EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas...

288
EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO CONHECIMENTO

Transcript of EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas...

Page 1: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO

CONHECIMENTO

Page 2: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

ReitoraMARGARETH DE FÁTIMA FORMIGA MELO DINIZ

Vice-reitorEDUARDO RAMALHO RABENHORST

EDITORA UNIVERSITÁRIA

DiretoraIZABEL FRANÇA DE LIMA

Vice-diretorJOSÉ LUIZ DA SILVA

Supervisão de editoraçãoALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JUNIOR

Supervisão de ProduçãoJOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO

CONSELHO EDITORIALDA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

Maria de Fátima Agra (Ciências da Saúde)Jan Edson Rodrigues Leite (Lingüística, Letras e Artes)

Maria Regina V. Barbosa (Ciências Biológicas)Valdiney Veloso Gouveia (Ciências Humanas)

José Humberto Vilar da Silva (Ciências Agrárias)Gustavo Henrique de Araújo Freire (Ciências Sociais e Aplicadas)

Ricardo de Sousa Rosa (Interdisciplinar)João Marcos Bezerra do Ó (Ciências Exatas e da Terra)

Celso Augusto G. Santos (Ciências Agrárias)

Page 3: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

Organizador Erenildo João Carlos

EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO

CONHECIMENTO

Editora da UFPB João Pessoa

2012

Page 4: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

EDITORA DA UFPBCaixa Postal 5081 – Cidade UniversitáriaJoão Pessoa – Paraíba – BrasilCEP: 58.051 – 970www.editora.ufpb.br

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

Foi feito depósito legal

Editoração eletrônicaLEILA NUNES

CapaDAFIANA DO SOCORRO SOARES VICENTE

E24 Educação e visualidade: a imagem como objeto do conhecimento / Erenildo João Carlos, organizador.-- João Pessoa: Editora da UFPB, 2012. 288p. ISBN: 978-85-37-0700-2 1. Educação e imagem. 2. Imagem visual. 3. Cultura visual. 4. Linguagem visual. 5. Imagem - uso pedagógico. I. Carlos, Erenildo João.

UFPB/BC CDU: 37:77.061

Todos os direitos e responsabilidades dos autores.

Page 5: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: A IMAGEM COMO OBJETO DO CONHECIMENTO

Erenildo João Carlos ......................................................................................... 7

A TIPOLOGIA DAS IMAGENS COMO OBJETO DO CONHECIMENTO

Eunice Simões Lins Gomes ................................................................................ 19

CONHECIMENTO, CINEMA E EDUCAÇÃO

Evelyn Fernandes Azevedo Faheina ................................................................. 55

PERSPECTIVAS PEDAGÓGICAS DA IMAGEM CINEMATOGRÁFICA

COMO RECURSO PARA A EXTERIORIZAÇÃO DA SUBJETIVIDADE

Djavan Antério

Pierre Normando Gomes-da-Silva .................................................................. 85

CINEMA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FISICA ESCOLAR:

DISCUTINDO A TEMÁTICA DA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO

Rodrigo Wanderley de Sousa Cruz

Pierre Normando Gomes-da-Silva ................................................................ 107

UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A PRESENÇA DA IMAGEM NA

PROPOSTA PEDAGÓGICA FREIREANA

Erenildo João Carlos

Page 6: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

Dafiana do Socorro Soares Vicente

Raquel Rocha Villar de Alcântara ................................................................. 153

O USO PEDAGÓGICO DA CHARGE: A CRÍTICA E O HUMOR NA

SALA DE AULA

Raissa Regina Silva Coutinho ....................................................................... 217

POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS NO USO DA IMAGEM NO

ENSINO DE MATEMÁTICA PARA JOVENS E ADULTOS

Aníbal de Menezes Maciel ............................................................................ 249

QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO? LEITURA DE MUNDO E

EMPODERAMENTO DO SUJEITO-LEITOR

Francisca Vânia Rocha Nóbrega .................................................................... 269

Page 7: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

7

EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO CONHECIMENTO

INTRODUÇÃO: A IMAGEM COMO OBJETO DO CONHECIMENTO

Erenildo João Carlos

Page 8: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.
Page 9: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

9

Foi-se o tempo em que a imagem era vista como uma impossibilidade cognoscível, tanto no que tange ao fato de não ter as qualidades necessárias para representar e mostrar algo sobre a realidade, quanto porque não figuraria como uma mediação social, cultural e econômica entre os indivíduos membros de certa sociedade.

Essa concepção, alimentada pela hegemonia da escrita, foi, gradativamente, sendo arrefecida, desacreditada e rejeitada. A imagem visual, hoje, é posicionada como uma dentre outros artefatos culturais constitutivos da sociabilidade. Par e passo, isolada ou articuladamente, caminham a escrita, o som e a imagem.

A desconstrução desse entendimento e a emergência do signo-imagem, no cenário da cultura visual, erigiram a imagem visual ao status de objeto epistêmico, sobre o qual devem se debruçar diferentes domínios do conhecimento, dentre os quais, os domínios pertencentes à área das Ciências Humanas, como a Filosofia, Antropologia, a História, a Sociologia, as Artes Visuais, a Semiótica, a Análise do Discurso, a Hermenêutica, as Ciências da Religião e a Pedagogia, por exemplo.

Alinha-se a esse movimento a presente Coletânea - ‘Educação e visualidade: a imagem como objeto do conhecimento’- composta de oito escritos, com a colaboração de onze autores, que tratam da problemática da imagem e sua relação com a educação no

Page 10: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

10

contexto da sociedade brasileira. Os autores são professores de universidades federais e estaduais, da rede pública e estudantes da pós-graduação e graduação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), todos envolvidos em atividades de ensino, pesquisa ou extensão e articulados a grupos de pesquisas, o que denota o compromisso institucional com o assunto. Essa realidade que tem sido vivenciada por cada participante e tem sido a fonte inspiradora de mais uma Coletânea, posterior às três anteriores, a saber: “Educação e visualidade: reflexões, estudos e experiências pedagógicas com a imagem (2008)”, “Por uma pedagogia crítica da visualidade (2010)” e “A importância do ato de ver” (2011).

Cada um dos escritos da Coletânea atual enfoca, a seu modo, a questão da educação e da visualidade e discute a imagem como objeto do conhecimento. A riqueza de perspectiva e de aspectos abordados evidencia a existência de um terreno de reflexão, estudo, ensino e pesquisa que está muito longe de se esgotar. Na verdade, apresenta-se como um solo fértil e produtivo, emergente e edificante, pleno de potencialidades epistêmicas e pedagógicas.

Como será comprovado pelo leitor, ao folhear as páginas do livro, a cultura visual se apresenta como uma realidade que deve ser enfrentada e trabalhada de maneira competente, crítica e responsável. Esse é, por exemplo, um sentimento que fica ao se ler cada um dos escritos da Coletânea.

Page 11: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

11

O primeiro texto, por exemplo, intitulado ‘A tipologia das imagens como objeto do conhecimento’, de autoria da Professora Eunice Simões Lins Gomes (UFPB), partindo do pressuposto de que há uma ligação simbólica e social entre a imagem e o imaginário, apresenta uma classificação das imagens num quadro tipológico que considera a existência cultural da imagem, ancorada numa perspectiva visual tricotômica, em que figuram três níveis mítico-simbólicos, estruturados a partir de fantasias, constitutivos da formação imaginária da sociedade.

A reflexão e o aprofundamento dessas camadas simbólicas da imagem propiciariam um percurso epistêmico alternativo no tratamento do par imagem/imaginário, como objeto da aprendizagem do educando, no processo de apropriação do conhecimento, de um universo simbólico, estruturante de significados, sentidos e saberes cristalizado nas representações visuais presentes na sociedade. Assinala a autora, no conjunto de sua argumentação, que os estudos e as análises, propiciados pelo contexto da sala de aula, poderiam ser enriquecidos e potencializados através das contribuições resultantes das pesquisas sobre o imaginário.

O segundo texto, ‘Conhecimento, cinema e educação’, de autoria da pedagoga e doutoranda, Evelyn Fernandes Azevedo Faheina, discute os três eixos expressos no título do trabalho, tendo

Page 12: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

12

em vista abordar o cinema como mediador de conhecimentos. A autora parte da premissa de que o cinema é um texto, através do qual o conhecimento é disseminado e acessado, mediante um movimento que acontece por meio de duas dimensões: uma cultural e outra educativa. A cultural está atrelada à função subjetiva do cinema na formação social das pessoas; a educativa é proporcionada pelo registro e pela preservação da memória visual dos acontecimentos, dos saberes e dos conhecimentos sociais.

A autora conclui, a partir da linha de argumentação construída, que o cinema é assumido nas práticas educativas escolares como uma estratégia pedagógica, capaz de, a um só tempo, propiciar a circulação do legado cultural da humanidade e a formação da subjetividade dos indivíduos e dos estudantes submetidos ao texto visual cinematográfico.

Seguindo uma trajetória analítica similar à anterior, no que diz respeito à temática da relação entre cinema e educação, Djavan Antério e Pierre Normando Gomes-da-Silva discutem a linguagem visual cinematográfica como um meio de o indivíduo fazer aparecer seu mundo interior de percepções e representações pessoais, no texto, ‘Perspectivas pedagógicas da imagem cinematográfica como um recurso para a exteriorização da subjetividade’.

Page 13: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

13

O rol de argumentos acionado pelos autores acena para uma revisão de literatura que acaba por conferir visibilidade à existência de conceitos e de significados oriundos de diferentes linhas de pensamento, que corroboram o caráter reflexivo acerca dessa temática. O texto é, na verdade, um estudo de natureza interpretativa e bibliográfica, que procura adentrar o caráter filosófico, estético e educativo que embasa a possibilidade do uso da imagem cinematográfica como recurso de exteriorização da subjetividade crítico-reflexiva.

No quarto texto da coletânea, ‘Cinema nas aulas de Educação Física escolar: discutindo a temática da relação professor-aluno’, de Rodrigo Wanderley de Sousa Cruz e Pierre Normando Gomes-da-Silva, os autores apresentam alguns resultados de uma pesquisa de natureza descritiva, de abordagem qualitativa e de análise hermenêutica, na qual foi utilizado o filme “Coach Carter: treino para a vida”, para problematizar a relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

Os autores concluem que a linguagem cinematográfica, representada nos filmes, a partir da imagem disponibilizada, do roteiro construído e dos fenômenos ocorridos, não só otimiza o entendimento de temas cotidianos, como também provoca uma reflexão sobre as experiências, tendo em vista a necessidade da

Page 14: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

14

tomada de decisão e da reorganização da trajetória presente e futura de vida dos educandos através das aulas de Educação Física escolar.

No quinto texto, ‘Uma investigação sobre a presença da imagem na proposta pedagógica freireana’, os autores Erenildo João Carlos, Dafiana do Socorro Soares Vicente e Raquel Roch Villar de Alcântara apresentam o resultado e as conclusões de uma pesquisa do PIBIC/UFPB, realizada no período de 2011-2012, que investigou os escritos freireanos publicados no Brasil, entre os anos de 1940 e 1990, visando situar sua proposta pedagógica, conhecer a noção de imagem empregada, saber quais os textos didáticos utilizados e compreender a estratégia do uso pedagógico da imagem contida nos textos didáticos utilizados. A investigação foi realizada com base no enfoque teórico-metodológico da Análise Arqueológica do Discurso (AAD), que aborda o discurso como uma série de signos que existem como um conjunto de enunciados que se integram e se movimentam em uma rede discursiva. Foram utilizadas as seguintes categorias de análise: educação, educação de jovens e adultos, discurso, prática discursiva e formação discursiva.

Com base em sua análise, os autores constataram três pilares enunciativos, designados de ético, político e epistemológico, que formam a concepção da proposta pedagógica que Freire utilizava. No que tange às imagens, identificaram três noções: código

Page 15: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

15

visual, objeto do conhecimento e representação do mundo, que eram utilizadas estrategicamente como ilustração, mediação do conhecimento e associação mnemônica. Os tipos de imagem eram sempre desenhos ou fotografias.

O sexto texto da coletânea, intitulado ‘Uso pedagógico da charge: a crítica e o humor na sala de aula’, da autora Raissa Regina Silva Coutinho, traz à baila a charge como representação crítica e humorística da realidade. Seu intuito principal consiste em tratar a charge como um gênero de linguagem particular e produto cultural da inteligência humana, inserida no contexto geral da problemática da imagem em nossa sociedade.

Segundo a autora, a charge exprime uma forma de ver e abordar, por meio da crítica e do humor, os acontecimentos e o mundo, em geral, de natureza política. A partir desse pressuposto, a autora defende a ideia de que é sobremaneira importante que os educadores e os educandos, sujeitos participantes do processo de formação educacional, compreendam as especificidades, as possibilidades e as contribuições da charge na aprendizagem escolar.

‘Em Possibilidades metodológicas no uso da imagem no ensino de matemática para jovens e adultos’, sétimo texto da coletânea, Aníbal de Menezes Maciel defende que não se pode discordar da grande importância da aprendizagem em

Page 16: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

16

Matemática, seja por seus aspectos utilitários ou pela formação do raciocínio abstrato. Entretanto, constata-se que o seu ensino, pautado em atividades que visam ao treino e à realização de exercícios padrões, tem contribuído para acelerar a evasão, compondo um dos elementos que fomentam um grupo de jovens e de adultos fora da faixa de idade escolar, que agora retornam aos seus estudos por questões diversas. Segundo o autor, esse quadro tem gerado consequências negativas para o sistema produtivo, para a comunidade e para os indivíduos.

Tendo em vista a problemática do ensino de matemática, o texto discute a possibilidade do uso pedagógico da imagem, em turmas de jovens e adultos, a partir da realidade do aluno, considerando questões metodológicas, principalmente na elaboração de problemas como alternativa para o uso exclusivo da escrita na formação de conceitos matemáticos, visando estimular os alunos a construírem significados que possam servir de base para a compreensão de conteúdos de conhecimentos matemáticos.

Por fim, no texto ‘Quem quer ser um milionário? Leitura de mundo e empoderamento do sujeito-leitor’, Francisca Vânia Rocha Nóbrega apresenta uma discussão inteligente e fundamentada sobre a questão da imagem, na sociedade contemporânea, e o uso reflexivo e crítico do filme em sala de aula. O mote visual de sua análise foi o filme “Quem quer

Page 17: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

17

ser um milionário?”, do diretor Danny Boyle, distribuído pela Europa Filmes. Após revisitar e construir um diálogo entre os escritos de vários estudiosos sobre o assunto e o conteúdo visual, representado no movimento iconográfico das cenas cinematográficas do referido filme, a autora conclui que o filme é um importante recurso didático-pedagógico e imprescindível para o processo ensino-aprendizagem, assentado em uma perspectiva do empoderamento do sujeito-leitor de imagens.

Para a autora, a variedade de informações e de estímulos visuais, presentes no corpo do texto-imagem fílmico, no que tange às suas dimensões históricas, sociais, políticas, econômicas, religiosas, éticas e culturais, como as representadas no filme “Quem quer ser um milionário?”, alargam o horizonte das possibilidades da leitura de mundo do cidadão, sobretudo, daqueles que fazem parte dos segmentos e dos setores excluídos de nossa sociedade.

Desejamos que o conjunto de textos que compõem a referida coletânea propicie ao leitor, curioso e comprometido em estudar o nexo entre educação e visualidade, a ampliação das possibilidades de entendimento e de tratamento da imagem visual, no campo da prática educativa, em geral, e da escolar, em particular.

A discussão e a construção argumentativa empreendida em cada texto evidenciam a riqueza educativa epistêmica que a

Page 18: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

18

problemática da cultura visual, do imaginário, da educação do olhar e da feitura de uma pedagogia crítica da visualidade tem suscitado nos profissionais e nos pesquisadores da Educação. Sinta-se, portanto, convidado a ser mais um integrante dessa rede de estudo, discussão, pesquisa e ensino sobre a Educação e a visualidade em nosso país!

Boa leitura!

Referências

CARLOS, Erenildo João. (Org.). Educação e visualidade: Reflexões, estudos e experiências pedagógicas com a imagem. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2008.

_____. (Org.). Por uma pedagogia crítica da visualidade. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2010.

_____. (Org.). A importância do ato de ver. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2011.

Page 19: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

19

EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO CONHECIMENTO

A TIPOLOGIA DAS IMAGENS COMO OBJETO DO CONHECIMENTO

Eunice Simões Lins Gomes

Pedagoga e Teóloga, com Pós-doutorado em Ciências da Religião (2012) UMESP; Doutora em Sociologia (2008) pela UFPB; Mestre em Ciência da Informação (2000) pela UFPB; Graduada em Pedagogia (1988) UFPB; Profª do Departamento e Programa de Pós-graduação de Ciências das Religiões da UFPB; atua com o tema Educação Religião e Imaginário; líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Antropologia do Imaginário-GEPAI (Cnpq).http://gepai.yolasite.com/. [email protected]

Page 20: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.
Page 21: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

21

Palavras introdutórias

O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a

imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás de casa.

Passou um homem depois e disse:

Essa volta que o rio faz por trás de sua casa se chama enseada.

Não era mais a imagem de uma cobra de vidro

que fazia uma volta atrás de casa.

Era uma enseada.

Acho que o nome empobreceu a imagem.

(Manoel de Barros, 1993, p.25)

Este capítulo apresenta os resultados de uma pesquisa realizada sobre “a tipologia das imagens como objeto do conhecimento”, visando descrever as características fundamentais dos três níveis de formação de imagens e oferecer novas

Page 22: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

22

possibilidades de se compreender e desenvolver um estudo sobre a teoria do imaginário no processo educativo.

Para isso, adotamos como metodologia a pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa, pois a nossa intenção é de compreender o fenômeno a partir de uma análise rigorosa das imagens, e não, de testar hipóteses para comprová-las. Também recorremos à análise textual discursiva proposta por Moraes e Galiazzi (2011, p.12), que se constituiu de dois movimentos opostos e, ao mesmo tempo, complementares: “a desconstrução e a reconstrução do texto”, um exercício rigoroso e minucioso, pois implicou um aprofundamento do acervo que fundamentou a pesquisa, o que possibilitou a construção de um texto final - “metatexto” - que ora apresentamos ao leitor.

Para tanto, no primeiro momento, realizamos um tratamento dos dados, provenientes da análise, com a desconstrução dos textos do corpus, a “unitarização” do estabelecimento de relações entre os elementos unitários e a categorização e o captar emergente em que a nova compreensão foi construída.

Ressaltamos, no entanto, que estivemos atentos às possíveis armadilhas em que a interpretação de um texto nos coloca, pois, segundo Eco (1993, p.41), “um texto é

Page 23: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

23

um universo indefinidamente aberto que o intérprete pode descobrir interligações infinitas [...].” Assim, esclarecemos que nossa abordagem não é explicativa, mas visa descrever sobre a tipologia das imagens simbólicas ou o modo como se organizam internamente suas imagens simbólicas (MAFFESOLI, 1998).

Justificamos, ainda, que este capítulo também foi estruturado a partir da nossa vivência na prática docente como pesquisadora que estuda sobre a teoria do imaginário, o uso dos símbolos na sala de aula e a relevância das imagens, a fim de contribuir para a educação e para a formação plena do homem que, como ser demiurgo, é capaz de, através da razão e da imaginação, crescer inesgotavelmente, até porque consideramos o valor educativo das imagens. Fazemos essa afirmação, baseados em Eliade (2002, p.8), quando considera que

o pensamento simbólico não é uma área exclusiva da criança, do poeta ou do desequilibrado: ela é consubstancial ao ser humano; precede a linguagem e a razão discursiva. O símbolo revela certos aspectos da realidade – os mais profundos – que desafiam qualquer

Page 24: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

24

outro meio de conhecimento. As imagens, os símbolos e os mitos não são criações irresponsáveis da psique; elas respondem a uma necessidade e preenchem uma função: revelar as mais secretas modalidades do ser. Por isso, seu estudo permite melhor conhecer o homem, “o homem simplesmente”, aquele que ainda não se compôs com as condições da história. Cada ser histórico traz em si uma grande parte da humanidade anterior à história.

Esclarecemos que a escolha pela temática aconteceu por dois motivos: primeiro, por reconhecer a influência do uso da imagem no âmbito educacional. Segundo, porque ratifica um campo de investigação que estamos desenvolvendo em nossos estudos, com o intuito de possibilitar a conciliação entre imagem, arte visual, uso dos símbolos na sala de aula e linguagem, ou seja, ampliar a soma de saberes disponíveis porquanto aprofunda os estudos do imaginário, como capital pensado do homo sapiens.

Por esses motivos, relevamos nosso estudo, afirmando que, no espírito científico, deve-se colocar o que existe de mais imediato em nossa própria experiência, “nossas surdas paixões, nossos desejos inconscientes”, para mostrar as nossas bases

Page 25: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

25

afetivas, o dinamismo subjetivo em que estamos envolvidos e quais são os traços impostos por nossa fantasia não elaborada racionalmente (BACHELARD, 1998, p.57).

Por entender que a pesquisa, no mundo social, existe, fundamentalmente, para a compreensão dos significados e das conexões dos fenômenos, comprometemo-nos em produzir um conhecimento que catalise rupturas em torno de hábitos rotineiros. Isso porque esse conhecimento sobre “a tipologia das imagens, como objeto do conhecimento,” busca ser significativo e influenciar para uma conduta social no âmbito educacional. Por essa razão, estruturamos nosso pensamento tecendo algumas considerações sobre a Teoria do Imaginário e, em seguida, sobre a tipologia das imagens segundo a tripartição dos gestos fundamentados em Gilbert Durand.

Page 26: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

26

As imagens na Teoria Geral do Imaginário de Gilbert Durand

A imagem, enquanto sombra, favorece na realidade uma profundeza das coisas e assegura uma melhor difusão da sua luminescência.

Wunenburger e Araujo (2006)

Partindo do pressuposto de que toda imagem é a imagem de qualquer coisa ou de alguém, seja visual ou linguística, ela é a representação de um referente num modo sensível, quer seja espacial, no caso da imagem material, quer seja narrativo, com o seu acompanhamento retórico, emocional e onírico, para a imagem verbalizada. Para isso, deve ser preservada como uma imagem. No entanto, segundo nos afirmam Wunenburger e Araujo (2006, p.19),

Page 27: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

27

no centro de toda imagem, existe um jogo do próprio e do outro que permite, por um lado compreendê-la como representante mimética do referente, como um equivalente parcial, mas também como um duplo que somente saberia tomar o lugar do modelo.

Para isso, foi necessário levar em consideração que acreditemos em sua aparência, mas sem nunca fascinar nem iludir demasiado para que possamos nos desprender da imagem e tomar consciência da realidade do jogo.

Como não poderia ser diferente, este estudo se propõe a adentrar o mundo das imagens. Fazemos isso, a partir do pressuposto antropológico do imaginário de Gilbert Durand, que o considera como um sistema dinâmico organizador de imagens, cujo papel fundador é o de mediar a relação do homem com o mundo, com o outro e consigo mesmo. Essa função fantástica do imaginário acompanha os empreendimentos mais concretos da sociedade, modulando desde a ação social até a obra estética.

Assim, construímos nossa reflexão sobre a Teoria Geral do Imaginário, proposta por Gilbert Durand, tecendo uma primeira consideração, a de que, para se estudar sobre

Page 28: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

28

o imaginário, é necessário atentar que a compreensão sistemática do imaginário humano, individual e coletivo, resulta de um grande número de disciplinas e de saberes parciais, como crítica literária, psicanálise, antropologia cultural, hermenêutica, fenomenologia etc., pois, como nos assegura, Wunenburger e Araujo (2003), “o imaginário não é apenas um termo que designa conglomerado de imagens heteróclitas, mas remete para uma esfera psíquica onde as imagens adquirem forma e sentido devido a sua natureza simbólica”. Assim, teceremos apenas algumas considerações sobre a Teoria Geral do Imaginário, portanto, é necessário desenvolver um estudo mais rigoroso para aqueles que desejam aprofundar tal conhecimento.

Começamos com a resistência à imagem. No Ocidente, o imaginário foi definido como constituído por um “iconoclasmo endêmico”. Durand (1998, p.9-30) esclarece esse percurso de oposição ao traçar a história do pensamento filosófico e teológico. Embora apresentemos de forma sucinta, é possível perceber que, desde o método da verdade socrática, seguido por Platão e por Aristóteles, e baseado na lógica binária (falso ou verdadeiro), até o positivismo de Comte, passando pela escolástica medieval, pela mecânica de Galileu, pela geometria analítica de Descartes, pelo empirismo de Hume e pelo racionalismo de Kant, a imaginação

Page 29: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

29

é considerada como suspeita de ser amante do erro e da falsidade, “uma pobreza essencial, na qual o papel da imagem na vida psíquica é rebaixado ao de uma possessão quase demoníaca” (DURAND, 1988, p.23).

Ressaltamos também o iconoclasmo endêmico no pensamento religioso, em que Durand (1994) delineia o movimento protestante que, de início, combateu radicalmente a estética da imagem, destruiu estátuas e quadros, mas, posteriormente, ao eliminar a imagem visual, deu lugar às imagens literárias e às imagens musicais, o que permitiu que percebesse as múltiplas faces da imagem. No entanto, ao valorizar a razão, em detrimento do imaginário, a iconoclastia ocidental pretendeu um “pensamento sem imagem”. Mas, por trás da fachada hipócrita do iconoclasmo oficial, o mito continuou a proliferar de forma clandestina, graças à expansão literalmente fantástica da mídia que reinstalou a imagem no uso cotidiano do pensamento.

É interessante perceber que tal fato evidencia o grande paradoxo da modernidade que, ao mesmo tempo em que recusava a imagem em proveito da razão, era, incessantemente, assediada por ela. Assim, vivemos em uma “civilização de imagens”, em que há uma inflação patológica das imagens que, por serem produzidas por uma mentalidade

Page 30: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

30

cientificista, são destituídas de sua potência pedagógica e de toda imaginação criadora. Nesse sentido, prestando atenção aos sinais dos tempos, constatamos que o império absoluto da razão vem perdendo gradualmente a sua força, e que o imaginário e o simbólico voltam a ocupar lugar de destaque na cena social, como nos afirma Maffesolli (1998):

Mas, paradoxalmente, foi a própria razão que, ao pretender abarcar tudo, preparou o caminho para o retorno da imagem e da sensibilidade reprimida. Por não ser sensível à força do seu contrário, o racionalismo não conseguiu integrá-lo para temperar a sua pulsão hegemônica e, com isso, foi perdendo espaço.

Em outros termos, e lembrando Bachelard (1998), poderíamos dizer que a uma “dialética da razão” se vem acrescentar uma “dialética da imaginação”, que havia sido rejeitada pela mentalidade cientificista da modernidade. Assim, a integração entre razão e imaginação pode ser compreendida melhor se utilizarmos, epistemologicamente, a noção de polaridade, tal como o faz Durand (2001) para

Page 31: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

31

mostrar o dinamismo do imaginário, que ele entende como um sistema dinâmico organizador de imagens. Portanto, para Durand, a separação entre razão e imaginação é falsa, pois o simbólico se inscreve de maneira profunda na alma humana. As imagens são produzidas no “trajeto antropológico”1, que nada mais é do que relação, trajetividade entre os polos biopsíquico (pulsões subjetivas) e sociocultural (intimações do meio).

As imagens aglutinam-se no imaginário em torno de núcleos organizadores da simbolização que são polarizados. Em cada núcleo ou polo, que são os dois regimes - o diurno e o noturno - existe uma força homogeneizante, ordenadora de sentido, que organiza, semanticamente, as imagens, configurando-as, miticamente, em três estruturas, que gravitam em torno de três esquemas matriciais básicos que estaremos estudando a seguir, como a tipologia das imagens, pois são fundamentais para se compreenderem os dois regimes propostos por Durand.

1 De acordo com Durand (1997), o “trajeto antropológico” é a troca incessante que existe, no nível do imaginário, entre as pulsões subjetivas do indivíduo e as intimações do meio cósmico e social.

Page 32: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

32

1. Regime diurno

O primeiro regime da imagem é o diurno, que se define como o regime da antítese, da imaginação heroica, em que encontramos: as faces do tempo e o Cetro e o gládio.

1.1 “As Faces do Tempo” aparece consagrada ao fundo das trevas sobre o qual se desenha o brilho vitorioso da luz e se manifesta com três símbolos:

1.1.1 O símbolo teriomórfico, que remete às imagens do simbolismo animal terrível e angustiante, como as manifestações do formigamento, ou seja, da agitação que sufoca, agita os pensamentos e as ações. São as imagens de inquietação e angustiantes sobre várias formas.

Temos os símbolos de fervilhamento, insetos, em geral, larvas, o que remete à agitação incontrolável. Lembramos o momento na escola, quando acontece o toque que anuncia o término das aulas, e todos os alunos querem sair ao mesmo

Page 33: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

33

tempo, uma verdadeira agitação dentro do espaço escolar - isso remete ao fervilhamento. Temos, também, o símbolo da animação, em que aparecem o touro, o cavalo e o movimento incontrolável, e o símbolo da mordicância, com seu aspecto terrificante e monstruoso, com a boca aberta cheia de dentes para devorar o aspecto angustiante da animalidade. Para exemplificar, lembramos as imagens terrificantes da grande onda do tsunami devorando, tragando muitas vidas. Essa imagem teriomórfica “ressurge em nosso mitema com as características da animalidade atribuída pelos sobreviventes do tsunami”. Conforme Gomes (2011, p.121), essa onda devoradora tem uma característica incomum, ela não quebra, é uma massa poderosa.

1.1.2 O símbolo nictomórfico remete aos símbolos de situação de trevas, à escuridão e aos estados de depressão, à noite, à agua escura e estagnada, à cegueira, às inundações. A situação de trevas provoca imagens de caos, agitação desordenada. Já a cegueira se encontra, frequentemente, nas diversas mitologias, sob os traços do “rei cego”, símbolo do inconsciente, que aqui se torna decadência. Mas se deve levar em conta que o velho rei cego, muitas vezes, tem por parceiro

Page 34: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

34

o jovem herói (muitos folhetos de literatura de cordel retraçam essa situação), como nos assegura Pitta (2005).

Os simbolos de água escura, parada, estagnada, triste, como, por exemplo, aquela do rio que passa para nunca mais voltar; um convite ao suicídio, cujo fundo esconde entidades maléficas (como tão bem observou Bachelard), presentes em todos os folclores e mitologias (no Brasil, por exemplo, Iemanjá leva seus amantes para o fundo do mar); o espelho, réplica da água estagnada, convite a passar para o “outro lado” (PITTA, 2005).

1.1.3 O símbolo catamórfico remete às imagens da queda assustadora, à experiência dolorosa da infância; a queda tem a ver com o medo, a dor, a vertigem, a epifania imaginária da angústia humana, diante da temporalidade, tal como a mudança das fases da idade, de cargos, de sala de aula, ao passar para um novo ciclo, de professor, de colegas na sala, como sempre acontece no primeiro dia de aula. Afirmamos isso, “porque consideramos que qualquer símbolo ou qualquer atividade de imaginação procede de uma realidade vivencial, que demarca os aspectos que faz frente” (GOMES, SILVA, 2011, p.87).

Page 35: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

35

Assim, devido à impossibilidade de encarar o desconhecido e os perigos que ele pode representar, o imaginário cria imagens nefastas da angústia que são expressas nesses símbolos, sejam teriomórficos, nictomórficos ou catamórficos, e para enfrentar o homem, vai desenvolver as duas atitudes imaginativas básicas, que são correspondentes aos dois regimes de imagens, o diurno e o noturno (TEIXEIRA, 2000).

1.2.2 “O cetro e o gládio” aparecem despontando com a reconquista das valorizações negativas da primeira parte, que se apresenta muito angustiante. Ou seja, para reduzir a angústia, o desejo fundamental buscado pela imaginação humana aqui se manifesta com o esquema ascensional, ou seja, com os símbolos de elevação, a verticalidade. Remete ao imaginário de luta, de purificação, despertando simbolismos representados pela luz, pela asa, pela escada, pela espada, pela flecha, pelo gládio e pelo cetro.

Assim, a ascensão, a subida, vai ser imaginada contra a queda, e a luz vai ser imaginada contra as trevas. Nesse sentido, “o combate se cerca mitologicamente de um caráter espiritual, ou mesmo intelectual, porque essas armas simbolizam a força da espiritualização e de sublimação”, conforme Durand (2001,

Page 36: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

36

p.158-161). Então, o regime diurno suscita ações e temas de luta e de fuga diante do tempo ou da vitória sobre o destino e a morte.

Esses símbolos se dividem em: verticalidade - práticas ascensionais nas religiões, no espaço escolar, e assim por diante; asa e angelismo - a desanimalização do pássaro pela asa: o animal biológico é totalmente esquecido para assumir, fundamentalmente, sua função - voar. Nesse contexto, a pomba significa a paz; a águia, a soberania, pelo poder do voo; a asa é vontade de transcendência (que se eleva para uma superioridade); existe um isomorfismo entre asa, elevação, flecha e luz; soberania uraniana - gigantismo e potência: elevação e poder são sinônimos no campo simbólico, o rei é alteza. Ora, o que está mais alto é o que está no céu, principalmente, o sol, de onde vem a universalidade do Grande Deus uraniano; o rei e o pai (pai-virilidade-potência); o soberano guerreiro e o jurista (o poder de quem julga o certo e o errado), incluindo as guerras justiceiras; o chefe - participa dos mesmos significados (em francês, ‘le chef ’ é também a cabeça), com o culto universal dos crânios (centro e princípio de vida); os cornos e o troféu, que são maneiras de aumentar o crânio, sítio do poder, como nos afirma Pitta (2005). Portanto, o simbolismo ascensional se coloca como a reconquista de uma potência perdida.

Page 37: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

37

Reconquista pela ascensão para além do tempo pela rapidez do voo, pela virilidade monárquica.

Temos, ainda, os símbolos espetaculares relativos à visão: luz e sol - isomorfismo entre céu e luminoso; pureza celeste e brancura; o dourado e o azulado; o sol nascente (adoração do sol); os símbolos do olho e o verbo, que partem do isomorfismo luz-visão; visão e distância (o olho vence o espaço), o olho do pai (de Deus), Tudo Deus vê, olho solar e uraniano; divindades com “mil olhos”, valor simbólico intelectual e moral do olho (PITTA, 2005). Ver é saber. Lembramos o lugar que o professor ocupa na escola, assume o lugar de passar o conhecimento, de formar discípulos, de ser o que detém o conhecimento. Luz e palavra andam juntas, por exemplo, nos textos bíblicos e nas mitologias de culturas totalmente diversas. Existem diversas dimensões do isomorfismo da luz e da palavra. O salmo 119 revela a Palavra como luz para o caminho a ser seguido; assim como a visão, a palavra (o verbo) traz o conhecimento a distância. Gilbert Durand diz que toda transcendência se acompanha de métodos de distinção e de purificação.

As armas do herói são símbolos de poder e de pureza, pois todo combate é espiritualizado, e as armas espirituais - batismo e purificação - são maneiras de distinguir o profano (estranho à

Page 38: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

38

religião) do sagrado, o pertencer (a uma comunidade) do não pertencer, uma situação social de outra (PITTA, 2005). Assim, o regime diurno da imagem se apresenta caracterizado por uma lógica da antítese (de oposições), em que prevalecem as intenções de distinção e de análise.

2. O regime noturno

O segundo regime da imagem é o noturno, que se define como o regime do pleno eufemismo, oposto ao diurno. O regime noturno vai se empenhar em fundir e harmonizar, para poder exorcizar os ídolos mortíferos de cronos, ou seja, do tempo e da morte, através de duas atitudes imaginativas:

1.2.1 “A descida e a taça” constituem-se como a primeira atitude imaginativa. Durand os chama de símbolos da inversão, do valor afetivo, com a intenção de construir um

Page 39: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

39

todo harmonioso, em que a angústia e a morte não tenham lugar. Então, temos os símbolos inversão, seja pela expressão do eufemismo, do encaixamento e do redobramento, hino à noite e mater e matéria. Esses símbolos tratam de dramatizar o conteúdo angustiante de uma expressão simbólica, invertem seu sentido, e o abismo não é mais o buraco sem fundo, onde se perde a vida, mas o receptáculo, o que contém a taça (PITTA, 2005).

Desse modo, a imaginação utiliza-se da eufemização, por exemplo: a escola já não é tão ruim, mas um espaço onde acontecem encontros com novos colegas, ou uma possibilidade de, ao concluir o curso, o aluno conquistar um emprego no futuro, pois a noite não é mais trevas, e sim, uma sucessão para o dia; a morte é repouso, descanso; a casa é lugar de aconchego. Assim, os símbolos da intimidade, como por exemplo, o túmulo, a moradia e a taça, surgem para inverter e determinar a valorização da própria morte e do sepulcro (DURAND, 2001, p.236).

2.1 “O denário e o pau” são a segunda atitude imaginativa. Durand os chama de símbolos cíclicos, em que encontramos uma constelação de símbolos que gravitam em torno do domínio do

Page 40: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

40

próprio tempo. Ou seja, o drama temporal é desarmado dos seus poderes maléficos pela busca de um fator de constância na fluidez do tempo, pela incorporação, na sua inelutável movência, das securizantes figuras do ciclo, como nos afirma Teixeira (2000).

Exemplificando, podemos lembrar que a noite é propedêutica, é necessária ao dia, é uma promessa de aurora. Assim, essa atitude imaginativa põe em evidência as valorizações positivas e negativas do tempo. Logo, a escola não é tão ruim, é a promessa de uma conquista futura, é casa de saber para muitos.

Nessa perspectiva, o tempo cíclico não tem começo nem fim, e o aspecto da temporalidade, ligado ao ritmo (das estações, da copulação), vai remeter aos símbolos do ciclo lunar, da espiral, da tecnologia do ciclo, do sentido da árvore, com suas características cíclicas de floração e frutificação e por sua verticalidade idêntica à do homem. Então, o regime noturno se caracteriza por inverter os valores simbólicos do tempo, logo, não existe mais o combate, como no regime diurno, mas a assimilação. Portanto, numa perspectiva das polaridades, é possível identificar uma cumplicidade entre os dois regimes de imagens, que tentam se equilibrar um através do outro. Durand (1988) fala em uma espécie de conivência entre eles, que faz existir um pelo outro, ou

Page 41: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

41

seja, cada termo antagonista tem necessidade do outro para existir e se definir.

A tipologia das imagens e a tripartição dos gestos

A imagem só pode ser estudada através da imagem, ao sonhar as imagens tal como elas se reúnem no devaneio [...]

Bachelard (1988)

Como foi possível perceber, Durand estrutura a sua teoria em dois regimes: o diurno e o noturno, que se aglutinam no imaginário, em torno de núcleos organizadores da simbolização. Esses núcleos são polarizados, logo, em cada núcleo ou polo, existe uma força homogeneizante,

Page 42: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

42

ordenadora de sentido, de um lado, heroico, que remete ao regime diurno, e de outro, místico e dramático, que remete ao regime noturno. Entretanto, de certo modo, esses núcleos polarizados vão organizando semanticamente as imagens, configurando-as, miticamente, em três estruturas, que chamamos de tipologia das imagens - é a tripartição dos gestos. Ressaltamos, porém, que a base do pensamento de Durand (2001, p.54) assenta-se na Escola Reflexológica de Betcherev (1933) e Kostyleff (1947), e que, para essa escola, existe uma estreita concomitância entre os gestos do corpo, os centros nervosos e as representações simbólicas. Foi a partir desses estudos que Durand elaborou as três estruturas de acordo com os reflexos dominantes.

Passamos, agora, a descrever as características fundamentais dos três níveis de formação de imagens, ou seja, a classificação tripartida dos símbolos, através das estruturas que chamamos de imagens de sensibilidade heroica, mística e dramática.

Page 43: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

43

1. Imagens de sensibilidade heroica

A estrutura de sensibilidade heroica põe em ação ou atrai imagens de combate por meio da antítese (separar, unir). São os temas de luta do herói, do guerreiro contra o monstro, do bem contra o mal. É possível também chamar de dominante postural, responsável pelos demais reflexos, que está ligado à verticalização e exige as matérias luminosas, as técnicas de separação, de purificação, de armas, flechas e gládios. As trevas são combatidas pela luz, a noite, pelo dia, o mal, pelo bem.

Essa estrutura remete ao regime diurno do imaginário, ao estado de vigília com as armas prontas para o combate de duas maneiras, conforme Durand denomina: As faces do tempo e O cetro e o gládio. É interessante perceber que o levantar-se, a posição postural, ser, na maior parte dos casos, acompanhada de um simbolismo do pai com todas as implicações heroicas, em prontidão, em pé, segundo Durand (2001, p.56). Lembramos que essa postura é típica do professor na sala de aula, o espaço que ele ocupa e como é percebido por seus alunos. No centro, em pé, em prontidão.

Page 44: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

44

1.2 Imagens de sensibilidade mística

Chamamos de estrutura de sensibilidade mística, com suas imagens antifrásicas, de (incluir) ao invés da ascensão ao cimo, há a penetração de um centro como nos afirma Ferreira-Santos e Almeida (2012), são as imagens assimiladoras e confuncionais. O gesto está ligado à dominante de nutrição ou digestiva, ou seja, implica matérias da profundidade, na deglutição, colocar para dentro, engolir. Esses gestos aparecem no recém-nascido nos reflexos de sucção labial e de orientação correspondentes à cabeça. “Esses reflexos são provocados por estímulos externos ou pela fome, e está ligado ao prazer do engolimento, à descida do alimento, à noção de profundidade, da digestão viscosa e lenta no interior do corpo” como nos asseguram Ferreira-Santos e Almeida (2012, p.39). Esses gestos implicam as matérias da profundeza e remetem ao imaginário de “repouso, intimidade, união, aconchego, acomodação, refúgio e envolvimento, que despertam simbolismos representados pela água, caverna, noite, mãe, morada, utensílios continentes e recipientes como taças, cofres etc.” (TEIXEIRA, 2000, p.33).

Page 45: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

45

Essa segunda estrutura de sensibilidade mística aparece simbolicamente “subsumindo as técnicas do continente e do habitat, os valores alimentares e digestivos, a sociologia matriarcal e alimentadora” (DURAND, 2001, p.58). Portanto, essa estrutura mística remete ao regime noturno das imagens, voltado para o eufemismo, ou seja, a diminuição de um dado negativo. Aqui não se trata mais de luta, de polêmica, mas de quietude. Lembramos o lugar que a escola ocupa para muitos alunos, muitas vezes, imaginada como um lar, como um espaço de aconchego, proteção, alimento, seja físico seja intelectual. Então, combater, aqui, significa se empenhando em fundir, harmonizar e acolher.

A face trágica do tempo é minimizada pela negação ou pela inversão do valor afetivo a ele atribuído, pois a intenção é construir um todo harmonioso, onde a angústia e a morte não tenham lugar. Para isso, a imaginação utiliza-se da eufemização (a noite não é mais trevas nefastas, mas apenas sucessão do dia). O antídoto do tempo é buscado na intimidade e no aconchego, ( TEIXEIRA, 2000).

Page 46: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

46

1.3 Imagens de sensibilidade dramática

A estrutura de sensibilidade dramática responsável pelo ritmo, com suas imagens (cíclicas, atritos), põe em conjunto imagens divergentes, integrando-as numa ação. Segundo Ferreira-Santos e Almeida (2012), essa estrutura organiza os símbolos de duas formas: “primeiro, com o poder de repetição no domínio cíclico do devir, com os símbolos cíclicos, e segundo, com o papel genético e progressista do devir; são os símbolos messiânicos e os mitos históricos pelos quais se organiza o final do drama temporal”.

Essa estrutura remete ao imaginário da conciliação de intenções entre a luta e o aconchego, “contendo imagens que expressam, ao mesmo tempo, tal dualidade, despertando simbolismos representados pela árvore, roda, fogo, cruz, lua, estações da natureza, ciclo vital, progresso ou declínio”, como nos afirma Teixeira (2000, p.33). Também temos “toda a fricção tecnológica pela rítmica sexual” (DURAND, 2001, p.55).

Identificamos, nessa estrutura, o esquema sintético (dramatizar), que põe em conjunto as imagens divergentes,

Page 47: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

47

integrando-as numa ação. É como se fosse o heroico e o místico juntos, a coexistência de ambos os regimes. Em certo sentido, essa estrutura “reconcilia temporalmente a antinomia medo/esperança e alterna, com valorizações negativas e positivas, imagens trágicas e triunfantes” (FERREIRA-SANTOS, ALMEIDA, 2012, p.27). A noite é propedêutica, porquanto é necessária ao dia, promessa de aurora. As séries que são cursadas na escola são necessárias para se atingir o nível de escolaridade exigido, por isso, é necessário fechar cada ciclo e continuar a jornada do estudante na caminhada do saber.

Assim, a partir da tipologia das imagens apresentadas, dessas três estruturas ou tripartição dos gestos, nesse processo dinâmico da reflexologia, numa sociedade, encontram-se sempre confrontados os dois regimes de imagens: o diurno e o noturno. Um sobredeterminando o outro, ditando uma sintaxe e uma lógica que fundamentam a mentalidade dominante.

Page 48: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

48

Considerações finais

Partimos do pressuposto de que o homo sapiens conquistou sua humanidade por meio de um diálogo ininterrupto entre uma inteligência adaptativa, que recorre à criação de ideias abstratas, e um psiquismo imaginante, que substitui o real pela sua representação mimética, que antecipa ações através de uma imagem projetiva, que brinca com as formas fictícias e, sobretudo, retira devaneios desesperos dos sonhos noturnos, como referem Wunenburger e Araújo (2003, p.37).

Então, o imaginário não é um simples conjunto de imagens que vagueiam livremente na memória e na imaginação. Ele é uma rede de imagens na qual o sentido é dado na relação entre elas; as imagens organizam-se de acordo com certa lógica, certa estruturação, de modo que a configuração mítica do nosso imaginário depende da forma como arrumamos nele nossas fantasias. É dessa configuração que decorre o nosso poder de melhorar o mundo, recriando-o, cotidianamente, pois o

Page 49: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

49

imaginário é o denominador fundamental de todas as criações do pensamento humano (DURAND, 2001).

Assim, ao longo de toda a sua obra, Durand mostra que a imaginação é reação da natureza contra a representação da inevitabilidade da morte, e o desejo fundamental buscado pela imaginação humana é de reduzir a angústia existencial face à consciência do Tempo e da Morte. Portanto, é para fugir da representação da morte que a imaginação cria o mundo. Nesse sentido, enfatizamos, novamente, que o imaginário é um dinamismo equilibrador, que se apresenta como a tensão entre duas forças de coesão, ou seja, de dois regimes de imagens, o diurno e o noturno, um sobredeterminando o outro. No regime diurno, afirmam-se a polêmica, a luta, o combate do bem contra o mal e se exprime a figura da antítese; no regime noturno, exorcizam-se os ídolos mortíferos do Cronos, tem-se o eufemismo.

Desse modo, visando apresentar as características fundamentais dos três níveis de formação de imagens, com a intenção de oferecer novas possibilidades de compreender e desenvolver o estudo sobre a Teoria Geral do Imaginário, no processo educativo, parte-se do pressuposto de que a observação sensível dos fatos, na sala de aula, e o conhecimento da Teoria do Imaginário, com sua imagem simbólica, implicam

Page 50: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

50

uma abertura para o espírito e um acesso ao universal, pois “quem compreende um símbolo não só se abre para um mundo objetivo, mas, ao mesmo tempo, consegue sair de sua situação particular e alcançar uma compreensão do universal” (DURAND, 1988).

Page 51: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

51

Referências

BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. SP: Martins Fontes, 1988.

_____. A formação do espírito científico. RJ: Contraponto, 1998.

BARROS, Manoel. O livro das ignorãças. RJ-SP: Editora Record, 1993.

DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. SP: Cultrix/EDUSP, 1988.

_____. O imaginário: Ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. Rio de Janeiro: DIFEL, 1994.

_____. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à Arquetipologia Geral. Tradução de Helder Godinho. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Page 52: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

52

_____. Campos do imaginário. Lisboa: instituto Jean Piaget, 1998.

_____. Mito e sociedade: mitanálise e a sociologia das profundezas. Lisboa: A regra do jogo, 1983.

_____. Introduction à la mythodologie. Mythes et societés. Paris: Albin Michel, 1996.

_____. L’Âme tigrée. Paris: Denoël, 1980a.

ECO, Umberto. Interpretação e história. Lisboa: Presença, 1993.

ELIADE, Mircea. Imagens e símbolos. Ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FERREIRA-SANTOS, Marcos, GOMES, Eunice Simões Lins (Orgs.). Educação e religiosidade: imaginários da diferença. João Pessoa: Ed UFPB, 2010.

Page 53: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

53

FERREIRA-SANTOS, Marcos, ALMEIDA, Rogério de. Aproximações ao imaginário: bússola de investigações poética. SP: Képos, 2012.

GOMES, Eunice Simões Lins. A catástrofe e o imaginário dos

sobreviventes: quando a imaginação molda o social. 2. ed. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2011.

GOMES, Eunice Simões Lins e SILVA, Leyla Thays Brito da. O prantear feminino - da dor ao heroísmo: uma análise mitocrítica no Evangelho Apócrifo de Pedro. In: GOMES, Eunice Simões Lins (Org.). Em busca do mito: a mitocrítica como método de investigação do imaginário. João Pessoa: Ed. UFPB, 2011. p.

JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. 15 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. Petrópolis: Vozes, 1998.

MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria do Carmo. Análise

textual discursiva. 2.ed. Ijuí: Editora Unijuí, 2011.

Page 54: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

54

PITTA, Daniele Perin Rocha. Iniciação à Teoria do Imaginário

de Gilbert Durand. RJ: Editora Atlantica, 2005.

TEIXEIRA, Maria Cecília Sanchez. Discurso pedagógico, mito

e ideologia: o imaginário de Paulo Freire e de Anísio Teixeira. RJ: Quartet, 2000.

TEIXEIRA, Maria Cecília Sanchez, ARAÚJO, Alberto Filipe. Gilbert Durand: imaginário e educação. Niterói: Intertexto, 2011.

WUNENBURGER, Jean-Jacques, ARAUJO, Alberto Filipe (Orgs.). Educação e imaginário: introdução a uma filosofia do imaginário educacional. SP: Cortez, 2006.

WUNENBURGER, Jean-Jacques, ARAUJO, Alberto Filipe. Introdução ao imaginário. In: ARAUJO, Alberto Filipe, BAPTISTA, Fernando Paulo (Org.). Variações sobre o

imaginário: domínios, teorizações e práticas hermenêuticas. Lisboa: Instituto Piaget, 2003, p.23-44.

Page 55: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

55

EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO CONHECIMENTO

CONHECIMENTO, CINEMA E EDUCAÇÃO

Evelyn Fernandes Azevedo Faheina

Doutoranda e Mestre em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da UFPB e licenciada em Pedagogia pela mesma universidade (2010); tem experiência na área de Educação e atua, principalmente, nos seguintes temas: Cinema e Educação, Educação de Jovens e Adultos, Educação Popular. [email protected]

Page 56: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.
Page 57: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

57

Introdução

Na relação entre o espectador e o cinema, estão envolvidas dimensões que podem ser tomadas como objeto de estudo a partir de diferentes campos do conhecimento. São dimensões que intencionam conhecer essa forma de comunicação, numa perspectiva social, cultural e estético-artística, como documento histórico e pedagógico. Na verdade, existem tantas possibilidades de abordagens sobre o mesmo objeto, cuja análise está sujeita aos aspectos particulares que se desejam conhecer, que nos fazem entender o cinema como um meio complexo de comunicação e de produção humana.

Sabe-se que o cinema é uma produção cultural que se insere na vida social das pessoas e provoca mudanças no modo como elas enxergam a si mesmas e a realidade que as cerca. Desde a primeira projeção pública ocorrida em Paris, em 1895, a presença do cinema na sociedade tem conferido destaque na constituição do homem contemporâneo e na modificação das relações sociais. De acordo com Louro (2000), a inserção do cinema na sociedade modificou a rotina das pessoas, pois ir

Page 58: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

58

ao cinema tornou-se um ritual social em que elas passaram a frequentar as salas de projeção. Esse comportamento, segundo a autora, que remete à primeira metade do Século XIX, estava vinculado à construção de suas próprias identidades.

Ainda hoje, pode-se dizer, mesmo que os padrões de comportamento das pessoas em relação ao cinema não sejam tão semelhantes aos do Século XIX, marcado, sobretudo, pelo encantamento e pelo deslumbramento diante da produção cinematográfica e com a facilidade de acesso a informações, através de meios tecnológicos como a televisão e a internet, por exemplo, o cinema ainda interfere na forma como as pessoas se veem e percebem a realidade a sua volta.

É em razão de o cinema exercer influência sobre quem assiste a ele e participar ativamente da produção, da organização e da disseminação do conhecimento que o compreendemos como lócus de interseção com o campo da Educação, pois, como afirma Duarte (2002, p. 19),

parece ser desse modo que determinadas experiências culturais, associadas a uma certa maneira de ver filmes, acabam interagindo na produção de saberes, identidades, crenças e visões de mundo de um grande contingente de atores

Page 59: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

59

sociais. Esse é o maior interesse que o cinema tem para o campo educacional – sua natureza eminentemente pedagógica.

Com base nessa compreensão, diremos que o cinema exerce uma função transformadora na sociedade, posto que propicia a produção de saberes, identidades, crenças e visões de mundo.

A produção do conhecimento e suas interfaces com o cinema

Antes da invenção da escrita, o método de transmissão do conhecimento fundamentava-se na tradição oral. Ela era a única garantia de que a humanidade dispunha para transmitir e conservar conhecimentos que estavam submetidos à memória humana e, ela, à fala de alguns que

Page 60: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

60

eram responsáveis por dar continuidade ao processo de transmissão do conhecimento baseado na oralidade. Porém, com a invenção da escrita, os processos de comunicação e de educação foram modificados. O texto escrito possibilitou ao homem o acúmulo, a disseminação e a conservação do conhecimento de uma forma bem mais significativa e cristalizada, impossível de ser efetivada na era da evanescência da tradição oral. O signo linguístico passou, então, a assumir uma função indispensável na comunicação entre os homens, expressando-se com toda a racionalidade o registro de um pensamento ou fato concreto, tornando-se, por conseguinte, uma forma dominante de o homem transmitir e acumular conhecimentos. Com isso, a tradição oral perde a centralidade nas relações de transmissão da cultura, e o texto escrito, em seu lugar, assume uma posição de meio privilegiado de que o homem se apropria para construir a si mesmo como ser social.

Com a chegada do Século XIX, entra em cena, nas sociedades grafocêntricas, uma multiplicidade de atores e produtos culturais que contribuem para a invenção de técnicas e tecnologias diversas, as quais, por sua vez, intensificam a comunicação mundial e o tensionamento das relações sociais (COSTA, 2005). Sobre esse contexto, Carlos (2008, p. 23)

Page 61: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

61

ressalta que “o registro, a reprodução e a difusão de sons e imagens emergem como parâmetro e mediação dos processos interculturais e comerciais erigidos pelo capitalismo. Som e imagem, portanto, em lugar da escrita”.

Na virada do Século XIX para o Século XX, estudos oriundos da Psicanálise, da e focam sua atenção na imagem técnica2. Com o desenvolvimento dos meios de comunicação, especialmente as tecnologias de registro de imagens, como a fotografia e o cinema, por exemplo, abre-se ainda mais espaço para o estudo sistemático das imagens (COSTA, 2005).

Nesse contexto, a capacidade de o homem olhar e construir conhecimentos tornou-se cada vez mais requisitada pelas novas criações técnicas. Seu olhar é direcionado, agora, para compreender a imagem técnica como uma forma de acesso a conhecimentos (embora se saiba que, desde o tempo primitivo, que precede o advento do que se convencionou chamar de História, a imagem já servia como forma de representação da realidade, conservação e reprodução do conhecimento, através dos símbolos pictóricos rupestres) (AUMONT, 2001).

O fato é que, diferentemente do tempo das cavernas, mais precisamente, a partir do Século XIX, com o

2 Nesse grupo, encontram-se, por exemplo, as fotografias, o cinema e as imagens digitais (COSTA, 2005).

Page 62: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

62

surgimento das primeiras imagens técnicas – a fotografia é um exemplo disso – o homem passou a registrar a imagem sob um viés realista, fato que modificou sua percepção em relação ao processo de aquisição do conhecimento. Com o advento do cinema, esse fato foi ainda mais instigado, visto que intensificou, de forma colossal, a relação entre homem e imagem, colocando esta última ainda mais no centro da vida em sociedade. Lembremos, ainda, que as próprias características do cinema, por exemplo, conseguiram, através de suas imagens, a impressão do tempo e do espaço e promoveram transformações sociais.

Em função de tudo isso, Carlos (2008, p. 24) afirma que “vivemos sob o signo das imagens”, porquanto “[...] no cotidiano, o mundo cede lugar à imagem; o capital nos transforma em produtores e consumidores de imagem. Sentimos prazer e dor, desejo e tensões gerados pelo universo simbólico da cultura visual”. Assim, sejam as imagens técnicas, sejam as imagens advindas da revista, do jornal, do outdoor, do teatro etc., o fato é que a sociedade está rodeada de uma gama de imagens que põem em circulação, em seu cotidiano, uma série de informações, conhecimentos e modos de se ver o mundo.

O reconhecimento desse fato nos permite afirmar que a

produção do conhecimento perpassa pela forma através da qual o

Page 63: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

63

homem cria e percebe a imagem, razão por que compreendemos que,

assim como os demais tipos de imagens, a imagem cinematográfica

levou e continua levando os homens a novas formas de produzir e

transmitir conhecimentos.

Alguns teóricos do campo do cinema, ao perceberem suas especificidades, passaram a reconhecer que seu sistema de expressão particular remetia a uma linguagem própria: a linguagem cinematográfica (MARTIN, 2007). E, por assumir essa condição, o cinema possibilitou, e ainda possibilita, com toda a sua especificidade, o redimensionamento da forma pela qual se tem acesso ao conhecimento. Como ressalta Duarte (2002, p. 18-19),

muito da percepção que temos da his-tória da humanidade talvez seja irre-mediavelmente marcada pelo contato que temos/tivemos com as imagens ci-nematográficas. Por mais que estejamos intelectualmente informados a respeito de como se passaram os chamados “fa-tos históricos”, John Wayne enfrentando índios nas planícies do oeste americano, Mel Gibson lutando contra os ingleses pela independência na Escócia, Tom Hanks comandando o desembarque de mariners no Dia D, Stallone em selvas

Page 64: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

64

vietnamitas e tantas outras cenas “histó-ricas” teimam em ocupar nosso imaginá-rio, despertando sentimentos contradi-tórios e constrangimentos íntimos.

O que é experienciado na relação entre o espectador e o cinema é visto, nas palavras de Martín-Barbero (2009, p. 80), como uma “nova experiência cultural”, a qual redimensiona nosso olhar como meio de acesso ao conhecimento. Baseando-se nas concepções de Walter Benjamin, Martín-Barbero (2009, p. 83) afirma que o cinema modifica a forma pela qual os indivíduos passam a enxergar e a compreender a cotidianidade:

[...] [Benjamin] se empenha em prosseguir julgando as novas práticas e novas experiências culturais a partir de uma hipóstase da arte que o impede de entender o enriquecimento perceptivo que o cinema nos traz ao permitir-nos ver não tanto as coisas novas, mas outra maneira de ver velhas coisas e até da mais sórdida cotidianidade. Aí está o cinema de Chaplin e o neo-realismo confirmando a hipótese de Benjamim: o cinema ‘com a dinamite de seus décimos

Page 65: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

65

de segundo’ fazendo saltar o mundo aprisionante da cotidianidade de nossas casas, das fábricas, das oficinas.

Com efeito, essa “nova experiência cultural” mencionada pelo autor remete o cinema à condição de texto - o texto-imagem - mediante o qual conteúdos são acessados e significados. Nesse caso, a concepção de texto-imagem que enunciamos. Carlos (2002, p. 61) afirma que

[...] o texto adquire o estatuto de acontecimento semiótico, onde o signo linguístico consta como uma entre outras modalidades sígnicas. As fotos e as ilustrações não mais são entendidas como epifenômenos culturais; ascendem à condição de existência gnosiológica e comunicante.

Tal noção de texto é sustentada por um campo mais abrangente, não excludente, no qual são incluídas outras modalidades de produção do conhecimento além do texto escrito; artefatos culturais como o cinema, por exemplo,

Page 66: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

66

que estão em funcionamento no cenário cultural atual, também imprimem essa noção de texto. Essa compreensão não elimina da imagem cinematográfica nem de outros tipos de signos linguísticos as possibilidades de mediação de conhecimentos, valores, crenças, visões de mundo etc., pois, como são considerados texto, são reconhecidos, também, como portadores de conteúdos e de significados.

Assim, contrariamente, conceber o cinema como não texto equivaleria ao modo de se apropriar dele como um objeto não cognocível e, por conseguinte, não portador de mensagens que precisam ser analisadas para que sejam compreendidas. Esclarecemos que o significado de não texto está relacionado à noção de silenciamento na comunicação entre determinado objeto e os sujeitos que com ele se relacionam, assim como à anulação do processo de mediação do conhecimento através de determinado objeto. Nesses termos, se o cinema é considerado um não texto, não poderá ser mediador de conhecimentos (CARLOS, 2002, 2006).

Temos compreendido, todavia, o cinema como um texto, objeto cognoscível e mediador de conhecimentos, pois partimos do pressuposto de que a mediação de conhecimentos através do cinema alicerça-se sobre uma forma específica de mediação cultural, visto que a relação que os sujeitos

Page 67: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

67

estabelecem com o cinema é marcada por processos de comunicação com a cultura.

Entendemos que, quando se escolhe um filme para assistir, estar-se, consequentemente, selecionando fragmentos de cultura significada, pois, mesmo nos filmes que veiculam realidades fantasiosas, o conteúdo da produção fílmica estará sempre situado em uma rede de relações significadas que permite sua existência. Então, a pessoa que se dedica a assistir a filmes se apropriará do conteúdo significado das imagens em movimento, tendo como referência seu local cultural de origem, o que trará implicações quanto a sua percepção sobre o filme e sobre os aspectos culturais veiculados na película. Afinal, como afirma Orofino (2005, p. 53), o consumo dos produtos culturais midiáticos “[...] não é passivo; pelo contrário, ele é seletivo”, porquanto as mediações culturais se estabelecem a partir de diversas dimensões constitutivas da própria experiência do sujeito. O que implica dizer que a mediação cultural é desencadeada a partir de uma série de fatores localizados na cotidianidade dos indivíduos, que contribuem para a produção de conhecimentos mediados por produtos culturais como o cinema.

Essa é uma perspectiva que encontra sustentação nas reflexões produzidas sobre as Teorias das Mediações, que têm

Page 68: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

68

no trabalho do teórico da comunicação social, Jesús Martín-Barbero (2009), uma de suas referências. Essa teoria enfoca a complexidade que ocorre nos processos de comunicação social a partir do conceito de mediações. Embora o autor não apresente, em sua principal obra - Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia - o conceito de mediação sob um viés fechado, ele dá pistas sobre o local onde as mediações estão situadas, isto é, no sistema de produção cultural contemporâneo.

Na verdade, ao refletir sobre o Campo das Mediações, Martín-Barbero (2009) desloca radicalmente o foco dos meios de comunicação de massas produzidos em larga escala para as relações socioculturais que com elas interagem. Ao rejeitar as proposições circundantes pela Escola de Frankfurt e por teóricos marxistas, cuja análise recai sobre os meios de comunicação como ferramenta de controle social, manipuladora das massas, elabora sua própria teoria a partir de algumas ideias advindas dos Estudos Culturais, abordagem da comunicação formulada por estudiosos do Centro Contemporary Studies, da Universidade de Birmingham, na Inglaterra.

Para Martín-Barbero (2009, p. 80), as “novas experiências culturais” às quais se refere estão situadas na análise que faz a partir do advento da Revolução Tecnológica,

Page 69: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

69

no Século XIX, quando, segundo ele, o surgimento das tecnologias de comunicação e informação provocou o que ele chama de novas sensibilidades, linguagens e escritura, ou seja, mudanças significativas nos modos de apropriação de conhecimento e informações pelos indivíduos. Ele entende que as sociedades contemporâneas são hoje reflexos de um período de grandes inovações tecnológicas, com destaque para a fotografia e o cinema, que figuram como uma das técnicas mais impactantes, principalmente em se tratando da forma como o homem passou a lidar com a cultura.

Não obstante esse fato, foi a criação do cinema que remodelou a vida em sociedade, desempenhando um papel importante no processo de socialização dos indivíduos e fornecendo-lhes um conjunto de significações e sistemas simbólicos. O fato é que, do final do Século XIX até o presente, ocorreram várias invenções tecnológicas que, dentre outras coisas, vêm alterando a forma de o homem lidar com o conhecimento.

A contemporaneidade, como lembra Forquin (1993, p. 18), é marcada por um turbilhão de mudanças sociais, que imprimem a “rapidez e aceleração perpétua de seu ritmo”. Nesse contexto, a forma como o homem lida com o conhecimento é também alterada. A ideia de conhecimento

Page 70: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

70

como algo permanente e estável é abalada e substituída por uma concepção mais transitória (embora se reconheça que o conhecimento, como tradição e acúmulo, não se dissolva tão facilmente na contemporaneidade como se possa pensar) (FORQUIN, 1993).

O problema evidenciado sobre como conceber o conhecimento e como lidar com uma série de informações que são disponibilizadas aos indivíduos em ritmo acelerado perpassa pelas discussões do papel que exerce a educação escolar na sociedade. A escola, lugar onde os saberes são refletidos, disseminados e investigados, não é o único espaço no qual o conhecimento legitimado é posto em circulação. Há uma diversidade de outros canais comunicativos que se expandem na sociedade e que, também, estão comprometidos com a produção e a difusão de conhecimentos.

Nesse sentido, a escola deve considerar que o surgimento das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) interferiu e interfere no modo como a sociedade passa a lidar com o conhecimento. Quem negaria que as revoluções tecnológicas a que se assistiu no Século passado, que resultaram, dentre outras coisas, na criação da internet, por exemplo, modificou significativamente as relações sociais e as formas de o homem lidar com o conhecimento? Quem

Page 71: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

71

ousaria negar que tais recursos de veiculação de informações também produziram modificações no interior da escola?

Na realidade, a problemática da inserção do cinema no espaço escolar não está desvinculada das questões mais abrangentes relativas ao campo da Educação. A análise empreendida por Forquin (1993), por exemplo, possibilita a compreensão de que o modo como o homem vem se relacionando com o conhecimento, na contemporaneidade, tem repercussões incisivas no espaço escolar. A opção por certos conhecimentos, selecionados no interior de determinada cultura pela escola, poderá trazer como consequência a supervalorização de alguns saberes em detrimento de outros. Por exemplo, a compreensão do cinema como meio de acesso a informações de menor valor (do ponto de vista epistêmico), em comparação com os conhecimentos que circulam por intermédio de outras fontes, ditas mais confiáveis, como o livro didático, por exemplo, poderá ser uma das implicações decorrentes desse grande equívoco.

O fato é que, com esse posicionamento, serão desconsideradas as particularidades expressivas do cinema e se passará a assumir outros direcionamentos em relação ao conhecimento. Entende-se, contudo, que, com a inserção do cinema nos processos educativos formais, ele deve assumir a condição de objeto

Page 72: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

72

mediador de conhecimentos, principalmente em virtude de estar comprometido com a produção e a transmissão de saberes e de conhecimentos.

O cinema na Educação

O fato de o cinema ter uma “natureza eminentemente pedagógica”, como ressalta Duarte (2002, p. 19), e propiciar a produção de saberes, conhecimentos, identidades, crenças e visões de mundo, indica a existência de uma relação próxima entre os campos do cinema e da Educação. Igualmente, graças à presença da cultura, no escopo das atividades desenvolvidas por ambos os campos, é sinalizada a possibilidade de aproximação entre eles.

Da mesma forma que a Educação está comprometida com a produção e a transmissão da cultura, as práticas

Page 73: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

73

culturais só acontecem em virtude da possibilidade humana de educar. Como argumenta Forquin (1993, p. 13), a reflexão sobre a educação e a cultura pode ser entendida “[...] a partir da ideia segundo a qual o que justifica fundamentalmente, e sempre, o empreendimento educativo é a responsabilidade de ter que transmitir e perpetuar a experiência humana considerada como cultura”.

Evidentemente, tal transmissão cultural, conforme explica o próprio autor, não consiste na transmissão do somatório de todas as experiências humanas vivenciadas desde o “começo dos tempos”, mas parte da cultura significada, pois, como afirma Forquin (1993, p. 14), “[...] toda educação, e em particular, toda educação do tipo escolar, supõe sempre na verdade uma seleção no interior de uma cultura e uma reelaboração dos conteúdos da cultura destinados a serem transmitidos às novas gerações”.

Na esteira dessa compreensão, afirmamos que, assim como a Educação, o cinema é realizado mediante uma intervenção humana, que atua no sentido de registrar, reproduzir e refletir aspectos de certa cultura. Como já dissemos, quando se toma um filme, que é o produto final da realização cinematográfica, tomam-se também fragmentos da cultura significada, pois, independentemente

Page 74: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

74

da obra fílmica, estarão presentes ali conteúdos oriundos do significado de cultura veiculado na cinematografia. É com base nessa compreensão que Duarte (2002, p. 49-50) afirma:

Filmes não são eventos culturais autônomos, [pois] é sempre a partir dos mitos, crenças, valores e práticas sociais das diferentes culturas que narrativas orais, escritas ou audiovisuais ganham sentido. Mesmo aquelas cuja linguagem ou estrutura de significação escapam aos padrões convencionais ou que retratam hábitos e práticas distintos daqueles com os quais estamos familiarizados podem ser bem-assimilados e compreendidos por nós, pois nosso entendimento é permanentemente mediado por normas e valores da nossa cultura e pela experiência que temos com outras formas de narrativa.

Nesse sentido, a função que ocupa o cinema, na formação social das pessoas, revela uma concepção de cinema vinculada à sua condição cultural. Do registro e da preservação da cultura como memória, o cinema passa, então, a disseminá-la. Como

Page 75: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

75

participante do processo de construção, perpetuação e divulgação da cultura, ele apresenta pontos de intercessão com a educação e assume, desse modo, a condição de mediador de cultura, de conhecimentos.

Sob essa perspectiva de reflexão, surge um novo campo de investigação, com diversas possibilidades de recortes sobre o mesmo objeto (o cinema), mas que se baseia na premissa da produção do conhecimento a partir da possibilidade de aproximação entre os campos do Cinema e da Educação, o que traz como consequência o aparecimento do cinema como objeto de estudo cada vez mais investigado no campo da Educação.

Nas últimas décadas, por exemplo, tem-se presenciado a realização de muitos estudos no campo da Educação, que investigam o cinema e suas relações com espectadores, com a cultura, com a escola etc.. Com efeito, o interesse crescente de pesquisadores em investigar o cinema e suas interfaces com o fenômeno educativo tem ampliado as pesquisas desenvolvidas no campo da Educação. Contudo, o volume de publicações que refletem sobre tais objetos ainda tem ocorrido de forma tímida3. Duarte (2002) refere que esse fato parece entrever

3 O levantamento dos trabalhos de dissertações e teses da CAPES que se encontra disponível na dissertação de Evelyn F. A. Faheina confirma o número reduzido de publicações. Cf. Faheina, 2012.

Page 76: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

76

que o reconhecimento social do cinema ainda não tem sido refletido de forma significativa nas pesquisas desenvolvidas no campo da Educação. Sobre isso (2002, p. 97), assim se expressa:

A discreta publicação de artigos sobre o tema em nossos periódicos sugere que os pesquisadores dessa área ainda dão pouca atenção aos filmes como objeto de estudo. Mas a riqueza e a polissemia da linguagem cinematográfica conquistam cada vez mais pesquisadores que, reconhecendo os filmes como fonte de investigação de problemas de grande interesse para os meios educacionais, passaram a considerar o cinema como campo de estudos.

Nesse sentido, embora se tenha um percentual reduzido de publicações sobre o tema no campo da Educação, ao que tudo indica, mais do que a divulgação isolada de trabalhos de dissertações, teses e artigos, essas publicações parecem compor uma significativa amostra de pesquisas desenvolvidas no campo da Educação no Brasil.

Page 77: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

77

Assim, mais do que a incorporação do campo do Cinema, nos processos educativos, a compreensão do cinema, como objeto mediador de conhecimentos, implica a apropriação do conjunto de conhecimentos que são produzidas nesse campo. Assim, antes de ser tomado como objeto de estudo por outra área cujo interesse direciona a atividade de assistir a filmes para fins educativos, o cinema está inserido em um campo próprio. Devido a isso, mesmo que o olhar sobre o objeto esteja situado em outro campo distinto, como o da educação, o cinema deve ser considerado no âmbito de suas especificidades, pois, como ressalta Duarte (2002, p. 95), “o uso do cinema com fins pedagógicos exige que se conheça pelo menos um pouco de história e teoria do cinema”.

Isso não significa dizer que, para trabalhar com filme em sala de aula, o professor tenha que se tornar um especialista na área de cinema. No entanto, como afirma Napolitano (2009, p. 57), “o conhecimento de alguns elementos de linguagem cinematográfica vai acrescentar qualidade ao trabalho”. O uso do cinema sem a devida reflexão sobre as especificidades desse campo gera práticas que carecem de orientação crítica, o que resulta no reforçamento dos aspectos culturais que circulam no filme exibido. O educador que não tem graduação na área de Comunicação Social poderá ter acesso a conhecimentos

Page 78: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

78

sobre o campo do Cinema por intermédio de outras fontes, além de artigos, livros, dissertações e teses. Atualmente, a internet tem disponibilizado ao público, especialmente educadores, filmes de curta metragem, com a finalidade de serem utilizados pedagogicamente no espaço escolar. Um exemplo é o site que apresenta o projeto Curta na Escola4, uma extensão do projeto Porta Curta Petrobrás que, desde 2002, tem dado sua contribuição nesse sentido.

Sabe-se que a imagem em movimento, principal elemento do filme, apresenta conteúdos que indicam os sentidos de uma filmografia; são as ideias tratadas em um filme que compõem seus conteúdos. Por isso, pode-se dizer que o cinema é um meio que detém modos particulares de comunicação, através dos quais conhecimentos são produzidos, acessados e transmitidos.

Os conhecimentos que circulam através dos filmes são os mesmos presentes em qualquer outro meio de comunicação (como a televisão, o rádio e a internet) ou material didático (como os livros e os exercícios escolares), que podem ser observados através de proposições, de críticas e de reflexões. Na realidade, o que

4 O projeto Curta na Escola surgiu em 2006, com o objetivo de oferecer aos internautas, sobretudo aos profissionais da Educação, materiais contendo algumas orientações pedagógicas para uso de filmes em sala de aula. Com essa iniciativa, educadores especializados na área emitem sugestões e pareceres pedagógicos acerca das experiências relatadas por outros educadores no site.

Page 79: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

79

distingue o cinema de outras expressões humanas é, justamente, a forma como se tem acesso aos conceitos ou às ideias que o constituem.

É importante compreender que um filme é constituído por um conjunto de significações que compõem o seu discurso, o qual, por sua vez, é composto pelas imagens que simulam o movimento. Nesse caso, a imagem cinematográfica encontra-se submetida à sua própria discursividade, isto é, à sua forma peculiar de ser (a linguagem cinematográfica), cujo objetivo principal é a comunicação de ideias ou de “conceitos-imagem”, como sugere Júlio Cabrera (2006, 2010).

Nesse sentido, para que um filme seja utilizado no espaço escolar, como mediador de conhecimentos, é preciso entendê-lo como um texto, o texto-imagem mediante o qual conteúdos são acessados, refletidos e investigados. Nesse caso, o texto cinematográfico deve ser apropriado no espaço escolar como mais um conteúdo que, inserido em condições pedagógicas, deve ter a intenção de comunicar e produzir conhecimentos.

Page 80: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

80

Considerações finais

A discussão que desenvolvemos no presente artigo objetivou conduzir o leitor à compreensão de que o cinema exerce uma função transformadora, na sociedade contemporânea, e propicia a produção de saberes, identidades, crenças e visões de mundo. Nesse sentido, defendemos a concepção de cinema como texto, o texto-imagem, mediante o qual conhecimentos são produzidos, disseminados e acessados. Pressupomos, outrossim, que o cinema assume a condição de mediador de conhecimentos.

Entendemos que os conhecimentos mediados através de filmes podem ser apropriados a partir dos conteúdos e das formas presentes na composição cinematográfica. A imagem em movimento, principal elemento do filme, apresenta conteúdos e formas que, não isoladamente, proporcionam o entendimento sobre as ideias transmitidas nas filmografias. Tais ideias são vistas sob a forma de conceitos, temas, assuntos, argumentos, histórias etc., que compõem seus conteúdos. Já a forma em cinema refere-se à própria disposição de seus recursos expressivos.

Page 81: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

81

A reflexão que fizemos sobre o uso do cinema nas práticas educativas orientou-se, especialmente, pelas discussões introduzidas, primeiramente, por Duarte (2002) e, posteriormente, por Louro (2000), ao conceber a possibilidade de o cinema se assumir como pedagogia, afirmando que se trata de uma pedagogia cultural. Nesse caso, trata-se de uma concepção de pedagogia em um sentido amplo, compreendida como prática construtora da formação social dos indivíduos.

Tal função pedagógica exercida pelo cinema, cujo significado está presente no termo pedagogia do cinema, utilizado por Louro (2000) e por Duarte (2002), remete à ideia de que o cinema é visto sob a condição de estratégia pedagógica, capaz de fazer circular uma série de saberes, informações e conhecimentos que incidem sobre a formação dos indivíduos.

Page 82: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

82

Referências

AUMONT, Jacques. A imagem. Trad. Estela dos Santos Abreu e Cláudio C. Santoro. Campinas, SP: Papirus, 1993.

CABRERA, Júlio. O cinema pensa: uma introdução à Filosofia através dos filmes. Tradução Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

______. Diário de um filósofo no Brasil. Ijuí: Unijuí, 2010.

CARLOS, Erenildo João. O texto em questão: ressignificação conceitual e implicações pedagógicas. Revista Conceitos. João Pessoa, v. 06, n. 13, p. 61-73, jul., 2002/dez. 2002.

______, O texto-imagem e a educação de jovens e adultos. Revista Conceitos. João Pessoa, v. 06, n. 13, p. 42-50, ago., 2005/ago. 2006.

Page 83: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

83

______ (Org.). Sob o signo da imagem: outras aprendizagens e competências. In: Educação e visualidade: reflexões, estudos e experiências pedagógicas com a imagem. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2008. p. 13-35.

COSTA, Cristina. Educação, imagem e mídias. São Paulo: Cortez, 2005.

DUARTE, Rosália. Cinema & educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

EISENSTEIN, Sergei. O sentido do filme. Trad. Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

FAHEINA, Evelyn F. A. Um estudo sobre os modos de apropriação do cinema por educadoras na escolarização de jovens e adultos. 2012. 124 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2012.

FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Trad. Guacira Lopes Louro. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

Page 84: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

84

LOURO, Guacira. O cinema como pedagogia. In: LOPES, Eliana, et al. (Orgs.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Brasiliense, 2007.

MARTÍN-BARBERO, Jésus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Trad. Ronald Polito e Sérgio Alcides. 6 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009.

OROFINO, Maria Isabel. Mídias e mediação escolar: pedagogia dos meios, participação e visibilidade. São Paulo: Cortez, 2005.

Page 85: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

85

EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO CONHECIMENTO

PERSPECTIVAS PEDAGÓGICAS DA IMAGEM CINEMATOGRÁFICA COMO RECURSO PARA

A EXTERIORIZAÇÃO DA SUBJETIVIDADE

Djavan Antério

Mestre em Educação; atualmente é Professor pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Corporeidade, Cultura e Educação (GEPEC-CNPq/CCS/UFPB), desenvolvendo pesquisas na área da Educação, Educação Física e Artes; prioriza estudos voltados para a formação e a prática docente, as relações sociopedagógicas; a pedagogia da visualidade, com ênfase na inter-relação entre cinema e educação, e para a pedagogia do movimento, realçando a ação comunicativa corporal. [email protected]

Pierre Normando Gomes-da-Silva

Doutor em Educação pela UFRN, 2003; Vinculação institucional: Professor Associado do Departamento de Educação Física/CCS/UFPB; Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Corporeidade, Cultura e Educação (GEPEC) - CNPq do Centro de Ciências da Saúde - Campus I da UFPB. [email protected]

Page 86: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.
Page 87: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

87

Introdução

O cinema é fruto de uma produção complexa e muito bem estruturada, em que diferentes formas artísticas são conectadas e sincronizadas em prol de uma única e exclusiva produção. Segundo Loureiro (2008), dentre as artes, o cinema é capaz de ser a síntese total das mais diversas manifestações estéticas do homem. Essa arte consegue apresentar a verdade dos conceitos e as categorias da ciência, através de situações humanas típicas elaboradas com uma série de técnicas desenvolvidas a partir de outras intervenções estéticas, tais como literatura, pintura, arquitetura e música.

Em consonância com Duarte (2002), creditamos o cinema como uma atividade essencial para a socialização e a inserção no mundo da cultura, provocando e possibilitando um processo reflexivo acerca do papel desempenhado pelos filmes na formação das pessoas em sociedades audiovisuais como a nossa. Para a autora, o cinema pode contribuir para desenvolver a capacidade de analisar, criticar, compreender e assimilar informações. Além, é claro, da experiência

Page 88: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

88

estética e textual que se pode obter por meio dos filmes. Duarte (2002, p.18) defende que o ato de ver filmes é uma prática social tão importante, do ponto de vista da formação cultural e educacional das pessoas, quanto a leitura de obras literárias, filosóficas, sociológicas e tantas mais.

Do mesmo modo como temos buscado criar, nos diferentes níveis de ensino, estratégias para desenvolver o interesse pela literatura, precisamos encontrar maneiras adequadas para estimular o gosto pelo cinema. (...) O Cinema é um instrumento precioso, por exemplo, para ensinar o respeito aos valores, crenças e visões de mundo que orientam as práticas dos diferentes grupos sociais que integram as sociedades complexas.

Ao referenciar Pierre Bourdieu, Duarte (2002) diz que a experiência das pessoas com o cinema contribui para desenvolver o que se pode chamar de “competência para ver”. Porém, o desenvolvimento de tal competência não se restringe ao simples ato de assistir a filmes; ela tem ligação com o universo social e cultural dos indivíduos. A autora

Page 89: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

89

argumenta, ainda, que, em sociedades audiovisuais como a nossa, o domínio dessa linguagem é requisito fundamental para que possamos transitar em diferentes campos sociais.

Estudos como o de Vasques (2001, p. 68) defendem o filme como uma fonte de conhecimento que se propõe a reconstruir uma realidade por meio de uma linguagem ficcional. Segundo autores especializados no assunto, a linguagem cinematográfica tem o mérito de permitir que a relação entre os filmes e o imaginário social aconteça de forma espontânea.

Para uns o cinema tem que emocionar. [...] Outros mais o verão como distração, algo que liberte das preocupações diárias, uma bela história, paisagem bonitas. Qualquer que seja abordagem, ele se tornou inegavelmente uma das grandes fontes inspiradores e modeladoras de valores ideais, de vida, anseios e desejos e, é claro, responsável também por muitas frustrações, decepções e problemas pessoais e sociais.

Page 90: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

90

Procuramos, com este artigo, elencar uma discussão à luz de conceitos e significados da imagem cinematográfica como recurso icônico para a exteriorização de uma subjetividade inerente ao “sujeito-crítico-pensante”. Objetivamos revisar diferentes linhas de pensamento, fomentando uma discussão reflexiva acerca dessa temática.

A metodologia adotada foi a revisão bibliográfica, realizada nas bases da Filosofia, das Artes e da Educação, debruçando-se sobre conceituadas obras literárias, analisadas a partir de uma sistematização interpretativa previamente elaborada. São elas: Aumont (1993); Cabrera (2006) e Deleuze (1990). Para cada obra, consideraram-se (i) a essência epistemológica da imagem, (ii) os conceitos acerca da imagem cinematográfica e (iii) as perspectivas ideológicas do uso da imagem cinematográfica na Educação.

Page 91: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

91

Relações dicotômicas entre imagem e sujeito

Partindo do princípio de que o contexto imagético se define pela inter-relação entre a imagem (objeto observado) e o sujeito (observador do objeto), é fundamental que entendamos essa relação identificando a que ela se sobressai (AUMONT, 1993). Desse modo, abordaremos aqui não o eixo da objetivação exterior da subjetividade, muito menos da subjetivação da objetividade exterior, mas, prioritariamente, a exteriorização da subjetividade, na qual se pode verificar a ligação entre os elementos sujeito, representação, modo de representação e o objeto representado.

Outro ponto de suma importância que devemos esclarecer é que, dentre os diferentes tipos de signos imagéticos, dedicaremos nossa análise ao signo icônico, ou seja, aquele que mantém uma relação de proximidade sensorial ou emotiva entre o signo, a representação do objeto e o objeto dinâmico em si. Esse signo tipificado refere-se ao objeto e às características que lhe são peculiares.

Page 92: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

92

Segundo Aumont (1993), no sujeito, encontra-se o espectador que congrega a capacidade perceptiva da imagem. Ele é dotado de múltiplas esferas que implementam suas representações do mundo, onde o olhar estar relacionado aos processos históricos, culturais, orgânicos, espaciais e psíquicos. A imagem, em relação ao indivíduo, segundo Aumont, não existe gratuitamente. Ela vincula-se ao real e estrutura-se ao valor de representação, ao valor simbólico e ao valor de signo, em que engendram o uso da imagem em sua capacidade latente de “estabelecer uma relação com o mundo”.

É importante entendermos que, nessa relação – imagem x sujeito –, segundo a teoria de Aumont (1993), delineiam-se processos de reconhecimento e rememoração responsáveis pela função do raciocínio e da memória. É o que Aumont chama de “construção do espectador pela imagem e a construção da imagem pelo espectador”. É nessa perspectiva que temos as estruturas do imaginário, das emoções, da base sociocultural, do real, do saber, do tempo e do espaço, relacionando-se entre si.

De acordo com Aumont (1993), a “imagem só existe para ser vista”, assim, o processo imagético é uma relação orgânica que se constrói historicamente. A analogia, o espaço representado, o tempo representado e a significação na imagem são os quatro

Page 93: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

93

elementos principais analisados em sua estrutura. A imagem visual está atada a “analogias” e suscita uma problemática ligada à semelhança entre imagem e realidade. Para o autor, as imagens analógicas se pautam em construções que misturam em “proporções variáveis a imitação de semelhança natural e produção de signos comunicáveis socialmente”.

Temos, portanto, a imagem como uma linguagem dentre as várias que constroem a civilização. Desse modo, apesar da reprodução intensiva da imagem visual na contemporaneidade, a imagem tem a ascendência em relação às outras, por motivos estruturais e históricos, porém, não de uma elevação suprema. A imagem, pelo canal cognitivo, captura o espectador de forma mais imediata, pois lida, sobretudo, com diferentes conexões neurais que facilitam e potencializam o registro mental. Logo, é perfeitamente aceitável pensarmos a imagem como um elemento que se configura provocativo, inquietante, estimulador da interpretação do observador. Tal afirmação encontra subsídio em Cabrera (2006), que fundamenta que um dos elementos constitutivos da imagem é a emoção.

Page 94: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

94

A subjetividade da imagem cinematográfica

Partindo do pensamento de Cabrera (2006), a imagem é o elemento que vincula conceitos e explora o humano “de maneiras mais perturbadoras do que a lógica e a ética escritas”. Por conseguinte, o valor conceitual de um filme reside nas “proposições imagéticas” por ele instauradas, incompatíveis com a condição epistêmica prévia à sua experiência dado que nela emerge a sensibilidade condizente com o caso cinematográfico.

O fato é que, segundo Cabrera (2006), a riqueza conceitual de um filme é justamente dada a partir da forma como essas possibilidades são pressupostas e encontram seu desfecho, o que se dá mediante unidades iconográficas expressas ou postas em paralelo com o roteiro. Assim, a imagem cinematográfica, como um todo, passaria a ser um único argumento cujo termo consequente residiria em premissas que são é impossíveis de isolar num tempo só seu, logo, numa temporalidade que, só em seu desfecho, reencontra o timer do projetor.

Page 95: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

95

É sólida a premissa de que a afirmação do filme, como um único conceito-imagem composto inferencialmente por estruturas iconográficas impróprias ao isolamento funcional, ao longo do seu desenvolvimento, não tem fundamento. A unidade obtida se afirmaria a partir de uma lógica ordenada, pressuposto para a sistematização dos elementos manifestos - a linguagem utilizada pela direção na estruturação do filme. Um ponto a reforçar esse argumento se revela no questionamento acerca do uso didático do cinema pela Filosofia, ou a admissão de uma delimitação funcional dos elementos iconográficos na unidade da obra cinematográfica como condição para o “impacto emocional”.

Corroboramos com Cabrera (2006), na perspectiva de que o cinema, por meio de sua imagem peculiar, não pode ser considerado apenas um instrumento complementar e ilustrativo, mas, sobretudo, uma tecnologia formadora, a partir da qual se atingem os objetivos educacionais. Primeiramente, porque os filmes introduzem novos objetos e fazem novas abordagens do processo histórico. Depois, pelo fato de o cinema estar imbuído de carregar um conhecimento que problematiza a história vigente e estabelece novos conhecimentos, novos conceitos.

Page 96: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

96

Relações dicotômicas entre imagem e pensamento

Analisando a imagem cinematográfica, agora no campo educacional, partiremos da perspectiva advinda de Deleuze (2007), que difunde a ideia de que essa imagem produz inúmeras sensações fisiológicas que desencadeiam um processo cognitivo. Isto é, segundo o autor, a imagem cinematográfica pode levar o expectador a pensar de forma crítica e reflexiva a respeito do filme a que assistiu. Tal fato acontece devido à conjuntura imagética que se caracteriza pelo produto da soma de fatores inerentes ao contexto cinematográfico, o que infere no ato de pensar do sujeito.

De acordo com o pensamento de Deleuze (2007), não basta possibilitar ao expectador a capacidade de pensar de forma ampla, genérica e, por consequência, superficial. Segundo o autor, é fundamental que o sujeito tenha autonomia suficiente para ser capaz de pensar a partir do filme. Todavia, apesar de Deleuze conceber o cinema como campo de experimentação do pensamento, atuando de forma pensante por meio de seus autores e nos fazendo pensar por

Page 97: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

97

uma relação de mediação, ele fundamenta que isso seria pouco provável se idealizado da maneira clássica. Isto é, para Deleuze, mantermo-nos numa esfera filosófica para fazer emergir a questão do pensar através do cinema chega a ser uma utopia.

Dessa maneira, Deleuze (2007) apoia-se em três aspectos primordiais que sustentam a questão da possibilidade de se pensar através do cinema. O primeiro aspecto corresponde ao percurso da imagem até o pensamento, ou seja, é extremamente necessário que haja, nessa relação, imagem e pensamento, o “choque cinematográfico”, aquele que instigará a fluidez do pensar através da imagem. Em seguida, porém de forma quase que concomitante, temos o aspecto que evidencia o pensamento como um produto do choque cinematográfico (a imagem provocando o pensamento) e pelo retorno sináptico dessa mesma relação, isto é, o pensamento retornando à imagem.

Por consequência, dessa relação síncrona, temos o terceiro aspecto a ser evidenciado - o da união sintomática da imagem com o pensamento, incorporando, por sua vez, a relação existencial do homem com o mundo em que vive. Segundo o autor, o homem deve ser considerado a partir de sua singularidade pensante, capaz de interpretar, assimilar e gerar seus próprios pensamentos. Logo, como o homem

Page 98: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

98

é capaz de gerir sua interatividade pensante com a imagem cinematográfica, ele poderá, de forma consciente, entrelaçar aquilo que pensa com o meio que o entorna.

Não obstante, frente ao tripé elencado, Deleuze (2007) elucida que, no cinema contemporâneo, tais aspectos encontram força nas questões-problemas evidenciadas nas produções, ou seja, o cinema não mais se limita a representar o real, mas se preocupa em problematizar também a realidade ali abordada, instigando o espectador a refletir por meio de situações representadas pela imagem.

Potencialidades pedagógicas da imagem cinematográfica

A partir das concepções referenciadas, teceremos algumas reflexões que acreditamos ser pertinentes no que se refere

Page 99: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

99

às potencialidades pedagógicas da imagem cinematográfica. Versaremos, fundamentalmente, sobre a perspectiva do contexto imagético como um elemento mediador entre a imagem e o sujeito-pensante. A priori, entendemos que os estudos aqui analisados apresentam contextos diversificados, porém com similaridades conceituais em que é possível vislumbrar aproximações ideológicas acerca do uso da imagem cinematográfica como um recurso de exteriorização da subjetividade crítico-reflexiva.

Com Aumont (1993), percebemos que a relação imagem-sujeito é mais profunda do que parece ser. Isso implica, em termos de sensibilizarmo-nos para aspectos subjetivos, que, nem sempre, são atentados quando analisados tecnicamente. O fato é que, segundo Aumont, tal relação não ocorre gratuitamente. Ela advém de processos de reconhecimento e rememoração responsáveis pela função do raciocínio e da memória. É o que Aumont chama de “construção do espectador pela imagem e a construção da imagem pelo espectador”.

Na perspectiva de Cabrera (2006), temos a mediação do conceito-imagem como um elemento fundamental para a compreensão do contexto problemático presente num filme. Isso porque, como refere o autor, é através da sensibilidade

Page 100: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

100

consciente que o filme se manifesta em nossos sentidos, em nossos pensamentos. Logo, a imagem cinematográfica não deve ser encarada como a “verdade nua e crua”, mas como um elemento instigador, provocador, na construção do pensamento ideológico. Tal afirmativa parte da prerrogativa de que o cinema imerge o espectador num contexto surreal, momentâneo, paralelo.

A partir de Deleuze (2007), esclarecemos nosso posicionamento em defender a imagem cinematográfica como um elemento pulsante no pensamento humano, que convida e conduz o espectador a refletir sobre inúmeros saberes adquiridos e intrínsecos a sua própria trajetória como “ser-humano-pensante”. O cinema, dessa forma, produz no sujeito uma inquietação pensante que, por sua vez, poderá ou não ser fonte para um desencadeamento crítico-reflexivo, no qual opiniões, saberes, valores, sentimentos e concepções poderão se inter-relacionar dinamicamente.

Ressalte-se, contudo, que, mesmo tendo sido como fonte do pensamento crítico-reflexivo, o cinema não se sustenta de forma solitária e/ou isolada. É fundamental que se relacione de forma interativa com o sujeito que o contempla. Daí a importância de termos um espectador que seja crítico, atento a nuanças problemáticas que, no filme, estão presentes,

Page 101: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

101

por vezes, de forma explícita, e, em outras, implícitas. Isso, indubitavelmente, oferece subsídios para o uso da imagem cinematográfica como elemento pedagógico propriamente dito. A pedagogia presente no cinema se dá, muitas vezes, de forma subjetiva, porém com extrema consistência. Contudo, é fundamental a sensibilidade para se extraírem tais perspectivas, uma vez que a disseminação da lógica e a interpretação das cenas, do enredo, da narrativa fílmica, enfim, da essência presente na historicidade apresentada requerem uma atenção mais aguçada, enfocada naquilo que se pretende.

Considerações finais

Os diferentes conceitos e significados da imagem cinematográfica nos oferecem um leque de possibilidades em se trabalhar com a subjetividade. Isto é, ao elucidar o recurso

Page 102: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

102

icônico como elemento para a exteriorização de pensamentos, de opiniões e de concepções, garantimos que signos imagéticos sejam codificados de forma mais eficaz. Por conseguinte, a relação de proximidade sensorial ou emotiva entre o signo, a representação do objeto e o objeto dinâmico é otimizada e faz do observador partícipe da construção dos significados semióticos das imagens.

É fundamental ressaltar que, apesar de os estudos analisados apresentarem contextos diversificados, é possível traçar similaridades conceituais, exprimindo, inclusive, aproximações ideológicas acerca do uso da imagem cinematográfica como um recurso potencializador da exteriorização da subjetividade. Logo, é de grande valia reconhecer e considerar essa imagem como algo agregador, no processo de conscientização crítico-reflexiva do sujeito inserido no contexto pedagógico, no qual o aprendizado pode ser auxiliado pela subjetividade latente presente na imagem advinda do cinema.

Tal como tratamos em estudo anterior, de Antério e Gomes-da-Silva (2011), partimos do princípio de que o cinema vai muito além da utilização meramente didática no processo formativo educacional. Pelo contrário, é necessário entender suas potencialidades pedagógicas, visto que ele é uma grande fonte de conhecimentos. Sob nosso ponto de vista, o cinema não pode se

Page 103: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

103

manter limitado como arte do entretenimento, mas, sobretudo, como vitrine de diferentes e pertinentes problemáticas que cercam a sociedade em geral.

Page 104: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

104

Referências

ANTÉRIO, Djavan; GOMES-DA-SILVA, Pierre Normando. Reflexões acerca do cinema atual e sua aplicabilidade no contexto escolar. In: Erenildo João Carlos; Dafiana do Socorro Soares Vicente. (Org.). A Importância do ato de ler. João Pessoa: Ed. Universitária da UFPB, 2011, p. 131-148.

AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas, SP; Papirus Editora, 1993.

CABRERA, J. O cinema pensa. Rio de Janeiro, Rocco, 2006.

DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2007.

DUARTE, Rosália. Cinema & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

Page 105: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

105

LOUREIRO, Robson. Educação, cinema e estética: elementos para uma reeducação do olhar. Revista Educação e Realidade, 33 (1): 135-154, jan/jun, 2008.

VASQUES, Cid Marcus. Cinema, tv e violência. THOT – Revista da Associação Palas Athena, São Paulo, n.75, p. 67-72, abr. 2001.

Page 106: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.
Page 107: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

107

EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO CONHECIMENTO

CINEMA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FISICA ESCOLAR: DISCUTINDO A TEMÁTICA DA

RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO

Rodrigo Wanderley de Sousa Cruz

Mestrando no Programa de Pós-graduação em Educação – CE/UFPB; Professor de Educação Física da Rede Municipal de João Pessoa; membro do GEPEC – Grupo de Estudos e Pesquisas em Corporeidade, Cultura e Educação. [email protected]

Pierre Normando Gomes-da-Silva

Doutor em Educação pela UFRN, 2003; Vinculação institucional: Professor Associado do Departamento de Educação Física/CCS/UFPB; Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Corporeidade, Cultura e Educação (GEPEC) - CNPq do Centro de Ciências da Saúde - Campus I da UFPB. [email protected]

Page 108: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.
Page 109: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

109

Introdução

Pensando o cinema como uma possibilidade educativa de se elucidar uma problemática, no contexto esportivo escolar, percebemos a relevância de discutir a relação professor-aluno, a partir do conteúdo basquete, vivenciado nas aulas de Educação Física Escolar. O cinema é um conceito, uma teoria e uma ideia sobre a realidade humana na problematização do conhecimento (CABRERA, 2006) e deve ser um meio através do qual podemos explorar os problemas mais complexos do nosso tempo e da nossa existência, por expor e interrogar a realidade, em vez de obscurecê-la ou a ela nos submetermos.

Concordamos com Teixeira e Lopes (2008), pois nossa intenção não é de reduzir o cinema como um instrumento ou recurso didático-escolar. Ele é importante para os educandos, independentemente de ser uma fonte de conhecimento e de servir como recurso didático-pedagógico para a introdução de inovações na escola. Nesse sentido, afirma Filipe (2006, 64):

Page 110: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

110

Pertencendo o cinema ao campo da imagem com todas as suas capacidades técnicas de “reprodução” da realidade, esse caráter epistêmico das dimensões visuais é importante porque proporciona conceitos que nos permitirão inserir o cinema no campo do conhecimento problematizador. Com isso, o cinema adquire o estatuto epistemológico e, por conseguinte, um caráter, eminentemente, educativo, tornando-se, assim, fundamental enquanto tecnologia formadora no âmbito educacional.

A partir desses questionamentos, o presente artigo aborda a relação educacional entre o cinema e a Educação Física, como possibilidade pedagógica nas aulas. Para este estudo, utilizamos, especificamente, o longa-metragem intitulado Coach carter: treino para a vida, como forma de auxiliar a discussão sobre temas de difícil abordagem no campo da Educação Física. Escolhemos esse filme por corresponder à problemática decorrente de aulas de Educação Física; por ser de fácil acesso, já que o professor possuía o filme em questão e assistira a ele inúmeras vezes; por tratar do esporte basquete, conteúdo trabalhado naquele momento, e por ter

Page 111: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

111

sido incentivado por alguns alunos que já assistiram no canal fechado de filmes (TNT).

Nesta pesquisa, tratamos da relação treinador-atleta, ou melhor, professor-aluno, na Educação Física e nas práticas esportivas, visando delimitar um campo de análise fílmica e aprofundar a discussão com os educandos durante as aulas. Sobre esse aspecto, Silva (2007, p. 50) afirma:

Com o intuito de fazer circular livremente as ideias, promover o exercício de reflexão sobre os valores e a revisão de posturas individuais assumidas (e tantas vezes socialmente descomprometidas), é preciso trazer para sala de aula situações representativas dos conflitos, tensões e sentimentos próprios da vida. Essa é a razão pela qual proponho a via do cinema como uma possibilidade concreta, que oferece recursos imensos para a consecução dessa tarefa.

Segundo Silva (2007), o cinema é tido como um dos mais poderosos meios de comunicação de massa do Século XX, razão pela qual não se pode ignorar seu poder de

Page 112: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

112

persuasão. Os filmes são uma fonte de conhecimento e se propõem, de certa forma, a “reconstruir a realidade”. Anterio e Gomes-da-Silva (2011) entendem que é importante se pensar o cinema como uma fonte de formação humana, porquanto está repleto de crenças, valores, comportamentos éticos e estéticos constitutivos da vida social. Tal contexto é pertinente e favorável para uma aplicabilidade educacional. Isso quer dizer que a conjuntura do pensar e do refletir partilha de princípios inerentes ao processo educacional, considerado fundamental no contexto escolar.

Assim, o filme em questão foi analisado em dois momentos: primeiro, estabelecemos conexões das imagens e do diálogo do filme referente à temática relação professor-aluno com a literatura especializada no assunto em questão; segundo, discutimos sobre os resultados didáticos da aplicação desse filme nas aulas de Educação Física, em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II do GEO Tambaú. Partimos do pressuposto de que o cinema é uma instância visual para discutirmos e aprofundarmos os conteúdos atitudinais nas aulas de Educação Física escolar, numa perspectiva de formação crítica do sujeito da educação.

O estudo partiu de duas hipóteses: a primeira diz respeito à relação entre o professor (treinador) e o aluno

Page 113: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

113

(atleta), a qual não deve enveredar tão somente para o aspecto competitivo, imbuído de cobranças e de resultados, mas pela relação inerente ao âmbito escolar, composto por vivências educacionais que estimulam e fomentam uma relação verdadeiramente social. Em relação à segunda, acreditamos no benefício de utilizar o recurso fílmico, focando, principalmente, seus imperativos educacionais, para nos auxiliar no processo didático-pedagógico da ação docente, seja ele em caráter lúdico, cognitivo ou, no caso específico aqui abordado, competitivo.

Essa questão-problema adveio de indagações sugeridas a partir das conversas entre os membros do grupo de pesquisa do qual fazemos parte - o GEPEC5. A problemática referida no estudo apresentado tem provocado desconforto entre os membros em face dos relatos de muitos que assistem a eventos esportivos na cidade, acompanham escolinhas esportivas, nas escolas e em clubes, que assistem aos jogos esportivos pela televisão, a situações nas aulas de Educação Física e percebem

5 O Grupo de Estudos e Pesquisas em Corporeidade, Cultura e Educação (GEPEC), por meio da linha de pesquisa Pedagogia da Corporeidade, foi criado em 2006, no Laboratório de Estudos e Pesquisas em Corporeidade, Cultura e Educação (LEPEC/CCS/UFPB). Tem como objetivo (re)criar, sistematizar e publicar metodologias do ensino da Educação Física para todas as idades, em diferentes campos de intervenção, que amplie a corporeidade humana e contribua, especificamente, com a formação de professores e com a produção do conhecimento na linguagem do movimento em práticas lúdicas e educativas.

Page 114: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

114

fatores que consideramos impróprios e inadequados ao contexto: desavenças, desrespeito, agressões, impaciência, não aceitação da derrota, irritação exacerbada durante as partidas, entre outros.

Para o estudo, utilizamos o longa-metragem intitulado “Coach carter: treino para a vida”, como suporte para o desenvolvimento da temática proposta e como exemplo para aquilo que acreditamos ser uma interessante abordagem educativa a ser seguida. “A exposição de fatos, histórias e narrativas pela linguagem do cinema realça a realidade, dando maior visibilidade a ela, mostrando, muitas vezes, algo que nós, de uma forma ou de outra, às vezes não podemos (ou “insistimos em não”) perceber” (SILVA, 2007, p. 51).

Baseamo-nos em outros artigos (SILVA, 2007; PINTO e PEREIRA, 2005; KANAWA e OLIVEIRA, 2012) e tese (FELIPE, 2006) que utilizaram o cinema tanto na sala de aula - “Homens de Honra”; “Filadélfia” e “Shirley Valentine” - quanto na formação de professores - “Boleiros: era uma vez o futebol” – ou, para análise conceitual e histórica, “Notícias de uma guerra particular” e “Cidade de Deus” na educação.

Pensando através de Duarte (2002), a educação e o cinema são formas de socialização dos indivíduos e instâncias culturais que produzem saberes, identidades, visões de mundo

Page 115: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

115

e subjetividades. Os filmes trazem uma série de convenções, de representações – de masculinidade, de feminilidade, de infância, de etnia, de misticismo etc. – e de padrões sociais, de forma que façam sentido para o público.

Caminhos metodológicos

O estudo surge de nossa prática pedagógica realizada em 10h/aulas semanais, no Colégio GEO Tambaú (no período de 2010 a 2012), localizado na Avenida Rui Carneiro, nº 500, Bairro de Tambaú, na cidade de João Pessoa. A escola, cujos alunos têm uma condição socioeconômica elevada, fica perto de uma área litorânea, espaço nobre da cidade. A estrutura física do GEO Tambaú é composta por dois ginásios poliesportivos, para a realização das aulas de Educação Física, escolinhas esportivas e treinamento das equipes de

Page 116: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

116

futsal, voleibol, handebol e basquete, além de outros espaços para a prática de xadrez e tênis de mesa. As demais salas de aula e o auditório são equipadas recursos tecnológicos, com datashow e vídeos, como instrumentos de ensino e objeto de aprendizagem, que favorecem a utilização da imagem fílmica como recurso didático. A escola é reconhecida pelos expressivos resultados obtidos nos principais e mais exigentes vestibulares e concursos do país. Além disso, um dos pontos fortes da escola é o princípio da disciplina, como forma de contribuir para o desenvolvimento da organização intelectual do pensamento e do comportamento humano.

Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, por caracterizar o entendimento de um fenômeno, envolvendo significados, valores e atitudes que possibilitam o aprofundamento das relações no processo social, como aponta Minayo (2001). Além disso, a pesquisa de campo foi adotada por conduzir o pesquisador a aprofundar-se e a ampliar os conhecimentos de uma realidade e vivenciar diretamente a circunstância do estudo (GIL, 2002).

Seguindo o objeto de estudo do presente trabalho, optamos por desenvolver uma pesquisa de abordagem qualitativa. Flick, Von Kardoff e Steinke (apud GUNTHER,

Page 117: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

117

2006, p. 202) nos apresentam quatro bases teóricas desse tipo de pesquisa:

a) realidade social é vista como construção e atribuição social de significados; b) a ênfase no caráter processual e na reflexão; c) as condições objetivas de vida tornam-se relevantes por meio de significados subjetivos; d) o caráter comunicativo da realidade social permite o refazer do processo de construção das realidades sociais.

A investigação é fundamentada na literatura correspondente à temática do estudo e na reflexão sobre a história do filme Coach Carter, como proposta de análise, sob a perspectiva reflexiva da relação substancial entre o “Treinador Carter” e seus atletas. A realidade social vivida pela comunidade de Richmond, na Califórnia, faz com que o Técnico Carter almeje um futuro melhor para seus atletas. O processo de reflexão é constante, durante o filme, para bons resultados nos jogos e no rendimento escolar. As condições de vida dos atletas, desfavoráveis, objetivas, formam

Page 118: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

118

significados subjetivos que culminam em diversas ações indisciplinares em relação às regras exigidas pelo técnico. Por fim, para alcançar suas metas, mudar o cenário escolar e transformar a realidade social vigente dos seus atletas, Carter parte para uma metodologia disciplinar impactante, a partir do basquete. Por isso o estudo qualitativo é sobremaneira relevante para o artigo em questão, posto que se aproxima do nosso objeto de investigação.

Assim, direcionamos a pesquisa numa análise documental. A escolha por esse método ocorreu em virtude de produzir algumas aproximações com a problemática explicitada. Seguimos a premissa elencada por Mattos et al (2008, p. 37) de que a pesquisa documental objetiva “descrever e analisar situações, fatos e acontecimentos, bem como comparar com dados da realidade”. Assim, tomamos o filme em questão para o processo avaliativo da pesquisa, estabelecendo conexões com a literatura analisada.

Inicialmente, abrimos um diálogo com alguns dos principais teóricos da Educação Física escolar, citados no decorrer do texto. A intenção foi de encontrar bases para fundamentações futuras, já no processo de análise e discussão. Procuramos nos reter em aspectos que correspondessem à relação entre professor e aluno. Para isso, elaboramos um

Page 119: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

119

planejamento a ser seguido, visando organizar o processo de coleta dos dados a serem analisados. Logo, os dados coletados são aqui representados por cenas e diálogos recortados do referido filme e serviram como pontos de discussão.

Organizamo-nos da seguinte forma: cada um, individualmente, assistiu ao filme, procurando identificar cenas e falas que fossem relevantes para a temática levantada. Posteriormente, em conjunto, revimos o filme abrindo espaços para debates sobre as cenas selecionadas. Frisamos nossa intenção de dirigir um olhar específico para a análise, como meros telespectadores. “Ora, o que se tem nessa linguagem é o reforço da impressão de realidade que caracteriza os filmes, surgindo, assim, outro nível de percepção” (SILVA, 2007, p. 51). Tentamos manter um foco pedagógico ao assistir a cada cena e analisá-las. Tal momento foi de extrema importância para amadurecermos a ideia.

O cinema, sob nosso ponto de vista, é um elo para discutirmos e aprofundarmos essa temática, numa perspectiva de formação do ser e na educação do cidadão, para uma postura saudável diante dos fatos e das pessoas. Pinto e Pereira (2006) ratificam a importância de tematizar questões da Educação Física por meio do cinema, não apenas devido às questões do corpo e do esporte no cinema, mas também porque vivemos

Page 120: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

120

numa sociedade brasileira e mundial onde a imagem vem ocupando um lugar exacerbado na comunicação.

Coach Carter: treino para a vida – sinopse (2h:16min, 2005 –EUA)

Richmond, Califórnia, 1999. O dono de uma loja de artigos esportivos, Ken Carter (Samuel L. Jackson), aceita ser o técnico de basquete de sua antiga escola, onde conseguiu recordes e que fica em uma área pobre da cidade. Para surpresa de muitos, ele impõe um rígido regime. Os alunos que queriam participar do time tinham de assinar um contrato que incluía um comportamento respeitoso, modo adequado de se vestir e boas notas em todas as matérias. A resistência inicial dos jovens acaba, e o time, sob o comando de Cart, vai se tornando imbatível. Quando o comportamento do time

Page 121: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

121

fica muito abaixo do desejável, Carter descobre que muitos dos seus jogadores estão tendo um desempenho muito fraco na sala de aula. Assim, ele toma uma atitude que espanta o time, o colégio e a comunidade.

Repercussões pedagógicas nas aulas de Educação Física

O filme lançado no ano de 2005, baseado em história real,

trata de um treinador americano de basquetebol, que decide

associar o desempenho acadêmico ao desempenho esportivo

para uma turma de jovens, numa escola de periferia. Sua jornada

educativa começa quando suspende os treinos do seu time,

campeão escolar, por causa do péssimo desempenho acadêmico

dos atletas. Com essa atitude, o “Treinador Carter” produz uma

transformação na escola, na família e na vida dos adolescentes

Page 122: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

122

rebeldes. Uma história de educação a partir da instauração de

outra relação professor-aluno. Enfim, Coach Carter - Treino para a

Vida- apresenta a dura realidade de jovens da periferia que, devido

à abordagem radicalmente educativa de um professor, começam a

ver um futuro que vai além do próprio esporte.

O filme foi utilizado como recurso e estratégia didática para problematizar e favorecer comunicações entre alunos de cinco turmas do 7º ANO do Ensino Fundamental II do GEO Tambaú. A temática relação professor-aluno foi discutida a partir das possibilidades, das limitações, das estratégias disciplinares e do clima relacional. Desse modo, estabelecemos uma nova abordagem para essa problemática, presente nas aulas de Educação Física. A relação entre o treinador Carter e seus atletas, as imposições, as regras de convivência estabelecidas, as resistências dos alunos, a participação da família e a direção da escola foram aspectos abordados na discussão com os alunos de Educação Física.

Dividimos as aulas em dois blocos: um composto por duas aulas-filme na sala de aula e um bloco de duas aulas no ginásio para aplicação e ampliação da discussão no jogo de basquete, especificamente. Uma semana antes da exibição do filme, divulgamo-lo, com a distribuição de ingressos para os alunos e sugerimos que levassem pipoca, suco ou

Page 123: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

123

refrigerante para dar uma conotação mais próxima de uma sala de cinema, discutindo o conteúdo basquete na disciplina Educação Física. Posteriormente, exibimos o filme nas salas de aula com as cinco turmas, totalizando 200 alunos envolvidos na atividade. Na semana seguinte, deslocamo-nos para o ginásio poliesportivo da escola e discutimos sobre os problemas surgidos antes da visualização do filme, tais como: individualidade exacerbada, dificuldade de formação de grupos, a não ocupação dos espaços disponíveis para o jogo e reclamações incessantes pela derrota no jogo.

Descrevemos as etapas do procedimento metodológico de nossa abordagem, que serviram de parâmetro para o que estamos defendendo: uma aplicação mais incisiva do filme nas aulas de Educação Física escolar, a partir da imagem relacionada ao movimento e à tomada de decisão. Em seguida, elegemos uma categoria de análise: metodológico-disciplinar, referente ao procedimento de ensino adotado pelo treinador Carter - a ação e a intenção disciplinar que ele adotou. Essa categoria converge para um mesmo ponto - a ação pedagógica do treinador (professor). Por meio dela, discutimos a reação (respostas) de seus atletas (alunos), identificando pontos que pudessem ancorar a problemática levantada e, consequentemente, instigar um diálogo acerca

Page 124: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

124

da relação entre ambas as partes no contexto escolar, na perspectiva de um processo de ensino aprendizagem mais salutar.

Discutindo a metodologia disciplinar do técnico Carter

A seguir, descreveremos as cenas que identificamos como situações relevantes para a discussão. Eventualmente, usaremos transcrições de falas do filme, que serão destacadas em itálico, para facilitar a discussão.

Page 125: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

125

Cena 1 - Apresentação ao grupo de atletas e conflito disciplinar

Ao ser apresentado aos atletas, o técnico Ken Carter (interpretado por Samuel L. Jackson) fala sobre seu currículo e suas conquistas como atleta e treinador. Entretanto, apesar do discurso de apresentação, os atletas (alunos) do Richimond Oilers (colégio em que estudam) permanecem conversando, arremessando bolas na cesta, rindo entre si. Carter, ao perceber tal comportamento, eleva o tom da voz e pergunta: Será que eu precisarei falar mais alto para os senhores me escutarem? O comportamento de descaso dos atletas faz com que o treinador exprima uma reação mais enérgica para atrair suas atenções. Nesse instante, é percebido o primeiro mal-estar na relação entre ambos.

Freire (2006), oportunamente, ajuda-nos a compreender essa relação de falar-ouvir quando reflete que o primeiro sinal de que o sujeito que fala sabe escutar é a demonstração de sua capacidade de controlar não só a necessidade de dizer sua palavra, que é um direito, mas também o gosto pessoal, profundamente respeitável, de expressá-la. Os atletas tinham o direito de

Page 126: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

126

conversar, porém isso não significava que fossem os únicos a terem que dizer alguma coisa naquela situação, haja vista que o técnico estava para se apresentar e expor sua metodologia de trabalho, seus princípios e seus ideais de mundo através do basquete.

Nesse momento, durante a aula-filme, os alunos identificaram situações semelhantes com outros professores e com o professor de Educação Física. Relataram que, em outras aulas, houve explicações sobre determinada atividade, em que alguns educandos estavam desatentos, com conversas paralelas, e isso dificultava o processo de ensino-aprendizagem do basquete, conteúdo ministrado na época. Importante os alunos explanarem essa problemática, identificando pontos em comum com o filme e com a realidade vivida na escola.

Retomando o recorte fílmico, depois da primeira intervenção mais enérgica do treinador, ele entrega contratos a serem cumpridos pelos alunos para que continuem a jogar basquete: “A partir de hoje, vocês jogarão como vencedores, agirão como vencedores e, o mais importante, serão vencedores”, disse o treinador. O teor do contrato era de que, a partir do momento em que o assinassem, os alunos teriam que ter um bom desempenho escolar (notas), frequentar as aulas e sentar nas primeiras linhas

Page 127: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

127

dos acentos na sala de aula. Só assim, seriam aceitos como jogadores e, por consequência, pessoas vencedoras na vida.

Logo em seguida, um dos atletas interrompe a fala do treinador com palavras agressivas e preconceituosas, o que provocou um desentendimento entre ambos. O treinador conduz à força o jovem até a parede do ginásio. O aluno, então, questiona afirmando que “professor não pode tocar nos aluno”. Carter responde: “Não sou professor, sou técnico de basquete”. E o aluno é expulso da equipe. Outro atleta, não satisfeito com a punição do companheiro e por não concordar com os itens do contrato, também deixa o grupo. Carter aproveita o ensejo e pergunta se mais alguém pretendia deixar o grupo, pois aquele seria o momento o mais oportuno. Ninguém se manifesta e, em seguida, começa um forte treinamento físico. Vale salientar, a partir de Silva (2007, p, 52), que o treinador deixa claro que não abre espaço para sugestões ou críticas dos atletas.

A experiência estética que o cinema proporciona abre-nos, sem dúvida, para uma compreensão mais radical da realidade e do ser humano. É uma obra de arte com a qual nos relacionamos para iluminar a nossa percepção do

Page 128: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

128

mundo e, claro, é uma via de acesso a atitudes e reavaliarmos nossos valores; uma provocação inquietante para questionarmos possíveis conivências nossas com a falta de criatividade, com a mediocridade, que é mostrada, muitas vezes, em comportamentos rígidos, intolerantes, niilistas, autoritários e materialistas. Talvez seja precisamente nesse ponto que descobrimos, atrás dessas possibilidades estéticas, as possibilidades educativas e éticas do cinema.

Acerca do procedimento disciplinar nessa cena, caracterizamo-lo como rígido e autoritário. Compartilhamos da perspectiva de Araújo (1996, p. 112), ao defender que “o professor nem é o que determina tudo dentro da sala de aula e nem deixa que os alunos determinem, porque é ele quem conhece os objetivos pedagógicos”. Assim como o professor, os educandos também devem ter conhecimento dos objetivos propostos. Entendemos que a quadra, assim como a sala de aula, é um espaço pedagógico, composto tanto pelo treinador (professor) quanto pelos atletas (escolares/aprendizes).

Page 129: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

129

Cena 2 - A origem dos problemas para uma metodologia disciplinar de Carter perante os atletas

As ações do técnico Carter perante os atletas da Escola Richmond Oierls são oriundas de um jogo a que ele assistiu e em que os atletas jogaram muito mal, com vários erros elementares do basquete e muitas agressões (verbais e físicas) pós-jogo. “Você não fez nada o jogo inteiro”; “Você não acertou uma cesta”; “Passou o jogo marcado”; “Você não joga nada”; “Vem cá que vou tem mostrar quem não joga nada”. Baixo rendimento escolar, evasão da sala de aula e vestimentas impróprias dentro da escola levam a posturas arbitrárias para conduzir um trabalho de basquete com o grupo de atletas, pensando, acima de tudo, numa postura diante da vida. Ele entendia que precisava de medidas rígidas para disciplinar o grupo e chegar ao seu objetivo: formar não apenas atletas, mas também jovens que adquiram conhecimento e contribuam para a sociedade. O basquete era uma ponte para o sucesso, dentro e fora da escola. Nesse sentido, lembra Silva (2007, p.52):

Page 130: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

130

Ora, as questões da vida real não são sistematizadas. Portanto, a relação entre a aprendizagem na escola e a vida real poderá acontecer de múltiplas formas, desde que se leve em conta que a realidade, muitas vezes, se nos apresenta de modo ambíguo e paradoxal. Desse modo, o filme talvez seja um bom recurso para abarcar a vida de forma a romper com a rigidez da sistematização escolar.

Discutindo com Santana (2003) sobre as ações metodológicas do personagem Carter, percebemos pontos divergentes no contexto do filme. Enquanto ele sugere, através de uma minimização da autoridade do professor, uma respeitabilidade mútua, a construção de uma regra de convivência, em que os alunos opinam e expressam seus sentimentos com autonomia, o que culmina em um ambiente cooperativo no contexto esportivo escolar, Carter utiliza uma metodologia centralizadora, com uma autoridade explícita, conflitante, em que a regra de conduta é ditada pelo próprio treinador, sem opiniões e expressões dos alunos, passíveis de punição. Porém, alguns pontos foram percebidos pelos alunos que convergem com as sugestões de Santana (2003). Por mais discordância nos procedimentos metodológicos

Page 131: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

131

visualizados no filme, os alunos reconheceram que existia uma intencionalidade educativa, pois os atletas, o tempo todo, eram forçados a trabalhar coletivamente, numa perspectiva cooperativa, com acordos e trocas para a superação do individualismo nos treinos e nos jogos de basquete.

Cena 3 – Punição ao filho de Carter como exemplo para manter a disciplina

Na escola, o basquetebol pode ser utilizado com finalidade educacional. Nesse caso, precisamos ter claro o conceito de escola e o seu papel, bem como o que é educação e qual sua finalidade (SILVA; MORENO, 2006). Isso estava claro para o técnico Carter, para quem a concepção de educação não se resumia ao basquete, mas também aos estudos, ao compromisso e à responsabilidade para uma vida mais digna e bem sucedida. Porém, Carter criou um contrato pedagógico para ser cumprido sem consultar os atletas. Ou

Page 132: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

132

o aluno cumpria o contrato ou estava fora do grupo. Nesse caso, a punição era uma estratégia disciplinar utilizada com frequência pelo personagem, como forma de intimidar e o grupo e impor-lhe autoridade.

Isso fica claro no atraso do próprio filho no treinamento, que acabara de se transferir para a Escola Richmond Oilers e ainda não conhecia suas dependências físicas: “Desculpe, senhor, pelo atraso, é que ainda não conheço a escola”. Carter é taxativo: “Gente, esse é meu filho e está atrasado” (24: 35-25: 10). Ele ordena inúmeras flexões e abdominais para servir como exemplo para os demais do grupo. Nesse instante, o grupo percebe que as normas do contrato não se restringiam a um ou outro atleta, mas para todo o grupo, independentemente de quem fosse. Carter ganha o respeito dos atletas, pois não privilegiou o filho por estar atrasado e o puniu com o mesmo tratamento dados aos demais. Fica explícito, no filme, que ele não mede esforços para atingir seu objetivo no trabalho dentro da escola, através do basquete. Silva (2007, p. 55) assevera que

os filmes configuram um instrumento eficiente para viabilizar uma discussão complexa, sutil e fundamental sobre

Page 133: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

133

as agruras e os destinos de heróis e personagens principais das narrativas e, consequentemente, para construção da cidadania e da personalidade moral.

Durante as discussões nas aulas de Educação Física, os alunos se “acusavam” em termos de atraso e quem deveria receber punições por isso. As opiniões divergiam. Uns eram contra o método punitivo, outros eram a favor, porém, com medidas mais leves, sem excessos. Isso foi relevante no processo de ensino-aprendizagem na sala de aula, porque eles puderam enxergar-se nas situações das cenas, procurando soluções para tais problemas. Corroborando tal afirmativa, Felipe (2006, p. 31) nos diz:

A maior contribuição do uso de filmes na educação está no fato dos educadores introduzirem outras possibilidades de ensino-aprendizagem, mostrando novas formas de educar, ampliando o conceito de educação e propiciando novos comportamentos em relação à produção do conhecimento.

Page 134: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

134

Cena 4 – O abuso de autoridade de Carter e a solidariedade do grupo ao atleta Cruz

Retomamos o recorte fílmico, na cena em que o personagem Cruz tenta retornar para o grupo (após o atrito com o técnico Carter), e o treinador veta (32:50 – 36:10). Isso foi um ponto de discussão na aula. Perceberam diversos comportamentos que ocorreram nessa cena: proibição da volta do atleta, insistência para o retorno ao grupo, condições físicas impostas pelo personagem Carter para o atleta Cruz e a aceitação dele para cumprir as sanções, ou seja, a execução de centenas de abdominais “suicídio” - corridas de uma ponta a outra da quadra esportiva.

Essa cena causou um murmúrio na sala de aula, um desconforto entre os alunos, que classificaram como extrema a decisão do técnico Carter em relação ao seu atleta. Afirmaram que, se fosse uma ação do professor deles, nunca mais olhariam para a cara dele, por causa desse abuso de autoridade. Ele não pediu desculpas? Ele (atleta) não se humilhou para voltar? Os alunos ficaram se olhando espantados com tamanha rigidez

Page 135: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

135

na decisão, e o atleta Cruz ainda perguntou: O que tenho que fazer para voltar a jogar, treinador?

Carter acabou aceitando que Cruz tentasse realizar o que ele exigiu, mesmo sabendo que era muito difícil de cumprir tudo em virtude da quantidade de repetições solicitadas e do tempo destinado (até o final da semana). Percebendo a continuação do atleta nos exercícios, o técnico aproxima-se dele e diz: “Você não vai conseguir, Sr. Cruz! Vá para casa! Desista!”. Para se assegurar do cumprimento correto dos exercícios, Carter pede para seu auxiliar contabilizar as repetições, receoso de que fosse enganado por Cruz. Porém, algo na cena, de forte impacto, chama a atenção de todos na sala de aula. Em face de não atingir o número de repetições ordenadas pelo treinador, o personagem Cruz é expulso da quadra esportiva. Nesse momento, um primeiro atleta se aproxima de Carter e diz: “O Sr disse que somos um grupo. Quando um perde, todos perdem. Quando um ganha, todos ganham!”. Toda a equipe se dispôs a ajudar e a terminar as flexões e abdominais para que o atleta voltasse a fazer parte do grupo (40:55 – 43:25). Carter, nesse instante, aceitou a fala dos atletas, bem como o retorno de Cruz à equipe, flexibilizando sua metodologia disciplinar, apesar de pedir ao auxiliar para entrar em contato com ele após o término dos

Page 136: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

136

exercícios. Nesse momento, uma sequência de aplausos ocorre na sala de aula, comunicações pelos olhares entre os alunos e o balançar de cabeças positivamente demonstram que os comportamentos dos atletas foram aprovados pelos alunos e perceberam que é possível aplicar a solidariedade no cotidiano escolar, nas relações humanas, dentro da conjuntura escolar.

Kanawa e Oliveira (2009, p.13) concebem que “o cinema pode ajudar na reflexão de valores e normas sociais estabelecidas na sociedade e contribuir com a minimização de atitudes discriminatórias e preconceituosas”. Corroboramos com essa visualização do cinema, pois a imagem disponibilizada, o roteiro empreendido e os fatos ocorridos podem contribuir para otimizar o entendimento e a reflexão sobre a temática para utilizar no cotidiano.

Cena 5 – “Será que não se pode jogar com classe?”

Com o aumento da confiança durante os jogos de basquete, iniciaram-se posturas de desrespeito aos atletas adversários, com

Page 137: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

137

simulações de pose para fotos, xingamentos durante as jogadas, enfim, atitudes antidesportivas, tudo isso sob os olhares do técnico Carter (46:07 – 47:47).

No treino seguinte, um atleta o avisa de que seu sapato está com o cadarço solto. Carter agradece, começa a rir e diz que “é o sapato é meu, meu sapato é bonito, olha pra ele”. Sem entender, o atleta olha para os demais, quando é surpreendido por Carter: “O que está acontecendo com vocês? Vencer não é o bastante? Tem que humilhar o adversário?”. Questionado por um atleta sobre a provocação que sofrera no jogo, o técnico os indaga: “Será que não se pode jogar com classe? Jogar como campeões?”. Em seguida, pune-os com mais flexões e suicídios.

Carter valorizava muito o respeito. Prova disso é que combatia expressões pejorativas como “criolo” entre eles, tratava todos os atletas como senhores e chamava-os pelo nome. Isso se estendia para as quadras, pois o que ele queria era aplicação tática, técnica, mas, sobretudo, postura diante de todos os envolvidos no treino ou no jogo.

A partir disso, os alunos puderam detectar algumas ações que prejudicam o andamento da própria aula e a relação entre eles durante o jogo de basquete. Então, ridicularizar o erro do próximo e vencer sem respeitar o derrotado não são ações cidadãs, um gesto de cordialidade,

Page 138: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

138

e isso dificulta uma relação humana salutar, pelo esporte, no âmbito escolar. Sobre isso, Silva e Moreno (2006, p. 173) assim se pronunciam:

É claro que o basquetebol tecnicamente desenvolvido atua apenas em alguns aspectos do desenvolvimento educacional, sendo fato que se faz necessário interferir nessa prática de forma lúdica, porque é um jogo coletivo, com inúmeras possibilidades de desenvolvimento do sujeito, integralmente.

Fortalecendo nossas ideias sobre a inserção do cinema na sala de aula, para maximizar a prática pedagógica na Educação Física, em artigo sobre a utilização do filme na formação inicial de professores de Educação Física, Pinto e Pereira (2005, p. 103) nos alertam que o ambiente escolar “deve procurar aperfeiçoar seus instrumentos teórico-metodológicos para compreender as particularidades e universalidades relacionadas às culturas que se entrelaçam nas salas de aula, nas quadras esportivas ou nos pátios escolares”.

Page 139: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

139

Em outro artigo sobre a utilização do cinema na Educação Física, sob o olhar da pedagogia crítica, Kanawa e Oliveira (2009, p. 5) consideram “necessário e oportuno o aprofundamento teórico-metodológico sobre a temática proposta, para que a Educação Física amplie espaços de discussão e reflexão de formas alternativas de ressignificar o corpo”, como corroboram Faheina e Carlos (2011, p. 116):

É evidente que, inseridos nesse cenário, os educadores acabam sendo convidados a pensar sobre a questão e a desenvolver condições de formação de novas competências nos estudantes, para que o pensar crítico possa ser estimulado pelas imagens, ao mesmo tempo em que são transformadas em objetos de reflexão e de conhecimento.

Aproveitando a temática da discussão e fazendo pontes com o filme, pensando sempre na possibilidade de pedagogizar o cinema nas aulas de Educação Física, trazemos um recorte do filme que consideramos importante para discutir com os alunos,

Page 140: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

140

no tocante a compromissos, combinados e acertos descumpridos, ou seja, mais um conflito na relação entre técnico e atletas.

Cena 6 – A suspensão dos treinos e dos jogos de basquete

Carter não se satisfazia com apenas um bom desempenho dos alunos nos jogos. Como explicamos no início do estudo, ele almejava que os alunos-atletas pudessem ter novas oportunidades e uma vida mais digna, jogando, estudando e cursando uma Universidade. Infelizmente, o contrato inicialmente assinado não foi cumprido. Ao voltar de uma viagem em que se sagraram campeões de um torneio, Carter adentra sua sala com o troféu. Ao se deparar com os relatórios fornecidos pelos professores, identificou as notas baixas e as faltas em diversas aulas. Passa a mão na cabeça, joga os relatórios para o alto e grita: Não, não, não! (49:00 – 53:16). Ele deixa um recado na frente do ginásio, marcando uma reunião com o grupo de atletas na biblioteca. Explica

Page 141: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

141

sobre o contrato descumprido: “Vocês falharam. Quer dizer, nós falhamos!” e toma uma decisão que desagrada aos alunos, aos familiares e à direção da escola: “A partir de hoje os treinos estão suspensos e nada de jogos de basquete”. Fecha o ginásio com correntes e cadeados, suspende os treinos e os jogos de basquete na escola e só reabre com uma condição: a frequência nas aulas e notas satisfatórias (01:19:57 – 01:23:40).

A escola toda é mobilizada e entra em efervescência diante da presença da imprensa para entrevistar e noticiar os fatos e as ameaças sofridas por Carter em sua loja comercial e no trânsito (na presença do filho) por parte da comunidade, além da insatisfação dos pais e dos atletas. A trama ganha proporções emocionantes, prende a atenção e “hipnotiza” os alunos diante da tela. Considerando o exposto, podemos inferir que “os filmes também participam na formação de valores éticos e juízos de gosto e, nesse sentido, portam uma faceta educacional” (LOUREIRO, 2008, p.136).

Esse é um momento importante do filme. Uma metodologia contestada, medidas didático-disciplinares fomentadas por uma rigidez e um contexto esportivo escolar discutido a partir de uma relação entre um treinador e seus atletas. Particularmente, pensamos na nossa sala de aula, na relação entre professor e alunos através de nossas vivências com o conteúdo “basquete”

Page 142: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

142

na disciplina Educação Física. Por isso suscitamos essa reflexão. Holleben e Saveli (2007, p.11) destacam que

a introdução de imagens cinematográficas como recurso pedagógico no ensino não é só possível como desejável, entretanto, faz-se necessários indagar como tem sido esse trabalho no contexto escolar. Dada a sua complexidade, a percepção da linguagem cinematográfica não é imediata, é processo, e como tal, torna-se pertinente refletir sobre as formas pelas quais professores e alunos tem se apropriado dessa linguagem como instrumento didático.

Tamanha foi a mobilização dentro da Escola Richmond Oilers, que foi agendada uma assembleia para se definir o problema instalado. Professores, pais e direção discutiram e votaram a favor ou contra a reabertura dos portões do ginásio. Durante a assembleia, muitas pessoas se pronunciaram. “Isso é um absurdo, meu filho teve que usar paletó, ainda tem que tirar a nota que ele (Carter) quer?” – mãe de atleta. “Me senti totalmente

Page 143: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

143

constrangido em ter que passar relatórios sobre o rendimento dos alunos, um trabalho a mais” – professor da escola.

A votação inicia com os representantes dos professores e dos pais, que votam a favor da reabertura dos portões. Apenas a diretora da escola vota a favor de se manter a suspensão e o fechamento do ginásio. O técnico Carter, percebendo a insatisfação da maioria no plenário, depois de severas críticas por parte de toda a conjuntura escolar e da votação a favor da volta dos treinamentos, entrega o cargo de treinador.

Cena 7 – Reabertura do ginásio e objetivo alcançado

Chegando ao ginásio, já o encontra aberto. Ao adentrar o local, depara-se com uma cena impressionante: todos os atletas sentados em suas carteiras, com livros nas mãos. Essa cena deixou as turmas em êxtase, pois todos os atletas se uniram em prol de um ideal proposto, desde o início, pelo técnico Carter. Isso significa dizer que assumir compromissos

Page 144: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

144

e responsabilidades para ter sucesso na vida, através do basquete, tirar boas notas, vestir-se elegantemente, frequentar as aulas, ser pontual e respeitar o próximo não eram favores que o técnico Carter pedia, mas exigia para o crescimento pessoal de todos. Ele era cônscio das dificuldades e da realidade do Bairro de Richmond, principalmente, por ter estudado e jogado lá, especificamente na Escola Richmond Oilers.

Os atletas passaram a frequentar as aulas, melhoraram as notas, atingindo a média proposta por Carter e voltaram a treinar e a jogar. Ficou claro que o trabalho em equipe, no âmbito do jogo, foi explicitado no filme (01h04 min: 40 – 01h05 min: 55) - troca de passes incessantes, movimentações rápidas na quadra, acertos de cestas, cooperação fortemente vivenciada tanto na defesa quanto no ataque. Não foi possível ganhar o título estadual, já que perderam a final, todavia, eles foram além, e todos chegaram à Universidade, partindo para uma nova vida, de responsabilidade e de sucesso na sociedade em que viviam.

No final do filme, alguns alunos se emocionaram e se decepcionaram pela derrota do Richmond Oilers na final do Torneio Estadual. Segundo eles, “o filme merecia outro final, diante de tudo o que aconteceu”, mas entenderam a proposta e a

Page 145: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

145

intencionalidade do filme para que pudéssemos corrigir alguns problemas durante as aulas de Educação Física.

Ao voltar à quadra nas aulas seguintes, percebemos a diferença durante os jogos de basquete. Primeiro, as divisões das equipes foram mais dinamizadas, sem distinção, sem excluir nenhum colega. Segundo, começaram a enxergar o outro como importante na atividade, como partícipe da prática esportiva nas aulas, cooperando entre si, com gestos solidários, mais passes dentro do jogo e compreendendo a dinâmica de funcionamento do jogo de basquete. Por fim, cientes de que o basquete ou qualquer prática esportiva é uma possibilidade educativa, o cinema é um recurso didático que pode favorecer essa reflexão nas aulas de Educação Física escolar, mais do que no âmbito técnico, com propósitos de convivência humana.

Page 146: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

146

Considerações finais

Depois que exibimos o filme Coach Carter: treino para a vida com os alunos de uma escola particular, percebemos que a Educação Física escolar necessita educar os corpos para que criem novos significados acerca da compreensão do cinema. Nossa intenção foi de desafiar, provocar, problematizar e nos comunicar com os alunos, refletindo sobre questões pedagógicas e sociais, expressas, efetivamente, no que se pode ser observável no filme em questão. Podemos citar o conflito de interesses na relação entre o técnico e os atletas, compromissos e responsabilidades na conjuntura escolar, a prática esportiva como possibilidade educativa do aluno, na escola e na sociedade, e a perspectiva do filme como mediador de novas reflexões e aprendizados.

Discutir a relação professor-aluno, no contexto escolar, suscita novos estudos nessa área, pois a metodologia disciplinar adotada pelo técnico Carter, apesar de questionada inicialmente, acabou sendo flexibilizada no final, devido ao fato de os atletas terem compreendido os seus ideais. No

Page 147: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

147

retorno às aulas práticas de basquete, os alunos refletiram sobre o filme e demonstraram que se identificaram com ele. Assim, passaram a adotar novas posturas. O próprio técnico Carter terminou a última reunião com os atletas dizendo: “Cheguei para formar atletas, acabei formando homens de verdade”. Assim, nossa intenção era de discutir essa relação e sobre como poderíamos minimizar ações indisciplinares nas aulas de Educação Física. Pensamos nesse recurso fílmico por tratar de várias imagens e cenas cotidianas no contexto esportivo escolar, que é do nosso interesse, por se tratar do campo de intervenção e de pesquisa em que atuamos.

O uso do cinema nas aulas de Educação Física favorece novas leituras do movimento, pois a imagem disponibilizada, o roteiro construído e os fenômenos ocorridos podem contribuir para otimizar o entendimento da temática no cotidiano escolar. A exibição desse recurso (filme), nas aulas de Educação Física, focando, principalmente, seus imperativos educacionais, oportuniza um auxílio no processo didático-pedagógico da ação docente, seja ele em caráter lúdico, cognitivo ou cultural.

O cinema tem uma riqueza cultural, intelectual e educativa que deve ser mais abordada e discutida na escola, não numa perspectiva de entretenimento, de complementar conteúdo, mas de se refletir na prática experimentada, no refazer o agir,

Page 148: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

148

no repensar a tomada de decisão nas aulas de Educação Física escolar em prol de uma formação diferenciada, construída e reorganizada a partir da imagem fílmica.

Page 149: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

149

Referências

ANTERIO, D; GOMES-DA-SILVA, P.N. Educação e cinema: reflexões acerca do “cinema atual” e sua aplicabilidade no contexto escolar. In: CARLOS, E.J; VICENTE, D.S.S. (Orgs.) A importância do ato de ver. João Pessoa: Ed. Universitária, 2011.

CABRERA, Júlio. O cinema pensa: uma introdução à Filosofia através dos filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

DUARTE, R. Cinema e educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

FAHEINA, E.F. A; CARLOS. E.J. O uso do filme como estratégia mediadora da prática docente na educação de jovens e adultos. In: CARLOS, E.J; VICENTE, D.S.S. (Orgs.). A importância

do ato de ver. João Pessoa: Ed. Universitária, 2011.

Page 150: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

150

FELIPE, M. A. Cinema e educação: interfaces, conceitos e práticas docentes. Programa de Pós-graduação em Educação – Meios de comunicação e educação – UFRN. 2006. Tese de

Doutorado.

HOLLEBEN, I.M.A.D.S; SAVELI, E.L. Leitura, cinema e educação: interfaces. In: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. O professor PDE

e os desafios da escola pública paranaense, 2007. Curitiba: SEED/PR., 2011. V.1. (CadernosPDE).Disponível em<http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/462-4.pdf>. Acesso em 05 de Março de 2013.

KANAWA, D. Y. S.; OLIVEIRA, R. M. O cinema como

intervenção pedagógica crítica na Educação Física. Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/301-4.pdf>. Acesso em 04 de abril, 2012.

LOUREIRO, R. Educação, cinema e estética: elementos para uma reeducação do olhar. Revista Educação e Realidade, 33 (1): 135-154, Jan/Jun.2008.

Page 151: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

151

PINTO, F. M.; PEREIRA, L. G. A experiência de ver filmes na formação inicial de professores de Educação Física. Revista

Pensar a Prática 8(1): 101-115, jan/jun, 2005.

SILVA, R. P. Cinema e Educação. SP: Cortez, 2007.

SILVA, L.F; MORENO, J.C.A. Basquetebol: lazer na Educação Física Escolar. In: MOREIRA, E.C. (Org.). Educação Física

Escolar: desafios e propostas 2. SP: Fontoura, 2006.

TEIXEIRA, I.A. C; LOPES, J.S.M. (Orgs.) A escola vai ao

cinema. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

Page 152: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.
Page 153: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

153

EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO CONHECIMENTO

UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A PRESENÇA DA IMAGEM NA PROPOSTA PEDAGÓGICA

FREIREANA

Erenildo João Carlos

Pedagogo; Doutor em Educação pela UFC (2005); Mestre em Educação pela UFPB (1998); Especialista em Pesquisa Educacional (1994) e graduado em Pedagogia pela UFPB (1990). Atualmente, foi eleito como Coordenador do PPGE (gestão 2012-2014). [email protected]

Dafiana do Socorro Soares Vicente

Licenciada em Pedagogia pela UFPB, com área de aprofundamento em Educação de Jovens e Adultos (2011). [email protected]

Raquel Rocha Villar de Alcântara

Estudante do Curso de Pedagogia da UFPB, Campus I. Atualmente, é bolsista PIBIC-CNPq. [email protected]

Page 154: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.
Page 155: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

155

Foi na década de 1940 que Paulo Freire defendeu sua tese sobre a Educação e a atualidade brasileira. Isso ocorreu por ocasião do concurso que fez para a cadeira de História e Filosofia da Educação da Escola de Belas-Artes de Pernambuco. Até sua morte, nos anos 90, época em que escreveu o seu último livro, Pedagogia da autonomia, ele produziu uma série de reflexões, escritos e práticas que contribuíram significativamente para o modo como a educação popular no Brasil foi sendo concebida e feita nos últimos 70 anos.

Seu exemplo de vida e seus escritos sobre a Educação e outros assuntos fizeram com que ele se tornasse uma referência nacional e internacional. Um exemplo disso é a Coletânea organizada por Peter McLaren, Peter Leonard e Moacir Gadotti (1998), intitulada Paulo Freire: poder, desejo e memórias da libertação, que agrupou dez artigos sobre Freire e seu legado. No prefácio da edição em língua inglesa, traduzido por Márcia Moraes e presente na referida Coletânea, