EDUCAR PARA AS RELAÇÕES RACIAIS: UM DESAFIO … PARA IGUALDADE/leitura … · 2 EDUCAR PARA AS...
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EDUCAR PARA AS RELAÇÕES RACIAIS: UM DESAFIO PARA A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Ângela Maria Alves Mestranda em Educação – UCDB
José Licínio Backes Doutor em Educação – UCDB
Professor do Mestrado em Educação - UCDB GT 2: Educação e identidade/diferença negra.
Resumo:
Este texto é parte da discussão feita para a dissertação de mestrado que discute sobre a inserção da temática racial nas séries iniciais da Rede Pública no município de Campo Grande. Pretende fazer uma breve incursão sobre a formação de professores e a diversidade cultural através de uma contextualização que traça a trajetória da criação da demanda de exclusão social e racial nos níveis que temos hoje e assim a grande necessidade de se buscar meios para diminuir os números da exclusão que são alarmantes. Num segundo momento analisa a experiência em educação para as relações raciais no estado de Mato Grosso do Sul, fazendo uma breve reflexão sobre a importância e o papel das políticas públicas e dos gestores e sobre a questão racial de forma geral passando pela grande dificuldade por parte dos educadores em encarar a questão como tema integrante do dia a dia e que portanto deve fazer parte do currículo e pela implementação de Lei nº 10.639 que tira a discussão racial da transversalidade e coloca-a oficialmente nos currículos das nossas escolas. Palavras-chave: Formação de Professores – Relações Raciais – Identidade/diferença
cultural
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EDUCAR PARA AS RELAÇÕES RACIAIS: UM DESAFIO PARA A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Ângela Maria Alves Mestranda em Educação – UCDB
José Licínio Backes Doutor em Educação – UCDB
Professor do Mestrado em Educação - UCDB GT: Formação de Porfessores
No início dos anos 90, frente a toda uma demanda de diferenças presentes na
escola, acontece um deslocamento das pesquisas educacionais para estudos que focam
suas análises mais nos aspectos culturais, raciais e étnicos, relações de gênero e nas
questões da subjetividade, o que fomenta discussões bastante profícuas sobre a
formação docente, promovendo um deslocamento das preocupações da realização do
trabalho docente para a formação docente.
Segundo Gomes (2003, p.159) a articulação entre diversidade étnico/cultural e
formação apesar de atualmente terem surgido algumas iniciativas de inserção ainda não
é uma temática privilegiada de estudos quando se discute o trabalho docente no Brasil.
Podemos dizer que esta discussão no campo da educação é ainda recente, datada dos
anos 90, como também o crescimento da divulgação de uma literatura específica que
traz novas abordagens tanto de autores brasileiros como estrangeiros.
Porém apesar do interesse nas áreas educacionais ter se dado tão recentemente
esta não é uma temática recente e há muito vem sendo estudada pelas ciências sociais,
especialmente pela Antropologia e já era mais do que tempo da discussão chegar até a
educação, pois, na escola ela já existia de forma latente, desencadeando conflitos e
contextos que eram na maioria das vezes camuflados e ou ignorados.
A ausência da diversidade, grande lacuna nos currículos escolares, tem trazido
grandes prejuízos à formação, tanto dos alunos como dos professores, situação que se
torna mais grave quando se fala de escola pública.
O professor em qualquer fase de seu processo de formação, bem como de sua
vivência pessoal, é um sujeito cultural e social, que como tal recebe efeitos positivos e
negativos da configuração histórica, social e econômica da sociedade, que no caso do
Brasil é extremamente pautada sobre estereótipos inferiorizantes, preconceitos e
discriminações acerca de alguns grupos ditos “minoritários”, construídos historicamente
e que são pautados pelas relações de poder. “É fato que nem a escola nem os centros de
formação de professores ‘inventaram’, sozinhos, os diversos preconceitos e estereótipos.
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Isso não os isenta, porém, da necessidade de assumirem um posicionamento contra toda
e qualquer forma de discriminação” (GOMES, 2003, p.160).
Como vemos na inferência de Gomes (2003) é grande a necessidade de a escola
assumir uma postura contra toda e qualquer forma de discriminação. Posicionamento
este que deve levar a questionamentos mais profundos acerca das relações entre as
diferenças e os diferentes e que apesar de passar também necessariamente por uma
postura política individual, necessita do desenvolvimento de políticas e práticas voltadas
para a diversidade étnico cultural no âmbito desses espaços formadores.
