GJR desenvolvido por Glosten, Jagannathan e Runkle (1993), cujos resultados estão apresentados na Tabela 4. Assim como no caso do modelo IGARCH, a medida da

persistência (1β ), no modelo GJR, apresenta pequena persistência, apenas

0,113493 e é estatisticamente significante ao nível de 1% (Tabela 4).

Tabela 4. Estimativas do modelo GJR para o retorno dos preços do etanol anidro

Variável Graus de Liberdade

Estimativas dos parâmetros

Erro-padrão da estimativa

Valor do teste t

Pr > |t|

Intercepto 1 0.001559 0.00139 1.12 0.2625 ARCH01

1 0.000311 0.000053 5.83 <.0001 ARCH12

1 1.228868 0.2545 4.83 <.0001

GARCH13 1 0.113493 0.0332 3.41 0.0007

GAMA4 1 -0.14664 0.3047 -0.48 0.6306 Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados básicos do CEPEA. 1 Corresponde a

0α na equação 11. 2 Corresponde a 1α na equação 11. 3

Corresponde a 1

β na equação 11. Corresponde a γ na equação 11.

O modelo GJR fornece forte evidência de que não há assimetria na

volatilidade dos retornos dos preços do etanol anidro, uma vez que o

coeficiente do termo 1

2

1 −− tt Iu da equação 11 mostrou-se não significativo

em nível de 10,0%, além do que seu valor é negativo quando deveria ser positivo (Tabela 4). Assim, choques positivos e negativos não têm impactos distintos sobre a volatilidade, confirmando a não presença de assimetria, ou efeito de alavancagem. Os coeficientes estimados desse modelo também mostram que as restrições de não negatividade dos parâmetros foram quase todas respeitadas, dado que,

0 0α ≥ , 1 0α ≥ ,

1 0β ≥ , e

1 0α γ+ ≥ . No entanto, 0γ = , quando deveria ser positivo e diferente de

zero. A Tabela 5 apresenta os resultados do modelo proposto por Zakoian

(1994). Nesse modelo, não somente o sinal do choque é relevante, mas também, a magnitude do choque. Os resultados indicam que choques

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positivos e negativos possuem impactos diferenciados sobre o retorno do preço do etanol anidro, porém esse diferencial é extremamente pequeno, não sendo significante. Trata-se de uma nova evidência que revela um funcionamento competitivo do mercado doméstico de etanol. Conforme argumentado por Carman e Sexton (2005), mercados sujeitos à coordenação oligopolista tendem a apresentar comportamento assimétrico em choques de alta e de baixa de preços. Não havendo evidências de assimetria no mercado doméstico de etanol, corrobora-se a hipótese de concorrência e eficiência na reversão ao equilíbrio.

Campos e Piacenti (2007), em um estudo que envolveu a volatilidade das séries de retornos mensais da cana-de-açúcar (principal cultura agrícola no Brasil utilizada para produção de etanol), concluíram que choques negativos são marcados por períodos de maior volatilidade de preços, enquanto que choques positivos apresentam menor volatilidade. É importante notar, contudo, que no período analisado pelos autores não havia ainda uma proporção significativa de veículos flex na composição da frota de automóveis. Este fator pode explicar a diferença de resultados e a ausência de assimetria no presente estudo.

Tabela 5. Estimativas do modelo de Zakoian para o retorno dos preços do etanol anidro

Variável Estimativas dos parâmetros

Erro-padrão da estimativa

Valor do teste t

Pr > |t|

ARCH01 -0.01194 0.00156 -7.65 <.0001

ARCH1_PLUS2 -0.70282 0.0887 -7.92 <.0001

ARCH1_MINUS3 0.753282 0.0948 7.95 <.0001

GARCH14 -0.19573 0.0440 -4.45 <.0001

Intercepto 0.000351 0.00110 0.32 0.7490

Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados básicos do CEPEA. 1 Corresponde a k na equação 12. 2 Corresponde a

+1α na equação 12. 3

Corresponde a −1α na equação 12. 4 Corresponde a δ1 na equação 12.

O valor do coeficiente δ1,, que mede a persistência dos choques da

variância condicional, da mesma forma que nos dois modelos anteriores, apresentou um valor relativamente baixo (-0,19573), sendo estatisticamente significativo em nível de 1%. Este resultado indica que choques sobre os preços do etanol anidro levam um período relativamente curto para se dissiparem, consistentemente com as demais estimativas ao longo deste artigo (Tabela 5).

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Ainda, em relação às possíveis assimetrias derivadas de choques, a Tabela 6, contém os parâmetros do modelo EGARCH (1,1). A medida de

persistência 1β não é elevada (0,5034), porém, é estatisticamente

significante a 1%, confirmando a pequena persistência dos choques sobre a volatilidade da série em estudo, além de confirmar que não há assimetria, estando de acordo com as evidências proporcionadas pelos modelos GJR e Zakoian (1994). A análise dos resultados (Tabela 6) revela que quase todos os parâmetros do modelo são significativos em nível de 1%. O parâmetro

associado ao termo 2

1

1

t

tu

σ da equação 13 mostra que 0γ =

estatisticamente, e, portanto, não existe assimetria na taxa de retornos semanais da série estudada.

Tabela 6. Estimativas do modelo EGARCH (1,1) para o retorno dos preços do etanol anidro Variável Graus de

Liberdade Estimativas dos parâmetros

Erro-padrão da estimativa

Valor do teste t

Pr > |t|

EARCH01 1 -3.2651 0.3371 -9.68 <.0001

EARCH12 1 1.3610 0.1190 11.44 <.0001

EGARCH3 1 0.5034 0.0477 10.56 <.0001

GAMA4 1 -0.0450 0.0588 -0.77 0.4439 Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados básicos do CEPEA. 1 Corresponde a ω na equação 13. 2 Corresponde a 1α na equação 13. 3

Corresponde a 1β na equação 13. 4 Corresponde a γ na equação 13.

Finalmente, foi estimado o modelo de Engle e Ng (1993) para

confirmar ou não a ausência de assimetria no modelo do preço do etanol. O resultado mostra que a variável dummy do resíduo defasado de um período não é estatisticamente significativa, logo, pode-se inferir que os choques positivos e negativos têm a mesma intensidade sobre o retorno do preço do etanol, ou seja, não há assimetria ou efeito de alavancagem (Tabela 7). Portanto, esse último resultado confirma os resultados dos modelos de GJR, Zakoian e EGARCH.

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Tabela 7. Estimativas do modelo ENGLE e NG para o retorno dos preços do etanol anidro

Variável Graus de Liberdade

Estimativas dos parâmetros

Erro-padrão da estimativa

Valor do teste t

Pr > |t|

Intercepto 1 0.50685 0.03386 14.97 <.0001 Dummy do Resíduo Defasado 1

0.00200 0.04751 0.04 0.9664

Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados básicos do CEPEA. 1 Corresponde a 1φ na equação 13.

O fato de os choques positivos e negativos terem a mesma

intensidade sobre o retorno do preço do etanol, não havendo assimetria ou efeito de alavancagem, confirma algumas peculiaridades do mercado do etanol anidro, que passou a operar num novo modelo de relacionamento entre produtores de cana, etanol e empresas distribuidoras de combustível, no qual prevalecem as regras de mercado. Ao que tudo indica, a desregulamentação do mercado, nos anos 1990, deu lugar a um mercado competitivo, sem evidências de coordenação oligopolística. Esses resultados são particularmente interessantes frente à restruturação recente do setor, em que se observa elevação da concentração de mercado, decorrente de fusões e aquisições. Tal movimento, entretanto, não parece ter sido suficiente para introduzir imperfeições na formação de preços.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Recém-saída de um longo histórico de regulação, rompido na

década de 1990, a indústria canavieira passa por momento de forte restruturação, movida por inúmeras fusões e aquisições que concentram progressivamente a estrutura de produção. Esses dois elementos – histórico de regulação e aumento de concentração de mercado – indicariam um mercado doméstico de etanol pouco desenvolvido, de um lado, e sujeito à coordenação oligopolista, de outro. Isto é, entretanto, o oposto do que revela este artigo. Por meio da análise de volatilidade e assimetria na série de preços semanais do etanol anidro para o Estado de São Paulo, este artigo avaliou a reação do mercado a choques de preços positivos e negativos, testando sua eficiência na mitigação de oportunidades de arbitragem e a ocorrência de assimetria de resposta a choques, uma evidência indireta de coordenação oligopolista. Para tanto, foram utilizados modelos heterocedásticos condicionais auto-regressivos das famílias ARCH/GARCH.

Constatou-se elevada volatilidade, porém com rápida diluição dos choques de preços sobre o etanol. O primeiro resultado, a elevada

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volatilidade, corrobora a hipótese de um mercado concorrencial, em que o preço do etanol anidro passou a ser determinado por meio da interação autônoma de ofertantes e demandantes, sofrendo a influência de diversos fatores exógenos, tais como a safra canavieira e a demanda internacional por açúcar. O segundo resultado, a baixa persistência do choque, revela que as oportunidades de arbitragem pelo lado da oferta, por meio da flexibilidade do mix de produção entre etanol e açúcar, e pelo lado da demanda, por meio do já relevante grupo de consumidores que detém automóveis com a tecnologia flex fuel, dissipam rapidamente as oportunidades de arbitragem. Embora a experiência dessa indústria com o livre mercado seja relativamente incipiente, as características de oferta e demanda conferem a este mercado propriedades de rápido ajuste a choques, uma importante evidência de eficiência.

Adicionalmente, constatou-se que choques positivos e negativos não tiveram impactos distintos sobre a volatilidade, não havendo evidências de assimetria. Tal resultado rejeita a hipótese de existência de coordenação oligopolista, a qual está associada à menor volatilidade de preços e existência de assimetria a choques positivos e negativos. Esses resultados sugerem que o movimento recente de concentração de mercado foi insuficiente para impor rigidez à formação do preço do etanol.

Por último, mas não menos importante, o caminho perseguido por este artigo, embora útil para diagnosticar a presença de volatilidade e assimetria para preços do etanol anidro para o Estado de São Paulo, certamente não esgota as possibilidades metodológicas de investigação sobre o tema. Portanto, como agenda de trabalho, sugere-se que mais pesquisas possam perscrutar outros aspectos caracterizadores do comportamento dos preços do etanol, contribuindo para o debate e desenvolvimento deste importante segmento da economia brasileira.

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ENERGIA E AGRONEGÓCIO: O BIODIESEL NA DINÂMICA AGROINDUSTRIAL DA SOJA

Marisa Zeferino Barbosa*

Resumo: O artigo discute a organização do setor energético de biodiesel no Brasil sob a influência da agroindústria da soja, o que contraria o marco regulatório constante no PNPB. A idéia central consiste em mostrar que a organização técnica e de capital do sistema agroindustrial da soja influencia o novo setor de biodiesel, em virtude do óleo de soja ser a única matéria-prima viável para a escala necessária da oferta do biocombustível no país. A argumentação se sustenta no marco analítico de dependência de trajetória, vertente do novo institucionalismo que possibilitou inferir que políticas públicas anteriores voltadas à consolidação de sistemas agroindustriais se fazem presentes na produção biodiesel na atualidade. Palavras-chave: biocombustíveis, biodiesel, agroindústria, soja. Abstract: The article discusses the organization of the energy sector biodiesel in Brazil under soy agribusiness influence, what contradicts the standard in PNPB. The central idea consists showing the technical organization and of capital of soy agribusiness influences the new biodiesel sector, because the soy oil to be the only viable raw material for necessary scale for offer biofuel in the country. The argument is sustained by analytical landmark path dependence, original of the new institucionalism. Was possible to infer that previous public politics returned to consolidation of agribusiness is made presents at time in the biodiesel production.

Key-words: biofuels, biodiesel, agribusiness, soybean. 1. Introdução

Ante o desafio da disponibilidade de energia intensificado pela mais

recente alta nas cotações do petróleo103, ganham maior relevância os biocombustíveis, os quais têm na agricultura e na agroindústria processadora as mais importantes fontes de matérias-primas. À época do primeiro choque nos preços do petróleo, no início dos anos 1970, o Brasil foi pioneiro a empregar o etanol de cana-de-açúcar em larga escala.

Hoje, a exemplo de outras nações, tornam-se cada vez mais importantes os investimentos públicos e privados de apoio a produção e

* Economista, Mestre, Pesquisadora Científica do Instituto de Economia Agrícola 103 Entre 2000-2008, o preço médio do petróleo tipo brent no mercado spot saltou de US$28,39/barril para US$99,04/barril (BRASIL, 2010).

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consumo de etanol e de biodiesel104. As iniciativas nesse sentido refletem, também, o aumento nos custos de extração petrolífera, a instabilidade política nas principais regiões produtoras e o crescimento na demanda mundial, conforme Nogueira e Macedo (2006).

Nesse cenário, programas governamentais de apoio aos biocombustíveis são implementados, inclusive com a justificativa de redução de emissão de poluentes, estabelecidos pelo Protocolo de Kyoto. É o caso da União Européia, onde já na década de noventa o biodiesel era empregado em escala comercial, de acordo com Friedrich (2004). Naquele bloco econômico a meta para 2020 é a adição de 10% de biodiesel ao óleo diesel (FAO, 2008). Nos Estados Unidos os combustíveis líquidos renováveis integraram o Renewable Fuels Standard (RFS) em 2005, Programa que dois anos depois foi ratificado pelo Energy Independency and Security (EISA) que incorpora metas de oferta para 2022 (EIA 2008).

A produção mundial de biocombustíveis salta de 840,4 mil barris por dia, em 2006, para 1,86 milhão de barris/dia em 2010, dos quais o equivalente a 82% corresponde ao etanol. Os Estados Unidos e o Brasil concentram a produção de etanol ao responderem, juntos, por cerca de 90% da oferta global. O biodiesel, ainda que em menor proporção, apresentou crescimento expressivo, de 124,6 mil barris por dia para 335,7 mil de barris por dia. As principais nações produtoras, em ordem de importância, são Alemanha, Brasil, França e os Estados Unidos, responsáveis por 44% do total (EIA, 2010).

No Brasil a motivação para o apoio governamental ao biodiesel trascende as demais justificativas presentes ao redor do mundo. Trata-se do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) que consiste marco regulatório com a finalidade de promover a diversificação de matérias-primas para o biocombustível. A indústria de biodiesel tem direito ao Selo Combustível Social e a redução de alíquotas do Programa de Integração Social e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (PIS/COFINS) quando adquirir mamona e/ou palma (dendê) provenientes da agricultura familiar das regiões Nordeste e Norte, respectivamente. Também, ao adquirir outras matérias-primas oriundas de agricultura familiar de outras regiões, a indústria pode contar com alíquotas reduzidas desses tributos105 (BRASIL, 2003, 2004).

O uso veicular teve início em 2005, com 2% de biodiesel misturado ao óleo diesel e prazo de oito anos para que a adição alcançasse 5%106. Já

104 O biodiesel consiste num combustível produzido a partir de óleos vegetais ou gorduras animais, que passam por um processo químico chamado transesterificação para se tornarem compatíveis com motores a diesel (BRASIL, 2012a). 105 O marco regulatório referente a concessão, manutenção e uso do Selo Combustível Social encontra-se em processo de consulta pública, com a finalidade de revisão de normas. Maiores detalhes podem ser consultados em Brasil (2012b). 106 Lei 11.097 de 13 de janeiro de 2005 (BRASIL, 2005).

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em 2010 o cumprimento da meta foi antecipado e o percentual de biodiesel adicionado ao diesel foi estabelecido em 5%, proporção dos dias atuais. A produção brasileira de biodiesel alcançou 2,64 milhões de metros cúbicos em 2011, dos quais 73% foram provenientes do óleo de soja107, conforme a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) (BRASIL, 2011a, 2011b).

O PNPB tem um desenho inovador por incentivar outras matérias-primas, mas persiste a dependência do biocombustível em relação a soja. A presença das firmas do agribusiness na produção de biodiesel é demonstrada pelo fato de apenas três empresas processadoras da oleaginosa responderam por 40% do biodiesel fabricado a partir da soja em 2009 (WILKINSON e HERRERRA, 2010).

Mais recentemente essa tendência é ratificada, posto que apenas cinco tradicionais empresas processadoras de óleos vegetais responderam por 33% da capacidade total da produção autorizada de biodiesel108, até dezembro de 2011, conforme (BRASIL, 2011c). Isso significa que a fábrica de óleo de soja se torna produtora de biodiesel.

É o óleo de soja, dessa forma, que garante o suprimento necessário ao novo mercado de biodiesel, não obstante as medidas de apoio a outras oleaginosas constantes do Programa governamental. Como produto destinado ao ramo industrial, a soja teve seu desenvolvimento vinculado à agroindústria processadora sob uma forma de organização técnica e de capital que hoje tende a exercer influência sobre a configuração da produção do biocombustível.

O presente artigo tem por objetivo discutir a hipótese de que a organização da produção de biodiesel no Brasil sofre influência da agroindústria da soja. A premissa é que a organização técnica e de capital do sistema agroindustrial da oleaginosa configura o novo setor de biodiesel, em virtude do óleo de soja ser a única matéria-prima a viabilizar a escala necessária da oferta do biocombustível no país.

Para explicar as dificuldades para a implementação dos objetivos do Programa de biodiesel no que se refere a diversidade de matérias-primas, bem como a perspectiva de continuidade da soja, é empregado o referencial teórico da dependência de trajetória, vertente do novo institucionalismo. A intenção é a de que o referencial contribua para o argumento de que o arranjo do PNPB sofre efeitos institucionais de escolhas anteriores,

107 Outras matérias-primas utilizadas na produção de biodiesel compreendem gordura bovina (sebo) e óleo de caroço de algodão. 108 O processo de autorização de plantas industriais para a produção de biodiesel compreende três etapas: a) autorização para construção, modificação ou ampliação de capacidade; b) autorização para operação e; c) autorização para comercialização, conforme Resolução ANP 25/2008 (BRASIL, 2008). Os dados utilizados neste trabalho se referem às capacidades autorizadas para operação e comercialização de biodiesel.

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estabelecidas por políticas públicas que configuraram o sistema agroindustrial da soja e que hoje se fazem presentes, como legados, na organização da produção de biodiesel.

Na sequência a esta introdução são apresentados o referencial da dependência de trajetória, uma revisão das principais políticas públicas anteriores que configuraram o o desenvolvimento do sistema agroindustrial da soja, o exame da dinâmica locacional da indústria de biodiesel vinculada a agroindústria de óleos vegetais e, as considerações finais.

2. O Referencial Teórico da Dependência de Trajetória

O novo institucionalismo considera que as instituições podem

assumir diferentes significados, entre os quais o de que a própria política pode ser uma instituição. Essa é a noção na qual se assenta a justificativa de seu emprego neste paper. Isso porque é considerado que a política pública de fomento a diversidade de matérias-primas para a produção de biodiesel, o PNPB, sofre os efeitos de políticas públicas anteriores que “aprisionam” o biocombustível ao sistema agroindustrial da soja. Antes de ingressar especificamente nessa abordagem são apresentadas as distintas definições para instituições.

A sociologia considera que instituições compreendem “sistemas de regras socialmente construídas e reproduzidas rotineiramente que operam como ambientes limitadores e são acompanhadas de eventos tidos como dados”. No institucionalismo econômico são“entendidas como costumes ou regras...ou regularidades em interações repetidas ou arranjos sociais gerados para minimizar os custos de transação.” Na ciência política são consideradas “estruturas de regras, procedimentos e arranjos”. E, no institucionalismo histórico, as instituições compreendem “tanto organizações formais quanto regras e procedimentos informais que estruturam a conduta” (MENICUCCI, 2007:24).

As políticas públicas podem ser vistas de duas maneiras: como condutoras para a constituição de instituições, como organizações formais ou regras de comportamento e; a que diz respeito às próprias políticas públicas funcionarem como instituições, na medida em que influenciam os comportamentos dos atores e as decisões em torno da elaboração ou reforma de políticas Podem, ainda, estabelecer as regras do jogo, influenciar a alocação de recursos econômicos e políticos e alterar os custos e benefícios relacionados a outras políticas. Em outras palavras, os efeitos de políticas públicas anteriores, denominados feedback, podem ser refletidos na constituição e/ou na reforma de políticas, o que é representado pela noção de dependência de trajetória (MENICUCCI, 2007:17).

A dependência de trajetória resulta de políticas anteriores que contribuem para a configuração das preferências dos atores e para uma estrutura institucional decorrente de sua implementação. Assim, uma vez

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estabelecidas, inibem as possibilidades de reformas, de modo a aprisionar os comportamentos, o que é expresso pela noção de “path dependence”. Nesse caso, os padrões de comportamento e de investimentos definidos anteriormente são difíceis de serem revertidos, uma vez que o abandono de certa trajetória implica maiores custos até a inviabilização das alternativas (MENICUCCI, 2007:17).

Fernandes (2004) explica que a dependência da trajetória é relacionada aos retornos crescentes da disciplina da economia, uma vez que esses retornos consistem no mecanismo que permite determinada trajetória.

“... a probabilidade de dar um passo à frente no mesmo caminho ou rota estabelecida aumenta cada vez que se avança no próprio caminho. Isso ocorre porque os benefícios relativos da atividade corrente, comparada com outras opções possíveis, aumentam com o tempo. Crescem os custos de sair da trilha de alguma alternativa previamente plausível. Assim, processos de retornos crescentes também podem ser descritos como auto-reforço ou processos de feedback positivo.” (FERNANDES, 2004:25).

Na opinião de Menicucci (2007), uma vez adotada, uma política

tende a ser readotada na medida em que passa a ser uma resposta espontânea. Desse modo, os atores responsáveis pelas decisões reproduzem políticas preexistentes, com pequenos ajustes apenas para acomodá-las a novas situações. Os padrões estabelecidos e repetidos no tempo passam a ser considerados como dados, de modo a naturalizar as escolhas do passado.

É possível considerar então que as dificuldades encontradas para o emprego de outras oleaginosas na produção de biodiesel resultam de interferências ou feedbacks das políticas públicas anteriores voltadas ao desenvolvimento do sistema agroindustrial da soja. Isso porque nenhuma das oleaginosas apontadas como potenciais foi objeto de tantas medidas de apoio durante as últimas décadas, como a commodity exportável, vinculada ao ramo agroindustrial. Então poder-se-ia afirmar que a soja e seu sistema agroindustrial representam um constrangimento institucional à execução da proposta de inserir uma outra matéria-prima de maneira mais efetiva ao novo setor biodiesel.

Quando Campos e Carmélio (2009) apresentam respostas às críticas à implementação do PNPB, no sentido de que a agricultura familiar do Nordeste teria sucumbido a hegemonia da oferta de matérias-primas oriundas do Centro-Sul, argumentam que o potencial da soja não foi descartado, por reconhecerem a impossibilidade da diversificação de matérias-primas no curto prazo.

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De fato, não seria possível produzir 1,9 milhões de metros cúbicos de biodiesel (equivalente a 73% da produção total em 2011a,b) a partir de óleo de mamona e/ou de dendê ou de outra oleaginosa sem um sistema agroindustrial estruturado. Dessa forma, é permitido afirmar que há um "aprisionamento" em relação ao sistema agroindustrial da soja. Outra trajetória tenderia a inviabilizar a meta definida ao ritmo da introdução do biodiesel na matriz energética do país.

Os motivos pelos quais a sojicultura alcançou o atual patamar de aperfeiçoamento de modo a garantir sua presença no novo setor que se abre no país podem ser encontrados no desenvolvimento de seu sistema agroindustrial, visto como legado das políticas públicas que o configuraram e que hoje exercem influência sobre a produção de biodiesel.

3. Por que o Biodiesel Depende da Soja: um legado de políticas públicas anteriores

O crescimento econômico e populacional nos anos 1960-70

constituiu elemento indutor para o apoio estatal e os investimentos privados na produção agrícola e na agroindústria da soja no Brasil. O interesse no setor se assentava na possibilidade de conversão de proteína vegetal em animal, via produção de carnes, o interesse governamental no aperfeiçoamento da agricultura intensiva em insumos industriais, assim como na ascensão da agroindústria que atendesse o mercado doméstico urbano em expansão e, ainda que propiciasse ganhos na balança comercial com a exportação de semi-manufaturados.

A soja e os segmentos ao seu redor são as melhores expressões do processo de consolidação dos sistemas agroindustriais no Brasil. Os investimentos do capital internacional através da instalação de indústrias fornecedoras de insumos, assim como de processadoras, a capacitação financeira e técnica dos grandes agricultores do Centro-Sul, a política de pesquisa assentada em sistemas produtivos intensivos e o apoio à expansão da fronteira agrícola nos Cerrados constituíram as bases do processo de modernização da agricultura brasileira, quando emerge o sistema agroindustrial da soja no país.

Incentivos de naturezas diversas constituíram o alicerce de um modelo produtivo que tem na cultura e em sua agroindústria um dos principais legados, simultâneamente ao processo de industrialização parcial do campo,conforme relato de Müller (1989). O sistema de estímulos implementados pelo governo brasileiro por ocasião do “milagre econômico” ainda que não tenha beneficiado exclusivamente o segmento soja foi, sem dúvida, um de seus melhores exemplos de oportunidade bem sucedida no desenvolvimento de um complexo agroindustrial (BELIK, 1992).

A intervenção do Estado para o desenvolvimento agrícola e agroindustrial, comenta Montoya (2002), era justificada pela carência de

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práticas modernizadoras, dentre as quais a infra-estrutura básica com o intuito de facilitar o escoamento da produção e propiciar melhores condições para o investimento privado. Belik (1998) analisa as políticas públicas direcionadas ao fortalecimento da agroindústria da soja implementadas na ocasião e classifica esse período como o da “fúria regulatória” tal a intensidade da interferência estatal em quase todos os aspectos da política agrícola, com vistas à articulação entre segmentos industriais a montante e a jusante da agropecuária.

Desse modo, a integração de capitais agrícola e industrial estabeleceriam o elo setorial para a transformação da base técnica da produção. Essa mudança dependeu fundamentalmente da indústria produtora dos meios de produção, da qual emanavam as inovações que organizavam os aparatos de financiamento, pesquisa e extensão rural.

O nexo entre a agricultura e a indústria de insumos seria o crédito rural provido pelo sistema bancário estatal, com a criação em 1965, do Sistema Nacional de Crédito Rural (DELGADO, 1985). Os recursos do crédito rural se destinavam predominantemente para a aquisição dos “insumos modernos” para as lavouras de cana-de-açúcar, café, soja e trigo do Sul e Sudeste, sob uma articulação de interesses de grandes proprietários, indústrias de insumos e bancos (GATTI, 1987).

A constituição dos complexos agroindustriais, dessa forma, contou com três alicerces: a produção interna de insumos e de máquinas agrícolas; a atividade agrícola em si e; a agroindústria processadora. Juntos trouxeram mudanças importantes para a dinâmica da agricultura brasileira consubstanciadas em: a) anulação do corte setorial agricultura-indústria a partir da integração técnica e; b) fortalecimento das relações entre a burguesia agrária e a industrial, a partir da integração de capitais (SILVA, 1996).

A pesquisa agropecuária consistiu mais um instrumento para esse processo, em virtude de sua estruturação com vistas ao desenvolvimento dos produtos considerados mais importantes, entre os quais a sojicultura. As estratégias compreendiam, basicamente, a adaptação de pacotes tecnológicos importados com o intuito de “queimar” etapas da transferência sob a influência da indústria de equipamentos e insumos (ROMEIRO, 1987). Dessa forma, a transformação da base técnica transcorreu sob a intermediação de interesses do capital internacional que se configuravam como beneficiários das políticas de pesquisa conduzidas pelo Estado (SOBRAL, 1988).

A sojicultura teve inicialmente por localização a região Sul que concentrou a produção até a década de 1980. A segunda fase de expansão esteve vinculada a transferência para o Centro-Oeste, hoje o maior pólo produtor. A ocupação agrícola da região foi configurada por um conjunto de políticas públicas voltadas ao aperfeiçoamento de técnicas para o cultivo no

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Cerrado e a instalação de agroindústrias, tais como a concessão de subsídios para a compra de insumos109.

O grau elevado de aperfeiçoamento da soja torna a oleaginosa matéria-prima “natural” do biodiesel, ou expresso de outra forma, faz com que o biodiesel seja dependente da oleaginosa. Como exemplo bem sucedido da revolução verde e da integração de capitais entre agricultura e a indústria é possível inferir que esse sistema agroindustrial representa um legado do processo de modernização que causa constrangimentos ao emprego de outras matérias-primas para a produção do biodiesel.

Cabe então averiguar de que forma se organizam a agroindústria de óleos vegetais e a indústria de biodiesel para fazer frente ao novo segmento de energia que se abre no país. Antes, contudo, é importante apresentar algumas definições de sistema agroindustrial e de cadeia de produção que mais se adequam ao objetivo proposto, com intuito de contribuir para o entendimento das estratégias que regem a fusão desses segmentos.

4. O Sistema Agroindustrial da Soja no Contexto da Indústria do Biodiesel

Há uma diversidade de definições para o vínculo da agricultura com

a indústria processadora de soja e apesar dessa pluralidade, tais como complexo agroindustrial, cadeia agroindustrial ou sistema agroindustrial, esses conceitos têm uma base comum a expressão da intensidade das relações insumo-produto que caracterizam os mercados da oleaginosa, conforme Magalhães (1998).

Lazzarini e Nunes (1998) denominam de sistema agroindustrial (SAG) a sucessão de segmentos (caixas) interligadas por transações que se estendem desde a indústria de insumos agrícolas até os consumidores finais de alimentos. Na opinião de Prochnik (2002) cadeia produtiva consiste num conjunto de etapas (setores) pelas quais os insumos são transformados e o intervalo entre as etapas constituem os mercados. Ainda conforme o último autor, o entreleçamento de cadeias é comum, como é o caso dos setores agroindustriais. Assim, é possível considerar que o biodiesel representa uma nova “caixa” a jusante da produção de óleo. Ou ainda, conforme César e Batalha (2007), que o biodiesel tenha sua cadeia separada, mas que interage com a do óleo a partir do elo compreendido pela agroindústria de processamento.

A apresentação da distribuição regional da produção agrícola, da agroindústria de óleos vegetais e o confronto com a produção de biodiesel fornece elementos para a consideração da dependência do biocombustível em relação a soja e a seu sistema agroindustrial.

109 Para detalhes sobre o conjunto de políticas públicas de apoio à ocupação agroindustrial no Centro-Oeste ver Belik (1992), Salim (1986) e Romeiro(1987).

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A concentração regional da produção agrícola de soja se justifica pelas fases do desenvolvimento da cultura, conforme já comentado, primeiramente no Sul e, no Centro-Oeste a partir da década de oitenta. Hoje, a região Centro-Oeste responde por 45% da produção nacional, seguida pelo Sul com 38%, Nordeste com 8%, Sudeste 6% e Norte com 3% (Figura 1).

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Centro-Oeste Sul Nordeste Sudeste Norte

(%)

Figura 1 – Participação Regional na Produção de Soja em Grão, Brasil, 2011 Fonte: Elaborada pela autora a partir de dados de IBGE (2012).

A capacidade instalada da indústria de óleos vegetais no Brasil110,

em 2010, é de 63,7 milhões de toneladas, com a região Sul na liderança, responsável por 40%, seguida de perto pelo Centro-Oeste, com 38%. Seguem-se o Sudeste com 15%, o Nordeste com 6% e, o Norte com 2% (Figura 2). As plantações de soja são das mais importantes atividades agropecuárias a ocuparem as áreas de Cerrado, seguidas pela agroindústria de processamento, dentro da lógica oligopolista de grande escala e de acesso à matéria-prima.

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(%)

Figura 2 - Participação Regional na Capacidade de Produção de Óleos Vegetais, Brasil, 2010 Fonte: Elaborada pela autora a partir de dados de ABIOVE (2010).

Com referência ao biodiesel, a região Centro-Oeste abriga o

equivalente a 41% de toda a capacidade autorizada de produção e comercialização do biocombustível. Em seguida vêm a região Sul com 28%,

110 Do total das indústrias de óleos vegetais no Brasil, cerca de 90% processam soja, conforme Barbosa e Assumpção (2001).

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o Sudeste com 17%, o Nordeste com 11% e a região Norte, com 3% (Figura 3).

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Centro-Oeste Sul Sudeste Nordeste Norte

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Figura 3 - Participação Regional na Capacidade Autorizada para Operação e Comercialização de Biodiesel1, Brasil, 2011 1Capacidade autorizada para operação e comercialização de biodiesel até dezembro de 2011. Fonte: Elaborada pela autora a partir de dados de Brasil (2011c).

A abordagem da perspectiva do setor de biodiesel ser inserido na

dinâmica da agroindústria processadora de óleos vegetais, de soja particularmente, mostra coerência com a idéia de que a produção do biocombustível é influenciada pelo sistema agroindustrial da oleaginosa. Embora não seja essa a única matéria-prima com potencialidades para esse fim, nem a finalidade do marco regulatório, é a que proporciona, até o momento, o grau de integração técnica e de capital necessário ao cumprimento das metas para a introdução do biocombustível na matriz energética brasileira.

5. Considerações Finais

As medidas afirmativas expressas no PNPB, com vistas a estimular a

diversificação de matérias-primas para a produção de biodiesel se deparam com um legado de políticas públicas anteriores que propiciaram a consolidação do sistema agroindustrial da soja. Para a compreensão dessa hegemonia, mesmo diante do conjunto de normativas contrárias a esse sentido, foram apresentadas as políticas públicas que promoveram o desenvolvimento da oferta da oleaginosa.

O resgate do processo histórico permitiu justificar a presença do sistema agroindustrial da soja no novo mercado de biodiesel que é construído agora no país. É possível afirmar que as limitações impostas à implementação do Programa consistem reflexos das políticas públicas instauradas para o desenvolvimento da soja e de seu sistema agroindustrial.

O emprego do referencial teórico da dependência de trajetória permitiu considerar que políticas anteriores configuraram preferências para uma estrutura institucional decorrente de sua implementação, de modo a

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inibir reformas e aprisionar os comportamentos no sentido de uma determinada trajetória. Outras matérias-primas não apresentam o mesmo aperfeiçoamento técnico nem escala necessários ao cumprimento da meta produtiva para o biodiesel brasileiro.

A oleaginosa se impõe frente a outras matérias-primas em virtude de constituir resultado de um processo de consolidação de suas estruturas de relações técnicas e de capital envolvendo a agricultura e a indústria processadora e que ainda são presentes, de modo a influenciar a configuração da produção de biodiesel. A concentração regional da produção do biocombustível similiar a da agroindústria de óleos vegetais evidencia esse aspecto. Dessa forma, a soja se torna a matéria-prima viável e mesmo “natural” para o biocombustível.

Distante de alcançar os limites das questões que cercam os biocombustíveis, o artigo procurou contribuir para o debate de que a produção de biodiesel no Brasil deve seguir sua trajetória apoiada no óleo de soja, que tem por trás todo um sistema agroindustrial assentado em estruturas técnicas e econômicas que naturalizam a oleaginosa como única viável ao biodiesel. Uma reforma que poderia representar a quebra dessa continuidade implicaria o comprometimento da introdução do biocombustível na matriz energética brasileira. Face ao reconhecimento de que se trata de mercado em construção, pesquisas futuras poderão averiguar a continuidade ou o rompimento dessa trajetória.

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Capítulo V Economia da Sustentabilidade

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NANOTECNOLOGIA E SUSTENTABILIDADE Elizabeth Borelli∗

Resumo

O artigo discute o papel da nanotecnologia no âmbito de uma economia sustentável, a partir da emergência de uma nova realidade internacional. O processo de avanço do conhecimento e inovação é caracterizado pela convergência de novas tecnologias. É colocada, também, a questão da associação da nanotecnologia à fronteira tecnológica e a inovações radicais, o que lhe confere um sensível potencial de efeito multiplicativo para os diversos setores econômicos. São analisados riscos e vantagens de sua inserção no contexto mundial e os mecanismos de intervenção via investimentos.

Palavras-chave: nanotecnologia; sustentabilidade; meio ambiente. Abstract The article discusses the role of nanotechnology in the context of a sustainable economy from the emergence of a new international reality. The process of advancement of knowledge and innovation is characterized by the convergence of new technologies. It is placed, too, the question of the association of nanotechnology to the technological frontier and radical innovations, which gives an appreciable potential multiplier effect for the various economic sectors. We analyze risks and benefits of their integration into the global context and the intervention mechanisms through investments.

Keywords: nanotechnology, sustainability, environment.

1. Introdução

Novas tecnologias promovem mudanças em diversas áreas, tais como economia, ambiente, saúde, educação e ética, moral e filosofia, permeando ideologia e ciência. A avaliação dos impactos provenientes das novas tecnologias busca retratar o grau de desenvolvimento de inovações transformadoras em termos de novos produtos e serviços.

Zioni (2005) considera que o ambiente tem sido impactado por ações do modelo capitalista, com base na racionalidade, fazendo uso científico dos recursos naturais e econômicos do planeta e adaptando o conhecimento científico à produção, de forma a intensificar o processo incessante de criação de riqueza. No caso específico das revoluções

∗ Professora Assistente Doutora da FEA-PUCSP. Pós-Doutoranda em Ciências Sociais pela REDE CLACSO de Postgrados. Doutora em Sociologia pela PUCSP. Mestre em Economia Política pela PUCSP.

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industriais, caracterizaram-se pela exploração do solo e da mão-de-obra, com geração de resíduos sólidos, intensificados no século XX. A insuficiência dos instrumentos estatais de combate e a busca incessante de lucros pelo setor privado oneram a sociedade e agravam as questões ambientais. É necessário, portanto, discutir novos modelos, normas e valores, que vislumbrem a melhoria na qualidade de vida das populações.

Para Montibeller (2007), o crescimento capitalista instiga a degradação, a poluição e o esgotamento de bens ambientais; se, por um lado, contribui para o incremento da inovação e da “performance” tecnológica, por outro, o mesmo não acontece com os índices de desenvolvimento humano e de qualidade de vida .

Calderoni (2004) destaca a importância da dimensão econômica associada às questões ambientais, por ser situação fundamental na formulação de diretrizes de atuação do governo, das empresas e dos cidadãos para a própria compreensão dos fatos e das relações sociais, culturais e políticas .

Para Dalcomuni (2006), um novo “paradigma tecnológico” emerge de evoluções recentes nas áreas de nanotecnologia, biotecnologia e tecnologias da informação, fundamentados no conhecimento e na cognição. Tais transformações vêm sendo influenciadas pelo que se tem denominado de “paradigma da sustentabilidade”, representando o desafio de conciliar o desenvolvimento socioeconômico com a preservação e recuperação do meio ambiente natural. Em sua visão, o desenvolvimento sustentável, entendido de forma ampla, pode contribuir para a configuração de uma nova ética para o desenvolvimento da sociedade contemporânea, exigindo mudanças culturais efetivas nos papéis da ciência, da tecnologia e da economia, na direção de um novo paradigma.

Assim sendo, não basta apenas haver crescimento econômico e avanço tecnológico; as instituições deverão estar voltadas para o bem-estar da sociedade, de forma a atender a seus anseios. Os interesses econômicos coincidem com os ecológicos em um quadro de desenvolvimento sustentável que foca o longo prazo, pois os recursos são limitados e esgotáveis, na natureza. (CÂMARA e SOUZA, 2009).

Dentre as novas tecnologias, destaca-se a importância da nanotecnologia; a origem deste termo advém do prefixo “nano”, que, em grego, significa “anão” e representa um bilionésimo da unidade. A nanotecnologia é a nanociência aplicada, ou seja, a tecnologia relacionada a estas pequeníssimas dimensões e à miniaturização: máquinas e equipamentos fabricados em escala atômica, ou, melhor dizendo, em escala nanométrica.

A nanotecnologia compreende uma série de técnicas utilizadas para manipular a matéria na escala de átomos e moléculas. Mesmo sendo de um mesmo elemento químico, as nano partículas se comportam de forma diferente das partículas maiores - em termos de cores, propriedades

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termodinâmicas, condutividade elétrica, etc. Ou seja, o tamanho da partícula é de suma importância, porque, ao mudar a natureza das interações das forças entre as moléculas do material , alteram-se os impactos que estes processos ou produtos nanotecnológicos apresentam junto ao meio ambiente, a saúde humana e a sociedade como um todo.( MARTINS, 2009).

