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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS: UMA ABORDAGEM DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL MARCELO HAMILTON DOS SANTOS Itajaí, SC, Novembro de 2010.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS: UMA ABORDAGEM

DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL

MARCELO HAMILTON DOS SANTOS

Itajaí, SC, Novembro de 2010.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS: UMA ABORDAGEM

DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL

MARCELO HAMILTON DOS SANTOS

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel

em Direito. Orientador: Professora MSc. Andrietta Kretz Viviani.

Itajaí, SC, Novembro de 2010.

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AGRADECIMENTO

Agradeço primeiramente a Deus, razão maior;

A meu pai Antonio Amilto dos Santos e a minha mãe

Lenice Burato dos Santos, pelo esforço desmedido e

sem tamanho; pela fé, incentivo e confiança em mim

depositados; pela referência de dignidade, honradez

e ética que sempre representaram;

As minhas tias, Marlene, Roseli e Marli por todo o

apoio e colaboração, sem os quais, certamente não

conseguiria;

Aos meus avôs, Oscar (in memorian), Jacira, Olinto

e Idalina, pelo exemplo de vida; pelas palavras

transmitidas; pelo amor incondicional;

Aos meus amigos e demais familiares, por todo o

apoio e incentivo;

Aos meus amigos e colegas de trabalho, Brenda,

Carlos, Carol, Gizelle, Lamim, Luciana, Lizy, Sérgio

e Romilton, pelo companheirismo no cotidiano do

trabalho;

Ao meu colega de classe Francisco (Chico), que me

adotou nesta cidade, sempre depositou confiança

em mim;

A professora Mestre Andrietta Kretz Viviani, uma

orientadora na mais perfeita acepção da matéria.

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“Posso não concordar com o que dizes, mas

defenderei até a morte o teu direito de dizê-lo”

Voltaire

DEDICATÓRIA

Dedico a todos meus familiares, de forma especial a

meus pais Antonio Amilto e Lenice;

Ao meu avô Antonio Oscar dos Santos (in

memorian).

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de

toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, SC, Novembro de 2010.

Marcelo Hamilton dos Santos Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Marcelo Hamilton dos Santos, sob o

título Eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas: uma

abordagem doutrinária e jurisprudencial foi submetida em 24 de novembro de 2010 à

banca examinadora composta pelos seguintes professores: MSc. Andrietta Kretz

Viviani (orientadora); MSc. Clóvis Demarchi (examinador), e aprovada com a nota

10,0 (dez).

Itajaí, SC, Novembro de 2010.

Professora MSc. Andrietta Kretz Viviani Orientador e Presidente da Banca

Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Direitos fundamentais

“São direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito

constitucional positivo de determinado Estado”1.

Eficácia

“Possibilidade da norma gerar os efeitos jurídicos que lhe são inerentes, não se

confunde com a dimensão processual, mais propriamente ligada ao problema da

efetividade, ou da eficácia social, pressupõe a vinculação jurídica dos destinatários,

já que toda norma vigente, válida e eficaz implica um certo grau de vinculatividade,

embora se possa discutir quem e como está vinculado”2.

Eficácia horizontal

“Além de vincularem todos os poderes públicos, os direitos fundamentais exercem

sua eficácia vinculante também na esfera jurídico-privada, isto é, no âmbito das

relações jurídicas entre particulares”3.

Eficácia jurídica

“Possibilidade (no sentido de aptidão) de a norma vigente (juridicamente existente)

ser aplicada aos casos concretos e de – na medida de sua aplicabilidade – gerar

efeitos jurídicos”4.

Eficácia social

1 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 35.

2 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado: algumas considerações em torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (organizador). A constituição concretizada: construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 115.

3 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 399.

4 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 249.

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“Ou efetividade, pode ser considerada como englobando tanto a decisão pela efetiva

aplicação da norma (juridicamente eficaz), quanto ao resultado concreto decorrente

– ou não – desta aplicação”5.

Eficácia vertical

“Sempre que estiver em questão a vinculação das entidades estatais (públicas) aos

direitos fundamentais, em última análise, sempre que estivermos falando da

vinculação do legislador privado, mas também dos órgãos do Poder Judiciário, no

exercício da atividade jurisdicional no que diz com a aplicação das normas de Direito

Privado e a solução dos conflitos particulares”6.

Teoria direta ou imediata

“Refere-se ao vínculo direto das pessoas aos direitos fundamentais ou de sua

imediata aplicabilidade para a solução de conflitos interindividuais”7.

Teoria indireta ou mediata

“Refere-se precipuamente à obrigação do juiz de observar o papel (efeito, irradiação)

dos direitos fundamentais, sob pena de intervir de forma inconstitucional na área de

proteção do direito fundamental, prolatando uma sentença inconstitucional”8.

5 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 249.

6 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 109.

7 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p. 113.

8 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p. 113.

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SUMÁRIO

RESUMO............................................................................................ X

INTRODUÇÃO .................................................................................. 11

CAPÍTULO 1 ..................................................................................... 14

OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ...................................................... 14

1.1 A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS .............................................. 16

1.2 DISTINÇÃO CONCEITUAL E TERMINOLÓGICA ENTRE DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................................ 17

1.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ...................... 21

1.4 CARACTERES DA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS .................. 27

1.5 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 ................................................................... 36

1.6 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 ............................................. 39

1.7 DAS RESTRIÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................... 47

1.7.1 AS RESTRIÇÕES CONSTITUCIONAIS DIRETAS OU IMEDIATAS ............................... 49

1.7.2 AS RESTRIÇÕES ESTABELECIDAS POR LEI: RESERVA DE LEI............................... 51

1.7.3 OS LIMITES IMANENTES OU RESTRIÇÕES CONSTITUCIONAIS NÃO ESCRITAS ......... 52

CAPÍTULO 2 ..................................................................................... 56

EFICÁCIA E VINCULATIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS56

2.1 TIPOS DE EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................. 62

2.1.1 EFICÁCIA QUANTO À APLICABILIDADE E EFEITOS JURÍDICOS DAS NORMAS

CONSTITUCIONAIS ................................................................................................... 66

2.1.1.1 Eficácia plena .....................................................................................................66

2.1.1.2 Eficácia contida ..................................................................................................68

2.1.1.3 Eficácia limitada .................................................................................................70

2.1.2 EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS QUANTO AS PARTES ENVOLVIDAS ......... 71

2.1.2.1 Eficácia vertical: Estado x cidadão ...................................................................71

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2.1.2.2 Eficácia horizontal: cidadão x cidadão .............................................................76

2.2 TEORIAS DE EFICÁCIA HORIZONTAL ....................................................... 78

2.2.1 DIRETA OU IMEDIATA (POSITIVA) ...................................................................... 82

2.2.2 INDIRETA OU MEDIATA (POSITIVA) .................................................................... 85

2.2.3 A NEGAÇÃO À EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A TEORIA DA

“CONVERGÊNCIA ESTATISTA” OU “STATE ACTION” .................................................... 91

CAPÍTULO 3 ..................................................................................... 96

EFICÁCIA HORIZONTAL NO BRASIL ............................................. 96

3.1 O RECONHECIMENTO E APLICAÇÃO DA TEORIA DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO PELOS DOUTRINADORES .............................................................................................. 96

3.2 APLICAÇÃO PELOS TRIBUNAIS BRASILEIROS ..................................... 119

3.3 PARÂMETROS PARA A PONDERAÇÃO DE INTERESSES ..................... 128

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................ 132

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ......................................... 135

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RESUMO

Esta monografia analisa a eficácia dos direitos fundamentais

nas relações entre particulares, bem como o reconhecimento e aplicação da teoria

direta no ordenamento jurídico brasileiro. Nosso objetivo consiste, basicamente, em

demonstrar que a teoria dos direitos fundamentais passou por um grande processo

evolutivo, do Estado Liberal ao Estado Democrático de Direito, e que o maior

resultado desta evolução consiste no denominado efeito horizontal dos direitos

fundamentais, que projeta a eficácia desses direitos em todos os setores do

ordenamento jurídico. Partindo da premissa de que o problema da eficácia dos

direitos fundamentais é tema controverso e muito discutido na doutrina nacional,

especialmente nas relações privadas, é nosso propósito evidenciar o

reconhecimento da aplicação da teoria direta pelos doutrinadores e pelo Poder

Judiciário brasileiro. Ao analisar as teorias específicas que debatem as vinculações

entre direitos fundamentais e direito privado, iremos comprovar que a eficácia na

esfera privada não somente existe, como vem sendo discutida e utilizada na ordem

constitucional brasileira, examinando posicionamentos doutrinários, e uma série de

casos concretos na jurisprudência, para comprovar a atualidade e relevância do

tema.

Palavras-chave: Direitos fundamentais. Relações entre

particulares. Efeito horizontal. Teoria direta ou imediata.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto a Eficácia horizontal

dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, fazendo uma abordagem

doutrinária e jurisprudencial sobre o tema no ordenamento jurídico brasileiro.

A pesquisa se desenvolverá no âmbito constitucional

discorrendo sobre a possibilidade de uma incidência/eficácia horizontal dos direitos

fundamentais, qual seja nas relações entre particulares. Subsidiariamente, atuara

em consonância com os demais ramos do direito, principalmente ao direito civil, o

qual rege as principais relações entre particulares.

O seu objetivo é investigar o reconhecimento da aplicação da

teoria da eficácia direta ou imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas,

entre particulares, no ordenamento jurídico pátrio.

A eficácia dos direitos fundamentais, entre particulares, em

síntese, materializa o ponto culminante de uma longa e conturbada trajetória

dogmática, iniciada com a primeira geração desses direitos, e cujo fim não é

possível antever.

Com efeito, pouquíssimas são as nações cujas Cortes

Constitucionais ainda não acolheram, direta ou indiretamente, o entendimento de

que tais direitos reclamam proteção também nas relações privadas.

Entre nós, porém, o estudo da eficácia desses direitos nas

relações privadas ainda não foi merecedor da atenção apropriada, o que levou Ingo

Wolfgang Sarlet a observar que o tema “oferece terreno fértil para

desenvolvimentos”, uma vez que “inobstante alguns estudos pioneiros de inequívoco

valor, ainda reclama o devido enfrentamento no direito pátrio”9.

Para tanto, principiar–se-á, no Capítulo 1, com os direitos

fundamentais, sua evolução histórica, conceituando-os e diferindo-os dos direitos

9 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 388 e 400.

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humanos, abordando suas teorias e caracteres, bem como a problemática acerca

das suas dimensões, sua previsão e classificação na Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, concluindo com as restrições, divididas em diretas ou

imediatas, estabelecidas por lei: reserva de lei, e as constitucionais não escritas ou

limites imanentes.

No Capítulo 2, tratar-se-á da eficácia e vinculatividade dos

direitos fundamentais, a resistência doutrinária quanto à incidência destes nas

relações jurídicas entre particulares, e suas diversas classificações e concepções,

teorias, dentre elas a eficácia quanto às partes envolvidas, que engloba a eficácia

vertical: Estado x cidadão, e eficácia horizontal: cidadão x cidadão, sendo está

última, o tema central de discussão do presente estudo. Para adentrar no tema, se

analisou suas teorias: direta ou imediata, indireta ou mediata, state action ou

convergência estatista, levanto seus principais argumentos e objeções.

Evidenciando as questões propostas, que as drásticas

transformações sociais operadas no mundo “globalizado” e “pós-moderno”

propiciaram aos poderes privados usurpar do Estado à condição de maior fonte

potencial de ameaças à concretização material dos direitos fundamentais.

No Capítulo 3, demonstrar-se-á o reconhecimento e aplicação

da teoria direta ou imediata dos direitos fundamentais, faz-se análise de textos

doutrinários, contextualizando com casos concretos existentes, jurisprudências dos

tribunais nacionais, corroborando os principais argumentos, pela aplicação,

vinculação direta dos particulares aos direitos fundamentais.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,

seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre A

eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações entre particulares.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

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13

A eficácia horizontal dos direitos fundamentais no ordenamento

jurídico brasileiro, embora ainda de forma não expressiva, vem sendo reconhecida

doutrinariamente e jurisprudencialmente.

No ordenamento jurídico brasileiro, ainda que existentes

decisões no sentido de aplicação direta ou imediata da eficácia horizontal dos

direitos fundamentais, a mesma ainda não é reconhecida e aplicada pela doutrina e

pelos Tribunais Superiores.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de

Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o

Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia

é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas

do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.

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Capítulo 1

OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais foram gradativamente constituindo-se

numa integração ao patrimônio comum da humanidade. Essa integração, o

progresso da sua positivação, a evolução no que concerne ao conteúdo, bem como

a sua conceituação terminológica que ainda se ausenta de consenso, foram as

principais temáticas dentro dessa mutabilidade dos direitos fundamentais. Desta

maneira, aborda-se o tema, destacando importantes aspectos sem o fazer de

maneira exaustiva.

O estudo dos direitos fundamentais nas palavras de Sarlet10

implica, contudo, necessariamente, uma tomada de posição quanto ao enfoque

adotado, bem como no que diz com o método de trabalho. Há também que se optar

por uma (ou algumas) das múltiplas possibilidades que se oferecem aos que

pretendem se dedicar ao enfrentamento de tão vasto e relevante universo temático.

Portanto, como ponto de partida neste sentido, a lição do jurista lusitano Vieira de

Andrade11:

Aquilo a que se chama ou que é licito chamar direitos fundamentais pode, afinal, ser considerado por diversas perspectivas. De facto, os direitos fundamentais tanto podem ser vistos enquanto direitos naturais de todos os homens, independentemente dos tempos e dos lugares – perspectiva filosófica ou jusnaturalista; como podem ser referidos aos direitos mais importantes das pessoas, num determinado tempo e lugar, isto é, num Estado concreto ou numa comunidade de Estados – perspectiva estadual ou constitucional; como ainda podem ser considerados direitos essenciais das pessoas num certo tempo, em todos os lugares ou, pelo menos, em grandes regiões do mundo – perspectiva universalista ou internacionalista.

10

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 26.

11 ANDRADE, José Carlos Viera de. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2006. p. 15.

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15

Seguindo ainda este raciocínio, cumpre lembrar, que a tríade

referida por Vieira de Andrade não esgota o elenco de perspectivas a partir das

quais se pode enfrentar a temática dos direitos fundamentais, já que não se pode

desconsiderar a importância, ainda mais nos tempos atuais, das perspectivas

sociológica, histórica, filosófica (de longe não limitada e identificada com o

jusnaturalismo), ética (como desdobramento da filosófica) política e econômica

apenas para citar as mais relevantes12.

Centra-se a pesquisa na dimensão concreta dos direitos

fundamentais, com abordagens ao Direito Pátrio. Em suma, aos problemas dos

Direitos Fundamentais em nossa Constituição, especificadamente à eficácia e

aplicabilidade destes nas relações jurídicas entre particulares.

Um Estado Democrático de Direito é fundamentado, “numa

revalorização dos clássicos direitos individuais de liberdade para a realização dos

direitos sociais13”; nos dizeres de Guerra Filho, “que se entende não poderem jamais

ser demasiadamente sacrificados, em nome da realização de direitos sociais” pois o

Estado Democrático de Direito, “representa uma forma de superação dialética da

antítese entre os modelos liberal e social ou socialista de Estado14”.

Como o Estado Democrático de Direito, foi instituído pela

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88, em seu

preâmbulo, por conseguinte, introduziu-se, “um imperativo de renovação da ordem

jurídica nacional, por ser totalmente nova a base sobre a qual ela se assenta15”.

Essa renovação da ordem jurídica nacional, faz-se necessária

a “re-interpretação”, como afirma Guerra Filho16, do Direito Pátrio à luz do direito

constitucional.

12

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 26.

13 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Florianópolis: Momento Atual, 2005. p. 47.

14 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 2.ed.São Paulo: Celso Bastos Editor, 2001. p. 25.

15 FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, 2001. p. 29.

16 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, 2001. p. 29.

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16

Toda interpretação dos direitos fundamentais vincula-se a uma

teoria de direitos fundamentais na lição de Bonavides onde “toda interpretação dos

direitos fundamentais vincula-se, de necessidade, a uma teoria dos direitos

fundamentais; esta, por sua vez, a uma teoria da Constituição17”; Para Gomes

Canotilho, “a interpretação constitucional, por sua vez, pressupõe ou „pré-

compreende‟, uma teoria dos direitos fundamentais18”. Portanto, segundo Kretz19,

antes de abordarmos a eficácia dos direitos fundamentais, se faz necessário:

[...] uma breve incursão na Teoria dos Direitos Fundamentais da Constituição, destacando-se a problemática conceitual dos direitos fundamentais, seus aspectos históricos, os caracteres de sua Teoria, a estrutura da norma, bem como sua concepção na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e também suas restrições.

Sendo assim, antes de falarmos a respeito da eficácia

horizontal dos direitos fundamentais, adentraremos primeiramente na teoria dos

direitos fundamentais, discorrendo em seguida sobre a hermenêutica dos direitos

fundamentais.

1.1 A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Acerca dos direitos fundamentais existem diversas teorias,

mencionando dentre as quais, as históricas, filosóficas e as sociológicas.

A multiplicidade de formas de estudos dos direitos

fundamentais, na opinião de Sarlet, faz surgir em cada enfoque, uma gama de

aspectos e problemas específicos, como preleciona:

Cada um destes enfoques, ainda que isoladamente considerados, suscita uma enorme gama de aspectos e problemas específicos passíveis de análise. Vale dizer que, também nessa seara, os únicos limites residem, em última análise, no alcance da criatividade e da imaginação humanas e no universo de abordagens que esta pode gerar20.

17

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 581.

18 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1989. p. 425.

19 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 49.

20 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 26.

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17

Inicialmente a título de definição epistemológica, da teoria dos

direitos fundamentais, que se entende deva ser desenvolvida, cabe dizer que se

trata de uma teoria jurídica21.

A concepção epistemológica da dogmática jurídica que se

defende, para Guerra Filho, pode ser denominada de “inclusiva”, por propugnar que

se leve em conta a multiplicidade de perspectivas do estudo de direitos

fundamentais, quando da elaboração de respostas aos problemas colocados,

associando-as ao atributo da cientificidade, compatível com o caráter público desses

problemas, consequentemente, também da ciência que deles se ocupe22.

À teoria dos direitos fundamentais que se pretende

desenvolver, “caberia a função de canalizar para o estudo de seu objeto

contribuições advindas de diversas disciplinas, filosóficas e científicas” 23. Entretanto,

compromete-se com o esclarecimento de um material jurídico positivo, configurando-

se nas palavras de Gomes Canotilho, como empreendimento “no sentido de uma

concepção sistematicamente orientada para o caráter geral, finalidade e alcance

intrínseco dos direitos fundamentais”, ou seja, algo como a “‟parte geral‟ de uma

dogmática dos direitos fundamentais positivados constitucionalmente”24.

Para Sarlet25, é importante a constatação de que os direitos

fundamentais são, acima de tudo, “fruto de reivindicações concretas, geradas por

situações de injustiça e/ou de agressão a bens fundamentais e elementares do ser

humano”.

1.2 DISTINÇÃO CONCEITUAL E TERMINOLÓGICA ENTRE DIREITOS

HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

A questão conceitual e terminológica a respeito dos direitos

fundamentais, pelo seu desenvolvimento e a transformação pelos quais passaram

21

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, 2001. p. 32.

22 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, 2001. p. 31.

23 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, 2001. p. 31.

24 CANOTILHO apud GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, 2001. p. 31.

25 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 62.

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ou passam os direitos fundamentais, apresentam diversas dificuldades acerca de

sua conceituação.

Obstáculo esse, aumentado pela própria pluralidade

terminológica que ocorre em textos constitucionais, inclusive pela Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88, que, a título ilustrativo, utiliza

expressões como: a) direitos humanos (art. 4º, inc. II); b) direitos e garantias

fundamentais (epígrafe do Título II, e art. 5º, § 1º); c) direitos e liberdades

constitucionais (art. 5º, inc. LXXI) e d) direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º,

inc. IV)26.

Muitas são as expressões utilizadas como sinônimas dos

direitos fundamentais, sendo, direitos humanos, a mais utilizada, destacando-se com

maior enfoque, a distinção entre essas duas categorias, no presente trabalho.

Dentre elas, outras como: direitos do homem, direitos subjetivos públicos, liberdades

públicas, direitos individuais, liberdades fundamentais, direitos naturais, direitos civis

e ainda direitos humanos fundamentais27.

A respeito da dificuldade conceitual, de definição, transcreve-se

a idéia de José Afonso da Silva28:

A ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no envolver histórico dificulta definir-lhes um conceito sintético e preciso. Aumenta essa dificuldade a circunstância de se empregarem várias expressões para designá-los, tais como: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem.

Superando essa problemática imprecisão terminológica,

cumpre verificar conceitos de direitos fundamentais.

26

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 34.

27 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 33.

28 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 175.

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19

Nas palavras de Moraes29:

O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais.

Moraes30, também cita a definição da Unesco:

A Unesco, também definindo genericamente os direitos humanos fundamentais, considera-os por um lado uma proteção de maneira institucionalizada dos direitos da pessoa humana contra os excessos do poder cometidos pelos órgãos do Estado, e por outro, regras para estabelecerem condições humanas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.

Sarlet31 entende que “são direitos do ser humano reconhecidos

e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado”.

Vieira de Andrade32 define os direitos fundamentais, na sua

dimensão “natural”, como “[...] direitos absolutos, imutáveis e intemporais, inerentes

à qualidade de homem dos seus titulares, e constituem um „núcleo restrito‟ que se

impõe a qualquer ordem jurídica”.

Tratando-o como fundamento da organização política e social

do Estado, presente dentro do texto constitucional, Dimoulis; Martins os vendo como

intangíveis e imprescindíveis os define como “[...] direitos público-subjetivos de

pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto,

que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade

limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual”33.

29

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 21.

30 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais, 2005. p. 22.

31 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 35.

32 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976, 2006. p. 19.

33 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 54.

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20

Analisando o conteúdo formal e material da constituição,

Sarlet34, propõe o seguinte conceito:

Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas no texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera da disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhe ser equiparados, agregando-se á Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do catálogo).

Seguindo ainda o raciocínio do referido autor, o mesmo

apresenta, entendendo ser a mais convincente, a seguinte distinção: a expressão

direitos fundamentais é utilizada para designar os direitos positivados em nível

interno, isto é, nacional, enquanto, direitos humanos seria mais usual para

denominar os direitos naturais positivados nas declarações e convenções

internacionais35.

Em que pese ambos os termos, comumente utilizados como

sinônimos, a explicação “corriqueira” e procedente para distinção, segundo Sarlet36,

é que:

O termo direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão direitos humanos guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram a validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).

Neste contexto, o critério mais adequado entre ambas

categorias, para determinar a diferenciação, é o da concreção positiva, do jurista

hispânico Perez Luño, uma vez que o termo direitos humanos se revelou conceito de

34

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2005. p. 89.

35 PEREZ LUÑO apud KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia dos direitos fundamentais, 2005. p. 50.

36 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 35-36.

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contornos mais amplos e imprecisos que a noção de direitos fundamentais, de tal

sorte que estes possuem sentido mais preciso e restrito, na medida em que

constituem o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e

garantidos pelo direito positivo de determinado Estado, tratando-se, portanto, de

direitos delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação se deve ao seu

caráter básico e fundamentador do sistema jurídico do Estado de Direito37.

Ainda que de cunho mais didático, segundo Sarlet38, cumpre

traçar uma distinção entre as expressões “direitos do homem” como direitos naturais

ou ainda não positivados e “direitos humanos” positivados na esfera do direito

internacional, ainda, “direitos fundamentais” como direitos reconhecidos ou

outorgados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado.

Diante desses conceitos, Sarlet entende, e utiliza como critério

mais adequado para demarcar a distinção entre as categorias, a da concreção

positiva, do jurista hispânico Perez Luño, conforme ilustrado anteriormente.

Convém repetir, que os direitos fundamentais, para Sarlet,

“nascem e se desenvolvem com as Constituições nas quais foram reconhecidos e

assegurados”.

1.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Entendendo que direitos fundamentais “são direitos do ser

humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de

cada Estado”39, passa-se a abordagem do aspecto evolutivo dessa categoria.

É no jusnaturalismo, que o homem surge numa concepção

como dotado de direitos naturais, inalienáveis e imprescindíveis à sua existência.

37

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 38.

38 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 35-42.

39 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 35-36.

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22

No pensamento dos homens, os direitos fundamentais

nasceram numa perspectiva filosófica, antes de serem institutos do ordenamento

positivo. No mundo ocidental costuma-se referir aos estóicos a origem desses

direitos40.

Observa Gomes Canotilho41:

[...] a antiguidade clássica não se quedou numa completa cegueira em relação à idéia de direitos fundamentais. O pensamento sofistico, a partir da natureza biológica comum dos homens, aproxima-se da tese da igualdade natural e da idéia da humanidade. [...] No pensamento estóico assume o principio da igualdade um lugar proeminente: a igualdade radica no facto de todos os homens se encontrarem sob um „nomos‟ unitários que os converte em cidadãos do grande Estado universal. [...] No mundo romano, o pensamento estóico tentará deslocar a doutrina da igualdade da antropologia e da ética para o terreno da filosofia e doutrina política.

No século XVI, começa a desenvolver-se a doutrina

jusnaturalista, através das teorias contratualistas, na qual Estado e sociedade

seriam organizadas pelo homem, submetendo-se esse, a ambas por sua própria

vontade.

Afirma-se a primazia do indivíduo sobre o Estado e a

Sociedade, construídos estes contratualmente com base na liberdade política e nas

liberdades individuais. Surgindo assim, a possibilidade da realização jurídica dos

direitos do homem42.

A expressão, direitos fundamentais, como conhecida

atualmente, segundo Sarmento43 “são resultado de uma evolução histórica por meio

de lutas, batalhas, revoluções e rupturas sociais que miravam a exaltação da

40

ANDRADE, José Carlos Viera de. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976, 2006. p. 16.

41 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993. p. 501.

42 ANDRADE, José Carlos Viera de. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976, 2006. p. 18.

43 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006. p. 4.

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dignidade do homem”. Contudo, suas raízes filosóficas, intimamente encontram-se

ligadas ao pensamento humanista44.

Durante os séculos XVI e XVII, as leis naturais, que antes eram

abordados no plano da subjetividade, transformaram-se e nesse período, passaram

a constituir uma ampla teoria dos direitos naturais45 a qual, condicionou o

aparecimento do princípio das leis fundamentais do reino, limitando o poder

monarca, assim como o conjunto de princípio que se denominou humanismo46.

Ocorreu no século XVIII, o surgimento formal dos direitos

fundamentais, materializando-se por meio de documentos emanados da vontade do

povo, com a presença de elementos como Estado, indivíduo e texto normativo47.

O conceito de direitos humanos, segundo Pereira48, é um

artefato da modernidade, pois

Foram as revoluções liberais que – apoiadas no substrato filosófico do contratualismo – converteram em textos jurídicos a concepção, que assumiu prevalência nos séculos XVII e XVIII, de que o homem é titular de direitos que antecedem a instituição do Estado, razão por que lhe deve ser assegurada uma esfera inviolável de proteção.

Pode-se dizer que na Antiguidade, sobre o processo de

reconhecimento dos Direitos Fundamentais, mais específico, não se encontra

nenhuma mostra relevante de Cartas ou Declarações de Direitos, não admitindo,

nessa fase, a existência de nenhum direito que não derive das situações

juridicamente objetivas estabelecidas pelo ordenamento jurídico da comunidade49.

44

KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 51.

45 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 51.

46 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 2007. p. 151.

47 DIMITRI, Dimoulis; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p. 25.

48 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares. In: BARROSO, Luis Roberto (org.) A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 124.

49 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 53.

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Os mais importantes antecedentes históricos, documentos a

respeito das positivações de direitos e liberdade civis, a título ilustrativo, podemos

citar: a “Magna Charta Libertatum”, contrato firmado entre o Rei João Sem-Terra e

os senhores feudais em 1215, na Inglaterra. Contrato esse, que ficou conhecido

como, dispondo em seu artigo 39, que nenhum homem livre seria destituído de seus

bens sem juízo prévio. A “Petition of Right” de 1628, o “Habeas Corpus Act” de 1679,

o “Bill of Rights” de 1689, e o “Act of Settlement” de 170150.

