Efeito do movimento passivo contínuo isocinético na hemiplegia espástica

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ARTIGO ORIGINALEfeito do movimento passivo contnuo isocintico na hemiplegia espstica Effect of isokinetic continuous passive mobilization in spastic hemiplegiaVanessa Pelegrino Minutoli1, Marta Delfino1, Srgio Takeshi Tatsukawa de Freitas2, Mrio Oliveira Lima2, Charli Tortoza3, Carlos Alberto dos Santos4

Resumo

O Acidente Vascular Enceflico (AVE), afeta freqentemente a funo do Sistema Nervoso Central (SNC). O objetivo principal da reabilitao fsica a restaurao da funo motora para executar as atividades de vida diria tais como, agarrar, alcanar e realizar movimentos complexos. As funes motoras so dependentes do controle da fora muscular que se torna comprometida com os danos do Sistema Nervoso Central e se manifesta com incoordenao, hiperreflexia, espasticidade e fraqueza muscular unilateral. Existem vrios mtodos para quantificar a espasticidade. Atualmente o dinammetro isocintico demonstra ser um equipamento mais eficaz, pois favorece a padronizao da angulao, velocidade de estiramento e posicionamento, podendo minimizar a subjetividade da avaliao. Desde modo, o objetivo desse trabalho foi analisar o efeito da mobilizao passiva continua em duas velocidades (120/s e 180/s) em pacientes hemiplgicos com hipertonia espstica. Cinco pacientes entre 40 55 anos de ambos os sexos com histria de AVE apresentando espasticidade, foram submetidos a mobilizao passiva contnua por um dinammetro isocintico por 30 repeties, em velocidades de 120/s e 180/s. Todos apresentaram grau 2 de espasticidade dos msculos extensores do joelho e graus 0, 1 e 1+ dos msculos flexores pela escala modificada de Ashworth. Os resultados mostraram uma reduo significativa da resistncia passiva a partir da 6 repetio em ambas as velocidades angulares. Concluiu-se que o movimento passivo continuo realizado no dinammetro isocintico uma maneira eficaz para medir e reduzir a espasticidade.PalavRas-chave abstRact

acidente cerebrovascular, hemiplegia, espasticidade muscular, reabilitao, dinammetro de fora muscular, atividade motora Cerebrovascular Accidents (CVA) often affect the central nervous system (CNS) function. The primary concern addressed in physical rehabilitation is the restoration of the motor function required to perform activities of daily living (ADL), such as grasping, reaching and performing complex movements. Motor tasks depend on the control of muscular strength, which is compromised by damage to the CNS and manifests as impaired coordination, hyperreflexia or spasticity and unilateral muscular weakness. Several methods are used to quantify spasticity. The isokinetic dynamometer seems to be a more effective device, as it allows for the standardization of joint angles, speed of stretching and positioning, in addition to minimizing the subjectivity of the evaluation. Therefore, our objective was to analyze the effect of the continuous passive mobilization at two speeds (120/s and 180/s) in hemiplegic patients with spasticity. Five patients of both sexes between 40 - 55 years old with a history of CVA and accompanying spasticity were enrolled in the study. All patients presented degree 2 spastic extensor muscles of the knee joint at the Modified Scale of Ashworth and degrees 0, 1 and 1+ flexor muscles at the same scale. All the individuals were submitted to continuous passive mobilization by an isokinetic dynamometer at speeds of 120/second and 180/second with 30 repetitions of each. The results showed a significant reduction of passive resistance

1 Fisioterapeuta Universidade do vale do Paraba - Faculdade de Cincias da Sade 2 Coordenador do Curso de Ps-Graduao Lato-Sensu da UNIVAP; Mestre em Cincias Biolgicas pela Universidade do Vale Paraba 3 Mestre em Cincias da Motricidade - UNESP; Educador Fsico 4 Mestre em Cincias da Sade - UNIFESP; Fisioterapeuta do Hospital Auxiliar de Suzano do Hospital das Clnicas da FMUSP ENDEREO PARA CORRESPONDNCIA Hospital Auxiliar de Suzano do Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina USP / Carlos Alberto dos Santos Av. Dr. Prudente de Moraes, 2200 - Suzano - SP - Cep 08675-970 E-mail: [email protected] Recebido em 02 de Agosto de 2006, aceito em 04 de Julho de 2007.

