EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E DISCURSOS RACIAIS EM … · formação da luta pela identidade e pela...

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986 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E DISCURSOS RACIAIS EM MUSEUS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: COMO CONSTRUIR A INCLUSÃO? Jéssica Maria de Vasconcellos Santana Hipolito 14 Thaís Lisboa Soares 15 Andréa Lopes da Costa Vieira 16 Eixo Temático: Práticas de inclusão/exclusão em educação Categoria: Pôster A pesquisa integra o projeto PATRIMÔNIO, IDENTIDADE E AÇÕES AFIRMATIVAS: A APROPRIAÇÃO DA NARRATIVA E RECONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA COMO ESTRATÉGIA POLÍTICA NA CONTEMPORANEIDADE, que discute os processos de produção da memória dentro do conceito de pós-modernidade, vinculados à percepção das mudanças no campo das relações sociais, tendo como foco a ascensão dos valores de identidade. Tal identidade se torna um importante instrumento de reconhecimento, acarretando em ações políticas e sociais. As identidades e culturas negras suprimidas em suas representações nas instituições formais, sendo ressignificadas como cultura nacional, interiorizadas como brasileira e não uma cultura negra em si, podem se refletir nos discursos empregados nos museus brasileiros. Sendo estes uns dos principais espaços formadores e legitimador de opinião, é papel do museu elucidar as relações de pertencimento que se mostram tão díspares. 14 Discente de Museologia na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Integrante da pesquisa “Diagnóstico e Análise de Políticas de Ação Afirmativa orientadas para o Ensino Superior (Publico e Privado). 15 Discente de Serviço Social na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Integrante da pesquisa “Diagnóstico e Análise de Políticas de Ação Afirmativa orientadas para o Ensino Superior (Publico e Privado). 16 Doutora em Sociologia. Professora Adjunta no Departamento de Filosofia e Sociais da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Professora permanente no Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Coordenadora do Projeto: “Patrimônio, Identidade e Ações Afirmativas: Apropriação da Narrativa e Reconstrução da Memória como Estratégia Política na Contemporaneidade”, financiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq (Edital Universal). Coordenadora do Projeto: “Diagnóstico e Análise de Políticas de Ação Afirmativa orientadas para a inclusão no Ensino Superior (publico e privado) – Financiado pelo MEC/SESU – PET- Conexões de Saberes

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E DISCURSOS RACIAIS EM MUSEUS DO

ESTADO DO RIO DE JANEIRO: COMO CONSTRUIR A INCLUSÃO?

Jéssica Maria de Vasconcellos Santana Hipolito14 Thaís Lisboa Soares15

Andréa Lopes da Costa Vieira16 Eixo Temático: Práticas de inclusão/exclusão em educação

Categoria: Pôster

A pesquisa integra o projeto PATRIMÔNIO, IDENTIDADE E AÇÕES AFIRMATIVAS:

A APROPRIAÇÃO DA NARRATIVA E RECONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA COMO

ESTRATÉGIA POLÍTICA NA CONTEMPORANEIDADE, que discute os processos de

produção da memória dentro do conceito de pós-modernidade, vinculados à percepção das

mudanças no campo das relações sociais, tendo como foco a ascensão dos valores de

identidade. Tal identidade se torna um importante instrumento de reconhecimento,

acarretando em ações políticas e sociais.

As identidades e culturas negras suprimidas em suas representações nas instituições

formais, sendo ressignificadas como cultura nacional, interiorizadas como brasileira e não

uma cultura negra em si, podem se refletir nos discursos empregados nos museus

brasileiros. Sendo estes uns dos principais espaços formadores e legitimador de opinião, é

papel do museu elucidar as relações de pertencimento que se mostram tão díspares.