Para Afonso da Silva, tais textos, limitados e às vezes

estamentais, no entanto,

condicionaram a formação de regras consuetudinárias de mais ampla proteção dos direitos humanos fundamentais. Realmente a estabilidade e o sempre firme desenvolvimento das instituições inglesas bastaram para tornar ociosa uma lista maior das liberdades públicas.

A positivação dos direitos de liberdade, após essa experiência

inglesa, estendeu-se às colônias americanas, acabando por originar a revolução dos

colonos ingleses na América, culminando com a independência das 13 Colônias

Britânicas, através da Declaração de Direitos do Povo da Virgínia em 1776, essa

“Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia”, uma das treze colônias inglesas

na América, em sentido moderno, foi à primeira declaração de direitos fundamentais,

preocupando-se basicamente com a estrutura de um governo democrático, com um

sistema de limitação de poderes, a fim de limitar o poder do rei, afirmando a

supremacia parlamentar, protegendo os indivíduos de arbitrariedades, sendo

inspirada na existência de direitos naturais e imprescritíveis do homem51.

A Declaração de Direitos do povo da Virgínia de 1776, “é a

primeira que marca a transição dos direitos de liberdades legais ingleses para os

direitos fundamentais constitucionais”52.

50

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 7.

51 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 153.

52 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 52.

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25

A partir de então, passaram a integrar na história do

constitucionalismo as Declarações de Direitos. Caracterizando, no entanto, a maior

parte dos textos constitucionais pela ideologia individualista53.

Prelecionando a respeito do reconhecimento dos direitos,

Cruz54 esclarece que:

Desde o começo do movimento constitucionalista, a formulação de uma „Declaração de Direitos‟ aparece como a primeira tarefa a ser levada a cabo para assegurar a liberdade do indivíduo. Trata-se de enumerar os direitos de todos os cidadãos, isto é, aqueles que são inerentes a esta condição ou, de forma mais ampla, a todo ser humano, com a denominação de Direitos do Homem.

Continuando, Cruz55 esclarece que a inclusão dos direitos do

homem ou direitos humanos nos textos constitucionais trouxe, como consequencia

imediata, a transformação de alguns princípios filosóficos em normas jurídicas, isto

porque:

O conceito de direitos humanos, ou direitos do homem, é uma noção filosófica ou ideológica, noção esta que acata a idéia de que certos direitos são necessários para que se possa falar do ser humano e de dignidade humana. Já o reconhecimento jurídico destes direitos os transforma em normas vinculantes, que não dependem das convicções de cada um.

As declarações dos séculos XVIII e XIX voltam-se para a

garantia formal das liberdades, como princípio da democracia política ou democracia

burguesa. O desenvolvimento industrial e a conseqüente formação de uma classe

operária, no entanto, demonstraram insuficiência das garantias formais, como

resistência e limitação ao poder, pois a opressão era basicamente econômica, não

apenas do poder público, mas do econômico capitalista, que “de nada adiantava as

constituições e leis reconhecerem liberdades a todos, se a maioria não dispunha, e

ainda não dispõe, de condições materiais para exercê-la”56.

53

KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 54.

54 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. Curitiba: Juruá, 2001. p. 29.

55 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional, 2001. p. 135.

56 SILVA. José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 2007. p. 159.

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Uma maior efetivação dos direitos fundamentais ocorreu

segundo Moraes57, durante o século XIX, conforme ensina:

A maior efetivação dos direitos fundamentais continuou durante o constitucionalismo liberal do século XIX, tendo como exemplos a Constituição espanhola de 19-3-1812 (Constituição de Cádis), a Constituição portuguesa de 23-9-1822, a Constituição belga de 7-2-1831 e a Declaração francesa de 4-11-1848.

À medida que o processo de industrialização avançava,

desenvolvia-se a conscientização nos cidadãos de que não bastavam os direitos

individuais e passou-se a reivindicar direitos econômicos e sociais, como direitos ao

trabalho e a seguridade social58.

Embora as Constituições Francesas, tanto a de 1791 quanto a

de 1793, tenham abordado a questão dos direitos do homem, a paternidade dos

Direitos Fundamentais, ou seja, Direitos Humanos positivados na Constituição deve-

se aos Estados Unidos da América, tendo em vista que os direitos humanos

consagrados na Declaração de Direitos do povo da Virgínia de 1776, foram

efetivamente formalizados e institucionalizados na Constituição Americana de

178759.

O início do século XX trouxe diplomas constitucionais

fortemente marcados pelas preocupações sociais, sendo seus principais textos a

constituição mexicana de 1917 e de Weimar de 191960.

No concernente aos direitos sociais, e ao plano jurídico a

Constituição do México de 1917, tem-se como primeira a sistematizar o conjunto de

direitos sociais do homem, restringindo-se ao critério de participação estatal na

ordem econômica e social, sem romper definitivamente com o regime capitalista,

constando a Declaração dos Direitos Sociais (trabalho e previdência social), no art.

57

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais, 2005. p. 11.

58 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 55.

59 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 55.

60 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais, 2005. p. 13.

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123 do documento constitucional, ainda em vigor61. De tal maneira, demonstrava a

preocupação real em conciliar os direitos de liberdade e os direitos sociais,

superando as faces opostas do individualismo e do coletivismo. Num mesmo sentido

a Constituição Alemã de 1919.

Constituição essa, de Weimar, “que exercera maior influência

no constitucionalismo de pós-Primeira Guerra Mundial, até na brasileira de 1934”62;

e que melhor reflete no estatuto de direitos fundamentais, o transcurso do Estado

Liberal para o Estado Social, uma vez que reconheceu junto às liberdades

individuais tradicionais, direitos sociais referentes à proteção da família, da

educação e do trabalho63.

E por seu caráter de vanguarda, tem sido fonte de inspiração

das demais Constituições que possuem o intuito de conjugar num sistema de

direitos fundamentais, os direitos de liberdade com direitos econômicos, sociais e

culturais64.

1.4 CARACTERES DA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Para Alexy, citado por Guerra Filho, uma teoria dos direitos

fundamentais, é uma teoria inserida no contexto de três dimensões, as quais seriam

a dimensão analítica, a empírica e a normativa65.

A dimensão analítica da teoria dos direitos fundamentais trata

da consideração sistemático-conceitual do direito válido. Suas tarefas seriam tanto

análises de conceitos fundamentais (como conceito de norma, de direito subjetivo e

de liberdade), construção jurídica (relação entre a hipótese do fato, as restrições dos

direitos fundamentais e o efeito para terceiros), investigação da estrutura do sistema

61

SILVA. José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 2007. p. 160.

62 SILVA. José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 2007. p. 160.

63 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 55.

64 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 55.

65 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, 2001. p. 33.

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jurídico (abrangência dos direitos fundamentais), como também a fundamentação

sobre as bases dos direitos fundamentais (ou seja, a ponderação)66.

Sobre a dimensão empírica, preleciona que se pode falar sob

dois aspectos: um, com relação ao conhecimento do direito positivamente válido, e

outro, com relação à utilização de premissas na argumentação jurídica. No entanto,

deixa claro que isso não significa dizer que o conhecimento do direito válido resuma-

se ao conhecimento dos fatos observados ou que possa ser reduzido a eles67.

Já a dimensão normativa vai além; sua tarefa é de orientação e

crítica a prática jurídica, sua preocupação central é a aplicação da decisão correta e,

para isso, faz-se necessária a valoração, ou seja, os juízos de valor68.

Para Alexy, com a vinculação dessas três dimensões

direcionada para a prática da Ciência Jurídica, constitui-se o dogmático e, com ele, o

jurídico em sentido estrito. E, com base nisto, chega-se à conclusão de um conceito

de Teoria Jurídica dos Direitos Fundamentais69 (o qual se encontra apresentado no

início deste item).

A caracterização da teoria dos direitos fundamentais, o

entendimento de Alexy é compartilhado por Guerra Filho, posto que, simpatizante da

formulação paradigmática oferecida pelo professor alemão Dreier, a qual é retomada

e aplicada especificamente ao desenvolvimento de uma teoria dos direitos

fundamentais por Alexy, qualificada como tridimensional, em razão das dimensões

analítica, empírica e normativa70.

Guerra Filho fundamenta utilizando de um modelo, denominado

por ele de “Dreier-Alexy”71, adaptando esse modelo, com a introdução de

66

KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 56.

67 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 56.

68 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 56.

69 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 56.

70 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, 2001. p. 33.

71 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, 2001. p. 33.

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modificações que o torne compatível com idéias próprias em epistemologia jurídica,

onde caberia a teoria dos direitos fundamentais uma função de canalizar para

estudo do seu objeto, contribuições interdisciplinares tanto filosóficas quanto

cientificas72.

Essas dimensões dos direitos fundamentais para Guerra

Filho73 mostram-se como uma doutrina, “produto de uma razão prática”, e

por oferecer uma complementação do conteúdo e do sentido das normas, extremamente vagas e abstratas, que tratam da matéria dos direitos fundamentais no plano constitucional, bem como uma fundamentação racional dos juízos de valor necessários à sua aplicação.

Ressalta-se também, a importante dimensionalidade dos

direitos fundamentais quanto ao seu caráter, quais sejam, objetivo e subjetivo.

Hesse declara que os direitos fundamentais possuem duplo

caráter e, por isso, produzem efeito fundamentador de status: os direitos

fundamentais como direitos subjetivos “determinam e asseguram a situação jurídica

do particular em seus fundamentos74” e, como direitos objetivos, “inserem o

particular na coletividade, [...] constituem bases da ordem jurídica da coletividade”75.

Introduziram-se inovações de grande importância ao Direito

Constitucional a dimensão jurídico-objetiva dos direitos fundamentais. Bonavides76

elenca como principais as seguintes a) propagação dos direitos fundamentais à

esfera do Direito Privado; b) elevação de tais direitos à categoria de princípios; c)

eficácia vinculante; d) aplicabilidade direta e eficácia imediata dos direitos

fundamentais; e) dimensão axiológica; f) eficácia entre particulares; g) aquisição de

duplo caráter; h) elaboração de conceito de concretização; i) aplicação do princípio

da proporcionalidade; j) introdução do conceito de “pré-compreensão”.

72

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, 2001. p. 31.

73 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, 2001. p. 35-36.

74 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 230.

75 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, 1998. p. 230.

76 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 2006. p. 588 e 589.

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30

Ainda na esfera das dimensões dos direitos fundamentais,

Guerra Filho, apresenta uma nova espécie de dimensão, no sentido de “gerações”

desses direitos, que não objetiva ou subjetiva.

[...] invés de “gerações” é melhor se falar em “dimensões de direitos fundamentais”, nesse contexto, não se justifica apenas pelo preciosismo de que as gerações anteriores não desaparecem com o surgimento das mais novas. Mais importante é que os direitos “gestados” em uma geração, quando aparecem em uma ordem jurídica que já traz direitos da geração sucessiva, assumem uma outra dimensão, pois os direitos de geração mais recente tornam-se um pressuposto para entendê-los de forma mais adequada – e, conseqüentemente, também para melhor realizá-los77.

Sarlet manifesta-se também pela adoção da terminologia

“dimensões”, num contexto de “mutação histórica experimentada pelos direitos

fundamentais”, pela mesma razão de Guerra Filho, por “conduzir ao entendimento

equivocado de que os direitos fundamentais se substituem ao longo do tempo, não

se encontrando em permanente processo de expansão, cumulação e

fortalecimento”, afirmando que:

[...] a teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno “Direito Internacional dos Direitos Humanos”78.

Na doutrina continua, no entanto, no que concerne seu caráter

evolutivo histórico, existindo adeptos de ambas as terminologias, “gerações” quanto

“dimensões” (a qual será a adotada para fins deste trabalho).

Os direitos fundamentais de primeira dimensão, segundo

Sarlet79, são o produto peculiar (ressalvado certo conteúdo social característico do

constitucionalismo francês), do pensamento liberal-burguês do século XVIII, de

marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direito de defesa,

demarcando uma zona de não intervenção do Estado e uma esfera de autonomia

individual em face de seu poder. Sendo por este motivo, apresentados como direitos

77

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, 2001. p. 39.

78 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 54-55.

79 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 55-56.

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de cunho “negativo”, uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta

positiva por parte dos poderes públicos, sendo, neste sentido, “direitos de resistência

ou de oposição perante o Estado”80.

Os direitos fundamentais da primeira dimensão encontram

suas raízes especialmente na doutrina iluminista e jusnaturalista dos séculos XVII e

XVIII, destacando-se nomes como Hobbes, Locke, Rousseau e Kant, segundo a

qual, a finalidade precípua do Estado consiste na realização de liberdade do

indivíduo, bem como nas revoluções políticas do final do século XVIII, que marcaram

o início da positivação das reivindicações burguesas nas primeiras Constituições

escritas do mundo ocidental81.

Como relembra Bonavides, cuida-se dos assim chamados

direitos civis e políticos, que, em sua maioria, correspondem à fase inicial do

constitucionalismo ocidental82.

Já os direitos fundamentais de segunda dimensão, para

Schäfer, decorrentes de um amplo processo de erosão e impugnação pelas lutas

sociais do século XIX, são os direitos econômicos, sociais e culturais, nos quais o

Estado assume função promocional indiscutível, satisfazendo ativamente as

pretensões dos indivíduos, objetivando concretizar os primados da igualdade

material83.

Os direitos de segunda dimensão como esclarece Bonavides84

“nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois

fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula”.

80

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 2006. p. 564.

81 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 55-56.

82 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 2006. p. 563.

83 SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos fundamentais: do sistema geracional ao sistema unitário: uma proposta de compreensão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 30-31.

84 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 2006. p. 564.

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32

Interessante distinção entre os direitos de primeira e segunda

dimensão é traçada por Sarlet85: “não se cuida mais, portanto, de liberdade do e

perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado”.

Para Kretz86, “nos direitos fundamentais de primeira dimensão,

a liberdade encontra-se como direito de defesa contra o Estado; já nos de segunda

dimensão, aparece como forma de fazer o Estado garantir certos direitos ao

individuo”.

Os direitos fundamentais da terceira dimensão, denominados

também de direitos da fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva

o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu

titular, destinando-se a proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e

caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou

difusa87.

Para Schäfer, os direitos da terceira dimensão tem por

destinatário precípuo “toda a coletividade, em sua acepção difusa, como o direito à

paz, ao meio ambiente, ao patrimônio comum da humanidade”88.

Para Sarlet89:

cuida-se, na verdade, do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância, bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas contundentes conseqüências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais.

Exemplos desses direitos são o direito à paz, ao meio

ambiente, à comunicação, à conservação e utilização do patrimônio histórico e

cultural, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento e à qualidade de vida.

85

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 57.

86 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia dos direitos fundamentais, 2005. p. 59.

87 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um dialogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p. 131.

88 SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos fundamentais, 2005. p. 32.

89 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 58.

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33

Contanto, são os direitos fundamentais, segundo Schäfer90,

entendidos a partir de diferentes dimensões, de acordo com o momento histórico no

qual são reconhecidos. Para ele, a primeira dimensão corresponde a uma dimensão

negativa de direitos fundamentais; a segunda corresponde a direitos prestacionais e

a terceira caracterizada pela dimensão difusa.

No que tange ainda a problemática das diversas dimensões

dos direitos fundamentais, é discutido ainda sobre a existência de uma quarta

dimensão, a qual, Bonavides é favorável ao seu reconhecimento, referindo esses

direitos aos de democracia, de informação e pluralismo que advém da globalização

política, que no seu entender significa universalizar os direitos fundamentais no

campo institucional91.

Sustenta Bonavides, a existência de uma quarta dimensão,

sendo esta “globalizar direitos fundamentais equivale a universalizá-los no campo

institucional” os quais, “correspondem à derradeira fase de institucionalização do

Estado social”92.

Sarlet93, quanto à existência de uma quarta dimensão, faz

referência a uma “tendência” ao reconhecimento, e complementa:

Contudo, também a dimensão da globalização dos direitos fundamentais, como formulada pelo Prof. Bonavides, longe está de obter o devido reconhecimento no direito positivo interno e internacional, não passando, por ora, de justa e saudável esperança com relação a um futuro melhor para a humanidade, revelando, de tal sorte, sua dimensão (ainda) eminentemente profética, embora não necessariamente utópica, o que, aliás, se depreende das palavras do próprio autor citado, para quem, os direitos de quarta dimensão “compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão-somente com eles será legítima e possível a globalização política”.

90

SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos fundamentais, 2005. p. 39.

91 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 2006. p. 571.

92 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 2006. p. 571.

93 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 61.

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34

Tratando para a Ciência Jurídica, do desafio dos novos direitos,

baseado nos ensinamentos de Bobbio, Oliveira Junior94, sob a existência de uma

quinta “geração” de direitos, apresenta um entendimento individualizado, isto no que

concerne aos direitos em geral e não aos direitos fundamentais.

Em relação às primeiras gerações, não haveria distinções,

contudo, no que concerne à quarta “geração”, Oliveira Junior consagra-os como

“direitos de manipulação genética, relacionados a biotecnologia e bioengenharia, e

que tratam de questões sobre a vida e a morte, sobre a cópia de seres humanos, e

que requerem uma discussão ética prévia”95.

Quanto aos direitos de quinta dimensão, “geração” como é

denominada pelo autor, seriam os:

Direitos da realidade virtual, que nascem do grande desenvolvimento da cibernética na atualidade, implicando no rompimento das fronteiras tradicionais, estabelecendo conflitos entre países com realidades distintas, via Internet, por exemplo96.

Schäfer97 elucida que o conteúdo dos direitos é mais

importante do que o reconhecimento, podendo os direitos fundamentais ser

classificados de acordo com “as respectivas afinidades, o que somente pode ser

percebido a partir do estudo criterioso dos conteúdos dos diversos direitos”. Essa

distinção poderá ser efetuada, conforme Vieira de Andrade98, entre direitos de

defesa, direitos de participação política e direitos a prestações, sendo os direitos

separados pelo modo de proteção.

Levando-se em consideração o acima explanado, ressalta-se

às observações de Sarlet99, dispondo que “os direitos fundamentais nasceram como

94

OLIVEIRA JÚNIOR José Alcebíades de. Teoria jurídica e novos direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 99-108.

95 OLIVEIRA JÚNIOR, José Alcebíades de. Teoria jurídica e novos direitos, 2000. p. 100.

96 OLIVEIRA JÚNIOR, José Alcebíades de. Teoria jurídica e novos direitos, 2000. p. 100.

97 SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos fundamentais, 2005. p. 40.

98 ANDRADE. José Carlos Viera de. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976, 2006. p. 178.

99 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 66.

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direitos naturais e inalienáveis do homem, sob o aspecto da expressão de sua

condição humana” e, portanto:

Os direitos da primeira, da segunda e da terceira dimensões (assim como os da quarta, se optarmos pelo seu reconhecimento), consoante lição já habitual na doutrina, gravitam em torno dos três postulados básicos da Revolução Francesa, quais sejam, a liberdade, a igualdade e a fraternidade, que, considerados individualmente, correspondem às diferentes dimensões.

Mantendo-se na linha de raciocínio, compartilha-se o

entendimento de Sarlet, qual verifica que parte destes direitos fundamentais,

excetuando os de titularidade coletiva e difusa, corresponde, em processo de

reivindicação e desenvolvimento, a facetas deduzidas do princípio da dignidade da

pessoa humana encontrando-se intimamente vinculados à idéia de liberdade-

autonomia e da proteção da vida e outros bem fundamentais contra ingerências

estatais e particulares.

Nas palavras do autor:

Com efeito, cuida-se, no mais das vezes, da reivindicação de novas liberdades fundamentais, cujo reconhecimento se impõe em face dos impactos da sociedade industrial e técnica deste final de século. Na sua essência e pela sua estrutura jurídica de direitos de cunho excludente e negativo, atuando como direitos de caráter preponderantemente defensivo, poderiam enquadrar-se, na verdade, na categoria dos direitos da primeira dimensão, evidenciando assim a permanente atualidade dos direitos de liberdade, ainda que com nova roupagem e adaptados às exigências do homem contemporâneo100.

Por adoção a esse entendimento, não se torna possível a

enumeração dos direitos fundamentais relacionados às relações jurídicas entre

particulares, trabalhando, portanto, para fins desse trabalho, com a exclusão dos

direitos fundamentais que não se vinculam com a pesquisa.

Com isso, primeiramente, excluem-se aqueles que possuem,

exclusivamente, como destinatários órgãos estatais, quais sejam, direitos políticos,

de nacionalidade, garantias fundamentais processuais, direitos de asilo, não-

extradição, dentre outros.

100

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 60.

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36

É necessário tornar claro, que a vinculação das relações aos

direitos fundamentais, somente pode ser considerada consoante aos que não

possuem como destinatário exclusivo os órgãos estatais101.

1.5 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Os direitos fundamentais na Magna Carta estão previstos a

priori, mas de maneira não exclusiva, no Título II, Dos direitos e garantias

individuais, assim divididos: direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º); direitos

sociais (arts. 6º; 7º; 8º; 9º; 10 e 11); direitos de nacionalidade (arts. 12 e 13); direitos

políticos (arts. 14; 15 e 16); e partidos políticos (art. 17). Ressalta-se, porém, que

outros direitos fundamentais encontram-se espalhados pelo texto constitucional, não

somente constante no Título II, tal como, meio ambiente entre outros.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

trouxe inúmeras inovações para a vida política brasileira, uma verdadeira

redemocratização, uma vez que o país vinha de um longo período e processo de

ditadura militar.

É possível, segundo Sarlet102, afirmar-se que essas inovações,

também percebidas no que concerne à relação e organização dos direitos

fundamentais, pela primeira vez na história do constitucionalismo pátrio, a matéria foi

tratada com a merecida relevância, além disso, a inédita outorga do “status jurídico”

que lhe é devida.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

atribui-se três características importantes, podendo considerá-las extensivas ao

título direitos fundamentais, nomeadamente seu caráter analítico, seu pluralismo e

ser forte cunho programático e dirigente.

O caráter analítico dá-se em face ao grande número de

dispositivos legais, especificadamente seus 246 artigos e 74 disposições finais

101

KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 61.

102 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 75.

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transitórias103. A analiticidade, segundo Kretz104, também se verifica pela análise da

quantidade de artigos para o detalhamento e numeração dos direitos fundamentais,

usados pelo constituinte, totalizando sete artigos, seis parágrafos e cento e nove

incisos, isso não estando computados os demais direitos fundamentais que se

localizam de forma esparsa no texto constitucional.

Ainda na visão de Kretz, uma constituição é caracterizada

como sendo analítica quando, “além das normas essenciais de organização e

funcionamento do Estado e das normas de garantias e direitos fundamentais,

apresenta em seu texto um detalhamento maior e dispositivos que poderiam ser

tratados por normas infraconstitucionais”105.

Assim, menor será a possibilidade de mudanças informais,

quanto maior o detalhamento do texto constitucional, prevalecendo quanto as

mudanças os processos formais, que, no caso de uma Constituição rígida como a

brasileira, ocorrem somente através de emendas, as quais obedecem a um

processo rigoroso de alteração parlamentar (revisão e reforma), conjuntamente com

critérios específicos para atuação do constituinte derivado, tal quais, quórum para

aprovação, competência restrita, limites temporais, circunstancias e materiais.

Ao analisar o aspecto analítico da Constituição de 1988,

Sarlet106 salienta que o

procedimento analítico do Constituinte revela certa desconfiança em relação ao legislador infraconstitucional, além de demonstrar a intenção de salvaguardar uma série de reivindicações e conquistas contra uma eventual erosão ou supressão pelos Poderes constituídos.

O pluralismo denota-se basicamente do seu caráter

compromissário, uma vez que o Constituinte, na redação final dada ao texto, optou

por acolher e conciliar posições e reivindicações nem sempre afinadas entre si,

103

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 77.

104 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 67.

105 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 68.

106 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 77.

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resultantes das fortes pressões políticas exercidas pelas diversas tendências

envolvidas no processo Constituinte. O pluralismo aplicado aos direitos

fundamentais não aderiu nem se restringiu a apenas uma teoria dos direitos

fundamentais, tendo profunda reflexos na formatação do catálogo de direitos

fundamentais, reunindo dispositivos reconhecendo uma grande gama de direitos

sociais, ao lado dos clássicos, e de diversos novos direitos de liberdade e direitos

políticos107.

Outro aspecto inovador na Constituição de 1988, para Kretz108,

é o fato da Constituição, bem no início do texto, ou seja, após o preâmbulo e os

princípios fundamentais, apresentar o principal rol de direitos fundamentais.

O cunho programático e dirigente, resulta do grande número de

disposições constitucionais, dependentes de regulamentação legislativa,

estabelecendo programas, fins, imposições e diretrizes a serem perseguidos,

implementados e assegurados pelos poderes públicos109.

O fato da Constituição de 1988, em seu texto, apresentar

direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira dimensão, não obstante o

direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225), que se situa fora do

título de direitos fundamentais, sendo entendido como de terceira dimensão110.

A quantidade, aumento sem precedentes de direitos

fundamentais expressamente protegidos pela Constituição de 1988 e a consagração

de cláusulas pétreas, entre as quais se encontram os direitos fundamentais, também

merecem destaque no entender de Kretz111.

107

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 77.

108 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 68.

109 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 78.

110 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 69.

111 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 69.

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39

No que concerne aos direitos fundamentais, outro aspecto de

fundamental importância para Sarlet112, diz respeito ao fato de nossa Magna Carta,

ter sido precedida por um período marcado pela forte dose de autoritarismo, que

caracterizou a ditadura militar, que vigorou no país por 21 anos.

Importante a constatação, para Sarlet113, que os direitos

fundamentais das duas últimas dimensões, para ele, terceira e quarta, em nossa

Constituição, reclamam uma atenção maior, “o que não significa que inexistam

possibilidades de seu reconhecimento e efetivação, que poderia dar-se também

(mas não só) por intermédio da cláusula de abertura propiciada pelo art. 5, § 2º, da

CF”.

Como uma das principais fraquezas, aspectos negativos dos

direitos fundamentais, Sarlet114 destaca, primeiramente a falta de rigor científico e de

uma técnica legislativa adequada, no que diz respeito à terminologia utilizada, uma

vez que, não é uniforme no texto constitucional, o uso da terminologia “direitos

fundamentais”. No texto normativo, observa-se também uma lacuna, ante as

restrições aos direitos fundamentais, pela ausência de previsão de normas

genéricas expressas, tema que é abordado em um próximo subtítulo.

1.6 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO DA

REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Uma tentativa de classificação sistemática, analisando o

catálogo de direitos fundamentais, calcada em critérios objetivos e funcionais, para

Sarlet115 “revela-se como sendo extremamente problemática e complexa”, as quais,

segundo ele, decorrem em razão da “diversidade de funções exercidas pelos direitos

fundamentais, de sua distinta e complexa estrutura normativa, bem como das

especificidades de cada ordem constitucional”.

112

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 78.

113 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 80.

114 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p.81.

115 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 186.

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40

À luz do direito constitucional positivo brasileiro, em relação a

problemática classificação dos direitos fundamentais, esbarram nas peculiaridades

mais comuns na doutrina os critérios classificatórios, verificando-se a dificuldade em

utilizar-se. Além disso, não contribui para a facilitação do trabalho, a ausência de

sistematicidade e, em muitos casos, a precária técnica legislativa do nosso texto

constitucional116.

Outro aspecto que dificulta ainda uma classificação dos direitos

fundamentais na Constituição pátria vigente, é o fato para Kretz, de que “embora os

direitos do artigo 6º da CRFB/88 estabeleçam direitos sociais a todos os brasileiros,

os artigos 7º a 11 da CRFB/88 já estabelecem direitos sociais direcionados a um

certo grupo, qual seja, os trabalhadores”117.

Não existe doutrinariamente portanto, um conceito uniforme da

classificação dos direitos fundamentais. Alguns constitucionalistas usam como

critério classificatório o das dimensões ou gerações de direitos fundamentais, é o

caso de Moraes118, que assim os classifica em liberdades públicas (primeira

geração), direitos sociais (segunda geração), direitos de solidariedade ou

fraternidade (terceira geração).