2. Nanotecnologia e Economia Ecológica No debate acadêmico em torno da questão da economia do meio

ambiente, as posições se dividem entre duas correntes principais de interpretação, quais sejam, a Economia Ambiental - que segue a linha neoclássica e considera que os recursos naturais não representam, a longo prazo, um limite absoluto à expansão da economia- e a Economia Ecológica - que vê o sistema econômico como um subsistema de um todo maior que o contém, impondo uma restrição absoluta à sua expansão; capital e recursos naturais são essencialmente complementares. Entre elas, permanece a discordância fundamental em relação à capacidade de superação indefinida dos limites ambientais globais. (ROMEIRO, 2003).

A obra de George-Roegen (1906-1994) representou um papel decisivo na consolidação da Economia Ecológica, em sua crítica à ciência econômica convencional. A atual Economia Ecológica – diferentemente da economia neoclássica - vê a economia humana imersa em um ecossistema mais amplo, estudando as condições (sociais, temporais, espaciais) para que a economia se encaixe nos ecossistemas, estudando também a valoração dos serviços prestados pelo ecossistema ao subsistema econômico. (ALIER, 1998).

A presente análise optou pelo enfoque da Economia Ecológica, entendida enquanto estudo da compatibilidade entre a economia humana e o meio ambiente no longo prazo.

É importante colocar que o entendimento da questão ambiental passa pela superação de alguns desafios, que incluem desde a criação de legislação e de instituições de controle e gestão ambiental, passando pela necessidade de universalização da questão e pelo desenvolvimento de tecnologias ambientais reparadoras e alternativas, até questões analíticas como o “desafio relativo à formação de métodos de análise, conceitos e procedimentos teóricos capazes de abordar em sua totalidade e complexidade a questão ambiental”. (PAULA; MONTE-MÓR, 2000, p. 76).

A própria categorização dos fatores que mais agridem o meio ambiente é controversa. Para Hogan (2000), a influência neomalthusiana contribuiu para que a análise da degradação ambiental se restringisse à quantificação da população, comprometendo os recursos naturais. Apenas recentemente a pressão demográfica se apresentou como um fator agravante, e não necessariamente determinante de problemas ambientais.

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A definição de impacto ambiental também constitui uma dificuldade metodológica .Segundo a formulação de Ehrlich (HOGAN, 2000), o estresse ambiental poderia ser definido como: um produto de população (P), afluência (A) e tecnologia (T), de forma que o Impacto Ambiental (I) poderia ser expresso por: I = P.A.T

A equação, na verdade, representa uma síntese dos principais fatores demográficos envolvidos, que se influenciam mutuamente (HOGAN, 2000). De acordo com esta equação, cada região, cada período de tempo e cada recurso apresentariam seus multiplicadores específicos. Embora conceitualmente ampla, a definição de impacto, mesmo redimensionando a participação da população, cria problemas metodológicos quando se busca mensurar a degradação ambiental de forma complexa, uma vez que não incorpora alterações nos fluxos ou estoques dos recursos naturais.

O’Connor (1998) revisita um marco teórico originalmente elaborado por Marx - a contradição "capital x natureza"- onde os ciclos de reprodução se dão em escalas diferentes de tempo, o que indica que, em determinado momento da historia do capitalismo, não haverá mais recursos naturais suficientes para a produção de mercadorias e a reprodução ampliada do capital. Portanto, a contradição aponta para a escassez de recursos naturais, o que restringiria a produção capitalista. As novas tecnologias - biotecnologia e nanotecnologia –oferecem uma saída direta para esse impasse. Se a biotecnologia rompe a barreira entre as espécies, de forma que gens de espécies diferentes podem ser incorporados no processo de melhoramento genético, com a nanotecnologia, tem-se a possibilidade de se juntar o orgânico com o inorgânico, onde a parte orgânica passa a ser a fonte de energia para a parte inorgânica. A nanotecnologia, ao proporcionar a capacidade de manipulação de átomos e moléculas, tem o potencial de produzir infinitas novas composições, que poderão materializar infinitos novos materiais.

Contudo, para que os recentes avanços científicos e tecnológicos representados pela convergência tecnológica - envolvendo nanotecnologia, biotecnologia, tecnologia de informação e cognotecnologia – minimizem a contradição entre capital e natureza, pressupõe-se uma sociedade sustentável, caracterizada como democrática, onde os movimentos sociais sejam capazes de criar novos direitos, relativos à vida, ao meio ambiente e ao trabalho. (ACSELRAD, 1992).

Nesse enfoque, uma das metas da tecnologia moderna é a busca de um ambiente saudável, enxergando o homem como parte integrante da natureza, dentro da concepção ampla de desenvolvimento sustentável, ou seja, não apenas através de ações voltadas à mitigação dos impactos ambientais, mas também em termos de resgate ambiental, envolvendo a recuperação da qualidade do ar, dos mananciais, da fauna e flora degradas, da natureza como fonte de qualidade de vida.

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Por outro lado, ONGs, como o Grupo de Ação para Erosão, Tecnologia e Concentração, no Canadá, chegaram a propor o banimento da nanotecnologia, questionando a atual falta de conhecimento sobre seus efeitos na saúde e no meio ambiente.

A resposta da nanotecnologia a esse questionamento parte, principalmente, da Química Verde - uma abordagem voltada para o desenvolvimento sustentável, que ganhou força a partir de 1987, quando foi publicado o relatório da ONU sobre “o nosso futuro comum”. (RITTER, 2001).

Analisada sob o ponto de vista da Química Verde, a nanotecnologia aponta uma tendência natural, pois trata diretamente da questão da redução de escala material e energética, de maior eficiência e seletividade nos processos, uso de materiais mais inteligentes e ambientalmente corretos, e até do desenvolvimento de dispositivos analíticos para monitoração em tempo real.

Os próximos 50 anos serão decisivos para o destino da humanidade, levando-se em conta a expansão populacional e a demanda crescente por alimento, água e energia, diante da previsão de esgotamento dos recursos naturais não - renováveis. A manutenção e elevação da qualidade de vida só serão possíveis com o advento de tecnologias que utilizem matérias-primas e fontes de energia renováveis e que sejam ambientalmente corretas. (DESIMONE, 2003).

3. Nanotecnologia : vantagens e riscos

O interesse explícito pelo estudo e desenvolvimento sistemático de

objetos e dispositivos na escala nanométrica é bastante recente e, historicamente, costuma ter seu marco inicial associado à palestra proferida em 1959, pelo físico americano Richard Feynman, intitulada “Há muito espaço lá embaixo” - essa palestra é hoje considerada o momento definidor das nanociências e nanotecnologia como uma atividade científica.

O termo Nanotechnology, propriamente, foi criado em 1974, na Universidade de Ciências de Tókio pelo professor Norio Taniguchi, para descrever a manufatura precisa de materiais com tolerâncias nanométricas. Na década de 80, o termo foi reinventado e sua definição expandida pelo professor K. Eric Dexler, do Massachusetts Institute of Technology - MIT, mais especificamente em seu livro “Engines of Creation – The Coming Era of Nanotechnology”, de 1986. Sua tese de doutorado “Nanosystems: Molecular Machinery, Manufacturing and Computation”, publicado em 1992, impulsionou o interesse pela tecnologia no meio científico mundial. (INSTITUTO INOVAÇÃO, 2005).

Duas abordagens são utilizadas para o desenvolvimento de nanoestruturas: a top-down, que consiste na redução das dimensões de dispositivos, ou miniaturização (abordagem física); e bottom-up que é a

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montagem de estruturas a partir de átomos e moléculas (abordagem química).

Em termos tecnológicos, uma primeira motivação para o desenvolvimento de objetos e artefatos na escala nanométrica está associada à possibilidade de que um número cada vez maior deles venha a ser reunido em dispositivos de dimensões muito pequenas, aumentando assim a compactação e sua capacidade para o processamento de informações. Por exemplo, o tamanho dos transistores e componentes se torna menor a cada nova geração tecnológica, o que permite uma melhor performance de novos chips processadores que neles se baseiem, embora de tamanho igual ou menor.

De uma maneira geral, os principais benefícios do avanço da Nanotecnologia podem ser elencados como: controle das características desejáveis, otimização do uso de recursos, menor impacto ambiental, desenvolvimento de fármacos com menores efeitos colaterais, aumento da capacidade de processamento de sistemas computacionais.

Os benefícios da nanotecnologia prospectados em relação ao desenvolvimento de novos materiais e produtos são tão diversos quanto o número de setores que usufruem de sua aplicação em seus processos. Um cenário otimista da Nanotecnologia aponta para vantagens de âmbito social e econômico no futuro, com prosperidade econômica, geração de empregos, melhor qualidade de vida para a população e um ecossistema mais limpo. Aqueles que a apoiam, acreditam que a Nanotecnologia criará meios de produção com menor degradação da natureza. Processos mais limpos poderão ser utilizados na fabricação de diversos materiais, aumentando a eficiência no uso dos insumos, como matéria-prima e energia, e ainda reduzindo o nível de poluição.

Os países desenvolvidos têm demonstrado bastante interesse nas pesquisas da Nanociência, pois reconhecem a importância do domínio desta tecnologia frente ao mercado internacional, com destaque para o Japão e os Estados Unidos como líderes no ranking dos investimentos.

Apesar de várias pesquisas em Nanotecnologia ainda estarem em estágio de desenvolvimento, diversos produtos inovadores nela baseados já são comercializados no mercado mundial. Dentre as aplicações inovadoras que já incorporam essa tecnologia, podem-se citar como exemplos: vidros para automóveis e óculos de sol, tecidos, equipamentos esportivos, protetores solares e cosméticos, televisores, chips e memórias para computadores.

São três as grandes áreas que representarão grandes oportunidades de negócio no mundo nos próximos anos: biotecnologia, semicondutores e novos materiais, com destaque para a família de produtos criada a partir de nanotubos de carbono.

Contudo, apesar das oportunidades e do fascínio gerados em torno dessa tecnologia emergente, há riscos associados a ela num cenário

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complexo e ainda de difícil definição, mas que, todavia, não podem ser subestimados, como , por exemplo: riscos relacionados aos direitos de propriedade intelectual, riscos políticos em relação ao impacto no desenvolvimento econômico de países e regiões, riscos em relação à privacidade, quando sensores em miniatura se tornarem imperceptíveis, riscos ao meio ambiente, com o lançamento de nanopartículas no ecossistema, riscos quanto à segurança dos trabalhadores e dos consumidores em contato com nanopartículas.

Ainda existem várias incertezas ligadas ao desenvolvimento da Nanotecnologia, já que existem poucos estudos sobre os impactos do uso de nanopartículas. Os países que mantêm investimentos em pesquisas também não se ocuparam da elaboração de leis e regras que controlem o desenvolvimento da tecnologia. Na visão de alguns pesquisadores, a principal barreira ao desenvolvimento da Nanotecnologia, a nível mundial, está relacionada aos riscos associados aos impactos no meio ambiente do uso de nanoestruturas, um dos pontos mais questionados pelos críticos da Nanociência. (INSTITUTO INOVAÇÃO, 2005).

Sáenz e Souza-Paula (2008) se referem a riscos inerentes à nanotecnologia, tais como: criação descontrolada de formas de vida, redução da biodiversidade, desestabilização da engenharia ambiental, concorrência trans-humana, biológica e cibernética, maiores desigualdades sociais, desenvolvimento de armas de poder letal, entre outros.

Para Sandler (2009), ainda não há um consenso entre os cientistas quanto aos possíveis riscos da nanotecnologia, pois, assim como pode contribuir para uma revolução tecnológica e ambiental ao consumir menos energia e promover o uso mais eficiente dos novos fatores produtivos, também pode provocar um cenário composto por inúmeras reações adversas nos seres humanos e no meio ambiente.

Estudos pioneiros de grupos de cientistas nos países da União Européia e no Canadá apontam para os riscos em potencial através da introdução de nanoprodutos nos mercados, exigindo amplos debates públicos e consequentes medidas regulatórias e fiscalizadoras, para evitar danos à saúde, ao meio ambiente e ao bem-estar da população. Além disso, o debate sobre a questão de patentes é fundamental, em termos de definição dos rumos da nanotecnologia. (RATTNER, 2005).

Outro risco a ser considerado é o uso da tecnologia para fins bélicos. São inúmeras as possíveis aplicações da Nanotecnologia para uso militar, e milhões de dólares vêm sendo investidos anualmente nesta área, nos Estados Unidos. A Nanotecnologia poderá lançar novas toxinas na atmosfera terrestre. .Assim, há também a possibilidade de acontecer com a Nanotecnologia o mesmo que ocorreu com a descoberta da energia nuclear, quando esta foi utilizada na construção da bomba atômica: gerar desconfiança por parte da sociedade.(INSTITUTO INOVAÇÃO, 2005).

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Outro ponto levantado por alguns autores é que, da mesma forma como hoje a disparidade entre os investimentos em pesquisa na nanociência é grande, o fosso tecnológico entre os países, futuramente, poderá se agravar. Uma hegemonia tecnológica poderá piorar ainda mais a situação de desigualdade econômica e social entre as nações, causando desequilíbrio e instabilidade nas relações internacionais.

Muitas dúvidas quanto aos riscos da Nanotecnologia ainda persistem. Um diálogo mais aberto deverá ser mantido entre institutos de pesquisa, governo e sociedade, como respostas a esses questionamentos.

Indubitavelmente, a nanotecnologia exige o aguçamento de uma percepção crítica quanto à adoção de processos técnicos , no âmbito de uma cultura e de uma economia de inovação.

4. Investimentos

Dado seu alto potencial para enfrentamento dos desafios globais, a

nanotecnologia tem sido considerada a base da próxima revolução industrial. Trata-se, pois, da transformação radical dos processos e produtos de nossa atual sociedade industrial, por meio da aplicação do infinitamente pequeno às mais diferentes ações cotidianas.

Essa “quarta revolução industrial” mobiliza, fundamentalmente, as ciências da vida, através da biotecnologia, bem como uma gama multidisciplinar de ciências exatas e cognitivas que constituem a nanociência, materializada através da nanotecnologia.

Este novo patamar de conhecimento, com impactos científicos, tecnológicos e econômicos ainda não plenamente mensurados, tem levado Estados Unidos, Japão e União Européia a priorizarem o incentivo e financiamento para esta área.

O mercado total de produtos que incorporam nanotecnologias (incluindo-se semicondutores e eletrônicos) atingiu US$ 135 bilhões em 2007 (ABDI, 2010). Segundo a Lux Research, uma das principais consultorias norte-americanas especializadas em nanotecnologia, o mercado deve alcançar, em 2015, cerca de US$ 3,1 trilhões (LUX RESEARCH, 2008).

Com investimentos menos expressivos, países em desenvolvimento, como Brasil, Índia, México, Chile e Argentina, também já se voltaram para o grande potencial da nanotecnologia e, em função disso, mobilizaram suas iniciativas nacionais, que poderão se reverter em significativos benefícios sociais, se adequadamente canalizados. (ALVES, 2010).

Em 2005, o site da BBC News veiculou o artigo Nanotech Promise for Global Poor, divulgando o resultado de um painel realizado com 63 especialistas mundiais, que identificaram as dez áreas mais promissoras da nanotecnologia para países em desenvolvimento, destacando, entre elas, armazenamento, produção e conversão de energia, incrementos na

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agricultura, tratamento de água e remediação ambiental. ( CÉSAR JR., 2010).

No Brasil, a nanotecnologia foi inserida na Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), lançada em 2008 pelo governo federal, sendo considerada área estratégica.

Com isso, o governo pretende solidificar o espaço da nanotecnologia na agenda pública e garantir visibilidade para futuros aportes de recursos, além de estimular a inovação e a inserção internacional das empresas brasileiras.

Nesse contexto, os fundos setoriais representam o principal instrumento de estímulo ao fortalecimento do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação.

O crescimento previsto para o setor pretende atuar em segmentos específicos e transformá-los em produtos de alto valor agregado. Há, assim, uma expectativa de que a nanotecnologia possa impactar o desenvolvimento econômico, social e ambiental do Brasil. Tais contribuições virão por meio de inovações em áreas emergentes do conhecimento, capazes de colocar o país em posição de destaque mundial. Inovações voltadas para setores tradicionais da indústria brasileira ganharão maior sustentabilidade. ( CÉSAR JR., 2010).

No Brasil, as oportunidades de negócio em nanotecnologia tendem a surgir primeiramente em setores que já comercializam produtos com a tecnologia incorporada, como o mercado de cosméticos, a indústria química (que produz catalisadores, tintas, revestimentos) e petroquímica, e o ramo de plásticos, borrachas e ligas metálicas.

Resta indagar como a nanotecnologia será aplicada, por quem será aplicada e com que objetivo. Naturalmente, a nanotecnologia irá aumentar o investimento na economia, e também a lucratividade. O papel do Estado se manifesta através de investimentos diretos e benefícios fiscais, mas não absorve o retorno, que irá para o setor privado. Para Schnaiberg (2006), tendências recentes têm demonstrado que a inovação tecnológica tem beneficiado diretamente os investidores e não os trabalhadores; o efeito indireto, no caso da nanotecnologia, seria a conservação de energia e de materiais, repercutindo para a redução do impacto ambiental e, portanto, para a melhoria da qualidade de vida da população.

5. Conclusões

Partindo de um conceito de desenvolvimento sustentável em sentido

amplo, que abarca ampliação da riqueza com equidade social e distribuição de atividades econômicas em harmonia com o meio ambiente, as inovações tecnológicas, nas quais a nanotecnologia se inclui, devem representar uma mudança cultural positiva para a sociedade contemporânea.

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Segundo as intenções expressas no documento “Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação 2012-2015”, com base no cenário atual e nas perspectivas futuras, a nanotecnologia se apresenta como uma área prioritária no âmbito do governo, que busca alavancar seu crescimento econômico através do aumento da competitividade de seu sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação, para a melhoria da qualidade de vida ambientalmente sustentável.(MCTI,2012).

Assim, o desafio proposto é que a nanotecnologia contribua para o desenvolvimento industrial do país, através de novos processos e produtos. Além das áreas de eletrônica, computadores, telecomunicações e novos materiais, o momento aponta para novas fronteiras, representadas pela biomedicina, pela biologia molecular, pela bioengenharia.

Não obstante as nanotecnologias, por si sós, não serem capazes de reduzir problemas cruciais para países em desenvolvimento, como concentração de renda e desemprego , podem provocar impactos positivos nas áreas de água, agricultura, nutrição, saúde, energia e meio ambiente, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida, de forma efetiva.

Numa visão construtiva, se os avanços da nanotecnologia tiverem suas ações embasadas no conceito de desenvolvimento sustentável, em sentido amplo, terão condições de enfrentar o desafio de se transformarem em instrumentos de promoção de uma melhor qualidade de vida para a população dos países em desenvolvimento.

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INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL UTILIZADOS PELAS PREFEITURAS MUNICIPAIS DO GRANDE ABC

Fernanda Longhini Ferreira* Raquel da Silva Pereira*

Resumo

O ser humano tem causado uma série de mudanças no ambiente natural, afetando a sua própria qualidade de vida. Nas últimas décadas, observa-se elevada quantidade de problemas ambientais, levando à busca no desenvolvimento de tecnologias limpas e de instrumentos de regulação, de modo a estabelecer um melhor controle sobre as ações antrópicas no ambiente. Neste sentido, o desenvolvimento sustentável vem contribuindo com bases técnicas e científicas, ao mesmo tempo em que carece da utilização de instrumentos de aferição e mensuração, denominados de indicadores de sustentabilidade. O objetivo geral da pesquisa é identificar os indicadores de sustentabilidade ambiental utilizados nas prefeituras das sete cidades que formam o Grande ABC. Para tanto, optou-se por adotar a pesquisa descritiva, cuja metodologia baseou-se em pesquisa bibliográfica e documental, seguidas de entrevistas com chefes das pastas ambientais das prefeituras da região. Os resultados apontam para uma evolução no quadro ambiental das sete cidades que compõem a região, principalmente depois do programa instituído pelo Governo do Estado de São Paulo, o Protocolo Município VerdeAzul, único indicador comum entre as sete cidades, certamente por propiciar incentivos orçamentários aos municípios melhor colocados no ranqueamento anual.

Palavras-chave: Desenvolvimento Sustentável, Sustentabilidade, Gestão Ambiental, Indicadores, Grande ABC. Abstract The human being has caused a lot of changes in the natural environment, affecting their own quality of life. In recent decades, there is high amount of environmental problems, leading to the search in the development of clean technologies and regulatory instruments in order to establish better control over human actions on the environment. In this sense, sustainable development has contributed to technical and scientific bases, while it lacks the use of measurement tools and measurement, referred to as sustainability indicators. The aim of the research is to identify indicators of environmental sustainability used in the halls of the seven cities that make up the Grande ABC. To this end, we chose to adopt the descriptive research, whose methodology was based on literature

* Universidade Municipal de São Caetano do Sul

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review and documentary, followed by interviews with leaders of environmental folders of municipalities in the region. The results point to an evolution in the environmental framework of the seven cities that make up the region, especially after the program established by the State of São Paulo, the Municipality Verde Azul Protocol, the only common indicator beetweenseven cities will certainly provide incentives for municipaliaties to budget better placed in the annual ranking.

Keywords: Sustainable Development, Sustainability, Environmental Management, Indicators, Grande ABC. 1. Introdução

A ampliação dos níveis de produção, a elevação desmesurada do consumo vêm resultando no esgotamento dos recursos naturais, na poluição dos ecossistemas e nas mudanças climáticas que impactam negativamente na qualidade de vida da população.

Com vistas a minorar o impacto dessas ações, verifica-se a intensificação de estudos e discussões acerca da questão ambiental, bem como a criação de instrumentos de ação, tais como a criação de legislação específica e a formulação de políticas públicas. Verifica-se também a participação cada vez maior de segmentos da sociedade civil e a atuação mais responsável de muitas empresas empenhadas em formas mais inteligentes de atuação. Na transição do séculos XX para o XXI percebe-se a intensificação de apelos com vistas a evitar o esgotamento dos recursos naturais e a consequente autodestruição da humanidade. Ressalte-se também a preocupação da incorporação da dimensão ética na pesquisa científica e na aplicação da tecnologia e a intensificação de apelos em prol da solidariedade entre os grupos humanos atuais e com futuras gerações. Muitos fatores ainda dificultam o relacionamento entre desenvolvimento e meio ambiente. Dentre estes destacam-se a ineficiência das instituições, a tomada de decisões políticas incoerentes, a submissão a interesses econômicos, bem como a permanência de valores culturais, religiosos e filosóficos que constituem resistência às mudanças.

A partir dos problemas socioambientais, algumas convergências internacionais levaram à interação entre os diversos sistemas existentes, tais como questões sociais, ecológicas, econômicas, espaciais, políticas e culturais, que culminou, no final do século XX, no conceito de desenvolvimento sustentável.

A intensificação dos problemas ambientais tem conduzido a amplos debates em nível internacional. Um marco importante dessa discussão foi o relatório elaborado em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que se tornou conhecido como Relatório Brundtland. Este relatório contribuiu significativamente para a difusão do desenvolvimento

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sustentável, entendido como o que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades.

Unir as atividades desenvolvidas pelo ser humano aos conceitos de sustentabilidade socioambiental torna-se, portanto, um desafio, principalmente para as ações do poder público, que devem propor alternativas compatíveis com as demandas sociais e econômicas, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades.

Para a efetivação das ações do poder público e também para a formulação de suas políticas torna-se necessário criar instrumentos que possibilitem mensurar e consequentemente avaliar as ações desenvolvidas. Isto implica a construção de índices suficientemente expressivos das situações “antes e “depois”. Daí a necessidade da construção de indicadores, que combinados, conduzam aos índices capazes de expressar o que tem sido feito, cabe selecionar indicadores. Assim, para conferir racionalidade às suas ações, os organismos empenhados em ações de desenvolvimento sustentável deparam-se com um grande desafio, qual seja o de selecionar indicadores expressivos do ambiente que se deseja preservar. Este é um desafio principalmente para as prefeituras municipais, já que estas constituem a instância de gestão pública mais diretamente vinculada a ações locais.

Desde a criação da idéia da Agenda 21, em 1992, mensurar o desenvolvimento sustentável tornou-se uma necessidade, já que para isso são necessários dados e indicadores que traduzam a realidade local, com enfoque na sustentabilidade ambiental. Esses indicadores teriam a função de possibilitar a mensuração da realidade ambiental com vistas à orientar o planejamento, a execução e a avaliação das ações voltadas à sustentabilidade, manutenção e transformação de um fenômeno (PAULISTA, VARVAKIS, MONTIBELLER-FILHO, 2009), a partir de sua quantificação.

Um indicador de sustentabilidade deve refletir a eficiência, suficiência, equidade e qualidade de vida de uma determinada sociedade, não se restringindo a medir o crescimento econômico, de modo a garantir o acesso à boa qualidade de vida às atuais e futuras gerações (COUTINHO, MALHEIROS, PADILHA, 2009). A utilização de indicadores ambientais como ferramenta de gestão já ocorre em diversos países, inclusive no Brasil, em estados como os de São Paulo, Amazonas e Minas Gerais, cada um deles adaptado à sua realidade local, obedecendo às premissas de política e gestão públicas locais/regionais.

No Grande ABC, região formada por sete municípios da Grande São Paulo (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra), aparentemente com características comuns, não se observa, num olhar mais atento,

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homogeneidade, haja vista a distribuição de renda, expectativa de vida, áreas de preservação ambiental, entre outras diferenças importantes. Assim, é necessária uma análise das políticas ambientais dessas cidades, bem como do estabelecimento de objetivos e metas que possibilitem a criação de indicadores de sustentabilidade ambiental nessa região, os quais poderão contribuir para o planejamento de ações, estabelecendo diretrizes administrativas e até mesmo financeiras, para o desenvolvimento ambiental.

Face ao exposto, surge o problema que norteou a pesquisa: como as prefeituras das sete cidades que compõe a Região do Grande ABC estão mensurando a sustentabilidade ambiental?

O objetivo geral da pesquisa é identificar os indicadores de sustentabilidade ambiental utilizados nas prefeituras das sete cidades que formam o Grande ABC. Por meio desta identificação, pretendeu-se, ainda, atingir os seguintes objetivos específicos: 1) analisar o que se propõe a medir os indicadores; 2) identificar a metodologia utilizada para construção destes indicadores; 3) verificar se os resultados da mensuração são analisados e utilizados na tomada de decisão; e 4) verificar se existem parâmetros que possibilitem a comparação entre os indicadores dos sete municípios.

2. Referencial Teórico

O conceito tradicional de sustentabilidade está relacionado às ciências biológicas, no sentido do esgotamento dos recursos renováveis causados pela exploração descontrolada. Já se sabe que a utilização desses recursos deve ser feita de maneira racional, sejam eles renováveis ou não, minimizando a geração de poluição e de resíduos (BARBIERI, 2007).

Porém, todas essas modificações realizadas no ambiente natural adaptando-o às necessidades individuais e coletivas, devem ter como instrumentos norteadores de gestão a legislação, as políticas públicas, a participação da sociedade civil, o planejamento da ocupação urbana, além da educação ambiental como ferramenta de disseminação das ações (SOUZA, 2000; PHILLIPI JUNIOR et al., 2004).

Segundo Bollmann (2001), Miranda (2003) e Magalhães (2004), as iniciativas de se inserir uma política de desenvolvimento sustentável são válidas, porém, pouco significativas se não podemos mensurá-las quantitativamente e qualitativamente. Assim, um dos problemas relacionados à questão socioambiental está nas formas de gerenciar e medir o desenvolvimento, e as consequências geradas pela exploração dos recursos naturais, uma vez que os indicadores quantitativos, privilegiam as questões de natureza econômica.

Neste sentido, como parte da estrutura da gestão pública, é imprescindível a existência de parâmetros que possam dar a transparência e a objetividade necessária para que os interessados compreendam as

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ações desenvolvidas, além de dar aos governantes uma visão de quais itens estão em melhor desenvolvimento e quais precisam de ajustes, independente das mudanças decorrentes de processos eleitorais, de forma tal que os programas e processos possam ter continuidade, independentemente das pessoas que estiverem ocupando os cargos.

A preocupação com as questões ambientais não é um assunto recente. Porém a intensificação das discussões acerca do assunto data das décadas de 1960 e 1970, com a publicação de livros, estudos e a realização de conferências, além da fundação de Organizações Não-Governamentais ambientais, todos em busca da melhoria da qualidade de vida e do meio ambiente (PEREIRA, 2002).

Em 1962, Rachel Carson publicou o livro Silent Spring (Primavera Silenciosa), demonstrando que as ações humanas pelo uso do pesticida DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano), interferiam de maneira direta na natureza (PALMISANO; PEREIRA, 2009).

Em função dos estudos e publicações relacionando ações antrópicas com alterações ambientais, em 1968 foi constituído o Clube de Roma, cujo relatório publicado em 1972, Limits of Growth (Limites do Crescimento), demonstrou a grande preocupação com o crescimento populacional e com o esgotamento de recursos. A mensagem mais lembrada deste relatório é a do “crescimento zero”, não aceita, principalmente pelos países em desenvolvimento (CAMARGO, 2003).

A I Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente (ONU, 1972), em Estocolmo, ressaltou a necessidade de reflexão sobre o crescimento populacional, urbanização e desenvolvimento (SGARBI et. al., 2008). Ainda na década de 1970, Ignacy Sachs defende o Ecodesenvolvimento, que propõe a articulação entre os sistemas econômico, social e ambiental, principalmente para os povos menos desenvolvidos (BRÜSEKE, 1994). Sachs (2008) integrou as idéias de satisfação de necessidades básicas, sem esquecer-se das futuras gerações, participação popular, preservação ambiental, sistema social e cultural, além de ressaltar a importância da educação nesse processo.

Apesar de vários anos de discussão, após a década de 1970, ainda havia muitas dúvidas para o enfrentamento das questões ambientais, tais como: a regulação para o controle e gestão; a sensibilização da sociedade; a formação de métodos de análise; conceitos e procedimentos; desenvolvimento de tecnologias ambientais tanto alternativas, quanto reparadoras (DE PAULA; MONTE-MÓR, 2006).

Neste sentido, surge a expressão desenvolvimento sustentável, citada pela primeira vez em 1980, no documento publicado pela World Conservation Strategy e World Wildlife Fund, cujos objetivos, segundo Barbieri (2007), seriam a criação de políticas sociais que resolvam ou atenuem os conflitos entre o desenvolvimento humano e um ambiente saudável, na dimensão planetária.

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Em 1983 foi realizada a primeira reunião da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, promovida pela ONU, cujo resultado foi o relatório “Nosso Futuro Comum”, conhecido como relatório de Bruntland, publicado em 1987, no qual o conceito de desenvolvimento sustentável foi devidamente incorporado, ressaltando a importância da sinergia entre as dimensões econômica, social e ambiental (DELAI; TAKAHASHI, 2006).

No relatório, desenvolvimento sustentável foi definido como “aquele que atende às necessidades da atual geração, sem comprometer às gerações futuras e suas próprias necessidades”, relacionando a exploração dos recursos naturais, investimentos e tecnologia, com as questões ambientais e sociais (CMMAD, 1987, p.46)

Em 1992 realizou-se a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, conhecida como Rio 92, por ter sido realizada no Rio de Janeiro, resultando na formulação, dentre outros documentos, da Agenda 21 em que foram elencados os principais problemas ambientais, os recursos e possíveis meios para solucioná-los, e a necessidade do estabelecimento de metas para as décadas seguintes (CAMARGO, 2003; COUTINHO, 2006).

A Agenda 21 consiste numa lista de atividades que os países se comprometem a seguir para contribuírem com desenvolvimento sustentável. Este instrumento pode ser comparado a um manual de orientação para as nações, mas que depende da vontade política de governantes e da mobilização da sociedade para que seja de fato implementado. Essa Agenda pode seguir o modelo internacional, dado pela ONU, ou ser adaptada às diferentes realidades, tendo abrangência nacional, regional e até mesmo local (PEREIRA, 2002; BARBIERI, 2007; MALHEIROS; PHILLIPI JR.; COUTINHO, 2008).

Também na Rio-92 os países industrializados participantes comprometeram-se a diminuir suas emissões de gases causadores do efeito estufa, devido à queima de combustíveis fósseis, por meio de um acordo multilateral, sendo criada a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC) – em inglês United Nations Framework Convention on Climate Change - UNFCCC. O tratado não fixou, inicialmente, limites obrigatórios para as emissões de gases do efeito estufa (GEE) e não continha disposições coercitivas. Em vez disso, incluía disposições para atualizações (chamados "protocolos"), que deveriam criar limites obrigatórios de emissões (UNFCCC, 2010). Posteriormente, em 1997, o Protocolo de Quioto, tratado internacional que entrou em vigor em 2005, visa a redução das emissões de gases causadores do efeito estufa, estabeleceu metas de redução aos países desenvolvidos signatários, para o período compreendido entre 2008 e 2012.

Todos os esforços, ações e compromissos a serem realizados devem ser de caráter sistêmico, seja na esfera local, regional ou mundial, integrando o meio rural, natural e urbano, incluindo o planejamento urbano e ambiental; a capacitação profissional; o estabelecimento de políticas

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públicas que garantam a participação da comunidade no processo de planejamento e implantação de programas, ampliando a participação do meio acadêmico, priorizando pesquisas e desenvolvendo tecnologias, garantindo a transdisciplinaridade que a questão ambiental requer, possibilitando a mensuração de seus resultados (PHILIPPI JR.; MALHEIROS, 2005). No Brasil, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, iniciou-se um processo, ainda que moroso, de descentralização do poder político, fortalecendo a autonomia dos municípios, sem deixar de lado atribuições que deveriam ser exercidas pelo poder público federal, tais como fiscalização e licenciamento (PHILIPPI JR. et. al., 2007).

Segundo Barbieri (2007), a gestão ambiental que ocorre localmente possui uma maior efetividade já que considera as especificidades, particularidades e características de uma cidade, comunidade ou organização. Porém, segundo o autor, não se pode perder o foco dos problemas ambientais regionais e globais. Assim, a gestão ambiental local deve ser formulada de modo a minimizar esses problemas maiores, em seu nível de atuação.

Os indicadores têm a função de sintetizar os elementos que o compõem, sendo considerados parâmetros representativos, concisos e fáceis de interpretar, usados para ilustrar as características principais do objeto de estudo (MOTTA, 1998; MAGALHÃES, 2004; NAHAS, 2006). Os indicadores podem, ainda, ser combinados originando um índice, que é usado em níveis mais agregados de análise vinculados a uma estrutura formal de cálculo, relacionados à abrangência do estudo: nacional; regional; internacional (CSD, 2001; COSTA; CASTANHAR, 2003; MIRANDA, 2003).

A razão fundamental para o uso de indicadores está centrada, segundo Bossel (1999), no diagnóstico, na demonstração e no subsídio para tomada de decisões. Para isso, deve possuir quatro funções: simplificação (os dados apresentados devem estar em sua forma mais simples); quantificação (facilidade de mensuração); comunicação (facilitar a divulgação e compreensão dos dados); sensibilização (permite a visualização do dano causado, fato ou fenômeno). Para Nahas (2003), assim como para Bellen (2006), os indicadores possuem algumas funções essenciais, dentre elas a avaliação das condições atuais e tendências de um fenômeno, comparação entre lugares e situações, a colocação de metas e objetivos, advertem o gestor sobre fatos e fenômenos e antecipa as condições futuras.

Miranda (2003), Magalhães (2004) e Clemente Filho (2007) ressaltam que o uso de indicadores e índices pode trazer benefícios ou também alguns problemas, dependendo de como e por quem as informações forem analisadas. Num conjunto de índices, tem-se como principal benefício o alto nível de agregação de dados, possibilitando uma visão geral do fenômeno estudado. Porém, esta mesma agregação pode ser

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um problema, já que perde-se a qualidade dos dados iniciais, além da dificuldade da adequação para comparação entre macro-unidades (regiões ou países). Conforme as recomendações do Relatório Bruntland e da Agenda 21, em seus capítulos 8 e 40, tornava-se necessário desenvolver novas maneiras de medir e avaliar o progresso em direção ao desenvolvimento sustentável. Desta forma, um grupo internacional de pesquisadores e especialistas em sistemas de avaliação se reuniu na Fundação de Estudos Rockefeller e Centro de Conferências, em Bellagio, na Itália, em 1996, para rever o progresso até aquela data, sintetizando conhecimentos a partir dos esforços práticos em andamento (HARDI; ZDAN, 1997; COUTINHO, 2006; MAGALHÃES JÚNIOR, 2007; PEREIRA; FARIA; SOUZA, 2009).

Esse encontro deu origem aos Princípios de Bellagio, cuja principal função é a de nortear a escolha e formulação de indicadores de sustentabilidade, de modo que estes tenham consistência científica e possam traduzir, de maneira sintética, as informações e dados existentes, facilitando o planejamento e a tomada de decisão dos gestores. Existem, entretanto, outros trabalhos que utilizam indicadores, ferramentas para o desenvolvimento de novas políticas públicas baseadas na sustentabilidade, levando-se em conta as dimensões social, econômica e ambiental do local em questão (COSTA; CASTANHAR, 2003; DELAI; TAKAHASHI, 2006; MICKWITZ et. al., 2006). Desta forma, o uso de um sistema de indicadores, é importante de modo a avaliar e monitorar as políticas e programas públicos, em seu processo de planejamento, proporcionando um melhor gerenciamento, utilização e controle dos recursos neles aplicados, determinando-se padrões de referência, metas e resultados (COSTA; CASTANHAR, 2003; DELAI; TAKAHASHI, 2008; KRONEMBERGER, 2008). A partir dos modelos de indicadores de sustentabilidade levantados neste estudo, foi elaborado o Quadro 1, que sintetiza as informações sobre os modelos, autores, dimensões abordadas, pontos fortes e pontos fracos.

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Modelo Autor Dimensões

Pontos Fortes Pontos Fracos

Índice de Desenvolvimento Humano – IDH

Mahbubul Haq, Pnud, 1990

Social; Econô-mica.

Estabelecer um contraponto com o PIB, inserindo a dimensão social na questão do desenvolvimento dos países.

Não leva em consideração questões como desemprego, criminalidade, poluição e degradação ambiental.

Sustainable Seattle

Sustainable Seattle, 1990

Ambien-tal; Social; Econômica.

Os indicadores foram selecionados em conjunto com a comunidade, facilitando a compreensão.

Alguns parâmetros ainda não têm dados, o que pode levar a um desequilíbrio nas informações.

Pressure-State-Response (PSR) e suas adaptações (ONU e IBGE)

OECD, 1993

Ambiental; Social; Econômica, Institucional.

Apresenta um maior impacto sobre o público alvo; É um modelo de fácil aplicação.

Ênfase às questões ambientais; Tem pouca influência sobre os tomadores de decisão.

Ecological Footprint

Wackernagel e Rees, 1996

Ambiental.

Compara a produção mundial, com a demanda da população existente.

Não permite uma comparação temporal; Não avalia a interferência das questões sociais e econômicas nos processos de produção e consumo.

(continua)

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355

(continuação)

Modelo Autor Dimensões

Pontos Fortes Pontos Fracos

Barometer of Sustainability

Prescott-Allen, 1999

Ambiental; Social; Econômica.

Flexibilidade no número de indicadores, adaptando-se à realidade local.

Os indicadores devem ser formados unicamente por dados numéricos; Está sujeito à subjetividade dos tomadores de decisão já que não se tem indicadores-padrão.

Dashboard of Sustainability

CGSDI, 1999

Ambiental; Social; Econômica; Institucional.

Representação visual, facilitando a tomada de decisão; Comparação entre diversas localidades; Adaptação aos Objetivos do Milênio, da ONU.

Dependência de atualizações do software da internet; Excesso de dados pode mascarar os resultados, dificultando o entendimento.

Institut Français de l’ Environnement

IFEN, 2001

Ambiental; Social; Econômica; Institucional.

Traduzem a realidade francesa e seus parâmetros possuem uma inter-relação.

Alta complexidade dos indicadores pode deixar dúvidas na sua interpretação.

Protocolo Município VerdeAzul

SMA, 2008 Ambiental.

Avalia a qualidade ambiental dos municípios do Estado de São Paulo, servindo de projeto piloto para outros municípios do Brasil.

Não leva em consideração as outras dimensões da sustentabilidade.

(continua)

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(continuação) Modelo Autor Dimensões Pontos Fortes Pontos Fracos

Índice de Desenvolvimento Humano - IDH

Mahbubul Haq, Pnud, 1990

Social; Econômica.

