EDUCAÇÃO INTEGRAL COMO REINVENÇÃO DA ESCOLA...
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EDUCAÇÃO INTEGRAL COMO REINVENÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA:
REPERCUSSÕES NO CURRÍCULO E NA FORMAÇÃO HUMANA
Os textos que compõem o Painel, resultados de pesquisas realizadas recentemente em
programas stricto sensu, dedicam-se a investigar trajetórias, experiências e possíveis
repercussões da efervescente pauta da educação integral em escolas e redes públicas.
Não obstante os trabalhos assumirem objetos e objetivos específicos no âmbito da
problemática, todos convergem na perspectiva do entendimento sobre o que as
experiências de educação em tempo integral vêm revelando em termos de alternativas,
para a ampliação de oportunidades educativas e do direito à educação, na formação
escolar de crianças e adolescentes. No texto A Escola de Tempo Integral e o processo de
formação da criança exploram-se sentidos e significados da ampliação do tempo escolar
na formação das crianças brasileiras e possibilidades da infância ser privilegiada como
um direito, e afirma, como conclusão, que os projetos de educação em tempo integral,
especialmente os de cunho socioeducativo perdem de vista os direitos sociais das
crianças, especialmente os de participar, brincar e aprender. No trabalho Aspectos da
(re)organização curricular que sinalizam indução à educação integral em escolas
municipais de Florianópolis, investigam-se potencialidades do currículo como território
indutor à educação integral e mostra-se, pelas experiências investigadas, que quanto
mais densa for a reconfiguração curricular, mais se avança na travessia entre a formação
parcial e integral. E no texto Educação em tempo integral: mudanças curriculares
observadas nas diretrizes dos municípios catarinenses analisa-se o potencial destes
projetos na reconfiguração dos currículos e destaca-se que as mudanças são pouco
significativas, dada a metodologia de contraturno que efetivam e o caráter
socioeducativo que assumem como finalidade. A pauta da educação (em tempo)
integral, certamente nos coloca frente à necessidade de ampliação do diálogo entre o
campo curricular, a didática e a formação dos sujeitos.
Palavras-Chave: Educação Integral, Escola de Tempo Integral, Currículo
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EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL: MUDANÇAS CURRICULARES
OBSERVADAS NAS DIRETRIZES DOS MUNICIPIOS CATARINENSES
Edilene Eva de Limai, Msc
A sociedade na contemporaneidade vem passando por um movimento de mudanças que
repercute diretamente na escola, que diante das necessidades apontadas vê-se compelida
a se reconfigurar para responder as demandas atuais. Para melhor compreender tais
discussões, organizamos o presente texto, resultante da pesquisa submetida ao Programa
de Pós Graduação em Educação, para obtenção do grau de mestre. Tem por finalidade
apresentar os resultados obtidos com a pesquisa empírica cujo objetivo consistiu em
analisar os aspectos de mudança curricular materializados no âmbito das experiências
de educação em tempo integral nas redes públicas de ensino de Santa Catarina,
considerando-se especialmente as iniciativas implantadas pelos sistemas municipais. A
realização da análise empírica se deu a partir das seguintes categorias: Tempos/espaços,
conhecimentos/saberes, integração curricular e intersetorialidade/territorialidade. A
pesquisa ancorou-se, metodologicamente em abordagens qualitativas com intervenção
de corte etnográfico. No enfoque teórico assumiu-se como referência trabalhos de
perspectiva crítica os quais alicerçaram os principais conceitos referentes às categorias
conceituais e de análise empírica que compuseram o objeto investigado. Os resultados
da análise, em geral, revelaram que: os processos de mudança curricular caminham em
patamares distintos e seus ritmos sinalizam determinadas concepções de educação
integral presentes nas equipes gestoras das redes; as mudanças curriculares em curso
vão desde a agregação de atividades no contraturno escolar, sem alterações
significativas na matriz curricular convencional, até redesenhos curriculares mais
complexos que envolvem toda a dinâmica escolar; a consolidação da educação integral
no estado de Santa Catarina, não obstante os avanços já conquistados, mostra-se como
um grande desafio, tanto do ponto de vista da formulação de políticas, quanto da
reestruturação e dos redesenhos curriculares.
Palavras-chave: Currículo. Educação em tempo integral. Mudança curricular.
Introdução
O presente texto, derivado da pesquisa realizada em nível de mestrado, no Programa
de Pós Graduação em Educação, da Universidade Federal de Santa Catarina, assume
como propósito apresentar os resultados da pesquisa que consistiu em analisar os
aspectos de mudanças curriculares observados nos documentosii das redes municipais
catarinenses,iii
que elaboraram suas propostas de educação integral.
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A educação integral, na atualidade, vem sendo pauta prioritária presente na
agenda de diferentes governos nas diversas esferas, dos órgãos que desenvolvem a
gestão dos sistemas educacionais e, inclusive, das escolas; sejam elas públicas ou
privadas.
A ideia da ampliação da jornada escolar está intimamente ligada ao desejo de
ressignificar e reestruturar a escola, na reorganização do currículo e no trabalho
pedagógico. Este movimento de motivação se deve ao fato de que os tradicionais
modelos de organização do trabalho pedagógico e curricular mostrarem-se insuficientes
diante das demandas, contingências e expectativas da sociedade atual.
A escola, na contemporaneidade assume muitos papeis, ao mesmo tempo, em
que é tomada por dúvidas, incertezas, críticas e desafios, além de pretender-se
igualitária, sustentável e inclusiva. Estes novos cenários induzem governos, gestores e
educadores a desenvolverem processos de redesenhos curriculares, o que, em vários
aspectos, corresponderia atender as necessidades apontadas pelo mundo contemporâneo.
As constantes mudanças pela qual os grupos humanos convivem na
contemporaneidade vêm provocando incertezas. Isto, somado às novas configurações
institucionais e, consequentemente, a reconfiguração de valores coletivos e individuais,
produzem fortes impactos na escola, que também é compelida aos movimentos das
mudanças.
Todas estas pretensas mudanças e interferências vêm provocando conflitos e
incertezas, interferindo no comportamento de professores, estudantes e em toda
dinâmica escolar. De fato, parece haver descompassos entre o ritmo das mudanças
sociais e das mudanças que vem ocorrendo no interior das instituições de ensino, o que
gera certa insatisfação tanto para a sociedade quanto para professores e estudantes. O
descompasso provoca necessidades de ressignificação da escola, pela própria pressão
das interferências externas provocadas de diversas formas, além do fato de a mesma
ainda se constituir, apresentando muita semelhança com o modelo escolar praticado em
tempos passados.
Aumentar o tempo da escola ou a jornada escolar, na perspectiva da educação
integral, por exemplo, é um movimento que vem acontecendo no país na tentativa de
ressignificar a escola e promover aprendizagens mais significativas, portanto
condizentes com as necessidades apontadas na realidade atual.
Observamos ser a pauta da educação em tempo integral, o contexto mais
favorável hoje para o exercício de reconfigurar a escola. No âmbito deste projeto
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educativo é possível observar vários aspectos que apontam a possibilidade de investir
em novas ideias capazes de provocar mudanças no contexto escolar.
Ampliar o tempo da escola na perspectiva da educação integral é um desejo
bastante antigo no contexto educacional brasileiro. Esta ideia vem sendo discutida, e
propostas, neste âmbito, vem sendo implantadas no Brasil desde a primeira metade do
século vinte por educadores que, procuravam defender projetos de formação integral.
Esta concepção de educação foi colocada em prática pela primeira vez no país pelo
educador Anísio Teixeira, quando inaugurou, na Bahia, a primeira Escola Parque em 21
de setembro de 1950.
No Brasil o movimento da escola de tempo integral voltou a ocupar a pauta dos
governos, podemos dizer, a partir de 2007 quando se instituiu no país o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, indicador criado pelo governo federal
para medir a qualidade do ensino nas escolas públicas. O índice é calculado através do
rendimento escolar, obtido com a Prova Brasil, aplicada a cada dois anos, além das
taxas de aprovação, reprovação e evasão. O IDEB tem revelado um índice abaixo da
média esperada, portanto várias ações têm sido pensadas pelos governos.
Aumentar o tempo de permanência na escola tem sido uma alternativa, aplicada
em vários estados como possibilidade de elevar este índice. Em 2007, foi assinado pelo
governo federal a Portaria de N° 17 que institui o Programa Mais Educação, visando
segundo o próprio documento, fomentar a educação em tempo integral para crianças,
adolescentes e jovens (BRASIL, 2007a). Há ainda a Lei N° 11.494/2007 que institui o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
profissionais da Educação - FUNDEB, este contempla financiamento da educação
básica em todas as suas etapas e modalidades e também prevê valores diferenciados
para o tempo integral (BRASIL, 2007, b).
Atualmente o movimento da escola pública em tempo integral, voltou a ganhar
força no país e vem se expressando em diferentes espaços institucionais e políticos. A
elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em junho de 2014 pelo
Congresso Nacional, ilustra um exemplo deste movimento. A meta seis do referido
documento prevê que a educação em tempo integral seja ofertada em 50% das escolas
públicas de educação básica, atendendo no mínimo, 50% dos estudantes de tais
instituições (BRASIL, 2014).