A classificação que decorre do nosso Direito Constitucional,

segundo Afonso da Silva119, “é aquela que os agrupa com base no critério de seu

conteúdo, que, ao mesmo tempo, se refere à natureza do bem protegido e do objeto

de tutela”.

Baseando-se nisso, classifica-os em cinco grupos: 1) direitos

individuais (art. 5º); 2) direitos à nacionalidade (art. 12); 3) direitos políticos (art. 14 a

17); 4) direitos sociais (arts. 6º e 193 e ss.); e 5) direitos coletivos (art. 5º) 120.

116

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 187.

117 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 70.

118 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 26.

119 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 2007. p. 182.

120 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 2007. p. 184.

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Dentre os diversos critérios classificatórios encontrados na

doutrina, preleciona Sarlet, que alguns podem ser excluídos de plano, dentre esses,

a classificação efetuada na distinção entre direitos de liberdade e igualdade, a qual

peca pela incompletude, uma vez que não abrange, esgota a totalidade dos direitos

fundamentais121. Faz alusão ainda, a classificação lusitana, que é dividida em dois

grandes grupos formados, os direitos, liberdades e garantias, e pelos direitos

econômicos, sociais e culturais122.

Revela-se desde já viável por Sarlet, uma classificação que

distingue entre direitos fundamentais escritos ou expressamente positivados, na

Constituição ou em tratados internacionais, e os direitos fundamentais não-escritos,

implícitos ou decorrentes do regime e dos princípios123. Proposta essa embasada e

fundamentada no direito constitucional positivo, especificadamente no art. 5º, § 2º,

da CRFB/88, que garante além dos direitos e garantias expressos na Constituição,

“outros decorrentes do regime e dos princípios adotados, bem como os tratados

internacionais que a República Federativa do Brasil faça parte”124.

Baseando-se no entendido de Alexy, Sarlet125, entendendo que

uma classificação constitucionalmente adequada dos direitos fundamentais, baseia-

se na distinção entre dois grandes grupos: os direitos fundamentais na condição de

direitos de defesa e os direitos fundamentais como direitos a prestações, esta última,

subdividida em dois subgrupos: direitos a prestações em sentido amplo, sendo os

direitos de proteção e os direitos à participação na organização e procedimento, e os

direitos a prestações em sentido estrito, direitos a prestações materiais sociais.

Visualiza-se a proposta classificatória no seguinte esquema:

1 Direitos fundamentais como direitos de defesa;

2 Direitos fundamentais como direito a prestações:

121

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 187.

122 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 188.

123 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 189.

124 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 71.

125 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 196.

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2.1 Direitos a prestações em sentido amplo:

2.1.1 Direitos à proteção;

2.1.2 Direitos à participação na organização e procedimento;

2.2 Direitos a prestações em sentido estrito.

Passa-se a discorrer acerca do esquema classificatório

proposto, utilizando-se da doutrina de Sarlet126.

Os direitos fundamentais como direito de defesa, constituem

em primeiro plano, como direitos do indivíduo contra ingerências do Estado em sua

liberdade pessoal e propriedade. Objetivam a limitação do poder estatal,

assegurando ao indivíduo a eliminação de agressões em sua esfera de autonomia

pessoal. Consigna-se que essa limitação ou função defensiva, não implica na total

exclusão do Estado, mas sim, a formalização e limitação da intervenção estatal,

determinando a determinados interesses pessoais, seu dever de respeito.

Salienta-se, que os direitos de defesa não se limitam aos

direitos gerais de liberdades e igualdades, mas sim, abrangem ainda, diversas

posições jurídicas de direitos fundamentais que objetivam proteger o indivíduo

contra ingerências dos poderes públicos. Contando, além dos clássicos direitos de

defesa da matriz liberal-burguesa, incorpora-se significativamente uma quantidade

expressiva de novas manifestações desses direitos de defesa, dentre eles, à

liberdade de informática, manipulação genética, transplante de órgãos, sendo

igualmente enquadradas a maior parte dos direitos políticos, das garantias

fundamentais e parte dos direitos sociais.

Dessa forma, em relação aos direitos e garantias individuais e

coletivos consagrados, embora usuais na doutrina pátria, principalmente os

elencados no artigo 5º da CRFB/88, segundo Kretz127, se fazem necessárias certas

ressalvas em relação a esse posicionamento.

126

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 197-241.

127 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 72.

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43

Primeiramente, embora os direitos de liberdade também sejam

direitos individuais, é de se destacar segundo a autora, que muitos possuem

acentuada dimensão social, citando como exemplo o direito de propriedade, sua

função social, configurada na CRFB/88, de maneira diversa do tempo do liberalismo,

época em que se atribuía a ela, caráter egoístico. Sendo assim, encontra-se

afastada a dimensão exclusivamente individualista, em virtude da propriedade na

Constituição brasileira vigente possuir determinação social128.

Num segundo momento, em sua doutrina, posto que

equivocada, deve-se relevar a identificação dos direitos sociais como sendo direitos

coletivos ou institucionais, tendo em vista que acima de tudo, os direitos sociais são

outorgados à pessoa individual, ou seja, são aqueles direitos concedidos ao

indivíduo de acordo com sua posição concreta na comunidade; um típico exemplo

citado é o do artigo 7º da CRFB/88129.

Em razão de sua natureza mista, no tocante aos direitos

políticos, onde grande parte, ressalvadas suas características prestacionais, tendo

em vista que não podem ser desvinculados dos direitos de liberdade, fato que Kretz,

entende ser perfeitamente observável através da análise da intima vinculação entre

os direitos políticos e as liberdades de associação, reunião, imprensa e de

comunicação, podem ser eles, os direitos políticos, classificados como direitos de

defesa130.

Em outro ponto, no que concerne às garantias fundamentais,

como já dizia Ruy Barbosa, que uma coisa são os direitos, outra as garantias

devendo separar “no texto da lei fundamental, as disposições meramente

declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e

as disposições assecuratórias, que são as que em defesa dos direitos, limitam o

128

KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 72.

129 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 72.

130 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 72.

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44

poder”131. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias, não sendo nítidas,

porém, as linhas divisórias entre direitos e garantias.

Estas garantias fundamentais são autênticos direitos

subjetivos, estando ligadas aos direitos fundamentais por assegurarem ao indivíduo

a possibilidade de exigir dos poderes públicos o respeito e a efetivação destes132.

Utilizando-se da lição de Rui Barbosa, Afonso da Silva133

escreve que as garantias dos direitos fundamentais dividem-se em dois grupos:

1 Garantias gerais: destinam-se a assegurar a existência e a

efetividade (eficácia social) daqueles direitos, as quais “se referem à organização da

comunidade política, e que poderíamos chamar condições econômico-sociais,

culturais e políticas que favorecem o exercício dos direitos fundamentais”; o

“conjunto dessas garantias gerais formará a estrutura social que permitirá a

existência real dos direitos fundamentais”;

2 Garantias constitucionais: consistem nas instituições,

determinações e procedimentos mediante os quais a própria Constituição tutela a

observância ou, em caso de inobservância, a reintegração dos direitos

fundamentais.

Sendo essa última, subdividida em:

2.1 Garantias constitucionais gerais: “que são as instituições

constitucionais que se inserem no mecanismo de freios e contrapesos dos poderes

e, assim, impedem o arbítrio, com o que constituem, ao mesmo tempo, técnicas de

garantias e respeito aos direitos fundamentais; são garantias gerais precisamente

porque consubstanciam salvaguardas de um regime de respeito à pessoa humana

em toda a sua dimensão”.

2.2 Garantias constitucionais especiais: “são prescrições

constitucionais estatuindo técnicas e mecanismos que, limitando a atuação dos

131

BARBOSA apud SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 2007. p. 186.

132 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 211.

133 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 2007. p. 188-189.

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órgãos estatais ou de particulares, protegem a eficácia, a aplicabilidade e a

inviolabilidade dos direitos fundamentais de modo especial; são técnicas

preordenadas com o objetivo de assegurar a observância desses direitos

considerados em sua manifestação isolada ou em grupos”.

A CRFB/88, em seu texto consagrou diversos enunciados

normativos que contém garantias, além disso, fundamentam também posições

jurídicas subjetivas e autônomas, direitos-garantias. Sendo observável para Kretz,

no artigo 5º, onde grande parte dos dispositivos enquadra-se nessa categoria, sendo

por essa razão, muitas vezes, difícil identificar se determinado enunciado normativo

da constituição é um direito fundamental ou uma garantia134.

A contraposição clássica e bem atual, dos direitos

fundamentais, pela sua estrutura, sua natureza e pela sua função, em direitos

propriamente ditos ou direitos e liberdades, por um lado, e garantias, por outro lado,

assim descritos por Miranda135:

Os direitos representam só por si certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são principais, as garantias são acessórias e, muitas delas, adjectivas (ainda que possam ser objecto de um regime constitucional substantivo); os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se directa e imediatamente, por isso, nas respectivas esferas jurídicas, as garantias só nelas se projectam pelo nexo que possuem com os direitos; na acepção jusnaturalista inicial, os direitos declaram-se, as garantias estabelecem-se.

Já os direitos fundamentais de prestação, enquadram-se como

direitos de segunda dimensão, quais sejam, os direitos sociais, não contrapõe ao

acima afirmado, tendo em vista que uma parcela desses direitos sociais é entendida

como direitos de defesa.

Os direitos fundamentais, conforme já exposto, subdividem-se

em prestacionais, em sentido estrito (direito a prestações materiais sociais); e

prestacionais, em sentido amplo pelo direito (direitos de proteção e participação na

organização e procedimento), este último, reportado primordialmente ao Estado,

134

KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 73.

135 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. tomo IV: direitos fundamentais. 3. ed. rev. e

atual. Coimbra: Coimbra Editora, 2000. p. 95.

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assegurando ao indivíduo o direito de exigir deste, Estado, proteção contra a

ingerência de terceiros em determinados bens pessoais.

Para Sarlet136, verifica-se que os direitos a prestações em

sentido amplo e estrito, ou seja, de modo geral se encontram:

a serviço de uma concepção globalizante e complexa do ser humano e de sua posição no e perante o Estado, que justamente parte do pressuposto de que a proteção da igualdade e da liberdade apenas faz sentido quando não limitada a uma dimensão meramente jurídico-formal, mas, sim, enquanto concebida como igualdade de oportunidades e liberdade real de exercício da autonomia individual e da efetiva possibilidade de participação na formação da vontade estatal e nos recursos colocados à disposição da comunidade.

O objeto desses direitos de proteção, segundo Sarlet, não se

restringem somente à proteção à vida e à integridade física, mas de tudo que se

encontra sob a proteção dos direitos fundamentais, tal qual, dignidade da pessoa

humana, liberdade, propriedade etc.

Os direitos de participação na organização e procedimento

encontram-se vinculados aos desdobramentos da perspectiva jurídico-objetiva dos

direitos fundamentais, isto porque estes são, de certa forma, dependentes da

organização e do procedimento, como também servem de parâmetro para

estruturação organizatória e procedimental, bem como diretrizes para a aplicação e

interpretação das normas procedimentais137.

Os prestacionais em sentido estrito são “direitos reportados à

atuação dos poderes públicos como expressão do Estado Social (no sentido de

criação, fornecimento, mas também de distribuição de prestações materiais já

existentes”138.

Os direitos fundamentais sociais a prestações, diversamente

dos direitos de defesa, para Sarlet139:

136

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 221.

137 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 74.

138 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 222.

139 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 232.

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47

objetivam assegurar, mediante a compensação das desigualdades sociais, o exercício de uma liberdade e igualdade real e efetiva, que pressupõem um comportamento ativo do Estado, já que a igualdade material não se oferece simplesmente por si mesma, devendo ser devidamente implementada.

Assim, reforça-se o entendimento, com base no exposto, que

não é possível individualizar, nem mesmo caracterizar um grupo de direitos

fundamentais a ser estudado, em decorrência dos desdobramentos e exceções que

o permeiam, dificultando sua classificação.

O que se torna possível é destacar dentro da pesquisa, quais

direitos fundamentais serão excluídos da temática, aqueles não oponíveis as

relações privadas, aos particulares, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, sendo,

portanto, excluídos dos direitos fundamentais que possuem extrema ligação com os

órgãos públicos, melhor dizendo, o único e exclusivo destinatário, tais direitos como

de nacionalidade, políticos, garantias fundamentais processuais dentre outros. Isto

porque, a vinculação das relações entre particulares aos direitos fundamentais, só

pode ser considerada segundo Kretz140 “consoante aos direitos fundamentais que

não possuem como destinatário exclusivo os órgãos estatais”.

1.7 DAS RESTRIÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

É bastante complexo e importante dentro do Direito

Constitucional, o tema das restrições fundamentais dos direitos fundamentais,

porque através do estudo e análise das suas restrições, ponderando seus valores,

poderão encontrar-se soluções para os conflitos entre direitos constitucionais.

Nos dizeres de Canotilho141, “as leis restritivas de direitos

<diminuem> ou limitam as possibilidades de acção garantidas pelo âmbito de

protecção de norma consagradora desses direitos e a eficácia de proteção de um

bem jurídico inerente a um direito fundamental”.

140

KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 75.

141 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1276.

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A limitação de direitos fundamentais, segundo Hesse142,

determina o alcance material do respectivo direito, e o limite de cada direito

fundamental está onde termina o alcance material deste.

Para apreender o pleno alcance das restrições, tem-se

começar por fazer algumas distinções, entre restrição e limite ao exercício de

direitos. A restrição, segundo Miranda143, tem haver com o direito em si, com sua

extensão objetiva, afetando certo direito, envolvendo a sua compreensão, ou em

outro prisma, a amputação de faculdades que antecipadamente estariam nele

compreendidas, fundando-se em razões específicas. O limite ao exercício de direitos

contende com a sua manifestação, como o modo que se exterioriza através da

prática do seu titular, reportando-se a quaisquer direitos, decorrendo de razões ou

condições de caráter geral.

Para Canotilho144, o conceito de restrição reconduz-se, nuns e

noutros direitos, “a uma afectação desvantajosa de direitos ou liberdades

juridicamente protegidos”. Significativa parte da doutrina civilista ou constitucionalista

reconhece a existência de duas teorias: teoria interna (justifica pontos de partida na

problemática das restrições, ou ingerência de direitos, e teoria externa (procura

dissociar direitos e restrições).

A teoria interna parte das seguintes premissas: 1) os direitos e

os respectivos limites são imanentes a qualquer posição jurídica; 2) o conteúdo

definitivo de um direito é, precisamente, o conteúdo que resulta desta compreensão

do direito <nascido> com limites; 3) o âmbito de proteção de um direito é o âmbito

de garantia efetiva desse direito. Por sua vez, a teoria externa para o autor, propõe o

seguinte esquema: 1) os direitos e as restrições são dimensões separadas; 2) as

restrições são sempre <desvantagens> impostas externamente aos direitos; 3) o

âmbito de proteção de um direito é mais extenso do que a garantia efetiva, porque

142

HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, 1998. p. 250.

143 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, 2000. p. 329.

144 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais, Coimbra: Coimbra Editora, 2004. p. 194.

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aos direitos sem restrições são apostos limites que diminuem o âmbito inicial de

proteção145.

Imprescindível se faz para compreensão e estudo das

restrições, a adoção de uma sistemática de limites, de espécies existentes de

restrições. Reconhecendo outras, como a de Alexy, usa-se no presente estudo a

sistemática de Canotilho146, o qual apresenta uma subdivisão das restrições

indiretamente constitucionais, ressaltando três modalidades: restrições

constitucionais diretas ou imediatas, restrições estabelecidas por lei, expressamente

autorizadas pela Constituição, e os limites imanentes ou implícitos.

Segundo Hesse, a tarefa das limitações é a coordenação dos

direitos de liberdade e outros bens jurídicos. Contudo, quando o alcance material

das determinações protetivas de liberdades jurídico-fundamentais e de outros bens

jurídicos cruzaram-se ou colidirem uma com a outra, a limitação de direitos

fundamentais torna-se produção de concordância prática, sendo que, a

concordância prática requer a coordenação proporcional de direitos fundamentais e

bens jurídicos na interpretação das limitações, nunca devendo essa interpretação

proporcional, ser efetuada de uma forma que prive uma garantia jurídico-

fundamental mais do que o necessário.

A limitação de direitos fundamentais, por conseguinte, deve ser

adequada para produzir a proteção do bem jurídico pelo qual é efetuada,

resguardando relação entre o peso e o significado do direito fundamental147.

Como abordado acima, e por ser a sistematização de Canotilho

mais didática, far-se-ão esclarecimentos aos três tipos de restrições apresentadas.

1.7.1 As restrições constitucionais diretas ou imediatas

As restrições constitucionais imediatas “são positivadas pelas

próprias normas constitucionais garantidoras de direitos”148.

145

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais, p. 201-202.

146 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 2003. p. 1276.

147 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, 1998. p. 255-256.

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50

Já que é concedida e efetuada pelo mesmo órgão político,

essa é, para Schäfer149, a forma mais legítima de restrição de um direito

fundamental.

Estruturalmente, esse tipo de norma é conjuntamente “normas

de garantia e normas limitativas de direitos”, isto porque, “estes limites ou restrições

imediatamente criados pelas normas constitucionais conexionam-se intrinsecamente

com a norma de garantia”150, sendo que a partir dessa conexão, se deduzirá a

efetiva amplitude desse direito.

Sobre o estudo do tema, se faz necessária para Alexy151, a

distinção entre restrição e a cláusula restritiva, correspondendo a primeira à

perspectiva de direito, e a segunda à perspectiva da norma, sendo a esta parte da

norma de direito fundamental completa que estabelece os critérios de restrição,

podendo ser expressas quanto tácitas.

As expressas, no seu entendimento, são as restrições diretas e

não se caracterizam por restrições de direitos fundamentais e sim disposições

diretamente constitucionais do alcance concreto da garantia de um direito

fundamental.

Como exemplos de restrições dos direitos fundamentais na

CRFB/1988152, destacam-se:

Liberdade de manifestação (art. 5º, inciso IV):

Inviolabilidade de domicílio (art. 5º, inciso XI):

Liberdade de associação (art. 5º, inciso XVII):

148

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 2003. p. 1276.

149 SCHÄFER, Jairo Gilberto. Direitos fundamentais: proteção e restrições. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 93.

150 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 2003. p. 1277 e 1278.

151 ALEXY, Robert apud KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 77.

152 SCHÄFER, Jairo Gilberto. Direitos fundamentais, 2001. p. 93-97.

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51

Direito de propriedade (art. 5º, inciso XXII):

Direito de não prisão civil por dívida (art. 5º, inciso LXVII):

Contanto, nas restrições diretas, simultaneamente a

Constituição concede um direito fundamental e impõe uma amplitude com suas

possíveis limitações e as condições do seu exercício.

1.7.2 As restrições estabelecidas por lei: reserva de lei

Podem existir tais restrições para Canotilho153 “quando os

preceitos garantidores de direitos, liberdades e garantias admitem, de forma

expressa, a possibilidade de restrições destes através da lei (reserva da lei

restritiva)”.

Estabelecem-se limitações aos direitos fundamentais,

necessariamente para que a Constituição uma determinação obrigatória com

abertura necessária, para satisfazer as mais diversas condições que se transformam

e surgem. Como essa tarefa nem sempre pode ser resolvida pela Constituição

mesma normalizar todas as limitações necessárias as diversas condições, ela é

incumbida ao legislador154.

A estrutura da norma constitucional da reserva da lei restritiva

ou restrições estabelecidas por lei é conjuntamente uma norma de garantia, pois

reconhece e garante proteção a direito fundamental, como da mesma forma uma

norma de autorização de restrições, uma vez que autoriza o legislador a estabelecer

limites no âmbito de proteção constitucional155.

A própria constituição faz menção da limitação, possibilidade

de ocorrer a um direito fundamental, sendo estabelecida por lei infraconstitucional,

tendo como função:

153

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 2003. p. 1277.

154 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, 1998. p. 254.

155 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 2003. p. 1278.

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Limitar estabelecendo requisitos e pressupostos ao seu

cumprimento o âmbito de concretização do direito fundamental;

A realização entre o enunciado constitucional e o efetivo

exercício do direito pelo titular por mediação legislativa156.

Apontam-se como exemplos expressos de reserva da lei

restritiva no texto da CRFB/88157:

1 Liberdade de ação (art. 5º, inciso II):

2 Liberdade de exercício de trabalho (art. 5º, inciso XIII):

3 Direito s propriedade imaterial (art. 5º, inciso XXVII):

4 Direito ao civilmente identificado a não sujeição à

identificação criminal (art. 5º, inciso LVIII):

5 Direito à licença-paternidade (art. 7º, inciso XIX):

6 Garantia à mulher ao mercado de trabalho (art. 7º, inciso XX):

Uma vez que, na maioria das vezes, somente apresentam-se

maiores especificações aos direitos fundamentais e não limitações à sua

concretização, nem toda intervenção legislativa a algum direito fundamental,

importará reserva da lei restritiva.

1.7.3 Os limites imanentes ou restrições constitucionais não escritas

Afirma Hesse158, que em consequência do significado que para

os particulares e para toda ordem da coletividade, possuem os direitos

156

SCHÄFER, Jairo Gilberto. Direitos fundamentais, 2001. p. 98.

157 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 79-80.

158 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, 1998. p.

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fundamentais, é importante levar a sério a Constituição escrita, isto tanto mais

quanto a Constituição já normaliza de forma expressa e individualiza as restrições.

Dessa maneira, é imprescindível uma cautela especial quanto à aceitação das

limitações dos direitos fundamentais não-escritas.

Os limites imanentes, na assertiva de Canotilho, justificam-se

na existência de limites originários ou primitivos, como tais: limites constituídos por

direitos dos outros; limites de ordem social; limites éticos; havendo ainda, uma

cláusula da comunidade, pela qual os direitos, liberdades e garantias sempre

estariam limitados, quando bens jurídicos necessários a comunidade fossem

expostos a perigo, afirmando:

Esta posição merece sérias reticências. Transferindo a possibilidade de restrições para direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados sem qualquer <reserva de restrições>, correr-se-ia o risco de, a pretexto de se garantirem os <direitos dos outros>, as <exigências de ordem social> ou de <ordem ética>, se colocar de novo os direitos, liberdades e garantias na disposição limitativa do legislador159.

Deve-se considerar, no entanto, segundo Kretz160, que os

direitos constitucionais, entre si estabelecem relação de convivência e de

preservação de seu núcleo essencial, para garantir o exercício harmônico de todas

as posições jurídicas da Constituição.

Para Schäfer161, é em razão dessa convivência entre os

direitos fundamentais que surge a hipóteses dos limites imanentes.

A cautela de que somente por lei pode-se regular o exercício

dos direitos fundamentais, constitui uma garantia contra possíveis ameaças

provenientes do administrador. Desta maneira, a exigência de que a lei que intervir

no âmbito dos direitos fundamentais terá que respeitar o núcleo essencial, esta

endereçada contra abusos possíveis decorrentes de competência constitucional

250.

159 CANOTILHO, José Joaquim Gomes de. Direito constitucional e teoria da constituição, 2003. p. 1280.

160 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 81.

161 SCHÄFER, Jairo. Direitos fundamentais, 2001. p. 76.

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atribuída ao legislador para regulamentação do exercício dos direitos fundamentais,

evitando assim, que a defesa do núcleo essencial fique à mercê do legislador162.

Contanto, por se tratar de um conceito jurídico indeterminado,

sendo controvertida sua definição, defrontando-se algumas concepções, teorias.

Teorias quanto ao valor do núcleo essencial: „teoria absoluta‟

consistiria um núcleo individual para cada direito intangível determinado em

abstrato163; e „teoria relativa‟, a qual Alexy é adepto e no seu entender, a garantia do

núcleo essencial, após uma ponderação, equivale ao respeito do princípio da

proporcionalidade164.

Teoria quanto ao sujeito: „teoria objetiva‟ para quem a proteção

do núcleo refere-se à uma proteção geral e abstrata; e a „teoria subjetiva‟

entendendo o núcleo referir-se a um direito fundamental particular165.

Sobre as restrições, assevera Miranda166, que sejam elas

explicitas ou implícitas, reconduzem-se a dois grandes tipos ou razões de ser: 1º) à

conjugação dos direitos, liberdades e garantias entre si com outros direitos

fundamentais; 2º) à conjugação com princípios objetivos, institutos e interesses ou

valores constitucionais de outra natureza.

Para Miranda167, o núcleo essencial funciona como um limite

absoluto, pois:

Afigura-se que para, realmente, funcionar como barreira última e efectiva contra o abuso do poder, como barreira que o legislador, seja qual for o interesse (permanente ou conjuntural) que prossiga, não deve romper, o conteúdo essencial tem de ser entendido como um limite absoluto correspondente à finalidade ou ao valor que justifica o direito.

162

FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1996. p. 78.

163 ANDRADE, José Carlos Viera de. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976, 2006. p. 304.

164 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos, 1996. p. 80.

165 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos, 1996. p. 80.

166 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, 2000. p. 334.

167 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, 2000. p. 341.

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55

Hesse168 elucida que uma vez protegido o núcleo dos direitos

fundamentais, indiferente a teoria adotada, deve-se coordenar proporcionalmente

direitos a liberdade e a outros bens jurídicos, bem como direitos fundamentais, na

medida em que as determinações protegem ambos, uma colisão em seu alcance

material, limitação de direitos fundamentais, é „concordância prática‟.

Desse modo, imprescindível se faz a aplicação da ponderação

para dirimir conflitos de direitos fundamentais, considerando as especificidades do

caso concreto, ou seja, a ponderação de valores solucionará conflitos de direitos

fundamentais no caso concreto.

Para uma maior compreensão desta temática faz-se

necessária a abordagem da vinculatividade dos direitos fundamentais nas relações

jurídicas entre os particulares, objeto de estudo do segundo capítulo desta pesquisa.

168

HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, 1998. p. 255.

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Capítulo 2

EFICÁCIA E VINCULATIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O termo eficácia sem dúvidas engloba uma série de aspectos

problemáticos, inclusive quanto à própria utilização do termo eficácia, bem como, os

sentidos que a este podem ser designados. Em virtude da temática adotada neste

estudo, abordar-se-á a problemática da eficácia dos direitos fundamentais na

CRFB/1988, a qual indubitavelmente não poderá ser exaurida nesse trabalho.

De acordo com o estipulado no § 1º, art. 5º da CRFB/1988, “As

normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata”.

Nessa seara, tal princípio faz referência a todas as normas de direitos fundamentais,

tanto direitos a prestação, quanto direitos de defesa, sem relação com a sua função

e de sua positivação, abordaremos de maneira sucinta/genérica a problemática da

eficácia vinculativa.

Desde logo, verifica-se que a vontade do Constituinte foi definir

aplicação imediata as normas de direitos e garantias fundamentais, o que por si só,

já bastaria para demonstrar um tratamento diferenciado e privilegiado, que os

direitos fundamentais reclamam no âmbito das relações entre Constituição e direito

privado169.

Neste contexto, faz-se distinções entre categorias usuais

utilizadas pelos autores, sem se adentrar em maiores divergências.

Substancialmente e de maneira tradicional, a doutrina brasileira

consensualmente tem distinguido situando planos diferenciados as noções de

vigência e eficácia170. Acerca disso, tomamos paradigmática lição de Afonso da

169

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado: algumas considerações em torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (organizador). A constituição concretizada: construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 108.

170 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 246.

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Silva171, o qual entende ser a vigência um verdadeiro pressuposto da eficácia,

consistindo a vigência na qualidade da norma que a faz existir juridicamente, após

regularmente promulgada e publicada, tonando-se de observância obrigatória, pois

somente a norma vigente pode vir a ser eficaz, sendo, portanto, a vigência condição

de efetivação da eficácia.

Porém, importante lembrar a estreita correlação entre as

noções de vigência e validade, havendo quem defina a validade nas palavras de

Sarlet172 “como uma qualidade decorrente do cumprimento regular de seu processo

de formação, identificando, neste sentido, a validade com a própria existência da

norma”.