Estabelecer um contraponto com o PIB, inserindo a dimensão social na questão do desenvolvimento dos países.

Não leva em consideração questões como desemprego, criminalidade, poluição e degradação ambiental.

Sustainable Seattle

Sustainable Seattle, 1990

Ambiental; Social; Econômica.

Os indicadores foram selecionados em conjunto com a comunidade, facilitando a compreensão.

Alguns parâmetros ainda não têm dados, o que pode levar a um desequilíbrio nas informações.

Pressure-State-Response (PSR) e suas adaptações (ONU e IBGE)

OECD, 1993

Ambiental; Social; Econômica, Institucional.

Apresenta um maior impacto sobre o público alvo; É um modelo de fácil aplicação.

Ênfase às questões ambientais; Tem pouca influência sobre os tomadores de decisão.

Ecological Footprint

Wackernagel e Rees, 1996

Ambiental.

Compara a produção mundial, com a demanda da população existente.

Não permite uma comparação temporal; Não avalia a interferência das questões sociais e econômicas nos processos de produção e consumo.

(continua)

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(continuação)

Modelo Autor Dimensões Pontos Fortes Pontos Fracos

Barometer of Sustainability

Prescott-Allen, 1999

Ambiental; Social; Econômica.

Flexibilidade no número de indicadores, adaptando-se à realidade local.

Os indicadores devem ser formados unicamente por dados numéricos; Está sujeito à subjetividade dos tomadores de decisão já que não se tem indicadores-padrão.

Dashboard of Sustainability

CGSDI, 1999

Ambiental; Social; Econômica; Institucional.

Representação visual, facilitando a tomada de decisão; Comparação entre diversas localidades; Adaptação aos Objetivos do Milênio, da ONU.

Dependência de atualizações do software da internet; Excesso de dados pode mascarar os resultados, dificultando o entendimento.

Institut Français de l’ Environne-ment

IFEN, 2001

Ambiental; Social; Econômica; Institucional.

Traduzem a realidade francesa e seus parâmetros possuem uma inter-relação.

Alta complexidade dos indicadores pode deixar dúvidas na sua interpretação.

Protocolo Município VerdeAzul

SMA, 2008

Ambiental.

Avalia a qualidade ambiental dos municípios do Estado de São Paulo, servindo de projeto piloto para outros municípios do Brasil.

Não leva em consideração as outras dimensões da sustentabilidade.

Quadro 1 – Síntese dos modelos de indicadores de sustentabilidade citados. Fonte: elaborado a partir da pesquisa bibliográfica.

Pode-se notar que os indicadores de sustentabilidade disponibilizam informações que servirão de base para o planejamento e gerenciamento das organizações, compatibilizando as dimensões econômica, social e ambiental, de forma a desenvolver soluções e dando subsídios para novas ações. Assim, o uso dos indicadores não deve ser tido como a única ferramenta para monitoramento do desenvolvimento sustentável. O debate sobre o desenvolvimento sustentável, com a participação das autoridades públicas, nacionais e internacionais, ONGs e sociedade civil deve ser mantido com o objetivo de descobrir novos produtos e meios para

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compatibilizar as ações humanas e os recursos naturais, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida (BELLEN, 2006; LIRA, CÂNDIDO, 2008).

Dentre os modelos apresentados, todos contam com uma lista de indicadores, sendo a grande diferença entre eles a capacidade de sintetizar as informações e expressar os resultados que representem a realidade da situação e do local estudado, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida dos seres vivos.

3. Metodologia

Esta pesquisa caracteriza-se por ser descritiva, de modo a atender ao objetivo geral, qual seja identificar os indicadores de sustentabilidade ambiental existentes nas prefeituras das sete cidades que formam o Grande ABC, assim como aos objetivos específicos supracitados.

Primeiramente, foi realizada pesquisa bibliográfica de modo a embasar o estudo teórico, a partir dos registros disponíveis, decorrentes de pesquisas anteriores, em livros, artigos científicos, dissertações e teses (SEVERINO, 2007). Paralelamente, foi realizada a pesquisa documental que, apesar de parecer similar à bibliográfica, apresenta a diferença na natureza das fontes. Na pesquisa documental, as fontes são diversificadas e dispersas, em arquivos de órgãos públicos e instituições privadas (GIL, 2009).

Para complemento das informações, também se adotou a técnica de entrevistas em profundidade, que seguiram roteiros semi-estruturados, as quais foram devidamente gravadas e transcritas. As questões são diretivas e as respostas, por sua vez, são categorizáveis, sendo útil para levantamentos sociais (SEVERINO, 2007).

A coleta de dados teve dois procedimentos distintos. Os dados documentais foram coletados por meio de acesso aos sítios eletrônicos das prefeituras das sete cidades, para verificação das informações disponibilizadas por estas à sociedade, bem como pesquisa em arquivos de bibliotecas e nas próprias repartições, durante as visitas às prefeituras para aprofundamento dos dados coletados.

As entrevistas com os responsáveis pelas pastas ambientais em cada um dos municípios foram realizadas no período compreendido entre julho e setembro de 2010, quando se obteve informações acerca da elaboração e acompanhamento dos indicadores de sustentabilidade. Foram entrevistadas seis pessoas: o Secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade, do Município de São Caetano do Sul; a Secretária Adjunta de Gestão Ambiental, do Município de São Bernardo do Campo; o Diretor de Gestão Ambiental, do Município de Diadema; o Secretário de Meio Ambiente, do Município de Mauá; o Assistente de Diretor de Gestão Ambiental, do Município de Santo André; e o Assessor de Coordenadoria, da Secretaria do Verde, Meio Ambiente e Saneamento Básico, da Estância Turística de Ribeirão Pires. Vale salientar que nenhum representante da

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cidade de Rio Grande da Serra aceitou participar da entrevista pessoal, nem mesmo responder ao questionário por correio eletrônico alegando que havia poucos funcionários e poucas informações a agregar à pesquisa. Mesmo após várias tentativas, não foi possível obter a adesão do município.

A análise dos documentos foi iniciada a partir da sua coleta. À medida que os documentos foram consultados já se observou o fenômeno e as especificidades de cada documento. A partir desta coleta, o material foi analisado de forma interpretativa e interativa, buscando elaborar uma explicação lógica para a situação estudada, buscando estabelecer relações e até mesmo categorias entre eles (GIL, 2009).

Os documentos coletados foram analisados de forma a buscar informações que não receberam nenhum tratamento científico ou analítico, esteja ele completo, parcial ou impreciso, enquadrando o contexto em que foi produzido, o autor do documento, sua confiabilidade (SÁ-SILVA, ALMEIDA, GUINDANI, 2009). A análise dos documentos foi complementada com a análise das entrevistas, sempre à luz do referencial teórico levantado.

4. Resultados

A Região do Grande ABC Paulista, tida como berço da indústria automobilística brasileira, está situada no setor sudeste da Região Metropolitana de São Paulo, e conta com uma população de mais de dois milhões e seiscentos mil habitantes, sendo composta por sete municípios: Santo André; São Bernardo do Campo; São Caetano do Sul; Diadema; Mauá; Ribeirão Pires; Rio Grande da Serra. Possui cerca de 56% de seu território em Área de Proteção e Recuperação de Mananciais (ROLNIK; SOMEKH, 2000).

Por determinação do Plano de Metas do Governo Federal, datado da década de 1950, a região teve seu perfil voltado ao desenvolvimento industrial, devido a alguns fatores estratégicos (KLINK, 2001): - Sua localização geográfica (proximidade à malha ferroviária da Estrada de Ferro Santos Jundiaí, à duas importantes rodovias estaduais Anchieta e Imigrantes; ao Porto de Santos, facilitando a importação e exportação de materiais e ao grandes centros urbanos, facilitando o acesso ao mercado consumidor);

- Uma rede de infra-estrutura que abrangia os municípios quase que na sua totalidade;

- Grande potencial de expansão das indústrias dada a disponibilidade de área e mão-de-obra;

- Diversificação da cadeia produtiva, abrangendo empresas de diferentes portes e setores tais como indústrias químicas, automobilísticas, produção de máquinas e equipamentos.

Posteriormente a década de 1950 e com a delimitação em 1975/1976 da Área de Proteção e Recuperação de Mananciais da Região Metropolitana de São Paulo, as atividades e as ocupações tornaram-se

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incompatíveis com o uso do solo. Neste sentido, grande parte dos problemas ambientais da região advém da falta de planejamento, das ocupações irregulares em áreas de proteção ambiental, desmatamentos, poluição do ar, da água, do solo, por conta dos processos produtivos, que marcaram a evolução do Estado de São Paulo, assim como em muitos lugares do mundo. Após análise documental e das entrevistas é possível identificar que: - As sete cidades da Região do Grande ABC possuem uma estrutura ambiental consolidada, conforme determina a Política Nacional de Meio Ambiente, compondo unidades pertencentes ao Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA;

- Das sete cidades, apenas três delas (Santo André, Ribeirão Pires e Diadema) possuem um sistema de fiscalização ambiental municipal atuante. As demais cidades ainda necessitam assinar convênio de repasse de competências com a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental - CETESB;

- Quanto à divulgação das ações e atividades ambientais ao munícipe, os gestores ainda indicam os sites oficiais como boa fonte de informação, mas citaram ainda campanhas, folhetos, faixas;

- Quando perguntados sobre a utilização de indicadores de sustentabilidade, cinco municípios responderam que utilizam o Protocolo Município VerdeAzul. Apenas Santo André citou o Sistema de Gestão da Qualidade ISO 9000, como possível ferramenta para a sustentabilidade.

- As informações ambientais estão centralizadas nas respectivas secretarias de meio ambiente, mas ainda necessitam de informações de outros setores, dificultando o acesso à informação;

- Os gestores entrevistados não souberam explicar adequadamente a metodologia utilizada no Protocolo Município VerdeAzul. Disseram tratar-se de um questionário com alguns quesitos, aos quais são atribuídos notas;

- Quanto ao uso desses indicadores na tomada de decisão, apenas Santo André afirmou que isso é realizado;

- Quanto ao levantamento de projetos futuros para verificar a possibilidade da inclusão de um indicador municipal, apenas São Bernardo do Campo ressaltou que pretende criar um indicador próprio.

Os municípios da Região do Grande ABC, assim como outros municípios do Estado de São Paulo, assinaram o Protocolo Município Verde, criado em 2007, com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de São Paulo - SMA, de forma a estabelecer a gestão ambiental compartilhada, por meio da descentralização da política ambiental.

No primeiro ano do projeto, 2008, participaram 614 (seiscentos e catorze) municípios, sendo que 332 municípios preencheram seus plano de ação e 44 foram certificados. Naquele ano, apenas nos municípios de São Caetano do Sul e Ribeirão Pires conseguiram preencher seus planos de ação com propostas nas 10 diretivas, sendo classificados nas 105ª e 228ª posições, respectivamente, mas sem certificação.

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Em 2009, quando o projeto muda de nome, passando a ser Protocolo Município VerdeAzul, é alcançada a participação dos 645 municípios do Estado, aumentando para 570 o número de planos de ação propostos e 156 municípios certificados. De acordo com as informações disponíveis no site da SMA, os municípios de Diadema, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Santo André e São Caetano do Sul, tiveram seus planos de ação, para todas as diretivas, avaliados. Os municípios de Mauá e São Bernardo do Campo não preencheram os planos de ação para todas as diretivas (SMA, 2010).

Tabela 1 – Evolução da participação dos municípios do Grande ABC no Protocolo Município VerdeAzul.

Evolução da Participação dos Municípios do Grande ABC 2008 2009 2010

Cidade Nota Posição Nota Posição Nota Posição Situação

Diadema - - 55,6 362º 32,16 498º Não Certificado

Mauá - - - - 52,49 353º Não Certificado

Ribeirão Pires 40,06 228º 86,73 65º 83,54 85º Certificado

Rio Grande da Serra - - 48,37 424º 19,51 582º

Não Certificado

Santo André - - 65,41 279º 81,3 114º Certificado

São Bernardo do Campo - - - - 65,2 252º

Não Certificado

São Caetano do Sul 62,79 105º 86,72 66º 83,94 79º Certificado

Fonte: Elaborado a partir dos dados disponíveis em SMA, 2011. Quanto à participação dos municípios do Grande ABC, pode-se

observar, por meio da Tabela 1, uma evolução na adesão ao protocolo, já que no ano de 2010, todos aderiram ao projeto. A cidade de Santo André melhorou sua posição no ranking se comparado com o valor obtido em 2009. Porém, também é possível verificar que houve uma involução quanto às notas das avaliações, já que os municípios de Diadema, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra e São Caetano do Sul, caíram de posição, em relação ao ano de 2009.

No ano de 2010, todos os municípios do Grande ABC apresentaram planos de ação para as diretivas do projeto. Apenas três municípios foram certificados, já que obtiveram nota superior a 80,0 (oitenta) pontos, sendo: São Caetano do Sul (79º lugar), Ribeirão Pires (85º lugar) e Santo André (113º lugar). Estes resultados obtidos pelos municípios estudados mostram que, apesar das dificuldades das prefeituras, houve uma evolução nas notas

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obtidas e, consequentemente, uma melhoria nas políticas públicas e ações locais com relação à questão ambiental, uma vez que existem recursos financeiros estaduais disponíveis para os melhores colocados. Isso pode ser comprovado pelo número de municípios certificados, que passou para 168, assim como o de municípios participantes, que aumentou para 565.

Além dos dados constantes no Protocolo Município VerdeAzul, alguns municípios ainda apresentam iniciativas próprias, conforme Quadro 2.

Cidade Outros Indicadores

Santo André Indicadores de Qualidade ISO 9001 (versão 2008). Sumário de Dados.

São Bernardo do Campo

Sumário de Dados.

Ribeirão Pires Indicadores de Desenvolvimento Sustentável, desenvolvidos pela Faculdade de Saúde Pública da USP.

Quadro 2 – Outros indicadores existentes nos municípios do Grande ABC. Fonte: Elaborado pela autora, com base na pesquisa de campo e documental.

Dos indicadores citados no Quadro 2, é importante salientar que os

Indicadores de Qualidade ISO 9001, têm o objetivo claro de manter a qualidade do sistema gerencial e a satisfação do usuário, portanto, seria necessário criar indicadores que se referissem especificamente à sustentabilidade ambiental da cidade e que refletissem de forma concreta a preocupação ambiental, tanto do poder público como da sociedade civil envolvida. Quanto aos Sumários/Anuários de Dados, estes se caracterizam por apresentarem os municípios em números, sem uma análise mais aprofundada destes e sua inter-relação com as questões econômicas e sociais da cidade.

Em Ribeirão Pires, um trabalho entre o município e a Faculdade de Saúde Pública, da Universidade de São Paulo foi realizado com a participação da sociedade civil, culminando na elaboração dos indicadores porém, dadas as mudanças de gestão da prefeitura, estes não foram colocados em prática e tampouco são de conhecimento da atual administração.

A Tabela 3 apresenta uma comparação entre os municípios, seu território, em km², a população e o número de profissionais envolvidos com a área ambiental, baseado nas informações contidas nos Portais de Transparência das Prefeituras do Grande ABC.

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Tabela 3 – Comparação do número de funcionários na área ambiental nos municípios do Grande ABC.

Município Área (km²)

População

Nº de funcionários no setor ambiental

Santo André 174,38 673.396 198 São Bernardo do Campo 408,45 810.979 30 São Caetano do Sul 15 152.093 9 Diadema 30,7 397.738 124 Mauá 62,22 417.458 19 Ribeirão Pires 99 112.011 28 Rio Grande da Serra 31 41.602 31

Fonte: dados da pesquisa. Cabe ainda ressaltar a grande dificuldade enfrentada pelos

profissionais concursados com as mudanças de governo a cada quatro anos, haja vista a alta rotatividade, projetos que se iniciam e não são continuados, outros que simplesmente são engavetados porque não são mais do interesse deste ou daquele administrador.

5. Considerações Finais

Com base na pesquisa de campo realizada nas prefeituras, câmaras municipais e respectivas repartições ligadas ao meio ambiente, em cada uma das sete cidades, verificou-se alto nível de desinformação sobre indicadores de sustentabilidade ambiental.

As legislações existentes nos municípios, a maioria delas posterior à publicação do Relatório Bruntland e da Agenda 21, não incorporam o uso de indicadores ou qualquer outro mecanismo que possa mensurar e avaliar a sustentabilidade ambiental na gestão dos municípios. São poucas as administrações municipais que condensaram sua legislação e, posteriormente suas ações ambientais, em Políticas de Gestão Ambiental englobando questões como ar, água, fauna, flora, resíduos sólidos, poluição sonora, visual, dentre outras formas, que possibilitasse uma orientação geral, e que fosse regulamentada por decretos ou atos menores, com as devidas penalidades.

No Grande ABC apenas Santo André, Ribeirão Pires e São Bernardo do Campo possuem um convênio assinado com a CETESB para repasse de competências do Estado quanto à fiscalização e ao licenciamento ambiental municipalizado, o que fez com que os outros municípios negligenciassem as questões ambientais por muitos anos, até serem forçados a fazê-lo, ou perderiam recursos e repasses do governo.

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Outro grande problema citado apenas por um dos entrevistados foi a questão orçamentária dos municípios. A área ambiental, apesar de ser o assunto em pauta, tem pouca visibilidade para a administração pública, se comparada à construção de estradas, viadutos, hospitais. Apenas o entrevistado da cidade de Mauá citou que o orçamento da Secretaria de Meio Ambiente é extremamente reduzido, dificultando ainda mais o trabalho e até mesmo a ampliação da equipe, por falta de recursos. A solução nestes casos seria buscar parcerias público-privadas, contratação de ONGs e de certa forma terceirizar o serviço ambiental, para que ele não deixasse de ser realizado.

Com a grande rotatividade de pessoas, torna-se difícil o complexo trabalho de desenvolver indicadores de sustentabilidade para um município. Até que todos tomem conhecimento do que se trata, sensibilizar a todos sobre a importância de monitorar os processos, projetos e ações, trazer a comunidade local para participar e planejar a cidade junto ao governo, possivelmente já se passaram os quatro anos de mandato.

Os gestores entrevistados demonstram ter pouco conhecimento sobre sustentabilidade. A maioria deles, quando perguntado sobre o uso de indicadores na administração citou o programa do Governo Estadual Protocolo Município VerdeAzul como um programa que avalia a sustentabilidade. Na verdade, esta não é premissa do protocolo. O projeto visa a qualidade ambiental das cidades, com melhoria no saneamento básico integrados (distribuição de água, coleta e tratamento de esgotos, coleta e tratamento dos resíduos sólidos), além de outros quesitos que contribuem para a melhoria da vida do cidadão, como ter uma cidade arborizada, com nascentes preservadas, dentre outros quesitos.

Porém, o que se instalou no Estado foi uma corrida desenfreada para se descobrir qual município escreve e aprova mais leis sobre os assuntos quesitos de avaliação do protocolo, como é o caso de São Caetano do Sul, para que os melhores classificados possam receber um aporte financeiro do Governo Estadual. Isso não é sustentabilidade.

Apesar de o protocolo exigir relatórios que comprovem as ações municipais nos quesitos de avaliação, foi relatado que em nenhum momento as equipes da Secretaria de Estado de Meio Ambiente vão até as cidades participantes para verificar in loco se aquelas ações informadas estão mesmo sendo praticadas. Sabe-se que nem sempre as informações prestadas em relatórios correspondem à realidade.

A idéia de se criar um sistema coordenado pelo governo do Estado, e descentralizado nos órgãos municipais já é um avanço. Dá a autonomia que os municípios precisam para gerenciar seus recursos naturais da maneira que julgarem necessário, de acordo com suas prioridades.

Dentre os principais problemas dos municípios estudados, apontados pelo protocolo, está a questão do esgoto tratado, cuja obrigação de

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atendimento é de competência do Governo Estadual, e está sendo cobrada dos municípios, como quesito de avaliação.

Como único indicador citado na pesquisa de campo, o Protocolo possui pouca relação metodológica com os referenciais teóricos apresentados. Pode-se dizer que, em parte, este segue os Princípios de Bellagio, quanto ao estabelecimento de metas e objetivos claros (Princípio 1), à visão holística (Princípio 2), além da definição dos itens prioritários, e processos de avaliação (Princípio 9).

O Protocolo atende, porém, aos pré-requisitos sugeridos por Segnestam (2002) abordando temas prioritários, facilidade de monitoramento, fontes de informações oficiais e confiáveis, permitindo a contabilização, dando incentivo às melhores iniciativas. Atende, também, alguns aspectos apontados por Nahas (2003) definindo as temáticas, um modelo de cálculo, fontes de informações confiáveis e com rápida atualização.

Entretanto, o Protocolo tem lacunas a serem apontadas, consideradas pelos autores citados no referencial como de suma importância, que é o envolvimento popular na concepção e avaliação destes indicadores, além das referências espaciais do projeto, buscando uma homogeneidade entre os avaliados, mapas interativos, dentre outros.

A pesquisa de campo realizada aponta para a necessidade criação e aprimoramento de políticas ambientais, assim como criação de instrumentos de quantificação, qualificação, avaliação e monitoramento, de forma a sinalizar a eficiência e eficácia dos serviços ambientais prestados no âmbito municipal, bem como as necessidades de melhoria.

Pode-se concluir que os objetivos geral e específicos da pesquisa foram atendidos uma vez que foi possível identificar a existência de um indicador de sustentabilidade utilizado pelos municípios do Grande ABC, bem como analisar sua utilização, mensuração e comparação com outras localidades.

Ainda há muito que ser feito na gestão ambiental municipal, no Grande ABC. Quanto ao uso de indicadores, elucidando-o como ferramenta de planejamento das ações das organizações públicas, de monitoramento e acompanhamento destas ações, e seu aprimoramento contínuo, seja na área ambiental, social, financeira, educacional e outras que possam ser englobadas, assegurando um ambiente e uma cidade cada vez melhor para os cidadãos que nela vivem.

Um fator limitador da pesquisa é a impossibilidade de generalização destas constatações para outras regiões do país, que fica como sugestão para trabalhos futuros, bem como a ideia de criação de um indicador regional para o Grande ABC, levando em consideração as características da região e suas peculiaridades, podendo estar centralizado no Consórcio Intermunicipal, facilitando na elaboração de projetos de melhoria local e

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regional, captação de recursos financeiros para as cidades que possuem interesses comuns.

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DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL: OS DESAFIOS DA PRESERVAÇÃO, DO PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO E DA GESTÃO PÚBLICA EM PARANAPIACABA

Vanessa Gayego Bello Figueiredo*

Resumo O artigo apresenta a experiência de desenvolvimento sustentável da

Vila Ferroviária de Paranapiacaba por meio da gestão municipal descentralizada implementada pela Prefeitura de Santo André entre 2001 e 2008.

A partir da criação da Subprefeitura de Paranapiacaba e Pq. Andreense viabilizou-se a integração entre as políticas de preservação do patrimônio cultural, conservação ambiental, turismo sustentável, desenvolvimento social, planejamento urbano e participação cidadã necessárias à promoção do desenvolvimento local com preservação da paisagem cultural. Esta experiência, devido aos seus desafios e conquistas, vem sendo considerada referência por órgãos nacionais, como o IPHAN e Ministério das Cidades.

Paranapiacaba, que na linguagem indígena significa “local de onde se vê o mar”, conserva um significativo acervo tecnológico ligado a São Paulo Railway e testemunhos de um padrão arquitetônico e urbanístico bastante avançados para sua época. Em 1946, a ferrovia e todo seu patrimônio foram incorporados ao Governo Federal. Em 1987, teve seu patrimônio tombado pelo CONDEPHAAT, em 2002 pelo IPHAN e em 2003 pelo órgão municipal. A Vila está inserida na região da Mata Atlântica, declarada Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo em 1994 pela UNESCO. Em 2008 Paranapiacaba tornou-se o primeiro patrimônio industrial ferroviário brasileiro e também primeiro patrimônio cultural paulista a compor a lista indicativa do IPHAN ao título de Patrimônio da Humanidade da UNESCO.

Palavras-chave: Desenvolvimento sustentável, planejamento territorial participativo, patrimônio cultural. Abstract

This work presents the management of Local Sustainable Development of Paranapiacaba implemented by the Municipality of Santo André between 2001 and 2008. In 2001 was created a Local Government, the Paranapiacaba and Andreense Park borough, and in 2002 the Municipality purchased the Village. Since then, there have been investments in managing local sustainable development that seeks, by integration

* FAU/CEUNSP

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between policies of cultural heritage, environmental conservation, sustainable tourism, social development, urban planning and citizen participation necessary for the promotion of local development with preservation of the cultural landscape. This experience has been considered paradigmatic for national bodies such as the IPHAN and Ministry of Cities.

In the highlands of Serra do Mar, the municipality of Santo André preserves a most expressive cultural and natural heritage of the Brazilian territory: Paranapiacaba, an indigenous term meaning a “place to watch the sea”. Located 48km away from the capital, the Village was founded and developed in 1860, as the first railroad was built in the state by the British Company, São Paulo Railway. In 1946, as the 90-year concession to SPR ended, the railroad and all of its heritage were incorporated to the Federal Government by means of the Santos-to-Jundiaí Railroad Company, which was short-lived and, in 1957, was encompassed by the Federal Railroad Mesh. Paranapiacaba had its natural, historic, technological, urbanistic, and architectural heritage recognized in 1987 as per listing of the Heritage Defense Council of the State of São Paulo, in 2002 by the IPHAN (National Historic and Artistic Heritage Institute). In 1994, the UNESCO, recognizes the importance of local Atlantic Forest biodiversity and ecosystems by creating a Biosphere Reservation of the São Paulo Green Belt. In 2008, Paranapiacaba was on the verge of becoming a World Heritage to Mankind. Brazil currently has 18 assets thus recognized by UNESCO and Paranapiacaba will be the first industrial railway heritage to join the Brazilian list. Key words: Sustainable Development, participative territorial planning, cultural heritage. 1. Apresentação

Implantada no topo da Serra do Mar, parte mais alta da cordilheira marítima, numa altitude de 796 metros, a pequena Vila Ferroviária de Paranapiacaba, a cerca de 64 quilômetros da capital paulista, é um exemplar notável do patrimônio cultural brasileiro.

Situada na cidade de Santo André, a Vila faz parte do Distrito de Paranapiacaba que possui 83,22 Km2, representando 48% da área do município. Essa porção do território andreense está totalmente inserida em área de proteção aos mananciais e, portanto, preserva significativas reservas naturais. Em 1994 a UNESCO reconheceu a importância da biodiversidade e dos ecossistemas de Mata Atlântica da região por meio da

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criação da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo.

Imagem 1. Foto Aérea de Paranapiacaba em 1940. Fonte. ENFA – Empresa Nacional de Fotos Aéreas. Governo do Estado de São Paulo. Secretaria de Economia e Planejamento. Coordenadoria de Planejamento e Avaliação. Instituto Geográfico e Cartográfico.

Paranapiacaba, que na linguagem indígena significa “local de onde

se vê o mar”, conserva um significativo acervo tecnológico ligado a ferrovia e testemunhos de um modelo arquitetônico e urbanístico bastante avançados para a época de sua implantação. Essa vila ferroviária nasceu e se desenvolveu a partir de 1860 com a implantação da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, a primeira ferrovia paulista, construída pela companhia inglesa SPR - São Paulo Railway, para escoar a produção cafeeira do Estado de São Paulo ao mercado internacional. Em 1946, a ferrovia e todo seu patrimônio foram incorporados ao Governo Federal e em 1957 a Rede Ferroviária Federal S.A. passou a administrá-los. A partir dos anos 80 a Vila de Paranapiacaba passou por um intenso período de abandono e degradação.

Em 1987, após inúmeras solicitações populares, teve seu patrimônio cultural e natural reconhecido e tombado pelo CONDEPHAAT, em 2002 pelo IPHAN e em 2003 pelo órgão municipal, o COMDEPHAAPASA. Entre 2003 e 2007 foi considerada pela World Monuments Fund um dos cem patrimônios mais importantes do mundo em risco. Em 2008 Paranapiacaba tornou-se o primeiro patrimônio cultural paulista e também primeiro patrimônio industrial ferroviário brasileiro a compor a lista indicativa do IPHAN ao título de Patrimônio da Humanidade da UNESCO.

Para administrar as especificidades da região de Paranapiacaba, a Prefeitura de Santo André criou em 2001 a Subprefeitura de Paranapiacaba e Parque Andreense, viabilizando a implantação de um modelo de gestão municipal descentralizada, articulando as políticas de desenvolvimento urbano, econômico e social, com preservação do patrimônio cultural, conservação ambiental, turismo sustentável e participação cidadã.

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A partir de 2002, com a compra da Vila pela prefeitura, foi possível dar início ao paradigmático programa de Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável de Paranapiacaba, intensificando o processo de recuperação desse precioso patrimônio brasileiro, compreendido e gerido como paisagem cultural.

O conceito de paisagem cultural utilizado pelo Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO desde 1992 e sistematizado pela Recomendação R(95) do Conselho da Europa em 1995, amplia significativamente o conceito de patrimônio na medida em que reúne, articula e integra conceitos e objetos de diversos campos disciplinares e por isso torna bastante complexa a gestão do patrimônio, requererendo a revisão, adaptação e a reformulação das políticas de preservação vigentes, conforme revelará a experiência desenvolvida em Paranapiacaba relatada neste artigo.

O amplo e complexo programa de gestão desenvolvido vem sendo considerado avançado e inovador por diversas instituições, dentre elas o IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Ministério das Cidades e a Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo, sobretudo pela concepção e implementação integrada e interdisciplinar de políticas públicas, mas também pela qualidade, quantidade e agilidade dos resultados alcançados.

O artigo apresentará essas políticas integradas, porém sem detalhar exaustivamente cada uma delas, com a intenção de dar ao leitor um panorama geral do que foi a experiência deste amplo programa de desenvolvimento local sustentável implantado em Paranapiacaba.

2. Introdução: a Vila Ferroviária de Paranapiacaba

Inicialmente cabe apresentar brevemente a Vila Ferroviária de Paranapiacaba, objeto desse artigo, para a melhor compreensão do conteúdo das políticas públicas desenvolvidas.

A Vila Ferroviária de Paranapiacaba conserva um significativo acervo tecnológico ligado a ferrovia e testemunhos de um padrão arquitetônico e urbanístico bastante inovadores para a época de sua implantação.

Parte Baixa - A Vila Velha

A Vila Velha foi o acampamento inicial dos funcionários que trabalharam na construção da estrada de ferro São Paulo Railway. Neste primeiro núcleo de povoamento foram construídos depósitos, oficinas ferroviárias e habitações provisórias ainda de pau-a-pique e sapé, assentadas desordenadamente ao longo da via de acesso principal à Parte Baixa da Vila: a rua Direita. A fixação destes operários demandou, em 1874, a construção da primeira estação – a Estação Alto da Serra – localizada no início da Rua Direita, ao lado do Largo dos Padeiros.

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O Pátio Ferroviário Para realizar o movimento de subida e descida dos quase 800

metros de altura da Serra do Mar implantou-se o sistema funicular, que ficou conhecido como “Serra velha”, utilizando quatro máquinas fixas movidas a vapor que tracionavam cabos de aço em regime de contrapeso.

O intenso e rápido crescimento da economia paulista impulsionou a duplicação da ferrovia e a construção da Segunda Estação, toda em madeira e ferro, locada dentro do pátio de manobras, acompanhada da passarela metálica ou “ponte”, como era chamada, e da torre do relógio.

Entre 1896 e 1901, foram construídos os novos planos inclinados da Serra ou, simplesmente, a “Serra Nova”, compreendendo cinco patamares em uma extensão de 10,5 km. O novo sistema funicular atravessava 11 túneis, utilizando a “locobreque” operada em cinco etapas por meio de cabos de aço que tracionavam as composições movidas por cinco máquinas fixas à vapor.

Mais uma modernização tecnológica foi realizada em 1974 com a instalação do sistema cremalheira-aderência nos trilhos da Serra Velha. Durante algum tempo, os dois sistemas funcionaram conjuntamente, mas em 1982 o Sistema Funicular da Serra Nova foi desativado.

Em 1977 o relógio foi transferido para uma torre junto à terceira e atual estação, construída em concreto e tijolo aparente. A segunda estação, já abandonada, pegou fogo em janeiro de 1981.

Imagem 2. A Vila Nova (em primeiro plano); o pátio ferroviário (ao lado); a Vila Velha (ao fundo), 2006. Fonte: LUME FAU USP. Laboratório de Urbanismo da Metrópole da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo/PMSA. A Vila Nova ou Vila Martim Smith

Paralelamente à construção do novo sistema funicular e reflexo do sucesso do transporte ferroviário, a vila operária foi ampliada pela São Paulo Railway Co. A Vila Nova ou Vila Martim Smith foi planejada adotando

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padrões urbanísticos e sanitários correntes na Europa após a Revolução Industrial.

Considerado bastante inovador para a época, a Vila Nova conta com um traçado ortogonal e regular de ruas largas e hierarquizadas com vias principais, secundárias, vielas sanitárias e redes de infra-estrutura urbana em abastecimento de água, coleta de esgoto, drenagem, energia elétrica e até proteção contra incêndio.

Bastante diferente do que nos legou a colonização ibérica, o padrão de ocupação da vila planejada marca a presença inglesa através da implantação do casario padronizado em madeira, com conjuntos geminados de duas ou quatro unidades e recuos frontais, possibilitando a existência dos jardins, ainda incomuns no início do século, mesmo na capital. Esta homogeneidade urbana da Vila Nova contrastava com a extrema hierarquia social na SPR revelada, sobretudo, na forma de habitar através de diversas tipologias residenciais. Cada tipo de edificação, o tamanho do lote e da casa definiam distintas categorias de funcionários. Havia a “rua dos Ingleses”, com casas amplas e isoladas no lote destinadas aos engenheiros da ferrovia, casas mais simples para as famílias de foguistas e maquinistas e galpões para alojamento coletivo de funcionários solteiros.

Destaca-se na paisagem de Paranapiacaba a edificação destinada ao mais alto funcionário inglês - o engenheiro chefe. A única residência assobradada da Vila, conhecida como Castelinho, foi implantada em 1897 ao topo da pequena colina entre a Vila Nova da Vila Velha, de onde o administrador observava e, de certa forma, controlava toda a movimentação do aglomerado urbano e do pátio ferroviário.

Embora predominantemente residencial, o projeto inglês não esqueceu de garantir espaço aos equipamentos urbanos necessários à vida na Serra, inclusive o lazer. Entre 1899 e 1907 foi construído o Clube Sociedade Recreativa Lyra da Serra, e a sede do Serrano Atlético Clube, que fundiram-se criando o Clube União Lyra Serrano, cuja nova sede erguida em 1938 permitiu intensificar a vida social dos ferroviários com a realização de bailes, jogos de salão, teatro, exibição de filmes e da famosa Banda Lyra. O antigo mercado, local de comércio de secos e molhados, data de 1899. O primeiro grupo escolar iniciou seu funcionamento em 1911 em um espaço adaptado em duas unidades residenciais em madeira e em 1939 teve sua nova sede inaugurada em edificação de alvenaria.

A Parte Alta e Rabique

Do outro lado da linha férrea formou-se um núcleo de comerciantes e prestadores de serviços que vieram atraídos pelo grande número de operários que construíam a ferrovia, constituindo a ocupação do “morro”, ou Parte Alta, como é chamada atualmente. A Parte Alta escalona a encosta configurando um tipo de ocupação urbana compacta, densa, diversificada e visualmente rica. Marcada pela influência do período colonial com ocupação

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tipicamente portuguesa, em suas ruas estreitas e sinuosas foram erguidas edificações coloridas e irregulares, de pequena frente e implantadas geminadas e sem recuos laterais. Entretanto, a influência da tradição inglesa é notada nos materiais de construção, como a madeira, utilizada em algumas edificações.

Por volta de 1889, foi construída a Igreja Bom Jesus de Paranapiacaba, o principal marco referencial na paisagem da Parte Alta.

O Rabique é uma ocupação espontânea e irregular implantada na faixa entre a Rodovia SP-122 e a ferrovia. A alta declividade desta área conforma um espaço com dificuldade de acessibilidade e grande risco para deslizamentos de terra, tornando a região imprópria à urbanização.

Imagem 3. Paranapiacaba, Parte Alta, 2005. Foto: Vanessa Figueiredo. 3. O desenvolvimento local sustentável em Paranapiacaba 3.1. A descentralização administrativa

A Vila Ferroviária de Paranapiacaba está totalmente inserida em área de proteção aos mananciais, característica que imprime um diferencial em relação ao restante do território andreense, muito urbanizado, adensado e industrializado. A distância, o isolamento e as dificuldades de locomoção dificultam o acesso à região central da cidade de Santo André.

Um grande desafio, mas também um dos objetivos da administração municipal, foi criar o sentimento de “pertencimento” e identidade dos cerca de sete mil moradores da região dos mananciais andreenses em relação à cidade de Santo André. Pois, era comum, por questão de proximidade, recorrerem a municípios mais próximos como Rio Grande da Serra, Ribeirão Pires e Mauá, para atendimento de suas necessidades e uso de serviços públicos, estabelecendo uma dinâmica regional.

Desta maneira, entre 1989 e 1992, foi criado pela Prefeitura o programa “Viva Cidade”, que apontou a necessidade de incluir e, portanto, reconhecer Paranapiacaba no conjunto de bairros do Município. Naquele momento, a ação definida para atingir este objetivo foi a descentralização administrativa por meio da criação de “Centrais de Atendimento”,

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especialmente nas áreas mais distantes do município – como na área da Represa Billings (hoje bairro Parque Andreense), onde existem 20 loteamentos irregulares, e na Vila Ferroviária de Paranapiacaba.

As Centrais de Atendimento funcionavam preferencialmente para facilitar as ações do poder público, tais como manutenção de vias; limpeza urbana; serviços de drenagem; orientações técnicas relativas à regularização fundiária, à fiscalização, ao controle de zoonoses; além de atendimento geral ao público. Entretanto, as prioridades administrativas continuavam sendo definidas no Paço Municipal, no distante Centro de Santo André.

Em um segundo momento, entre 1991 e 1997, a “Central de Atendimento” foi transformada na “Regional de Paranapiacaba”, mantendo as mesmas funções, conduzidas por uma equipe reduzida de trabalho. Esta medida administrativa auxiliou na construção da identidade andreense para os moradores da Vila.

Imagem 4. Território de Santo André: área de mananciais, área urbana e vila de Paranapiacaba. Fonte: LUME FAU USP/Prefeitura de Santo André/Subprefeitura. Memorial da ZEIPP, 2006.

No final de 1998, a Prefeitura de Santo André realiza um convênio com a Universidade da British Columbia do Canadá (UBC) e a Agência de Desenvolvimento Internacional Canadense (CIDA). Este convênio teve por finalidade a transferência de tecnologia e aprimoramento dos mecanismos de proteção e reabilitação das áreas de mananciais em Santo André, afetadas por assentamentos informais. Do convênio consagrou-se o projeto de Gerenciamento Participativo em Áreas de Mananciais (GEPAM), envolvendo estudo e análise da Bacia da Represa Billings em sua totalidade para a formulação de intervenções em áreas piloto. No projeto são abordados três eixos principais: desenvolvimento socioeconômico, identificação e proposição de alternativas para áreas ambientalmente

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sensíveis e regularização fundiária. São três áreas pilotos: Parque Represa Billings III, Favela Pintassilva e Vila de Paranapiacaba. Naquele momento, a inclusão social e o desenvolvimento econômico foram os aspectos que nortearam as atividades do projeto GEPAM em Paranapiacaba.

A administração municipal, vislumbrando a possibilidade de reversão do quadro existente na região, potencializado com a oportunidade de aquisição da Vila de Paranapiacaba, definiu uma nova estratégia, voltada ao desenvolvimento de novas atividades econômicas viáveis, considerando: a integração da região à dinâmica da cidade; a compatibilidade com a produção de água potável e a preservação ambiental e cultural.

Para viabilizar esta nova estratégia foi implantado um governo local, respondendo diretamente ao prefeito, com a estrutura de uma secretaria municipal, e com autonomia de gestão. Desta ação descentralizadora criou-se, em 2001, a Subprefeitura de Paranapiacaba e Parque Andreense, iniciando uma nova e decisiva etapa do processo de gestão da região. A partir desta etapa foi possível desenvolver definitivamente políticas, programas e ações integradas e inovadoras, agora em novas condições e estrutura administrativa.

A Subprefeitura nesta ocasião foi estruturada em cinco departamentos: Meio Ambiente, Desenvolvimento Social, Infra-estrutura, Paranapiacaba e Departamento Administrativo. Cada departamento foi subdividido em gerências para a coordenação do trabalho em áreas temáticas. Todos os departamentos desenvolviam ações na Vila de Paranapiacaba, mas era o Departamento de Paranapiacaba (DP) que tinha a responsabilidade direta sobre a gestão da paisagem cultural de Paranapiacaba e a implantação do programa de desenvolvimento local.

O DP possuia três gerências: gerência de Turismo, de Recursos Naturais e de Patrimônio e Projetos. A Gerência de Turismo tinha a responsabilidade de desenvolver e operar o turismo sustentável, promovendo os produtos turísticos e buscando envolver a comunidade nos projetos, gerando renda através dos serviços criados para atender os visitantes. O objetivo da Gerência de Recursos Naturais era promover a gestão sustentável da área natural protegida do Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba, uma Unidade de Conservação municipal, buscando a participação e o desenvolvimento da comunidade local em assuntos relacionados à conservação ambiental e ecoturismo.

Já à Gerência de Patrimônio e Projetos coube implementar e aprimorar ações para a preservação do patrimônio cultural e promover a gestão administrativo-financeira dos contratos de permissão de uso dos imóveis de propriedade da Prefeitura de Santo André na Vila de Paranapiacaba. Era esta gerência que realizava a relação com os órgãos de preservação na aprovação de projetos, acompanhava obras de restauro, manutenção e fiscalização.

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Em 2005, na passagem ao subseqüente período de gestão do governo municipal, houve uma reestruturação administrativa, onde o Departamento de Infra-Estrutura tornou-se uma gerência e o Departamento de Desenvolvimento Social foi extinto, tendo suas funções e projetos assumidos pelas Secretarias da Saúde; Educação; Cultura, Esporte e Lazer; pelo Núcleo de Ação Social e, em parte, pelo Departamento de Paranapiacaba e pelo Departamento de Meio Ambiente da Subprefeitura.

Assim, a criação da Subprefeitura de Paranapiacaba e Parque Andreense, com o desafio de unir esta porção do território à cidade de Santo André e implantar uma gestão democrática e participativa, proporcionou, como será apresentado a seguir, a criação de uma rede local de serviços públicos e políticas integradas que contribuíram para alterar a realidade de distanciamento, isolamento e abandono outrora existentes e reforçar a identidade local, além de promover políticas descentralizadas mais adequadas às necessidades e especificidades da região.

A Subprefeitura de Paranapiacaba e Parque Andreense, através do Departamento de Paranapiacaba, promoveu e implementou o Programa de Desenvolvimento Local Sustentável de Paranapiacaba, integrando políticas públicas em seis áreas de trabalho: turismo sustentável, conservação ambiental, desenvolvimento social e participação cidadã, preservação do patrimônio, planejamento urbano e gestão administrativo-financeira dos imóveis públicos.

3.2. O turismo sustentável

Após a criação da Subprefeitura e, sobretudo, após a compra da Vila em 2002 pela Prefeitura de Santo André, a administração teve condições de iniciar de fato o programa de desenvolvimento econômico e social baseado no turismo.

O projeto de turismo proposto teve como objetivo a promoção do turismo de base comunitária, onde a comunidade local estivesse inserida na rotina da visitação pública, na convivência com o turista, nas atividades e produtos turísticos. No entanto, este projeto foi implantado paulatinamente, com planejamento e em etapas, com o objetivo de incluir a comunidade moradora e evitar possíveis impactos negativos ou indesejáveis sobre o patrimônio, o meio ambiente e sobre a rotina e qualidade de vida da população local.

Desde 2001, o projeto foi estruturado em 3 etapas: a primeira de implantação, a segunda de qualificação e a terceira de formalização dos empreendimentos e empreendedores.

O objetivo principal da primeira etapa, que se desenvolveu de 2001 a 2004, foi a implantação da atividade turística, com criação de infra-estrutura de recepção, alimentação, hotelaria, serviços e produtos turísticos, praticamente inexistentes na Vila naquele momento.

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Para organizar os programas de turismo foi utilizada a metodologia do planejamento estratégico situacional e foram elaborados planos específicos para o desenvolvimento turístico de Paranapiacaba. Em 2002 foi concluída a primeira medição da visitação turística anual, totalizando 41 mil visitantes. Em 2008 esse número saltaria para 250 mil.

Em 2003 foi sistematizado o “Plano Patrimônio”, elaborado pelos técnicos da Subprefeitura com consultoria da empresa CHIAS Marketing. Neste plano foi realizado um diagnóstico dos atrativos turísticos e dos produtos potenciais, foi criada a logomarca turística de Paranapiacaba e diversos programas de incentivo à fixação dos moradores e à inserção da população local ao programa de turismo, tais como, o programa Portas Abertas, Fog & Fogão, Bed and Breakfast e o Atelier-Residência. Todos eles incentivavam o morador a abrir um empreendimento voltado à prestação de serviços turísticos em sua própria residência. Àqueles que ingressavam no programa foi concedido um desconto de 70% nas contraprestações. O principal resultado desta etapa foi a abertura de muitos empreendimentos. Em 2002 Paranapiacaba contava com apenas 9 empreendendimentos e, em 2008, totalizou-se o número de 90 empreendimentos, nas áreas de hotelaria, alimentação e prestação de serviços turísticos, gerando uma queda significativa dos indicadores de desemprego e o aumento da renda média da população.

Nesta primeira fase foram criados também dois dos principais produtos turísticos de Paranapiacaba: o Calendário Cultural e o Parque Nascentes. O Calendário Cultural é anual e inicia com o tradicional carnaval. Em abril há o Festival Gastronômico do Cambuci (fruto típico da Mata Atlântica), em junho a Festa Junina e as comemorações do mês do meio ambiente e em julho o Festival de Inverno, o principal evento do ano, responsável por cerca de 50% da visitação anual. Em agosto há a Festa do Padroeiro, em setembro a Semana do Ferroviário, em outubro o mês da criança e em dezembro a Feira de Oratórios e Presépios. Em 2008, aconteceu o primeiro Festival de Cinema de Paranapiacaba em outubro, pois a Vila abriga a edificação que é considerada o segundo cinema do Brasil. Estes eventos culturais, exceto o Festival de Inverno, foram criados a partir dos atrativos, costumes e tradições locais relacionando-os com o calendário cultural brasileiro.

O Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba, criado em 2003, é principal produto ecoturístico, oferecendo trilhas, arborismo e interpretação ambiental na Mata Atlântica.

A segunda etapa, desenvolvida entre 2005 e 2008, preocupou-se com a qualificação dos empreendimentos comunitários abertos na primeira etapa, com a organização das atividades urbanas no território (planejamento urbano) e com a integração definitiva entre desenvolvimento turístico e social, conservação ambiental e preservação do patrimônio cultural.

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Neste contexto, foram criados o PQST – “Programa de Qualificação dos Serviços Turísticos” e a “Certificação 5º. Patamar”, para oferecer aos empreendedores e moradores um conjunto de cursos abordando os temas de educação ambiental, educação patrimonial e educação para o turismo e empreendedorismo. Organizado em três módulos (básico, intermediário e avançado), estes cursos formaram, até 2008, 50 monitores ambientais e 30 monitores culturais. No entanto, era facultativa a participação no PQST, que também previa um sistema de avaliação dos serviços prestados através da Certificação 5o. Patamar. A primeira certificação, realizada em 2005, graduou os empreendimentos entre 1 e 5 vagões (vagões ferroviários substituindo a tradicional graduação em estrelas). Em 2008 foi concluída a segunda certificação, possibilitando a avaliação periódica da qualidade dos serviços turísticos e da participação da comunidade nos cursos, palestras e projetos oferecidos.

O Plano Patrimônio de 2003 foi revisado e reelaborado em 2007, com base nas diretrizes da lei da ZEIPP – Zona Especial de Interesse do Patrimônio de Paranapiacaba – o plano diretor da Vila, gerando o PDTUR - Plano de Desenvolvimento Turístico Sustentável. O PDTUR reavalia os atrativos e produtos turísticos, bem como os segmentos turísticos a serem priorizados. Paranapiacaba passa então a focar suas ações e projetos em quatro segmentos turísticos: o turismo cultural, o ecoturismo, o turismo pedagógico e o turismo de qualidade de vida. Trabalha-se também, como segmentos secundários, o turismo de esporte, aventura e eventos. O PDTUR conta também com um plano de infra-estrutura turística, articulado às diretrizes urbanas e de preservação do patrimônio estabelecidas na ZEIPP, bem como com um plano de comunicação e um plano operacional.

Em 2007, o turismo cultural foi incrementado com o Circuito Museológico. Baseado na concepção de “Museu a Céu Aberto”, o circuito articula espaços expositivos diversos e a própria paisagem cultural local na abordagem dos temas patrimônio histórico, natural, sócio-cultural, arquitetônico-urbanístico, ferroviário e o humano. Este projeto museológico foi premiado em maio de 2007, no “Concurso de Modernização de Museus”, promovido pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

A partir de 2008, com a aprovação da lei da ZEIPP, a Vila iniciou sua preparação para entrar na terceira fase do projeto que compreenderia a formalização e regularização dos empreendimentos turísticos. Este processo de formalização tinha como objetivo a adequação dos empreendimentos às normas legais existentes, como, por exemplo, a adequação às exigências da vigilância sanitária, ao código de obras municipal e à legislação exigida para o funcionamento de empreendimentos comerciais e prestação de serviços, além da formalização do trabalhador. No entanto, esta etapa não foi concluída devido à troca da administração municipal em 2009 pelo novo governo assumido após as eleições de 2008.

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3.3. O desenvolvimento social e a participação cidadã

A Subprefeitura implantou, de 2001 a 2008, um modelo de gestão democrática e participativa que trouxe os moradores para a linha de frente das decisões locais, atuando como protagonistas de seus destinos. Uma gestão que não se constrói de forma centralizada, mas ancorada em redes que envolvem a participação organizada de diversos atores locais e cujo centro de decisões está na própria Vila de Paranapiacaba, com envolvimento do poder público, de instituições afins, como os órgãos de preservação do patrimônio e os ambientais, dos moradores e interessados.

No entanto, a implantação deste novo modelo de gestão encontrou barreiras que exigiram dos condutores constantes revisões no processo e habilidades para transpô-las. Estas dificuldades passavam pela descrença dos moradores em relação às ações do Poder Público, durante muito tempo ausente, e pelo rompimento de privilégios estabelecidos ao longo dos anos com lideranças negativas que usufruíam benefícios com o estado de desordem física e institucional encontrado.

Sendo assim, a implementação das políticas e ações da Subprefeitura na região foi realizada conjuntamente com a comunidade, não raro com demasiado debate e conflito inerente ao processo democrático e ao estabelecimento de uma nova ordem com a presença do poder público. Diversas instâncias participativas foram criadas, desde mecanismos já consagrados pelas administrações petistas, como o Orçamento Participativo e os conselhos temáticos (Meio Ambiente, Saúde, Educação, Desenvolvimento Urbano e Patrimônio), até instâncias específicas para a região, como o Conselho de Representantes de Paranapiacaba e Pq. Andreense, criado em 2001. Apesar das reuniões mensais do conselho da comunidade, instituiu-se ainda duas “Câmaras Técnicas” do Conselho para abordar com mais especificidade as questões pertinentes ao cotidiano da Vila de Paranapiacaba e dos demais loteamentos existentes na região de mananciais (Parque Andreense).

Todavia, para atender e responder melhor aos anseios da comunidade da Vila, com cerca de 1400 moradores, a administração sentiu a necessidade de criar instâncias mais específicas de participação, enfocando temas de maior interesse e demanda, como: o Fórum de Monitores, o Fórum de Empreendedores, a Comissão de Festejos e a Comissão da ZEIPP.

Estes organismos de gestão participativa visavam integrar os diferentes saberes e buscar soluções e alternativas conjuntas aos problemas, projetos e programas desenvolvidos, envolvendo a co-responsabilidade da comunidade nas decisões tomadas. Por outro lado, estes sistemas de participação fomentavam permanentemente a organização e o protagonismo comunitário, alicerçando uma estrutura de governança local, cujo objetivo fora também garantir a continuidade da

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preservação da paisagem cultural de Paranapiacaba, para além da ação direta da administração pública local. Além dos mecanismos de participação, a comunidade local foi incentivada pelo poder público a investir na geração de trabalho e renda.

Dentro do PQST – Programa de Qualificação dos Serviços Turísticos, também foram promovidos cursos profissionalizantes, fomentando a formação de grupos por meio do cooperativismo ou associativismo. Foram ministrados cursos de economia solidária, carpintaria, marcenaria, restauro em madeira, artesanato em cerâmica, xilogravura, gastronomia e formação para trabalho em construção civil, como eletricista, pedreiro e encanador. Até o final de 2008 estavam formados e trabalhando a Cooperativa de Restauro em Madeira e três associações de serviços turísticos: a AMA (Associação de Monitores Ambientais de Paranapiacaba); a ECOVERDE e a ECOPASSEIOS. Estavam ainda em formação a cooperativa de gastronomia e a associação dos artesãos de Paranapaicaba.

Outros cursos buscavam a formação continuada e aperfeiçoamento para monitores de turismo, tais como o de “Aprendizado Seqüencial e Vivência na Natureza” e o de “Historia e Memória Oral”, para a formação dos “Agentes da Memória”.

A administração investiu especificamente na formação e inclusão de jovens por meio de dois programas: o Programa de Jovens da Reserva da Biosfera (PJ) e o Agente Jovem. Desenvolvido em parceria com o Instituto Florestal e a Unesco, o Programa de Jovens da Reserva da Biosfera buscava, além da formação integral de adolescentes entre 14 e 21 anos, a capacitação para o ecomercado, nas áreas de monitoria ambiental, ecoturismo, manejo florestal, agroindústria artesanal e arte e reciclagem.

Além de trabalhar a auto-estima e a formação de caráter dos jovens, os programas de fato contribuíram para inserí-los no mercado. Até 2008, 14 jovens haviam sido contratados para atuarem como monitores do Parque Estadual Caminhos do Mar e outros 20 atuavam como monitores ambientais em Paranapiacaba. Em 2006 foi implantado em Paranapiacaba o viveiro e horta experimental pelos jovens, com financiamento do Banco Mundial. Em 2008 outros 50 alunos estavam terminando o curso de formação.

O programa Agente Jovem, em parceria com o Governo Federal, proporcionava a formação sócio-ambiental de jovens entre 14 e 17 anos. Em Paranapiacaba formaram-se 40 alunos, dos quais 13 receberam bolsas no valor de R$ 60,00 ao mês.

Para promover a inclusão de moradores que não tinham condição sócio-econômica de abrir empreendimentos sozinhos foi criado em 2002 o “Entreposto de Arte e Artesanato” e o “Espaço Gastronômico”. Primeiramente o espaço cedido como sede dos projetos foi o Antigo Mercado. Em 2006 receberam, através de um convênio, dois imóveis para o desenvolvimento de suas atividades. Em 2008 estava sendo realizado um

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trabalho para que estes grupos se formalizassem como associação ou cooperativa.

Em caso de constatação de situação de risco social (grandes famílias em casas pequenas, várias famílias subdividindo o mesmo imóvel ou aluguel incompatível com a renda familiar) ou risco ambiental (risco geotécnico, instabilidade estrutural dos imóveis ou insalubridade por falta de sistema hidráulico adequado), a Subprefeitura procedia ao remanejamento destas famílias para outros imóveis que proporcionassem uma situação sócio-ambiental mais adequada.

Além disso, a porção da população de baixa renda estava inserida nos programas de transferência de renda. Através da Subprefeitura eram realizados 250 atendimentos sociais mensais na região. O Bolsa Família, o Família Andreense e o Renda Cidadã atendiam 32 famílias em Paranapiacaba e 320 na região de loteamentos irregulares em mananciais, atingindo 90% da demanda.

Visando a avaliação e monitoramento das políticas sociais, a Subprefeitura realizou em 2005 um cadastro social, econômico e cultural completo dos 1400 moradores da Vila de Paranapiacaba, com informações sobre escolaridade, renda, desemprego e vínculo histórico-cultural. Alguns indicadores confirmaram a promoção do desenvolvimento local:

O desemprego diminuiu de 61% em 1999 para 30% em 2005 e a renda média individual aumentou em 77,58%, de R$150,00 em 2001 para R$ 266,58 em 2005. Os monitores ambientais e culturais ganhavam um valor médio de R$ 600,00 mensais na alta temporada.

O número de empreendimentos cresceu de apenas 9 em 2001 para 90 em 2008 (nas áreas de hotelaria, alimentação e serviços turísticos) e 90% deles são de moradores de Paranapiacaba. A movimentação financeira anual média declarada pelos empreendedores subiu de R$ 32 mil/ano em 2002 para R$ 1 milhão/ano em 2007. Houve também aumento nos níveis de escolaridade, como por exemplo, o 2º grau completo subiu de 20,21 % em 1999 para 56,65% em 2005 e superior de 2% para 5% no mesmo período. Um destaque está na opção de muitos jovens em cursar o 3º grau relacionado às atividades turísticas ou ambientais, como biologia, turismo, gastronomia, etc.

3.4. A conservação ambiental

A área do entorno da Vila Ferroviária de Paranapiacaba conserva um importante remanescente de Mata Atlântica que tornou-se, em 2008, área núcleo da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo (RBCV), criada pela UNESCO em 1994. Formando um extenso corredor ecológico envolvendo 73 municípios, o principal objetivo da RBCV é a conservação da biodiversidade e dos ecossistemas da Mata Atlântica da região e a gestão integrada, com sustentabilidade ambiental.

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No território pertencente a Santo André foi criado em 2003, pelo Decreto Municipal 14.937/03, o Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba. É uma Unidade de Conservação com 4.261.179,10 m2 que faz divisa com mais duas UCs: a Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba e o Parque Estadual da Serra do Mar.

O Parque tem importante contribuição na formação dos corpos hídricos que alimentam o reservatório Billings, maior reservatório de águas da Região Metropolitana de São Paulo.

A conservação dos recursos naturais é garantida através de um sistema de vigilância. Existem duas guaritas com controle de acesso nas principais estradas do Parque que conta com sistema de radiocomunicação para atendimento de ocorrências e uma equipe da guarda municipal e agentes ambientais. Em caso de infração ambiental, os agentes credenciados da Subprefeitura lavram advertência ou auto de infração ambiental. Em caso de crime ambiental, a ocorrência é encaminhada a Polícia Ambiental.

Até dezembro de 2008 percorreram as trilhas do Parque cerca de 90.000 visitantes, acompanhados de monitores ambientais formados pelo programa de turismo, promovido pela Subprefeitura em parceria com o Instituto Florestal de São Paulo. As trilhas são sinalizadas e o Parque possui um circuito de interpretação ambiental. Como o Parque é fechado e a visitação cobrada, para garantir o acesso dos moradores, a Subprefeitura criou o projeto “Amigos do Parque”, com emissão de cerca de 300 carteirinhas. Aos grupos de baixa-renda e escolas públicas municipais eram oferecidos cerca de 600 atendimentos gratuitos mensais. No Parque ocorrem também provas de turismo de esportes e aventura, como a corrida de montanha e o trekking.

O Centro de Visitantes do Parque é um espaço que integra o Circuito Museológico de Paranapaicaba. São cinco salas destinadas à recepção (com maquete do parque), exposições sobre flora e fauna e bibliotecas especializadas, como a xiloteca (madeira), a germoteca (sementes) e a brinquedoteca temática sobre meio ambiente, além da sala de vídeo-treinamento.

Em 2004 foi publicada a primeira edição do “Atlas do Parque”, que consiste no primeiro estudo sobre os aspectos naturais da área e constitui a versão preliminar do Plano de Manejo. Em 2008 foi publicada a segunda edição, contendo mais estudos e atualização de informações sobre esta importante reserva natural.

Um instrumento bastante utilizado para garantir a gestão ambiental participativa foi o Biomapa, que consiste na realização de inventários biofísicos, ambientais, culturais, sociais e econômicos, constituídos a partir da leitura que as comunidades têm do local onde vivem.

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Imagem 5. Biomapa de Paranapiacaba. Imagem 10. Programa de Jovens - RBCV – UNESCO Fonte: Subprefeitura de Paranapicaba e Pq. Andreense, 2005.

3.5. O planejamento urbano e a preservação do patrimônio

A prática da preservação de sítios históricos urbanos vem mostrando que o tombamento é um instrumento frágil e inadequado diante das necessidades de preservação, desenvolvimento e continuidade histórica do patrimônio compreendido como paisagem cultural. Tal abordagem considera essencial a multidisciplinariedade do patrimônio e pressupõe a integração de vários aspectos antes enfocados isoladamente em conceitos como patrimônio cultural, natural, material ou imaterial. Costura conceitos de memória e história aos conceitos da geografia, antropologia e urbanismo e pressupõe a ação integrada do planejamento urbano e gestão territorial com as políticas culturais, ambientais, econômicas e sociais, requerendo a participação efetiva da comunidade envolvida.

Desta maneira, a preocupação maior está em conjugar a política de preservação ao processo dinâmico de desenvolvimento das cidades, o que implica necessariamente em não impedir a mudança, mas em direcioná-la e, portanto, trabalhar na perspectiva do desenvolvimento e preservação sustentáveis. O conceito vinha, portanto, de encontro ao trabalho que estava sendo desenvolvido em Paranapiacaba pela equipe multidisciplinar da Subprefeitura.

Nesse sentido, a estratégia que revelou-se mais adequada ao controle e direcionamento das mudanças e atualizações necessárias à preservação sustentável da paisagem cultural, ao menos para o caso de Paranapiacaba, baseou-se na utilização de instrumentos do planejamento urbano. Todavia, não se trata apenas da prática do planejamento territorial urbano, mas, sobretudo, de sua articulação ao planejamento das atividades econômicas, sociais e culturais a serem desenvolvidas em uma porção de território considerada sítio histórico urbano em área ambientalmente sensível ou, simplesmente, paisagem cultural.

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Assim, no bojo destas preocupações, foi criada a Lei da ZEIPP – Zona Especial de Interesse do Patrimônio de Paranapiacaba, um instrumento que vem sendo considerado contemporâneo e inovador pelo Ministério das Cidades111, exatamente por articular o planejamento urbano às diretrizes de preservação e gestão da paisagem cultural de Paranapiacaba e demais políticas públicas setoriais112.

A ZEIPP foi criada em 2004 pelo Plano Diretor de Santo André (PD, Lei nº. 8.696/04) e regulamentada em 2007 pela Lei Específica 9.018/07. A ZEIPP é o plano diretor de Paranapiacaba, ou seja, é o principal instrumento de orientação da política de preservação, desenvolvimento e gestão territorial da paisagem cultural de Paranapiacaba, conciliando o desenvolvimento urbano e econômico da atividade turística, com a conservação e sustentabilidade do patrimônio edificado, natural e imaterial da vila ferroviária, garantindo também a permanência e qualidade de vida do morador.

Conforme exigência do Estatuto da Cidade, o processo de elaboração do Projeto de Lei ocorreu de forma participativa, envolvendo os três órgãos de preservação do patrimônio (IPHAN, CONDEPHAAT e COMDEPHAAPASA), o Conselho Municipal de Política Urbana e representantes de universidades, entidades de classe e da comunidade local.

No que tange especificamente à articulação entre as políticas de preservação do patrimônio e planejamento territorial, a lei da ZEIPP representa também uma conquista, tanto no trabalho conceitual quanto de gestão. A Vila Ferroviária de Paranapiacaba recebeu, através desta uma única lei, um conjunto de diretrizes, instrumentos e parâmetros urbanísticos e ambientais específicos à sua realidade, mas articulados entre si, contribuindo para a institucionalização de uma política adequada a um conjunto urbano de edificações em madeira, do período da primeira industrialização, inserido em de mananciais, com forte presença de mata atlântica preservada.

Embora seja uma experiência pontual, a lei municipal possibilitou a articulação vertical de diretrizes para a preservação sustentável de Paranapiacaba entre os órgãos responsáveis pelo tombamento nas três esferas de governo, que comprometeram-se a incorporar e validar juridicamente a normatização criada na lei 9.018/07 por meio de portarias ou inclusão nos processos de tombamento de cada instância. Todavia, ainda não o fizeram, exceto o órgão municipal (CONDEPHAAPASA), pois os desafios desse arranjo institucional vertical devem ser encampados em nível

111 Breve matéria sobre a ZEIPP está publicada no site do ministério das Cidades/Secretaria Nacional de Programas Urbanos/Legislação desde 2008. 112 Informações mais detalhadas sobre a lei da ZEIPP ver artigo da autora publicado nos anais do I Fórum Nacional de Patrimônio – IPHAN 2010 e a íntegra da lei 9.018/07 disponível no site da Câmara Municipal de Santo André.

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federal por meio da construção de um sistema nacional de patrimônio que possibilite a ação integrada, complementar e co-responsável entre as instituições nos níveis federal, estadual e municipal.

Inicialmente a lei estabelece e pactua conceitos referentes à preservação, conservação, restauração, reparação, manutenção, adaptação e atualização tecnológica (retrofit), propondo uma nova forma de aprovação dos diversos tipos de intervenção no patrimônio edificado, visando à desburocratização dos processos nos órgãos de preservação.

A ZEIPP propõe a divisão da Vila em quatro setores de planejamento urbano (Parte Alta, Parte Baixa, Ferrovia e Rabique), reconhecendo as especificidades urbanas e históricas de cada parte da Vila. Cria um zoneamento priorizando o uso residencial e definindo áreas para o desenvolvimento das atividades comerciais e turísticas, diminuindo assim os conflitos de vizinhança. O zoneamento fixa o estoque habitacional em 50% dos imóveis públicos da Parte Baixa (cerca de 170 imóveis), ou seja, garante em lei a manutenção do uso residencial.

Imagem 6. Paranapiacaba: Zoneamento. Mapa: Vanessa Figueiredo. Fonte: Lei da ZEIPP, 2007.

Foram redefinidos também os parâmetros de ocupação dos lotes e seus limites, as taxas de permeabilidade, os níveis de incomodidade por emissão sonora e as diretrizes para a preservação das edificações e sistema viário, com o objetivo de salvaguardar o conjunto edificado e as relações urbanas que caracterizam a paisagem da Vila.

Já que Paranapiacaba conta com um conjunto de cerca de 340 casas somente na Parte Baixa, foram selecionados em lei imóveis representativos de cada tipologia arquitetônica, designados como “Exemplares de Tipologias Residenciais”. O objetivo foi destacar o valor documental e cognitivo do projeto ou construção original, sem que fossem modificados, permitindo assim que nos demais imóveis de uso residencial e comercial fossem realizadas intervenções. Vale destacar que o projeto

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original das casas dispõe de sanitários externos à edificação. Na fase em que a Vila foi administrada pela RFFSA houve uma adaptação generalizada e centralizada dos sanitários no interior dos imóveis em madeira da Parte Baixa. Estes são atualmente utilizados pelos moradores e assim foram mantidos na lei da ZEIPP, exceto os Exemplares de Tipologias Residenciais. Desta forma, superou-se a adoção dos tradicionais níveis de tombamento ou níveis de intervenção, compreendidos como uma gradação hierárquica incoerente à concepção de paisagem cultural.

Estes exemplares foram destinandos à visitação pública e, por isso, passaram a abrigar os espaços expositivos que compõe o roteiro do “Circuito Museológico”, apresentando o diversificado patrimônio de Paranapiacaba. Baseado na concepção de “Museu a Céu Aberto”, a história da Vila é exposta na casa de tipologia C, conhecida como “Castelinho”. O patrimônio natural é exposto no Centro de Visitantes do Parque, um exemplar de Casa de Engenheiro. O patrimônio humano está na Casa da Memória, um exemplar da casa Tipo A (para famílias pequenas de operários). O patrimônio arquitetônico-urbanístico está no CDARQ – Centro de Documentação de Arquitetura e Urbanismo, em um conjunto de casas Tipo E (para operários menos graduados).

Ademais, foram criados e consolidados instrumentos de incentivo à preservação e um novo e mais rigoroso sistema de fiscalização e penalidades, mais adequados à realidade local.

Visando incentivar a conservação dos imóveis e ter controle sobre a ação dos usuários, eram concedidos descontos na contraprestação aos permissionários que investissem na manutenção ou reforma dos imóveis, desde que estas fossem realizadas com autorização e supervisão da Prefeitura, conjuntamente com os órgãos de preservação. Este procedimento foi institucionalizado pela lei da ZEIPP.

Estabeleceu-se ainda um novo instrumento de acompanhamento da lei e democratização da gestão: o Fórum de Paranapiacaba, reunindo representantes da prefeitura, dos órgãos de preservação e da comunidade local, no debate permanente das questões relativas ao desenvolvimento sustentável e à preservação da Vila.

A lei é, em sua maior parte, auto-aplicável. Apenas alguns artigos e instrumentos necessitam de regulamentação por meio de decretos que institucionalizem os procedimentos de aplicação, como a Compensação Patrimonial e o Fórum (regulamentado por decreto municipal em 2008), ou instruções normativas e planos, detalhando informações técnicas, como é o caso dos manuais e planos de saneamento, energia e iluminação pública.

Por outro lado, a Subprefeitura promoveu e implementou diversos projetos e ações visando à preservação e conservação do patrimônio de Paranapiacaba, articulando pesquisa científica, sistemas de informação e documentação, educação e formação profissional, fiscalização e intervenções de manutenção, recuperação e restauro.

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No período de 2004 a 2008, pesquisadores do Centro Universitário Fundação Santo André, com financiamento da FAPESP e apoio da Prefeitura, desenvolveram uma pesquisa intitulada “Diretrizes e Procedimentos para a Recuperação do Patrimônio Habitacional em Madeira na Vila de Paranapiacaba”. Esta pesquisa articulou-se às necessidades das políticas públicas municipais e rendeu vários frutos, como a criação de metodologia própria para a inventariação do patrimônio em madeira, a reativação da cooperativa de restauradores, a criação do bando de materiais e a elaboração do “Manual de Conservação e Restauração das Edificações em Madeira de Paranapiacaba”. Todos estes produtos foram incorporados à ZEIPP através de regulamentação específica posterior. O objetivo principal foi constituir documentos-padrão que orientassem permanentemente os técnicos municipais e dos órgãos de preservação a respeito dos procedimentos adequados para intervenções no patrimônio edificado em madeira da Vila.

O inventário arquitetônico completo dos imóveis da Parte Baixa foi sistematizado em base digital no “Banco de Dados de Gestão do Patrimônio de Paranapiacaba”, articulando as informações arquitetônicas aos dados sócio-econômicos e administrativos dos moradores. Este inventário contém informações fotográficas, dados sobre a conservação dos imóveis e levantamento planimétrico, com identificação das tipologias arquitetônicas, de anexos existentes e paredes ou materiais originais já retirados dos imóveis. Assim, é possível conseguir desde informações sobre o perfil da população residente até o estado geral de conservação do patrimônio.

A cooperativa de restauradores formou-se com moradores da Vila capacitados para trabalhar especificamente com restauro e conservação em madeira (carpintaria e marcenaria). Até 2008 a cooperativa já havia restaurado um conjunto de quatro casas Tipo E, que abrigam o CDARQ; uma casa de engenheiro incendiada que foi recomposta com o programa de biblioteca pública; os cercamentos de um conjunto de quadras e a Antiga Padaria, finalizada em 2010. Em 2011 foram recontratados pela empresa que ganhou a licitação para a restauração do Antigo Lyra da Serra, executada com financiamento conseguido junto ao Ministério do Turismo em 2008.

Além disso, a cooperativa produzia elementos construtivos das casas, como portas, janelas, mãos francesas, beirais e cercas, visando à constituição de um banco de materiais para reposição adequada de elementos arquitetônicos degradados, cumprindo uma das diretrizes específicas de preservação constante na lei da ZEIPP.

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Imagens 7,8,9,10. Cooperativa de Marcenaria, Oficina do Banco de Materiais e Restauro das Casas Tipo E-CDARQ. Fonte: Pesquisa FAPESP/Fundação Santo André “Diretrizes e Procedimentos para a Recuperação do Patrimônio Habitacional em Madeira da Vila Histórica Paranapiacaba”. Fotos: Gilson Lameira de Lima.

Buscando reverter o processo de degradação sofrido no período

administrado pela Rede Ferroviária Federal S.A., a Subprefeitura retirava os anexos precários e irregulares dos imóveis. Num primeiro momento procedia-se a retirada quando os imóveis eram devolvidos ou por meio de acordo com os moradores. Até 2008 foram retirados anexos irregulares de 49 casas. A lei da ZEIPP estabeleceu que uma ação mais ostensiva fosse iniciada em 2010, após o termino do prazo concedido para a remoção espontânea de anexos irregulares, dentre eles as coberturas para automóveis. Entretanto, a nova administração municipal conseguiu o adiamento deste prazo no legislativo para 2012.

Diariamente era realizada a fiscalização do patrimônio material, com o intuito de evitar intervenções não autorizadas, invasões em imóveis vazios, depredação, furtos e comercialização de materiais de interesse cultural.

A Partir de 2006 a Subprefeitura promoveu um curso específico para formação em educação patrimonial113, cujo módulo básico era oferecido a todos os moradores e os demais módulos (intermediário e avançado) tinham por objetivo formar monitores culturais.

Por fim, no período de 2001 a 2008 foram investidos cerca de 8 milhões de reais em obras de restauração do patrimônio edificado e

113 Curso ministrado em parceria com os órgãos de defesa do patrimônio (IPHAN, CONDEPHAAT e COMDEPHAPASA), o Museu de Santo André, o MAE – Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, a ABPF – Associação Brasileira de Preservação Ferroviária e a Fundação Santo André/FAPESP.

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espaços livres114, além do investimento anual de 140 mil reais na conservação e manutenção contínua de Paranapiacaba.

3.6. A gestão administrativo-financeira

A Vila Ferroviária de Paranapiacaba não é apenas um patrimônio de interesse público, mas também de propriedade pública, criando uma singular especificidade à condução de sua gestão. A Vila passou 90 anos sob concessão do governo inglês, cuja administração coube à SPR – São Paulo Railway. Findados os 90 anos, o governo federal incorporou Paranapiacaba ao seu patrimônio através da Rede Ferroviária Federal.

Em 2002, a Vila e seu entorno natural (Parque Nascentes) foram comprados pela Prefeitura de Santo André. Logo após a compra da Vila, foi criado um fundo público para administrá-la e receber as contraprestações (aluguéis) pagas pelos permissionários (locatários) dos imóveis públicos de Paranapiacaba. Estes permissionários são moradores e empreendedores da Vila e também os locatários de espaço nas antenas de transmissão de rádio e telefonia existentes na cumeeira do Parque Nascentes. O Fundo recebe ainda recursos provenientes da utilização de espaços institucionais, do uso comercial da imagem da Vila e de instituições financiadoras, públicas ou privadas.

Em 2008, o FUNGEPHAPA – Fundo de Gestão do Patrimônio Histórico de Paranapiacaba, teve uma arrecadação anual de 600 mil reais. Estes recursos foram utilizados para a conservação e restauração dos imóveis, para o banco de materiais, para a promoção dos cursos de capacitação e para a realização do calendário cultural. Este fundo é gerido conjuntamente com a comunidade através do Conselho do FUNGEPHAPA, cujos conselheiros eram indicados pelo Conselho de Representantes de Paranapiacaba para discutir e aprovar os investimentos.

A cada dois anos era realizada a renovação contratual dos permissionários e os casos irregulares eram encaminhados às sanções administrativas cabíveis e, em último caso, para ação de reintegração judicial de posse. Até 2008 foram executadas 20 reintegrações de posse das quase 70 enviadas, pois no âmbito do judiciário a maioria dos permissionários cumpria os acordos para pagamentos de suas dívidas.

Para conseguir um imóvel para moradia ou instalação de empreendimentos comerciais, eram realizados processos de licitação pública, com editais que requeriam investimentos na conservação do imóvel, além da concorrência pela maior oferta de aluguel.

114 Com recursos da prefeitura, da American Express através da World Monuments Fund, da Petrobrás, da FAPESP/Centro Universitário Fundação Santo André e do Ministério do Turismo.

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A Lei da ZEIPP garantiu também aos empreendedores um instrumento de posse menos precário que a permissão de uso, criou para os imóveis comerciais a concessão por 20 anos, renováveis por igual período.

4. Considerações Finais

No âmbito deste amplo programa de desenvolvimento local sustentável, baseado na integração entre diversas políticas públicas e no debate permanente entre comunidade e gestores, a experiência de Paranapiacaba enfrentou premissas e desafios consagrados em reflexões acadêmicas e, por seus resultados e conquistas, revela-se um projeto de gestão não somente necessário às cidades, mas possível às administrações públicas locais.

Esta experiência de gestão teve o reconhecimento do IPHAN, que a classificou como paradigmática aos modelos brasileiros, o que reforçou a inclusão de Paranapiacaba na lista indicativa do Brasil ao título de Patrimônio da Humanidade da UNESCO em 2008. Pois, além da justificativa da relevância do bem cultural, o Comitê do Patrimônio Mundial tem mostrado cada vez mais interesse nas práticas de preservação e gestão sustentáveis dos bens listados.

Por fim, é importante considerar que a partir de 2009, devido à descontinuidade ocorrida na troca de governo da administração municipal, houve uma desarticulação da gestão local em função, sobretudo, da extinção da Subprefeitura e da desconstrução dos sistemas de participação. No entanto, embora seja perceptível ao visitante o desmantelamento do programa, é possível destacar a sobrevivência de três mecanismos: a lei da ZEIPP, a cooperativa de restauro e o turismo endógeno de base comunitária.

A lei da ZEIPP, embora com maior morosidade em sua aplicação, parece ter sobrevivido como o único instrumento capaz de garantir minimamente a continuidade do plano de desenvolvimento urbano e ambiental, sobretudo o zoneamento, e também a preservação da paisagem cultural. A cooperativa de restauro sobreviveu num primeiro momento devido aos contratos em execução mas, logo após, com a conclusão da licitação para restauração do Antigo Lyra da Serra e a escassez de mão-de-obra qualificada para o restauro em madeira, foram contratados pela empresa vencedora da licitação em 2010. Já o turismo, o apoio da administração atual tem se restringido apenas aos grandes eventos, como o Festival de Inverno. O dia-a-dia da atividade turística é efetivamente tocado pela comunidade local, pelos monitores culturais e ambientais, pelos empreendedores e pelas instituições organizadas na administração anterior, visto que o quadro de funcionários públicos habilitados a conduzir o projeto também foi desarticulado.

Isso pode ser um indicador de que o investimento em recursos humanos locais, sobretudo em sua qualificação, é essencial à continuidade

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das políticas, institucionalizando-as e paulatinamente transformando-as em políticas de Estado.

E, mesmo diante dos atropelos, vale lembrar que faz parte do processo democrático a interrupção e a continuidade, assim como a agenda de prioridades eleita a cada governo. Parafraseando Churchill, se “a democracia é o pior sistema de governo, à exclusão de todos os demais”, deixemos, pois, os demais na gaveta e continuemos a trilhar o intrépido caminho das escolhas.

5. Bibliografia

CHIAS, Marketing; PMSA. Plano Patrimônio de Paranapiacaba. Santo André: Prefeitura de Santo André, 2003.

FERREIRA, João, PASSARELLI, Silvia, SANTOS, Marco Antonio Perrone. Paranapiacaba – estudos e memória. Santo André: Prefeitura de Santo André, 1990.

MEDINA, Cremilda. (org) Caminho do café: Paranapiacaba, museu esquecido. São Paulo: ECA-USP, 2003.

LIMA, G.; AZEVEDO, M; PASSARELLI, S. Diretrizes e Procedimentos para a Recuperação do Patrimônio Habitacional em Madeira na Vila Histórica de Paranapiacaba. Relatórios de Pesquisa FAPESP/Fundação Santo André/PMSA, 2008.

PMSA, Memorial da ZEIPP - Zona Especial de Interesse do Patrimônio de Paranapiacaba. Santo André. Prefeitura de Santo André, 2006.

PMSA, Sumário de Dados de Paranapiacaba e Pq. Andreense. Santo André. Prefeitura de Santo André, 2008.