Diante deste quadro e da necessidade premente de mudanças profundas na
formação do povo brasileiro as políticas públicas vem ganhando fôlego e legitimidade,
haja vista a criação da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, como
órgão de assessoramento imediato ao Presidente da República na formulação,
coordenação e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial
nos âmbitos federal, estadual e municipal.
O estado de Mato Grosso do Sul, desde o ano de 1998 traz em sua proposta de
Governo ações de inclusão social e racial nas secretarias. A construção de um Programa
de Superação das Desigualdades Raciais no ano de 2002, a partir de profundas
discussões entre o movimento negro e o governo, que resultou na criação de uma
interlocução que passou a ser uma coordenadoria, atualmente denominada
Coordenadoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – CPPIR/MS que atua
diretamente ligada a casa civil, com o objetivo de acompanhar e assessorar todas as
ações do governo estadual relacionadas à população negra, também o de propor e
fiscalizar a realização destas ações, pode ser considerada uma grande conquista em prol
da promoção da igualdade racial, como podemos ver na inferência de Silva.
No plano estadual, o governo de Mato Grosso do Sul apresenta políticas publicas abrangentes de combate a discriminação racial, prevendo ações, metas e orçamento nos campos da saúde, educação e trabalho. Salta aos olhos o fato de ser essa a única administração de esquerda a encarar explicitamente, por meio de um programa governamental, as desigualdades raciais. (SILVA, 2002, p.117).
Dentre as diversas ações desenvolvidas podemos dar especial destaque a
educação, que por comumente refletir valores e por vezes estereótipos e preconceitos do
grupo dominante da sociedade, tem sido o principal alvo para o investimento na
superação das desigualdades, da discriminação e do racismo através principalmente da
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valorização do respeito como fato incondicional, pautando as relações e a trajetória
particular da identidade dos grupos formadores da sociedade brasileira.
Partindo desse pressuposto, a Secretaria de Estado de Educação cria - A Escola
Guaicuru – Vivendo Novas Lições de Cidadania, no intuito de promover mudanças
profundas no Ensino da Rede Estadual, através de uma ampla discussão sobre as
relações na escola, fornecendo inclusive diversos subsídios para a fundamentação e o
direcionamento dos trabalhos no cotidiano da escola. Como parte destas mudanças
significativas e com o objetivo de fazer uma educação inclusiva de fato e de direito, foi
criada por meio do decreto nº. 9607 de 24/08/1999 a Diretoria de Políticas Específicas
em Educação, hoje denominada Coordenadoria de Políticas Específicas em Educação,
que foi redimensionada pelo Decreto nº. 10.2000 de 04/01/2001. Esta Coordenadoria foi
criada para viabilizar a inclusão de populações historicamente excluídas ou atendidas de
forma ineficiente ou insuficiente como a indígena, a afro-descendente, a camponesa,
além do grupo de adolescentes sujeitos a medidas sócio-educativas, internos das
unidades prisionais, jovens e adultos não alfabetizados e com distorção idade-série,
portadores de necessidades especiais, através da implementação de políticas
educacionais específicas em parceria com outros setores da Secretaria e outras
instituições governamentais e não governamentais
Vinculada a esta Coordenadoria é criada em março de 2000 a Equipe de
Combate ao Racismo, ora denominada Gestão de Processos em Educação para a
Igualdade Racial que tem como principal objetivo a elaboração e implementação de
uma proposta político pedagógica de combate ao racismo para a Rede Estadual de
Ensino que contribua para o conhecimento e a valorização da diversidade étnica e
cultural bem como para a superação das desigualdades raciais.
Cabe ainda a Gestão o acompanhamento sistemático das escolas localizadas em
comunidades remanescentes de quilombos, o fornecimento de subsídios para o trabalho
pedagógico dos educadores no que tange a questão racial, buscando a necessária
reflexão sobre o papel cumprido pela escola, direta e indiretamente no que tange a
diversidade, mais especificamente a diversidade racial do negro, atuando
principalmente, com a formação dos educadores, discutindo a influência desta no
processo educativo e a sua relevância. Outro fator importante também é a valorização da
diversidade como elemento enriquecedor do trabalho pedagógico, passando pela
discussão das influências causadas pela postura ou falta de postura do educador.