Considera-se eficácia, a

possibilidade da norma gerar os efeitos jurídicos que lhe são inerentes, não se confunde com a dimensão processual, mais propriamente ligada ao problema da efetividade, ou da eficácia social, pressupõe a vinculação jurídica dos destinatários, já que toda norma vigente, válida e eficaz implica um certo grau de vinculatividade, embora se possa discutir quem e como está vinculado173.

Distanciando-se das definições citadas, o entendimento de

Barroso174, parte da distinção entre existência (ato normativo que configuram seus

pressupostos materiais de incidência, com a presença dos elementos constitutivos

agente, forma e objeto) e validade, definindo-a como a conformação do ato

normativo aos requisitos estabelecidos pelo ordenamento jurídico no que concerne a

competência, adequação da forma, bem à licitude e possibilidade de seu objeto,

sustentando não se confundir com a vigência de uma norma, se traduzindo na sua

existência jurídica e aplicabilidade.

Para o referido autor, a eficácia dos atos jurídicos “consiste na

sua aptidão para a produção de efeitos, para a irradiação das conseqüências que

171

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 1998. p. 52.

172 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 246.

173 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 115.

174 BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 8 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 80-81.

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lhe são próprias. Eficaz é o ato idôneo para atingir a finalidade para a qual foi

gerado”.

Como mencionado anteriormente, a abordagem desse tema se

daria de maneira a não suscitar maiores divergências, por até mesmo, não encontrar

uma opinião uniforme no que diz respeito às outras definições que poderiam ser

utilizadas em relação à vigência, validade e existência da norma. Sendo assim, nos

importa apenas delimitar uma posição uniforme para este estudo.

Para isso, identifica-se a noção de existência da norma com a

de sua vigência, enaltecendo que a vigência com a validade, não se confundem

necessariamente, pois independente de sua validade, pode a norma ter entrado em

vigor, integrando o ordenamento jurídico, vindo sua posterior invalidação operar no

plano da validade, e não no de sua existência, vigência175.

Partindo da premissa de não haver dúvidas a respeito da

distinção entre a vigência e eficácia, independente do sentido a essa atribuído,

conscientes que entre as mesmas existe uma correlação dialética de

complementaridade, busca-se identificar um sentido para a expressão eficácia, que

comumente é vinculada a aplicabilidade, diferenciando as noções de eficácia jurídica

e social, fazendo algumas considerações para se adentrar no próximo tópico, aos

tipos de eficácia dos direitos fundamentais, a sua problemática.

A despeito da íntima conexão entre os conceitos, há que se

distinguir a eficácia social da norma e a eficácia jurídica, que, segundo sustenta em

sua concepção clássica Afonso da Silva176,

designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos de que cogita, dizendo nesse sentido, que a eficácia diz respeito a aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica. O alcance dos objetivos da norma constitui a efetividade.

175

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 247.

176 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 1998. p. 66.

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59

Denota-se desta concepção, que a eficácia social confunde-se

com a noção de efetividade da norma, a qual segundo Barroso177 resulta

comumente do seu cumprimento espontâneo, significando, portanto, “a realização

do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a

materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação,

tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social”.

Afonso da Silva leciona que

“eficácia e aplicabilidade são fenômenos conexos, aspectos talvez do mesmo fenômeno, encarados por prismas diferentes: aquela como potencialidade; esta como realizabilidade, praticidade. Se a norma não dispõe de todos os requisitos para sua aplicação aos casos concretos, falta-lhe eficácia, não dispõe de aplicabilidade. Esta se revela, assim, como a possibilidade de aplicação. Para que haja esta possibilidade, a norma há que ser capaz de produzir efeitos jurídicos178”.

As noções de aplicabilidade e eficácia jurídica, do que até

agora exposto, podem ser consideradas na verdade, segundo Sarlet179, “as duas

faces da moeda, na medida em que uma norma somente será eficaz (no sentido

jurídico) por ser aplicável e na medida da sua aplicabilidade. Assim, sempre que

fizermos referência ao termo „eficácia jurídica‟, fá-lo-emos abrangendo a noção de

aplicabilidade que lhe é inerente e dele não pode ser dissociada”.

Mesmo sendo as considerações até aqui expostas posição

predominante na doutrina, há de se destacar à crítica de Grau, o qual propõe revisar

e reformular as noções de eficácia e efetividade a luz da CRFB/1988, seguindo o

pressuposto de que no caso concreto, a decisão pela aplicação do Direito constitui-

se numa decisão pela sua execução, isto é, pela sua efetivação.180

Entende o mencionado autor, que a circunstância de que a

decisão pela aplicação do Direito constitui, em última análise, uma opção pela sua

efetivação, indica que não se pode confundir com o fato de que, uma vez tornado

177

BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas, 2006. p. 82-83.

178 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 1998. p. 60.

179 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 248.

180 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 273.

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60

efetivo o Direito, ou seja, aplicado ao caso concreto, venha este atingir a finalidade

contida na norma, sendo executada pelos destinatários181.

Para efeitos deste trabalho, utiliza-se as palavras de Sarlet182

para definir a eficácia jurídica, no sentido de aptidão, como a possibilidade de a

norma juridicamente existente, ou seja, vigente, ser aplicada aos casos concretos,

gerando efeitos jurídicos na medida da sua aplicabilidade, ao passo que a eficácia

social, ou efetividade, pode ser considerada como englobando tanto a decisão pela

efetiva aplicação da norma juridicamente eficaz, quanto o resultado concreto

decorrente ou não desta aplicação. Apesar de reconhecer a pertinência temática das

criticas de Eros Roberto Grau, opta-se pela concepção clássica da eficácia jurídica,

uma vez que não se pode esquecer que, a norma jurídica vigente sempre será

aplicável, gerando efeitos, independente de uma decisão em favor da aplicação do

Direito.

Por outro lado, a vinculatividade aos direitos fundamentais, das

entidades privadas bem como dos poderes públicos, a problemática acerca do tema,

por elos estreitos, encontra-se ligada à eficácia e aplicabilidade, uma vez que, a

vinculação dos direitos fundamentais, constitui uma das principais dimensões da

eficácia, suscitando questionamentos específicos além de uma sistematização

própria.

De acordo com a doutrina liberal clássica, os direitos

fundamentais limitavam-se a reger as relações públicas, contendo como um dos

seus pólos o Estado, sendo que tais direitos eram vistos como limites ao exercício

do poder estatal, não se projetando portanto no cenário das relações jurídico-

privadas183.

A opressão e a violência indiscutivelmente contra a pessoa,

não provem apenas do Estado, mas sim “de uma multiplicidade de atores privados,

presentes em esferas como o mercado, a família, a sociedade civil e a empresa, a

181

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988, 2003. p. 273 e ss.

182 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 249.

183 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil. In: BARROSO, Luis Roberto (org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 193.

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61

incidência dos direitos fundamentais na esfera das relações entre particulares se

torna um imperativo incontornável”184.

A força normativa da Constituição, não sendo mais novidade,

projeta-se sobre todo ordenamento jurídico, sendo um dos traços fundamentais do

constitucionalismo contemporâneo é a transformação de uma quantidade

indeterminada, mas enorme de assuntos que eram abordadas pelo direito civil em

matéria constitucional, tornando delicadas as fronteiras entre o direito público e

privado, pois a partir do pós-guerra a Constituição passa ser o elemento que confere

unidade ao ordenamento jurídico, continente de valores e princípios condicionantes

a todos os ramos do direito185.

É hoje a norma constitucional, fonte reguladora tanto do poder

político como da sociedade civil. A Constituição como afirma Hesse186 “não é mais

apenas a ordem jurídico-fundamental do Estado”, tendo se tornado a “ordem

jurídico-fundamental da comunidade”, pois suas “normas abarcam também as bases

de organização da vida não estatal”.

Nessa seara, entre direito constitucional e direito privado não

há limites precisos, não podendo concebê-los de maneira separadamente,

isoladamente, ou até mesmo impermeavelmente, superando a idéia de incidência

diversa entre direito constitucional e direito privado e/ou civil.

Para Sarmento187, o ponto nodal da questão consiste na busca

de uma fórmula de

compatibilização entre, de um lado, uma tutela efetiva dos direitos fundamentais, neste cenário em que as agressões e ameaças a eles vêm de todos os lados, e, do outro, a salvaguarda da autonomia privada da pessoa humana. As posições que priorizam o primeiro

184

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 193-194.

185 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares. In: BARROSO, Luis Roberto (org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.120.

186 HESSE, Konrad apud PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares, 2006. p.120.

187 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 194-195.

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aspecto tenderão a defender uma eficácia mais amplas dos direitos fundamentais entre os particulares, enquanto as que conferem um peso maior ao segundo aspecto acabarão se alinhando às teses que mitigam de forma mais marcante esta incidência.

O problema da eficácia e vinculatividade, para Kretz188 ainda

encontra resistência doutrinária quanto à incidência dos direitos fundamentais nas

relações jurídicas entre particulares, preferindo utilizar-se da concepção

unidirecional, a qual entende serem somente oponíveis os direitos fundamentais aos

poderes públicos, fundamentando-se nos direitos de liberdade consagrados pelo

Estado Liberal de Direito, entretanto, atualmente esses preceitos ante as novas

situações de poder no Estado Contemporâneo, não mais satisfazem, verificando a

tendência doutrinária no reconhecimento da existência de uma eficácia e

vinculatividade não tão-somente nas relações entre Estado e particular, mas

também nas relações jurídicas entre particulares.

2.1 TIPOS DE EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A eficácia dos direitos fundamentais, ao longo dos tempos, foi

abordada por inúmeros autores, os quais fizeram diversas classificações e

concepções acerca do tema.

Ruy Barbosa um dos idealizadores da ordem constitucional

republicana os dividiu em dois grupos: de normas auto-aplicáveis (ou auto-

executáveis) e normas não-aplicáveis (ou não auto-executáveis). No primeiro grupo,

firmou posição que as normas auto-aplicáveis seriam as que estariam aptas a gerar

efeitos uma vez que seu conteúdo encontra-se determinado, independente de

atuação do legislador189. No concernente as normas não auto-aplicáveis, uma vez

que não está revestida dos meios de ação necessários para o exercício dos direitos

outorgados ou os encargos impostos, requerendo desse medo uma atuação do

legislador para habilitar o seu exercício190.

188

KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 83.

189 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 252-253.

190 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 1998. p. 74.

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63

Neste sentido, seguidor do modelo clássico apresentado por

Ruy Barbosa, Pontes de Miranda, propõe uma terminologia diferenciada,

classificando-as pelo seu grau de completude em dois grupos também, alegando a

existência de normas bastantes em si mesmas, que para alcançarem sua eficácia,

independem de atuação legislativa, e normas incompletas, as quais reclamavam a

atuação legislativa, pois não eram bastante em si mesmas. Abrindo caminho para

novas concepções, reconheceu a existência de normas programáticas oriundas do

fracasso do liberalismo, reconhecendo certo grau de cogência, uma vez que

cerceavam a atividade do legislador, que não pode contrariar o programa

estabelecido constitucionalmente191.

As críticas a essa concepção clássica, contribuíram para uma

reformulação e apresentaram sugestões para a problemática eficácia das normas

constitucionais. Uma das mais originais nos foi apresentada por Meirelles Teixeira,

onde para ele qualquer norma constitucional alcançava um tipo de eficácia, podendo

ser considerada gradual, variando entre um mínimo e um máximo. Sugeriu a

classificação em dois grupos, os quais são normas de eficácia plena e normas de

eficácia limitada ou reduzida. As primeiras produziriam todos os seus efeitos

essenciais desde o momento da sua promulgação, incidindo direta e imediatamente

uma vez que possuem suficiente normatividade para tanto, já as demais, não

estabelecida uma normatividade suficiente, deixam total ou parcialmente essa tarefa

ao legislador, não produzindo de tal modo todos os efeitos com sua promulgação192.

Outra importante classificação foi proposta por Celso Ribeiro

de Bastos e Carlos Ayres Britto, os quais formulam sua proposta pelo critério do

modo de incidência, maneira que a norma regula a matéria, sendo divididas em

inintegráveis (ou de mera aplicação), que “encerram uma formulação jurídica do

núcleo inelástico, ou impermeável a outro querer normativo de grau hierárquico

menor”, bem como integráveis (ou de integração) sendo definidas como “regras

vocacionadas para um consórcio com a vontade legislativa inferior”. No referente a

191

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 254.

192 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 257.

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64

eficácia, podem ser classificadas em normas de eficácia parcial e normas de eficácia

plena193.

José Afonso da Silva as classifica quanto à aplicabilidade e

efeitos jurídicos das normas constitucionais em: a) normas de eficácia plena; b)

normas de eficácia contida; c) normas de eficácia limitada ou reduzida; e quanto as

partes envolvidas em a) vertical: Estado x cidadão; e, b) horizontal: cidadão x

cidadão.

No que tange seus efeitos, Maria Helena Diniz, sustenta uma

classificação em quatro grupos: a) normas com eficácia absoluta: insuscetíveis de

mudança, nem mesmo é possível alterá-la com emenda constitucional, sendo assim

intangíveis, sob pena de destruírem, ou suprimirem a própria constituição; portanto,

com eficácia reforçada em relação às normas de eficácia plena; b) normas com

eficácia plena: embora igualmente não necessite regulamentação legislativa para

gerar seus efeitos como a eficácia absoluta, incidindo diretamente sobre os

interesses, a matéria objeto de sua regulamentação, criando direitos subjetivos,

sendo, contudo, suscetíveis a emenda constitucional; c) normas com eficácia relativa

restringível: são normas de aplicabilidade imediata ou plena, os quais possuem

capacidade de gerar todos os efeitos nela previstos, contudo, sujeitas as restrições

previstas na legislação ou dependente de regulamentação ulterior, podendo a sua

eficácia vir a ser restringida; d) normas com eficácia relativa complementável ou

dependente de complementação legislativa: é de aplicação apenas mediata, pois

não possui normatividade suficiente para tanto, não sendo, deste modo, suscetível

de gerar, desde logo os seus efeitos, abrangendo as normas de princípios

institutivos e as normas programáticas, dependendo de promulgação de norma

posterior194.

Celso Antônio Bandeira de Melo as classifica em: a) normas

concessivas de poderes jurídicos: as quais, desde logo, independente de atuação

alheia, conferem o pode de fruir o bem deferido a um sujeito, criando uma posição

jurídica imediata aos administradores, que não depende de normativa ulterior; b)

193

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 259-260.

194 DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 4. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 109 e ss.

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65

normas concessivas de direitos: caracterizam suficientemente a conduta devida,

indicando o obrigado, gerando uma imediata e concreta utilidade ao administrado,

suscetível de fruição mediante um desfruto positivo e consistente em um direito

propriamente dito, num bem jurídico dependente de uma prestação alheia; c)

normas meramente indicadoras de uma finalidade a ser atingida: geram aos

administrados posições jurídicas menos consistentes, pois não indicam as condutas

específicas necessárias para a satisfação do bem, não conferindo nenhum tipo de

fruição imediata, assim, não permitindo que se exija o desfrute de algo, limitando-se

a oferecer a possibilidade de oposição judicial aos comportamentos contrários aos

fins previstos na norma, ensejando deste modo, a necessidade de uma interpretação

que se paute no sentido e direção nela preconizados195.

Luís Roberto Barroso norteia sua classificação na consistência

da situação jurídica dos indivíduos em face dos preceitos constitucionais, podendo

ser dividida em três grupos: a) normas constitucionais de organização, ou também

denominadas normas de estrutura ou de competência, são destinadas à ordenação

dos poderes estatais, à criação e estruturação de entidades e órgãos públicos,

identificação e aplicação de atos normativos, bem como a distribuição de suas

atribuições, organizando assim, o exercício do poder político; b) normas

constitucionais definidoras de direitos, centrada no direito subjetivo (entendido como

poder de ação assente no direito objetivo, e destinado à satisfação de certo

interesse), tem por objeto fixar os direitos fundamentais dos indivíduos; essas regras

que as consagram, para o autor, geram efeitos, situações jurídicas aos particulares

que se distribuem em três grupos: 1) situações prontamente desfrutáveis,

dependentes apenas de uma abstenção; 2) situações que ensejam a exigibilidade

de prestações positivas do Estado; 3) normas que contemplam interesses cuja

realização depende da edição de norma infraconstitucional integradora; c) normas

constitucionais programáticas, traçam fins públicos a serem alcançados pelo Estado

e pela sociedade.196.

195

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 261.

196 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas, 2006. p. 91 ss.

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66

2.1.1 Eficácia quanto à aplicabilidade e efeitos jurídicos das normas

constitucionais

Quanto à aplicabilidade e efeitos jurídicos das normas

constitucionais, inúmeras são as classificações como abordado anteriormente,

dentre elas, foi a de José Afonso da Silva, a que maior receptividade teve no

ordenamento jurídico brasileiro, para tanto, será a teoria adotada e trabalhada nos

próximos itens.

2.1.1.1 Eficácia plena

A teoria clássica norte-americana sustentava ser excepcional a

aplicação das disposições da constituição, ser executória por si mesma. A atual

orientação sobre a eficácia plena e aplicabilidade imediata é sobre seu

reconhecimento à maioria das normas constitucionais, tornando-se cada vez mais

concreta a outorga dos direitos e garantias sociais das constituições197.

Essa posição, também é demonstrada por Sarlet198:

Enquanto a concepção clássica partia da premissa de que a maior parte das disposições constitucionais não era diretamente aplicável sem a intervenção do legislador infraconstitucional, a doutrina atual parte da constatação de que a maioria das normas constitucionais constitui direito plena e diretamente aplicável.

Revela-se na CRFB/1988, acentuada tendência para deixar ao

legislador ordinário integralizar e complementar as normas, onde uma simples

análise aponta que a maioria dos dispositivos constitucionais acolhe normas de

eficácia plena e aplicabilidade direta e imediata199.

Em relação à distinção com as demais normas constitucionais,

não é possível esclarecer um critério seguro, mas podem-se fixar regras, utilizando-

se das conclusões da clássica doutrina norte-americana, segundo a qual, uma

norma constitucional era auto-aplicável, correspondente às de eficácia plena,

197

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 1998. p. 88.

198 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 255.

199 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 1998. p. 89.

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67

“quando, completa no que determina, lhe é supérfluo o auxílio supletivo da lei, para

exprimir tudo o que intenta, e realizar tudo o que exprime200”.

Nesse sentido, portanto, será completa a norma que contenha

todos os elementos e requisitos para a sua incidência direta, sendo que as normas

regulam interesses em relação à determinada matéria, não tratando de regulá-la,

mas sim, de definir certas situações, comportamentos ou interesses vinculados a

matéria. Pode-se saber com precisão, em virtude de tal regulamentação normativa,

qual conduta deve ser seguida, positiva ou negativa, em relação ao interesse

descrito na norma, sendo possível afirmar que a mesma é completa e dotada

juridicamente de plena eficácia, reconhecida pela própria linguagem do texto, porque

a mesma dispõe peremptoriamente sobre os interesses regulados201.

São normas constitucionais de eficácia plena, no entender de

Afonso da Silva202, as que:

a) contenham vedações ou proibições; b) confiram isenções, imunidades e prerrogativas; c) não designem órgãos ou autoridades especiais a que incumbam especificamente sua execução; d) não indiquem processos especiais de sua execução; e) não exijam a elaboração de novas normas legislativas que lhes completem o alcance e o sentido, ou lhes fixem o conteúdo, porque já se apresentam suficientemente explícitas na definição dos interesses nelas regulados.

Diante disso, normas de eficácia plena seriam aquelas que não

dependem de atuação do legislador ordinário, por serem dotadas de aplicabilidade

direta e imediata, já que, “desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou

tem possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos

interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e

normativamente, quis regular203.

As normas de eficácia plena para Meirelles Teixeira possuem

conotação semelhante, uma vez que “produzem, desde o momento de sua

promulgação, todos os seus efeitos essenciais, isto é, todos os objetivos

200

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 1998. p. 99.

201 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 1998. p. 99.

202 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 1998. p. 101.

203 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 1998. p. 101.

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especialmente visados pelo legislador constituinte, porque este criou, desde logo,

uma normatividade para isso suficiente, incidindo direta e imediatamente sobre a

matéria que lhes constitui objeto”204.

Como Meirelles Teixeira acima, Afonso da Silva205, quanto à

incidência, também entende que as normas de eficácia plena “incidem diretamente

sobre os interesses a que o constituinte quis dar expressão normativa”. Sendo,

portanto, de aplicabilidade imediata, por ser dotada de meios e elementos para sua

executoriedade, ou seja, nos dizeres clássico, auto-aplicáveis, pois as condições

gerais para essa aplicabilidade é apenas a existência do aparato jurisdicional,

aplicando-se somente pelo fato de serem normas jurídicas, pressupondo, existência

de um Estado e de seus órgãos.

2.1.1.2 Eficácia contida

Os constitucionalistas que mais se ocuparam com definir e

classificar a eficácia das normas constitucionais, não destacaram as normas de

eficácia contida.

Para Afonso da Silva206, grande parte dessas normas remete a

uma legislação futura, motivo pelo qual alguns as incluem no rol de limitadas, que

não as programáticas, aquelas denominadas por Crisafulli como “normas de

legislação”. Indicam algumas dessas normas ainda, elementos de sua restrição que

não a lei, mas certos conceitos de larga difusão no direito público, tais como, ordem

pública, segurança nacional ou pública, integridade nacional, bons costumes,

necessidade ou utilidade pública, perigo público iminente etc., que, prevista

legalmente ou ocorrendo determinadas circunstâncias que outras normas

constitucionais se fazem incidir, importando limitação da eficácia das normas

geradoras de situações subjetivas ativas ou de vantagem, implicando no surgimento

de um grupo de normas constitucionais diverso das de eficácia pela ou limitada, a

qual exige tratamento em separado.

204

TEIXEIRA, João Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense universitária, 1991. p. 317.

205 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 1998. p. 101-102.

206 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 1998. p. 103-104.

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69

Seguindo ainda o raciocínio do referido autor207, as normas de

eficácia contida configuram-se nas seguintes peculiaridades:

Em regra, são normas que requerem a intervenção do

legislador ordinário, fazendo expressa menção a uma legislação futura, podendo ser

restringida a plenitude de sua eficácia pelo legislador ordinário, regulamentando para

os cidadãos, indivíduos ou grupos os direitos subjetivos que delas decorrem.

Enquanto não expedida pelo legislador ordinário à norma restritiva, será plena sua

eficácia.

Visto a normatividade suficiente que cogitam os interesses

vinculados à matéria, dada pelo legislador ordinário, são de aplicabilidade direta e

imediata. Sendo algumas dessas normas, que já contenham como valor societário

ou político, um conceito ético juridicizado, bons costumes, ordem pública, por

exemplo, a preservar, implicando a limitação da sua eficácia.

A incidência de outras normas constitucionais, ainda pode

afastar sua eficácia, se ocorrerem certos pressupostos de fato, como estado de sítio.

Alguns exemplos dessas normas encontramos na CRFB/88, especialmente entre as

que instituem direitos e garantias fundamentais (art. 5º, incisos IV; VI; VIII e no art.

220, § 2º). A regra é de normas plenamente eficazes e de aplicabilidade imediata,

nessa parte, podendo essa eficácia ser contida, restringida, a aquele que eximir-se

de obrigação legal a todos imposta, se recusando a cumprir prestação alternativa

determinada por lei.

Portanto, normas de eficácia contida são para Afonso da

Silva208 aquelas em “que o legislador constituinte regulou suficientemente os

interesses relativos à determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva

por parte da competência discricionária do Poder Público, nos tempos que a lei

estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados”.

Tais normas limitadoras do poder público tem natureza de

norma imperativa, positivas ou negativas. Em regra, consagradoras de direitos

207

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 1998. p. 104-105.

208 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 1998. p. 116.

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70

subjetivos dos indivíduos ou entidades públicas ou privadas, e regras de contenção

da sua eficácia constituem limitações a esses direitos ou autonomias.

Tem sua razão fundada nos fins gerais e sociais do Estado

moderno, visando essencialmente tutelar a liberdade de todos, de modo que o

exercício dos direitos por alguns não venha prejudicar os direitos dos outros,

limitando a autonomia dos sujeitos privados, por este sistema de contenção da

eficácia das normas constitucionais.

2.1.1.3 Eficácia limitada

Já por normas de eficácia limitada ou reduzida Meirelles

Teixeira concebe “aquelas normas que não produzem, logo ao serem promulgadas,

todos os seus efeitos essenciais, porque não se estabeleceu sobre a matéria uma

normatividade para isso suficiente, deixando total ou parcialmente essa tarefa ao

legislador ordinário”209.

O qual salienta, que as normas de eficácia limitada sobre a

matéria que lhes constituiu objeto, incidem de forma parcial ou totalmente

mediata/indireta, delegando ao legislador ordinário a tarefa de conceder

operatividade.

Normas de eficácia limitada, para Afonso da Silva210, são

aquelas que apresentam “aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque

somente incidem totalmente sobre esses interesses, após uma normatividade

ulterior que lhes desenvolva a aplicabilidade”.

Caracterizam-se pela sua aplicabilidade indireta e reduzida,

pois não recebeu do legislador ordinário suficiente normatividade para serem

aplicáveis e gerar efeitos por si só, necessitando por esse motivo de intervenção

legislativa. É de ressaltar que as normas de eficácia limitada envolvem tanto as

normas declaratórias de princípios programáticos, quanto as normas declaratórias

de princípios institutivo ou organizativo211.

209

TEIXEIRA, João Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional, 1991. p. 317 e ss.

210 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 1998. p. 116.

211 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 259.

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71

2.1.2 Eficácia dos direitos fundamentais quanto as partes envolvidas

A problemática da vinculação aos direitos fundamentais dos

poderes públicos e das entidades privadas encontra-se “estreitamente ligada ao

tema da eficácia e aplicabilidade, já que a vinculatividade dos direitos fundamentais

constitui precisamente uma das principais dimensões da eficácia”212.

Essa eficácia quanto às partes envolvidas encontra-se em duas

esferas, eficácia vertical (Estado x cidadão) e eficácia horizontal (cidadão x cidadão),

as quais serão exemplificadas nos tópicos a seguir.

2.1.2.1 Eficácia vertical: Estado x cidadão

Indica a história dos direitos fundamentais, que sua principal

finalidade foi à limitação do poder estatal em favor dos indivíduos a este submetidos,

a qual continua sendo primordial.

Os direitos fundamentais, em outras palavras, mediante a

supremacia da Constituição, garantem que nenhuma autoridade estatal, nem

mesmo o Poder Legislativo, desrespeitará os direitos dos indivíduos, constituindo o

efeito vertical, que se manifesta nas relações caracterizadas pela desigualdade entre

o “inferior” (indivíduo) e o “superior” (Estado)213.

Assim, pode-se falar de uma eficácia de natureza vertical dos

direitos fundamentais no âmbito do direito privado, para Sarlet, sempre,

[...] que estiver em questão à vinculação das entidades estatais (públicas) aos direitos fundamentais, em última análise, sempre que estivermos falando da vinculação do legislador privado, mas também dos órgãos do Poder Judiciário, no exercício da atividade jurisdicional no que diz com a aplicação das normas do Direito Privado e a solução dos conflitos entre particulares214.

A vinculação do legislador privado é igualmente defendida por

Mendes, a qual assume igualmente

212

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 388.

213 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007.p. 106-107.

214 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 109.

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“[...] inequívoco relevo nos direitos fundamentais de índole institucional (garantias institucionais), tais como o direito de proteção judiciária, o direito de propriedade, o direito à honra, à imagem e a privacidade, uma vez que se cuida aqui, de direitos fundamentalmente, de direitos dotados de âmbito estritamente normativo (normgeprägter Normbereich), que, por isso, carecem de concretização legislativa específica”215.

Não estando apenas autorizado o legislador a fixar limites para

determinados direitos individuais, como também está compelido a observar

rigorosamente os limites estabelecidos para a imposição de restrições ou limitações

pela Constituição.

Outra clara consequencia dessa vinculação para Mendes

refere-se ao reconhecimento de que não o legislador no caso de imposição de

restrições a direitos, não só deve estritamente respeitar os limites estabelecidos pela

constituição, como também obrigado a editar as normas indispensáveis a

concretização de inúmeros direitos fundamentais, em especial, direito de igualdade e

aqueles dotados de âmbito de proteção com conteúdo estritamente normativo216.