PMSA, Plano de Desenvolvimento Turístico Sustentável de Paranapiacaba. Santo André. Prefeitura de Santo André, 2008.

TEIXEIRA, Palmira Petratti. A instituição São Paulo Railway. 1. ed. São Paulo: KIDs, 2000.

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GRANDES PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO E IMPLICAÇÕES SOBRE AS POPULAÇÕES LOCAIS: O CASO DA USINA DE BELO

MONTE E A POPULAÇÃO DE ALTAMIRA, PARÁ. Samira El Saifi*

Ricardo de Sampaio Dagnino** Resumo

Este artigo aborda a questão do desenvolvimento, buscando enfatizar as noções de desenvolvimento nos grandes projetos econômicos na Amazônia, em especial os projetos hidrelétricos. Nossos objetivos são (1) questionar o conceito de desenvolvimento; (2) analisar em que medida tais projetos econômicos estão inseridos no cenário econômico local e global; (3) avaliar se eles são promotores de justiça social, avaliando algumas de suas consequências para as populações locais; e (4) analisar o processo de construção da hidrelétrica de Belo Monte e as conseqüências geradas para as populações locais, especialmente para a população do município de Altamira/PA. Palavras-chave: desenvolvimento, projetos hidrelétricos na Amazônia, hidrelétrica Belo Monte. Abstract

This article deals with the development issue, in order to emphasize its concept on large economic projects in the Amazon, especially hydropower projects. Our goals are (1) inquire the concept of development, (2) examine the extent to which such economic projects are included in local and global economic scenarios, (3) evaluate whether they are promoters of social justice, and some of its consequences for local populations, and (4) analyze the process of Belo Monte hydroelectric dam construction and the consequences generated for local people, especially for the population of municipality of Altamira/PA.

Keywords: development, hydroelectric projects in the Amazon, Belo Monte Dam.

1. Projetos de desenvolvimento e/ou de inversão de capital

Quando se analisa mais detidamente o debate sobre desenvolvimento, percebe-se que os grandes projetos de investimentos econômicos não devem e nem podem ser confundidos com um projeto de desenvolvimento, seja ele local, regional e/ou nacional. Para defender esta visão, ao longo deste trabalho, faz-se uso de diversos autores, nos quais

* Doutoranda em Ciências Sociais, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). ** Doutorando em Demografia, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

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nos apoiamos e cujos trabalhos questionam as noções dominantes de desenvolvimento, atreladas prioritariamente a indicadores econômicos. A literatura sobre o tema oferece amplos e convincentes argumentos para sustentar visões de desenvolvimento que se apóiam prioritariamente em princípios éticos e de justiça social.

De acordo com Bueno Sánchez (1990, p.7), tem ganhando força a concepção de que o desenvolvimento econômico e social de um país ou região deve estar fundamentalmente dirigido a elevar a qualidade de vida da população em sua totalidade e de cada indivíduo que a integra. Aqui se destacam esforços de algumas políticas de desenvolvimento em incluir ações que tendem a ampliar as oportunidades das pessoas para melhorar as condições de vida e alcançar a realização plena da personalidade humana. Neste marco, se torna evidente que, para o estudo dos efeitos demográficos de projetos de desenvolvimento, é necessário um maior grau de concretude ou uma maior elaboração do que se entende por projeto de “desenvolvimento”; ele necessariamente deve refletir algo mais que um simples projeto de “inversão”.

Ao se analisar uma região, não se deve ter em conta somente a expansão na base material, mas também o nível de pobreza, o desemprego e a desigualdade. Segundo Bueno Sánchez (1990, p.7), se estes aspectos evidenciam uma tendência à desaparição, então se pode afirmar que está conseguindo gerar um processo de desenvolvimento ou que, em determinado momento, foi alcançado um dado grau de desenvolvimento. Se a situação é inversa, se estes problemas se agravaram, independentemente do que se tenha produzido – por exemplo, um incremento no PIB per capita - seria um equívoco falar em desenvolvimento.

Os modelos de desenvolvimento adotados no país têm feito clara opção pela especialização e exportação de commodities em detrimento do crescimento econômico pautado pela industrialização, cujo ciclo econômico é tido como mais virtuoso em termos de empregabilidade e sustentabilidade.

Existe uma grande tendência dos estudos sobre desenvolvimento regional em enfatizar os resultados positivos da especialização mais do que a diversificação como um fator favorável às regiões que buscam uma inserção competitiva nos mercados, como mostra Breitbach (2005, p. 2-3). Na visão dessa autora (2005, p.3), pode-se afirmar a respeito das economias territoriais (1) especializadas e (2) diversificadas que:

(1) A especialização tornou-se a palavra-chave para uma inserção competitiva no mercado mundial, virou sinônimo de progresso, sinal de bom desempenho econômico e sinal de modernidade. As economias territoriais especializadas são identificadas como regiões onde um produto ou uma cadeia produtiva dominam o tecido econômico regional (p.ex., os distritos industriais e clusters).

(2) A diversificação pode ser um pilar importante para o desenvolvimento regional por atuar como uma alternativa em resposta às

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incertezas e riscos que reinam atualmente no âmbito da economia mundial. Regiões diversificadas estão mais aptas a reagir a riscos e incertezas que caracterizam a economia globalizada, por outro lado, uma grande especialização pode trazer uma maior vulnerabilidade à região, ficando essa à mercê das oscilações dos mercados.

Acselrad (2008, p. 21) chama a atenção para uma vertente de estudos que propõe colocar a cidadania como condição do desenvolvimento e que esta cidadania esteja baseada na integração e na diversificação (ou desespecialização, como denominou) das economias locais:

“Um desenvolvimento descentralizado buscaria elevar os graus de autosuficiência microregional, estimulando a produção para o autoconsumo, a integração e desespecialização de certas economias locais, reduzindo sua dependência frente às dinâmicas nacionais e globais.”

Essa disputa entre diversificação e especialização econômica pode ser também identificada no conflito entre os modelos endógeno e exógeno, no sentido em que é colocado por Becker (2007, p. 126). Segundo ela, o modelo exógeno teve maciça predominância histórica. Trata-se de um modelo baseado numa visão externa ao território e que privilegia as relações com as metrópoles do exterior. Mas essa predominância teve um recuo no final do século XX, especialmente em 1985, sendo que Becker (2007, p.126) destaca o esgotamento do nacional-desenvolvimentismo e da intervenção do Estado na economia e no território. Além disso, destaca o processo de criação do Conselho Nacional dos Seringueiros, que simboliza um movimento de resistência das populações contra a expropriação da terra, somado à pressão ambientalista internacional e nacional. Assim, o ano de 1985 representa um marco no resgate pelo modelo endógeno.

Para a autora, um novo marco se dá no ano de 1996, quando o projeto ambientalista propõe a formação de imensos corredores ecológicos para a proteção ambiental, constituídos de mosaicos de áreas protegidas. Por outro lado, no mesmo ano, o governo federal – depois de uma década de omissão – retoma o planejamento (Programa Brasil em Ação), resgatando e fortalecendo o modelo exógeno, e propondo a implantação de grandes corredores de desenvolvimento. Tais projetos evidenciam a desarticulação entre as políticas – evidentemente conflitantes – de um mesmo governo. Nas palavras de Becker (2007, p. 126-127):

“Corredores de transporte e corredores de conservação implementam, respectivamente, os modelos exógeno e endógeno orientados por políticas públicas paralelas e conflitantes. (...) A coexistência conflitiva dos modelos endógeno e exógeno marcou a região configurando a incógnita da heartland. Mas ela também influiu na alteração do interesse nacional e nas próprias políticas públicas. (...) As políticas públicas passaram a refletir o interesse nacional em seus valores históricos atualizados pela incorporação das demandas da cidadania, e é essa transição que se expressa em duas políticas públicas paralelas

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desarticuladas e conflitantes. Ambas visam o desenvolvimento numa estratégia territorial seletiva, mas o desenvolvimento previsto por uma e pela outra, mais que diversos, são opostos. Uma baseia-se no favorecimento de novos investimentos para infra-estrutura e outra está direcionada para as populações locais e a proteção ambiental.”

Além disso, é preciso enfatizar que um projeto de desenvolvimento econômico e social deve ser pautado pelo respeito às diversidades regionais e culturais. Projetos de inversão de capital não raramente são travestidos – e vendidos – como projetos de desenvolvimento. Para uma parte expressiva de estudiosos da economia e da sociedade, o desenvolvimento, para merecer esse nome, deve pressupor e incorporar outras dimensões.

De acordo com Brandão (2011, p.22): “Torna-se indispensável aprender a investigar e a realizar um

balanço adequado das recorrências, persistências e das rupturas e transformações ao longo de um processo histórico sem linearidades, indagando como se forjaram e evoluíram suas vias, padrões e estilos de desenvolvimento”.

Nesse sentido, observa-se claramente, por um lado, que há descontinuidade de políticas sociais e ambientais voltadas para a região amazônica, ao passo que, em contrapartida, há sim recorrência de uma lógica de exploração econômica desde os primeiros projetos econômicos voltados para a região, aos quais não nos deteremos aqui. Entretanto, Kohlhepp (2002, p.53), afirma que a Amazônia, desde o início da década de 70, tem sido palco de experiências desenvolvimentistas e de continuados conflitos de interesses não encarados com a devida importância, sendo muito presentes historicamente a especulação, a ilegalidade, a corrupção e a violência.

Segundo Brandão (2011, p.21) o ideal em um projeto de desenvolvimento é que ele seja transformador da realidade e que seja promovido simultaneamente em várias dimensões (produtiva, social, tecnológica, etc.) e em várias escalas espaciais (local, regional, nacional, global, etc.). O projeto de desenvolvimento defendido por este autor deve fortalecer a autonomia de decisão e ampliar o raio de ação dos sujeitos concretos, produtores de determinado território.

O que se percebe é que os projetos desenvolvimentistas na Amazônia vão em sentido oposto ao mencionado por Brandão (2011), dado que as decisões estratégicas para a região relativas aos grandes projetos de infraestrutura ocorrem de forma a tentar limitar o poder das populações e movimentos sociais locais e regionais. Para tanto os agentes desses projetos de desenvolvimento, que na verdade não passam de projetos de investimento, recorrem às tentativas de cooptação, manipulação de informações, manipulação das leis e até mesmo à violência física e psicológica. Um exemplo atual de aplicação de tais estratégias pode ser

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verificado no caso de Belo Monte. Não são poucas as acusações feitas ao governo e ao consórcio responsável por sua construção, a Norte Energia S.A., de tentarem minar as forças contestatórias e a potência das coalizões de agentes contrários ao projeto (tais como ONGs socioambientalistas, ribeirinhos, indígenas, líderes religiosos e sociais, dentre outros) à base de ações que fazem uso de estratégias como as mencionadas acima, antiéticas e mesmo ilegais.

Kohlhepp (2002, p.53) afirma que: “Somente com a criação de condições gerais de caráter político de

alto nível será possível concentrar as atividades dos diferentes grupos sociais e suas reivindicações e direitos de uso de terra num desenvolvimento regional adaptado às características ecológicas e às necessidades sócio-econômicas da população envolvida”.

O autor enfatiza a necessidade de projetos públicos para a região que levem em consideração a “relevância social para a população regional” e que sejam compatíveis com a preservação ambiental. Para ele, a análise custo/benefício de um determinado projeto de desenvolvimento na Amazônia deve conter fortemente critérios éticos, necessários para pensar processos sociais qualitativamente superiores àqueles voltados meramente à exploração de recursos naturais, nos quais a região é encarada apenas como reserva de matéria-prima.

A idéia de desenvolvimento com justiça ambiental é levantada por Leroy e Acselrad (2009, p.202):

“Considera-se que não é justo que os altos lucros das grandes empresas se façam à custa da miséria da maioria, pois o desenvolvimento com justiça ambiental requer uma combinação de atividades no espaço de modo a que a prosperidade de uns não provenha da expropriação dos demais”.

2. Belo Monte e as hidrelétricas na Amazônia: Quem ganha e quem perde?

Assim, na Amazônia brasileira, depois de vários projetos concluídos de usinas hidrelétricas (Tucuruí, Balbina, Curuá-Una, Samuel) e de outros que estão em processo de construção (Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira, por exemplo), a Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte ou Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) de Belo Monte, como os empreiteiros gostam de chamá-la, começou a ser construída em julho de 2011. Isso ocorreu mesmo com as amplas argumentações contrárias à obra, vindas de movimentos sociais, juristas, ambientalistas, além da persistente resistência daqueles que serão diretamente atingidos por ela, sobretudo as populações indígenas e ribeirinhas.

Sendo assim, ao abordarmos Belo Monte, principal obra do Programa de Aceleração do Crescimento dos governos Lula e Dilma – mas que tem suas origens no período de ditadura militar (1964-1985) -, nos

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deparamos com características do projeto que nos levam a afirmar que, em realidade, trata-se de um projeto de inversão pública de capital para atender interesses privados, e, portanto, não corresponde a um projeto de desenvolvimento, no sentido de que não deverá gerar melhorias nas condições de vida do conjunto da população da região.

Deve-se levar em consideração a ausência de debates aprofundados sobre a necessidade de construir uma usina tendo em vista que as populações rural e urbana já são atendidas nas suas necessidades de energia elétrica e, também, tendo em vista que essa usina foi planejada para fornecer energia para os grandes empreendimentos na região. De acordo com Sevá Filho et al (2005c, p.140), Belo Monte seria uma contrapartida do Estado para favorecer um projeto de mineração de bauxita a ser construído há quilômetros de distância de Altamira:

“No estudo de viabilidade do projeto Belo Monte, entregue à Anael em 2002, ficou definida uma nova linha de transmissão em 230 kV, a partir da Casa de Força complementar do complexo hidrelétrico (no paredão do vertedouro da Ilha Pimental, com 182 MW previstos) e ligando à Subestação Altamira. Esta carga plena está muito longe da demanda atual e de qualquer demanda provável nos próximos anos, pois os principais núcleos urbanos já estão na rede, e a eletrificação rural avança pouco e já incluiu vários trechos mais densamente ocupados. A única possibilidade lógica de transmitir 450 MW ou mesmo 200 MW para esta região seria ligar a região de Óbidos, e a de Juruti Velho, a Sudoeste, na rota para Parintins (AM), onde se noticia atualmente um projeto de mineração de bauxita, matéria prima do alumínio.” (Grifo nosso)

Porém, para a Comissão Mundial de Barragens (CMB), não se trata de demonizar as barragens e as usinas hidrelétricas, sendo fundamental reconhecer que elas foram e podem ser úteis para a população, porém algumas precauções devem ser tomadas. A Comissão Mundial de Barragens (CMB) reuniu diversos especialistas sobre o tema e realizou um detalhado relatório sobre os efeitos das usinas hidrelétricas, após mais de dois anos de intensos estudos, reflexão e diálogos com partidários e oponentes de grandes barragens. A CMB (2005, p.303) defende que as barragens prestaram uma importante e significativa contribuição ao desenvolvimento humano, e os benefícios derivados delas foram consideráveis; entretanto, com a construção de barragens, entre 40 e 80 milhões de pessoas foram fisicamente deslocadas em todo o mundo e as populações afetadas sofreram freqüentemente efeitos adversos sobre sua saúde e meios de subsistência, decorrentes das mudanças no meio ambiente e da ruptura social. (CMB, 2005, p. 306-307).

No sentido de relativizar os efeitos positivos e negativos da construção de infra-estrutura, Becker (2007, p. 141), ao tratar do Plano Amazônia Sustentável (PAS), reconhece que a construção de infra-estrutura é vital tanto para as populações regionais, para as quais a energia e as

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vicinais são fundamentais, quanto para a integração continental, como também para os agronegócios, para os quais as redes são imprescindíveis. Porém a autora sinaliza que a infraestrutura pode e deve abrir oportunidades econômicas para a população e que o sucesso disso depende de uma série de políticas e medidas integradas, além do rigor na sua execução. Becker (2007, p. 141-142) afirma, com relação às políticas e obras de infra-estruturar, que: “Devem ser capazes de transformar estradas e energia em instrumentos não de depredação, mas de ordenamento do território e levar em conta as lições do passado e a complexidade atual da região.”

Além disso, é preciso ter consciência de que uma mega obra deve causar mega efeitos. Com as mega obras não só a natureza será transformada, mas a sociedade também será transformada. No caso das usinas hidrelétricas, Sevá Filho (2005a, p. 284) chama a atenção para o fato de que muitas vezes essas transformações são colocadas em segundo plano, visando-se a utilização de um rio apenas como se ele fosse uma jazida de megawatts:

“Nas mega-obras, não somente a Natureza se transforma em outra coisa, mas a sociedade que ali vive... tornar-se-á outra! (...) São faces da mesma atitude radical: o rio, entidade física, biológica, vital, de muitas serventias, é visto pelos fanáticos da eletricidade apenas como uma jazida de megawatts; a sociedade local não passa de uma ‘interferência’, quando não empecilho, diante do projeto onipotente.” (Grifo nosso)

Para Sevá Filho (2005a), deve-se evitar chamar os resultados, efeitos ou desdobramentos de uma mega obra pela palavra “impacto”. Segundo afirma, isso vai no sentido de reconhecer que se trata de uma alteração de grande porte na natureza e uma transformação radical na sociedade e que, além disso, não é um evento fortuito ou casual (como num acidente onde existe um impacto entre os automóveis), mas sim um evento pensado segundo interesses de atores que podem ser identificados e cujos efeitos podem e devem ser apontados.

O projeto de Belo Monte pode ser definido por mega projeto seja pelo tempo que durará sua execução, seja pela quantidade de pessoas e municípios envolvidos, ou em função das reformulações que esse projeto sofreu desde o momento em que foi inicialmente pensado, entre os anos 1970-1980.

O processo todo de construção da usina está previsto para durar dez anos e ao todo serão 11 municípios afetados pelo projeto, incluindo os afetados diretamente (ADA), que são Altamira (área urbana e rural), Vitória do Xingu (rural) e Brasil Novo (rural), além daqueles cujas influências serão indiretas: Anapu, Senador José Porfírio, Pacajá, Gurupá, Medicilândia, Placas, Porto de Moz, Uruará (LEME, 2009). Na figura 1, pode-se ver a área a ser alagada, segundo o que foi planejado no RIMA, e os municípios em relação a essa área.

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Figura 1 - Volta Grande e reservatório da Usina Belo Monte, como planejado, no Rio Xingu

Durante todo o processo de construção de Belo Monte ficou

decidido, depois de acirrados debates judiciais que ameaçavam inviabilizar o projeto, que a empreiteira ou consórcio responsável deverá realizar diversas obras no município. Essas obras visam melhorar as condições de vida ou pelo menos impedir que ela piore, como por exemplo, as obras de saneamento, mobilidade interna, pavimentação, etc.

Deve-se ter em mente que a região receberá muitos migrantes dentre eles pessoas que irão trabalhar na construção e outras tantas que irão em busca das oportunidades indiretas ou dos empregos indiretos que ela deverá gerar.

Importante notar que a construção de uma usina hidrelétrica exige trabalhadores com diferentes perfis, em termos de especialização e qualificação da mão-de-obra. Atualmente, o processo está na primeira fase, onde se dá a preparação do terreno para a construção e a fase inicial das obras. Este é exatamente o momento no qual se utiliza potencialmente o maior volume de mão-de-obra não qualificada, ou com pouca qualificação, em parte composta por grupos de trabalhadores especializados (chamados de barrageiros) que acompanham as grandes construções.

Em termos do volume de mão-de-obra que será empregada no caso da usina de Belo Monte, o Relatório de Impacto Ambiental (LEME, 2009) fala que serão gerados 18 mil empregos diretos e 23 mil empregos indiretos no pico das obras. Em termos atuais (baseados no censo 2010) esse número significa mais de 40% da população total do município de Altamira.

De forma geral, Belo Monte repete os mesmos erros históricos de outros grandes empreendimentos hidrelétricos, ao desconsiderar a gravidade das consequências sociais já experimentadas por outras populações e desconsiderar as especificidades socioculturais, econômicas e ambientais da região (SEVÁ FILHO, 2005b).

Com base nessa reflexão, é preciso ponderar sobre os efeitos do projeto para as populações locais, o que nem o EIA-RIMA da obra (LEME,

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2009) e nem a avaliação crítica de Magalhães e Moral Hernández (2009) foram capazes de tratar com o devido rigor. Importante notar que se, por um lado, os autores não ponderaram o peso dos efeitos da usina sobre a população para mascarar a realidade, por outro, os autores da avaliação não levaram em conta o devido efeito sobre a população por não ter tido acesso aos pressupostos por detrás dos indicadores e a base de dados que foi utilizada pelo grupo elaborador do EIA-RIMA. No sentido de preencher essa lacuna, o plano de trabalho proposto por El Saifi e Dagnino (2011) defende uma análise focada nos efeitos de Belo Monte sobre a população de Altamira, levando-se em conta aspectos sociodemográficos, e enfocando os meios urbano e rural.

Defende-se que para melhor analisar a questão dos efeitos da barragem sobre a população, deve-se desdobrar essa questão ampla em algumas outras mais específicas. Propõem-se ao menos as seguintes:

a) Como e onde ficarão as populações que residem nas áreas que serão atingidas diretamente (ribeirinhos e índios que estão na região que será alagada ou que vai secar)?

b) Quais serão os efeitos para a atual população urbana de Altamira e região? Haverá uma urbanização sem cidadania?

c) Após o término da obra, como ficará a população que já está e que ainda migrará para a região em função dela? Que empregos terão, como e onde se fixarão?

Respostas preliminares para essas questões podem ser dadas a partir de dados coletados em trabalho de campo realizado pelos autores em Altamira, em março de 2011. Nesta oportunidade observou-se que, em Altamira, município já com diversas carências, novos problemas sociais urbanos estavam emergindo e sobrepondo-se aos preexistentes. Observou-se que: (1) o crescimento demográfico em Altamira (de 28% entre 2000 e 2010, segundo o IBGE), até aquele momento, não estava sendo acompanhado das ações antecipatórias – e obrigatórias – que preparariam a região para receber a obra; (2) a deficiência nos serviços e equipamentos públicos estava se agravando – ainda não existe coleta de esgoto no município e apenas 11% da população tem abastecimento de água (SNIS, 2009); (3) o custo de vida apresentava-se em constante alta, sendo exemplar os reajustes nos valores de imóveis nos últimos anos, sobretudo no último – foram muitos os relatos de casos de aluguéis que chegaram a duplicar ou até triplicar de valor na renovação de contrato; (4) houve incremento na falta de moradias e houve criação de novos bairros ilegais, obviamente desacompanhados de qualquer infraestrutura; (5) houve aumento do alcoolismo e do uso e tráfico de drogas, bem como da violência decorrente dessa questão; (6) tem sido crescente a incidência de problemas e acidentes de trânsito, que passaram a ser corriqueiros em função da intensificação do fluxo de veículos e da falta de manutenção das vias esburacadas, mal sinalizadas e sem semáforos até aquele momento; (7) o

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transporte público é praticamente inexistente, limitando, sobretudo, a mobilidade da população que vive nas áreas de expansão do município, cujo transporte se restringe a bicicletas, para quem as possui, ou a moto táxi ou táxi, para os que podem pagar. São milhares de pessoas que dependem desses meios diariamente para se deslocar em função do trabalho ou de outras eventuais necessidades.

Além desses problemas, mais ligados à questão urbana, o trabalho de campo revelou que outros relacionados à questão fundiária podem reemergir, na medida em que haverá: a) inchaço da cidade que poderá exercer pressão sobre Unidades de Conservação e Terras Indígenas, com possível redirecionamento de grileiros para essas áreas; b) possível surgimento de novos conflitos entre ribeirinhos e índios e deles com grileiros e madeireiros; c) novos focos de desmatamento em função da demanda de madeira para novas construções e da intensificação da concorrência entre madeireiros.

Sobre os problemas sociais ligados às grandes obras, Brito (2011) diz que não ocorrem à toa. As carências preexistentes no local em que se instalam impulsionam novos problemas. Rosana Baeninger, em entrevista para Brito (2011), declara que: "O bode expiatório acaba sendo a migração. O problema, na verdade, é que ela ocorre numa região onde já há uma sobreposição de carências" e que "Tem de ter um planejamento do município. Não pode deixar na mão de empreiteira, que jamais vai pensar na população".

De acordo com Brito (2011), além dos relatórios sobre os projetos subestimarem a quantidade de atraídos para as obras, as ações antecipatórias não são cumpridas, contribuindo para a persistência de um roteiro de caos trabalhista, violência, exploração sexual e pressão sobre saúde, educação e recursos naturais. Infelizmente, é possível que o mesmo roteiro de outras grandes obras se repita no caso de Belo Monte.

Considerações finais

Com base no que vimos antes podemos levantar alguns questionamentos que contribuem para definir se o projeto Belo Monte é um projeto de desenvolvimento:

1. O projeto de Belo Monte, enquanto projeto estratégico para a região, considera critérios éticos e socioculturais, sendo o critério econômico apenas um, de igual ou menor importância, dentre outros, como defende Kohlhepp (2002)?

2. O projeto visa contribuir para promover a autonomia política e econômica da população, como propõe Brandão (2011)?

3. Essa população tem sido encarada como sujeito do processo decisório, conforme Brandão (2011) enfatiza ser necessário?

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4. Trata-se de um projeto que almeja e planeja um desenvolvimento de característica durável e com perfil distributivo, como Loureiro (2009) preconiza ser necessário a um projeto de desenvolvimento?

5. Está voltado prioritariamente para as necessidades das populações locais e/ou regionais - como Loureiro (2009) também afirma ser necessário - ou para as necessidades de incremento econômico das grandes corporações e do mercado global?

6. É compatível com o respeito à natureza e respeito às gerações futuras que precisarão da natureza para sua sobrevivência?

7. Tende a levar ao desaparecimento ou ao agravamento de problemas como desigualdade social, desemprego e pobreza, conforme defende Bueno Sánchez (1990)?

Enfim, esses são alguns dos questionamentos que podem ser feitos para avaliar o quanto um determinado projeto, e não apenas o projeto de Belo Monte, se aproxima ou se afasta do que se deseja de um projeto de desenvolvimento. Quanto maior o número de critérios respeitados, poder-se-ia afirmar que maior é a probabilidade desse projeto se aproximar do que idealmente se defende aqui como sendo promotor do desenvolvimento de uma dada sociedade.

Entretanto, com relação à Belo Monte, de maneira resumida, pode-se responder a essa pergunta afirmando que o projeto desconsidera os critérios éticos, na medida em que o Estado manipula processos legais para permitir a concessão de licenças para construção da barragem; desconsidera também o critério da relevância para a população local, na medida em que esta população não está suficientemente esclarecida e nem compartilha majoritariamente desse projeto, além do fato de desconsiderar as necessidades e o saber das populações indígenas e ribeirinhas que serão diretamente atingidas; e, obviamente, desconsidera o critério da compatibilidade com o meio ambiente. Desta forma, avalia-se que Belo Monte não é um projeto voltado ao desenvolvimento regional, muito menos ao desenvolvimento adaptado às características ecológicas e às necessidades socioeconômicas da população envolvida.

Com base nessa leitura do Projeto, afirma-se que se trata de um projeto de inversão de capital voltado para os interesses do grande capital nacional e internacional, na medida em que, de acordo com especialistas, só se justifica se for para fornecer energia a mega projetos de mineração na região, com vistas a elevar as exportações de commodities minerárias, o que significa concentrar e especializar ainda mais a economia da região.

Ao invés de continuar por este caminho, há a vertente que defende que deve haver uma diversificação da economia. A diversificação e o fortalecimento da economia e do poder locais passam pela transformação de um projeto de inversão de capitais para um projeto de desenvolvimento. Para tanto, faz-se necessário uma série de ajustes que, como mostrou Breitbach (2005) podem ser úteis tanto nacional como internacionalmente.

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Nesse sentido concorda com Becker (2007), pois uma estrutura diversificada e baseada em recursos endógenos se apresenta como uma alternativa a ser reconhecida como válida para fazer face ao comportamento errático dos mercados internacionais.

Além disso, a diversificação pode contribuir para aprofundar a integração do tecido industrial local, tendo em vista que uma região diversificada tende a ser mais adaptável e mais flexível às mudanças econômicas do que uma região altamente especializada (BREITBACH, 2005).

Nesse sentido é importante notar que uma publicação recente, patrocinada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO), do Ministério do Meio Ambiente, traz o debate da promoção do desenvolvimento local para o âmbito das Unidades de Conservação. Esse debate é especialmente relevante para a região de Altamira, em que grande parte do território é formado por Unidades de Conservação ou Terras Indígenas, que muitas vezes são encaradas como entraves para o desenvolvimento. O trabalho editado por Medeiros et al (2011) mostra que o papel das Unidades de Conservação (UCs) não é facilmente internalizado na economia nacional apesar das UCs fornecerem bens e serviços que satisfazem várias necessidades, inclusive produtivas, da sociedade brasileira. Isso se deve, entre outras coisas, por se tratar de produtos e serviços em geral de natureza pública, cujo valor não é percebido pelos usuários pelo fato deles não pagarem diretamente pelo seu consumo ou uso.

Quanto a este ponto, é preciso mencionar que a questão acima apresentada não é nada simples de ser resolvida. Antes disso, envolve uma necessidade de desconstrução de paradigmas que por largo tempo foram, e ainda são hegemônicos; no caso, o paradigma de desenvolvimento atrelado ao crescimento econômico e ao aumento nos indicadores de consumo por parte da população.

Para além de questões partidárias e ideológicas, percebe-se que, para parte da sociedade e do Estado, ainda não é comum atrelar ao conceito de desenvolvimento o respeito aos elementos culturais de um povo e, mesmo que em menor proporção, o bem-estar social desse povo. Esse debate é apresentado também por Loureiro (2009), que afirma que tais aspectos são comumente negligenciados. São eles considerados menos importantes frente aos indicadores econômicos. Entretanto, para Loureiro (2009), apesar das dificuldades estruturais e fatores restritivos que o modelo hegemônico impõe à possibilidade de outra visão de desenvolvimento - baseada em princípios éticos e de solidariedade social - se tornar hegemônica, é possível e factível a emergência desse novo desenvolvimento. Afirma que isso ocorre por caminhos novos, apoiados nas práticas e saberes tradicionais e locais aliados aos conhecimentos científicos. Loureiro (2009, p.235) afirma:

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“enquanto o desenvolvimento hegemônico volta-se cada vez mais para o global, o foco do desenvolvimento alternativo ou de outro desenvolvimento está centrado mais em possibilidades locais, reporta-se a populações reais que se encontra hoje num espaço definido, no caso, o amazônico”.

É bom reforçar que, para Loureiro (2009, p. 234), a possibilidade de desenvolvimento alternativo – “de característica durável e com perfil distributivo, capaz de promover mais inclusão que exclusão, com acento na justiça social e no respeito às diferenças” – não é algo puramente utópico, mas sim exequível e que, inclusive, já vem sendo vivenciada por diversos grupos sociais da região amazônica, envolvendo esforços da sociedade civil e do Estado.

Cabe ao final lembrar um trecho de Leroy e Acselrad (2009, p.204), que alertam que não se pode chamar de desenvolvimento algo que, em nome do progresso, possa sacrificar os grupos sociais minoritários:

“Sem esperar que tenhamos uma proposta acabada, impõe-se neste momento juntar a nossa voz aos numerosos e fortes, apesar de ignorados, questionamentos ao caminho de desenvolvimento até aqui trilhado. Nenhum ‘desenvolvimento’ pode se construir ao custo do sacrifício de grupos sociais, sempre apresentados como minorias, sob pretexto de satisfazer as necessidades do progresso.”

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SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA NO VAREJO BRASILEIRO: PRÁTICAS REPORTADAS PELAS MAIORES EMPRESAS DOS

SETORES SUPERMERCADISTA E LOJAS DE DEPARTAMENTO Ivete Delai*

Sérgio Takahashi*

Resumo O desenvolvimento sustentável depende padrões de consumo e produção sustentáveis, que atendam às necessidades básicas das populações melhorando sua qualidade de vida e respeitando os limites ambientais de tal forma a garantir recursos para as futuras gerações. Nesse contexto, o varejo tem papel importantedada sua posição intermediária entre oferta e demanda, cujo desempenho, segundo o PNUMA, requer ações tanto internas quanto junto à cadeia fornecedora e aos consumidores. No entanto, estudos sobre a sustentabilidade no varejo tem recebido pouca atenção acadêmica. Assim, este artigo objetiva identificar as práticas internas, na cadeia e consumidores empregadas pelos varejistas brasileiros e a forma como são gerenciadas. Para tanto são estudadas as práticas comunicadas aos stakeholderspelas três maiores empresas dos segmentos mais significativos do varejo brasileiro - supermercadista e vestuário.Como resultado, verifica-se atenção maior do segmento supermercadista e em graus distintos pelas empresas estudadas. Existe foco maior em práticas internas, que abrangem todas as três dimensões da sustentabilidadeembora com maior concentração na questão social; eincipiente nas práticas relacionadas à cadeia eaos clientes.Verifica-se também que, à exceção de um supermercado, as ações reportadas parecem mais pontuais do que integradas em um sistema de gestão organizacional. Palavras-chave: Sustentabilidade Corporativa; Varejo; Práticas de Sustentabilidade; Desenvolvimento Sustentável Abstract:

Sustainable development depends on sustainable consumption and production patterns thatrespond to basic needs and bring better quality of life minimizing the use of natural resources so as not to jeopardise the needs of future generations. Retailers play an important part in this change due to its privileged position between supply and demand that requires, according to the UNEP, internal actions as well as along their whole supply chain and customers. In spite of that, research on retail sustainability is still emerging.Therefore, this paper aims to identify the sustainability practices

* Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto – FEARP/USP

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employed by Brazilian retailers and how they are managed. To do so, we analyse the published practices by the three major Brazilian supermarket and department store retailers. We conclude that:there is more emphasis on sustainability issues at the supermarket segment than in the department store one; there is a major focus on internal practices, mainly on social issues; and an incipient focus on the supply chain and consumer practices. It can also be noted that the practices are managed by the studied retailers in isolation rather than integrated into a management system. Keywords: Corporate sustainability; Retail; Sustainability practices

1. Introdução

O desenvolvimento sustentável, definido pelo Relatório Brundtland como “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a habilidade das futuras gerações de satisfazer às suas” (WCED 1987, p.8), tornou-se popular em 1992 quando o primeiro plano de ação supranacional para sua implementação foi acordado – A Agenda 21 – durante a Rio-92.

Apesar de ter sido cunhado no final da década de 80, foi nesta última década que a pressão para que as empresas, como forças-chave da sociedade, mudem sua forma de fazer negócio integrando e contribuindo para o desenvolvimento sustentável tem se intensificado. Exemplo disso é a proliferação de códigos e guias de conduta e boas práticas às quais as organizações podem aderir – mais de 60 mundiais (ROBINS, 2005). Nesse sentido, as ações de sustentabilidade aliadas à transparência tem se tornado fatores importantes para todo tipo de empresa conforme oGRI (2010, p.10) “a urgência e a magnitude dos riscos e ameaças à sustentabilidade juntamente com as crescentes oportunidades farão da transparência sobre os impactos econômicos, sociais e ambientais um aspecto do sucesso empresarial”.

Um ponto crítico no caminho da sustentabilidade é a mudança dos atuais padrões de produção e de consumo tidos como insustentáveis e principais responsáveis pela contínua deterioração do meio ambiente mundial (CSD, 2002). A mudança para um padrão que reduza a pressão sobre o meio ambiente ao mesmo tempo em que atenda às necessidades básicas e melhore a qualidade de vida das populações (UNIÃO EUROPÉIA, 2010).Nesse contexto, o setor varejista tem potencial de promoção da sustentabilidade da sociedade como nenhum outro setor econômico, dada asua força econômica e sua posição intermediária e privilegiada entre a oferta e a demanda, podendoinfluenciar a direção da produção (JONESet al., 2008; JONES, et al., 2005; ILLES, 2007) e estimular e formatar a demanda dos consumidores (JONESet al., 2008; JONES, et al., 2005).Cada vez mais a geografia e as características da produção tem sido definidas pelos investimentos dos grandes varejistas internacionais (WRIGLEY; LOWE, 2002). Assim, os varejistas podem exercer um poder tremendo sobre suas cadeias como resultado direto de suas estratégias de

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sustentabilidade (ILLES, 2007) moldando decisões e atividadescomo o desenvolvimento de produtos, as estratégias de recursos humanos, os termos de contratos, as condições de produção, a operacionalização dos sistemas de distribuição, os padrões de embalagens, entre outros.

O varejo exerce também uma forte influência na vida dos consumidores finais (McGoldrick, 2002) moldando seu padrão de consumo - o que compram, como compram, usam e descartam os produtos.Pesquisa realizada com consumidores brasileiros (FGV, 2008) apontou sua confiança no setor, sua percepção como influenciador pela presença física e nos meios de comunicação e espera que considere os aspectos socioambientais de suas práticas.

Nesse sentido, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) considera ovarejo como um ator crítico na promoção de um padrão de consumo e produção sustentável. Ele aponta dois blocos principais de ação esperadas para este setor: sustentabilidade das operações internas e a sua influência junto à cadeia produtiva para a promoção da produção sustentável e junto aos consumidores do consumo sustentável (UNEP, 2011).

Apesar desse importante papel do varejo na promoção da sustentabiliade, uma análise da literatura qualificada revela que os aspectos relativos à sua sustentabilidade tem recebido pouca atenção da academia tanto em nível internacional (EROL et al., 2009) quanto nacional. Fato este também corroborado pelo levantamento bibliográfico realizado pelos autores em publicações acadêmicas internacionais e nacionais qualificadas, apresentado na seção dois deste artigo. Grande parte destes poucos estudos tem como foco algum aspecto específico ou dimensão da sustentabilidade. Poucos detém-se a discutir de uma forma abrangente as ações e práticas e a gestão da sustentabilidade pelo varejo, salvo alguns exemplos como os estudos de Jones et al. (2005), Jones et al. (2008) e Kolk; Hong; van Dolen (2010).

Nesse contexto surgem as questões que embasam esta pesquisa: Quais as principais práticas empregadas pelos varejistas brasileiros para a promoção da sustentabilidade nas áreas de contribuição do varejo apontadas pelo PNUMA – interna, cadeia produtiva e consumidores? Comoelas têm sido gerenciadas nestas organizações? Assim, este artigo objetivaidentificar as principais práticas internas, em relação à cadeia e aos consumidoresempregadas pelos maiores varejistas brasileirose a forma como são gerenciadas. Para tanto são estudadas as práticas publicadaspelos três maiores varejistas dos segmentos supermercadista e lojas de departamento.

O artigo está estruturado como segue: inicialmente apresenta-se o referencial teórico que embasou a pesquisa e os procedimentos metodológicos adotados e em seguida, nas seções 4 e 5, respectivamente, os resultados alcançados e as considerações finais.

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2. A Sustentabilidade corporativa e o varejo 2.1. A sustentabilidade corporativa

O conceito de desenvolvimento sustentável mais aceito é o apresentado pelo Relatório Brundtland em 1987 (WCED, 1987): “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a habilidade das futuras gerações de satisfazer às suas”. Segundo Amazonas;Nobre (2002), essa aceitação deve-se ao fato de ser um conceito amplo que permite diferentes significados estabelecidos pelo debate sobre o papel do meio ambiente no mundo contemporâneo e por evocar a questão ética de perpetuação da vida humana.É um conceito semelhante ao de democracia que devido ao seu nível de abstração, nunca se encontra em estado puro, e não um conceito científico, analítico e preciso(Veiga, 2006).

No contexto corporativo, vários são os conceitos de sustentabilidade identificados. Para o GRI(2010) é o equilíbrio nas complexas relações atuais entre necessidades econômicas, ambientais e sociais que não comprometa o desenvolvimento futuro. Elkington (1999),entende a sustentabilidade como um resultado triplo (3 P’s): equilíbrio entre proteção ambiental (planet), retorno econômico (profit) e desenvolvimento social (people).Apesar das pequenas diferenças semânticas (referência omitida devido ao blind review), concluem que todos traduzem para o mundo corporativo do conceito proposto pelo Relatório Brundtland e apontam a sustentabilidade corporativa como: equilíbrio nas relações entre as necessidades econômicas, sociais e ambientais de tal forma a não comprometer o desenvolvimento futuro.