Além disso, há pesquisas que defendem a ampliação do tempo, como
possibilidade de ofertar atividades esportivas, artísticas e culturais, as quais a grande
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maioria dos estudantes matriculados na escola pública não teria acesso, ressignificando
assim a aprendizagem e o tempo da escola. Estas pesquisas realizadas no paísiv
constatam que maior duração do tempo letivo, representa elevação da incidência de
relações positivas com o rendimento dos estudantes, ou ainda que quando se considera
que a função da escola é preparar os indivíduos para a vida democrática, na sociedade, o
tempo integral pode ser um importante aliado, desde que as instituições tenham
condições necessárias para que no seu interior ocorram experiências compartilhadas de
reflexão (Cavalieri, 2007).
Ou ainda, que a ampliação do tempo pressupõe possibilitar ao trabalho
pedagógico mesclar atividades educativas diversas, e ao fazê-lo, contribui para a
implantação de uma formação completa e integrada que pode ocorrer dentro da escola
ou fora dela, desde que haja uma intencionalidade formativo-educativa, consubstanciada
em planejamento docente, em encontros coletivos de professores ou ainda no projeto
político pedagógico da instituição de ensino (Coelho, 2004).
Por ser o currículo elemento de centralidade na extensão da jornada educativa e
por ser este o espaço em que se efetivam as principais mudanças na dinâmica escolar, é
que assumimos o currículo como um movimento/artefato que compreende todo o
pensar/fazer escolar, seja do ponto de vista pedagógico epistemológico ou político.
Concordamos com Sacristán (2000), quando esclarece que o currículo não é um
conceito, mas uma construção social e cultural definida pelo momento histórico de uma
determinada época. Expressa a função socializadora e cultural de determinada
instituição, reagrupando em torno de si uma série de subsistemas ou práticas diversas,
entre elas a prática pedagógica desenvolvida em instituições escolares a qual chamamos
de ensino.
[...] é difícil ordenar num esquema ou num único discurso todas as
funções que o currículo adota segundo as tradições de cada sistema
educativo, de cada nível ou modalidade escolar, de cada orientação
filosófica, social e pedagógica, pois são múltiplas e contraditórias as
tradições que sucederam e se misturaram nos fenômenos educativos
(SACRISTÁN, 2000, p. 15).
Segundo o autor, o currículo reflete o conflito de interesses dentro de uma
sociedade e os valores dominantes que regem os processos educativos, portanto torna-se
tema de estudos de diferentes forças sociais, grupos de profissionais, filosofias, não
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admitindo como tema o reducionismo de nenhuma disciplina que tradicionalmente
agrupa o conhecimento sobre os fatos educativos.
Quando nos referimos ao currículo, não estamos levando em conta somente às
orientações curriculares, as matrizes que determinam a quantidade de disciplinas, carga
horária, tempo determinado para cada aula, assim como a quantidade de tempo que os
alunos deverão estar na escola. O currículo é mais que isso. Envolve todo o movimento
da formação escolar e nela as relações que são estabelecidas no interior da instituição de
ensino, sejam elas, administrativas, pedagógicas, epistêmicas ou políticas.
Neste sentido, entendendo a centralidade que o currículo ocupa, procuramos
conhecer como vem ocorrendo a educação integral no estado catarinense e, a partir da
análise das diretrizes elaboradas pelos municípios a suas escolas que oferecem educação
em tempo integral, analisar se é possível observar nestas propostas, aspectos de
mudanças curriculares, tendo em vista as seguintes categorias: Tempos/espaços,
conhecimentos/saberes, intersetorialidade/territorialidade e integração curricular.
Mudanças curriculares observadas nos documentos das redes municipais
catarinenses
A análise empírica/documental evidenciou, nas diretrizes dos quatro municípiosv
que participaram da pesquisa, concepções distintas sobre o que seja educação em tempo
integral e que na maioria das vezes atribuem ênfase no aumento do tempo escolar como
possibilidade de oferecer mais oportunidades educativas, de elevar os índices escolares,
ou ainda para abrigar as crianças no outro período em que não estariam na escola.
Após o estudo dos documentos, pode-se afirmar que as diretrizes de três dos
municípios analisados não revelam significativos aspectos de mudança curricular
capazes de sustentar um trabalho voltado para a educação integral dos estudantes.
Todavia, em um dos municípios, observou-se uma caminhada mais significativa na
direção da educação integral, evidenciando-se mudanças mais acentuadas quanto aos
aspectos curriculares, tendo em vista que apresenta uma concepção de escola voltada
para a educação do sujeito; que integra os conhecimentos científicos com a formação
pessoal e social; que considera o currículo como campo inesgotável de pesquisa e que
valoriza o trabalho coletivo e o diálogo na construção de um Projeto Político
Pedagógico (PPP).
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Observou-se, ainda, que a formulação de matrizes curriculares que expressem
estas novas concepções continua constituindo um grande desafio. Em geral, os desenhos
curriculares permanecem centrados nas disciplinas divididas em horários com tempo
cronometrado. Todas as redes aumentaram a quantidade de oferta das atividades, sendo
que algumas delas são ofertadas somente no contraturno. Percebe-se um diferencial das
redes que apresentam e valorizam o PPP, atribuindo autonomia à escola para pensar as
atividades incluídas no currículo e o modo como lidar com o próprio projeto da
educação integral.
A análise dos documentos oficiais dos quatro municípios permitiu identificar
alguns dos aspectos mais gerais com relação às categorias levantadas para análise. No
que se refere aos tempos e espaços, se pode afirmar que os tempos estão ampliados, mas
estes continuam sendo controlados cronologicamente. Os espaços, no ponto de vista dos
textos da lei, também foram ampliados, mas há fragilidades na definição de como estes
são utilizados na integração com o projeto pedagógico.
No que se refere à integração curricular, observa-se um esforço dos
formuladores em sinalizarem para integração curricular nas suas redes, porém estes
aspectos não estão explicitados suficientemente a ponto de demonstrar como,
efetivamente, a integração curricular ocorre nas escolas. Não há evidência suficiente de
uma reconfiguração curricular no sentido da integração.
Com relação aos conhecimentos e saberes, fica pouco evidente a explicitação de
quais mudanças estão ocorrendo neste âmbito, embora as propostas apresentem alguns
apontamentos em relação a este movimento. Há, portanto, grandes desafios pela frente,
inclusive em um dos municípios que, apesar de suas diretrizes explicitar de forma mais
contundente o respeito ao universo cultural da criança, pressupondo o diálogo como
mediação da relação pedagógica e a valorização das diferentes linguagens na elaboração
de um currículo que integre os diferentes saberes e ações em prol da educação integral,
não está claro como isso pode e deve acontecer.
Quanto às ações intersetoriais, há indicativos em três propostas. Nelas se
expressam o desejo de superar os limites de educar somente nos espaços da escola, de
buscar envolver outros atores e outros parceiros nesta tarefa, ainda que não fique claro
nos textos, como integrar estas parcerias ao currículo escolar. Em um dos municípios há
um maior enfoque à intersetorialidade e a territorialidade, em organizar um trabalho
conjunto com outras secretarias e outros espaços da cidade.
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Considerações finais
Como explicitado anteriormente, partimos do pressuposto de que a ideia da
educação em tempo integral está intimamente ligada ao desejo de ressignificar e
reestruturar a escola na organização do currículo e no trabalho pedagógico, com vistas à
formação mais integral dos sujeitos. Tal motivação se deve ao fato da revelada
insuficiência demonstrada pelos tradicionais modelos de organização do trabalho
educativo e, por conseguinte, de seus resultados.
Nessa perspectiva, houve a percepção de que os aspectos de mudança curricular
se dão em patamares distintos, e essa diferença de etapas dos aspectos das mudanças
ocorre em estágios singulares, dependendo da concepção e das condições objetivas, o
que significa dizer, que cada rede ou escola imprime seu próprio ritmo. Desse modo,
foram encontradas alterações que vão desde a agregação de algumas ações novas ao
convencional modelo de organização escolar, até aquelas que alteram mais
intensamente as dinâmicas, as relações e os processos pedagógicos.
A pesquisa empírica revelou alguns aspectos que conclusivamente destacamos:
as redes vêm empreendendo significativos esforços para edificar educação integral que
atendam às expectativas e necessidades demandadas pelo contexto brasileiro atual; as
equipes das redes buscam orientar suas escolas a formular propostas educacionais que
considerem e valorizem processos coletivos de trabalho, levando em conta as diferentes
vozes que compõem os contextos escolares. Não obstante, nem todos os projetos
contemplam o conjunto dos elementos considerados fundamentais nas propostas de
educação integral, especialmente aqueles que nesta pesquisa converteram-se em
categorias de análise: Tempos/espaços, conhecimentos/saberes,
intersetorialidade/territorialidade e integração curricular.
Com relação às categorias tempos/espaços, a análise permitiu identificar que, em
geral, as redes ampliaram seus ambientes e procuram reestruturá-los no sentido de
oferecer conforto e bem estar para os estudantes que permanecem ou permanecerão
mais tempo na escola. Os formuladores das propostas preocupam-se com espaços
adequados e reforçam a necessidade destes para o desenvolvimento de projetos
planejados pelos grupos. A ampliação do tempo é defendida pelas redes como
possibilidade de ofertar mais atividades, as quais não seriam possíveis oferecer num
tempo de quatro horas. Todos os projetos assumem como pressuposto que para
aumentar o tempo de atendimento os espaços necessitam de ampliação e adequação.
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Quando as propostas apontam a importância de utilizar outros espaços para além da
escola, o fazem na perspectiva da construção de parcerias, o que significa que
compreendem que educar supõe extrapolar os espaços da escola, de comprometer outros
setores e outros atores. Mesmo demonstrando possuir esta compreensão, os textos das
propostas não explicitam como integrar estas ações ao currículo.