Para Sarlet217, a respeito da vinculação do poder legislativo aos

direitos fundamentais, é licito afirmar, que está vinculação é considerada com base

numa dimensão filosófica e histórica, implicando, evidente renúncia a crença

positivista na onipotência do legislador estatal, por outro lado, dogmático-jurídico,

significando a expressão jurídico-positivista da decisão tomada pelo constituinte

favorável à prevalência dos valores intangíveis contidas nas normas de direitos

fundamentais em face do direito positivo.

Ressalta o autor, que a eficácia vinculante dos direitos

fundamentais representa um plus á vinculação dos poderes públicos, inclusive do

legislador, às normas constitucionais em geral, bem expressando o princípio da

constitucionalidade, apresentando neste sentido, uma dimensão reforçada quanto

aos direitos fundamentais.

215

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 117.

216 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, 2004. p. 117.

217 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 390.

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73

Essa vinculação, de pronto, significa uma limitação material ao

legislador, de sua liberdade de conformação no âmbito de sua atividade

regulamentadora e concretizadora, além disso, a norma contida no artigo 5º, § 1º, da

CRFB/88, gera uma limitação das possibilidades de intervenção restritiva do

legislador no âmbito de proteção dos direitos fundamentais218.

Com essa limitação, por um lado somente o legislador

encontra-se autorizado a estabelecer restrições aos direitos fundamentais, de outro,

encontra-se ele próprio vinculado a eles, podendo mesmo afirma que o artigo 5º, §

1º, da CRFB/88, traz uma inequívoca proibição de leis contrárias aos direitos

fundamentais, gerando a sindicabilidade não somente do ato de edição normativa,

como também de sua atividade, por vez, atribuída á jurisdição constitucional,

significando, que a lei não pode mais definir de forma independente da constituição

o conteúdo dos direitos fundamentais, o qual, contrariamente deve ser extraído

exclusivamente das próprias normas constitucionais que o consagram219.

Com relação ao poder executivo e dos órgãos administrativos

em geral, a norma contida no artigo 5º, § 1º da CRFB/88, considera-se como um

reforço da eficácia vinculante inerente aos preceitos constitucionais em geral,

mesmo o citado dispositivo não contemplando expressa vinculação dos poderes

públicos aos direitos fundamentais220.

O efeito vinculante dos direitos fundamentais alcança não

apenas cada pessoa jurídica de direito público, mas também as pessoas jurídicas de

direito privado, que nas relações com os particulares, dispõem de atribuições de

natureza pública, assim como pessoas jurídicas de direito público na sua atuação na

esfera privada, se pretendendo com esta abrangência, evitar que os órgãos públicos

venham a se furtar á vinculação dos direitos fundamentais por meio de uma atuação

nas formas do direito privado221.

218

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 390.

219 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 391.

220 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 393.

221 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 393.

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74

Com relação os direitos fundamentais e os órgãos

administrativos, o princípio da constitucionalidade imediata da administração

prepondera, na qual a vinculação a tais direitos significa que os órgãos

administrativos devem executar apenas as leis que lhe sejam conformes, como

também, executar leis de forma constitucional, ou seja, aplicando-as e interpretando-

as em conformidade com os direitos fundamentais, importando frisar, a necessidade

de os órgãos públicos observarem nas suas decisões os parâmetros contidos na

ordem de valores da constituição, principalmente dos direitos fundamentais,

assumindo especial relevo na esfera da aplicação e interpretação de conceitos

abertos e cláusulas gerais, como no exercício da atividade discricionária222.

Para Mendes, indiscutível também, se afigura a vinculação da

jurisdição aos direitos fundamentais, da qual resulta para o judiciário não só o dever

de guardar estrita obediência aos direitos fundamentais de caráter judicial, mas

também, assegurar a efetiva aplicação do direito, especialmente dos direitos

fundamentais, seja nas relações entre particulares e poder público, seja nas

relações exclusivamente privadas223.

Complementando ainda, que da vinculação do judiciário aos

direitos fundamentais, decorre a necessidade de se aferir a legitimidade das

decisões judiciais, tendo em vista a correta aplicação aos casos concretos destes

direitos.

Segundo Miranda224, está vinculada a aplicação imediata dos

direitos fundamentais, as entidades públicas, seja qual forem sua forma e atuação, e

não apenas o Estado, mas todos os órgãos do poder. Em qualquer caso e em

qualquer circunstância, qualquer ato dos poderes públicos deve tomar como

fundamento e referencial os direitos fundamentais.

Num sentido negativo, do efeito vinculante inerente ao art. 5º, §

1º da CRFB/88 decorre que “os direitos fundamentais não se encontram na esfera

de disponibilidade dos poderes públicos”, contudo, ressalta-se que numa acepção

222

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 393.

223 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, 2004. p. 118.

224 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, tomo IV, 2000. p. 314-315.

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positiva “os órgãos estatais se encontram na obrigação de tudo fazer no sentido de

realizar os direitos fundamentais”225.

Cumpre destacar, que não se trata de um terceiro nível

eficacial, mas sim de um segundo nível, uma vez estando em pauta a vinculação

dos particulares (relação horizontal) em contraposição “à clássica e inconteste

vinculação das entidades estatais, no âmbito das relações (verticais) entre particular

e Estado”226.

Neste sentido, “não se questiona que os direitos fundamentais

vinculam os órgãos do Executivo no exercício de qualquer atividade pública, aqui

contemplados os órgãos integrantes da Administração direta e os entes que

compõem a Administração indireta”, estendendo-se igualmente “[...] às pessoas

jurídicas de direito privado que exercem atividades públicas, tal como consolidado

de modo amplo na jurisprudência227.

A vinculação da jurisdição se afigura da mesma maneira

indiscutível, resultando essa vinculação, não só o dever de guardar estrita

obediência aos direitos fundamentais de caráter judicial, como também, assegurar a

efetiva aplicação do direito, especialmente, direitos fundamentais, seja nas relações

entre poder público e particular, seja nas relações exclusivamente entre particulares,

decorrendo ainda dessa vinculação, a necessidade de se aferir a legitimidade das

decisões judiciais, considerando sobretudo, a correta aplicação desses direitos aos

casos concretos228.

O que importa nos dizeres de Sarlet229, “[...] é a constatação de

que os direitos fundamentais vinculam os órgãos administrativos em todas as suas

formas de manifestação e atividades, na medida em que atuam no interesse público,

no sentido de um guardião e gestor da coletividade”.

225

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 390.

226 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 114.

227 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, 2004. p. 117-118.

228 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, 2004. p. 118.

229 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 393.

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76

Deste modo, tal incidência não faz parte da discussão do

presente trabalho, o qual se atém a discussão da vinculação dos particulares, de

uma eficácia horizontal dos direitos fundamentais que será abordada nos tópicos

subsequentes.

2.1.2.2 Eficácia horizontal: cidadão x cidadão

Os direitos fundamentais, além de vincular todos os poderes

públicos, exercem sua eficácia vinculante também no âmbito jurídico-privado, isto é,

na esfera das relações jurídicas entre particulares230.

Aduz Siqueira Castro que a questão da extensão das normas

tutelares dos direitos e deveres fundamentais às partes privadas nas relações

sociais

“[...] é relativamente nova, tendo exigido uma reciclagem e ampliação em sentido uti universi do tradicional princípio da legalidade, a fim de que a observância das normas constitucionais pertinentes a tais direitos e deveres se aplicassem não apenas ao Estado e aos agentes do Poder Público, mas também se estendessem aos particulares”231.

Essa vinculação dos particulares aos direitos fundamentais,

não revela qual sua amplitude e incidência, questionando-se assim, se essa

vinculação assume as mesmas feições da vinculação dos poderes públicos, bem

engloba determinadas pessoas privadas232.

Constitui um dos mais controversos temas da dogmática dos

direitos fundamentais, e há que se proceder a sua delimitação antes de adentrar no

assunto, excluindo-se assim, especialmente no que diz respeito à eficácia direta,

todos os direitos fundamentais que por sua natureza, tenha por destinatário

exclusivamente órgãos estatais - direitos políticos, algumas garantias processuais:

mandado de segurança e habeas corpus -, como parte dos direitos sociais -

assistencial social e previdência social -. De outro modo, seriam considerados

parcialmente resolvidos os direitos fundamentais, que em virtude da sua formulação,

230

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 399.

231 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A constituição aberta e os direitos fundamentais: ensaios sobre o constitucionalismo pós-moderno e comunitário. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 240.

232 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 401.

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se dirigem diretamente aos particulares, - indenização por dano moral ou material no

caso de abuso do direito de livre manifestação do pensamento (art. 5º, IV e V, da

CRFB/88), o direito à inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI, da CRFB/88) e o sigilo

da correspondência e informações telefônicas (art. 5º, XII, da CRFB/88). Tal também

ocorre com diversos direitos sociais, em especial, os direitos dos trabalhadores que

tem por destinatário os empregadores, em regra, particulares233.

A doutrina contemporânea tem apontado para uma dupla

perspectiva, material e processual. Sob o prisma material, cuida-se dos sujeitos

particulares aos direitos fundamentais, bem como verificando qual a sua amplitude e

o modo desta vinculação, ao modo que, pelo prisma processual, em princípio estará

se tratando dos meios processuais para tornar efetivo os direitos fundamentais nas

relações interprivadas, destacando neste sentido, a possibilidade do particular via

ação judicial, opor-se diretamente a eventual violação de direito fundamental seu por

parte de outro particular234. Desde já, ressalta-se que será priorizado o assim

denominado prisma material da problemática.

Importa consignar, todavia, que mesmo os direitos

fundamentais, em principio direcionados exclusivamente ao poder público, não

deixam de ter uma eficácia no âmbito das relações privadas, uma vez que,

consoantemente já assinalado, vinculam diretamente o legislador privado, da mesma

forma que vinculam os juízes e tribunais ao aplicarem o direito privado a luz da

constituição e dos direitos fundamentais235.

Em todas as hipóteses referidas não há que se questionar uma

vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. Neste ínterim, mesmo nos

casos que parece indiscutível uma vinculação dos particulares, é possível

questionar-se qual a forma desta vinculação (direta ou indireta). Tais formas de

vinculação e outras peculiaridades sobre o tema serão abordadas no próximo

subtítulo.

233

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 401-402.

234 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 110.

235 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 116.

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78

2.2 TEORIAS DE EFICÁCIA HORIZONTAL

Primeiramente, antes de adentrar especificadamente no tema,

cumpre salientar que a eficácia dos direitos fundamentais no âmbito do direito

privado, pode ser estudada sob dois enfoques, eficácia de natureza vertical e

eficácia de natureza horizontal.

A eficácia vertical, segundo Kretz “trata da vinculação dos

órgãos públicos ou entidades estatais aos direitos fundamentais no âmbito do Direito

Privado. Basicamente, é a „eficácia unidirecional‟, isto é, a concepção clássica da

eficácia dos direitos fundamentais no Direito Privado”236.

No entanto, em razão de novas situações de poder cada vez

maiores, essa única concepção se tem demonstrado insatisfatória.

Chega-se assim a chamada eficácia horizontal, que para

Sarlet, “curiosamente ainda não tem sido enfrentado no seio da doutrina

constitucional e privatística pátrias”237.

Na doutrina e jurisprudência, tem se apresentando conceitual e

terminologicamente sob diversos títulos, como “eficácia privada”, “Drittwirkung” ou

“eficácia externa”, “eficácia em relação a terceiros” e “eficácia horizontal dos direitos

fundamentais”. Embora se adote o termo “eficácia horizontal dos direitos

fundamentais”, ressalta-se que quanto ao seu uso não existe um consenso

doutrinário.

A teoria do efeito horizontal surgiu no âmbito de uma reflexão

política na Alemanha, objetivando proteção aos interesses de classes e grupos

sociais mais fracos diante do poder de particulares, os quais exerciam um poder

social, aproveitando-se da ficção jurídica da igualdade de todos, restando claro na

relação entre empregador e seus empregados238.

236

KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 84.

237 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 109.

238 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p.110.

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Foi sustentada inicialmente na forma de efeito horizontal direto,

como aplicação imediata das normas constitucionais em conflitos entre particulares,

tornando-se em seguida do ponto de vista jurídico mais correto aceitar o efeito

horizontal de forma mediata (efeito horizontal indireto)239.

Na esfera das relações privadas, o marco inicial para o

reconhecimento de uma eficácia dos direitos fundamentais, para Sarlet240 é

[...] a constatação de que, ao contrário do Estado clássico liberal de Direito, no qual os direitos fundamentais, na condição de direitos de defesa, tinham por escopo proteger o indivíduo de ingerências por parte dos poderes públicos na sua esfera pessoal e no qual, em virtude de uma preconizada separação entre Estado e sociedade, entre o público e o privado, os direitos fundamentais alcançavam sentido apenas nas relações entre os indivíduos e o Estado, no Estado social de Direito não apenas o Estado ampliou suas atividades e funções, mas também a sociedade cada vez mais participa ativamente do exercício do poder, de tal sorte que a liberdade individual não apenas carece de proteção contra os poderes públicos, mas também contra os mais fortes no âmbito da sociedade, isto é, os detentores de poder social e econômico, já que é nesta esfera que as liberdades se encontram particularmente ameaçadas.

Uma abrangente análise da evolução dos direitos humanos,

não permite afirmar que estes sejam oponíveis somente ao Estado, pois a inserção

dos direitos humanos nos sistemas jurídicos modernos não acarretou apenas a

ruptura da ordem política, mas promoveu ainda uma profunda reestruturação da

sociedade civil241.

Podendo aduzir-se ainda, que a existência de forças sociais

específicas, como sindicatos e associações patronais, conglomerados econômicos,

“enfraquece sobremaneira o argumento da igualdade entre os entes privados,

exigindo que se reconheça, em determinada medida, a aplicação dos direitos

fundamentais também as relações privadas”242.

239

DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p.109.

240 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2007. p. 402.

241 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares, 2006. p.124-125.

242 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: p. 124.

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Nesse sentido, assinala Peces-Barba243

Para um observador imparcial, com um véu de ignorância, só a evolução da cultura jurídica no mundo moderno, e que fizesse uma aproximação exclusivamente racional ao tema, resultaria sem dúvida evidente que os direitos fundamentais regulam tanto as relações dos particulares com o poder, como também as relações dos particulares entre si.

Considerando que já não se contesta a insuficiência da

proteção dos direitos contra o Estado, mais importante que discutir quanto a

aplicação nas relações privadas é aferir de que forma e com que limites esta pode

se dar. Nos dizeres de Canotilho, cabe “responder à questão de saber sob que

pressupostos um comportamento lesivo da esfera jurídica de uma pessoa pode ser

apreciado segundo os padrões normativos dos direitos fundamentais

constitucionalmente positivados”244.

Uma norma particularmente importante encontra-se elencada

no art. 5º da CRFB/88, a qual estipula que todos os direitos e garantias

fundamentais, isto é, todas as disposições que definem direitos e garantias

individuais, direitos sociais e políticos, são direta e imediatamente vinculantes,

classificada por Dimoulis; Martins, em dois momentos245:

Em primeiro lugar, prescreve que os direitos fundamentais

vinculam todas as autoridades do Estado, incluindo o poder legislativo, o qual não

pode restringir um direito fundamental de forma não permitida pela Constituição, sob

o pretexto que detém competência e legitimação para criar normas gerais e

geralmente vinculantes.

No segundo momento, determina que os titulares dos direitos

não precisam aguardar autorização, concretização ou outra determinação estatal

para exercer seus direitos fundamentais, pois se omisso o legislador em

regulamentar e/ou limitar um direito, este poderá ser exercido imediatamente em

243

PECES-BARBA apud PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares, 2006. p.125.

244 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares, 2006. p.141.

245 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p. 104.

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toda a extensão que a Constituição define, sendo o judiciário competente para a

apreciar casos de sua violação.

Em outras palavras, para os autores, o § 1º, do art. 5º, deixa

evidente que os direitos fundamentais não são simples declarações políticas ou

programas de ação do poder público e tampouco podem ser vistos como normas de

eficácia limitada ou diferida, sendo todas as normas relacionadas a direitos e

garantias fundamentais, preceitos normativos que vinculam o Estado de forma direta

e imediata.

Ainda sobre o assunto, extrai-se trecho do Recurso

Extraordinário 201.819-8246 do Rio de Janeiro:

“As violações aos direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados”.

A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas é

peculiar o envolvimento de ambas as partes, pois são titulares de direitos,

importando reconhecer que forma-se uma complexa rede de direitos e deveres, nas

relações potencialmente lesivas a direitos fundamentais, as quais se limitam e

condicionam mutuamente247.

Para Silva248 o critério decisivo para aplicação da teoria

horizontal não surge, automaticamente, “de uma desigualdade material, mas de uma

desigualdade de posições no interior da relação jurídica”, devendo ser avaliada e

comprovada concretamente em cada caso.

246

BRASILÍA. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 201.819-8. Relatora: Min. Ellen Gracie. 11 out. 2005.

247 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares, 2006. p.143.

248 SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito, 2005. p. 157.

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2.2.1 Direta ou imediata (positiva)

A teoria da eficácia imediata é uma construção dogmática que

toma a sério os direitos fundamentais, sendo consistente e consequente com a

posição constitucional especial e preferencial desses direitos e com o conceito de

uma Constituição como estrutura normativa básica do Estado e da sociedade,

estando sintonizada com o projeto de máxima efetividade social dos direitos

fundamentais249.

As premissas básicas de tal teoria, de forma concisa, podem

ser assim pontuadas. a) As normas de direitos fundamentais conferem ao particular

uma posição jurídica não só oponível ao Estado, como também aos demais

particulares; b) os direitos fundamentais são e atuam como direitos subjetivos

constitucionais independentes de ser público ou privado; c) Como tais direitos,

subjetivos constitucionais, a não ser expressa disposição contrária do poder público,

operam eficácia independentemente da existência de regulações legislativas

específicas ou do recurso interpretativo-aplicativo das cláusulas gerais do direito

privado250.

Inicialmente foi defendida por Hans Carl Nipperdey na

Alemanha, para o qual, embora alguns direitos fundamentais previstos na

constituição alemã vinculam-se apenas o Estado, outros por sua natureza poderiam

ser invocados diretamente nas relações entre particulares, revestindo-se de

oponibilidade erga omnes, independentemente de mediação legislativa, justificando

sua afirmação, com base na constatação que os perigos que cercam os direitos

fundamentais no mundo contemporâneo não advêm apenas do Estado, mas

também dos poderes sociais e de terceiros em geral251.

249

STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 271.

250 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, 2004. p. 168.

251 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 220.

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Para o referido autor, uma negativa da vinculação direta dos

particulares, acabaria por atribuir as normas um caráter meramente declaratório aos

direitos fundamentais252.

Engajamento de Nipperdey em favor da aplicação direta dos

direitos fundamentais provocou um claro posicionamento do Tribunal Superior do

Trabalho alemão, em favor dessa aplicação, que assim justificou seu entendimento:

Em verdade, nem todos, mas uma série de direitos fundamentais destinam-se não apenas a garantir os direitos de liberdade em face do Estado, mas também a estabelecer as bases essenciais da vida social. Isso significa que disposições relacionadas com os direitos fundamentais devem ter aplicação direta nas relações privadas entre os indivíduos. Assim, os acordos de direito privado, os negócios e atos jurídicos não podem contrariar aquilo que se convencionou chamar ordem básica ou ordem pública253.

Segundo a teoria da eficácia imediata:

[...] os direitos fundamentais, em sua dupla vertente subjetiva e objetiva, constituem o fundamento de todo o ordenamento jurídico e são aplicáveis em todos os âmbitos de atuação humana de maneira imediata, sem intermediação do legislador. Por isso, as normas de direitos fundamentais contidas na Constituição geram, conforme a sua natureza e teor literal, direitos subjetivos dos cidadãos oponíveis tanto aos poderes públicos como aos particulares254.

Zippellius também defende a eficácia direta dos direitos

fundamentais, afirmando que tais direitos não protegidos pelo legislador de forma

suficiente, as normas constitucionais que os consagram produzirão “efeito directo de

obrigatoriedade nas relações entre os cidadãos”255.

Destaca-se, no entanto, que os adeptos dessa teoria não

negam a existência de especificidades nesta incidência, nem a necessidade de uma

252

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 123.

253 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, 2004. p. 123.

254 NARANJO DE LA CRUZ apud STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, 2004. p. 167.

255 ZIPPELLIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado. Trad. Karin Praefke-Aires Coutinho. 3º. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 440.

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ponderação do direito fundamental em questão com a autonomia privada dos

particulares envolvidos no caso256.

O efeito horizontal imediato “refere-se ao vínculo direto das

pessoas aos direitos fundamentais ou de sua imediata aplicabilidade para a solução

de conflitos interindividuais”, pois além do Estado, outras forças sociais poderiam

apresentar potencial lesivo semelhante ao estatal257.

Quando se fala em aplicabilidade direta nas relações entre

particulares dos direitos fundamentais, para Silva258 “[...] quer-se dizer que, da

mesma forma como são aplicados nas relações entre o Estado e os cidadãos, não é

necessária nenhuma ação intermediária para que sejam também aplicáveis nas

relações interprivadas”.

Como consequencia desta concepção, os direitos

fundamentais:

não carecem de qualquer transformação para serem aplicados no âmbito das relações jurídico-privadas, assumindo diretamente o significado de vedações de ingerência no tráfico jurídico-privado e a função de direitos de defesa oponíveis a outros particulares, acarretando uma proibição de qualquer limitação aos direitos fundamentais contratualmente avençada, ou mesmo gerando direito subjetivo à indenização no caso de uma ofensa oriunda de particulares259.

Contudo, se faz necessário esclarecer, que o modelo de

aplicação direta dos direitos fundamentais, não implica que todos os direitos

fundamentais sejam aplicados nas relações entre particulares, sendo essa

aplicabilidade verificada individualmente e dependendo da característica de cada

norma fundamental260.

256

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 221.

257 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p.113.

258 SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito, 2005. p. 86.

259 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 122.

260 SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito, 2005. p. 91.

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85

2.2.2 Indireta ou mediata (positiva)

A teoria da eficácia horizontal mediata ou indireta, desenvolvida

originariamente na doutrina alemã, trata-se de uma construção intermediária entre a

que simplesmente nega a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, e

aquela que sustenta a incidência direta destes direitos na esfera privada, para a

qual, os direitos fundamentais não ingressam no cenário privado como direitos

subjetivos, que possam ser invocados a partir da Constituição261.

De certo modo, a construção dogmática da teoria, mantém a

premissa de que os direitos fundamentais são, em primeiro plano, direitos subjetivos

de defesa ante o Estado, seguindo-se daí, que a relação entre particular e Estado,

só o particular é titular de direitos fundamentais, enquanto apenas o Estado é

destinatário das normas que veiculam esses direitos, vinculando essas normas de

maneira imediata, estrita e intensa o poder estatal262.

A teoria da eficácia mediata nega a possibilidade de aplicação

direta dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, pois está incidência

segundo seus adeptos, exterminaria a autonomia da vontade, desfigurando o direito

privado, convertendo-o em mera concretização do direito constitucional, importando

a adoção da eficácia direta, numa outorga de um poder desmesurado ao judiciário,

considerando o grau de indeterminação que caracteriza as normas constitucionais

consagradoras desses direitos, seria irremediavelmente comprometida a liberdade

individual, que ficaria a mercê da discrição dos juízes263.

Os argumentos dos adeptos da eficácia mediata dos direitos

fundamentais nas relações entre particulares são atenuações daqueles que negam a

incidência dos direitos fundamentais sobre os particulares, consistindo a diferença

no reconhecimento, pelos primeiros, que os direitos fundamentais exprimem uma

261

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 210.

262 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, 2004. p. 140.

263 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 211.

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ordem de valores que se irradia por todos os campos do ordenamento, inclusive

sobre o direito privado264.

Sustentam os defensores da teoria da eficácia mediata, que

tais direitos são protegidos no campo privado através de mecanismos típicos do

próprio direito privado, e não através dos instrumentos do direito constitucional,

estendo aos particulares, a força jurídica dos preceitos fundamentais apenas de

forma mediata, através da atuação do legislador privado265. Como destaca Vieira de

Andrade, para a teoria da eficácia indireta, quando muito,

[...] os preceitos constitucionais serviriam como princípios de interpretação das cláusulas gerais e conceitos indeterminados susceptíveis de concretização, clarificando-os (Wertverdeutlichung), acentuando ou desacentuando determinados elementos do seu conteúdo (Wertakzentuierung, Wertverschärfung), ou, em casos extremos, colmatando as lacunas (Wertschutzlücken-schliessung), mas sempre dentro do espírito do direito privado266.

Nestes moldes, para os adeptos dessa teoria, cabe ao

legislador a tarefa de mediar à aplicação dos direitos fundamentais aos particulares,

uma estabelecendo uma disciplina das relações privadas que se revê compatível

com os valores constitucionais, protegendo os direitos fundamentais na esfera

privada, sem descuidar-se da tutela da autonomia da vontade, cabendo a ele,

legislativo, proceder a uma ponderação entre interesses constitucionais em conflito,

concedendo certa liberdade para acomodar os valores contrastantes, em

consonância com a consciência social de cada época267.

Nesta perspectiva, no conflito entre direitos fundamentais e

autonomia privada, dentre as soluções possíveis, competiria à lei a tarefa de fixar o

grau de cedência recíproca entre cada um dos bens jurídicos confrontantes,

sobrando ao judiciário o papel de preencher as cláusulas indeterminadas criadas

pelo legislador, levando em consideração os direitos fundamentais, sendo que, 264

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 212.

265 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 213.

266 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976, 2006. p. 252.

267 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 213.

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apenas em casos excepcionais de lacuna no ordenamento privado, e de inexistência

de cláusula ou de conceito indeterminado que possa ser preenchido em harmonia

com os valores constitucionais, é que se permitiria ao juiz a aplicação direta dos

direitos fundamentais, independentemente da mediação do legislador268.

É o reconhecimento de um direito geral de liberdade o ponto de

partida do modelo de efeitos indiretos nas relações privadas dos direitos

fundamentais, consagrado pela grande maioria das constituições das democracias

ocidentais, no caso brasileiro, é expresso no caput do artigo 5º da CRFB/88269.

Tratando-se de efeitos indiretos, para Silva “[...] quer-se dizer

que, nas relações contratuais, os direitos fundamentais, que nas relações

indivíduo/Estado são aplicados diretamente, poderiam ser relativizados em favor de

um direito fundamental à autonomia privada e à responsabilidade individual”,

podendo os indivíduos, nesse sentido, “decidir livremente entre si, sem precisar levar

em consideração os deveres e as proibições de direitos fundamentais direcionados

ao Estado, sobre se e como farão uso de sua liberdade e de sua igualdade”270.

O efeito horizontal indireto “refere-se precipuamente à

obrigação do juiz de observar o papel (efeito, irradiação) dos direitos fundamentais,

sob pena de intervir de forma inconstitucional na área de proteção do direito

fundamental, prolatando uma sentença inconstitucional”271.

Os direitos fundamentais, além de estabelecer direitos

subjetivos públicos oponíveis ao Estado, são também “decisões valorativas”,

configurando uma ordem de valores objetiva que irradia efeitos em todas as esferas

do direito, convergindo nesse ponto, com a tese da aplicação imediata, pois a noção

que os direitos fundamentais desempenham uma função objetiva é pressuposto para

a própria aceitação da ideia que produzem efeitos nas relações entre particulares272.

268

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 214.

269 SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito, 2005. p. 75.

270 SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito, 2005. p. 75-76.

271 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p. 113.

272 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares, 2006. p.161.

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Essa dimensão subjetiva em primeiro lugar, corresponde ao

status negativus, tratando-se de uma função, dimensão clássica, uma vez que seu

conteúdo normativo refere-se ao direito de seu titular de resistir à intervenção estatal

em sua esfera de liberdade individual, tendo correspondente filosófico-teórico a uma

teoria liberal dos direitos fundamentais, a qual concebe os direitos fundamentais

individuais do indivíduo de resistir à intervenção estatal em seus direitos273.