Assim, a sustentabilidade compreende três dimensões: social, ambiental e econômica. A social trata do bem-estar humano, de como atender às necessidades humanas e aumentar as oportunidades de desenvolvimento igualmente para todos (CSD, 2002, SACHS, 2004, WANG, 2005). Em outras palavras, está relacionada com a eqüidade e a qualidade de vida. Do ponto de vista corporativo, trata do relacionamento da organização com suas partes interessadas ou grupos afetados– funcionários, sociedade, clientes, fornecedores, governo e acionistas (HOLLIDAY Jr. 2002, NEELY et al., 2002), que é crítico para asustentabilidade de longo prazo da organização (ELKINGTON, 1999) tendo em vista que provê a sua licença para operar (disposição de fazer negócios com a organização).

A dimensão ambiental, por seu turno, lida com o bem-estar do ecossistema, que é a “condição na qual o ecossistema mantém sua diversidade e qualidade, sua capacidade de suportar a vida e seu potencial de se adaptar às mudanças provendo futuras opções” (PRESCOTT-ALLEN, 2001, p. 7). A contribuição organizacional para este bem-estar ocorre por meio da redução do consumo de recursos, da geração de resíduos, do seu impacto nos ecossistemas, terra, água e ar (GRI, 2010), que melhora o

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resultado financeiro por minimizar impactos ambientais, otimizar o uso de materiais, prevenir multas, reduzir riscos de compensações por danos e manter a reputação (RIBEIRO, 2005).

Por fim, a dimensão econômica lida com a geração de valor de curto e longo prazos e o relacionamento empresa - acionistas e investidores, sendo importante para a sustentabilidade de curto e longo prazo da organização (HART;MILSTEIN, 2004).

Um aspecto importante para o alcance da sustentabilidade segundo a Agenda 21 - primeiro compromisso internacional para a busca do desenvolvimento sustentável assinada pelas lideranças mundiais durante a Rio-92 -, é a mudança para padrões de Consumo e Produção Sustentáveis (CPS). Os padrões atuais de consumo e produção apresentam um ritmo de consumo dos recursos naturais e de geração de poluição e resíduos insustentáveis, superiores à capacidade de reposição do meio ambiente (UNIÃO EUROPÉIA, 2010).O consumo sustentável éo uso de serviços e produtos relacionados que atendam às necessidades básicas e promovam a qualidade de vida enquanto minimizam o uso de recursos naturais e de materiais tóxicos, e a geração de resíduos e emissões em todo o ciclo de vida de tal forma a não afetar o atendimento das necessidades básicas das gerações futuras (UNEP, 2007). E a produção sustentável ou produção limpa é a aplicação contínua de uma estratégia ambiental preventiva e integrada a processos, produtos e serviços a fim de aumentar sua eco-eficiência e reduzir os riscos para o meio ambiente e o ser humano (UNEP, 2007). Sua aplicação ao processo produtivo abrange a economia de matérias-primas e energia, a eliminação de materiais tóxicos e a redução da quantidade e toxicidade de todas as emissões (ar e água) e geração de resíduos. No caso dos produtos, significa a redução dos impactos negativos em todo ciclo de vida e no de serviços, a incorporação dos aspectos ambientais na produção e entrega dos produtos.

2.2. A sustentabilidade no varejo

O varejo, em geral, e os varejistas, em particular, definidos como o conjunto de atividades de venda de produtos e serviços ao consumidor final e qualquer instituição cuja atividade principal consista na venda de bens e serviços ao consumidor final (PARENTE, 2000), têm papel relevante na mudança dos padrões atuais de consumo e de produção. Isso devido a sua crescente importância econômica, sua capilaridade e suaposição entre oferta e demanda, permitindo sua influência em ambas direções(JONES etal, 2005; EROL et al.,2009; UNEP, 2007).Nesse sentido, segundo a Unep (2011), o varejo tem um papel fundamental para o alcance da produção e consumo sustentáveisoperacionalizado por três grandes linhas de ação:

� Gerenciamento e controle dos impactos ambientais e sociais internos diretos dos varejistas (lojas, centros de distribuição, escritórios

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administrativos...): implemantação de sistemas de gestão ambiental, práticas de ecoeficiência, gerenciamento de resíduos, etc.;

� Gerenciamento da cadeia produtiva:incentivo à produção limpa na cadeia via parcerias para desenvolvimento de produtos sustentáveis, para melhoria dos processos produtivos, uso de critérios de sustentabilidade no processo de seleção de fornecedores, entre outros;

� Educação e informação aos consumidores:conscientização para o consumo sustentável, benefícios dos produtos ambientalmente amigáveis, 3R’s (reduzir, reusar e reciclar), etc.

Foco Autor (es) Agendas de sustentabilidade dos grandes varejistas britânicos

Jones et al. (2005)

Aspectos sociais nos processos de compras Rimmington et. al. (2006) Estratégias para um varejo verde Thompson (2007) Sistemas de accountabilitye vantagem competitiva no varejo britânico e americano

Illes (2007)

Desenvolvimento sustentável e o varejo Smits (2007) Como tornar o varejo mais sustentável: estudo de caso de shopping em Robinson

Mehaliket al. (2007)

Organização e desempenho da cadeia de suprimentos sustentável na Europa

de Brito et al. (2008)

Sustentabilidade no varejo alimentício britânico Jones et al. (2008) Agenda futura do varejo britânico Jones et al.(2008) Como o movimento pela sustentabilidade tem impactado a cadeia de fornecimento dos varejistas de vestuário

Brito et al. (2008)

A importância das boas práticas de sustentabilidade no setor de venda e locação de imóveis comerciais

Newell (2009)

A legitimidade dos padrões do varejo alimentício e iniciativas multistakeholders

Fuchs et al. (2009)

O desenvolvimento do varejo visto através das lentes da sustentabilidade

Doak (2009)

Indicadores de sustentabilidade para o varejo da Turquia

Erol et al. (2009)

Análise das dimensões da sustentabilidade no varejo chinês

Kolk et al. (2010)

Iniciativas de reciclagem em shopping centers Baharum;Pitt (2010) A sustentabilidade nas Pequenas e Médias Empresas varejistas da África

Bruwer;Watkins(2010)

Práticas e indicadores de sustentabilidade para o setor supermercadista

Matopoulos; Bourlakis (2010)

Figura 1. Principais publicações internacionais sobre sustentabilidade no varejo Fonte: Elaboração própria.

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Tal responsabilidade é acentuada pela confiança que o setor possui junto aos consumidorese por seu impacto econômico. Pesquisa realizada com consumidores brasileiros revelou que confiam no varejo, o percebem como influenciador por sua presença física e nos meios de comunicação, e esperam que este considere os aspectos socioambientais em suas práticas (FGV, 2008). Paralelamente, sua representatividade nas economias mundiais tem aumentado significativamente devido a processos de consolidação e concentração (MCGOLDRICK, 2002), que alteram o balanço de poder da relação fornecedor-varejista em favor do último (PARENTE, 2000). No Brasil não é diferente, em 2008 o varejo representava 41,58% do produto interno bruto, empregava mais de8milhões de pessoas (IBGE, 2008) e possuía 3 redes entre as 20 maiores empresas brasileiras de 2009 (EXAME, 2009).

Apesar desse papel potencial, pesquisas acadêmicas nacionais e internacionais sobre o assunto ainda são incipientes. Um levantamento de publicações internacionais qualificadas, sumarizado na Figura 1, aponta para um número reduzido mas relativamente diversificado de publicações. Enquanto a maior parteaborda aspectos genéricos da sustentabilidade no varejo, a outra discorre sobre aspectos específicos comosua mensuração, cadeia de suprimentos, processos de compras, iniciativas de reciclagem e uso de sistemas de accountability.Importante apontar que não se identificou publicação internacional sobre o varejo brasileiro.

O mesmo ocorre ao se analisar as publicações nacionais resumidas na Figura 2. Embora exista número reduzido de artigos, percebe-se um aumento recente da discussão dadao que metade dos artigos foi publicada em 2010. Importante notar que nenhum discute as práticas de sustentabilidade como neste artigo, somente aspectos específicos.

Foco Autor (es) A cidadania corporativa como orientação de marketing no varejo

Pinto; Lara (2006)

Estratégias de desenvolvimento sustentável no varejo

Cruz et al. (2007)

Sustentabilidade através do aproveitamento de resíduos em supermercados

Braga Junior; Rizzo (2008)

Dimensão social da sustentabilidade no setor supermercadista brasileiro

Jabbour et al. (2010)

Gestão ambiental em empresas líderes dos setores supermercadista e de refrigerantes

Oliveira; Machado (2010)

O comportamento de compra verde no setor supermercadista brasileiro

Benetti et al. (2010)

Figura 2. Publicações nacionais sobre sustentabilidade no varejo Fonte: Elaboração própria.

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3. Método de Pesquisa

Esta pesquisa tem caráter qualitivativo e exploratório. Tal abordagem demonstra-se adequada dadoque aspráticas de sustentabilidade no varejo mundial e brasileiro, em particular, tem sido pouco abordadaspela literatura qualificada. Em situações em que o tema é pouco conhecido, a abordagem exploratóriaé a mais adequada (RICHARDSON, 1999).

Foram utilizados dados disponíveis nos sites institucionaisde cada empresa eem seus relatórios de sustentabilidade em Julho de 2010.Essa estratégia foi adotada por possibilitar a análise de um número maior de organizações e, portanto, um panorama mais amplo do setor.

Já a análise dos dados foi realizada em duas partes.Primeiramente, analisou-se o escopo das práticas apontadas pelas empresas nas três áreas de influência do varejo ressaltadas pela Unep (2011) – internas, cadeia produtiva e consumidores. Para tanto, utilizou-se como base os temas da sustentabilidade propostos por Delai;Takahashi (2011). Esse modelo foi escolhido por ser maisabrangente que outros modelos conhecidos por ter sido elaborado a partir da análise da complementaridade de outras iniciativas.Está estruturado nas três dimensões da sustentabilidade desdobradas emtemas (assuntos prioritários de cada dimensão) e sub-temas (matérias prioritárias em cada tema), conforme apresentado na Figura 3.

Posteriormente, procedeu-se ao entendimento da abordagem empregada para o gerenciamento da sustentabilidade, que, em última instância, demonstra a prioridade dada ao tema e a perenidade futura de seus resultados. Neste ponto o objetivo foi identificar se as práticas representam uma coleção de ações pontuais e desconectadas ou se estão integradas de forma sistemática e gerenciadas via sistema de gestão. O emprego de sistema de gestão auxilia as organizações a alcançar seus objetivos(ABNT, 2004) de forma sistemática e contínua, como ocorre com os objetivos de qualidade e ambientais pelos sistemas ISO 9001 e 14001, respectivamente. Assim, a identificação da abordagem de gestão da sustentabilidade dos varejistas estudados foi realizada via análise da existência dos elementos de um sistema de gestão. Neste caso, utilizou-se como base uma adaptação dos elementos propostos pela norma NBR ISO 14001 (ABNT, 2004), quais sejam: existência de um compromisso formal em relação à sustentabilidade (política e estratégia); a existência de objetivos e metas de sustentabilidade para toda organização;definição de estrututura, responsabilidades e funções da sustentabilidade; treinamento e conscientização em sustentabilidade; existência de sistema de medição e divulgação interna e externa e monitoramento dos resultados e ações corretivas.

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Dimensão Temas Sub-temas

Práticas trabalhistas e trabalho decente

Educação, treinamento e desenvolvimento ; Diversidade e oportunidade; Saúde e segurança ; Geração de empregos; Atração e retenção de talentos ; Direitos humanos

Cidadania corporativa

Ações sociais; Comunicação com a sociedade ; Contribuições políticas; Competição e preços ; Códigos de conduta, corrupção e suborno

Relacionamento com clientes

Satisfação dos clientes ; Saúde e segurança dos clientes ; Produtos e rótulos ; Propaganda ; Respeito à privacidade do consumidor

Fornecedores / parceiros

Seleção, relacionamento e desenvolvimento; Contratos

SO

CIA

L

Setor público Impostos ; Subsídios

Ar

Gases de efeito estufa ; Gases afetam camada de ozônio ; Acidificação atmosférica ; Emissões com efeito cancerígeno ; Poluição atmosférica fotoquímica

Água Consumo ; Acidificação ; Demanda bioquímica de oxigênio ; Ecotoxidade para a vida aquática ; Eutrofização

Terra Uso ; Geração de resíduos

Energia Consumo ; Fontes

Material Consumo ; Consumo de materiais perigosos

Biodiversidade Ecossistemas ; Áreas protegidas ; Espécies

AM

BIE

NT

AL

Produtos e serviços

Reciclabilidade ; Produtos ambientalmente amigáveis

Investidores Governança corporative ; Dividendos

Investimentos Capital investido ; Investimento em pesquisa e desenvolvimento

Lucro e valor

EC

ON

Ô-M

ICO

Gerenciamento de crises

Figura 3. Dimensões, temas e sub-temas do modelo utilizado para análise do escopo das práticas Fonte: Delai;Takahashi (2011).

Por fim, foram selecionadas seis empresas varejistas para o

desenvolvimento da pesquisa – três do setor supermercadista e três do setor de lojas de departamento. Esses segmentos foram escolhidos por serem os mais representativos - 34,20% - do varejo brasileiro (IBGE, 2008), e as empresas selecionadas foram as três maiores de acordo com o Guia Exame Maiores e Melhores de 2009 (EXAME, 2009). Estas organizações

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são designadas por uma letra que indica o segmento e um número sequencial e seu perfilresumido é o seguinte: � S1: subsidiária de uma rede varejista internacional que opera no Brasil desde 1995, 400 lojas em mais de 18 estados brasileiros e mais de 80 mil colaboradores; � S2: subsidiária de uma rede varejista internacional que opera no Brasil desde 1994, 599 lojas espalhadas por 17 estados brasileiros e mais de 70 mil colaboradores; � S3: rede varejista nacional que opera desde 1948,integrante de um grande grupo atacadista e varejista brasileiro que atua também em outros segmentos do varejo. Para fins deste trabalho, utilizou-se as informações referentes somente à sua rede varejista de alimentos que possui 634 lojas espalhadas por 15 estados brasileiros e mais de 79 mil colaboradores; � L1:subsidiária demultinacional de lojas de departamento de vestuário, no Brasil desde 1965, 124 lojas espalhadas por todos os estados brasileiros e mais de 11 mil colaboradores; � L2: subsisdiária derede multinacionalde lojas de departamento de vestuário, no Brasil desde 1976, 178 lojas espalhadas por 60 cidades e 17 mil colaboradores; � L3:rede de lojas de departamento de vestuário nacional que opera desde 1948, 227 lojas espalhadas por todos os estados brasileiros e mais de 10 mil funcionários.

4. Apresentação e discussão resultados

Nesta seção são apresentadas as práticas identificadas em quatro partes: internas, relacionadas à cadeia, relacionadas aos consumidores e a abordagem de sua gestão. 4.1. Práticas de sustentabilidade 4.1.1. Práticas internas

As práticas internas abrangem as atividades operacionais e de suporte das empresas varejistas pesquisadas e são apresentadas por dimensão da sustentabilidade.

� Práticas da Dimensão Ambiental

As práticas dadimensão ambiental são apresentadas de acordo com os seus principais temas:ar (emissões atmosféricas), água, energia, terra, materiais e biodiversidade.

Em relação às emissões atmosféricas, todos os varejistas estudados parecem estar cientes da relevância da minimização das emissões de gases que provocam o aquecimento global, embora estejam em estágios distintos de ação. S2 e S3 apontam práticas mais avançadas e proativas com foco nas fontes geradoras das emissões (causas) como: a otimização das operações logísticas pelo uso conjunto das frotas da empresa e do

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fornecedor; e a otimização de rotas e o uso de caminhões de maior capacidade por carga (bitrens).Já L2 e S1 encontram-se em processo de inventário das emissões e L1 neutraliza as emissões de seus eventos.

As emissões de outros tipos de gases têm recebido pouca atenção das empresas estudadas. Nesse ponto, um aspecto importante são as emissões provenientes de gases refrigerantes (CFC’s e HFC’s) utilizados nosbalcões refrigerados e frigoríficos dos supermercados.Tais emissões afetam diretamente a camada de ozônio, que é fundamental para a absorção dos raios ultra-violeta danosos à saúde humana, animais, plantas, micro-organismos, vida marinha, materiais, ciclos bioquímicos e qualidade do ar (CSD, 2005). Somente S2 e S3 apontam práticas que ainda estão em fase inicial de implementação em algumas de suas lojas: substituição dos atuais gases refrigerantes por equivalentes menos poluentes como o glicol (álcool orgânico com menor evaporação e menos poluente) ou o gás R-404. O gerenciamento dos impactos das organizações no volume disponível de água(consumo) e em sua qualidade (poluição)são outros dois aspectos relevantes da sustentabilidade corporativa. Todos varejistas estudados, independente do setor, reconhecem a importância da redução do consumo de água, no entanto, somente S3 preocupa-se também com a sua poluição. As práticas apontadas pelo segmento supermercadista são similares, algumas implementadas somente nas novas lojas ou “lojas verdes” e têm maior foco nas atividades secundárias do que nas de operação propriamente ditas: uso de válvulas de descargas de duplo acionamento nos banheiros; mictórios sem água; torneiras com fechamento automático; controle de vazão; controle diário do consumo e captação de água da chuva.Esta última uma das poucas iniciativas apontadas pelo segmento de vestuário. Duas ações diferenciam-se por atuarem nas atividades primárias (operação): readequação dos equipamentos de refrigeração para reduzir o consumo de água (S2) e o reaproveitamento da água do degelo das câmaras frigoríficas (S3). Já em relação às práticas de prevenção da poluição da água, somente S3 aponta algumas ações: tratamento de esgoto com produto biológico 100% natural composto por microorganismos que reduzem o percentual de gordura presentes nas caixas;tratamento da água e separação do óleo da lavagem de máquinas demovimentação antes deseu descarte.

Ampliar a eficiência energética(consumo) e aumentar o uso de energias de fontes renováveis (solar, eólica, biomassa) são também dois pontos fundamentais para reduzir os impactos organizacionais. Isso porque as energias não-renováveis têm seus recursos finitos, são poluentes (CSD, 2005) e estão fortemente relacionadas às emissões de gases estufa que provocam o aquecimento global. Verifica-se foco recorrente em todos os varejistas estudados na redução do consumo de energia elétricae pouca atenção dispensada à sua fonte, salvo algumas iniciativas de S3 e L2. As práticas identificadas variam de ações com foco em aspectos geraiscomo

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uso de lâmpadas eficientes; uso de iluminação natural; controladores automáticos de acionamento do ar condicionado; painéis solares; até ações que atuam no cerne da operação como a instalação de sistema de fechamento automático das portas das câmaras frias; readequação dos equipamentos de refrigeração, evaporadores e condensadores; substituição de equipamentos obsoletos e uso de equipamentos de informática mais eficientes.Em relação às fontes de energia utilizadas, identifica-se somente uma prática apontada pelo supermercado S3 que tem 27% de sua demanda contrata proveniente de usina de biomassa que utiliza capim-elefante e pequenas centrais hidrelétricas.

Também o consumo de materiais, perigosos ou não, é crítico para a sustentabilidade uma vez que está relacionado à disponibilidade de recursos naturais em suas fontes (CSD, 2005), cujas atividades fundamentais referem-se ao chamado 3R’s - reduzir, reutilizar e reciclar. Este é outro ponto com o qual todos os varejistas estudados parecem estar comprometidos,sobretudo os supermercadistas. As medidas adotadas estão alinhadas aos 3R’s podendo ser classificadas em três grupos: redução do consumo de insumos administrativos (impressão frente e verso, uso de fax eletrônico, canecas recicláveis, cartões de visita menores, etc.), estações de reciclagem (todos supermercados oferecem em grande parte de suas lojas e em fase de implantação na loja L2) e redução/reuso do consumo de materiais nas operações.

Em relação a este último, à exceçãode L1, todos varejistas têm trabalhado na redução do consumo das sacolas plásticas via disponibilização de sacolas reutilizáveis (ecobags), com ou sem incentivo financeiro para compra pelo consumidor. Ademais a essa medida, verifica-se uma variedade de ações apontadas pelos supermercados estudados: redução do tamanho da embalagem de alguns produtos de marca própria mantendo seu conteúdo, redução do consumo de plástico strech por palletno transporte com o uso de cola e substituição das caixas de papelão (vida útil de cinco viagens) por outras de plástico (vida útil de 35) e centro de recuperação de ativos para manutenção e/ou reforma de equipamentos prolongando sua vida útil em até cinco anos e possibilitando a montagem de lojas sem a necessidade de novas aquisições. Também a loja L2 tem dado alguns passos iniciais: uso de embalagens de presente de papel 100% reciclado e uso de cabides com parte de plástico reciclado.

A gestão dos impactos organizacionais no uso da terra e a geração de resíduos é outro aspecto crítico, uma vez que a magnitude do uso da terra e das mudanças em sua cobertura ameaçam a estabilidade e a resiliência dos ecossistemas provocando o aquecimento global e a disrupção do ciclo do nitrogênio (CSD, 2005). Verifica-se foco exclusivo do segmento supermercadista e em práticas relacionadas à geração de resíduos, que têm relação direta com os 3 R’s: transformação do lixo orgânico gerado em adubo para venda em cooperativas ou usoem

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plantaçõesde fornecedores; transformação de alimentos impróprios à venda em ração animal; transformação de óleo de cozinha recolhido nas lojas em biodiesel (para uso nos geradores da empresa) e glicerina (utilizada pelos produtores das marcas próprias) e mutirão para coleta de lixo eletrônico.Prática diferenciada de S2 é o disque-coleta de equipamentos eletrônicos e eletrodomésticos antigos para clientes que adquiram novos em suas lojas.

A gestão dos impactos na biodiversidade é outro fator importante uma vez que a manutenção dos ecossistemas terrestres, aquáticos e marinhos, das áreas protegidas e das espécies estar diretamente relacionada à continuidade da vida humana - provê produtos e serviços essenciais como a segurança alimentar, a estabilidade climática, água potável, entre outros (CSD, 2005). Verifica-se pouca atenção das empresas estudadas ao gerenciamento dos seus impactos na biodiversidade tendo somente S1 apontadoprática nesse sentido. Tais ações podem ser consideradas abrangentes uma vez que abordam tanto impactos diretos (preservação da vegetação nativa dos terrenos-base das novas lojas) quanto impactos da cadeia (comercialização de produtos de origem bovina, derivados da soja ou madeira certificados e parceria para conservação da biodiversidade da Floresta Nacional do Amapá).

� Práticas da Dimensão Social

Todos os varejistas estudados reconhecem a importância e desenvolvem, em maior ou menor profundidade, ações relacionadas aos seus quatro principais stakaholders – funcionários, consumidores, fornecedores e comunidade – e não apresentam informações sobre seu relacionamento com o quinto grupo – o governo. Nesta subseção são apresentadas as práticas relacionadas aos funcionários e comunidade, uma vez que consumidores e fornecedores são estudados nas subseções 4.1.2 e 4.1.3.

O relacionamento com os funcionários é o tema social mais amplamente trabalhado pelos varejistas estudados uma vez que praticamente todos apresentam medidas para todos os seis grandes sub-temas: educação, treinamento e desenvolvimento; diversidade e oportunidade; saúde e segurança; geração de empregos; atração e retenção de talentos; e direitos humanos. Esse comportamento é esperado uma vez que a melhoria e manutenção do capital humanoé um elemento-chave para o desenvolvimento e mudança de qualquer organização (GRI, 2010; FLEURY;JUNIOR, 2002), tendo cada vez mais impacto no desempenho organizacional (BONTIS, 2000).As práticas de educação, treinamento e desenvolvimento são semelhantes concentrando-se em programas com foco em melhoria de aspectos técnicos, gerenciais e de liderença, com diferencial do programa de sucessão (identificação e

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definição de plano individual de desenvolvimento para executivos de alto potencial) de L1.

Outro ponto importante neste sub-tema para que a sustentabilidade seja internalizada na organização, é a conscientização e o treinamento dos seus colaboradores. Nesse sentido, um ponto negativo é identificado uma vez que somente S1, S2 e L2 afirmam oferecerem programas de treinamento em sustentabilidade a seus funcionários. Vale destacar o programa “projeto pessoal para a sustentabilidade” do supermercado S1 em que os funcionários são incentivados a adotar um ou mais hábitos em prol da sustentabilidade entre seis categorias (compras sustentáveis, redução de resíduos e reciclagem, saúde e bem-estar, energia, água, mobilização e voluntariado) e premiados anualmente os melhores em cada categoria.

Já com relação aos sub-temas diversidade e saúde e segurança, verifica-se foco na inserção de portadores de necessidades especiais (cumprimento da legislação) e na melhoria contínua do ambiente de trabalho via comissões internas de prevenção de acidentes, respectivamente. Vale apontar ação diferenciadade S1 com a criação de um grupo de aprendizado da diversidade para promover a conscientização e discussão do assunto.

Quanto à atração e retenção de talentos, todos apresentam programas de benefícios, remuneração variável e planos de desenvolvimento individualdiferenciando-se o projeto piloto de S1 para incluir metas de sustentabilidade como critério de remuneração variável. Congruência de práticas também é identificada nas questões relativas aos direitos humanos: existência de políticas de defesa dos direitos humanos e auditorias em fornecedores.

Já as práticas de geração de emprego são ainda pouco exploradas identificando-se somente duas:programa de fomento à agricultura regional familiar de orgânicos com abrangência de 2800 famílias (S1) e a criação de cooperativa de reciclagem (S3).

O relacionamento com a comunidadeé outro tema imporante da dimensão social. Nesse aspecto, três pontos chamam a atenção. Primeiramente todos varejistas promovem ações filantrópicasnas comunidades em que atuam gerenciadas por institutos próprios, desenvolvidas em parceria com entidades civis ou não governamentais e focadas em doações de alimentos fora dos padrões da empresa, campanhas assistenciais diversas, educação, patrocínios culturais e esportivos e trabalho voluntário de seus funcionários. Vale menção o programa-piloto de loja da comunidade de S1 que oferece à população, a preços baixos ou gratuitamente, serviços que nem sempre estão disponíveis em comunidades populares como emissão de documentos, acesso à internet, cursos profissionalizantes, etc. O segundo ponto a ser salientado é o fato de somente três varejistas apresentarem códigos de conduta e desenvolverem atividades de treinamento e conscientização do funcionários

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quanto ao combate a práticas de corrupção e suborno. Por fim,um aspecto negativo: não há menção de qualquer empresa analisada quanto asua política de contribuição a partidos políticos e candidatosnem a suas práticas de competição.

� Práticas da Dimensão Econômica

Dois pontos podem ser destacados na análise das práticas da dimensão econômica. Em primeiro lugar, como grande parte dos varejistas estudados tem capital fechado, o único tema em que foi possível identificar práticas foi governança corporativa. A governança corporativa, que está relacionada aos processos pelos quais as organizações são dirigidas e controladas (AS8000, 2003) trantando dos direitos e responsabilidade do conselho de administração, seu gerenciamento, dos acionistas e das partes interessadas (OECD, 2004), é importante para a minimização do risco de crises, falhas e fraudes. Nesse aspecto, algumas práticas identificadas diferenciam-se dada a natureza jurídica das empresas. Por exemplo, enquanto L1 e S3 são companhias abertas possuindo um conjunto de práticas obrigatório por lei, as demais são fechadas não apresentando estrutura tão desenvolvida. L1 diferencia-se por compor o segmento Novo Mercado da bolsa de valores de São Paulo, que apresenta o nível de governança mais exigente, enquanto S3, listado no Nível 1, cumpre apenas as obrigações legais. Os demais varejistas estudados apresentam código de conduta e comitês específicos para sua disseminação e análise e, no caso de S1, segue e é auditado segundo diretrizes da Lei Sarbanes-Oxley, que assegura a transparência na gestão financeira organizacional.

Em resumo, pode-se dizer em relação às práticas internas, que a maioria dos varejistas estudados, principalmente os supermercados, apresenta um conjunto de ações com foco em todas as dimensões da sustentabilidade. No entanto, percebe-se foco mais intenso nos aspectos sociais. Com relação a essas prática, identifica-se foco amplo no relacionamento com funcionários, com práticas em todos os seus sub-temas (educação, treinamento e desenvolvimento; diversidade e oportunidade; saúde e segurança; geração de empregos; atração e retenção de talentos; e direitos humanos), e com a comunidade (sobretudo através de institutos que gerenciam ações filantrópicas). Em relação aos primeiros, tem-se um conjunto de práticas tradicionais de educação, treinamento e desenvolvimento e atração/retenção de talentos e foco quase generalizado em ações para o cumprimento da legislação em saúde e segurança, direitos humanos e diversidade e oportunidade (pessoas com deficiência). Já no caso das práticas de relacionamento com a comunidade, tem-se foco em práticasfilantrópicas gerenciadas por institutos próprios ou parcerias com organizações não-governamentais que promovem e patrocinam ações de educação, cultura, lazer e esportes nas comunidades onde operam. Importante salientar que poucos varejistas apresentam códigos de conduta

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e desenvolvem atividades de treinamento e conscientização de combate à corrupção e suborno e que não há menção à política de contribuições políticas e práticas de competição e preço.

Quanto à dimensão ambiental, pode-se dizer que também existe um foco amplo uma vez que foram identificadas ações dos varejistas estudados em praticamente todos os seus sete temas, sobretudo emissões atmosféricas e consumo água, energia e materiais. Nestes casos, identificam-se primoldialmente práticas de ecoeficiência (uso mais eficiente de materiais e energia para reduzir impactos ambientais e custos segundo o CEBDS (2011)) com foco maior em atividades secundárias do que primárias (operações), como a substituição de lâmpadas e a instalação de válvulas de acionamento duplo e implantadas, principalmente, nas lojas novas ou “verdes”. No entanto, percebe-se, sobretudo nos supermercados, o uso ainda incipinte de práticas mais estruturais de ecoeficiência que alteram os processos primários como, por exemplo, otimizações de rotas e frotas, readequação de equipamentos de refrigeração, e alterações nas embalagens de transporte e dos produtos próprios.Importante salientar o uso ainda incipiente de práticas relacionadas ao uso da terra e aos impactos na biodiversidade.

4.1.2. Práticas relacionadas à cadeia

É no gerenciamento de sua cadeia de fornecedores e parceiros que o setor varejista apresenta seu maior potencial de influência para a transformação dos padrões de consumo e produção (UNEP, 2011). De modo geral, as empresas estudadas cultivam um estreito relacionamento com seus fornecedores, desenvolvendo-os e auditando-os com base, sobretudo, em critérios de atendimento à legislação, segurança alimentar (supermercados), qualidade, sociais e, algumas, ambientais. Verifica-se maiorênfase no estabelecimento de critérios sustentáveis de seleção de fornecedores (todos) e exigências de certificações (S1 - carne bovina, soja e madeira), sua premiação (S1 e S2) e sua formalização em contratos do que em ações conjuntas e parceriais para melhoria dos processos produtivos e desenvolvimento de produtos mais amigáveis ao meio ambiente, conforme sugerido pela Unep (2011). Quanto ao primeiro, identificam-se poucas práticas de parceria como programa de auxílio técnico a pequenos e médios produtores para produzirem de forma mais sustentável (S1),alterações nos processos de transporte e distribuição (S1 e S2), uso pelos fornecedores de biocombustível feito do óleo recolhido nas lojas (S2) e parceria para diagnóstico e implantação de gestão sustentável em fornecedores(S3).

Já o desenvolvimento e a comercialização de produtos ambientalmente amigáveis, que pressupõem a aplicação dos princípios da avaliação do ciclo de vida, é incipiente nos varejistas do ramo de supermercados estudados e ignorados pelos varejistas de vestuário. Nesse

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aspecto identificam-se duas linhas de práticas nos supermercados estudados: foco de todos no desenvolvimento de linha de produtos orgânicos, embora somente S2 aponte que seus produtores são auditados e certificados por empresas independentes garantindo que são livres de agrotóxicos, pesticidas e produzidos com técnicas de manejo que preservam a natureza; e integração de aspectos ambientais e sociais no desenvolvimento sobretudo, de produtos próprios, parcialmente por S3 e bastante enfatizado por S1.Alguns exemplos dos produtos desenvolvidos por S1 são: sabão em pó em parceria com fabricante que reduz em 30% a água utilizada para enxágue; cueca de fibra de bambu e de algodão orgânico; sabão feito de óleo coletado nas lojas; redução do consumo de emabalagens em 80% dos novos lançamentos; camiseta da marca exclusiva feita com até 70% de garrafas PET recicladas; embalagem da água sanitária feita a partir de garrafas PET recicladas; embalagens de papel com selo FSC (Forest Stewardship Council) que garante que o papel tem origem de florestas plantadas ou controladas e manejadas para esse fim. Já S3 aponta somente o uso do papel reciclado recolhido em suas estações para a produção deembalagens das marcas próprias.

4.1.3. Práticas relacionadas aos consumidores

Quanto ao relacionamento com os consumidores, verifica-se uma preocupação comum quanto à sua satisfação e saúde e segurança. As práticas adotadas são similares englobando pesquisas de satisfação e disponibilização de vários canais de contato ao cliente. Nesse aspecto dois pontos merecem menção. Um destaque negativo: o fato de L2 não disponibilizar canal telefônico de contato a seus clientes, e outro positivo: a disponibilização de espaços em algumas lojas-piloto para a conscientização dos clientes quanto às questões da sustentabilidade (L2 e S2). Quanto à saúde e segurança, todos supermercados apresentam ações de controle da produção de produtos in natura, sobretudo, os de marca própria, assinalados com selos de qualidade e linhas de produtos orgânicos e saudáveis. Vale ressaltar também ações diferenciadas de L2 que visam melhorar a segurança de roupas e calçados para crianças e adolescentes de até 16 anos e o rastreamento de substâncias tóxicas provenientes dos processos de estamparia, tintura e lavandeira do seu mix de vendas.

Ademais, é através do relacionamento com seus clientes que o setor varejista pode promover uma grande mudança nos padrões de consumo e produção, mais especificamente, por meio da sua educação, informação e conscientização quanto às questões da sustentabilidade. Nesse sentido, constata-se que, à exceção de L1 e L3, todos os demais varejistas apresentam ações de conscientização em maior ou menor grau, sendo o uso de comunicação interna na loja, as estações de reciclagem e o incentivo ao uso de sacolas plásticas as ações comuns entre os supermercadistas. Cabe salientar um esforço maior empregado por S2 que apresenta um

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Compromisso formal da sustentabilidade (política e estratégia)

Metas de sustentabilidade curto/longo prazo

Estutura e responsabilidades da sustentabilidade

Conscientização e treinamento em sustentabilidade

Comunicação interna e externa do desempenho em sustentabilidade

S1

*Compromisso formal em seu relatório de sustentabilidade * Estratégia definida para liderar o setor em sustentabilidade

* Metas relacionadas a produtos sustentáveis, clima e energia e geração de resíduos

* Diretoria ligada diretamente ao presidente para gestão transversal das questões de sustentabilidade na empresa

* Sim, para todos

* Relatórios de Sustentabilidade GRI desde 2007

S2

* 21 diretrizes definidas pela matriz sobre os temas: o consumo consciente trabalhado com o consumidor, cadeia, colaborador, comunidade e clima

* Diretoria de Sustentabilidade subordinada à Diretoria Executiva Corporativa * Área de sustentabilidade é transversal e se relaciona com todos os departamentos para estimulá-los a incorporar os conceitos em seu dia-a-dia

* Treinamento de multiplicadores em curso para posterior disseminação a todos os funcionários

* Relatórios de Sustentabilidade GRI desde 2003

(continua)

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(continuação)

Compromisso formal da sustentabilidade (política e estratégia)

Metas de sustentabilidade curto/longo prazo

Estutura e responsabilidades da sustentabilidade

Conscientização e treinamento em sustentabilidade

Comunicação interna e externa do desempenho em sustentabilidade

S3

* Não apresenta compromisso formal, mas aponta que possui práticas relacionadas a três pilares do que chama de esponsabilidade socioambiental: social, ambiental e qualidade de vida

* Algumas metas como consumo de energia e água

* Comitê de Desenvolvimento Sustentável ligado ao Conselho de Administração promove e dissemina o desenvolvimento sustentável em todas as atividades * Comitê interno de áreas, liderado pela área de Responsabilidade Socioambiental, implementa as ações

* Somente um site com algumas informações dispersas

L1

* Somente balanço social com alguns indicadores ambientais

L2

* Compromisso com a busca da harmonia entre o equilíbrio ambiental, justiça social e viabilidade econômica nas práticas diárias da organização

* Comitê de responsabilidade ambiental formada por membros de diversas áreas da empresa

* Sim, para todos

* 1º. relatório em 2009 seguindo os padrões do GRI

L3

* Informa que não possui estratégia de sustentabilidade

Figura 4: Evidências da integração da sustentabilidade no sistema de gestão das empresas pesquisadas. Fonte: Elaboração própria.

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conjunto de ações focadas na educação de crianças, como palestras em escolas sobre produtos sustentáveis e reciclagem, e o dia do futuro consciente em que promove a conscientização de filhos de funcionários e comunidade por meio de jogos e brincadeiras educativas. Além disso, distribui revista com informações sobre comportamentos sustentáveis domésticos, reciclagem, montagem de horta e receitas para reaproveitamento de sobras de alimentos. Também L2 iniciou um processo de conscientização de seus consumidores em relação à sustentabilidade e produtos com baixo impacto ambiental em sua primeira loja verde.

4.2. Abordagem de gestão da sustentabilidade

O entendimento da abordagem empregada para o gerenciamento da sustentabilidade demonstra, em última instância, a prioridade dada ao tema e a perenidade futura de seus resultados. Em termos gerais, a abordagem de gestão pode ser descrita como uma coleção de ações pontuais e desconectadas ou um conjunto sistemático integradoe gerenciado em umsistema de gestão.Uma análise da integração da sustentabilidade nos elementos dosistema de gestão apontados na Figura 4, revela que, de um modo geral, os varejistas estudados abordam os aspectos da sustentabilidade de forma pontual e isolada, com exceção de S1 que apresenta uma maior integração. Evidência dessa desintegração é o fato de a sustentabilidade ser considerada somente em alguns elementosdo sistema de gestão, notadamente os de maior visualização externa: o compromisso ou política formal em relação à sustentabilidade, estruturas organizacionais de sustentabilidade matriciais ou transversais que envolvem todas as áreas, e mensuração e divulgação externa dos desempenhos em relação à sustentabilidade.

5. Considerações Finais

Este artigo objetivouidentificar e apresentar uma revisão exploratória das práticas de sustentabilidade internas e junto à cadeia e aos consumidores do varejo brasileiro assim como a abordagem utilizada no seu gerenciamento. De um modo geral, pode-se concluir que em relação aos três focos de atuação apontados pelo PNUMA pelos quais o varejo pode auxiliar na promoção da mudança para um padrão de consumo e produção mais sustentável, os varejistas estudados têm um foco prioritariamente interno com poucas práticas relacionadas à promoção da sustentabilidade na cadeia e junto aos consumidores. Quanto às práticas internas, verifica-se que possuem escopo relativamente amplo abrangendo os três pilares da sustentabilidade e a grande maioria dos seus temas e sub-temas, apesar de existir uma atenção maior à dimensão social.Em relação a estas, percebe-sefoco em ações tradicionais de relacionamento com funcionários (práticas de educação, treinamento e retenção de talentos e de cumprimento da

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legislação quanto à sua saúde e segurança, diversidade e direitos humanos) e com a comunidade (práticas filantrópicas geridas por institutos próprios).

Nas práticas ambientais, por sua vez, existe foco maior em ações mais simples e genéricas de eco-eficiência como a substituição de lâmpadas e a instalação de válvulas de acionamento duplo. No entanto, percebe-se, sobretudo no segmento supermercadista notadamente em S1, um incipinte foco em ações mais estruturais nos processos produtivos como o desenvolvimento de produtos com melhores desempenhos ambientais, mudanças nos processos internos e externos (via parcerias com a cadeia produtiva).

Com relação às práticas com foco na cadeia produtiva, estão mais relacianadas ao estabelecimento de critérios de seleção do que parcerias para mudanças nos processos produtivos. O desenvolvimento e a comercialização de produtos sustentáveisé incipiente nos supermercados e ignorados pelas lojas de vestuário. Também o foco dos varejistas estudados na educação, informação e conscientização dos consumidores sobre as questões da sustentabilidade encontra-se em uma fase inicial, restringindo-se à comunicação interna na loja, estações de reciclagem e incentivo ao uso de sacolas ecológicas.