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[...] alguns professores por falta de preparo ou por preconceitos nele introjetados não sabem lançar mão das situações flagrantes de discriminação no espaço escolar e na sala de aula como momento pedagógico privilegiado para discutir a diversidade e conscientizar seus alunos sobre a importância e a riqueza que ela traz a nossa cultura e a nossa identidade nacional. (MUNANGA, 2001, p.7-8).
É grande a dificuldade apresentada pelos educadores, como observamos na
inferência acima, que tanto negros como não negros têm em lidar com a questão, em
identificar a sua pertinência racial e, por conseguinte, em valorizar o trabalho e buscar
subsídios. A escola não pode estar desvinculada da realidade histórica, social e cultural
em que está inserida. Faz-se necessário então que assuma uma postura diferente, que
requer mudança nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modos de encarar e
tratar a diversidade.
A lei 10.639/2003 que alterou a Lei 9394/1996, Lei de Diretrizes e bases da
Educação Nacional, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura
afro-brasileiras e africanas traz a possibilidade de introdução de discussões
desmistificadoras e conquistar cada vez mais espaço e práticas radicalmente inovadoras
acerca da questão racial, tirando-a da transversalidade, que beira ao descompromisso e
trazendo-a para um patamar maior, o da inserção dentro dos currículos escolares, para o
dia a dia do professor/aluno como um compromisso de cidadania e não de grupos
isolados, a exemplo disso o movimento negro. Pois o ensino de história e cultura afro-
brasileiras e africanas deve vir acompanhado de toda uma contextualização, que nos
levará a discussão da questão racial no Brasil, em seus diversos aspectos.
Não basta estudar a África pela África, temos que desvendar a África que nos foi
escondida desde os tempos do tráfico de escravos para se justificar a escravidão, sob
uma capa de terra inóspita e selvagem, de onde era uma benção sair, e que seu povo
(“pobres e miseráveis selvagens”), só se beneficiaria sendo trazido para a civilização.
Temos que desvendar a riqueza cultural e identitária de um povo que construiu as bases
econômicas, históricas, sociais e culturais deste país e não só atribuir meras
contribuições tais como o samba, o futebol, a capoeira o candomblé. Precisamos
desvendar os mistérios de uma religiosidade calada, aviltada, marginalizada.
Embora a história nos ensine que a diversidade é um dos fatores responsáveis
pelo extraordinário progresso material e cultural da humanidade isto não se reflete nas
ações, principalmente nas que acontecem dentro da escola que buscam uma
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padronização de comportamentos, dentro de padrões obviamente inadequados para as
diferentes realidades que compõem o universo escolar.
A falta de valorização dada a questão nos leva a ter um cuidado muito grande na
abordagem e no desenvolvimento do mesmo. Observamos por parte de muitos
educadores uma tendência a desvalorizar e desqualificar a discussão, geralmente
colocando-a como questão de grupos individuais justificando assim a sua não inserção
ou discussão mais aprofundada no currículo.
O despreparo dos educadores e a falta de subsídios trazem prejuízos ao trabalho
pedagógico ocasionando geralmente uma grande resistência em discutir a temática ou
mesmo até em admitir a sua importância, fato que se reflete nas relações entre os
educandos e educadores comprometendo o processo educativo como um todo.
Torna-se então fundamental a desconstrução1 de discursos e conceitos
firmemente arraigados em nosso meio que podem atravancar irremediavelmente o
desenvolvimento dos educandos e empobrecer consideravelmente o trabalho dos
educadores.
Diante desta problemática o papel dos gestores públicos torna-se fundamental no
sentido de garantir que a questão racial que já é parte integrante do cotidiano escolar e
tem influência significativa na prática pedagógica, seja também inserida nos currículos
oficiais junto a outras discussões consideradas importantes, de modo que a prática
pedagógica não esteja dissociada das relações sociais, já que se pretende formar
cidadãos de fato e de direito.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana colocam que o
negro como todos os out ros cidadãos brasileiros tem o direito de cursar cada um dos
níveis de ensino em escolas devidamente instaladas e equipadas, orientados por
professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de conhecimentos, o que
significa profissionais que possam lidar com as diversas situações decorrentes das
desigualdades raciais, racismo e discriminação, de forma a conduzir a reeducação das
relações entre os diferentes grupos étnicos raciais.