14 Discente de Museologia na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Integrante da pesquisa “Diagnóstico e Análise de Políticas de Ação Afirmativa orientadas para o Ensino Superior (Publico e Privado). 15 Discente de Serviço Social na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Integrante da pesquisa “Diagnóstico e Análise de Políticas de Ação Afirmativa orientadas para o Ensino Superior (Publico e Privado). 16 Doutora em Sociologia. Professora Adjunta no Departamento de Filosofia e Sociais da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Professora permanente no Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Coordenadora do Projeto: “Patrimônio, Identidade e Ações Afirmativas: Apropriação da Narrativa e Reconstrução da Memória como Estratégia Política na Contemporaneidade”, financiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq (Edital Universal). Coordenadora do Projeto: “Diagnóstico e Análise de Políticas de Ação Afirmativa orientadas para a inclusão no Ensino Superior (publico e privado) – Financiado pelo MEC/SESU – PET- Conexões de Saberes

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A busca pelo fortalecimento de uma identidade, ou identidades, muitas vezes está ligada

diretamente ao resgate do passado. No caso das identidades negras essa recuperação da

memória se mostra mais complexa se pensarmos em uma memória que se apresenta

posteriormente escrita, documentada. Sendo assim, a memória oral ainda tem sido a

principal forma, neste caso, de estabelecer esta ligação entre passado e presente da cultura

afro.

A construção de memórias e identidades tidas como negras, num país como o Brasil, não é

tão simples. Desde a década de 30, com Getúlio Vargas, que se tentou implementar o

ideário de um país sem preconceitos raciais, o que fora fortalecido nas décadas de 70 e 80,

pela ditadura militar que ainda estava em vigência no país. Os movimentos negros da

sociedade civil foram desestimulados e até combatidos por expor os vestígios de

segregação racial não institucionalizada, mas difundida e perpetuada, num Brasil que se

dizia não aceitar nem configurar um Estado de preconceitos. Crescemos e vivemos a maior

parte de nossas vidas ouvindo sobre uma democracia racial, sobre o fato de sermos um

povo miscigenado, composto por brancos, negros e índios. Enfim, um Brasil sem cor, um

local em que todas as raças convivem harmoniosamente e o preconceito racial é

inexistente. Todavia, o que a história e consequentemente os fatos nos mostram não remete

a este paraíso racial. Os negros tornaram-se a partir da Abolição cidadãos e, portanto,

inclusos no modelo brasileiro de nação. Adota-se, posteriormente, a imagem de um país

democrático racialmente. Contudo, é fato a tentativa de embranquecimento do povo

brasileiro através da mestiçagem, já que pensava-se num Brasil Moderno, pós-escravidão,

que país próspero é país branco. Alguns defensores do racismo científico, descrentes na

miscigenação em prol do embranquecimento, defendiam que a mistura entre as raças iria,

literalmente, “denegrir” o Brasil. Todo esse percurso se estende até os dias atuais e

consequentemente é refletido na sociedade em que estamos inseridos.

A criação de museus que se referem especificamente à identidade negra, em prol da

divulgação de uma nova forma de ver e mostrar o negro para o público, é de acordo com

Sepúlveda (2004) parte de um processo de racialização da cultura brasileira. Segundo a

autora, isto se dá devido à força de ações públicas voltadas ao combate das desigualdades

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raciais partindo de políticas afirmativas. Podemos elucidar o que ocorre nos museus, uma

exposição é o principal veículo transmissor de informação que os compõem, e, portanto, é

a responsável crucial pela transmissão dos conceitos que por ventura nela venham ser

estabelecidos. Levando em consideração que a escolha do ‘recorte expositivo’ se dá

arbitrariamente, de acordo com as propensões e decisões tomadas por seu idealizador, na

exposição será mostrada apenas uma parte do real, nunca sua totalidade. Ainda assim, será

apresentada ao público espectador como autêntica. Todavia, apresenta-se meramente como

uma das várias representações cabíveis à realidade. Neste sentido, a legitimação de grupos

hegemônicos se faz presente, construindo e reconstruindo dentro deste espaço a ‘realidade

social’ que lhes convém e consequentemente refletirá, no meio ao qual esta exposição está

inserida, o discurso das maiorias. Sendo assim, precisamos considerar que as construções

de identidade e da memória negra são integradas pelo subjetivo do coletivo. Apreciando as

novas formulações identitárias, observamos à idéia de miscigenação ou mestiçagem

perpassando pela composição da memória e cultura do negro, que está enraizada no

imaginário nacional.