Deste modo, pode-se apresentar oportunidades de melhoria nos três tipos de práticas:

� Internas sociais: implantação e/ou ampliação de programas de treinamento em sustentabilidade para todos os funcionários, que é crítica para o seu envolvimento, a internalização da sustentabilidade nas atividades diárias e na cultura organizacional; ampliação das ações de valorização da diversidade para além do simples cumprimento à legislação de inclusão de pessoas portadoras de necessidades especiais, afinal, diversidade relaciona-se ao respeito, tolerância e valorização das diferenças individuais de quaisquer tipo; inclusão do alcance das metas de sustentabilidade como critério de remuneração variável em igualdade com as demais metas; criação e disseminação de códigos de conduta relacionados ao combate à corrupção e suborno e práticas justas de competição e preço; e adoção de práticas de comunicação do envolvimento e contribuição a partidos e campanhas políticas;

� Internas ambientais: ampliação das práticas atuais para todas as lojas; ampliação das práticas que atuam nos processos primários dado estes serem os responsáveis pelos principais impactos organizacionais; e implementação de ações que atuem em temas importantes e praticamente ignorados como os impactos na biodiversidade, as emissões de outros gases poluentes além dos de efeito estufa, sobretudo os que afetam a camada de ozônio; a emissão de efluentes líquidos; o uso e descarte de materiais; e o uso do solo;

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� Cadeia: ampliação de parcerias para o desenvolvimento de produtos sustentáveis próprios ou não e para a promoção da produção mais limpa;

� Consumidores:implantação e/ou ampliação das ações de conscientização dos consumidores quanto às questões da sustentabilidade por todos varejistas; e implantação de ações de saúde e segurança dos produtos por parte do segmento de vestuário.

Por fim, a aplicação de uma abordagem integrada de gestão da sustentabilidade é um fator importante para a perenidade e continuidade das ações e patamares de desempenho. De um modo geral, a abordagem de gestão pode ser descrita mais como uma coleção de ações pontuais do que um conjunto sistemático integrado e gerenciado em um sistema de gestão.Nesse contexto, algumas oportunidades de melhoria para o gerenciamento integrado da sustentabilidade podem ser apontadas: definição de metas formais relacionadas aos aspectos da sustentabilidade, estabelecimento de um sistema de monitoramento dos seus resultados e sistemática de ação corretiva e ampliação do treinamento e conscientização dos funcionários.

Algumas limitações do estudo também podem ser apontadas. Em primeiro lugar, a limitação do escopo da análise pelo não acesso às informações da loja L3 e a dados financeiras de algumas empresas. Em segundo, os resultadosdo trabalho refletem a qualidade dasinformações disponibilizadas pelas empresas em seus relatórios e/ou páginas institucionais, podendo apresentar viésesem relação às realidades organizacionais.

Dado o cunho exploratório desta pesquisa, seus resultados podem também embasar uma série de pesquisas futuras.Tais pesquisas poderem trabalhar tanto as práticas já existentes quanto as oportunidades de melhoria apontadas pelo artigo. Em relação ao primeiro grupo algumas sugestões são: identificação do relacionamento das práticas com o desempenho e a geração de valor do varejo e sua competitividade; eficácia e fatores motivadores das práticas; técnicas e métodos mais adequados para sua implementação, entre outros. Já quanto ao segundo: métodos de parcerias com os fornecedores para o desenvolvimento de produtos próprios sustentáveis e promoção da produção mais limpa; barreiras e motivadores da adoção das parcerias de desenvolvimento de novos produtos e produção mais limpa; métodos de conscientização dos consumidores; análise da abordagem de gestão da sustentabilidade; estudo da integração da sustentabilidade no sistema de gestão organizacional; pesquisas focadas nos impactos pouco explorados tanto ambientais (biodiversidade, uso do solo, gases afetam a camada de ozônio, poluição água, etc.), quanto sociais (corrupção e suborno, diversidade, saúde e segurança dos consumidores, etc.), etc.

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Enfim, verifica-se que a maioria das empresas estudadas já iniciou a desafiante caminhada rumo à sustentabilidade.No entanto, para que suas contribuições sejam efetivas e perenes, faz-se necessário que ampliem suas práticas internas, junto à cadeia e aos consumidores e que estas sejam geridas de forma contínua e sistemática em um sistema de gestão integrado.

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GERENCIAMENTO E MANEJO SUSTENTÁVEL DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO (RCD): UM DESAFIO PARA O

SETOR DA CONSTRUÇÃO CIVIL

João Alexandre Paschoalin Filho* Cláudia Terezinha Kniess*

Gustavo Silveira Graudenz*

RESUMO Com o incremento do crescimento econômico brasileiro e, por

conseqüência, do nível de atividade da construção civil, a geração de resíduos provenientes deste setor consiste em um importante problema a ser sanado. Formas de reaproveitamento destes resíduos, muitas vezes na composição de novos materiais, e o desenvolvimento de modelos e ferramentas de gestão têm sido a tônica de diversos trabalhos apresentados ao meio técnico no intuito de se mitigar os efeitos causados pelo impacto da construção civil no meio ambiente, tanto natural, quanto urbano. Contudo, a ausência de políticas públicas objetivas que considerem como problema real a geração, manuseio e deposição destes resíduos ainda se constituem como importantes empecilhos na adoção de práticas de sustentabilidade. Este trabalho apresenta considerações a respeito de formas de gestão sustentável de resíduos sólidos de construção e demolição (RCD), o impacto da deposição irregular destes na saúde coletiva e relata soluções técnicas de reaproveitamento destes resíduos na construção civil por meio da obtenção de produtos por meio da reciclagem. Dessa forma, esta pesquisa tem por objetivo contribuir com o meio técnico na discussão a respeito da importância do correto manejo dos resíduos de construção e demolição, os impactos causados pela destinação inadequada destes e a viabilidade de sua reutilização por meio da adoção de técnicas sustentáveis.

Palavras chaves: Resíduos, construção civil, sustentabilidade. ABSTRACT

With the increase of Brazilian economic growth and, consequently, the level of construction activity, the generation of residues from this sector is an important problem to be solved. Alternatives to recycle these residues, often in the composition of new materials, and developing models and management tools have been studied in several papers presented to the technical means in order to mitigate the effects caused by the impact of construction on the environment. However, the absence of public policies that consider the generation, handling and disposal of these wastes as a real problem, are still the biggest obstacle in the adoption of sustainable

* UNINOVE

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practices. This paper presents considerations about ways of sustainable management of solid waste from construction and demolition waste, the impact of irregular deposition of these in public health and technical solutions for reuse of these wastes in construction by recycling. Thus, this research aims to contribute to the technical discussion of the importance of proper management of construction and demolition waste, the impacts caused by improper disposal of these and the feasibility of reuse through the adoption of sustainable techniques

Keywords: Residues, civil construction, sustainability 1. INTRODUÇÃO

O ritmo imposto pelo crescimento econômico aos diversos setores da

cadeia produtiva e o consumo cada vez mais barato e intenso, têm causado a geração de quantidades vultosas de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU).

As ausências de políticas públicas efetivas e de metodologias consistentes de gerenciamento e manejo destes resíduos propiciam muitas vezes ferramentas de gestão insuficientes ou não adequadas, o que acaba agravando ainda mais esta problemática.

De uma forma geral, dentre os resíduos que compõem a enorme massa de RSU gerada diariamente, verifica-se que grande percentual se deve àqueles provenientes de atividades ligadas à construção civil.

O crescimento do setor de construção civil, alavancado pelo atual panorama econômico e a necessidade de se atender ao déficit habitacional, tem causado significativo impacto ambiental, quer seja pela crescente demanda por matérias primas, ou pela geração de resíduos.

Dados nacionais apontam que a quantidade de entulho da construção civil é superior, em massa, ao lixo doméstico. Bidone (2001) apud Morais (2006) cita a relação de 1 tonelada de lixo urbano recolhido para cada 2 toneladas de RCD. Morais (2006) apresenta dados relativos a algumas cidades brasileiras de médio e grande porte nas quais a massa de RCD, em percentual, varia entre 41% a 70% da massa total de resíduos sólidos urbanos (RSU).

Tal situação retrata um aspecto paradoxal, pois ao se promover, por meio de obras civis, a melhoria das condições urbanísticas de um local, também se promove o aumento da demanda por matérias-primas naturais, e por conseqüência, a geração de resíduos e impactos ao meio ambiente.

No Brasil, a preocupação acerca dos resíduos em geral ainda é recente. Ao se considerar Resíduos de Construção e Demolição (RCD) somente há pouco tempo é que entrou em vigor a Resolução nº. 307 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA (2002), primeiro instrumento legal que fixou prazos para as administrações municipais elaborarem e implantarem planos de gestão para os RCD.

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Diante dessa problemática, esse trabalho apresenta considerações a respeito do problema de geração, gerenciamento e impacto da deposição inadequada de resíduos de construção e demolição (RCD) no desenvolvimento sustentável do setor. São apresentadas também formas de reciclagem dos RCD e a viabilidade da utilização destes na construção civil. Dessa forma, pretende-se com esta pesquisa contribuir na discussão a respeito da importância da correta destinação dos resíduos de construção e demolição e seus impactos, causados pela sua destinação inadequada.

2. A INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL E GERAÇÃO DE RCD

A construção civil possui relevante importância no desenvolvimento

do país. Estima-se que este setor seja responsável pela geração de investimentos superiores a R$ 90 bilhões por ano. A demanda por mão de obra também acompanha a necessidade de crescimento desta atividade, que é responsável pela geração de 62 empregos indiretos para cada 100 empregos diretos. Este setor econômico também desempenha importante papel social, uma vez que contribui diretamente na redução do déficit habitacional e de infra-estrutura, indispensável ao progresso. (CARNEIRO, 2005).

Contudo, a indústria da construção civil é também responsável por um consumo considerável de recursos naturais não renováveis, uma vez que muitos dos insumos utilizados na produção dos materiais de construção são obtidos pela extração em jazidas para atender à demanda de mercado. Estima-se que 50% dos recursos materiais extraídos da natureza estão relacionados à atividade de construção (DIAS, 2004).

Além dos impactos causados pelo extrativismo, a construção civil também arca com o ônus de impor ao ambiente outras formas de agressão, tais como: poluição do ar, poluição sonora, contaminação de solo, geração de resíduos etc.

A Tabela 1 (CARNEIRO, 2005) apresenta a composição, em percentual, do RCD em alguns municípios brasileiros.

Tabela 1 – Composição do RCD para alguns municípios brasileiros.

Localidade Material São Paulo/SP

Ribeirão Preto/SP

Salvador/BA Florianópolis/SC

Concreto e argamassa

33 59 56 37

Solo e areia 32 --- 22 15 Cerâmica 30 23 14 12 Rochas --- 18 5 --- Outros 5 --- 6 36

Fonte: CARNEIRO (2005).

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Observou-se por meio da Tabela 1, que em todas as cidades apresentadas os materiais cimentícios (concreto e argamassa) foram os que apresentaram maior participação na composição da massa de RCD. Dentre os municípios estudados, percebe-se que os municípios de Ribeirão Preto/SP e Salvador/BA possuem 59 e 56% respectivamente de concentração destes materiais na massa total de RCD gerada.

Tabela 2 – Estimativa de geração de resíduos de construção civil.

Quantidade anual País Mton/ano kg/hab

Fonte

Suécia 1,2 a 6,0 136 a 680 Tolstoy, Borklund & Carlson (1998); EU (1999)

Holanda 12,8 a 20,2 820 a 1300 Lauritzen (1998); Brossink, Brouwers & Van Kessel (1996)

EUA 136 a 171 463 a 584 EPA (1998); Peng, Grosskopf, Kilbert (1994)

UK 50 a 70 880 a 1120 Detr (1998); Lauritzen (1998)

Bélgica 7,5 a 34,7 7,5 a 3359 Dinamarca 2,3 a 10,7 440 a 2010 Itália 35 a 40 600 a 690 Alemanha 79 a 300 963 a 3658

Lauritzen (1998), EU (1999)

Japão 99 785 Kassai (1998) Portugal 3,2 325 EU (1999) Brasil ---- 230 a 660 Pinto (1999)

Fonte: JOHN (2000) John & Agopyan (2000), comentam que a quantidade de RCD

gerada por habitante, baseado em estimativas internacionais, varia entre 130 e 3000 kg/hab.ano. Para o Brasil as estimativas de Pinto (1999) apud John & Agopyan (2000) para cidades de Jundiaí, Santo André, São José dos Campos, Belo Horizonte, Ribeirão Preto, Campinas, Salvador e Vitória da Conquista, variam entre 230 kg/hab.ano para esta última até 760 kg/hab.ano para a primeira. Nesta amostra a mediana foi 510 kg/hab.ano, valor coerente com as estimativas estrangeiras. Já a estimativa da Prefeitura Municipal de São Paulo a partir dos dados de Brito (1999) apud John & Agopyan (2000) é de aproximadamente 280 kg/hab.ano. A Tabela 2 apresenta estimativas de geração de resíduos de construção civil obtida para diversas localidades.

3. CLASSIFICAÇÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO

De acordo com a resolução no 307 do CONAMA (Conselho Nacional

do Meio Ambiente) de 5 de julho de 2002, os RCD recebem a seguinte denominação: “Resíduos da construção civil: são os provenientes de

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construções, reformas, reparo de demolições de obras de construção civil, e os resultantes da preparação e da escavação de terrenos, tais como: tijolos, blocos cerâmicos, concreto em geral, solos, rochas, metais,resinas, colas, tintas, madeiras e compensados, forros, argamassa, gesso, telhas, pavimento asfáltico, vidros, plásticos, tubulações, fiação elétrica etc., comumente chamados de entulhos de obras, caliça ou metralha.”

Ainda, segundo a resolução no 307/ 2002 do CONAMA, os Resíduos de Construção e Demolição (RCD) podem ser classificados em quatro grupos. Em 2004, em complementação, foi elaborada a resolução no 348, na qual é incluído o amianto como pertencente a classe de resíduos perigosos. O Quadro 1 apresenta a classificação dos RCD de acordo com o CONAMA.

Quadro1 – Classificação do RCD de acordo com CONAMA.

Classe Origem Tipo de resíduo

Classe A São os resíduos reutilizáveis ou recicláveis como agregados.

De pavimentação e de outras obras de infra-estrutura, inclusive solos provenientes de operações de terraplenagem. Da construção, demolição reformas e reparos de edificações (componentes cerâmicos, tijolos, blocos, telhas e placas de revestimento, concreto e argamassa).

Classe B Resíduos recicláveis como outras destinações.

Plásticos, papel, papelão, metais, vidros, madeiras e outros

Classe C

Resíduos para os quais ainda não foram desenvolvidas tecnologias ou aplicações que permitam a sua reciclagem ou recuperaçã.o

Gesso e produtos oriundos deste.

Resíduos perigosos oriundos de processo de construção.

Tintas, solventes, óleos, amianto.

Classe D Aqueles contaminado, oriundos de demolições, reforma e reparo, enquadrados como classe I na NBR10004/2004 da ABNT.

Clínicas radiológicas, instalações industriais e outros.

Fonte: CONAMA (2002,2004) Segundo Morais (2006), de acordo com NBR 10004 (ABNT, 2004) –

“Resíduos Sólidos – Classificação”, os RCD são ambientalmente classificados como inertes (Classe IIB), uma vez que quando submetidos a testes de solubilização estes não apresentam nenhum de seus constituintes

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solubilizados a concentrações superiores aos padrões de potabilidade da água.

Contudo, Morais (2006) atenta que os resíduos de “Classe C” e “Classe D” segundo a classificação (CONAMA, 2002), podem apresentar níveis de contaminantes que os inserem na classe de não inertes, como é o caso do gesso, considerado pela NBR 10004 (ABNT, 2004) como um resíduo não inerte (Classe II-A). Ou ainda, os resíduos de amianto, tintas, solventes e óleos, que podem ser considerados resíduos perigosos (Classe I) segundo a NBR 10004 , após a classificação de acordo com as normas NBR 10005 e NBR 10006.

4. DESTINAÇÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO CIVIL

De acordo com o artigo 10º da resolução no 307 do CONAMA, os

resíduos de construção civil deverão ser destinados de acordo com o descrito no quadro 2

Quadro 2 – Destinação do RCD de acordo com CONAMA.

Classe Origem Destinação

Classe A São os resíduos reutilizáveis ou recicláveis como agregados.

Deverão ser reutilizados ou reciclados na forma de agregados, ou encaminhados a áreas de aterro de resíduos da construção civil, sendo dispostos de modo a permitir a sua utilização ou reciclagem futura.

Classe B Resíduos recicláveis como outras destinações.

Deverão ser reutilizados, reciclados ou encaminhados a áreas de armazenamento temporário, sendo dispostos de modo a permitir a sua utilização ou reciclagem futura

Classe C

Resíduos para os quais ainda não foram desenvolvidas tecnologias ou aplicações que permitam a sua reciclagem ou recuperação.

Deverão ser armazenados, transportados e destinados em conformidade com as normas técnicas específicas.

Resíduos perigosos oriundos de processo de construção.

Classe D Aqueles contaminado, oriundos de demolições, reforma e reparo, enquadrados como classe I na NBR10004/2004 da ABNT.

Deverão ser armazenados, transportados, reutilizados e destinados em conformidade com as normas técnicas específicas.

Fonte: CONAMA (2002, 2004).

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De acordo com o artigo 5º, é função de Municípios e do Distrito

Federal a elaboração de um Plano Integrado de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil. Neste plano deverão ser incorporados os seguintes itens: a) Programa Municipal de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil; b) Projetos de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil.

O artigo 6º informa que o Plano Integrado de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil deverá ser composto por:

“I - as diretrizes técnicas e procedimentos para o Programa Municipal de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil e para os Projetos de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil a serem elaborados pelos grandes geradores, possibilitando o exercício das responsabilidades de todos os geradores.

II - o cadastramento de áreas, públicas ou privadas, aptas para recebimento, triagem e armazenamento temporário de pequenos volumes, em conformidade com o porte da área urbana municipal, possibilitando a destinação posterior dos resíduos oriundos de pequenos geradores às áreas de beneficiamento;

III - o estabelecimento de processos de licenciamento para as áreas de beneficiamento e de disposição final de resíduos;

IV - a proibição da disposição dos resíduos de construção em áreas não licenciadas;

V - o incentivo à reinserção dos resíduos reutilizáveis ou reciclados no ciclo produtivo;

VI - a definição de critérios para o cadastramento de transportadores; VII - as ações de orientação, de fiscalização e de controle dos

agentes envolvidos; VIII - as ações educativas visando reduzir a geração de resíduos e

possibilitar a sua segregação”. De acordo com os itens II à IV fica de responsabilidade do município

a disponibilização de áreas adequadas para destinação dos RCD, além de ações de fiscalização quanto à deposição inadequada destes resíduos. Entretanto, o que ocorre muitas vezes é que grandes volumes de entulho são depositados diariamente em locais não adequados em diversos municípios brasileiros, configurando-se esta situação em cena comum na rotina dos cidadãos. Ressalta-se que a prática de deposição destes resíduos em tais áreas, além de imprópria é ilegal. A Figura 1 apresenta a quantidade de deposições irregulares de RCD em alguns municípios brasileiros.

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150170

226

383

62

158

100

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

São José dosCampos/SP

(1995)

RibeirãoPreto/SP

(1995)

Jundiaí/SP(1997)

SantoAndré/SP

(outubro de1997)

Vitória daConquista/BA

(1998)

Uberlândia/MG(2000)

Guarulhos/SP(nd)

Municípios

tota

l de d

eposições

irregulare

s

Figura 1 – Deposições irregulares em alguns municípios brasileiros. Fonte: (CEF, 2005).

5. ASPECTOS GERAIS A RESPEITO DO GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS NA CONSTRUÇÃO CIVIL

De acordo com Costa (2003) apud Machado et al., (2006) a Indústria

da Construção Civil possui muitas especialidades que a diferenciam de outros setores industriais, tais como:

� Produtos únicos e não seriados; � Uso de elevado número de insumos, materiais e componentes; � Alta contratação de mão-de-obra não qualificada; � Em sua maioria, é composta de pequenas empresas; � Alta rotatividade de mão-de-obra; � Condições precárias de trabalho; � Grande número de acidentes de trabalho e de doenças

ocupacionais; � É um setor tradicional, sem grande impulso para as alterações; � O grau de precisão é em geral muito menor que as outras

indústrias, � Independentemente, do parâmetro que se contemple (orçamento,

prazo ou resistência mecânica); � As responsabilidades são dispersas e pouco definidas. Na construção civil também pode ser evidenciado, segundo Machado

et al (2006) o grande número de materiais consumidos como também uma grande quantidade de desperdício ou perdas.que podem ser classificadas segundo: a) o tipo de recurso consumido; b) a unidade para sua medição; c) a fase de empreendimento em que ocorrem; d) o momento de incidência na produção; e) sua natureza; f) sua origem; e g) seu controle. O autor ainda acrescenta que os indicadores de perdas permitem uma discussão objetiva

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e eficaz a respeito do desempenho do uso de materiais na produção e que as informações obtidas tanto quantitativas ou qualitativas podem ser úteis na tomada de decisões.

Analisando as perdas do setor da construção civil e sua relação com o meio ambiente, observa-se que a produção do entulho, muitas vezes gerado por consumo de recursos desnecessários, ocasiona ônus para as empresas tais como custos de transporte e disposição do resíduo. Para a administração municipal, o entulho gera custos associados à limpeza, à desobstrução de vias e outros problemas causados pela sua disposição indevida. (COSTA, 2003).

Segundo Silva (2007) as soluções de manejo dos RCD atualmente adotadas na imensa maioria dos municípios brasileiros, são, em grande maioria dos casos, meramente emergenciais e, quando se tornam rotineiras, têm significado sempre atuações em que os gestores se mantêm como coadjuvantes dos problemas. Num ou noutro caso, caracteriza uma prática que pode ser denominada de “Gestão Corretiva”.

A Gestão Corretiva caracteriza-se por englobar atividades não preventivas, repetitivas e custosas, que não surtem resultados adequados, e são, por isso, profundamente ineficientes. Soma-se a esta problemática a pressão da alta geração de RCD, que encontra municipalidades desaparelhadas, que só têm a Gestão Corretiva como solução, e não podem contar com o suporte de políticas centrais de saneamento, as quais só recentemente vêm buscando incorporar preocupações com os resíduos sólidos não-inertes. (SILVA, 2007).

Na Gestão Corretiva, a remoção do entulho poderá ser feita no âmbito de contratos de prestação de serviços, que tem como foco central à coleta de resíduos, e nesses casos é comum o custo atingir valores elevados. De acordo Fukurozaki & Seo (2004), cerca de R$ 35 milhões são gastos anualmente pela cidade de São Paulo com remoção, transporte, operação de transbordo e aterros de RCD.

Portanto, a necessidade de superação das limitações da Gestão Corretiva e de dar sustentabilidade a gestão de RCD torna necessárias e inevitáveis às articulações entre a gestão pública e privada, para que o máximo volume disponível de RCD seja reciclado de forma a interromper o desperdício de recursos naturais, o esgotamento continuado de áreas crescentemente indisponíveis e, o processo de degradação do ambiente urbano. FUKUROZAKI & SEO (2004).

Diante disso, a adoção de um sistema de gestão meramente corretivo como prática pública de manejo e destinação de resíduos de construção civil consiste em uma ação pouco sustentável.

As deficiências desse tipo de gestão, quando utilizada de forma isolada e única, impõem a necessidade de se traçar novas políticas específicas para o domínio dos RCD, ancoradas em estratégias

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sustentáveis tais como: correto envolvimento dos agentes atuantes e a intensa reciclagem dos resíduos captados.

Dessa forma, é necessária a adoção de um sistema de Gestão Diferenciada dos RCD gerados pela construção civil, que deverá buscar a melhoria de mecanismos reguladores e econômicos, que responsabilizem os geradores, combatendo práticas agressivas ao meio ambiente, e estimulando aquelas ambientalmente economicamente sustentáveis.

O modelo de Gestão Diferenciada dos RCD possibilita, em contraposição a todas as deficiências diagnosticadas na Gestão Corretiva, atingir a qualidade no serviço de limpeza urbana, consistindo em uma forma de romper com a ineficácia da Gestão Corretiva e com a postura coadjuvante dos gestores dos resíduos sólidos, propondo soluções sustentáveis para espaços urbanos cada vez mais densos e complexos de gerir. Este tipo de gestão deve ser visto como solução necessária, complementar à gestão tradicional dos resíduos domiciliares e à introdução de preceitos modernos na gestão de outras parcelas dos resíduos sólidos urbanos como a coleta seletiva e reciclagem de embalagens, compostagem de resíduos orgânicos e podas vegetais, desmontagem e reaproveitamento de resíduos volumosos (PINTO, 1999).

A Gestão Diferenciada do RCD é constituída por um conjunto de ações que corporificam um novo serviço público, visando, de acordo com Marques Neto (2005), apud Silva (2007) os seguintes itens:

� Captação máxima dos resíduos gerados, através da constituição de redes de áreas de atração, diferenciadas para pequenos e grandes geradores;

� Reciclagem dos resíduos captados, em áreas perenes especialmente definidas para essa tarefa;

� Alteração de procedimentos e culturas, no tocante à intensidade da geração, à correção da coleta e da disposição e às possibilidades de utilização dos resíduos reciclados.

A Gestão Diferenciada dos RCD, proposta por Pinto (1999), tem como objetivos gerais os seguintes itens:

� Redução dos custos municipais com a limpeza urbana, com a destinação dos resíduos e com a correção dos impactos ocorrentes na Gestão Corretiva;

� Disposição facilitada dos pequenos volumes de RCD gerados; � Descarte racional dos grandes volumes gerados; � Preservação do sistema de aterros, como condição para a

sustentação do desenvolvimento; � Melhoria da limpeza urbana; � Incentivo à presença e à consolidação de novos agentes de

limpeza urbana; � Preservação ambiental, com a redução dos impactos por má

disposição, redução do volume aterrado e redução dos impactos

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decorrentes da exploração de jazidas naturais de agregados para construção civil;

� Preservação da paisagem e da qualidade de vida nos ambientes urbanos;

� Incentivo às parcerias para captação reciclagem e reutilização de RCD;

� Incentivo à redução da geração nas atividades construtivas. Cabe aos municípios prover sobre a limpeza urbana, a remoção e

destinação do conjunto de resíduos gerados. É de sua competência, regular e ordenar as ações dos agentes privados envolvidos no fluxo de destinação dos RCD (FUKUROZAKI & SEO, 2004).

Neste contexto, a legislação e normas pertinentes ao gerenciamento dos resíduos de construção e demolição englobam políticas promulgadas pelo poder público –federal, estadual e municipal e, as normas ambientais e técnicas propostas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas. (FUKUROZAKI & SEO, 2004). O Quadro 3 apresenta uma síntese os principais aspectos legais envolvidos neste contexto.

Quadro 3- Legislação aplicada à gestão de RCD no município de São Paulo. Esfera Política Pública Diretrizes Federal Estatuto da cidade lei

10.257/2001 Estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.

Federal Resolução CONAMA 307/2002

Estabelece diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão de resíduos da construção civil.

Estadual Resolução SMA 41/2002

Dispõe sobre procedimento para licenciamento ambiental de aterros de resíduos inertes e da construção civil.

Municipal Lei 10.315/1987 Dispõe sobre a limpeza pública do município de São Paulo e dá outras providências.

Municipal Decreto 37.952/1999 Regulamenta a coleta, o transporte e a destinação final de entulho, terra e sobras de materiais de construção civil, de que trata a Lei 10.315/1987, e dá outras providências.

Municipal Lei 13.298/2002 Dispõe sobre as responsabilidades e condições de remoção de entulho, terra e materiais de construção.

Municipal Decreto 42.217/2002 Regulamenta a Lei 10.315/1987, no que se refere ao uso de áreas destinadas ao transbordo e triagem de RCD e resíduos volumosos, na forma que especifica e dá providências.

Municipal Lei 13.478/2002 Dispõe sobre a organização do sistema de limpeza urbana do município de São Paulo e dá outras providências.

Fonte: FUKUROZAKI & SEO, 2004

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6. DEPOSIÇÃO IRREGULAR DE RCD E OS PREJUÍZOS A SAÚDE COLETIVA

Os principais impactos sanitários e ambientais relacionados aos

RCD´s talvez sejam aqueles associados às deposições irregulares, o que compromete no ambiente urbano a paisagem, o tráfego de pedestres e veículos e a drenagem pluvial. Deve-se ressaltar que esta prática além de ilegal, resulta também na atração de resíduos não inertes, multiplicação de vetores de doenças e outros efeitos na saúde pública.

Os RCD´s dispostos inadequadamente poluem o solo, degradam paisagens e constituem em grave ameaça à saúde coletiva. O acúmulo destes resíduos torna-se nicho ecológico de diversas espécies de agentes patogênicos, tais como roedores, baratas, moscas, vermes, pernilongos, fungos, vírus, animais entre outros. Estes vetores podem ser responsáveis pela transmissão de doenças respiratórias, epidérmicas, viroses, intestinais etc. O Quadro 4 apresenta vetores relacionados à disposição inadequada de resíduos sólidos urbanos e doenças transmitidas segundo Shneideir (2003).

Quadro 4– Vetores biológicos e doenças causadas. Vetores Doenças Mosca Febre tifóide, salmoneloses, disenterias Mosquito Malária,febre amarela, dengue Barata Febre tifóide,cólera, amebíase Ratos Leptospirose, diarréias,disenterias Suínos Cisticercose Fonte: SHNEIDEIR (2003).

Os resíduos provenientes de demolição e construção civil

apresentam, em função de sua constituição física e volume, dificuldades para a sua destinação final. Esses não são aceitos em aterros sanitários e geralmente são acondicionados no meio ambiente urbano sob a forma de caçambas.

Embora a responsabilidade pela destinação correta dos resíduos seja do gerador, seja ele público ou privado de acordo com a resolução CONAMA 307 de 2004, pequenos geradores não respeitam essa determinação, causando situações de deposição desse material em vias públicas, terrenos baldios ou a beira de córregos. Essa degradação da paisagem urbana estimula a criação de pequenos lixões a céu aberto que contribuem para a proliferação de vetores de doenças e o entupimento dos sistemas de drenagem.

Em dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Saúde Pública, Araujo (2000), analisou 58 recipientes metálicos coletores de RCD estacionados em ruas de São Paulo. As principais situações de risco à saúde pública e à saúde ambiental observadas, quanto ao uso das

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caçambas coletoras, foram: abarrotamento dos resíduos no recipiente; dispersão de sedimentos e materiais para a parte externa do recipiente; presença de resíduos orgânicos na caçamba (restos de alimentos que atraíam a presença de insetos); presença de resíduos perigosos (lâmpadas fluorescentes inteiras e quebradas, bateria de veículo automotor); animais junto ao recipiente (gato, pombo, cão); extravasamento de materiais perfurantes e cortantes para a parte externa da caçamba; presença de embalagens vazias (garrafas plásticas, latas, galões, embalagens de isopor), objetos vazados (louça sanitária, pneus) e nichos impermeabilizados, que retêm líquidos no seu interior, formando poças de água da chuva, que constituem ambientes favoráveis à proliferação de mosquitos e outros vetores de doenças; presença de cacos de vidro no passeio público e água empoçada na sarjeta, em volta da caçamba; presença de pessoas manuseando os resíduos sólidos descartados; falta de sinalização e de identificação regulamentadoras no coletor; o estacionamento da caçamba em aclive, declive, curvas e ou pontos que prejudicavam a visibilidade do recipiente metálico pelo pedestre, ciclista ou motorista de veículos.

7. PESQUISAS REALIZADAS SOBRE A RECICLAGEM PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA DE RCD

O setor da construção civil é um dos setores produtivos que mais

aproveita os resíduos, transformando-os assim em subprodutos. Há dados do aproveitamento de resíduos de vidro e de borracha, com excelente desempenho, como agregados miúdos e graúdos na confecção de concretos (DHIR et al., 2004). Estuda-se também o aproveitamento de resíduos das indústrias de ferro-silício (sílica ativa), da cinza da casca de arroz e da queima do caulim (metacaulim), como adições, e de escórias de aciaria, de alto-forno e de cobre (MEHTA e MONTEIRO, 1994), como adições e também como agregados na confecção de concretos, dentre tantos outros tipos de resíduos utilizados e ainda pesquisados (CABRAL, 2007).

Dentro da construção civil, a confecção de concretos é o setor que mais consome agregados, entretanto este segmento pouco utiliza os agregados reciclados.

HENDRIKS e JANSSEN (2001) e TAM e TAM (2006) discutem várias maneiras de reutilizar os diversos constituintes do RCD, onde algumas são citadas a seguir (CABRAL, 2007):

� Entulho de concreto:reutilizado sem beneficiamento algum, em construção de estradas ou como material de aterro para áreas baixas, dentre outras aplicações. Após a britagem do resíduo de concreto e sua separação em agregados de diversos tamanhos, o resíduo pode ser usado

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como agregado para produção de concreto asfáltico, de sub-bases de rodovias e de concreto com agregados reciclados;

� Madeira: quando a parte não danificada pode ser reutilizada na própria construção civil e a parte não reaproveitável pode ser reduzida a pequenos tamanhos com o intuito de ser processada na fabricação de papel e papelão. Alternativamente, a madeira pode ser incinerada, como aproveitamento de energia, ou decomposta por gasificação ou pirólise, que após a hidrólise, pode ser usada na indústria química;

� Resíduo de asfalto: pode ser reaproveitado na construção de estradas tanto no processamento de novos asfaltos quanto na confecção de sub-bases, como material granular;

� Metais: podem ser reaproveitados para produzir novos metais; � Vidros: que não devem ser permitidos que sejam processados e

façam parte dos agregados reciclados em função da reação sílica-álcali, embora haja trabalhos que apontem o seu uso como microfíler na produção de concretos. Estes também podem ser reciclados em novos vidros, em fibras de vidro, telhas e blocos de pavimentação ou ainda como adição na fabricação de asfaltos;

� Resíduo de alvenaria, incluindo tijolos, cerâmicas e pedras: pode ser utilizado na produção de concretos, embora haja uma redução na resistência à compressão, e de concretos especiais, como o concreto leve com alto poder de isolamento térmico. Pode ser utilizado também como agregado na fabricação de tijolos, com o aproveitamento até da sua parte fina, como material de enchimento, além de poder ser queimado e transformado em cinzas com reutilização na própria construção civil;

� Papel e o papelão: quando bem separados e coletados, podem ser reciclados, geralmente como material de embalagens.

� Resíduos de plástico: originados de poliestireno (PS), polipropileno (PP), polietileno (PE) e policloreto de vinila (PVC) podem ser reciclados embora existam outras resinas que são difíceis de serem reprocessadas; e

� Resíduos perigosos: devem ser incinerados ou aterrados com procedimentos específicos. Alguns resíduos como os de óleo, de tintas e solventes, agentes abrasivos e baterias podem ser reciclados.

A reciclagem dos resíduos da Indústria da Construção Civil encontra-se em um estágio relativamente avançado. Um grupo de universidades brasileiras trabalha ativamente no estudo dos resíduos da Indústria da Construção Civil, no aspecto de redução de sua geração durante a atividade de construção, nas políticas públicas para o manuseio dos resíduos e nas tecnologias para a reciclagem. Diversos municípios brasileiros já operam com sucesso centrais de reciclagem de resíduo de construção e demolição, produzindo agregados utilizados predominantemente como sub-base de pavimentação. (MACHADO et al., 2006).

Diversos trabalhos de pesquisas foram desenvolvidos demonstrando a viabilidade da utilização de RCD como matéria-prima na obtenção de

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novos materiais, apresentando assim alternativas de reciclagem para o resíduo que agregam valor ao mesmo. O Quadro 5 apresenta o resumo das publicações utilizadas nesta pesquisa. Para a elaboração deste foram consultadas bibliografias técnicas a respeito da reutilização de RCD na obtenção de novos materiais de construção. Os dados apresentados nestes trabalhos foram compilados de forma a tornar possível apresentar situações de viabilidade da adoção na construção civil de práticas sustentáveis de reciclagem de materiais.

Quadro 5 – Resumo das publicações citadas nesta pesquisa. Autor Título Resumo

AFONSO (2005)

“Caracterização de agregados reciclados de resíduos de construção e demolição (RCD) para uso em camadas drenantes de aterros de resíduos sólidos.”

Neste trabalho, são caracterizados os agregados graúdos reciclados, de resíduos de construção e demolição- RCD, com vistas ao seu reaproveitamento como elemento de camadas drenantes, especialmente em aterros sanitários. Os ensaios foram realizados visando expor o material a condições reais de uso. Estes experimentos mostraram que o material é tecnicamente adequado para uso em sistemas de drenagem.

ANGULO et. al., (2011)

“Desenvolvimento de novos mercados para a reciclagem massiva de RCD.”

Os objetivos deste artigo são diagnosticar aplicações potenciais do RCD com enfoque na diversificação de mercados para a reciclagem massiva e avaliar as necessidades para a reciclagem em larga escala de RCD em agregados para concretos. Como conclusões, o uso de agregados de RCD reciclados em bases de pavimentos não garante uma reciclagem massiva deste resíduo. A utilização de agregados de RCD reciclados em concretos através da substituição de agregados naturais convencionais tem grande potencial para a reciclagem massiva. A reciclagem massiva de RCD em agregados para concretos exige mudanças na gestão e no processamento do RCD como demolição seletiva, redução de contaminantes, mudança no lay-out das instalações de reciclagem, homogeneização, processamento à úmido do RCD e emprego de novos equipamentos de concentração e de britagem. A caracterização do RCD é fundamental para escolha do processo de beneficiamento.

(continua)

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(continuação)

BARATA et al., (2007)

“Avaliação das propriedades das argamassas de revestimento produzidas com resíduos de construção e demolição como agregado.”

Este trabalho consistiu em se avaliar as propriedades das argamassas de revestimento produzidas com agregados provenientes da reciclagem de RCD, nas quais se substitui o agregado natural pelo reciclado em volume de até 50%. De acordo com os autores são notáveis os benefícios ambientais do uso dos agregados reciclados na substituição parcial dos agregados naturais. As argamassas produzidas apresentaram bom comportamento.

CARDOSO (2010)

“Uso de agregado de entulho de construção civil de Manaus para obtenção de bloco de argamassa celular.”

Este trabalho teve por objetivo estudar a obtenção de blocos de argamassa celular para alvenarias, utilizando agregados de RCD em substituição aos agregados convencionais. Os blocos de argamassa celular são largamente utilizados na Europa como elementos de alvenaria devido à capacidade de isolamento térmico e acústico, parâmetros esse de grande relevância para um elemento construtivo também em regiões de clima quente. Os resultados técnicos foram favoráveis, com potencial para consumir agregados de RCD, contribuindo assim na gestão ambiental desse resíduo da construção civil.

CHAVES et al., (2006)

“Tecnologia mineral e suas aplicações na reciclagem de resíduos de construção e demolição.”

Este artigo discute a reciclagem de resíduos de construção e demolição (RCD), apresentando novas perspectivas da Engenharia Mineral para estações de triagem e transbordo e usinas de reciclagem. É possível maximizar o retorno da reciclagem através da produção de agregados de melhor qualidade e maior valor agregado mediante a correta aplicação das técnicas. Aspectos da reciclagem do RCD são discutidos através de considerações sobre a adequada utilização de operações unitárias e equipamentos da Tecnologia Mineral.

FONSECA (2002)

“Desempenho estrutural de paredes de alvenaria de blocos de concreto de agregados reciclados de rejeitos de construção e demolição.”

Este trabalho apresenta avaliação do comportamento de blocos de concreto obtidos mediante a utilização de agregados reciclados em substituição a agregados convencionais. Os resultados obtidos demonstram que esta substituição pode ser viável dependendo do tipo de estrutura e da magnitude das cargas nela aplicadas.

(continua)

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(contiuação)

GUANOR et al., (2010)

“Produção de matéria seca da alfafa com a utilização de resíduos de construção e demolição reciclados (RCD-R) como condicionador de solos.”