1 O termo desconstrução foi introduzido pelo filosofo francês Jacques Derrida, indicando a necessidade de comportamentos críticos de confronto das formas totalizantes e absolutizantes de cada tradição cultural, particularmente daquela do Ocidente. Na desconstrução existe sempre uma disponibilidade para a realização de uma experiência de descentramento, de se sair fora das próprias certezas. (SOUZA E FLEURI, 2003, p. 53)
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O sancionamento da Lei nº. 10.639/03 vem contribuir grandemente com estes
propósitos, sendo um avanço na discussão da inserção da população negra na educação,
com o intuito de resgatar historicamente a participação/contribuição dos negros na
construção e formação da sociedade brasileira.
É inegável a importância da Lei 10.639/03, como também o é a grande conquista
que isto se configura, não apenas para a população negra, mas para toda a população
brasileira e para a educação como um todo, que com a grande lacuna formada pela
ausência da discussão desta temática, perdia muito da sua riqueza cultural, o que se
refletia de forma significativa nas relações sociais e étnico raciais dentro do ambiente
escolar.
A escola, como instituição é, ou deveria ser um espaço privilegiado para a
construção de relações interculturais e enriquecedoras entre os diferentes, o que até
então tem sido tolhido por conta de uma visão eurocêntrica2, que ao privilegiar uns,
exclui e minimiza o valor de outros, produzindo assim relações desiguais e
empobrecidas que estão firmemente retratadas em nossos currículos escolares.
Frente a isto o grande desafio dos educadores é justamente o de buscar caminhos
e métodos para desconstruir, eliminar as seqüelas deixadas pelo racismo e a
discriminação. Portanto a Lei 10.639/03 vem justamente oficializar esta inserção da
temática nos nossos currículos. O que antes era “tema transversal”, agora é parte oficial
e integrante do currículo, consta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, não
pode mais ser considerado como algo a ser trabalhado por “opção” pessoal do educador,
ou apenas em datas pontuais.
Isto só vem confirmar que no que diz respeito à educação urge a tomada de
posições e ações efetivas de promoção e incentivo de políticas de reparação. Faz-se
necessário a adoção de uma postura ética e cidadã frente à cultura, identidade e
diferença do outro.
O estado de Mato Grosso do Sul e a implementação da lei: o importante papel das
instituições
Mato Grosso do Sul desde o ano de 2003, quando da publicação da Lei 10.639
tem concentrado esforços no trabalho de divulgação e implementação da mesma. A
Secretaria de Estado de Educação através da Gestão de Processos em Educação para a
Igualdade Racial vem realizando seminários, palestras e capacitações objetivando
2 Entenda-se aqui como a supervalorização da Cultura européia em detrimento das outras.
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subsidiar os educadores e gestores educacionais para o conhecimento e a aplicação da
lei. Para tanto tem contado com importantes parcerias tais como Ministério de Educação
(SECAD), Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS, Universidade
Católica Dom Bosco – UCDB, Conselho Estadual de Educação, ACP, FETEMS,
Movimento Negro, etc.
O envio do texto da Lei para todas as escolas da Rede Estadual de Ensino e para
as Secretarias Municipais de Educação de início suscitou uma grande demanda de
questionamentos, sobre o que e como fazer para implementar a lei, o que resultou num
número elevado de solicitações de subsídios e orientações. Porém isto ainda se
configurava como ações pontuais e via-se a necessidade de uma ação mais abrangente
que atingisse de forma significativa todo o estado e neste contexto surgiu a proposta do
MEC por intermédio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade – SECAD, de realização de um Fórum Estadual, com a participação de
representações dos 77 municípios. A temática central do Fórum, que se intitulou
Educação e Diversidade Étnico Racial – Implementando a Lei nº 10.639 em Mato
Grosso do Sul, foi justamente a implementação da lei e como citado por um dos
participantes do seminário : “Foi um marco no trabalho da Gestão” e digo mais , na
implementação da Lei.
Os representantes de cada um dos setenta e sete municípios tiveram a
incumbência de repassar em seus municípios, tarefa para a qual a Gestão de Processos
em Educação para a Igualdade Racial se prontificou a auxiliar. Pudemos perceber os
resultados positivos do seminário pela postura e participação das pessoas, bem como
pelo volume de solicitação de subsídios que foram feitas após o Fórum. Alguns
municípios organizaram seminários para realizar a socialização das informações para os
educadores, para os quais convidaram a Secretaria de Educação.