Nessa relação jurídica de direito público que se cria entre

indivíduo e o Estado em função das normas que reconhecem direitos fundamentais,

pode o indivíduo exercer uma liberdade negativa, de alguma coisa, e de forma

simétrica, possui o Estado, obrigação negativa de não fazer alguma coisa, não

intervindo na esfera individual, excetuando se houver legitimação ou justificação

constitucional para tanto274.

A teoria da eficácia mediata afirma que “a dimensão objetiva e

valorativa dos direitos não acarreta sua incidência direta nas relações privadas, mas

apenas implica a necessidade de que sejam levados em conta pelo Estado na

criação legislativa ou na interpretação do direito privado”, havendo sempre a

necessidade de um órgão estatal atuar como mediador da aplicação dos direitos

fundamentais no âmbito privado275.

O reconhecimento de uma dimensão objetiva é mais recente, a

qual se define como “a dimensão dos direitos fundamentais cuja percepção

independe de seus titulares, vale dizer, dos sujeitos de direito”276, possuindo também

uma dimensão objetiva que oferece critérios de controle da ação estatal, os quais

deveriam ser aplicados independente de possíveis intervenções e violações de

direitos fundamentais de determinada pessoa e da consequente reclamação por seu

titular.

273

DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p. 118.

274 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p. 118.

275 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares, 2006. p.161.

276 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p. 118.

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Há três aspectos que pertencem à dimensão objetiva dos

direitos fundamentais, para Dimoulis; Martins, os quais são277:

Primeiramente, de uma maneira objetiva, os direitos

fundamentais apresentam um caráter de normas de competência negativa, não

afetando em absoluto a natureza básica desses direitos enquanto direitos subjetivos,

significando que o outorgado ao indivíduo em termos de liberdade para ação e de

livre-arbítrio, em sua esfera, objetivamente está sendo retirada do Estado,

independente de exigir em juízo o respeito de seu direito.

Num segundo momento, fala-se em dimensão objetiva, quando

os direitos fundamentais funcionam como critério de interpretação e configuração do

direito infraconstitucional, tendo efeito à irradiação dos direitos fundamentais,

devendo as autoridades estatais, interpretar e aplicar todo o direito

infraconstitucional, por meio, sobretudo das chamadas cláusulas gerais como a boa-

fé no direito civil, de modo consoante aos direitos constitucionais.

Faz-se referencia pela doutrina, ao princípio da interpretação

conforme a Constituição, o qual tem uma importante dimensão, qual seja,

interpretação conforme os direitos fundamentais. Quando estiver o aplicador do

direito diante de várias interpretações possíveis de uma norma infraconstitucional,

deve-se escolher a que melhor se harmonize às prescrições dos direitos

fundamentais, devendo ser feito de forma objetiva, ex officio sem a necessária

provocação por parte do titular do direito, violando potencialmente a Constituição,

caso ignorado pela autoridade pública e pelo poder judiciário.

E por fim, vislumbra a doutrina alemã um terceiro

desdobramento dessa dimensão objetiva dos direitos fundamentais, tratando-se do

denominado dever estatal de tutela dos direitos fundamentais.

A respeito de uma dimensão objetiva, e também subjetiva da

aplicação dos direitos fundamentais, extrai-se excerto do Superior Tribunal de

Justiça.

277

DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p. 119-120.

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Assim, os direitos e garantias fundamentais elencados na Carta Magna, contemplados na dimensão objetiva, consistem em norte para atuação valorativa do Estado na realização do bem comum. Já na dimensão subjetiva, permitem ao indivíduo se sobrepor à arbitrariedade estatal278.

É por meio de cláusulas gerais para essa teoria, que se

operam intercâmbios valorativos entre direito público e direito privado, sendo os

direitos fundamentais “parâmetros de interpretação que o juiz há de ter em conta ao

interpretar os preceitos do direito civil que veiculam conceitos dessa natureza”279.

De acordo com essa concepção, teoria, significa que os direitos

fundamentais:

não são diretamente oponíveis, como direitos subjetivos, nas relações entre particulares, mas carecem de uma intermediação, isto é, de uma transposição a ser efetuada precipuamente pelo legislador e, na ausência de normas legais privadas, pelos órgãos judiciais, por meio de uma interpretação conforme aos direitos fundamentais e, eventualmente, por meio de uma integração jurisprudencial de eventuais lacunas, cuidando-se, na verdade, de uma espécie de recepção dos direitos fundamentais pelo Direito Privado280.

Por fim, não se destinam os direitos fundamentais a

diretamente solver os conflitos de direito privado, devendo sua aplicação realizar-se

mediante os meios colocados à disposição pelo próprio sistema jurídico, competindo

ao legislador realizar ou concretizar os direitos fundamentais nas relações privadas

garantindo a fixação de limitações diversas281.

Sendo necessário acentuar, como elucida Mendes, que

[...] diferentemente do que ocorre na relação direta entre Estado e o cidadão, na qual a pretensão outorgada ao indivíduo limita a ação do Poder Público, a eficácia mediata dos direitos fundamentais refere-se primariamente a uma relação privada entre cidadãos, de modo que o

278

BRASILIA. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 93874. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. 02 ago. 2010.

279 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares, 2006. p.162.

280 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 123-124.

281 MENDES, Gilmar Ferreira.Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, 2004. p. 125.

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reconhecimento do direito de alguém implica o sacrifício de faculdades reconhecidas a outrem282.

Em outros termos, está à eficácia mediata dos direitos

fundamentais frequentemente relacionada com um caso de colisão de direitos,

somente devendo prevalecer à posição jurídica de um indivíduo em face de outro, na

medida em que se reconheça a prevalência de determinados interesses sobre

outros.

2.2.3 A negação à eficácia dos direitos fundamentais e a teoria da

“convergência estatista” ou “state action”

A fundamentação mais usual contra a produção de efeitos dos

direitos fundamentais nas relações privadas recorre ou as razões históricas ou a

função que desempenha ou deveria desempenhar os direitos fundamentais no

ordenamento jurídico283.

Logo após o surgimento da teoria da eficácia horizontal na

Alemanha, esboçou-se uma forte reação contrária a essa teoria, baseando-se numa

visão do liberalismo clássico, para afirmar que os direitos fundamentais

representavam exclusivamente direitos de defesa em face do Estado, destacando-se

entre os argumentos a tradição histórica liberal, bem como a vontade histórica do

legislador, alegando também que a eficácia horizontal fulminaria a autonomia

individual, e conferiria um poder exagerado aos juízes, em detrimento do legislador

democrático284.

Forsthoff, um dos autores que esteve à frente dessa oposição,

afirmará que a teoria da eficácia horizontal operaria a dissolução da Constituição,

rebaixando-a a mera ordem de valor, levando ao abandono dos clássicos métodos

de hermenêutica jurídica no direito constitucional, salientando especificamente ao

direito de igualdade que sua aplicação nas relações privadas “significa, desde o

ponto de vista da política constitucional, a transformação dos direitos fundamentais

282

MENDES, Gilmar Ferreira.Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, 2004. p. 127.

283 SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005. p.70.

284 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p.197.

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em vinculações a deveres socialmente determinados na sua essência, com a

eliminação substancial do seu conteúdo liberal”285.

Complementando, Dürig, em objeção até hoje acolhida por

expressiva parte da doutrina e jurisprudência, assevera que o reconhecimento de

uma eficácia direta no âmbito das relações privadas, acabaria por gerar uma

estatização do direito privado e um virtual esvaziamento da autonomia privada286.

Mas é no direito norte-americano que a tese da não vinculação

teve maior difusão, sendo praticamente um axioma do direito constitucional desse

país, onde a ideia, quase universalmente aceita pela doutrina e jurisprudência, é que

os direitos fundamentais previstos no Bill of Rights da Carta estadunidense, impondo

limitações somente aos poderes públicos, não atribuindo aos particulares direitos

frente a outros particulares, exceto a 13º emenda, que proibiu a escravidão287.

Para justificar tal posição, a doutrina apóia-se na literalidade do

texto constitucional, que se refere apenas aos poderes públicos nas cláusulas

consagradoras de direitos fundamentais, sendo invocados também, argumentos

teóricos, com maior preocupação com autonomia privada:

[...] imunizando a ação privada do alcance das proibições constitucionais, impede-se que a Constituição atinja a liberdade individual – denegando aos indivíduos a liberdade de fazer certas escolhas, como as de com que pessoas se associar. Essa liberdade é básica dentro de qualquer concepção de liberdade, mas ela seria perdida se os indivíduos tivessem de conformar sua conduta às exigências constitucionais”288.

O Bill of Rights, da Constituição norte-americana, notoriamente

prescreve proibições especificamente para a ação estatal, onde em suma, os

285

FORSTHOFF apud SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 197-198.

286 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 123.

287 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p.199.

288 TRIBE apud SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p.199.

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direitos fundamentais tão-somente vinculam os poderes públicos e só podem ser

acionados judicialmente ante uma ação estatal289.

A doutrina da state action (ação estatal), procura determinar

“quando um ato privado que viole direitos fundamentais, especialmente o direito de

igualdade, pode ser objeto de controle judicial”.

“[...] afirmar que a doutrina da state action é desejável porque preserva a autonomia e a liberdade é olhar apenas para um dos lados da equação [...]. De fato, de acordo com a doutrina da state action, os direitos do violador privado são sempre favorecidos em relação aos direitos das vítimas. Dessa forma, a state action só promove a liberdade se se considerar que a liberdade de violar a Constituição é sempre mais importante do que os direitos individuais que são infringidos”290. (grifo nosso)

A doutrina da state action, ao invés de negar a aplicabilidade

às relações privadas dos direitos fundamentais, tem como objetivo definir em que

situações uma conduta privada está vinculada às disposições de direitos

fundamentais. A construção jurisprudencial tem por objetivo romper a limitação que

tais direitos sejam aplicáveis somente nas relações entre Estado e particulares,

tentando definir ainda que de forma casuística, quando uma ação privada é

equiparável a uma ação pública para alcançar esse objetivo, sendo que, sempre que

for possível tal equiparação, as relações entre particulares estarão vinculadas às

disposições de direitos fundamentais291.

O estratagema judicial é simples e inteligente, pois se amplia o

campo de abrangência do conceito da state action operando eficácia de direitos

fundamentais nas hipóteses em que um particular demanda contra outro particular

alegando violação de um direito fundamental individual, e ao mesmo tempo,

preserva a tese segundo a qual os direitos fundamentais vinculam apenas os

poderes públicos292.

289

STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, 2004. p. 178.

290 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 207-208.

291 SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito, 2005. p. 99 e 100.

292 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, 2004. p. 179.

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Do julgamento do caso Lugar v. Edmondson Oil Co extrai-se

trecho de uma síntese explicativa da doutrina da state action:

Nossos precedentes têm insistido em que a conduta supostamente causadora da privação de um direito constitucional (federal) seja razoavelmente atribuível ao Estado. Esses precedentes traduzem uma abordagem bipolar do problema da „atribuição razoável‟. Em primeiro lugar, a privação tem que decorrer do exercício de algum direito ou prerrogativa criada pelo Estado ou por uma pessoa pela qual o Estado seja responsável. [...] Em segundo lugar, a pessoa acusada de causar a privação há de ser alguém de quem razoavelmente se possa dizer que se trata de um „ator estatal‟. Isto por ser ele uma autoridade do Estado, por ter atuado juntamente com uma autoridade estatal ou por ter obtido significativa ajuda de agentes estatais, ou porque a sua conduta é de alguma forma atribuível ao Estado293.

Foi elaborada por Erwin Chemerinsky uma bem articulada

contestação aos pilares da doutrina da state action, onde para ele,

[...] afirmar que a doutrina da state action é desejável porque preserva a autonomia e a liberdade é olhar apenas para um dos lados da equação [...]. De fato, de acordo com a doutrina da state action, os direitos do violador privado são sempre favorecidos em relação aos direitos das vítimas. Dessa forma, a state action só promove a liberdade se se considerar que a liberdade de violar a Constituição é sempre mais importante do que os direitos individuais que são infringidos294.

Apesar dos erráticos temperamentos introduzidos pela

jurisprudência, a doutrina da state action não proporciona um tratamento adequado

aos direitos fundamentais, uma vez que os maiores perigos e ameaças a estes não

decorrem apenas do Estado, mas também de pessoas e organizações privadas, não

sendo capaz de construir um modelo, norma minimamente confiáveis e seguras,

associando-se ao radical individualismo que caracteriza a Constituição e a cultura

jurídica norte-americana295.

293

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 205.

294 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 207-208.

295 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 209.

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Sendo assim, é compreensível que tenha encontrado abrigo na

Constituição norte-americana, pois se trata de uma teoria engenhosamente

construída, no marco de uma Constituição que é a mais genuína expressão do

paradigma constitucional liberal, não sendo deste modo relevante, referibilidade no

marco de constituições desenhadas nos paradigmas do constitucionalismo social e

democrático, não sendo uma teoria adequada a CRFB/88, porque a Constituição

brasileira, além de normatizar relações entre indivíduos e Estado, tem a pretensão

em questões fundamentais, de modelar as relações sociais296.

Após a devida apresentação das teorias horizontais dos

direitos fundamentais, no próximo capítulo, faz-se uma abordagem aos argumentos

favoráveis à eficácia (vinculatividade) dos direitos fundamentais, e uma específica

análise quanto à aplicação da teoria direta/imediata pela doutrina e tribunais

brasileiros, de maneira especial, os tribunais superiores, STJ e STF.

296

STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, 2004. p. 181.

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Capítulo 3

EFICÁCIA HORIZONTAL NO BRASIL

3.1 O RECONHECIMENTO E APLICAÇÃO DA TEORIA DIRETA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO PELOS

DOUTRINADORES

Não há como contornar o problema de uma fundamentação da

eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, pois se apresenta como

um novo paradigma, pois, ainda que superada a concepção liberal-burguesa,

conhecedores que em princípio a liberdade não é absoluta, mas juridicamente

conformada e limitada, não se poderá recair no extremo oposto, qual seja, sustentar

que liberdade não apenas é juridicamente limitada, mas até mesmo tida como

originária do aparelho regulamentador estatal, já que por força da sua própria

natureza e dignidade, o ser humano é livre297.

O Estado Constitucional surge num primeiro momento como

forma de consagração dos postulados ideológicos do liberalismo, no entanto este

modelo ou Estado Liberal Burguês, num segundo momento mostra-se insuficiente e

assim o Estado passa a adquirir direitos prestacionais, ou seja, sociais298.

O reconhecimento dos direitos, denominados por Santos

humanos,

não deve mais operar apenas „verticalmente‟, ou seja, na relação existente entre liberdade-autoridade, entre particular-Estado. Há uma tendência atual para reconhecer e privilegiar, também, a chamada eficácia horizontal dos direitos humanos (e fundamentais). Essa „nova dimensão‟, contudo, não ignora a anterior, nem pretende sobrepor-se a ela. Apenas pretende agregar valores àqueles já consagrados. A ´eficácia horizontal´ é a incidência dos direitos

297

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 136.

298 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 85-86.

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humanos no âmbito das relações sociais, vale dizer, entre os próprios particulares299.

Nesta mesma linha, situa-se o raciocínio de Canaris, para o

qual numa ordem jurídica fundada no princípio da liberdade há que partir do

pressuposto de que nas relações privadas, é permitido tudo que não for proibido,

não havendo como aceitar o argumento de que a ausência de regulamentação

estatal implica em uma autorização para a afetação de bens jurídicos fundamentais

de terceiros, mas tão-somente a omissão de uma atuação, já que se acolhendo esta

concepção, estar-se-ia admitindo em última análise, que toda lesão provinda de um

particular esteja fundada numa delegação estatal ou mesmo subordinada a uma

proibição com reserva de autorização, o que por outro lado, conflita frontalmente

com o princípio da liberdade300.

No âmbito das relações negociais não se deve esquecer que

os particulares não atuam em princípio, “por força de uma delegação ou autorização

do Estado, mas sim em virtude de uma decisão autônoma, no âmbito de sua

autonomia privada e do direito geral de liberdade, que apenas é reconhecida e

objeto de regulamentação e proteção por parte do legislador”301.

Portanto, como destaca Kretz,

para uma operacionalização efetiva do Estado Constitucional, imprescindível é a máxima tutela dos direitos fundamentais, a qual é alcançada não somente com a vinculação do Estado aos direitos fundamentais, mas também com a vinculação dos particulares, em suas relações jurídico-privadas, a esses direitos302.

A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais não

teve e ainda não tem a força de uma chamada evidência constitucional, por duas

razões básicas, a primeira é por serem os direitos fundamentais, invenção do

constitucionalismo liberal, concebidos exclusivamente como limites ao poder do

299

SANTOS, Alessandro Pombo dos. Breves notas sobre a eficácia horizontal dos direitos humanos. Dataveni@. Ano X – março – 2006 – nº 89. Disponível em: www.datavenia.net/artigos/breves notas sobre a eficácia horizontal dos direitos humanos.html. Acessado em: 14 set. 2010.

300 CANARIS apud SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 136.

301 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 138.

302 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 89.

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98

Estado, se reportando à relação indivíduo-Estado, que através da influência dessa

concepção originária, não se cogitou sobre a vinculação dos particulares a direitos

fundamentais; uma segunda razão reside no fato dos textos constitucionais

contemporâneos, não fazerem referencia expressas á tal eficácia303.

Para Dimoulis; Martins304 à tarefa de prestar uma tutela de

segurança jurídica e base para estudo rigoroso dos direitos fundamentais incumbe:

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência tem, com efeito, a tarefa de elaborar regras metodológicas que sejam ao mesmo tempo claras, rígidas e rigorosas, permitindo alcançar o consenso necessário para a tutela da segurança jurídica nesta área de relevância incontestável. Isso oferece a base para um estado metodologicamente rigoroso da matéria.

Com efeito, as diversas alternativas que se desenvolveram no

âmbito doutrinário e jurisprudencial, mostram que nem sempre é possível

estabelecer com precisão como se dá a vinculação dos particulares aos direitos

fundamentais, de modo especial, quando se trata de verificar se esta é direta ou

indireta305.

Ambas as teorias, da eficácia direta e indireta, na sua

formulação originária ao menos, tem em comum a superação da concepção liberal-

burguesa de que os direitos fundamentais são oponíveis tão-somente contra o

Estado, já que a própria razão de existirem diz com a necessidade de assegurar aos

indivíduos um espaço de liberdade e autonomia, assim como a garantia de certos

bens fundamentais, contra as ingerências indevidas do poder público, ao menos na

sua condição de direitos de defesa306.

De fato hoje, irretorquível e já virtualmente assimilada a

conclusão pela doutrina majoritária, que os direitos fundamentais não se limitam

mais a uma função de direitos de defesa dos indivíduos contra os órgãos do poder

público, estando a questão na verdade, não em se negar a existência de uma

dimensão jurídico-objetiva dos direitos fundamentais, nem refutar, por via de

303

STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, 2004. p. 65.

304 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p. 22.

305 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 139.

306 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 140.

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99

consequência, a chamada eficácia irradiante, mas sim, de estabelecer uma

fundamentação segura para sustentar uma vinculação privada aos direitos

fundamentais, na condição de destinatários das normas que os consagram. Desta

forma, figuram-se como uma ordem de valores objetiva, não podendo concluir-se

equivocadamente de os direitos fundamentais, principalmente nas relações privadas,

não atuem como direitos subjetivos, oponíveis ao poder público e aos particulares307.

Antes de adentrar no reconhecimento da aplicação da teoria

direta dos direitos fundamentais, tecer-se-ão alguns comentários, objeções contra a

tese da vinculação direta e imediata dos particulares aos direitos fundamentais.

Os problemas que giram em torno da vinculação dos

particulares, na sua grande maioria, baseiam-se na ausência de textos

constitucionais prescrevendo normas expressas a respeito dessa vinculação308.

Um dos argumentos contrários dos que negam uma vinculação

direta, é a tese de que os deveres de proteção do Estado, em princípio, tenham por

destinatário apenas órgãos estatais. Neste sentido, poder-se-á objetar, que é

justamente pelo fato de cada particular ter o dever de respeitar e não ofender o

direito fundamental dos demais, em outros dizeres, pelo fato de estar vinculado, que

o Estado deverá intervir na esfera de seu dever de proteção, motivo pelo qual os

particulares também poderão reclamar tal intervenção protetiva, cuidando-se na

verdade, de uma inequívoca zona de confluência entre a vinculação do poder

público e a vinculação direta dos particulares309.

Sarmento310 sintetiza tais argumentos em algumas

preposições: na primeira, esta vinculação direta comprometeria demasiadamente a

autonomia privada, não traduz um valor absoluto, podendo, portanto, ser ponderada

com outros direitos e interesses constitucionais, só existindo ainda efetivamente uma

autonomia privada quando o agente desfrutar de mínimas condições materiais de

liberdade, o que não acontece na maioria dos casos de aplicação dos direitos

307

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 141.

308 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, 2004. p. 100.

309 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 147.

310 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 248-254.

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fundamentais nas relações entre particulares, nas quais a manifesta desigualdade

obsta o exercício da autonomia.

Portanto, afirmar a aplicabilidade direta e imediata dos direitos

individuais nestas relações não atenta contra a autonomia privada, ao inverso, visa

promovê-la no seu sentido mais pleno, como destaca Abrantes, “[...] a autonomia

privada e a liberdade negocial só fazem sentido se forem exercidas de forma livre e

esclarecida, isto é, pressupõem, para serem reais, a possibilidade de uma

verdadeira auto-determinação daqueles sujeitos, o que só pode ser garantido pela

actuação dos direitos fundamentais”.311

Quanto ao poder de intervenção da Constituição nas relações

privadas,

vários civilistas europeus, sustentando o entendimento de que a Constituição não possui poder para intervir nas relações jurídico-privadas, manifestam-se contrários à eficácia horizontal até como uma forma de impedir a degradação do princípio da autonomia da vontade312.

A respeito da utilização da autonomia da vontade como um dos

principais fundamentos de negação da eficácia horizontal, Kretz elucida:

A questão do princípio da autonomia da vontade como um dos principais fundamentos para se negar à eficácia horizontal dos direitos fundamentais não se limita às teorias negativas, a teoria mediata ou indireta da eficácia dos direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares, em suas diversas versões, também utiliza a autonomia da vontade como argumento para seu posicionamento313.

As construções teóricas contrárias à eficácia direta refletem,

segundo Pereira, uma abordagem mais ideológica que descritiva do ordenamento, e

analisando um eventual cerceio à autonomia privada, elucida:

311

ABRANTES apud SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 250.

312 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 99.

313 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 100.

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101

Ora, a proteção constitucional da autonomia privada não é, de modo algum, incompatível com a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares. Se a tutela da autonomia for posta como um obstáculo intransponível à incidência direta dos outros direitos fundamentais nas relações privadas, o que se tem, em verdade, é uma regra abstrata de preferência em favor daquela. Nessa perspectiva, a crítica de que a eficácia direta compromete o valor constitucional da autonomia escamoteia o verdadeiro ponto de divergência: a questão não se encontra em saber se a autonomia privada deve ou não ser protegida, mas sim se esta deve prevalecer em face dos demais direitos fundamentais quando tratar-se de relações jurídicas entre particulares. Ao admitir-se a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações inter privatos, a autonomia não é amesquinhada, e sim colocada no mesmo plano dos direitos fundamentais.314

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

admite a ampla vinculação dos particulares aos direitos fundamentais nela erigidos, de modo que não só o Estado como toda sociedade podem ser sujeitos passivos desses direitos. Essa extensão da eficácia direta dos direitos fundamentais às relações privadas, naturalmente, vem carregada de especificidades inerentes ao direito privado. Assim, por exemplo, a sua aplicabilidade no caso concreto há de ser, sempre, ponderada com o princípio da autonomia da vontade315.

Nessa mesma linha, Sarlet reconhece ser tarefa precípua do

legislador a concretização dos direitos fundamentais na esfera das relações entre

particulares, mas, porém, adverte que esta constatação não exclui a possibilidade de

vinculação direta dos particulares àqueles direitos316.

O segundo argumento elucida que a vinculação direta aos

direitos fundamentais gera insegurança jurídica, na medida em que enseja que os

conflitos privados sejam solucionados com base em princípios constitucionais vagos

e abstratos, cuja aplicação é muitas vezes imprevisível, sendo tal argumento

ponderável, mas também refutado.

314

PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 488.

315 SANTOS, Alessandro Pombo dos. Breves notas sobre a eficácia horizontal dos direitos humanos. Dataveni@. Ano X – março – 2006 – nº 89. Disponível em: www.datavenia.net/artigos/breves notas sobre a eficácia horizontal dos direitos humanos.html. Acessado em: 14 set. 2010.

316 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 143.

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102

Num primeiro momento, porque no direito privado, desde o

advento da jurisprudência em fins do século XIX, dos conceitos e da edição do BGB

(código civil) na Alemanha, é extremamente frequente o emprego de conceitos

jurídicos indeterminados e de cláusulas gerais, que apresentam também reduzido

grau de determinação semântica.

Outro ponto, é que a questão ligada a segurança na aplicação

do direito, não pode ser encarado a partir de perspectivas ultrapassadas, que

concebiam o ordenamento jurídico como um sistema fechado de regras prontas a

uma mecânica subsunção, pois no pós-positivismo hoje vigente, a interpretação e

aplicação do direito tornam-se mais dinâmicas, elásticas, axiologicamente ricas, mas

em verdade, também menos seguras, não sendo um problema ligado apenas à

incidência dos direitos fundamentais, tratando-se de uma questão mais ampla,

atingindo todos os ramos do conhecimento jurídico, não justificando uma redoma em

torno do direito privado, para deixá-lo imune as renovações do pós-positivismo.

Ainda que se possa falar em alguma perda da segurança

decorrente da aplicação direta dos direitos fundamentais nestas relações, cumpre

não descuidar que a segurança não é o único valor almejado pelo direito, talvez nem

mesmo seja o mais importante, estando ao lado ou acima dela, a justiça, não

havendo dúvidas quanto ao ganho que se pode obter através da aplicação direta

dos direitos fundamentais às relações privadas, em termos da justiça substancial,

haja vista, que estes são ao lado da democracia, as verdadeiras reservas de justiça

da ordem jurídica.

E na terceira preposição, por fim, a vinculação direta colocaria

em risco a autonomia e identidade do direito privado, permitindo a sua “colonização”

pelo direito constitucional, a qual também não convence, pois nenhum ramo do

direito público ou privado sobrevive hoje às margens da normatividade

constitucional, ao inverso, a hierárquica supremacia formal e material da

Constituição, fiscalizada e promovida por vários instrumentos de jurisdição

constitucional, como também o reconhecimento da força normatividade de toda Lei

Maior, induziram à fecundação de todos os ramos do direito pelos valores, princípios

e diretrizes hospedadas em sede constitucional.

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Os adeptos de uma vinculação indireta sustentam, como

abordado anteriormente, que incumbe ao legislador e, de forma supletiva, ao juiz, a

função de intermediar a aplicação das normas de direitos fundamentais às relações

entre particulares, cabendo assim, ao legislador privado resolver as colisões que

inevitavelmente se estabelecem no âmbito das relações entre particulares, todos

titulares de direitos fundamentais, cabendo ao juiz, realizar esta tarefa somente na

ausência de norma legal incidente ou, para atuar de forma corretiva, no caso de

manifesta ilegalidade constitucional por ofensa a tais direitos, sendo que, na

ausência do legislador limitar-se-ia ao juiz interpretar o direito infraconstitucional á

luz das normas de direitos fundamentais, fazendo uso notadamente dos conceitos

indeterminados e das cláusulas gerais do Direito Privado, atuando, como uma

espécie de “porta de abertura” para os direitos fundamentais317.

Salvo exceções, mesmo dentre os que não admitem uma

vinculação direta dos atos de particulares aos direitos fundamentais, já se encontram

importantes manifestações criticando a tendência de limitar o efeito irradiante dos

direitos fundamentais na esfera do Direito Privado aos conceitos indeterminados e

cláusulas gerais. Assim, Canaris afirma inexistir razão para este entendimento

restritivo, já que também as normas de cunho determinado poderão concretizar os

direitos fundamentais, da mesma maneira como não está previamente definido a

existência ou não de uma cláusula geral ou conceito indeterminado a ser

considerado na espécie. Klaus Stern, nesta mesma linha de raciocínio, na esfera de

uma função geral de proteção, reconhece que todas as normas de Direito Privado,

independentemente de sua qualidade, podem e devem ser consideradas para

efeitos de uma interpretação embasada nos direitos fundamentais318.

Em outra esfera, dificilmente poder-se-á aceitar uma liberação

dos órgãos judiciais, mesmo quando se lhes atribui a competência de solver litígios

entre particulares, de aplicarem diretamente as normas constitucionais, se tratando

notadamente de normas de direitos e garantias fundamentais319.

317

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 142.

318 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 146.

319 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 146.

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104

Essa constitucionalização do direito privado no Brasil, não é

sequer uma escolha do intérprete, mas uma opção já feita pelo próprio constituinte,

que em linhas gerais se dedicou a disciplinar institutos do direito privado, como a

família, propriedade.

Parece-nos correto assim, a assertiva de Tepedino, que

assevera:

[...] a perspectiva de interpretação civil-constitucional permite que sejam revigorados os institutos de direito civil, muitos deles defasados da realidade contemporânea e por isso mesmo relegados ao esquecimento e à ineficácia, repotencializando-os, de molde a torná-los compatíveis com as demandas sociais e econômicas da sociedade atual320.

Diante ainda dessa interpretação civil-constitucional, que se

trata de uma tendência, concepção, desenvolvida por dogmatas e teóricos do direito

civil brasileiro, sob a influência de autores europeus, sobretudo italianos, os quais

embora não façam menção expressa, é relevante para o tema, pois esta perspectiva

consiste não só na proposta de que as disposições infraconstitucionais de direito

civil devem ser interpretadas conforme a Constituição, mas também na tese de que

é dever do juiz, nas relações privadas, aplicar diretamente a cláusula constitucional

da tutela da personalidade, os direitos da personalidade, e os princípios

constitucionais relevantes para o direito privado e relações interprivadas321.

Para Steinmetz, se houvesse posição expressa, é muito

provável, em razão dos postulados da consistência e da consequencia, que esses

teóricos brasileiros, argumentariam claramente em favor da eficácia imediata dos

direitos fundamentais nas relações entre particulares, posicionando-se em princípio,

portanto, no campo da teoria da eficácia imediata322.

E no direito comparado, segundo Sarmento, às vezes é

utilizado um quarto argumento, relacionado à divisão de funções entre o juiz civil e o

juiz constitucional, os quais devem ater-se as suas especialidades, sendo tal

320

TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 21.

321 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, 2004. p. 184-185.

322 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, 2004. p. 185.

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105

argumento, totalmente estranho a ordem jurídica brasileira, em razão do pleno

exercício da jurisdição constitucional por todo o poder judiciário brasileiro,

considerando o modelo de controle misto de constitucionalidade das leis.

Além dos argumentos apontados por Sarmento, outras

objeções a esta teoria são levantadas por Steinmetz, que se resumem a: falta de

amparo constitucional, ou seja, não há texto de norma constitucional que

fundamenta tal eficácia; errônea equiparação da relação vertical cidadão-Estado à

relação horizontal cidadão-cidadão323.

Além dessas mencionadas, apresenta como objeção a

identidade do direito privado, a segurança jurídica e o princípio da democracia,

também abordadas por Sarmento.

Infelizmente crê Siqueira Castro, que devido ao

conservadorismo do debate constitucional brasileiro e as intermitentes crises

político-institucionais, por certo prejudicaram a formação de um robusto sentimento

constitucional no seio de nosso povo, tendo sido a questão da extensão das normas

protetoras dos direitos fundamentais, pouco estudada entre nós324.

Indica a história dos direitos fundamentais, que sua principal

finalidade foi à limitação do poder estatal em favor dos indivíduos a este submetidos,

a qual continua sendo primordial.

O principal destinatário do dever de respeitar os direitos dos

indivíduos no sentido mais abrangente do termo é o Estado, isto é, toda e qualquer

autoridade ou órgão que exerça competências estatais, mesmo por intermédio de

concessão de serviço público ou permissão especial, pouco interessando ao titular

de um direito se a pessoa que fiscaliza sua atividade e pode impor sanções é

funcionário público ou empregado de empresa privada que exerce uma competência

estatal, pois o relevante é garantir que o titular da autoridade respeite seus

direitos325.

323

STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, 2004. p. 173.

324 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A constituição aberta e os direitos fundamentais, 2005. p. 253.

325 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p. 106.

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Deste modo, os direitos fundamentais sempre correspondem a

deveres do Estado, tanto a deveres de abstenção de intervir na esfera de liberdade

garantida dos indivíduos, quanto a deveres de prestação e de manutenção de uma

determinada estrutura ou organização. Tais direitos que vinculam o Estado trazem

consequências também a outros titulares pela via indireta da apreciação de conflitos

que envolvam uma questão relativa a direitos fundamentais por parte do judiciário.

Além do dever de observar a esfera de liberdade individual garantida pelo direito

fundamental, tem o Estado o dever de proteção dos direitos contra agressões

oriundas de particulares, sendo este o espírito norteador do efeito horizontal326.

Os direitos fundamentais exprimem-se na legislação comum

que deve tutelar os interesses dos particulares que se encontram em situação de

fraqueza social diante de poderosos adversários, desenvolvendo tais direitos, um

efeito de irradiação sobre a legislação comum, devendo ser interpretadas as normas

constitucionais á luz, irradiação dos direitos fundamentais, mesmo quando o

legislador não levar em consideração uma situação de poder que possa prejudicar a

parte mais fraca, permitindo assim, o respeito da ordem constitucional que não tolera

violações, mesmo provida dos particulares327.

Verifica-se com isso, cada vez mais questionamentos

doutrinários no sentido que não basta para o homem do século XX e XXI

simplesmente a proteção contra intervenções do Estado, mas também se faz

necessária uma proteção aos direitos fundamentais dos indivíduos contra ameaças

de poderes privados, uma vez que, os direitos fundamentais do Estado Liberal

possuem como fundamento a concepção puramente formal da igualdade entre os

diversos membros da sociedade, sendo fato notório que no Estado Contemporâneo

essa igualdade formal não supõe uma igualdade material, deste modo, inúmeras

vezes, o pleno desfrute dos direitos fundamentais encontra-se ameaçado pela

existência na esfera privada de centros de poder, não menos importantes, ou

ofensivos, que os poderes públicos328.

326

DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p. 107.

327 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p. 110.

328 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 87-88.

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107

Neste sentido, demonstra-se preocupado também, Bonavides,

ao expor que os direitos fundamentais, quando extrapolarem a relação cidadão-

Estado, adquirirem segundo Böckenförd, uma dimensão até agora ignorada, isto é,

“de validade universal, de conteúdo indeterminado e aberto, e que não pertence nem

ao Direito Público, nem ao Direito Privado, mas compõe a abóbada de todo o

ordenamento jurídico enquanto direito constitucional de cúpula”329.

Apesar de atualmente já registrar-se amplo consenso acerca

da matéria, no tocante ao reconhecimento pela doutrina majoritária de uma

vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, faz-se necessário quanto ao

“se” desta vinculação, algumas considerações.

Como já trabalhado anteriormente, o ponto de partida para o

reconhecimento de uma eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas,

para Sarlet é

[...] a constatação de que, ao contrário do Estado clássico e liberal de Direito, no qual os direitos fundamentais, na condição de direitos de defesa, exerciam – ou, pelo menos, eram concebidos deste modo – a função precípua de proteger o indivíduo de ingerências por parte dos poderes públicos no âmbito de sua esfera pessoal (liberdade, privacidade, propriedade, integridade física, etc.), alcançando, portanto, relevância apenas nas relações entre os indivíduos e o Estado, como reflexo da então preconizada separação entre sociedade e Estado, assim como entre o público e o privado, no assim denominado Estado Social de Direito tal configuração restou superada330.

Os problemas interpretativos que acompanham a eficácia

horizontal dos direitos fundamentais, para Schäfer331, mostram-se mais relevantes

nas denominadas relações jurídicas entre iguais, mas não cogitando a criação de

um espaço de não-aplicação, mas em verdade

[...] a incidência de diversos princípios constitucionais, dentre os quais da autonomia das vontades privadas, o qual convive harmonicamente com os demais princípios constitucionais, sendo necessária a ponderação concreta entre todos os princípios constitucionais em jogo, considerando-se as circunstâncias jurídicas, sociais e econômicas. Dessa ponderação é que se poderá extrair a

329

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 2008. p. 541.

330 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 117.

331 SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos fundamentais, 2005. p. 25 e 26.

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extensão da aplicação, no caso concreto, da eficácia vinculante dos direitos fundamentais, preservando-se o conjunto sistêmico constitucional.

O problema dos particulares serem destinatários das normas

de direito fundamental para Dimitri; Martins, “está na determinação do alcance e faz

consequências de um efeito vertical que consiste na aplicação dos direitos

fundamentais nas relações entre particulares”332, ficando a cargo da doutrina e

jurisprudência, pois não há previsão constitucional no Brasil a respeito.

A concepção de que os direitos fundamentais incidem

diretamente nas relações privadas é uma consequencia natural e lógica da adoção

de um modelo hermenêutico comprometido com o caráter normativo da

constituição333.

Para Sarmento a desigualdade social existente no Brasil, a

qual Sarlet334 entende constituir argumento relevante para adoção, entre nós, da

tese da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas, e

a preservação de um ranço escravocrata, são tristes características da sociedade

brasileira, e acabam por justificar um reforço na tutela dos direitos humanos no

campo privado, por isso, “não hesitamos em afirmar que a eficácia dos direitos

individuais na esfera privada é direta e imediata no ordenamento jurídico

brasileiro”335.

Outro argumento relevante voltado para promoção da justiça e

da liberdade é de Barroso, o qual afirma que

“[...] em uma perspectiva de avanço social, devem-se esgotar todas as potencialidades interpretativas do Texto Constitucional, o que inclui a aplicação direta das normas constitucionais no limite máximo do possível, sem condicioná-las ao legislador infraconstitucional”336.

332

DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p.108.

333 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares, 2006. p.185.

334 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 152-153.

335 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 248.

336 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 7. ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 260.

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109

Kretz assevera pela necessária troca de uma ética da vontade

por uma responsabilidade solidária, e,

para essa transformação, faz-se necessária a troca da ética individual da vontade para a liberdade de uma ética social de responsabilidade solidária, isto é, não somente o Estado, mas também a Sociedade e cada um dos indivíduos respondem pela existência harmônica de todos os demais cidadãos337.

Uma vinculação direta dos particulares aos direitos

fundamentais, sempre existe, independente da existência ou não, de uma manifesta

desigualdade de forças entre as partes na relação jurídica, não apenas os grandes

grupos empregadores, empresariais, sindicatos, associações e congêneres estar

atrelado àqueles direitos, mas também o cidadão comum nas relações paritárias

mantiver com outras pessoas, tornando-se relevante a desigualdade material,

apenas no momento que fosse necessário ponderar o direito em questão com a

autonomia privada338.

Siqueira Castro e dedicou páginas do seu trabalho ao tema, e

para ele,

[...] o agravamento dos antagonismos sociais que estremeceu definitivamente as premissas do liberalismo econômico no limiar do presente século, impôs, no plano do pensamento constitucional, a convicção de que os direitos fundamentais sediados na Constituição devem ser protegidos não apenas em face do Estado, mas especial e crescentemente em face da própria sociedade, nas multiformes relações entre particulares339.

Depois de firmada tal premissa, Siqueira Castro adotou posição

favorável ao reconhecimento da eficácia direta dos direitos fundamentais nas

relações privadas, fundamentando no princípio da dignidade da pessoa humana.

Nos seus dizeres:

[...] o sentimento constitucional contemporâneo passou a exigir que o princípio da dignidade do homem, que serve de estrutura ao edifício das Constituições da era moderna, venha fundamentar a extensão

337

KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 108.

338 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 256.

339 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A constituição aberta e os direitos fundamentais, 2005. p. 246.

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da eficácia dos direitos fundamentais às relações privadas, ou seja a eficácia externa, também denominada direta ou imediata, que na prática coincide com o chamado efeito horizontal do elenco de direitos, de liberdades e de garantias que através do tempo granjearam assento nos estatutos supremos das nações340.

Tepedino entende ser a cláusula geral da dignidade da pessoa

humana, como principal instrumento de tutela da pessoa nas relações privadas,

sendo ela, “[...] capaz de incidir [...] em todas as situações, previstas ou não, em que

a personalidade, entendida como valor máximo do ordenamento, seja o ponto de

referência objetivo”341, apontando em sua linha de pensamento ao fortalecimento da

aplicação direta da constituição, como instrumento de humanização e solidarização

do direito civil.

Sobre a matéria, Gilmar Ferreira Mendes limitou-se a reportar

os posicionamentos da doutrina e jurisprudência alemã sobre a vinculação dos

particulares aos direitos fundamentais, não fazendo a abordagem pertinente ao

direito, ordenamento jurídico brasileiro. Após noticiar as duas principais correntes,

Paulo Gustavo Gonet Branco não se comprometeu com nenhuma, afirmando que

ambas baseiam-se em valores encarecidos pela ordem constitucional,

reconhecendo, todavia, a necessidade de ponderação do direito fundamental em

questão com a autonomia da vontade342.

Tratando incidentalmente da matéria, Maliska entende que

para definir uma possível vinculação, faz-se necessário distinguir o tipo de atividade

privada, não incidindo assim os direitos fundamentais, no caso de uma igualdade e

do livre exercício da autonomia da vontade. Porém, existindo uma desigualdade,

matéria de ordem pública ou atividade particular que dependa de autorização

estatal, poderão ser invocados, considerando o conteúdo público nítido destas

atividades343.

340

CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A constituição aberta e os direitos fundamentais, 2005. p. 247.

341 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 49.

342 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 259.

343 MALISKA, Marcos Augusto. O direito à educação e a constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2001. p. 133.

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111

Sem posicionar-se a respeito, e cuidando rapidamente do

tema, André Ramos Tavares, destacou que os atores privados obrigam-se a não

restrição aos direitos fundamentais de terceiros, sendo exigível em certos casos, a

sua positiva implementação344.

Com a crescente ampliação das atividades e funções estatais,

somada ao incremento da participação ativa da sociedade no exercício do poder,

verificou-se que a liberdade dos particulares, como os demais bens jurídicos

fundamentais assegurados pela ordem constitucional, não careciam apenas de

proteção contra ameaças oriundas dos poderes públicos, mas também contra os

mais fortes no âmbito da sociedade, advindas da esfera privada345.

Passa o Estado a aparecer, deste modo, como devedor de

postura ativa, no sentido de uma integral e global proteção dos direitos

fundamentais, deixando de ocupar a posição de “inimigo público”, não mais como

número um ou único, ao menos, da liberdade e dos direitos dos cidadãos346.

Neste ínterim, doutrinadores têm reconduzido o

desenvolvimento da noção de uma vinculação aos direitos fundamentais dos

particulares, ao reconhecimento da sua dimensão jurídico-objetiva, na qual, os

direitos fundamentais exprimem determinados valores que o Estado não apenas

deve respeitar como também promover e proteger estes valores, os quais alcançam

uma irradiação por todo o ordenamento jurídico, público e privado, razão pela qual,

os direitos fundamentais há muito deixaram de poder ser conceituados como sendo

direitos subjetivos públicos, isto é, de direitos oponíveis pelos seus titulares,

particulares, apenas em relação ao Estado347.

Num primeiro momento, levando-se em conta o fato dos

direitos fundamentais constitucionalmente assegurados constituem concretizações

do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, de tal modo que todas as

344

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 364.

345 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 118.

346 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 118.

347 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 119.

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normas, ao menos no que diz com seu conteúdo em dignidade humana vinculam

diretamente o Estado e particulares348.

O reconhecimento do efeito horizontal, nas palavras de

Dimoulis; Martins parece ser necessário “quando encontramos, entre os particulares

em conflito, uma evidente desproporção de poder social”, o qual elucida como

exemplo, uma grande empresa com relação a qualquer um de seus empregados,

sendo na realidade a diferença em termos de poder social, ou seja, esse

desequilíbrio estrutural de forças entre as partes tão grande que se pode tratá-la

como detentora de um poder semelhante ao estatal349.

A consequencia desse raciocínio seria a obrigação de vincular

os detentores de poder social diretamente às disposições que garantem direitos

fundamentais, sendo que uma das funções primordiais é propiciar certo equilíbrio de

forças entre os conflitantes, originariamente entre individuo e Estado,

contemporaneamente entre dois titulares de direitos públicos subjetivos, que não se

encontram em mínimas condições de igualdade, configurando-se um argumento

favorável ao reconhecimento do efeito horizontal350.

Abordando as três teorias apresentadas, delineadas pela

moldura axiológica da CRFB/88, Sarmento afirma que a Constituição brasileira é

francamente incompatível com a tese radical da doutrina da state action, adotada

nos Estados Unidos, que simplesmente exclui a aplicação dos direitos fundamentais

sobre as relações privadas. De um mesmo modo, para o referido autor, parece

inconciliável com a posição da eficácia horizontal indireta e mediata dos direitos

individuais, predominante na Alemanha, que torna a incidência destes direitos

dependente da vontade do legislador ordinário, ou os confina ao modesto papel de

vetores interpretativos das cláusulas gerais do direito privado, não podendo essa

teoria vingar no contexto brasileiro351.

348

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 150.

349 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p.109.

350 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p. 109.

351 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 245-247.

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A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

favorece muito mais as interpretações que aprofundam a incidência dos direitos

fundamentais na esfera privada do que a carta germânica, não havendo ademais,

nada no texto constitucional que sugira a ideia de vinculação direta dos direitos

fundamentais apenas dos poderes públicos, adotando o constituinte brasileiro, uma

linguagem que transmite a ideia de uma vinculação passiva universal a maioria das

liberdades fundamentais estatuídas no artigo 5º da Constituição352.

Para Sarmento ainda existe um relevante dado fático que não

deve ser menosprezado, que é o fato da sociedade brasileira ser muito mais injusta

e assimétrica que a sociedade alemã, americana, ou dos demais países de primeiro

mundo, sendo tragicamente campeã no quesito desigualdade social, sendo a elite

brasileira uma das mais atrasadas do mundo, preservando ainda um ranço do

passado escravocrata do país353.

A esse respeito, Sarlet elucida que essa posição

majoritariamente adotada na Alemanha, esbarra desde logo, na evidência de que os

pressupostos de certa igualdade fática e jurídica encontram-se gravemente

comprometidos entre nós, bastando aqui uma breve referência aos elevados índices

de opressão socioeconômicos e, portanto, a relevância maior dos poderes sociais354.

E conclui:

Se mesmo em Estados desenvolvidos e que, de fato, assumem (em maior ou menor grau) as feições de um Estado democrático (e social) de Direito já se aceita [...] que nas relações cunhadas pela desigualdade, o particular mais „poderoso‟ encontra-se diretamente vinculado aos direitos fundamentais do outro particular (embora ambos sejam titulares de direitos fundamentais), mais ainda tal vinculação deve ser reconhecida na ordem jurídica nacional, onde, quando muito, podemos falar na previsão formal de um Estado Social de Direito que, de fato, acabou sendo concretizado apenas para uma diminuta parcela da população.355

352

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 247.

353 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 247.

354 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 152.

355 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 152-153.

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Estas tristes características da Sociedade Brasileira, como já

abordado anteriormente, justificam um reforço da tutela no campo privado dos

direitos humanos, em que reina a opressão e a violência, impondo tal quadro

desalentador ao jurista com consciência social a adoção de posições comprometidas

com a mudança do status quo, não hesitando, com isso, afirmar que a eficácia dos

direitos individuais na esfera privada é direta e imediata no ordenamento jurídico

brasileiro, não sendo apenas uma questão de direito, mas também de ética e justiça

social356.

Sobreleva observar que:

se os direitos humanos, na sua perspectiva verticalizada, foram fruto da insurgência fática e filosófica em face do poder monárquico medieval, ou das injustiças decorrentes do modo de produção capitalista, a necessidade de conferir eficácia horizontal a esses mesmos direitos também se faz premente por razões muito similares, haja vista o evidente estado de desequilíbrio facilmente observado no campo das relações privadas, no qual o poder econômico, em especial o das grandes corporações globalizadas, detém incontestável domínio de decisão e preeminência, inclusive, no direcionamento de políticas públicas que deveriam salvaguardar os próprios direitos humanos. Nesse sentido, a onda globalizante e a consagração das concepções neoliberais figuram como contundente referencial de constatação do quanto o eixo vertical dos direitos humanos deve ser ampliado para um enquadramento de ordem horizontal357.

No âmbito da CRFB/88, Steinmetz, considera desnecessário

um detalhado discurso sobre a fundamentação constitucional de tal vinculação, pelo

motivo de que uma análise estrutural das normas de direitos fundamentais evidencia

que ao menos alguns direitos obrigam os particulares, não sendo possível, de fato,

em relação a determinados direitos fundamentais, propor a exclusão dos particulares

como sujeitos destinatários358.

Essa fundamentação inspira-se nos principais argumentos

construídos pela jurisprudência e pela dogmática constitucional comparadas,

356

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 247-248.

357 SANTOS, Alessandro Pombo dos. Breves notas sobre a eficácia horizontal dos direitos humanos. Dataveni@. Ano X – março – 2006 – nº 89. Disponível em: www.datavenia.net/artigos/breves notas sobre a eficácia horizontal dos direitos humanos.html. Acessado em: 14 set. 2010.

358 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, 2004. p. 101.

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ajustando-os ao referencial normativo constitucional brasileiro, apoiando-se em

dados positivos específicos da CRFB/88. Consoante a isso, não se elege um, mas

sim um feixe de fundamentos constitucionais, havendo fundamentos principais, com

uma maior força dogmática (princípio da supremacia da Constituição), e

fundamentos adicionais, com uma menor força dogmática (principio constitucional da

solidariedade e princípio da aplicação imediata dos direitos fundamentais).

Corrobora esses fundamentos, a tese de que a vinculação dos particulares a direitos

fundamentais não é uma mera faculdade constitucional, mas uma imposição básica

da CRFB/88359.

Steinmetz elucida que além de argumentos jurídicos, também

há argumentos éticos, históricos e sociológicos em favor da eficácia dos direitos

fundamentais nas relações entre particulares360.

Traz como argumento de caráter ético, a posição de Jean

Rivero, para o qual a não extensão da eficácia de direitos fundamentais aos

particulares, é inaceitável implicando duas éticas diferentes: a) uma ética válida para

as relações entre pessoas e Estado, relações sobre os quais normas de direitos

fundamentais incidem; e b) uma ética válida para as relações privadas, nas quais as

normas de direitos fundamentais não incidem.

Sobre o ponto de vista ético ainda, outro argumento é aquele

segundo o qual os direitos fundamentais são ou carregam valores morais universais

que devem valer para todos os membros da comunidade nas relações que

estabelecem com o Estado e entre si.

Histórico, diz que a evolução dos direitos fundamentais, desde

os fins do século XVIII, é dinamizada por um movimento de ampliação, seja no plano

dos sujeitos titulares, da especialidade e dos âmbitos vitais de proteção. A exclusão

das relações privadas da incidência de tais direitos contraria a tendência histórica de

expansão desses direitos.

359

STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, 2004. p. 102-103.

360 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, 2004. p. 102.

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Sociologicamente, poder-se-ia argumentar que tais direitos são

conquistas sociais viabilizadoras da sociedade civilizada, e a não-incidência destes

direitos, enfraqueceria a consciência e os laços comunitários, ameaçando ou

inviabilizando, por conseguinte, a coexistência social pacífica.

A discussão em torno dessa aplicação, além ou mesmo por

detrás dos argumentos jurídicos, revela também para Sarlet,

[...] um viés político e ideológico, sustentando-se, nesta linha argumentativa, que a opção por uma eficácia direta traduz uma decisão política em prol de um constitucionalismo da igualdade, objetivando a efetividade do sistema de direitos e garantias fundamentais no âmbito do Estado social de Direito, ao passo que a concepção defensora de uma eficácia apenas indireta encontra-se atrelada ao constitucionalismo de inspiração liberal-burguesa361.

No atual constitucionalismo brasileiro, desempenha os direitos

fundamentais uma dupla função, ou seja, no plano subjetivo garantem direitos de

liberdade individual, muito embora obedecendo aos aspectos coletivos e sociais; e

no plano objetivo tem uma dimensão institucional, qual seja o conteúdo dos direitos

fundamentais deve operacionalizar-se de forma a proporcionar a consecução dos

fins e valores constitucionais proclamados. E, para uma operacionalização efetiva,

imprescindível é a máxima tutela dos direitos fundamentais, a qual é alcançada não

somente com a vinculação do Estado aos direitos fundamentais, mas também com a

vinculação dos particulares, em suas relações jurídico-privadas, a esses direitos362.

A circunstância de não serem absolutos e, desta maneira,

sujeitos a restrições, assim como o próprio reconhecimento de uma esfera de

disponibilidade e até mesmo de certo grau de renunciabilidade, não podem afastar

uma vinculação direta dos particulares363.

361

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 147.

362 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 89.

363 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 150.

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No marco da ordem constitucional da República Federativa do

Brasil, os melhores argumentos corroboram a tese de que os direitos fundamentais

vinculam imediata ou diretamente os particulares364.

Interessante a observação de Kretz sobre o assunto:

na ordem constitucional pátria, apesar de a CRFB/88 não ter recepcionado expressamente um dispositivo no tocante à vinculação e aplicabilidade dos direitos fundamentais aos particulares, como se vislumbra no texto da Constituição Portuguesa em seu artigo 18/1, inexiste argumento forte o bastante que possa sustentar a negativa de uma eficácia horizontal. Ao menos no que concerne aos direitos fundamentais que não possuam como únicos destinatários os poderes públicos365.

Consta-se, contudo, uma escassez doutrinária diante da

relevância prática e teórica do assunto, observando-se de modo geral, que dentre os

pouquíssimos que escreveram a respeito da vinculação dos particulares aos direitos

fundamentais, prevalece à tese da vinculação direta366.

Argumento favoravelmente a eficácia horizontal nas relações

jurídicas entre particulares, Kretz elucida que:

Outro ponto a ser destacado é o fato de a CRFB/88, em seu artigo 1º, inciso III, ter reconhecido a dignidade da pessoa humana como princípio constitucional e como um dos fundamentos de nosso Estado Democrático de Direito.

Como princípio constitucional, a dignidade da pessoa humana “constitui valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a ordem jurídica (constitucional e infraconstitucional)”. Com isso, o princípio da dignidade da pessoa humana faz com que repouse na pessoa o fundamento e o fim da sociedade e do Estado367.

E concluindo sua defesa, destaca:

364

STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, 2004. p. 271.

365 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 107.

366 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 260.

367 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 108.

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O dever de respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais, por conseqüência, pressupõe e exige um dever das pessoas para além de seus semelhantes, para consigo mesmas. E isto faz com que, mesmo por vontade própria, os particulares não possam restringir de qualquer forma seus direitos fundamentais. O núcleo essencial é irrenunciável e, por isso, jamais poderá ser violado, mesmo que com a concordância do titular do direito fundamental.

Não obstante, o direito não pode ser encarado de uma forma

fechada, feito de regras prontas e mecânicas, o que, diga-se de passagem, já se

provou ultrapassado. Sarmento ratifica esse entendimento da seguinte forma:

Ademais, a compreensão de que o princípio da dignidade da pessoa humana representa o centro de gravidade da ordem jurídica, que legitima, condiciona e modela o direito positivado, impõe, no nosso entendimento, a adoção da teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. De fato, sendo os direitos fundamentais concretizações ou exteriorizações daquele princípio, é preciso expandir para todas as esferas da vida humana a incidência dos mesmos, pois, do contrário, a proteção à dignidade da pessoa humana - principal objetivo de uma ordem constitucional democrática - permaneceria incompleta. Condicionar a garantia da dignidade do ser humano nas suas relações privadas à vontade do legislador, ou limitar o alcance das concretizações daquele princípio à interpretação das cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados do Direito Privado, significa abrir espaço para que, diante da omissão do poder legislativo, ou da ausência de cláusulas gerais apropriadas, fique irremediavelmente comprometida uma proteção, que, de acordo com a axiologia constitucional, deveria ser completa e cabal368.