Este estudo teve o objetivo de avaliar a viabilidade da utilização do RCD-R classe A como condicionador para melhoria da capacidade de retenção de água do solo, tendo como indicador a produção de matéria seca da alfafa (cv. Crioula). O material utilizado foi proveniente de materiais cerâmicos (telhas e tijolos - material vermelho ou chamote), e foi produzido pela usina de reciclagem da Prohab no município de São Carlos - SP. Os resultados obtidos sugerem que o RCD-R vermelho (chamote) pode ser utilizado como condicionador para melhoria da capacidade de retenção de água do solo, em especial, em regiões com ocorrência de chuvas irregulares.

MELO et al., (2008)

“Caracterização mecânica de resíduos sólidos da construção civil para a pavimentação de vias urbanas em João Pessoa.”

De acordo com os resultados obtidos experimentalmente os autores concluíram que, os agregados de RCD reciclados podem ser usados em reforço de subleito. Desse modo, este estudo pode contribuir com a pavimentação de vias de terra, reduzir os impactos ambientais e preservar os recursos naturais nas cidades brasileiras.

RICCI (2007)

“Estudo das características mecânicas do concreto compactado com rolo com agregados reciclados de construção e demolição para pavimentação.”

Esta dissertação apresenta um estudo a respeito da utilização do agregado reciclado de resíduos sólidos da construção civil e demolição na execução de concreto compactado com rolo (CCR) como base de pavimento asfáltico ou de concreto. Esta pesquisa também compara a utilização do agregado reciclado com o agregado natural, usualmente utilizado. Os resultados obtidos permitem afirmar que o agregado de RCD consiste em uma alternativa viável ma substituição do agregado hoje utilizado.

SANTOS (2007)

“Aplicação de resíduos de construção e demolição reciclados em estruturas de solo reforçado.”

Este trabalho procurou definir uma nova utilização para os resíduos de construção e demolição reciclados, buscando caracterizar suas propriedades geotécnicas como material de construção verificando o seu desempenho como material de preenchimento em estruturas de solo reforçado.

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VIEIRA & MOLIN (2004)

“Viabilidade técnica da utilização de concretos com agregados reciclados de resíduos de construção e demolição.”

Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa cujo objetivo principal foi avaliar a viabilidade de utilização, técnica e econômica, dos resíduos de construção e demolição, mediante sua aplicação na produção de agregados reciclados em concretos. Foi realizada uma comparação entre concretos produzidos com agregados convencionais e reciclados. Os resultados indicam que agregados reciclados podem melhorar algumas propriedades do concreto, como resistência à compressão e durabilidade, medida através da estimativa da sua vida útil. A viabilidade econômica foi também considerada, embora de forma superficial, por meio da comparação de preços entre agregados naturais e reciclados.

A Figura seguinte apresenta as formas de utilização dos RCD´s nas pesquisas relatadas no Quadro 5.

41%

25%

17%

17%

Agregado Novos materiais Melhoria do solo Pavimentação

Figura 2 – Formas de utilização dos RCD´s na pesquisas apresentadas no Quadro 2.

De acordo com a Figura 2 percebe-se que a maior utilização dos RCD´s nas pesquisas relatadas no Quadro 2 consiste na obtenção de agregados que serão utilizados principalmente para a obtenção de argamassa e concreto. Logo em seguida, se observa que 25% das pesquisas relatadas apresentam a utilização do RCD na obtenção de novos produtos por meio da sua reciclagem, tais como tijolos e blocos. Por fim, também pode-se notar que o RCD pode ser utilizado como material de pavimentação e em forma de melhoria de características físicas do solo.

7. CONCLUSÕES

Com base na argumentação exposta neste artigo podem ser tomadas as seguintes conclusões:

a) O setor da construção civil é atualmente o grande gerador de resíduos sólidos dentre os demais setores econômicos. Os RCD´s gerados por este setor compõem grandes percentuais na massa de resíduos sólidos

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urbanos (RSU) gerados em diversos municípios brasileiros. Este fato pode ser atribuído à grande expansão que este ramo da economia vem sofrendo, à necessidade constante de matéria prima, ao grande desperdício durante as obras e à falta de políticas públicas e objetivas que considerem esta situação como um problema a ser resolvido. A gestão pública em relação ao manejo destes resíduos apresenta-se como predominantemente corretiva, limitando-se apenas à remoção e destino (muitas vezes incorretos) destes resíduos. Tal forma de gestão se demonstra, conforme apresentado, na maioria dos casos dispendiosa aos cofres públicos e não sustentável. Ressalta-se também a importância da adoção, por parte do setor de construção civil, de práticas de sustentabilidade que reduzam a necessidade de consumo de matéria-prima e que otimize os processos produtivos no intuito de se reduzir o volume de desperdícios e, por conseqüência, a geração de RCD.

b) A geração e deposição inadequada dos RCD podem impactar negativamente na qualidade da saúde coletiva, gerando além de prejuízo ao meio ambiente local, o aparecimento de doenças e a proliferação de vetores biológicos. Embora a responsabilidade pela destinação correta dos resíduos seja do gerador, seja ele público ou privado, pequenos geradores não respeitam essa determinação, causando situações de deposição desse material em vias públicas, terrenos baldios ou a beira de córregos. Tal fato pode ser atribuído à falta de fiscalização efetiva por parte dos órgãos públicos e a ausência e/ou dificuldades de se encontrar áreas de destinação adequadas.

c) A reutilização de resíduos gerados pela construção civil consiste em uma importante ação de sustentabilidade, pois reduz por meio da reciclagem, os volumes gerados por este setor. A geração de subprodutos, originados por esta logística, permite também a utilização racional dos insumos de construção, permitindo maior eficiência de utilização (uma vez que mitiga desperdícios em obra) e reduz a necessidade de matéria prima.

d) Por meio das pesquisas apresentadas neste trabalho pode-se observar que a maior utilização dos resíduos de construção civil se consiste sob a forma de obtenção de agregados a serem utilizados em concreto e argamassa.

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Excluído: ¶

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Analise da relação e correlação entre indicadores macroeconômicos, o setor automobilístico e geração de energia.

Paula Meyer Soares Passanezi*

Fabio Konishi* Resumo O modelo brasileiro de utilização de recursos provenientes de biomassa pode ser considerado como referência na utilização em substituição da matriz energética com destaca Macedo (2010) e Goldemberg (2007). Dentre eles o etanol vem se destacando como uma fonte de bioenergia cada vez mais utilizada, principalmente na frota de veículos, tal incentivo vem sendo sedimentado ao longo de quase quatro décadas desde a primeira crise do petróleo com a implantação do PROALCOOL até o desenvolvimento e a aplicação da tecnologia de carros bicombustíveis conhecidos como veículos flex, que hoje representam aproximadamente 90% dos automóveis vendidos. O presente trabalho buscará identificar a existência de uma relação entre os indicadores de produção de automóveis, o aumento de produção de etanol e as variáveis macroeconômicas pelos índices de INCC, IPCA e IGP-M que são amplamente conhecidos e reconhecidos pelo governo, empresários e população. Foi utilizada a técnica multivariada de regressão e correlação com auxilio do software SPSS. Os resultados sugerem que existe uma correlação entre os índices macroeconômicos mais baixos e o aumento da produção de automóveis e de etanol. Palavras Chave: Cana-de-Açúcar – Etanol – Automóveis – Índices macroeconômicos

Abstract The Brazilian model of resource utilization from biomass can be considered as a reference as a replacement for the energy mix as highlighted Macedo (2010) and Goldemberg(2007). Amongst them, ethanol has been shining through as an increasingly bio-energy source mainly in the fleet of vehicles. Such incentive has been sedimented throughout four decades since the first oil crisis with the implementation of PROALCOOL Program until the development and application of the dual-fuel vehicles known as flex-fuel vehicles that today represent roughly 90% of sold vehicles. The present work is going to search and identify the existence of a relation among the automobile production indexes, the increasingly ethanol production and the variable macroeconomic indexes INCC (National Civil Construction Index), the IPCA (National Prices Index for Consumer) and the IGP-M (National Prices Index for Market) that are widely known and well recognized by the

* Respectivamente Faculdades Metropolitanas e Universidade Mogi das Cruzes

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government, entrepreneurs and population. It was used the multi-varied regression and correlation technique with SPSS software support. The results suggest that there is a correlation among low macroeconomic indexes and increasingly automobile and ethanol production. Key-words: Sugarcane – Ethanol – Automobile – Macroeconomic Indexes 1. Introdução

Nos quatro séculos de cultivo, a cana-de-açúcar, provou ser um

produto versátil, seja para a manutenção do consumo interno ou como uma commoditie para exportação cujo produto principal é o açúcar. Entre altas e baixas de preço no mercado internacional, o Brasil sempre destacou-se como um dos principais fornecedores deste produto. Segundo Correa Neto (2002, p.7) “o setor sucroalcooleiro figura entre as mais tradicionais e antigas indústrias não extrativas de manipulação e processamento de biomassa no Brasil e a cana-de-açúcar é desde o período colonial, a cultura mais amplamente desenvolvida”.

O álcool hidratado e o anidro passaram a ter uma relevância nos últimos quarenta anos, mais precisamente com a primeira crise do petróleo. Para Lirio (2006), este mercado é influenciado diretamente pelo preço do petróleo, seu preço tem relação direta com a oferta do produto, sendo que as usinas brasileiras possuem flexibilidade na produção de álcool e açúcar.

Neste sentido, o setor sucroalcooleiro brasileiro, historicamente sempre ocupou posição de destaque. Segundo estudo de Neves (2010), desenvolvido pela Markestrat (Centro de Pesquisas e Projetos em Marketing e Estratégia da USP), o setor em 2008 gerou riqueza na ordem de US$ 28,15 bilhões correspondendo a aproximadamente 2% do PIB e se somados aos diversos sistemas de produção agroindustrial chega-se ao valor de US$ 86,8 bilhões. O setor mantém ainda 1,28 milhões de postos de trabalho formais com uma massa salarial de US$ 738 milhões.

Este cenário promissor nada mais é que uma nova oportunidade advinda em primeiro momento com a crise do petróleo na década de 70 com a implantação do PROALCOOL (Programa Nacional do Álcool), posicionando o Brasil na vanguarda da tecnologia com um combustível de fonte renovável para motores de combustão interna.

O inicio do séc. XXI é marcado pelo retorno do etanol a posição de destaque como combustível, em parte devido às oscilações do preço do petróleo no mercado internacional, mas também como fonte de energia alternativa ao combustível fóssil, como uma das maneiras de contenção dos chamados GEE (Gases de Efeito Estufa). Para Macedo (2007, p. 157), “os países comprometidos com as metas do Protocolo de Kyoto, o uso de bicombustíveis representa uma das formas mais efetivas de reduzir as emissões líquidas de gases de efeito estufa associadas ao consumo energético no setor de transporte”.

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O atual cenário contempla o Brasil em uma posição estratégica no campo tecnológico e como grande produtor mundial no desenvolvimento global de uma fonte alternativa de energia. Para Macedo (2007) a produção associada ao uso do etanol no Brasil pode ser considerada um bom exemplo para o mundo na introdução de energia de uma fonte renovável em grande escala de produção.

Diante desta perspectiva, o estudo em questão, analisará a relação e correlação entre algumas variáveis macroeconômicas como o IGPM, INCC e IPCA e sua correlação com os indicadores de produção da indústria automobilística e de produção de etanol. A proposta é analisar a existência de uma correlação e o grau entre os indicadores, verificando suas particularidades no contexto geral e em cada uma delas. (vii) Problema de Pesquisa e Metodologia

O objeto de estudo esta fundamentado na indústria automobilística e no setor sucroalcooleiro especificamente na produção de etanol, ambos de importância vital para o desenvolvimento do país e com diversos autores, como Goldemberg, Macedo e Neves que dedicam estudos nos respectivos setores da economia. Cabe salientar que a agricultura da cana-de-açúcar está presente desde o inicio da colonização em primeiro momento com a produção de açúcar e atualmente possui um destaque internacional com o etanol, como combustível de uma fonte renovável de energia.

Ressalta-se também a importância do setor automobilístico desde a sua gênese na década de 50 com a instalação da primeira indústria na região do grande ABC, por Juscelino Kubitschek dentro de seu programa de governo. Segundo Bresser (1968, p.45), “neste período o fenômeno econômico fundamental é a implantação de uma poderosa indústria automobilística que partindo praticamente da estaca zero em 1955, em 60 já produzia 133.078 veículos com índice de nacionalização de 90%”. Atualmente, segundo dados da ANFAVEA de 2009, a indústria automotiva representa 19,8% do PIB com um faturamento de US$ 2,721 milhões, gerando 124.478 empregos diretos.

Diante deste cenário, é possível a existência de uma relação entre a quantidade da produção de veículos bicombustíveis e a produção de etanol? Desta forma o trabalho identificará se existe uma relação entre as variáveis macroeconômicas do mercado brasileiro, o aumento da produção de automóveis e a produção de etanol.

Com o advento de novas tecnologias associadas à politicas governamentais, os carros flexíveis se consolidam no mercado brasileiro. Para Goldemberg (2007, p. 163) “a tecnologia de produção de etanol de cana-de-açúcar no Brasil avançou de modo importante nos últimos trinta anos e nos próximos dez ou vinte anos, o uso eficiente de biomassa de cana poderá aumentar significativamente a gama de produtos e seu valor”.

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O inicio da produção de automóveis flexíveis a partir de março de 2003, vem consolidar esta tecnologia, uma vez que no contexto brasileiro, os motores não passaram por adaptações para o uso de ambos os combustíveis (etanol e gasolina). Conforme Nigro (2010 p.156) “o veiculo flex, lançado em 2003 e que hoje responde por cerca de 90% das vendas, é o ponto alto da história de sucesso do etanol brasileiro nesta década”.

O crescimento das vendas das indústrias automobilísticas associadas ao aumento da produção de etanol, decorrente das ações governamentais e da nova tecnologia, impulsionou o segmento sucroalcooleiro e em decorrência o automobilístico. Esta relação se consolida com indicadores econômicos favoráveis, com o aumento do consumo, face aos índices baixos de inflação.

Ressalta-se um futuro promissor, seja no âmbito nacional como no internacional, onde acordos poderão surgir no segmento sucroalcooleiro com países desenvolvidos, na transferência desta tecnologia, principalmente com aqueles comprometidos com o protocolo de Kyoto para redução de gases de efeito estufa. (viii) Revisão Bibliográfica a. Panorama do Setor Sucroalcooleiro

Os avanços tecnológicos podem ser pontuados ao longo de toda a

história da cana-de-açúcar, por outro lado os mais relevantes podem ser considerados nas últimas quatro décadas com os diversos programas de incentivo iniciados pelo PROÁLCOOL.

Macedo (2007) destaca dois períodos distintos: entre 1980 e 1990 pode-se destacar a melhoria nos controles biológicos na produção de cana de açúcar, autossuficiência energética pela utilização de resíduos, a introdução de novas variedades de cana adaptadas às condições climáticas brasileiras e a utilização do etanol como combustível automotivo.

Em um segundo período entre 1990 a 2000, destaca a melhoria da logística de transporte e corte e cana, a mecanização da colheita, a automação industrial e o mapeamento do genoma da cana, como alguns dos principais fatores no processo de melhoria e avanços técnicos neste segmento.

Os resultados iniciais provenientes dos avanços tecnológicos neste período denotam claramente o foco no aumento da produtividade e em seus processos, posteriormente, sanado as questões relacionadas à produção, o foco voltou-se para a necessidade de uma maior eficiência em toda a cadeia produtiva. Para Macedo (2007, p.159) “O resultado global foi uma forte redução nos custos de produção, levando o etanol a uma situação em que praticamente não há necessidade de subsídios para competir com a gasolina, considerando o petróleo a preços acima de US$ 45 o barril”

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O gráfico 1 ilustra a evolução da produção de açúcar e etanol desde a safra de 1991 a 2008 no Brasil.

Gráfico 1 – Evolução da Produção de Açúcar e Etanol Fonte: IPEA DATA. Elaboração própria.

Com a capacidade técnica desenvolvida pelo Brasil, associada a

questões socioambientais, o etanol pode ser considerado como uma das fontes de energia que poderão auxiliar não somente na redução de emissões de gases pelo petróleo, mas como uma alternativa a substituição da matriz energética com a possibilidade de transferência desta tecnologia a outros países.

Para Altieri (2010) o segmento sucroalcooleiro possui grandes perspectivas. No segmento automotivo a indústria brasileira configura com 11 marcas e mais de 80 modelos que se utilizam da tecnologia do carro flex-fuel, com a possibilidade de em 2012, metade dos modelos da General Motors nos Estados Unidos serem produzidos com essa tecnologia.

Este cenário, segundo Altieri (2010) é um estimulo ao crescimento da produção do etanol no mercado brasileiro, pelo aumento da frota de veículos flex fuel e o maior interesse mundial pelo etanol.

b. A Tecnologia do Etanol

É importante ainda destacar algumas questões técnicas envolvendo o etanol como combustível veicular, uma vez que estas características serão um fator decisivo na expansão da cultura da cana-de-açúcar e consequentemente da possibilidade de aumento da produção de etanol. Segundo Nigro (2010, p.158) “o principal vetor de desenvolvimento da tecnologia de motores a álcool na época era o aumento da eficiência energética, coerente com os aspectos estratégico e econômico que pautaram a criação do PROÁLCOOL.”

O etanol cuja formula molecular C2H6O, denominado também como álcool etílico, é uma substância que pode ser utilizada como combustível em motores de combustão interna, possuindo duas características básicas no país. Segundo a ANP (2001) - Agencia Nacional

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do Petróleo, Gás e Biocombustíveis - podem ser classificados em AEAC – Álcool Etílico Anidro Combustível, utilizado na mistura com a gasolina e o AEHC – Álcool Etílico Hidratado Combustível, como etanol puro, utilizado diretamente nos veículos, cujas especificações técnicas estão dispostas nas portaria ANP nº 309, de 27 de dezembro de 2001 e Resolução ANP nº 36, de 6 de dezembro de 2005.

Conforme a legislação em vigência, existem parâmetros de mistura regulamentados para a composição dos teores sendo para o AEAC menos de 0,6% de água, enquanto para o AEHC de 6,2% a 7,4% de água, estas características estão disposto no Regulamento Técnico ANP nº 5 de 2001.

Embora seja uma questão estritamente técnica, é importante salientar tais características uma vez que, atualmente houve um grande progresso no desenvolvimento dos motores fabricados para este tipo de combustível.

A tecnologia automotiva esta suficientemente desenvolvida para permitir que veículos de etanol puro hidratado tenham desempenho, dirigibilidade, condições de partida a frio e durabilidade absolutamente similares aos motores a gasolina, especialmente em países com invernos moderados. (BNDES 2008, p.42)

Desta forma com a entrada da tecnologia de carros flex-fuel, onde os veículos são capazes de utilizar ambos os combustíveis, seja hidratado ou não em quaisquer proporções, abre-se um amplo mercado para a cultura da cana-de-açúcar e seus derivados, mais especificamente o etanol. Para o BNDES (2008), a utilização da mistura do álcool anidro na mistura da gasolina será uma das formas mais simples de utilização sem a necessidade de modificações nos motores em amplitude mundial.

Nigro (2010) reitera a importância da tecnologia brasileira de motores flexíveis, baseada no conceito de não modificação do motor a gasolina original, onde na primeira geração havia a necessidade de modificações e adaptações para atendimento dos requisitos de emissões sem a preocupação de consumo do etanol.

Conforme anuário do BNDES (2008) experiências em diversos países como nos Estados Unidos onde a proporcionalidade com etanol não ultrapassa a 10% na gasolina, ou mais conhecido com E10, serviu de padrão para as demais indústrias em outros países como China, Tailândia, Austrália e Colômbia, uma vez que não há necessidade de alterações nos componentes dos motores. Estas experiências servirão de base para que esta mistura possa ser introduzida sem a necessidade de maiores alterações no parque veicular existente.

Segundo BNDES (2008) na visão da EMA (Engines Manufacturers Association), que representa a indústria automobilística mundial, a proposta de etanol em até 10% da mistura com a gasolina é bem aceita, desde que se cumpram ás especificações de qualidade.

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Desta forma, abre-se um leque de oportunidades para o mercado brasileiro, tanto na questão de transferência da tecnologia de carros flexíveis, como no incremento a exportação de álcool etílico para motores de combustão, uma vez que o Brasil ocupa uma posição privilegiada no plantio e produção de etanol.

Na perspectiva da indústria automobilística, conforme ANFAVEA (2010) os fabricantes instalados no parque industrial brasileiro, já aderiram de forma contundente, uma vez que a produção de carros com a tecnologia flex fuel, vem crescendo substancialmente no contexto nacional, como demonstra o gráfico 2, na evolução das vendas de carros desde 2003, no lançamento do carro bicombustível.

Gráfico 2 – Evolução das Vendas de Veículos por Tipo de Combustível (unidades) Fonte: ANFAVEA. Elaboração própria.

c. A Energia da cana-de-açúcar

A atividade industrial para a produção de açúcar e etanol cuja matéria prima é a cana-de-açúcar produzem uma quantidade de subprodutos e resíduos que em primeiro momento não possuía outra destinação se não o descarte no meio ambiente. Correa Neto (2002, p.32) “destaca que alguns deles ajudam a reduzir custos de substituição de produtos utilizados na atividade ou alcançaram alguma valorização comercial”.

Os subprodutos ou desejos resultantes do processo de industrialização da cana-de-açúcar passaram a ter uma significância por meio da pesquisa e desenvolvimento no setor, estimulados desde o inicio do PROALCOOL, uma vez que algumas tecnologias ainda não estavam disponíveis no momento.

Os principais subprodutos da agroindústria sucroalcooleira são: a biomassa disponível no campo no estagio de colheita da cana-de-açúcar, composta pelas folhas e os ponteiros da planta crua, que ainda é quase integralmente eliminada através da queima da cultura antes da colheita; o bagaço de cana resultante da moagem da cana-

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de-açúcar para extração do caldo; a vinhaça ou vinhoto resultante da destilação do etanol; a torta de filtro proveniente do processo de clarificação do açúcar; a levedura oriunda do processo de fermentação; as cinzas residuais da combustão do bagaço nas caldeiras; e o carvão retirado na lavagem das chaminés. (CORREA NETO 2002, p. 32)

Outros derivados podem ser pontuados a partir da matéria prima, conforme Macedo (2007),adoçantes como a frutose e glucose, ácidos orgânicos utilizados na indústria alimentícia e farmacêutica, aminoácidos na alimentação animal, são derivados do setor.

Macedo (2007) ressalta o Brasil como maior produtor de cana (33,9%), açúcar (18,5%) e etanol (36,4%), desta forma o setor sucroalcooleiro a partir de seus dejetos, pode contribuir com uma maior participação na matriz energética brasileira com a utilização da biomassa como fonte geradora de energia elétrica.

Biomassa é todo recurso renovável oriundo de matéria orgânica (de origem animal ou vegetal) que pode ser utilizada na produção de energia. Assim como a energia hidráulica e outras fontes renováveis, a biomassa é uma forma indireta de energia solar. A energia solar é convertida em energia química, através da fotossíntese, base dos processos biológicos de todos os seres vivos. (ANEEL 2004 p.74)

As vantagens são pontuadas por Goldemberg (1998) ressaltando a utilização da biomassa, tais como: por ser uma fonte renovável de energia, são inesgotáveis; do ponto de vista ambiental, não contem impurezas como o enxofre, contribuindo para a não poluição dos grandes centros.

Destaca-se também como matéria prima, provenientes dos subprodutos da cana-de-açúcar as aplicações não industriais, conforme Correa Neto (2002) a formulação de ração animal para gado de corte, fertilizantes para a própria cultura onde promove uma redução significativa de resíduos orgânicos, melhorando a condição física do solo.

Ainda Correa Neto (2002) reitera que a diversidade de aplicações provenientes da matéria prima ou subprodutos da cana-de-açúcar, garantem ao setor a possibilidade de expansão, evitando grandes oscilações do mercado internacional devido a facilidade na mudança no processo produtivo além é claro, das questões relacionadas ao desperdício, provenientes dos dejetos de produção que são reutilizados em quase sua totalidade.

Embora o consumo de energia seja baseado nas fontes fósseis, o contexto brasileiro é bastante favorável para mudança desses padrões, em relação ao mundo uma vez que segundo Goldemberg (2007, p.8) “o pais é um paradigma mundial pelo seu vigoroso programa de biomassa moderna no setor de transportes baseado no etanol.”

Goldemberg (2007) ressalta ainda que o programa de utilização de biomassa nacional é uma combinação de fatores como a disponibilidade de recursos e mão-de-obra barata, urbanização e rápida industrialização e uma larga experiência em aplicações industriais das fontes em grande escala.

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O bagaço e a palha que são provenientes da cana-de-açúcar como subproduto residual do processo de fabricação, atendendo em 98% das necessidades energéticas da cadeia produtiva como descreve Correa Neto (2002), tornando quase que autossuficiente com apenas 2% dividindo-se em diesel, álcool, lenha, energia elétrica se comparada ao processo de refino da gasolina.

As formas de energia final úteis empregadas no processo produtivo das usinas de açúcar e etanol são a energia térmica, na forma de calor, e a energia mecânica para acionamento diversos. As necessidades energéticas finais do processo, tanto térmicas como mecânicas, são atendidas quase que em sua totalidade por vapor d água gerado em caldeiras centralizadas e distribuído por rede interna pela usina. O insumo energético primário das caldeiras é o bagaço resultante do processamento da cana-de-açúcar. (CORREA NETO 2002, p.15)

Assim, o setor sucroalcooleiro consegue posicionar-se garantindo o seu suprimento de energia com sustentabilidade ambiental sem grandes investimentos adicionais, a bioeletricidade que é proveniente da biomassa. Para Castro (2010, p.144) “por utilizar um resíduo como insumo energético, a bioeletricidade é, por definição, uma fonte de energia renovável, eficiente e sustentável.” Castro (2010) ainda reitera que o potencial de geração de bioeletricidade está relacionado com a safra da cana-de-açúcar, uma vez que a sua colheita determinará o volume de biomassa residual, para geração de energia.

(ix) Metodologia a. Análise Multivariada

Este trabalho tem como proposta a utilização de métodos estatísticos como ferramenta de apoio à interpretação dos dados. Segundo BRUNI, (2009, p. 1) “a estatística pode ser compreendida como o conjunto de técnicas que tem por objetivo primordial possibilitar a análise e a interpretação das informações contidas em diferentes conjuntos de dados”.

Mais que uma ferramenta de apoio, existem muitas técnicas das quais poderão ser utilizadas na interpretação dos dados possibilitando a construção do conhecimento, dentre elas a análise multivariada:

Análise multivariada se refere a todas as técnicas estatísticas que simultaneamente analisam múltiplas medidas sobre indivíduos ou objetos sob investigação. Assim, qualquer análise simultânea de mais do que duas variáveis pode ser considerada, a principio como multivariada. (HAIR: 2009, p.23)

O autor destaca ainda que, para efetivamente ser considerada como análise multivariada, Hair (2009, p.23) todas as variáveis devem ser aleatórias e inter-relacionadas de tal maneira que seus diferentes efeitos não podem ser significativamente interpelados em separado.

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A seleção da técnica de analise multivariada correta leva em consideração o fato de termos um conjunto de dados que são interdependentes:

Regressão múltipla é o método de análise apropriado quando o problema de pesquisa envolve uma única variável dependente métrica considerada como relacionada e duas ou mais variáveis independentes métricas. O objetivo da análise de regressão múltipla é prever as mudanças na variável dependente como resposta as mudanças nas variáveis independentes. (HAIR 2009, p.33)

Desta forma, o presente trabalho apresentará os resultados por uma técnica de analise multivariada, cujos dados são interdependentes. Foi utilizado a regressão e correlação com dados secundários. b. Correlação e Regressão Múltipla

A análise de correlação e de regressão é considerada uma técnica estatística multivariada, uma vez que sua aplicação utiliza-se de uma relação entre uma variável dependente e mais de uma variável independente. Neste caso, sua aplicação adequa-se ao problema de pesquisa abordado.

Suas aplicações sempre crescentes recaem em duas grandes classes de problemas de pesquisa: previsão e explicação. Previsão envolve o quanto uma variável estatística de regressão (uma ou mais variáveis independentes) pode prever da variável dependente. Explicação examina os coeficientes de regressão (sua magnitude, sinal e significância estatística) para cada variável independente e tenta desenvolver uma razão substantiva ou teórica para os efeitos das variáveis independentes. (HAIR: 2009, p.163)

O tamanho da amostra também tem uma influencia no estudo, uma vez que a regressão múltipla poderá determinar o seu grau de adequação, gerando resultados mais condizentes com o problema de pesquisa a ser analisado. Hair (2009) sugere que deve haver uma proporcionalidade na razão de 5 para 1, ou seja, de no mínimo cinco observações, com um nível desejado de 15 e 20 observações para cada variável independente, desta forma o trabalho apresenta os requisitos necessários a utilização deste método.

A determinação de um número ou coeficiente de correlação ( r ) expressa metricamente um grau ou força da relação entre as variáveis. Para Hair (2009, p.150), o sinal (+ ou -) indica a direção da relação. O valor pode variar de -1 a +1 onde +1 indica uma perfeita relação positiva, 0 (zero) indica nenhuma relação e -1 uma perfeita relação negativa ou reversa.

O grau de relação numérica linear entre duas variáveis continuas é feito por um coeficiente de correlação linear simples denominado r de Pearson. São hipóteses fundamentais para que a obtenção do coeficiente seja válida: as variáveis envolvidas sejam aleatórias e contínuas e a distribuição de frequência conjunta para os pares de

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valores das duas variáveis é uma distribuição normal. (BRUNI: 2009, p. 204).

O cálculo do r é representado pela formula:

O r de Pearson determina o efeito de colinearidade (entre duas) ou multicolinearidade (mais de duas) variáveis independentes. Nada mais é, segundo HAIR (2009) é a expressão de duas ou mais variáveis independentes, demonstrado sua força de associação, altamente correlacionada variando de 0 (zero) a 1 (um) ou -1 (menos um), ou seja, quanto mais próximo de um ou menos um, maior a correlação e quanto mais próximo de 0 menor a correlação.

Para uma melhor precisão dos resultados, será calculado o r² ou coeficiente de determinação que expressa o quadrado da correlação r de Pearson, segundo Bruni (2009, p.206) representa, também, a relação entre a variação explicada pelo modelo e variação total. Algebricamente o valor r² pode ser representado como:

O coeficiente de determinação r² explica a equação da regressão

onde se assume que quanto maior o valor, melhor a previsibilidade da equação. Conforme Hair (2009, p.182) o r² ajustado é particularmente útil na comparação entre equações de regressão que envolvem diferentes números de variáveis independentes ou diferentes tamanhos de amostra, pois ele dá um desconto para os graus de liberdade para cada modelo.

Para aplicação correta de uma análise de regressão e correlação é importante destacar alguns cuidados a serem tomados para a aplicação de maneira a validar as hipóteses do modelo. Hair (2009) destaca quatro suposições para evitarmos erros de previsão ou uma ausência das relações estudadas sendo: linearidade de um fenômeno, variância constante (homocedasticidade ou heterocedasticidade), e normalidade. (x) Análise dos Resultados

Utilizou-se a técnica de regressão e correlação com dados secundários no período de 1999 a 2009 totalizando 132 observações para as variáveis INCC, IPCA, IGP-M, PROD_TOTAL_AUTO (Produção Total de Veículos) e de 60 observações para PROD_VEIC_FLEXFUEL (Produção de Veículos Bicombustível). No estudo em questão a variável dependente será a PROD-TOTAL_ETANOL (Produção Total de Etanol) com 132 observaçes,

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porém será utilizada uma média aritmética simples, uma vez que a produção é contabilizada por período de safra, e não mensalmente.

As variáveis são apresentadas pelo software SPSS versão 16.0 conforme a tabela 1: Tabela 1 – Regressão com as Variáveis Dependentes e Independentes Variables Entered/Removedb

Model Variables Entered Variables Removed Method

1 PROD_VEIC_FLEXFUEL, IPCA, INCC, IGPM, PROD_TOTAL_AUTOa

. Enter

Fonte: Autor pelo SPSS. a. All requested variables entered.

b. Dependent Variable: PROD_TOTAL_ETANOL

As variáveis aqui apresentadas servirão de base para o calculo e a apresentação dos resultados da analise de regressão e correlação.

Em uma primeira análise de regressão das variáveis independentes, apresentamos a equação, conforme dados apresentados na tabela 2: Produção de Etanol = 1424995,230 + 57017,707 INCC + 508254,892 IPCA + (-225093,621) + 8,545 PROD_VEIC_FLEXFUEL + (-4,985 PROD_TOTAL_AUTO) Tabela 2 – Regressão das Variáveis Dependentes Coefficientsa

Unstandardized Coefficients

Standardized Coefficients

Model B Std. Error Beta t Sig.

(Constant) 1424995,230

188144,528 7,574 ,000

INCC 57017,707 56495,549 ,073 1,009 ,317

IPCA 508254,892 139083,296 ,263 3,654 ,001

IGPM -225093,621 48085,481 -,357 -4,681 ,000

PROD_TOTAL_AUTO -4,958 1,132 -,558 -4,379 ,000

1

PROD_VEIC_FLEXFUEL 8,545 ,793 1,303 10,770 ,000

Fonte: Autor pelo SPSS Dependent Variable: PROD_TOTAL_ETANOL

Com base na equação observa-se que existe uma relação positiva entre os índices INCC e IPCA juntamente com a produção de carros bicombustíveis PROD_VEIC_FLEXFUEL que são variáveis independentes com a produção total de etanol. Assim como uma relação negativa com o índice IGPM e a produção total de automóveis PROD_TOTAL_AUTO.

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Destaca-se que no caso dos carros bicombustíveis, o numero de observações é menor devido sua contagem ser iniciada a partir de janeiro de 2005, até então a produção era consolidada com a produção de carros a álcool. Para o INCC temos a seguinte situação: H0: β = 0,000 e H1: β ≠ 0,073

Assim temos a nulidade do coeficiente, uma vez que se obteve um nível de significância de 0,317. Desta forma será rejeitada a hipótese para esse indicador. Neste caso, conforme Bruni (2009) não foi utilizado o teste t de Student uma vez que não temos valores inferiores a 30 observações. Tabela 3 – Coeficientes de Correlação e Determinação. Model Summary

Model R R Square Adjusted R

Square Std. Error of the

Estimate

1 ,893a ,797 ,778 1,81814E5

Fonte: Autor pelo SPSS. a. Predictors: (Constant), TOTAL_GERAL, IPCA, INCC, IGPM, FLEX_FUEL

A tabela 3 apresenta os coeficientes de correlação r = 893, de determinação r² = 797, r² ajustado = 778 e de erro padrão de estimação = 1,81814E5, com todos os valores positivos demonstrando uma associação crescente na produção total de etanol. Destaca-se o valor de r² = 797 representando que aproximadamente 80% da produção de etanol poderia ser explicada em relação às variáveis independentes.

O valor apresentado aponta uma forte multicolinearidade, que segundo Hair (2009, p.190), a presença de elevadas correlações (geralmente 0,90 ou maiores) é a primeira indicação de colinearidade substancial. No entanto a falta de valores elevados de correlações não garante a ausência de colinearidade.

Tabela 4 – Análise de Variância ou ANOVAb

Model Sum of Squares df Mean Square F Sig.

Regression 6,991E12 5 1,398E12 42,297 ,000a

Residual 1,785E12 54 3,306E10

1

Total 8,776E12 59

Fonte: autor pelo SPSS a. Predictors: (Constant), TOTAL_GERAL, IPCA, INCC, IGPM, FLEX_FUEL. b. Dependent Variable: TOTAL_ETANOL

A Analise Multivariada de Variância (MANOVA) apresentada na tabela 4 demonstra um valor F = 42,297 e um nível de significância igual a 0,000, este resultado indica que pelo menos um dos coeficientes é

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significativamente diferente de 0 (zero). H0: β1 = β2 = 0,00 e H1: pelo menos um dos coeficientes β ≠ 0,00.

A tabela 5 representa a matriz de correlação de Pearson para as variáveis em estudo, com base nos resultados foram identificadas as correlações positivas entre produção de etanol e carros flex com um índice de 0,769 e de produção total de automóveis com 0,742.

E uma correlação negativa entre produção total de automóveis e os índices econômicos IPCA = - 0271 e IGPM = - 0,346. Tabela 5 – Matriz de Correlação de Pearson (r) para as Variáveis do Estudo

INCC IPCA IGPM FLEX_FUEL TOTAL_GERAL TOTAL_ETANOL

INCC Pearson Correlation 1,000

Sig. (2-tailed)

N 132,000

IPCA Pearson Correlation 0,318 1,000

Sig. (2-tailed) 0,000

N 132,000 132,000

IGPM Pearson Correlation 0,372 0,774 1,000

Sig. (2-tailed) 0,000 0,000

N 132,000 132,000 132,000

FLEX_FUEL Pearson Correlation 0,101 -0,072 0,142 1,000

Sig. (2-tailed) 0,444 0,584 0,281

N 60,000 60,000 60,000 60,000

TOTAL_GERAL Pearson Correlation -0,092 -0,295 -0,292 0,847 1,000

Sig. (2-tailed) 0,294 0,001 0,001 0,000

N 132,000 132,000 132,000 60,000 132,000

TOTAL_ETANOL Pearson Correlation -0,231 -0,271 -0,346 0,769 0,742 1,000

Sig. (2-tailed) 0,008 0,002 0,000 0,000 0,000

N 132 132 132 60 132 132

**. Correlation is signif icant at the 0.01 level (2-tailed).

Correlations

Fonte: Autor pelo SPSS

Destaca-se também uma forte correlação positiva entre a produção de carros flexíveis e o total de produção de automóveis com um índice de 0,847. Além da correlação entre o IGPM e IPCA com 0,774, neste caso é importante salientar que ambos são índices que representam os indicadores utilizados para determinação da inflação com periodicidade mensal.

Preliminarmente detectamos que a produção de etanol, tende a aumentar com a produção de automóveis, especificamente os carros flex ou

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bicombustíveis, na medida em que os indicadores econômicos tendem a uma queda. (xi) Conclusão

Diante das análises efetuadas conforme a metodologia aplicada de análise multivariada de correlação e regressão, preliminarmente as hipóteses foram testadas por meio dos dados apresentados e ponderados pelo SPSS, ou seja, existe uma correlação entre as variáveis macroeconômicas e de produção de etanol.

O modelo aplicado apresentou uma forte correlação entre as variáveis produção de etanol e produção de automóveis flexíveis com uma tendência de crescimento, levando-se em consideração não somente questões levantadas na revisão teórica, mas também pelos os resultados obtidos da correlação entre os indicadores econômicos.

Diante dos resultados apurados, a correlação r de Pearson negativa IPCA = - 0,271 e IGPM = - 0,346 com nível de significância de 0,01, indicam que quanto menor os índices de inflação, maior a produção de etanol e consequentemente maior a produção de automóveis no estudo analisado.

Desta forma, na medida em que temos um indicador de inflação mais baixo, há um aumento da produção nos setores pesquisados, ou seja, há um aumento do consumo dos produtos estudados.

Além dos resultados que validam a hipótese, destaca-se uma correlação forte positiva entre os indicadores macroeconômicos IGPM e IPCA com um resultado r de Pearson = 0,774. Tal resultado associa-se por serem indicadores que servem de base de calculo para a inflação.

É fato que o aumento da produção esta relacionada não somente com os índices macroeconômicos apresentados, uma vez que existem outras variáveis que impactam em conjunto como a capacidade de produção da indústria, taxa de câmbio, PIB entre outros, por outro lado representam os mais amplamente divulgados como indicadores de inflação.

A discussão é ampla e podendo gerar resultados diferenciados se associado com outras variáveis e mesmo levando-se em consideração algumas perspectivas, considerando o etanol como uma fonte de energia renovável e a possibilidade de expansão do setor, seja para a produção ou pela transferência de tecnologia, know-how adquirido pelo país ao longo dos últimos quarenta anos de programa.

O tema é abrangente possibilitando trabalhos futuros diante da perspectiva de crescimento do setor sucroalcooleiro e do segmento automobilístico. E por essa magnitude o presente trabalho não se finda nessas considerações, outros estudos poderão ser desenvolvidos e novas contribuições poderão ser apresentadas no contexto em análise, por meio da inclusão de novas variáveis, novos objetos de estudos e até mesmo a analise temporal dos eventos e seus impactos.

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