Evidenciamos nessa pesquisa, que os aspectos, referentes à categoria integração
curricular, quando presentes nos projetos analisados, mostram-se superficiais. Esta
constatação revela uma limitação da compreensão desta temática, sinalizando a
necessidade da ampliação do debate sobre integração curricular. Mesmo nas propostas
que, de certa forma, destacaram este processo, verificou-se que a compreensão é parcial.
Com relação aos conhecimentos e saberes, a pesquisa evidenciou, a partir da
análise dos documentos das redes, que há grandes desafios a serem superados. Os textos
das propostas não explicitam nas diretrizes quais concepções assumem com relação a
estes elementos, tampouco evidenciam como trabalhar na escola os conhecimentos
oriundos da cultura dos estudantes. Mesmo que as propostas considerem que os saberes
dos estudantes devam ser valorizados, não mencionam como devem ser integrados ao
currículo, assim como também não referem-se ao fato de esses saberes serem
constitutivos de culturas diversas e como tais formarem os sujeitos, seus modos de agir
e pensar.
Quanto à intersetorialidade/territorialidade, foi possível identificar que a
maioria das redes expressa o desejo em superar os limites do espaço escolar e envolver
outras instituições, outros lugares e outros atores na educação das crianças. Percebe-se
que há evidentes esforços neste sentido. Além disso, é preciso avançar no sentido de
pensar em como articular estas diferentes parcerias no currículo escolar, sem o qual as
mudanças curriculares não serão efetivadas.
Conclusivamente, pode-se afirmar que os processos de mudança curricular
caminham em patamares distintos e os seus ritmos, de alguma forma, sinalizam uma
concepção de educação integral presente nas redes e/ou nas equipes gestoras das
secretarias de educação. Significa dizer que as redes que elaboram e desenvolvem
projetos com uma concepção mais ampla de educação integral efetivam processos
distintos daquelas que operam com uma concepção mais restrita. Como exemplo disto,
podemos citar a diferença de intensidade da mudança entre uma rede que se propõe a
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reestruturar toda a sua dinâmica curricular e aquelas que apenas agregam atividades no
contraturno.
Vale ressaltar que a participação da pesquisadora nos encontros e discussão do
Comitê Estadual de Educação Integralvi
, permite um diálogo com os gestores das redes
municipais e a visualização de que alguns projetos elaborados por eles já se encontram
em fase de modificação. Todo o movimento de implantação desta política nas Redes
também tem fomentado diversas discussões e feito com que se repense e se reestruturem
as diretrizes.
De modo geral pode-se afirmar ainda que a educação integral no estado de Santa
Catarina vem se apresentando como um grande desafio que carece de aporte de
recursos, pesquisa, diálogo, comprometimento, valorização, projetos pedagógicos
desenvolvidos no coletivo, compatíveis com a realidade, capazes de orientar e estruturar
um trabalho voltado para as mudanças que necessitam ser materializadas nas escolas,
principalmente no que se refere à integração curricular e à valorização de saberes
oriundos das diferentes culturas e conhecimentos que constantemente chegam às
instituições de ensino.
A pesquisa realizada nos possibilita apontar que para além da existência de
propostas oficiais, faz-se necessário a participação ativa da comunidade, dos
profissionais da educação e de gestores, bem como processos intensos e permanentes de
formação continuada, sustentados por projetos conceituais e metodologicamente bem
construídos.
Referências
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SACRISTAN, Gimeno J. O Currículo: uma Reflexão Sobre a Prática. Tradução:
Ernani F. Fonseca Rosa. 3. ed. São Paulo: Artmed, 2000.
_____________________________________________
1 Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Currículo – ITINERA - CED/UFSC; pedagoga – Orientadora
Educacional, na Rede Municipal de Ensino se São José. 1 Os documentos analisados foram aqueles que os representantes municipais revelaram poder enviar por
conter registros que, segundo eles, poderiam auxiliar na pesquisa. Entre estes documentos incluem-se:
Decretos, Leis dos Sistemas de Ensino, Matriz Curricular, Informações gerais de como deve acontecer o
atendimento nas escolas, Projetos das Redes e das escolas, Relatórios, Projeto Político Pedagógico,
Cadernos Pedagógicos, Documentos orientadores e Resoluções. 1 Para a seleção dos sistemas municipais que desenvolvem experiências com educação em tempo integral
em Santa Catarina, tomou-se em consideração os que participam do Comitê Estadual de Educação
Integral, especialmente aqueles que em suas escolas oferecerem matrículas no ensino fundamental em
tempo integral e que haviam elaborado documentos orientadores, quanto a educação em tempo integral
em suas redes. Decorrente deste processo foram identificados dez municípios, porém somente quatro
aceitaram participar da pesquisa. Os demais, seus responsáveis, alegaram estar com a documentação
ainda em processo de elaboração. 1 Sobre isto ver: Coelho (2004, 2011), Cavalieri (2007) Leclerc; Moll (2012), Mattos; Menezes (2012),
Moll (2012). 1 Considerando a ética na pesquisa, o nome dos municípios participantes não foram revelados.
1 No Comitê Catarinense de Educação Integral, participam representantes de vários municípios que
oferecem educação em tempo integral. Os encontros são realizados a cada 45 dias em municípios
diferentes. Nestes são oportunizados momentos para socializar as experiências, pensar em conjunto
alternativas para superar as dificuldades encontradas, além de oportunizar a discussão a respeito da
temática da educação integral.
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ASPECTOS DA (RE)ORGANIZAÇÃO CURRICULAR QUE SINALIZAM
INDUÇÃO À EDUCAÇÃO INTEGRAL EM ESCOLAS MUNICIPAIS DE
FLORIANÓPOLIS
Paula Cortinhas de Carvalho Beckervii
, Msc
O artigo, resultante de pesquisa em nível de Mestrado do Programa de Pós-Graduação
em Educação da UFSC, assume como propósito apresentar os resultados da pesquisa de
campo, realizada em 2014 com a participação de onze escolas do Ensino Fundamental.
Trata dos aspectos pedagógicos que, na (re)organização curricular das escolas que
aderiram ao Mais Educação na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis/SC,
mostram-se indutores à educação integral. Neste sentido, trabalhamos com três
conceitos que foram centrais do ponto de vista do objeto da investigação que se
constituíram categorias metodológicas para o estudo empírico, quais sejam: tempos,
espaços e saberes/conhecimentos escolares. A educação integral é entendida como
aquela que acontece nas relações entre os diferentes espaços/tempos e no diálogo entre
os saberes, experiências e campos do conhecimento. E consideramos que, na integração
curricular, esses três aspectos são indissociáveis. Os procedimentos utilizados trilharam
por dois caminhos metodológicos que são complementares, um de cunho teórico e outro
de cunho empírico. Como embasamento teórico, utilizamos documentos oficiais
(nacionais e municipais), além de autores que discutem a educação integral e a
integração curricular, como: Moll (2012), Cavaliere (2002, 2007), Galian e Sampaio
(2012), Guará (2009), Coelho (2004, 2009), Lopes e Macedo (2011), Thiesen (2011).
Na pesquisa empírica, como instrumento de coleta de informações, fizemos uso de
questionário e observação sistemática. Assim, a pesquisa está orientada em métodos e
procedimentos eminentemente qualitativos. A análise realizada permitiu que
classificássemos as experiências da rede em três estágios, algumas mais próximas e
outras mais distantes do proposto pelo Programa, ainda que todas estejam caminhando
em direção à educação integral.
Palavras-chave: Programa Mais Educação. Educação Integral. Integração Curricular.
Introdução
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No presente artigo, resultante de pesquisa em nível de Mestrado do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, assumimos
como propósito apresentar os resultados da caracterização empírica dos aspectos
pedagógicos que, na (re)organização curricular das escolas que aderiram ao Mais
Educação na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis/SC, mostram-se indutores à
educação integral. Este estudo, orientado em métodos e procedimentos eminentemente
qualitativos, foi realizado em 2014 com a participação de onzeviii
escolas do Ensino
Fundamental. Para a coleta de informações fizemos uso de questionárioix
e roteiro de
observaçãox.
A educação integral, como agenda contemporânea, surge atrelada à ideia de
expansão do direito à educação, como desejo de democratização e na busca por um
desenvolvimento humano mais igualitário. Este desejo impõe, certamente, o
enfrentamento das desigualdades sociais historicamente marcadas pelo sistema
educacional e dada, entre outros aspectos, pela entrada tardia das camadas populares na
escola em condições adversas. O grande desafio da educação pública, de aproximar a
cultura das classes populares com o universo intelectual e letrado da cultura elaborada
continua presente nos dias de hoje.
Podemos afirmar que a educação integral se confunde com a própria história da
educação. Ela tem como princípio o desejo humano e histórico da formação integral
para todos, sem distinção de classes. Entendemos que a agenda contemporânea da
educação constitui-se, com base nas experiências e ideais historicamente produzidos,
para universalização qualificada de todos os níveis e de todas as modalidades de ensino,
através da construção coletiva de políticas públicas. Somente nesta perspectiva ela pode
ser considerada como integral.
No âmbito desta agenda, o Brasil adere primordialmente com o Programa Mais
Educação ao institui-lo pela Portaria Interministerial nº17, de abril de 2007 e pelo
Decreto nº 7.083, de 27 de janeiro de 2010, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva
(2003-2010) e seguido pelo governo de Dilma (2011-atual), do Partido dos
Trabalhadores (PT). Esse Programa integra as ações do Plano de Desenvolvimento da
Educação e constitui uma estratégia do Governo Federal para induzir a ampliação da
jornada escolar e a organização curricular, na perspectiva da educação integral.
O Ministério da Educação (MEC), através da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) publicou em 2009 um conjunto de
textos de referências denominados Série Mais Educação que apresentam a proposta
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curricular do Programa. A trilogia pretende contribuir para um diálogo nacional sobre a
conceituação, a operacionalização e a implementação do Programa Mais Educação.
Além disso, este conjunto de textos, “(...) no contexto das políticas educacionais
brasileiras, propõe-se a animar o debate e a construção de um paradigma
contemporâneo de educação integral, que possa se constituir num legado qualificado e
sustentável” (BRASIL, 2009, p.7).
A concepção de educação integral, apresentada nos textos da Série Mais
Educação (2009), surge em meio ao debate nacional visando “levar à escola
contemporânea uma ampliação das necessidades formativas do sujeito, contemplando as
dimensões afetiva, ética, social, cultural, política e cognitiva” (BRASIL, 2009b, p.14).
Segundo os documentos, esta concepção está relacionada ao aumento do tempo e
espaço nos projetos educativos e parte da ideia de que “os estudantes são seres
portadores de uma complexa experiência social e merecem atenção diferenciada porque
são fruto de processos igualmente diferenciados” (p. 14-15). Assim, a educação é
compreendida como um desafio para escolas e comunidades na medida em que se busca
construí-la para além dos espaços escolares, no diálogo com diferentes agentes sociais,
territórios, saberes e experiências comunitárias.
Neste sentido, o Mais Educação visa atender prioritariamente crianças e
adolescentes de escolas públicas localizadas em territórios de vulnerabilidade social por
meio de um conjunto de ações socioeducativas e da aproximação das escolas com as
famílias e comunidades. Na tentativa de tornar o processo educativo mais significativo
às crianças e aos jovens, sua proposta apresenta preocupação com a articulação dos
diferentes saberes e da escola com a comunidade onde está inserida. E prevê recursos
financeiros para aquisição de bens (permanentes e de consumo) e ressarcimento para
alimentação e transporte de oficineiros voluntários a fim de contribuir com a oferta de
diversas atividades educativas.
Na dissertação de mestrado tratamos de três conceitos que foram centrais do
ponto de vista do objeto da investigação que se constituíram categorias metodológicas
para o estudo empírico, quais sejam: tempos, espaços e saberes/conhecimentos
escolares. Vimos que a educação integral é entendida como aquela que acontece nas
relações entre os diferentes espaços/tempos e no diálogo entre os saberes, experiências e
campos do conhecimento. E consideramos que nessa integração os três aspectos são
indissociáveis.
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Entendemos que os espaços escolares são constituídos pela estrutura física das
escolas, pela comunidade local (territórios) e pelas relações estabelecidas entre os
sujeitos formadores e em formação e que, portanto, estes não se esgotam na
materialidade de seus ambientes. Que os tempos escolares são entendidos sob duas
dimensões, a cronológica (ampliação da jornada escolar em horas) e a subjetiva
(ampliação das relações e aprendizagens), e que os saberes/conhecimentos escolares
integram-se pelo diálogo entre os saberes comunitários, as experiências e os campos do
conhecimento científico.
O embasamento teóricoxi
de nossas análises se constitui de um conjunto de
artigos e livros de diferentes autores, como: Jaqueline Moll (2012), Ana Maria
Cavaliere (2002, 2007), Galian e Sampaio (2012), Isa Maria Guará (2009), Lígia Martha
Coelho (2004, 2009), Alice Lopes e Elizabeth Macedo (2011), Juares Thiesen (2011),
além de textos oficiais e diretrizes nacionais que regem o Mais Educação. Assim,
apresentamos a seguir os resultados obtidos na pesquisa empírica e que representam
aspectos pedagógicos que, na (re)organização curricular das escolas que aderiram ao
Mais Educação na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis, mostram-se indutores à
educação integral.
Aspectos de indução à educação integral presentes no currículo das escolas da
Rede Municipal de Ensino de Florianópolis
A pesquisa de campo evidenciou que as escolas pesquisadas em 2014 se
encontram em momentos distintos de experiência com o Mais Educação. Algumas
iniciando suas atividades e outras com projetos de educação integral em pleno
desenvolvimento. De qualquer forma, todas apresentam mudanças em sua rotina e
organização curricular em função da ampliação dos tempos, espaços e
saberes/conhecimentos escolares.
Constatamos também que essas escolas se constituem de dois modelos
curriculares: um estruturado para atender alunos em tempo parcial (currículo regular) e
outro em tempo ampliado, seja com atividades no contraturno ou na forma mais
articulada. Em ambos, as atividades ofertadas neste tempo a mais não são para todos,
por isso critérios são estabelecidos para a participação nas oficinas do Mais Educação
ou nas turmas de tempo integral.
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1495ISSN 2177-336X
Neste sentido, observamos no âmbito da (re)organização curricular das escolas
de Florianópolis alguns avanços a partir do Mais Educação. É possível afirmar que o
financiamento é um aspecto que contribui para melhoria e a ampliação dos espaços
escolares. Que os recursos recebidos pelo governo federal, diretamente pelas APPs,
possibilitam aquisições de bens e consumo para a realização de trabalhos pedagógicos
com as crianças e jovens e dá certa autonomia às escolas que podem fazer escolhas de
acordo com sua realidade.
Além disso, vimos que o recurso recebido para contratação de oficineiros
favorece a criação de novas parcerias entre a escola e a comunidade e, assim, a
ampliação das relações nos tempos e espaços. Destacamos que as novas relações
estabelecidas entre os sujeitos das escolas (alunos, professores, funcionários) e os
agentes comunitários (oficineiros) que participam das oficinas sinalizam indução à
educação integral na medida que oportunizam a interação dos sujeitos, a aproximação
com a realidade e com os saberes e conhecimentos escolares.
Constatamos que a ampliação dos tempos escolares também é outro aspecto que,
na (re)organização curricular das unidades educativas, sinaliza indução à educação
integral. As escolas estão atendendo crianças e jovens além das quatro horas diárias,
com planejamento de ações e projetos que visam o desenvolvimento do sujeito.
Percebemos que os profissionais envolvidos conseguem dar mais atenção aos alunos
participantes e desenvolver um trabalho diversificado. Assim, a ampliação do tempo
(dimensão cronológica) oportuniza também a ampliação das relações e aprendizagens
(dimensão subjetiva).
Entretanto, a dimensão subjetiva dos tempos escolares é a que apresenta maior
dificuldade para ser alterada, pois depende da ação de outros sujeitos e de questões
administrativas que vai além da escola. A organização disciplinar da escola e a carga
horária dos professores, por exemplo, são limitadores na organização das atividades a
serem desenvolvidas. Mesmo assim observamos, em uma das experiências da rede,
modificações na matriz curricular, na organização do calendário para formação
continuada na escola e para reuniões de planejamento e avaliação, o que revela
caminhada mais significativa.
No que diz respeito a organização da matriz curricular, vimos, na escola
observadaxii
, que a inclusão das oficinas do Mais Educação no currículo das turmas de
educação integral, portanto, mescladas às disciplinas curriculares e a participação dos
oficineiros no processo de avaliação constituem ações concretas de integração, na
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medida que representam a superação da lógica de turnos (curricular) e contraturno
(extracurricular).
Foi possível observar, também, que os alunos participantes do Mais Educação
recebem alimentação e cuidados com a higiene. Consideramos essas questões como
elementos importantes para formação integral das crianças e jovens. Que, com a
orientação de profissionais da escola, passam a criar hábitos saudáveis e conhecer o
próprio corpo.
O Programa Mais Educação tem possibilitado, para Rede Municipal de Ensino,
o desenvolvimento de novas atividades educativas de acordo com cada realidade. As
escolas têm a autonomia para, com seus alunos, escolherem as oficinas a serem
ofertadas. Assim, além das disciplinas escolares comum a toda rede, as escolas integram
outros saberes a seu currículo. Na escola observada ficou evidenciada a inclusão das
oficinas na matriz curricular das turmas de educação integral que também são avaliadas
pelos oficineiros. Além disso, falas de diretoras e coordenadoras evidenciam um esforço
de integrar esses saberes ao conhecimento escolar.
Outro aspecto importante a se considerar na (re)organização curricular das
escolas que desenvolvem o Mais Educação é a elaboração de projetos de educação
integral. Identificamos na pesquisa projetos produzidos após a adesão ao Programa.
Estes documentos elaborados no coletivo, fruto de discussões entre os profissionais da
escola, norteiam práticas pedagógicas e possibilitam a contratação de professores pela
Secretaria Municipal de Educação. Consideramos esse aspecto uma conquista dos
profissionais das escolas que buscam formação continuada para desenvolver projetos de
interesse coletivo.
Além dos avanços, observamos algumas limitações enfrentadas pelas escolas da
Rede Municipal de Ensino de Florianópolis. A atuação de oficineiros é uma delas na
medida em que não modifica diretamente a estrutura escolar no que diz respeito à
equipe de profissionais, se contrasta com a luta histórica da formação e valorização de
professores e pode colocar em risco a qualidade do processo de ensino e aprendizagem.
Acreditamos que para atender as demandas da educação em tempo integral, além dos
agentes comunitários, é necessário o/a professor/a com jornada de trabalho de 40 horas.
Neste sentido, entendemos que a escola deve ser em tempo integral para alunos e
professores.
A contratação de professores temporários para atuar em turmas de educação
integral pode ser entendida como outra limitação. Isso por gerar dificuldades no que diz
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1497ISSN 2177-336X
respeito às relações estabelecidas entre os sujeitos envolvidos e a própria organização da
escola para iniciar as atividades no início do ano letivo. Representa, de certa forma, a
descontinuidade do trabalho pedagógico que precisa ser reestruturado anualmente e a
rotatividade fragiliza o projeto produzindo rupturas na organização curricular das
escolas.
Destacamos ainda que o trabalho realizado no contraturno escolar, identificado
em algumas escolas, põe em risco a unidade e a articulação do trabalho pedagógico e a
possibilidade de diálogo entre os professores. No âmbito da educação integral, esse
aspecto sinaliza, portanto, limitações como, por exemplo, a falta de planejamento
coletivo de ações para integração dos tempos, espaços e saberes comunitários e
escolares. Há grande chance de os professores ficarem alheios ao que os alunos
desenvolvem nas oficinas, em ONGs ou outros espaços da comunidade. Assim, oferecer
outras atividades no contraturno sem a devida integração ao conjunto de atividades que
constituem o currículo escolar parece-nos uma grave limitação.
A intersetorialidade como estratégia do Mais Educação propõe o diálogo entre a
cultura local e os currículos escolares e entre os projetos e programas do governo
federal. Entretanto, observamos que as escolas têm dificuldade em promover esse
diálogo e ampliar as relações de forma intencional e, muitas vezes, ela é o único espaço
público da comunidade. Assim, as novas oportunidades de aprendizagem e experiências
ficam restritas aos espaços da própria escola. Essa limitação (na intersetorialidade) pode
tornar a instituição escolar a única responsável pela minimização da carência social que
se fixa nos territórios de vulnerabilidade, o que contradiz o proposto pelos documentos
do Programa.
O fortalecimento de projetos na perspectiva da educação integral exige
socialização de práticas e adensamento do debate. Essas ações parecem estar no
horizonte da rede de Florianópolis, mas ainda precisam ser mais orgânicas e por isso,
acreditamos que as discussões são imprescindíveis para a ampliação e garantia do
desenvolvimento da educação integral em tempo integral.
A pesquisa revelou ainda que a articulação entre as escolas e a comunidade local
é uma questão central para seu sucesso. Os autores que discutem sobre o tema,
consideram que a escola não é o único espaço de formação, e por isso, torna-se
importante criar mecanismos de integração entre as instituições educativas, a Secretaria
de Educação, as famílias e comunidades. Na rede, essas ações ainda não se mostram
muito expressivas, o que, a nosso ver, precisa haver forte investimento.
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Considerações Finais
Do ponto de vista dos aspectos pedagógicos identificados na (re)organização
curricular das unidades educativas e os conceitos de indução trabalhados na pesquisa de
mestrado, consideramos que o Mais Educação, além de apresentar um conjunto de
orientações, deve oferecer elementos que estimulem e inspirem o trabalho no cotidiano
escolar na perspectiva da educação integral. Neste sentido, observamos que as escolas
da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis encontram-se na travessia mesmo que
com trajetórias distintas.
Num âmbito mais geral, a análise que fizemos, permitiu que classificássemos as
experiências da rede em três estágios. No primeiro estão as escolas que se encontram no
início da caminhada, que há pouco tempo aderiram ao Programa ou que poucas
mudanças apresentam em relação à organização pedagógica e curricular convencional.
Em geral são escolas que estão se preparando para receber alunos em tempo integral e
ao mesmo tempo conhecendo o Programa e sua proposta.
No segundo estágio estão as escolas que apresentam mudanças na
(re)organização curricular a partir do Mais Educação, mas que ainda não constituíram
um projeto coletivo de educação integral. Estão em meio à travessia com importantes
ações pedagógicas nessa perspectiva. Observamos que em uma mesma unidade
educativa há mudanças ainda embrionárias relacionadas a determinados aspectos da
organização curricular e pedagógica e, também, mudanças mais significativas em
relação a outros.
E num estágio mais avançado, encontra-se a escola observada, por exemplo. É,
portanto, uma das unidades educativas da rede que mais se aproxima do conceito sobre
o que seria a educação integral. Esta unidade tem seu projeto coletivo, desenvolvido por
meio de estudos e formação na própria escola, e o desenvolve para além do que propõe
o Mais Educação. Nessa experiência, o Programa serviu como um estímulo a se pensar
a educação e a reconfigurar os espaços, os tempos e os saberes/conhecimentos
escolares. Ela já exercita o redesenho curricular e é protagonista em seu projeto, na
medida em que os professores se sentem mais sujeitos do currículo e já constroem
escolhas formativas. Acreditamos que o Mais Educação deve ser entendido assim,
como uma travessia... um primeiro passo.
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Diante dos aspectos pedagógicos identificados na (re)organização curricular das
escolas e apontados nesta pesquisa, concluímos que os resultados do Mais Educação
não devem ser vistos de forma genérica. Cada experiência traz consigo especificidades e
mudanças em diferentes níveis de acordo com sua realidade e desenvolvimento. Assim,
as escolas municipais de Florianópolis, que se apresentam em um dos três estágios
mencionados anteriormente, algumas mais próximas e outras mais distantes do proposto
pelo Programa, estão caminhando em direção à educação integral.
De modo geral, a pergunta colocada como mote para a dissertação foi até que
ponto o Mais Educação expressa um caminho indutor para educação integral. Nossa
resposta, ao concluir a pesquisa, foi a de que o Programa tem se mostrado, de alguma
forma, como uma travessia para as escolas da Rede Municipal de Ensino de
Florianópolis. Considerando que o Programa, apesar das limitações, estimula a
mudança; mobiliza as instituições para pensarem a jornada ampliada; e abre espaços
para discussões coletivas sobre temas de interesse da escola é possível afirmar que há
indução.
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_____________________________ 1 Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Currículo – Itinera, CED/UFSC; Professora do Ensino
Fundamental - Anos Iniciais da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis/SC. 1 Na pesquisa de mestrado consideramos as vinte e duas escolas que desenvolviam o Mais Educação no
ano de 2014, na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis. Destas apenas três não aceitaram participar
da pesquisa. Das dezenove escolas, uma foi escolhida como local de observação e as demais receberam o
questionário. Obtivemos devolutiva de dez instrumentos de coleta de dados, totalizando onze escolas
participantes da pesquisa empírica. 1 Este instrumento foi elaborado priorizando perguntas abertas, que são as que permitem ao sujeito
responder livremente, usando linguagem própria e emitir opiniões (MARCONI e LAKATOS, 2003).
Mais informações sobre este instrumento de coleta de dados e sua aplicação podem ser encontradas na
dissertação de Mestrado, no texto “Os Procedimentos Metodológicos”. 1 Este instrumento foi elaborado com a intenção de auxiliar e organizar o registro das informações
coletadas na observação do trabalho pedagógico de uma escola participante desta pesquisa. Mais
informações sobre o roteiro de observação e sobre a escolha da unidade educativa encontram-se na
dissertação, no texto “Os Procedimentos Metodológicos”. 1 Ver BECKER, Paula Cortinhas de Carvalho. Do Programa Mais Educação à Educação Integral: O
currículo como movimento indutor. 158 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa
Catarina/UFSC, Florianópolis, SC, 2015. 1 Unidade educativa da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis/SC que participou mais
intensamente da pesquisa empírica. A escolha desta escola se deu a partir de uma pré-análise,
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onde verificamos que seu Projeto Político Pedagógico define uma proposta de ampliação de
jornada escolar e de (re)organização de seu currículo, na perspectiva da educação integral, tendo
o Mais Educação como indutor deste projeto. Identificamos também que seus profissionais
demonstram grande interesse e envolvimento em questões relacionadas à educação integral.
Além disso, a direção e a equipe escolar se mostraram abertas em receber a pesquisadora e em
colaborar com a coleta de informações.
A ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL E O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA
CRIANÇA
Cris Regina Gambeta Junckes (PPGE/UFSC) xiii
Uma diversidade de Programas de ampliação do tempo escolar vem emergindo no
território brasileiro nos últimos anos, repercutindo no crescente debate no meio
acadêmico sobre as finalidades da Escola de Tempo Integral no Brasil. Para melhor
compreender tais discussões, esta pesquisa pauta-se num amplo levantamento da
produção acadêmica (1988-2014) desenvolvida em nível de mestrado, na qual foi
possível perceber que grande parte dos estudos localizados apresenta como metodologia
a pesquisa de campo, destacando a caracterização de diferentes propostas educativas,
que tem em comum, a ampliação da jornada escolar na Educação Básica. A partir de um
estudo histórico e sociológico do fenômeno, constatou-se que a proposta de Escola de
Tempo Integral faz parte da história da escola pública brasileira, há quase um século,
contudo ela não se firmou como uma política pública educacional, sendo marcada por
experiências isoladas, idealizadas por alguns intelectuais, num determinado período
político, visando atender uma parte específica da população - as crianças que vivem em
situação de pobreza e/ou vulnerabilidade social. Diante disso, questionamos o
ressurgimento desta temática na atualidade, na qual buscamos compreender os
significados da ampliação do tempo escolar na formação das crianças brasileiras e as
possibilidades da infância ser privilegiada na escola como um direito da criança. Após
a análise de algumas pesquisas que tiveram como foco a infância na Escola de Tempo
Integral, verificamos que as propostas de educação em tempo integral perdem de vista
os direitos sociais das crianças, entre eles os de participar, brincar e aprender junto a
seus pares, quando focalizam a ocupação do tempo de formas variadas, sem considerar
os interesses e necessidades formativas desse sujeito, tanto na Educação Infantil, como
no Ensino Fundamental.
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1502ISSN 2177-336X
Palavras-chave: Escola de Tempo Integral. Formação da criança. Infância.
Introdução
Os estudos referentes à história da Escola de Tempo Integral no Brasil destacam
que esta proposta educacional é caracterizada pelo atendimento assistencial e educativo,
às crianças pobres, desamparadas, sendo idealizada por alguns intelectuais que
implantaram programas específicos, como: as Escolas-parque, na Bahia e em Brasília,
nas décadas de 1950 e 1960, respectivamente; os Centros Integrados de Educação
Pública (CIEPs), no estado do Rio de Janeiro, nas décadas de 1980 e 1990; o Programa
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1503ISSN 2177-336X
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de Formação Integral da Criança (PROFIC), no estado de São Paulo, entre 1980 e 1990;
os Centros de Atendimento Integral à Criança (CAICs), em âmbito nacional, a partir de
1990, entre outros - ressaltando a importância da complementação da educação da
criança no contraturno escolar, por meio de atividades socioeducativas. Além disso,
constata-se que, grande parte destas atividades foram (e ainda são) realizadas por
profissionais voluntários, que não possuem formação específica sobre o
desenvolvimento e aprendizagem das crianças, contribuindo assim, para a fragmentação
e descentralização do currículo, além da desconsideração com o processo formativo das
crianças.
Os estudos sobre a Escola de Tempo Integral se intensificaram, principalmente,
após a implantação do Programa Mais Educação, em 2007, pelo Governo Federal. Tal
Programa surge com o propósito de induzir a ampliação da jornada escolar e a
organização curricular na perspectiva da Educação Integral, prevendo a oferta de
atividades socioeducativas no contraturno escolar. A jornada escolar ampliada é
caracterizada como o tempo de duração, igual ou superior a sete horas diárias, durante
todo período letivo, compreendendo o tempo total em que o estudante permanece na
escola ou em atividades escolares, em outros espaços educativos.
Ao analisar os dados do levantamento da produção acadêmica sobre a Escola de
Tempo Integral, nas últimas décadas, foi possível verificar que as propostas que
defendem a ampliação do tempo escolar, têm como premissa a ocupação do tempo das
crianças, tanto no espaço escolar (sendo a sala de aula o lugar mais utilizado), como nos
arredores da escola - em salões, quadras esportivas, centros culturais, entre outros. Isto
indica que a ampliação do tempo escolar não garante investimentos na construção de
novas escolas e na reestruturação física e pedagógica das escolas já existentes.
Diante disso, questionamos: Qual o sentido e o significado da ampliação do tempo
das crianças na escola? Quais aspectos de sua formação são privilegiados nos programas
de Escola de Tempo Integral? Será a infância respeitada na escola como característica
própria da criança e um direito inalienável?
O processo de escolarização no Brasil: redução e ampliação do tempo escolar
No Brasil, assim como, em outros países capitalistas, o percurso do processo de
escolarização foi desigual para as diferentes classes sociais. Neste país a luta pela
democratização e universalização da educação só foi enfatizada no decorrer do século
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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XX e concretizada no final deste século, passando por percursos difíceis, que
(des)caracterizaram a escola pública tradicional, gerando a escola popular, de massas,
conforma caracteriza Paiva (2003).
Pesquisas indicam que a classe dominante sempre teve escola de qualidade, que
visava formar o intelectual por meio das artes e da ciência (GIOLO, 2012). Após obter a
formação básica com um professor particular, os filhos da elite passavam a estudar nos
colégios religiosos, obtendo uma educação diversificada, pautada em uma literatura
vasta e científica, com conhecimento da cultura e arte de maneira ampla. Para tanto,
contavam com uma jornada escolar intensa, muitas vezes em regime de internato.
Os primórdios da escola pública brasileira são marcados pelo atendimento de
uma clientela seleta, filhos de fazendeiros, comerciantes, políticos, entre outros que
constituíam uma pequena parcela da população. Assim que os filhos dos operários, dos
trabalhadores tiveram o direito de usufruir da cultura letrada, por meio da educação em
escolas públicas, estas instituições foram sucateadas e seu currículo minimizado.
Bastava aprender a ler e fazer cálculos mentais simples, para atender as necessidades do
mercado de trabalho.
A Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990
e a Lei de Diretrizes e Bases Nacionais (BRASIL, 1996) foram decisivos no processo de
expansão da Educação Básica, porém as condições da universalização e/ou
democratização do ensino acontecer, tornaram-se um grande dilema na realidade
educacional. Contudo, a expressiva expansão do sistema público de ensino, a partir dos
anos 1980, repercutiu efeitos desastrosos no funcionamento das escolas, especialmente
nos grandes centros urbanos. A falta de investimento na estruturação das escolas, na
formação de professores e equipe técnica, diminuição do tempo educativo e a ampliação
do número de crianças em sala desencadearam altos índices de evasão e repetência
escolar, gerando estudos e discussões referentes ao fracasso escolar e, mais
recentemente, ao analfabetismo funcional.
Nesse contexto, constatamos o quão difícil foi (e ainda está sendo) para os
brasileiros usufruírem de seu direito de ter uma educação ampla, significativa para sua
formação humana. Os brasileiros lutaram para ter acesso à educação pública e laica.
Concomitante a este movimento, houve (e ainda há) uma dura luta pela igualdade de
oportunidades, pela não segmentação do ensino e pela qualificação do mesmo.
Diante desta luta, emergem diferentes programas e projetos educacionais que
buscam superar a precariedade do ensino público. Dentre estes, destacam-se programas
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1505ISSN 2177-336X
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de Escola de Tempo Integral, em algumas regiões brasileiras, que são considerados
como referência nacional, até os dias atuais.
Ao buscarmos conhecer o histórico da Escola de Tempo Integral no Brasil,
vimos que Anísio Teixeira foi um dos protagonistas dessa proposta educativa no
Distrito Federal entre as décadas de 1920 e 1930, porém, somente em 1950 concretizou
sua ideia ao inaugurar o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, Bahia, no
qual apresentou sua concepção de educação ampliada, defendendo o horário integral e a
formação da criança, como a formação do pensar e do fazer (TEIXEIRA, 1977). Este
Centro Educacional era composto por quatro Escolas-classe, onde se ministrava o
ensino básico, comum, num período do dia e, uma Escola-parque, onde se realizavam
atividades variadas (artísticas, esportivas e profissionalizantes) no contraturno escolar
(EBOLI, 1971).
Na década de 1960, em Brasília, foram implantadas as Escolas-parque, sendo
previsto a criação de espaços próprios para a formação das crianças, no contraturno
escolar, contando com a contratação de profissionais capacitados e integrando o
atendimento de saúde e educação das crianças. Já no estado do Rio de Janeiro
desenvolveram-se os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), nas décadas de
1980 e 1990, idealizados por Darcy Ribeiro. Foram projetadas escolas amplas, que
atendessem todas as necessidades formativas das crianças, com quadras de esporte,
salas multifuncionais, refeitórios equipados, além de atendimento médico e dormitório.
Estas experiências foram direcionadas às crianças das camadas mais pobres da
população e, apesar de serem consideradas de cunho assistencialista, significaram
também a possibilidade de aquisição de novos conhecimentos e de vivências de lazer e
recreação em ambientes coletivos, que a estas crianças era negado, como: passeios em
parques, museus, clube, teatro, cinema, aulas de dança, artes plásticas e/ou cênicas,
praticar esportes, participar de eventos culturais e esportivos, etc.
Ao analisar as experiências de escolas públicas de tempo integral nos anos 1980,
Paro et al. (1988) destacam que as questões sociais tendem a sobrepor-se à dimensão
pedagógica, tendo em vista que as políticas públicas não dão conta de suprir as
necessidades da população. Sendo assim, estas funções são repassadas à escola,
ampliando sua responsabilidade de instruir, socializar, proteger, alimentar as crianças,
entre outras. A população, desta forma, passa a ter outras expectativas frente às funções
da escola e esta passa a ser responsabilizada por não atingir os anseios da sociedade.
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Na passagem do século XX para XXI algumas políticas educacionais referem-se
à Escola de Tempo Integral, ao prever a ampliação da jornada escolar dos estudantes do
Ensino Fundamental (Lei de Diretrizes e Bases - LDB 9394/96 e o Plano Nacional da
Educação - PNE – lei nº 10.172/2001) com a intenção de qualificar o ensino. Porém,
estas políticas não oferecem condições para tal projeto educativo se desenvolver,
deixando ao encargo dos governos municipais e estaduais organizarem suas propostas.
Dessa forma, experiências isoladas foram se efetivando em algumas regiões do país, por
meio de projetos governamentais que sofriam alterações, cada vez que mudavam os
governantes (prefeitos, governadores) e/ou os gestores educacionais (Secretaria da
Educação, diretores escolares).
As propostas de ampliação do tempo escolar retomam suas forças a partir de
2007, com a aprovação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), a sanção do
Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação e a instituição do Programa Mais
Educação (PME), fomentando a expansão de experiências de Escolas de Tempo
Integral em todo o país. O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014, é
uma recente política pública que contempla a ampliação do tempo escolar e a expansão
da Escola de Tempo Integral em suas metas educacionais. A sexta meta do PNE busca
oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de
forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da
Educação Básica [da Educação Infantil ao Ensino Médio] (BRASIL, 2014). De acordo
com este documento, a primeira estratégia prevista para alcançar tal meta consiste em:
[...] promover, com o apoio da União, a oferta de educação básica
pública em tempo integral, por meio de atividades de
acompanhamento pedagógico e multidisciplinares, inclusive culturais
e esportivas, de forma que o tempo de permanência dos (as) alunos
(as) na escola, ou sob sua responsabilidade, passe a ser igual ou
superior a 7 (sete) horas diárias durante todo o ano letivo, com a
ampliação progressiva da jornada de professores em uma única escola
(BRASIL, 2014, p. 4).
Levando em consideração o que as políticas educacionais apresentam sobre a
Escola de Tempo Integral, percebemos que é crescente o interesse pelo poder público
pela efetivação desta proposta na Educação Básica. A retomada da discussão referente à
Educação Integral e a ampliação do tempo escolar, pelo governo federal, estadual e
municipal vem sendo apontada como tentativa para enfrentar os graves problemas
educacionais e sociais do país.
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Nesse sentido, constatamos que a Escola de Tempo Integral está sendo planejada
como recurso para minimizar os problemas de reprovação e evasão escolar, além de
proteger as crianças que vivem em zonas de perigo (vulnerabilidade social), atendendo
assim, uma parcela dos estudantes e de escolas públicas.
As denominadas atividades socioeducativas, desenvolvidas no contraturno
escolar, são priorizadas nestes Programas tendo em vista a necessidade de socializar e
educar as crianças pobres, como já acontecia nos serviços de assistência social, dentre
as quais podemos citar o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), criado
na década de 1990, que oferece atividades socioeducativas no contraturno escolar às
crianças, antes exploradas no mercado de trabalho.
Sendo assim, são destacadas formas diversas de atender a ocupação do tempo
das crianças, por meio de ações educativas, culturais e esportivas, a partir de parcerias
com entidades distintas e profissionais variados, caracterizados pela ação voluntária da
comunidade, ou por estudantes das universidades (estagiários), que não necessitam ter
vínculos com a área da educação e conhecimento sobre as necessidades formativas das
crianças e suas especificidades.
As políticas públicas que se referem à criança na Escola de Tempo Integral
dirigem-se ao atendimento de suas necessidades físicas e de convívio social, enfatizando
a importância da alimentação, disciplina e proteção da criança ao estar na escola mais
tempo, mas não atentam para a especificidade da formação social da criança, como ser
humano de pouca idade, um sujeito histórico, cultural e recentemente, um sujeito de
direitos.
A Escola de Tempo Integral e a infância na produção acadêmica.
Um primeiro levantamento da produção sobre a Escola de Tempo Integral foi
realizado por Maurício (2001) em sua tese de doutorado e complementada em pesquisa
posterior, por Ribetto e Maurício (2009) sob o título Duas décadas de educação em
tempo integral: dissertações, teses, artigos e capítulos de livros. Nesse artigo, as
autoras apresentam um mapeamento da produção existente sobre a referida temática no
período de 1988 até 2008, elencando quatro categorias de análise: Jornada Escolar,
Políticas Educacionais, Práticas Educativas e Democratização da Educação.
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Tendo em vista a constância do tema na mídia, nos debates e proposições
políticas, assim como, o crescimento da produção acadêmica, nos últimos anos,
consideramos relevante complementar e atualizar o levantamento anterior.
Ao tomarmos conhecimento do panorama da produção acadêmica sobre a Escola
de Tempo Integral, mais especificamente, do levantamento das teses e dissertações
desenvolvidas no Brasil, no período de 1988 até 2014, constatamos que os estudos sobre
essa temática vêm se expandindo pelo território nacional nos últimos anos,
apresentando a diversidade de sua caracterização. Entretanto verificamos que, apesar do
aumento significativo da pesquisa sobre a Escola de Tempo Integral, poucos
pesquisadores se mobilizaram a investigar a situação da infância na escola.
Segundo os dados de Ribetto e Maurício (2009), no período de 1988 até 2008
foram localizadas 54 pesquisas (43 dissertações e 11 teses), distribuídos em Programas
de Pós-graduação de 07 estados brasileiros. Complementando esse levantamento,
localizamos mais 200 pesquisas (175 dissertações e 25 teses), no período de 2007 até
2014, distribuídas em Programas de Pós-graduação de 17 estados brasileiros.
Ressaltamos que a produção, a partir de 2007, foi superior a 10 trabalhos por ano,
destacando-se o ano de 2012, com a defesa de 47 dissertações e 05 teses. Esses dados
confirmam a persistência da temática no meio acadêmico.
Ao conhecer as temáticas dos trabalhos localizados foi possível perceber que os
pesquisadores apresentam diferentes pontos de análise sobre a Escola de Tempo Integral
no Brasil, impactados pelas experiências vivenciadas nas diversas cidades e estados.
Prevalecem os estudos sobre a organização escolar, apresentando as atividades
desenvolvidas especialmente no contraturno. A partir de 2012 sobressaem-se as
pesquisas que apresentam o desenvolvimento do Programa Mais Educação em uma
determinada região (bairro, cidade, estado) do país, ou comparando esse Programa com
outras propostas municipais e/ou estaduais.
Das 218 dissertações localizadas, 08 (oito) apresentam como foco de análise a
situação da infância na Escola de Tempo Integral, sendo que, 04 (quatro) estudos
referem-se à Educação Infantil (crianças de 03 a 05 anos), 02 (dois) investigaram a
condição da infância no primeiro ano do Ensino Fundamental e 02 pesquisas referem-se
ao trabalho desenvolvido com as crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental,
privilegiando as crianças com até 10 anos de idade. As oito pesquisas buscaram ouvir o
que as crianças tinham a dizer sobre a organização da escola.
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Dentre as considerações mais pontuais apresentadas pelos pesquisadores dos oito
dissertações que analisam a situação da infância na Escola de Tempo Integral,
destacamos: 1) a constatação de certa rigidez referente às regras escolares na Escola de
Tempo Integral, inibindo a expressão oral das crianças, cerceando seus direitos no
processo de socialização e formação; 2) a necessidade da criança ser vista e ouvida na
escola, ser respeitada como sujeito do processo educativo; 3) a importância do tempo da
infância, da brincadeira e da participação da criança no processo educativo; 4) a
importância da formação de professores privilegiar estudos sobre a criança e a infância;
5) a afirmação de que a Escola de Tempo Integral não pode ser mais um espaço de
confinamento das crianças, enquanto os familiares trabalham.
Diante destas ponderações cabe ressaltar que considerar a infância um direito
inalienável da criança, como está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente
(BRASIL, 1990), ainda é um processo de luta pelos direitos humanos que precisa ser
reconhecido socialmente. A formação das crianças na escola precisa ser compreendida
em sua plenitude, para além, do processo de letramento. Para tanto, a criança deve ser
respeitada como um sujeito de direitos, e como tal, precisa ter o direito de expressar-se
do seu jeito, nos diversos espaços que fazem parte de sua formação humana, e, nesse
caso, em especial, na escola.
A formação da criança na Escola de tempo Integral: algumas constatações
Ao realizar o estudo sobre as políticas educacionais que versam sobre a Escola
de Tempo Integral percebemos que a infância, a formação humana, histórico-cultural da
criança, ainda não é considerada como foco deste referencial. A criança é apenas citada
como um estudante, que necessita aprender os conteúdos curriculares e ser atendida
socialmente (em nível básico), para corresponder às exigências de qualificação dos
índices sociopolíticos (Índices de Desenvolvimento Humano - IDH, Índices de
Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB), sendo sua formação direcionada ao
futuro, à formação do bom cidadão/trabalhador. Diante disto, consideramos que é
preciso pensar que tipo de educação/formação queremos promover e o que significa
uma escola de qualidade, que respeite a criança e garanta seus direitos sociais, nas quais
destacamos os de participar, brincar e aprender na escola (QUINTEIRO;
CARVALHO, 2007).
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A realidade brasileira nos apresenta escolas sem espaço para recreação, para
alimentação, para higiene pessoal, para estudos diversificados, entre outros problemas
de estrutura física. Além disso, os sujeitos que fazem parte do processo educativo,
crianças, jovens e adultos, estudantes e profissionais da educação, sofrem com o
desrespeito às suas necessidades básicas, de formação humana. A escola só poderá ser
um tempo e espaço privilegiado de desenvolvimento/formação humana se este lugar
valorizar os sujeitos de acordo com suas especificidades, ou seja, a criança enquanto
criança, um sujeito histórico e de direitos, independente de sua classe social, gênero,
etnia e reais condições de vida. Ao conhecer melhor a criança que está na escola será
possível respeitar e valorizar suas singularidades e dialogar com suas linguagens e
culturas. Para tanto, o professor também necessita ampliar seu tempo de formação e de
trabalho na escola.
Ao invés de contar com o serviço voluntário da sociedade civil, ou de
estabelecer parcerias com outras instituições públicas e/ou privadas, como é previsto e
defendido pelo Governo Federal, por meio do Programa Mais Educação, faz-se
necessário, primeiramente, investir na formação dos professores que já atuam nas
escolas de Educação Básica, promovendo estudos sobre o desenvolvimento infantil e o
processo de ensino e de aprendizagem, respeitando as especificidades de cada sujeito.
Nesse sentido, a ampliação da jornada escolar dos professores se torna fundamental,
tendo em vista a necessidade de estudos sistemáticos com seus pares, na instituição
onde trabalha, produzindo planejamentos que realmente estejam privilegiando a
formação da criança em sua plenitude.
Isto posto, defendemos que é primordial que o professor tenha tempo para
organizar seu trabalho, privilegiando o estudo e a pesquisa, a troca de ideias entre seus
pares, o planejamento de suas atividades de ensino, a procura ou produção de materiais
didáticos, a organização do espaço que será utilizado com as crianças, entre outras
atividades que fazem parte da função pedagógica.
A implementação da lei federal nº 11.738/2008, que instituiu o piso salarial
profissional do magistério público da Educação Básica, pode se constituir um passo em
direção às considerações apontadas acima, pois esta lei acena para um padrão de 40
horas para ser cumprido em uma mesma escola, bem como a hora permanência (1/3 das
40 horas) dedicadas a estudos e planejamento dos professores, garantindo assim, maior
dedicação à escola e também mais tempo para estudar e planejar as atividades
pedagógicas. O PNE (2014-2024), ao se referir a educação básica pública em tempo
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integral também cogita a ampliação progressiva da jornada de professores em uma
única escola (BRASIL, 2014). Dessa forma, relembramos que a valorização do
magistério, com condições de trabalho dignas e salários justos, é uma luta árdua dessa
classe trabalhadora, que aos poucos percebe algumas conquistas.
Diante do exposto, a Escola de Tempo Integral terá sentido e significado
positivos para os sujeitos que fazem parte deste tempo e espaço, se for um lugar
formativo, de socialização e participação, de reciprocidade e emancipação. Nesse
sentido, ela precisa ser pensada, planejada e construída com a participação de todos que
fazem parte da comunidade escolar, tendo como ideal a formação humana, de crianças e
adultos, de acordo com suas especificidades (necessidades e interesses), pois é na escola
que crianças/estudantes e adultos/profissionais da educação passam a maior parte do seu
dia, onde apropriam-se e constroem conhecimentos, desenvolvendo assim sua condição
social de ser humano.
Considerações finais
A Escola de Tempo Integral no Brasil ainda está pautada na divisão dos turnos
escolares, com a permanência da mesma prática educativa, do ensino dos conteúdos do
Currículo Básico Comum em um turno e, no turno oposto, a realização de atividades
diversificadas, em diferentes espaços educativos, além do reforço escolar. Isso não
garante a mudança do perfil e função da escola, ou seja, não necessariamente qualifica a
educação. Nesse sentido, ressaltamos que um dos limites da Escola de Tempo Integral é
a superação da dicotomia turno versus contraturno presente na grande parte das
experiências brasileiras.
Além disso, é possível afirmar que a Escola de Tempo Integral, ainda não é um
direito de todos os brasileiros, tampouco demonstra ser uma política de respeito ao
direito à infância, uma política de formação do pensar e fazer, contemplando a
formação dos sujeitos em sua amplitude, integralmente, dada a seletividade de escolas e
crianças que participam dos programas de ampliação escolar, assim como, as condições
de tais Programas se desenvolverem.
Consideramos assim, que para que a escola se configure em um tempo e espaço
digno de viver, que respeite e valorize os sujeitos e suas peculiaridades formativas, entre
elas, o direito da criança viver sua infância com intensidade, faz-se necessário priorizar
o diálogo entre os sujeitos na escola (adultos e crianças); a participação efetiva de todos
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nas reformulações pedagógicas e estruturais; assim como, a garantia das condições
necessárias para que as atividades desenvolvidas possam também dialogar entre si e
comungar do mesmo objetivo - a formação das novas gerações, da mais alta qualidade.
Nessa pesquisa, vimos que refletir sobre a educação, a organização do tempo e
espaço educativo se faz cada vez mais necessário e urgente, haja vista a crise da
educação no presente e a incipiente consciência da necessidade de se melhorar os
índices educacionais, para alcançar metas preestabelecidas (inter)nacionalmente, e
principalmente, para garantir a formação humana em sua plenitude. Diante disso,
ressaltamos que a própria organização educacional criou efetivamente as condições para
se repensar a escola e a sua real função. Sendo assim, precisamos aproveitar a
oportunidade de revigorar a escola, trazendo mais sentidos para todos os sujeitos
que estão envolvidos no processo educacional.
Enfim, apesar da precariedade da Escola de Tempo Integral atual, pautada em
propostas organizacionais diversas e o reduzido investimento financeiro nas escolas,
como destacam os pesquisadores dessa temática, acreditamos que este é um lugar
privilegiado de formação humana, contudo precisa contar com professores formados e
valorizados socialmente, estrutura física adequada, recursos materiais e didáticos
disponíveis a todos, tendo em vista "uma nova composição e articulação do currículo e
uma nova organização de tempos, espaços e trabalho da escola", como acentuam Galian
e Sampaio (2012, p. 420), respeitando as especificidades da formação dos sujeitos e a
diversidade cultural dos novos tempos.
Referências
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TEIXEIRA, Anísio Spínola. Educação não é privilégio. São Paulo: Editora Nacional,
1977. i Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Currículo – ITINERA - CED/UFSC; pedagoga – Orientadora
Educacional, na Rede Municipal de Ensino se São José. ii Os documentos analisados foram aqueles que os representantes municipais revelaram poder enviar por
conter registros que, segundo eles, poderiam auxiliar na pesquisa. Entre estes documentos incluem-se:
Decretos, Leis dos Sistemas de Ensino, Matriz Curricular, Informações gerais de como deve acontecer o
atendimento nas escolas, Projetos das Redes e das escolas, Relatórios, Projeto Político Pedagógico,
Cadernos Pedagógicos, Documentos orientadores e Resoluções. iii Para a seleção dos sistemas municipais que desenvolvem experiências com educação em tempo integral
em Santa Catarina, tomou-se em consideração os que participam do Comitê Estadual de Educação
Integral, especialmente aqueles que em suas escolas oferecerem matrículas no ensino fundamental em
tempo integral e que haviam elaborado documentos orientadores, quanto a educação em tempo integral
em suas redes. Decorrente deste processo foram identificados dez municípios, porém somente quatro
aceitaram participar da pesquisa. Os demais, seus responsáveis, alegaram estar com a documentação
ainda em processo de elaboração. iv Sobre isto ver: Coelho (2004, 2011), Cavalieri (2007) Leclerc; Moll (2012), Mattos; Menezes (2012),
Moll (2012). v Considerando a ética na pesquisa, o nome dos municípios participantes não foram revelados.
vi No Comitê Catarinense de Educação Integral, participam representantes de vários municípios que
oferecem educação em tempo integral. Os encontros são realizados a cada 45 dias em municípios
diferentes. Nestes são oportunizados momentos para socializar as experiências, pensar em conjunto
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alternativas para superar as dificuldades encontradas, além de oportunizar a discussão a respeito da
temática da educação integral. vii
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Currículo – Itinera, CED/UFSC; Professora do Ensino
Fundamental - Anos Iniciais da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis/SC. viii
Na pesquisa de mestrado consideramos as vinte e duas escolas que desenvolviam o Mais Educação no
ano de 2014, na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis. Destas apenas três não aceitaram participar
da pesquisa. Das dezenove escolas, uma foi escolhida como local de observação e as demais receberam o
questionário. Obtivemos devolutiva de dez instrumentos de coleta de dados, totalizando onze escolas
participantes da pesquisa empírica. ix Este instrumento foi elaborado priorizando perguntas abertas, que são as que permitem ao sujeito
responder livremente, usando linguagem própria e emitir opiniões (MARCONI e LAKATOS, 2003).
Mais informações sobre este instrumento de coleta de dados e sua aplicação podem ser encontradas na
dissertação de Mestrado, no texto “Os Procedimentos Metodológicos”. x Este instrumento foi elaborado com a intenção de auxiliar e organizar o registro das informações
coletadas na observação do trabalho pedagógico de uma escola participante desta pesquisa. Mais
informações sobre o roteiro de observação e sobre a escolha da unidade educativa encontram-se na
dissertação, no texto “Os Procedimentos Metodológicos”. xi Ver BECKER, Paula Cortinhas de Carvalho. Do Programa Mais Educação à Educação Integral: O
currículo como movimento indutor. 158 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa
Catarina/UFSC, Florianópolis, SC, 2015. xii
Unidade educativa da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis/SC que participou mais intensamente
da pesquisa empírica. A escolha desta escola se deu a partir de uma pré-análise, onde verificamos que seu
Projeto Político Pedagógico define uma proposta de ampliação de jornada escolar e de (re)organização de
seu currículo, na perspectiva da educação integral, tendo o Mais Educação como indutor deste projeto.
Identificamos também que seus profissionais demonstram grande interesse e envolvimento em questões
relacionadas à educação integral. Além disso, a direção e a equipe escolar se mostraram abertas em
receber a pesquisadora e em colaborar com a coleta de informações. xiii
Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (PPGE/UFSC),
Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Infância Educação e Escola
(GEPIEE/UFSC), Professora Colaborada da Faculdade Municipal de Palhoça/SC.
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