Contudo, acerca da aplicação da eficácia horizontal dos direitos

fundamentais, Steinmetz observa que ela deve ser “„matizada‟ („modulada‟ ou

„graduada‟) por estruturas de ponderação (ordenadas no princípio da

proporcionalidade e seus elementos) que, no caso concreto, tomem em

consideração os direitos e/ou princípios fundamentais em colisão e as circunstâncias

relevantes”369.

Na jurisprudência brasileira embora não tão escassas as

decisões judiciais que se utilizam dos direitos fundamentais para dirimir conflitos de

368

SARMENTO apud GONÇALVES FILHO, Edilson Santana. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Disponível em www.lfg.com.br. Acessado em: 16 de set. 2010.

369 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, 2004. p. 295.

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caráter privado, com raríssimas exceções, não são precedidos de grande

fundamentação doutrinária estes julgamentos370.

Tais decisões são exemplificadas e estudadas no próximo

subtítulo deste capítulo, o qual trata da aplicação da teoria da eficácia horizontal

direta pelos tribunais brasileiros.

3.2 APLICAÇÃO PELOS TRIBUNAIS BRASILEIROS

Após a Segunda Guerra Mundial, vem sustentando a doutrina e

a jurisprudência alemã, a produção pelos direitos fundamentais, além do efeito

vertical, um efeito horizontal mais conhecido em tal doutrina como Drittwirkung que

significa literalmente efeito perante terceiros, qual seja, vinculação de sujeitos de

direito além do Estado, vinculando os particulares, em determinadas situações,

direta ou indiretamente371.

Dimoulis; Martins citam como outra fonte muito relevante de

estudo dos direitos fundamentais, “a jurisprudência, incluindo precipuamente a

comparada, que, devendo avaliar a legalidade e a constitucionalidade de diversas

medidas, examina questões relativas aos limites dos direitos fundamentais”372.

Para Silva, o problema da vinculação dos particulares a direitos

fundamentais, não ocupa de modo explicito a jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal - STF, contudo, não significa que casos envolvendo esses direitos não

tenham sido apreciados pelo Tribunal, mas este, nunca se dedicou a desenvolver

uma tese sobre o problema ou aplicar algum modelo a tais casos373.

Parando-se para analisar o entendimento dos Tribunais

brasileiros, sem, contudo, ter-se o objetivo de exaurir a matéria, destacam-se de

maneira ilustrativa, decisões proferidas pelos Tribunais, e Tribunais Superiores,

370

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 260.

371 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p. 108.

372 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2007. p. 21.

373 SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito, 2005. p. 93.

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segundo Sarmento374, contam-se às centenas, aos casos de aplicação direta da

Constituição em ações de responsabilidade civil por dano material e moral,

decorrentes de abusos no exercício da liberdade de expressão. Tais decisões,

invocam os incisos V e X do art. 5º da CRFB/88, os quais parecem voltados à

disciplina de relações jurídico-privadas precipuamente.

Em contrapartida, em outros casos, é empregado o art. 5º,

inciso IV da CRFB/88, o qual consagra a liberdade de expressão, acabando por

decorrer a resolução do litígio privado, de uma autêntica ponderação judicial entre os

interesses constitucionais conflitantes, precedidos da aplicação das regras ordinárias

do direito civil. A respeito dessa matéria, o acórdão proferido pela 5º Câmara Cível

do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul na Apelação Cível 596142562, relatada

pelo Desembargador Araken de Assis, ilustra esta tendência:

CIVIL. REPARAÇÃO DE DANO MORAL. CONFRONTO ENTRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO E CRÍTICA E DIREITO À TUTELA DA IMAGEM E DA HONRA. DISTINÇÃO ENTRE ATIVIDADE PÚBLICA E PRIVADA DA PESSOA. POSIÇÃO DE PREPONDERÃNCIA DA LIBERDADE DE CRÍTICA, NO CAMPO DAS ATIVIDADES PÚBLICAS, NO CONFRONTO COM A IMAGEM.

1. A honra e a imagem integram os direitos da personalidade, tutelados na constituição (art. 5º, V e X), bem como a liberdade de expressão e de crítica (art. 5º, IV). No eventual confronto entre tais valores, há de se distinguir, nas atividades da pessoa, a esfera pública da esfera privada. Quando alguém exerce atividade pública saindo da vida privada, se torna passível de crítica, agasalhada pela preponderância da liberdade de expressão. Caso em que certo médico, investido nas funções de administrador de hospital, mereceu críticas do administrador anterior, defendendo outras diretrizes administrativas. Tutela da liberdade de expressão.

O grande pioneiro na propagação da teoria da eficácia direta,

Nipperdey, era juiz do Tribunal Federal do Trabalho alemão. Tal fato, por si só, já

demonstra cabalmente a fundamental importância das relações laborais para o

desenvolvimento da teoria.

A prática adotada por algumas empresas brasileiras de

submeter seus empregados no final da jornada ao constrangimento de passar por

374

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 264-265.

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uma “revista”, expondo suas partes intima, com o objetivo de impedir furtos, vem

sendo considerada como violadora do direito à intimidade que protege o trabalhador,

projeção da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, confira-se:

DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. REVISTA DE EMPREGADO. Dano moral - Indenização. Revista íntima - Constrangimento ilegal. A revista feita com o intuito de desencorajar eventuais furtos não pode, em nenhuma hipótese, submeter o empregado a constrangimento ilegal. Extrapola o poder de direção do empregador, ainda que seja para justificar a defesa de seu patrimônio, atitudes que violem a intimidade do trabalhador. Trata-se de direito fundamental do indivíduo garantido constitucionalmente (art. 5º, X, CF/88). (TRT 01ª R.; Rec. 01921-2003-063-01-00-8; Terceira Turma; Rel. Des. Gustavo Tadeu Alkmim; Julg. 07/02/2006; DORJ 10/05/2006)

REVISTA PESSOAL. PRÁTICA TOLERÁVEL DESDE QUE PRESERVADA A INTIMIDADE DO TRABALHADOR. A doutrina tem considerado a revista uma espécie de polícia privada. Por essa razão é admitida excepcionalmente e de maneira genérica, com observância à privacidade do empregado, aos seus pertences e aos espaços pessoais e funcionais. Para que a revista pessoal de empregado seja admitida como meio de proteger o patrimônio do empregador, como preservação do próprio objeto da atividade econômica ou para a segurança interna da empresa, hão de ser levados em conta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, jamais se afastando, ainda que as intenções pareçam válidas, da preservação da intimidade da pessoa humana, direito fundamental, universal e intocável. (TRT 12ª R.; RO-V 02478-2002-028-12-00-4; Ac. 12780/2006; Terceira Turma; Relª Juíza Lília Leonor Abreu; Julg. 29/08/2006) DANO MORAL – REVISTA ÍNTIMA – DIREITO À INTIMIDADE X DIREITO DE PROPRIEDADE – COLISÃO ENTRE DIREITOS CONSTITUCIONALMENTE TUTELADOS – TEORIA DA PONDERAÇÃO DE INTERESSES – Em razão do princípio específico da unidade da constituição, na hipótese de colisão entre direitos constitucionalmente tutelados, o método a ser utilizado é aferir entre os interesses contrapostos aquele que possui, no caso concreto, maior preeminência e menor restrição na ordem jurídica constitucional, limitando-se um direito fundamental para salvaguardar outro. No caso em apreço, o poder de fiscalização da propriedade do empregador é limitado à garantia de preservação da honra e da intimidade da pessoa física do trabalhador, que encontra no princípio da dignidade da pessoa humana sua maior expressão. (TRT 24ª R. – RO 1624/2005-001-24-00-2 – Rel. Juiz André Luís Moraes de Oliveira – DOMS 20.06.2006).

A presença dos direitos fundamentais nos julgamentos

trabalhistas – e aqui não me reporto àqueles direitos que são concedidos

especificamente aos trabalhadores, mas sim aos decorrentes da própria dignidade

humana – tem aumentado exponencialmente.

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No âmbito do STJ, cumpre destacar para Sarmento375, a

decisão proferida pela 4º Turma, em junho de 2000, no Habeas Corpus nº

12.547/DF, na qual foi debatida a vinculação dos particulares aos direitos

fundamentais.

HABEAS CORPUS. Prisão civil. Alienação fiduciária em garantia. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Direitos fundamentais de igualdade e liberdade. Cláusula geral dos bons costumes e regra de interpretação da lei segundo seus fins sociais. Decreto de prisão civil da devedora que deixou de pagar dívida bancária assumida com a compra de um automóvel-táxi, que se elevou, em menos de 24 meses, de R$ 18.700,00 para R$ 86.858,24, a exigir que o total da remuneração da devedora, pelo resto do tempo provável de vida, seja consumido com o pagamento dos juros. Ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, aos direitos de liberdade de locomoção e de igualdade contratual e aos dispositivos da LICC sobre o fim social da lei e obediência aos bons costumes. Arts. 1º, III, 3º, e 5º, caput, da CR. Arts. 5º e 17º da LICC. DL 911/67. Ordem deferida.

Debateu-se a respeito da prisão civil por dívida de uma taxista,

cujo débito decorrente de um contrato de alienação fiduciária de veículo, fora

praticamente multiplicado por 5 em menos de 24 meses pela incidência de juros, os

quais consumiriam todos os recursos da impetrante, além do mais, todos os que até

o final da sua vida, teria expectativa de ganhar.

Tal decisão foi relatada pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar,

que expos as teorias da eficácia direta e indireta dos direitos fundamentais nas

relações privadas, manifestando-se a respeito da incidência da teoria direta,

constando em seu voto:

Não me parece que a eficácia na relação de direito privado seja somente indireta, pois bem pode acontecer que o caso concreto exija a aplicação imediata do preceito constitucional, quando inexistir norma infraconstitucional que admita interpretação de acordo com a diretiva constitucional, ou faltar cláusula geral aplicável naquela situação, muito embora esteja patente a violação do direito fundamental [...]. No caso dos autos, porém, a distinção entre eficácia direta e indireta frente a terceiros é irrelevante. Tanto seria possível aplicar diretamente o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, como a cláusula geral do art. 17 da Lei de Introdução ao Código Civil, sobre ordem pública e bons costumes, cuja similar alemã é usada em casos tais, além do emprego da

375

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 263-264.

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norma de hermenêutica que condiciona a aplicação da lei aos fins sociais a que ela se dirige.

A respeito do tema, o STJ no julgamento do habeas corpus nº

93874, relatado pelo Ministro Arnaldo Esteves Lima, publicado no Diário da Justiça

eletrônico – DJE, em 02 de agosto de 2010, posicionou-se mais uma vez, pela

aplicação da eficácia horizontal, conforme excerto abaixo:

A Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade, objetivo dos revolucionários, serviram de base para a formação dos direitos de 1ª, 2ª e 3ª dimensões, assim entendidos na modernidade, que se institucionalizaram especialmente após a II Guerra Mundial. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1948, é fruto desses propósitos libertadores das opressões do Estado Absolutista.

Assim, os direitos e garantias fundamentais elencados na Carta Magna, contemplados na dimensão objetiva, consistem em norte para atuação valorativa do Estado na realização do bem comum. Já na dimensão subjetiva, permitem ao indivíduo se sobrepor à arbitrariedade estatal.

Nesse aspecto, tem o Estado o dever de proteção dos indivíduos frente ao próprio poder estatal (eficácia vertical), bem como em face da própria sociedade, justificando a eficácia horizontal dos direitos humanos nas relações particulares.

Não há falar, portanto, em sobreposição de um direito fundamental sobre outro. Eles devem coexistir simultaneamente. Havendo aparente conflito entre eles, deve o magistrado buscar o verdadeiro significado da norma, em harmonia com as finalidades precípuas do texto constitucional, ponderando entre os valores em análise, e optar por aquele que melhor resguarde a sociedade e o Estado Democrático376.

Existem algumas decisões do STF, sobre a matéria que

merecem referência dentro de uma ordem cronológica, as quais são apresentadas

por Sarmento377.

376

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 93874. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. DJE 02 ago. 2010.

377 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 261-262.

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No ano de 1996, no julgamento do recurso extraordinário nº

158215-4/RS, proferido pela 2º turma do STF, sendo relator o Ministro Marco

Aurélio, consta na referida ementa:

DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - EXAME - LEGISLAÇÃO COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito - o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER PUNITIVO - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da defesa.

No caso em questão, discutia-se sobre a exclusão punitiva de

associados de uma determinada cooperativa, sem a oportuna oferta do direito de

defesa. Não foi sequer travada uma discussão a respeito da aplicabilidade das

garantias constitucionais às relações privadas, mas acabou sendo acolhida, de

qualquer forma, a pretensão dos associados excluídos, por força da aplicação direta

ao caso do direito fundamental à ampla defesa expresso no artigo 5º, inciso LV, da

CRFB/88.

Demonstra-se, no julgado acima, “que a eficácia horizontal dos

direitos humanos não só está inserida no âmbito do direito material, mas também se

vê identificada com os comandos normativos processuais, notadamente, por ser o

devido processo legal a base instrumental de todas as garantias previstas na

Constituição da República”378.

378

SANTOS, Alessandro Pombo dos. Breves notas sobre a eficácia horizontal dos direitos humanos. Dataveni@. Ano X – março – 2006 – nº 89. Disponível em: www.datavenia.net/artigos/breves notas sobre a eficácia horizontal dos direitos humanos.html. Acessado em: 14 set. 2010.

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125

Neste mesmo ano, novamente a 2º turma do STF, julgou outro

caso de incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas no Recurso

Extraordinário nº 161.243-6/DF, que foi relator o Ministro Carlos Velloso, só

publicado no Diário da Justiça, em 1997, constando na ementa:

CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA: APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput.

I. - Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput).

II. - A discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF: Ag 110.846(AgRg)-PR, Célio Borja, RTJ 119/465.

Segundo o autor, decidiu o STF no ano de 2001, o Recurso

Extraordinário nº 251.445/GO, relatado pelo Ministro Celso de Mello, que a proibição

constitucional da prova ilícita, também alcançaria no processo penal, as resultantes

de ato ilícito perpetrado por particular, na qual não tivesse nenhum tipo de

participação o Estado. Argumentou o relator neste sentido, que se:

[...] a prova penal incriminadora resultar de ato ilícito praticado por particular, e a res furtiva, por efeito de investigação criminal promovida por agentes públicos, for por estes apreendida, também aqui, mesmo não sendo imputável ao Poder Público o gesto de desrespeito ao ordenamento jurídico [...] remanescerá caracterizada a situação configuradora da ilicitude da prova.

Por estes acórdãos, entende Sarmento, que o STF aceita a

aplicação direta de direitos fundamentais na resolução de conflitos interprivados,

independentemente da mediação do legislador. Mesmo não tendo discutido as

diversas teorias em seus julgados, extrai-se que o STF posiciona-se a respeito da

adesão à tese mais progressista, da eficácia direta e imediata dos direitos

fundamentais nas relações privadas.

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126

Sobre o assunto, reconhecimento da aplicação dos direitos

fundamentais nas relações privadas, extrai-se trecho do Recurso Extraordinário

201.819-8379 do Rio de Janeiro, de 2005, não abordado na pesquisa de Sarmento:

SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO.

I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados.

II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais.

III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCR ATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público,

379

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 201.819-8. Relatora: Min. Ellen Gracie. DJ 11 out. 2005.

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ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88).

A Ministra Ellen Gracie, relatora do processo, posicionou-se em

favor do provimento do recurso, argumentando que “as associações privadas têm

liberdade para se organizar e estabelecer normas de funcionamento e de

relacionamento entre os sócios, desde que respeitem a legislação em vigor”. Além

disso, segundo ela, como “cada indivíduo, ao ingressar numa sociedade, conhece

suas regras e seus objetivos”, então “a controvérsia envolvendo a exclusão de um

sócio de entidade privada resolve-se a partir das regras do estatuto social e da

legislação civil em vigor”, concluindo que é “totalmente descabida a invocação do

disposto no art. 5º, LV da Constituição para agasalhar a pretensão do recorrido de

reingressar nos quadros da UBC”380.

O Ministro Gilmar Ferreira Mendes, após pedir vista dos autos,

expoente conhecedor do direito alemão, proferiu aquele que seria o voto vencedor,

tecendo minuciosas considerações acerca da eficácia dos direitos fundamentais nas

relações entre particulares. Dentre as considerações, salientou que não era sua

intenção “discutir no atual momento qual a forma geral de aplicabilidade dos direitos

fundamentais que a jurisprudência desta Corte professa para regular as relações

entre particulares”; importava-lhe, isto sim, “ressaltar que o Supremo Tribunal

Federal já possui histórico identificável de uma jurisdição constitucional voltada para

a aplicação desses direitos às relações privadas”381.

380

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 201.819-8. Relatora: Min. Ellen Gracie. DJ 11 out. 2005.

381 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 201.819-8. Relatora: Min. Ellen Gracie. DJ 11 out. 2005.

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È possível concluir, que a jurisprudência brasileira mesmo sem

adentrar na discussão das teses jurídicas da vinculação dos direitos fundamentais

aos particulares, vem aplicando diretamente os direitos individuais consagrados na

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, na resolução dos litígios

entre particulares382.

A eficácia dos direitos fundamentais nas relações jurídico-

privadas significa bem mais do que um simples esclarecimento de sentido na esfera

de um projeto geral de sentido dos direitos fundamentais, representando, algo como

um novo “horizonte hermenêutico”, implicando uma leitura completamente nova do

sentido das normas constitucionais definidoras de direitos e garantias

fundamentais383.

3.3 PARÂMETROS PARA A PONDERAÇÃO DE INTERESSES

O reconhecimento da vinculação direta dos particulares aos

direitos fundamentais não implica na aplicação de tais direitos nas relações privadas

da mesma maneira que vigoram nas relações verticais, diante disso, “o fato de que

os particulares são também titulares de direitos fundamentais, desfrutando de uma

autonomia privada constitucionalmente protegida, impõe uma série de adaptações e

especificidades na incidência dos direitos humanos no campo privado”384.

Na dogmática constitucional, é indiscutível que não há direito a

que se possa conferir uma aplicação total ou incondicional, mesmo em face do

Estado. O caráter relativo e limitado de tais direitos decorre da própria noção de

unidade da constituição, e da consequente necessidade de coordenação e

harmonização dos valores constitucionalmente protegidos, sendo assim, em tese, os

direitos fundamentais aplicáveis as relações entre particulares, cabendo ao

382

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 265.

383 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 160.

384 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 270.

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intérprete modular a extensão de sua incidência, considerando a proteção

constitucional da autonomia privada385.

Contanto, a fixação de limites para a incidência dos direitos

fundamentais nas relações privadas envolve um problema de ponderação com a

autonomia privada, devendo esta, ser realizada primariamente pelo legislador, a qual

se transfere ao juiz na falta de norma ou diante da sua inadequação em face dos

valores constitucionais em jogo386.

Um dos principais critérios da utilização da ponderação na

aplicação dos direitos fundamentais é para Sarmento,

[...] a dignidade da pessoa humana afirma-se como o principal critério substantivo na direção da ponderação de interesses constitucionais. Ao deparar-se com uma colisão entre princípios constitucionais, tem o operador do direito de, observada a proporcionalidade, adotar a solução mais consentânea com os valores humanitários que este princípio promove387.

Nessa esfera da problemática da eficácia dos direitos

fundamentais nas relações privadas, em face de conflitos da autonomia privada e

outros direitos fundamentais, para Sarlet, vislumbra-se inequivocamente a

necessidade de uma análise calcada nas circunstâncias específicas do caso

concreto, devendo ser tratada, de modo geral, similar as hipóteses de colisão,

conflito, entre direitos fundamentais de diversos titulares, buscando-se sempre como

meta, uma solução embasada na ponderação dos valores em pauta, norteada pela

busca do equilíbrio e concordância prática, caracterizada pelo não-sacrifício

completo de um dos direitos fundamentais em questão, assim como pela

preservação, na medida do possível, da essência de cada um388.

Kretz argumentando favorável a eficácia direta elucida que:

385

PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares, 2006. p. 186.

386 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 271.

387 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 281.

388 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 159.

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130

Sob esse entendimento, a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares torna-se totalmente viável e, inclusive, mais prudente, uma vez que somente com a análise do caso concreto e mediante a ponderação dos bens e direitos em causa, poder-se-á efetivamente proteger a dignidade da pessoa humana e, dessa forma, tornar a expressão da vontade individual em uma prática da cidadania, e não mera forma egoística de manifestação do interesse isolado, com o intuito de se alcançar uma sociedade mais juspolítica, a qual tenha um mínimo de padrão objetivo do justo, e, assim, livre, justa e solidária389.

Sem embargo, faz-se necessário e importante estabelecer

normas e parâmetros para estes casos de colisão objetivando o fornecimento de

pautas que possam estreitar as margens de discricionariedade judicial, ampliando a

segurança jurídica, definindo critérios para o controle social e a crítica pública das

decisões jurisdicionais proferidas nesta seara390.

É corriqueira a afirmação de que o problema da eficácia dos

direitos fundamentais nas relações entre particulares, na esfera que se adote, há de

ser resolvido mediante um processo de ponderação, o qual deverá sopesar os

diversos valores envolvidos. Todavia, o desafio colocado a teoria constitucional é de

estabelecer critérios específicos para esse tipo de ponderação, os quais se

apresentam adequados à peculiaridade presente nos conflitos de direito nas

relações entre particulares, que consiste na circunstância de o agente

potencialmente violador destes ser também titular de direitos fundamentais391.

As ponderações de direitos fundamentais que envolvem

relações entre particulares sempre assumem um caráter complexo e

multidimensional, já que costumam estar em jogo diversos valores, tais como o

direito supostamente lesionado, o princípio da autonomia privada e o direito a

intimidade. Demonstra essa complexidade a necessidade de definirem-se

389

KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais, 2005. p. 114.

390 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil, 2006. p. 271.

391 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares, 2006. p. 186.

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parâmetros racionais e objetivos para informar a determinação dos limites da

incidência dos direitos fundamentais na esfera das relações privadas392.

392

PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares, 2006. p. 190.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os direitos fundamentais são direitos do ser humano,

reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional de cada Estado,

estando, portanto, umbilicalmente ligados ao paradigma ideológico estatal vigente na

sociedade em cada época. As transformações operadas na estrutura do Estado e o

modo deste interagir com os indivíduos tiveram por conseqüência direta uma

profunda evolução do significado desses direitos, desde sua gênese até os sistemas

constitucionais da contemporaneidade.

Essa evolução, segundo Sarmento é resultado de uma

evolução histórica por meio de lutas, batalhas, revoluções e rupturas sociais que

miravam a exaltação da dignidade do homem.

Os mais importantes antecedentes históricos positivos dos

direitos fundamentais, como exemplo, Magna Carta Inglesa de 1215, tinham por

meta central a limitação do poder estatal; fazia-se então necessário, precipuamente,

conter o “Estado-Leviatã”, no sentido de assegurar aos cidadãos um catálogo de

medidas eficazes voltadas à proteção de suas liberdades individuais, uma primeira

dimensão de direitos fundamentais.

Movimentos sociais em diversos países, especialmente na

segunda metade do século XIX e primeira do século XX, colocaram em evidência a

insuficiência do modelo Liberal de direitos fundamentais, desencadeando o

transcurso do Estado Liberal para o Estado Social, reconhecendo nos primeiros

textos constitucionais, junto às liberdades individuais tradicionais, direitos sociais

referentes à proteção da família, da educação e do trabalho, irrompendo a segunda

dimensão de direitos fundamentais.

A teoria do efeito horizontal surgiu na esfera de uma reflexão

política, no constitucionalismo pós-guerra alemão, objetivando proteção aos

interesses de classes e grupos sociais mais vulneráveis.

Uma análise abrangente da evolução dos direitos humanos,

não mais nos permite afirmar que estes sejam somente oponíveis ao Estado, pois a

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inserção de tais direitos nos sistemas jurídicos contemporâneos acarretou além de

rupturas na ordem política, uma profunda reestruturação da sociedade civil.

Contanto, superada a idéia de que os direitos fundamentais

são, exclusivamente, direitos subjetivos públicos, tendo por único destinatário o

Estado, a doutrina converge no sentido da força vinculante da Constituição, que é

norma jurídica, como uma ordem objetiva de valores, diretamente ligados à noção

da dignidade da pessoa humana, na condição de norma cogente, que permeia todo

o tecido normativo, este compreendido sistematicamente a partir da própria

Constituição, numa idéia de unidade do próprio sistema de Direito. Ademais, não

faria sentido, partindo destas premissas, em um Estado Democrático e de Direito,

limitar o poder estatal e admiti-lo ilimitado nas relações privadas. Neste ínterim, faz-

se necessário aferir as formas e limites que tal aplicação pode vir a incidir, não mais

contestando a insuficiência da proteção contra o Estado.

Todas as soluções levantadas pela doutrina são de certo

maneira, parciais e não apresentam um consenso. Entretanto, perfilhamos o

entendimento de que os direitos fundamentais têm eficácia direta em relação aos

particulares, excetuados aqueles casos em que tais direitos vinculam tão-somente o

Estado. Assim, forçoso é admitir a vinculação do particular, nas relações privadas,

ao sistema dos direitos fundamentais, porque o próprio Estado, a ser chamado a

dirimir conflitos intersubjetivos dessa natureza, está invariavelmente a ele vinculado,

ou seja, a vinculação se dá, ao menos, por meio do Estado, na medida em que, na

função de mandamento de tutela, cumpre ao Poder Público dar efetividade aos

direitos fundamentais, tornando-os concretos inclusive nas relações de Direito

Privado.

No plano jurisprudencial, é de se aferir, que os tribunais

brasileiros, especialmente o Supremo Tribunal Federal, na maioria dos conflitos em

que foi suscitada a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, ainda que

não tenha se posicionado acerca do referencial teórico adotado sobre a eficácia dos

direitos fundamentais em tais situações, tão-pouco sobre os limites da vinculação,

tem se utilizado diretamente dos direitos fundamentais para dirimir as controvérsias

que lhe têm sido postas à decisão, em consonância com a posição adotada no

presente trabalho.

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134

O estudo das relações entre a ordem constitucional e,

especialmente, as normas de direitos fundamentais nela consagradas, e a ordem

jurídico-privada, na esfera da qual se destaca a problemática da vinculação dos

particulares aos direitos fundamentais, suscita para Sarlet “tantos enfoques e

problemas quanto são peculiares e numerosas as próprias situações passíveis de se

verificarem na esfera das relações entre sujeitos privados que digam com os direitos

fundamentais”393, destacando que a eficácia dos direitos fundamentais nas relações

jurídico-privadas significa bem mais do que mero esclarecimento de sentido,

representando, isto sim, um novo “horizonte hermenêutico”, implicando uma leitura

completamente nova no sentido das normas constitucionais definidoras de direitos e

garantias fundamentais.

A primeira hipótese de pesquisa restou confirmada, uma vez

caracterizada a aplicação, o reconhecimento e a incidência de forma direta dos

direitos fundamentais nas relações particulares no ordenamento jurídico brasileiro,

ressaltando-se a necessidade de uma ponderação em eventuais colisões de direitos

fundamentais.

Porém a segunda hipótese, não confirmou-se, pois embora não

tenha definido uma forma e grau de incidência, tem os tribunais brasileiros

reconhecido e aplicado a tese da eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais

nas relações privadas.

Por fim, o estudo da eficácia dos direitos fundamentais nas

relações privadas ainda não foi merecedor da atenção apropriada, principalmente

pelos Tribunais brasileiros, que embora venha reconhecendo e aplicando, ainda não

se posicionou acerca da forma e grau de incidência de tais direitos, o que nos faz

compartilhar da ideia de Sarlet, para o qual o tema oferece terreno fértil para

desenvolvimentos reclamando o seu devido enfrentamento no direito pátrio,

aclamando pela continuidade dos estudos.

393

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado, 2000. p. 160.

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REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

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