ACTA FISIATR 2007; 14(3): 142-148

Minutoli VP, Delfino M, Freitas STT, Lima MO, Tortoza C, Santos CA. Efeito do movimento passivo contnuo isocintico na hemiplegia espstica

after the 6th repetition, regardless of the angular velocities. We concluded that continuous passive mobilization by an isokinetic dynamometer is an effective way to quickly measure and reduce spasticity.KeywoRds

cerebrovascular accident, hemiplegia, muscle spasticity, rehabilitation, muscle strength dynamometer, motor activity

IntRoduoO Acidente Vascular Enceflico (AVE) uma afeco nos vasos sangneos no Sistema Nervoso Central (SNC), promovendo alteraes focais das funes enceflicas. A maioria dos pacientes com AVE apresenta alguma incapacidade no neurnio motor superior, levando hipertonia espstica, que muitas vezes interfere de maneira significativa no programa de reabilitao destes pacientes, impedindo os ganhos funcionais necessrios, exigindo uma avaliao especifica.1,2,3,4 Uma das principais caractersticas do AVE a presena de espasticidade nos membros superiores onde predominam os msculos flexores, com postura em aduo e rotao interna do ombro, flexo do cotovelo, pronao do antebrao e flexo dos dedos. Nos membros inferiores, os predomnios so nos msculos extensores, com extenso e rotao interna do quadril, extenso do joelho, flexo plantar e inverso do p.3,4 A espasticidade comum s leses do motoneurnio superior da via crtico-retculo-bulbo espinal e resulta a uma hiperexcitabilidade neuronal (alfa e gama), causando aumento da resistncia ao estiramento muscular, hiperatividade e hiperreflexia4,5,6,7,8 e tambm por alteraes das propriedades viscoelsticas do msculo.9,10 O mecanismo da fisiopatologia da espasticidade controverso, devido complexidade que o sistema neuronal apresenta em suas vias espinais e supra-espinais.5 Dentre os vrios mecanismos fisiopatolgicos, originados em vrios pontos da via do reflexo do estiramento, envolvendo os motoneurnios alfa, gama, interneurnios da medula e vias aferentes e eferentes, sobressai teoria do tnus, secundrio a perda das influncias inibitrias descendentes (via reticulo-espinal), como resultado de leses comprometendo o trato crtico-espinal. A perda da influncia inibitria descendente resultar em aumento da exci-

tabilidade dos neurnios fusimotores gama e dos moto-neurnios alfa. Os principais neurotransmissores envolvidos no mecanismo do tnus muscular so: cido gamaminobutrico (GABA) e glicina (inibitrios) e glutamato (excitatrio), alm da noradrenalina, serotonina e de neuromoduladores como a adenosina e vrios neuropeptdeos.4,11 A avaliao da espasticidade de fundamental importncia para procedimento teraputico. Na avaliao da hipertonia espstica, a escala de Ashworth modificada (Tabela 1) a ferramenta mais utilizada na clnica semiolgica pelo Fisioterapeuta, apesar de sua reconhecida subjetividade.12 Bohannon & Smith13, observaram vantagens na Escala de Ashworth modificada, devido no ser necessrio a utilizao de equipamentos, ser uma tcnica simples e rpida, podendo ser aplicada sem gastos materiais. Contudo, as limitaes desse tipo de escala so a falta de padronizao dos procedimentos de medida e a dependncia da interpretao do examinador na definio do escore obtido, sendo, portanto subjetiva e pouco fidedigna.1,5,14,15,16 Segundo Akman,17 a quantificao da espasticidade um problema complexo para clnicos e pesquisadores e, embora a Escala Modificada de Ashworth seja a tcnica mais comum, de elevada aceitao, sua utilizao seguramente questionvel. Sabendo da dificuldade de interpretao do examinador em relao escala, vrios pesquisadores investigaram diferentes mtodos e instrumentos para a avaliao da espasticidade.6,17,18,19,20 Atualmente, um instrumento muito utilizado o Dinammetro Isocintico, pois este equipamento permite ao investigador padronizar a velocidade e amplitude de movimento e, objetivamente, registrar a quantidade de torque gerado pelo aparato muscular. O mtodo, portanto, passa a apresentar operao e interpretao simplificadas e reproduzveis, podendo ser aplicado a uma variedade de articulaes e msculos.17,20 Perell et al21 e Thilmann et al6 sugeriram que alguns fatores podem interferir diretamente no resultado obtido em testes com dinammetro isocintico. A primeira observao importante que a velocidade utilizada no teste deve ser superior a 100/s, necessria para excitar o reflexo de estiramento, no entanto observamos no estudo de Franzoi et al,22 que para graus elevados da escala, a velocidade de 60/s foi suficiente, demonstrando que a velocidade escolhida pode produzir diferenas significativas nos resultados obtidos.