Em se tratando de patrimônio, as eleições dos bens culturais passíveis de patrimonialização

não se dão de forma arbitrária. E estas escolhas elucidam as características da sociedade

em que tais bens estão inseridos. Vale salientar que estas decisões são responsáveis não

apenas por exaltações, mas principalmente por esquecimentos. Pertencentes a um mundo

em que o ideário racial predominante é o branco, consequentemente a memória coletiva

construída é baseada nos agentes principais deste ideário.

O museu, um dos principais disseminadores da memória e do patrimônio está de certa

forma envolvido com esta discussão. No caso da representação do negro neste espaço de

memória é comum a apresentação basicamente relacionada ao período da escravidão, onde

se mostram nas exposições os instrumentos de suplício, documentos como cartas de

alforria ou gravuras representando o trabalho escravo. São mencionados grandes nomes da

arte brasileira como Aleijadinho ou Mestre Valentim, negros, que por mais que fossem

excelentes artistas e feitores de grandes obras, jamais receberiam os louros de seus feitos,

justamente por serem negros. Com o surgimento dos museus etnográficos são apresentadas

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as sociedades tidas como primitivas e ainda é presente a ideia de por exemplo, Arte

Africana ou Indígena como sendo consideradas primitivas. Muitos dos objetos utilizados

em rituais e cerimônias foram mal interpretados e consequentemente apresentados ao

grande público fora de seu contexto sócio-cultural original e mostrados como meros

artefatos exóticos. Nestes casos, fica evidente a constante prática de inferiorização dos não

pertencentes às maiorias, das interpretações errôneas e principalmente da desconstrução de

uma memória.

Dentro da conjuntura da sociedade atual, de acordo com as transformações políticas e

econômicas que se constroem na nova disposição geopolítica, neste mundo globalizado,

sem fronteiras, em que as relações se dispõem de maneira mais dinâmica é que as culturas

e raças se aglutinam e interligam gerando a construção de novas ideias sobre identidade e

pertencimento. Sendo assim, essa ressignificação permite portanto a abordagem do campo

político dentro da questão identitária, tornando possível a desconstrução de conceitos como

o de homogeneidade e consequentemente dão vazão à concepções que possibilitam a

formação da luta pela identidade e pela legitimação da diversidade.

A memória, culturas e identidade negras no âmbito do museu se encontram permeadas

nestas discussões e precisam ser esclarecidas, em prol da maior valorização destas

memórias e identidades muitas vezes negligenciadas e portanto esquecidas.

REFERÊNCIAS

CHAGAS, Mário (org). Memória e patrimônio: Ensaios contemporâneos, Rio de Janeiro: D&A, 2003

CHAGAS, Mário de Souza e SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Museus e Políticas de Memória. Cadernos de Sociomuseologia, Centro de Estudos de Sociomuseologia. ULHT - Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 19 - 2002. GONÇALVES, José Reginaldo. A retórica da perda: os discursos sobre Patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ; IPHAN, 2002. HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Org: Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003.

__________. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

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MOUTINHO, Mário. Museus e Sociedade: Reflexões sobre a função social do museu. Caderno de Patromônio, 1989. PINTO, Milton José. Comunicação e Discurso. Introdução à Análise de Discursos. SP: HackerEditores, 1999. 105 p. SANTOS, Maria Célia Teixeira Moura. Reflexões sobre a Nova Museologia. In: _____Encontros Museológicos - reflexões sobre a museologia, a educação e o museu. Rio de Janeiro, Minc/IPHAN/DEMU, 2008.

SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Entre tronco e os atabaques: a representação do negro nos Museus Brasileiros. Colóquio Internacional: O projeto UNESCO: 50 anos depois. Janeiro de 2004. SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Museu digital da memória afro-brasileira: algumas questões In: O Caráter Político dos Museus ed.Rio de Janeiro : MAST, 2010, v.12, p. 75-88.