Sob o aspecto legal, a elaboração de um Parecer Orientativo pelo Conselho
Estadual de Educação, que montou uma comissão com a consultoria da professora
mestra Maria de Lourdes Silva e com a participação de educadores e representantes do
movimento social organizado, busca ampliar os subsídios oferecidos as escolas e
garante a legitimidade e representatividade dos mesmos. O parecer pretende justamente
orientar para o cumprimento da lei e para tanto traz discussões fundamentais para o
entendimento da questão racial e da trajetória histórica política e social da população
negra.
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Toda esta elaboração nos deve remeter a uma grande discussão que permeia a
prática dos educadores e se situa bem no centro da discussão Teoria x Prática, que é a
grande dicotomia entre o aluno ideal e o aluno real. O aluno ideal3, aquele que está
dentro dos padrões ditados pela sociedade e que se adequam perfeitamente aos
currículos escolares tradicionais, fechados. Já o aluno real, que traz para a sala de aula
todos os problemas reais da sociedade, desafia a escola, os educadores a adequar os
currículos escolares, incluindo assim toda uma diversidade que não tem como ser
ignorada.
E como nos escreve Jones: “Se concordarmos que a nossa sociedade é marcada
não somente pela exploração capitalista, como também pelo sexismo e pelo racismo, a
escola enquanto instituição social, não está isenta desta realidade”. (JONES, apud
SILVA, 1997, p. 20). Portanto parece-nos fundamental que a educação seja considerada
um foco importante de atenção por parte tanto do poder público, no sentido de criar e
viabilizar as políticas públicas de valorização das populações excluídas, com destaque
as populações negra e indígena, que tem historicamente se constituído nas mais
prejudicadas e destituídas de seus direitos de cidadania e humanidade.
Enfim, todo o trabalho realizado tem o intuito de contribuir para a construção de
uma prática pedagógica de valorização da diversidade étnico racial, subsidiando os
educadores para que possam através do entendimento conceitual do racismo brasileiro e
suas diversas conseqüências, tanto para a população negra como não negra, possam
intervir de forma consciente e efetiva no processo de disseminação do mesmo.
Portanto a ênfase, ou ponto principal do trabalho da Secretaria de Educação no
que tange a questão racial está centrado na formação de educadores, professores e
demais profissionais que lidam com os alunos dentro do espaço escolar, contando para
isto com um curso de formação de educadores que tem uma carga horária de 60 horas e
que aborda os diversos aspectos da questão racial no Brasil, desde a história e conceitos
básicos, passando pela formação da identidade e auto-estima, o papel dos educadores e
gestores públicos e a discussão de estratégias pedagógicas de combate ao racismo. O
curso conta com atividades presenciais e não presenciais, entre elas a elaboração de um
projeto de trabalho onde serão aplicados os conhecimentos adquiridos durante o curso.
3 Retomando aqui o ideal de branquitude, considerado pela sociedade como o único padrão aceitável pelo qual todos tem que se pautar.
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O silêncio oculta o racismo brasileiro. Silêncio institucional e silêncio
individual. Silêncio público e silêncio privado. Silêncio a que nos habituamos,
convencidos por vezes, da pretensa cordialidade nacional ou do elegante mito da
“democracia racial”. (HENRIQUES, 2003, p.13).
Eis então que se coloca para a Educação o grande desafio, o de romper com este
silêncio que mascara e oculta. É preciso colocar as cartas na mesa e investir
grandemente na busca de soluções para este mal que afeta toda a sociedade brasileira, o
racismo.
Faz-se então necessário instrumentalizar o professor para lidar com as mudanças
gerais e constantes que se efetivam na escola, ampliando assim as suas funções. O
investimento sério na formação dos professores, não apenas a formação inicial, mas a
formação continuada tem sido fonte de discussão e bandeira de luta constante dos
sindicatos como uma das principais reivindicações dos professores.
Gomes (2003) aponta como um primeiro passo para a inserção da temática um
aprofundamento nos processos de formação de professores e a busca de uma maior
compreensão do que significa a produção das diferenças, e a sua compreensão como
parte de um processo social e cultural. Pois, um dos motivos pelo qual temos tantas
dificuldades no entendimento e nas relações com as diferenças é a forma como estas
diferenças foram produzidas ao longo do processo histórico e usadas socialmente como
critérios de classificação, seleção, inclusão e principalmente de exclusão.
O fato da diversidade ser presença no nosso cotidiano, enquanto seres humanos e
sociais que somos, não quer dizer que isto seja algo simples, pois, nos coloca dentro de
uma área de constante conflito, repleta de contradições e desafios.
Todas estas afirmações nos apontam alguns motivos para a grande dificuldade
em se discutir a diversidade, posto que a nossa relação com a diferença é algo
desafiador, que por vezes nos causa medo e insegurança.
Outro fato que não pode ser desprezado nesta discussão é o atrelamento das
diferenças culturais com as relações de poder e o fato de que quando destacamos as
diferenças estamos explicitando relações de poder e de dominação que existem entre os
grupos.
Ao se pensar em uma formação de professores preocupada com a diversidade
étnico cultural com certeza precisamos pensar e repensar em currículos, políticas e
práticas no sentido de construir uma prática pedagógica que valorize o respeito às
diferenças e que as encare como elementos componentes e valorizadores da
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configuração social e que devem ser imprescindíveis para a construção de uma
educação mais comprometida com as causas sociais. Enfim tudo isto pressupõe uma
outra concepção de formação de professores. Gomes (2003) nos diz ainda que
Esta formação exige dos docentes, dos cursos de graduação e pós graduação, o desenvolvimento conjunto de competência teórica e prática que seja capaz de acompanhar as diferentes formas de aprender e de conhecer desenvolvidas pelos alunos e professores como sujeitos sócio culturais, relacionando-as à diversidade cultural.
Diante do contexto da sociedade brasileira, pautado em um quadro de
desigualdades raciais e sociais, urge a tomada de consciência e conseqüentemente de
posição diante da necessidade de se conhecer e valorizar as semelhanças e diferenças
como parte importante em qualquer projeto educativo e social que se pretenda
democrático. Busca-se então a formação de educadores políticos, críticos, responsáveis
e teoricamente competentes para fazer uma educação que sirva como instrumento social
de inclusão, que forme cidadãos aptos a agir criticamente na sociedade, conhecedores e
atores de sua cultura.
A citação de Boa ventura Souza Santos feita e comentada por Gomes, sintetiza
as idéias sobre a formação de professores discutidas no texto. “As pessoas têm direito a
ser iguais sempre que a diferença as tornar inferiores;contudo, tem também o direito a
ser diferentes sempre que a igualdade colocar em risco suas identidades. (SANTOS,
apud GOMES, 2003, p. )
A respeito desta fala de Boaventura Souza Santos Gomes (2003) afirma que
“compreender a seriedade desta afirmação talvez seja um dos maiores desafios para
aqueles que aceitam a urgente tarefa de formar professores e professoras para a
diversidade” (p. ).
A fala também nos remete a uma reflexão necessária sobre o papel fundamental
desenvolvido pelas instituições responsáveis pela gestão e formação de educadores e
que são responsáveis pela discussão e implementação das políticas educacionais. Não
podemos negar os grandes avanços ocorridos nos últimos anos, mas infelizmente
também não podemos negar o quanto ainda se tem que avançar para que possamos
alcançar uma situação concreta de cidadania para a grande maioria da população
brasileira, que tem sistematicamente ficado excluída deste processo.
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REFERÊNCIAS
BENTO, Maria Aparecida Silva. Cidadania em preto e branco. 3ªed. São Paulo: Ática 2003. GOMES, Nilma Lino. Trabalho docente, formação de professores e diversidade étnico cultural in: OLIVEIRA, Dalila Andrade. Reformas Educacionais na América Latina e os trabalhadores docentes. Autentica, Belo Horizonte, 2003. HENRIQUES, Ricardo. Silêncio- O canto da desigualdade racial, p. 13 a 17 in RUFINO, Alzira. Et alli. Racismos contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano, 2003. MUNANGA, Kabengele. Superando o Racismo na Escola.3.ed.Brasilia: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 2001, 202p. SEYFERTH, Giralda. Et alli. Racismo no Brasil. São Paulo: Petrópolis; ABONG, 2001. SILVA JUNIOR, Hédio. Discriminação racial nas escolas. Brasília: UNESCO, 2002. SILVA, Maria Aparecida da. Ações afirmativas para o povo negro no Brasil. P.105 a 121 in SEYFERTH, Giralda. Et alli. Racismo no Brasil. São Paulo: Peirópolis; ABONG, 2002.