Tabela 1 Escala de Ashworth modificadaGrau 0 1 1+ 2 3 4 Observaes clnicas Tnus muscular normal. Ligeiro aumento do tnus muscular, manifestado tenso momentnea ou por mnima resistncia no final da amplitude de movimento, quando a regio afetada movida em flexo ou extenso. Ligeiro aumento do tnus muscular, manifestado por tenso abrupta, seguida de resistncia mnima em menos da metade da amplitude de movimento restante. Aumento mais acentuado no tnus muscular durante a maioria da amplitude de movimento, mas as partes afetadas so facilmente movidas. Aumento considervel do tnus muscular, movimento passivo difcil. Partes afetadas rgidas, na flexo ou na extenso.

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Outro importante fator que tende a interferir nos resultados o nmero de movimentos realizados. Franzoi et al,22 avaliaram seus sujeitos com base na mdia obtida de 5 repeties realizadas no modo passivo do dinammetro, enquanto Perell et al,21 analisou os dados de 12 repeties. Segundo Vodovnik et al,18 um teste de movimento passivo acima de 7 repeties em sujeitos com leso medular apresentando hipertonia espstica, pode induzir o aparecimento de uma condio hipotnica (denominada acomodao), o que sugere que os indivduos espsticos menos severos apresentem diferenas no comportamento da espasticidade. Franzoi et al,22 relataram que o reflexo de estiramento afetado no movimento passivo e na repetio. Para este autor, a reduo do reflexo de estiramento devido fadiga por inmeras repeties. Esses fatores (repeties e velocidades) provocam acomodao nos msculos espsticos, ou seja, resulta na alterao da resistncia ao estiramento, e uma esperada menor capacidade de produzir tenso muscular com a estimulao repetida, caracterizada tambm como fadiga. O fenmeno da fadiga tem caracterstica multifatorial, no sendo facilmente identificvel e sua interpretao freqentemente gera numerosas dvidas e tambm contradies conceituais. Classicamente subdivide-se o fenmeno, em fadiga perifrica e fadiga central, atribuindo-se a primeira causas metablicas, e a segunda correlacionada essencialmente com aspectos supraneurais. Devido falta de padronizao na avaliao da espasticidade, o presente estudo tem como objetivo analisar o efeito da mobilizao passiva continua em duas velocidades (120/s e 180/s) em indivduos hemiplgicos com hipertonia espstica, por meio da Dinamometria Isocintica, e verificar em qual nmero de repetio (0 a 30) ocorreu acomodao da espasticidade, representada pela diminuio significativa do torque resistente.

e com a extremidade distal do membro inferior fora da mesma, o terapeuta realizou movimento passivo brusco e rpido de extenso e flexo da articulao do joelho. Esta avaliao foi utilizada para confirmar os graus da escala necessrios para a incluso do paciente no estudo dinammetro Isocintico Todos os pacientes foram submetidos ao teste de resistncia ao estiramento pelo Dinammetro Isocintico Computadorizado (Biodex System 3). Para a realizao do teste os sujeitos estavam sentados e estabilizados cadeira do equipamento, com o quadril e joelho flexionados 90. O apoio do brao de alavanca foi posicionado dois centmetros (2 cm) acima dos malolos (medial e lateral) e o eixo do dinammetro coincidiu com o eixo dos movimentos de flexo e extenso da articulao do joelho (figura 1). Estando o pacientes posicionado, o dinammetro foi acionado para a realizao em modo passivo contnuo, com srie de 30 repeties de movimentos de flexo (alongando extensores) e extenso (alongando flexores) da articulao do joelho com amplitudes de 90, em velocidade de 120 /s e, posteriormente, na velocidade de 180 /s. Os sujeitos foram instrudos a no realizarem qualquer tipo de contrao ou movimento voluntrio durante o teste. Os valores de torque resistente foram registrados pelo aplicativo do dinammetro isocintico a uma freqncia de 100 Hz, ou seja, a cada segundo de coleta o equipamento registrou 100 valores de torque e, portanto, as variaes de resistncia ao estiramento apresentam preciso de 10 ms.

mateRIaIs e mtodossujeitos Foram avaliados 5 indivduos de ambos os sexos com idade entre 40 a 55 anos, com diagnostico de Acidente Vascular Enceflico (AVE), apresentando hemiplegia espstica. Critrios de incluso: todos os hemiplgicos apresentam grau 2 de espasticidade na Escala de Ashworth Modificada nos msculos extensores da articulao do joelho e grau 0, 1 e 1+ dos msculos flexores, com amplitude de movimento livre, ou seja, no apresentam rigidez ou encurtamento muscular. Os indivduos foram informados sobre o procedimento e assinaram um termo de consentimento para participao deste estudo, o qual foi aprovado pelo comit de tica desta Universidade.

Figura 1 Avaliao dinamomtrica isocintica dos msculos espsticos (extensores) da articulao do joelho dos indivduos hemiplgicos

anlIse de dadosAps a coleta dos dados do Dinammetro Isocintico, os mesmos foram exportados para planilha eletrnica, onde foi quantificado o torque mdio (somatria dos valores de torque dividido pelo tempo de movimento) para cada repetio, e obtiveram-se 30 valores para cada velocidade, em cada direo do movimento (flexo e extenso). Como no foram descontados os pesos dos segmentos perna e p nas avaliaes, os valores de torque mdio representam o peso da perna e p, e do brao de alavanca fixado

PRocedImentosavaliao semiolgica Antes da avaliao com dinammetro isocintico, todos os indivduos foram submetidos avaliao semiolgica por 2 fisioterapeutas, com base na escala de Ashworth modificada, dos msculos extensores e flexores da articulao do joelho no membro hemiplgico. Estando o paciente em decbito dorsal sobre a maca

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ao membro, multiplicado pela distncia horizontal do centro de massa dos mesmos em relao ao eixo do movimento (ponto de apoio), somados a resistncia que o membro oferece ao estiramento. Como os efeitos do peso produzido pela massa do segmento no podem ser evitados nas mobilizaes teraputicas optou-se por no descont-lo durante este experimento. Para analisar o efeito das repeties sobre o torque mdio (acomodao), os valores de torque mdio em cada repetio foram agrupados em conjuntos de 5 (1-5, 6-10, 11-15, 16-20, 21-25 e 26-30), posteriormente, foram comparados entre si por meio de anlise de varincia (ANOVA 1 critrio), em cada velocidade e para cada uma das direes de movimento (flexo ou extenso), para observamos se houveram variaes significativas entre os conjuntos de repeties, e post hoc por meio do Tukey teste para confirmar onde as diferenas ocorreram. Esta anlise foi realizada separadamente para cada sujeito.

Figura 2 Avaliao no dinammetro isocintico na velocidade de 180/s no indivduo hemiplgico espstico.

ResultadosA anlise dos resultados indicou que houve uma variao significativa da resistncia ao estiramento (p< 0.01) em 18 das 20 condies experimentais analisadas (5 sujeitos X 2 velocidades (120 /s e 180 /s) X 2 direes (flexo e extenso). Como o esperado, os testes realizados na velocidade de 180 /s produziram maior variao do torque resistente (p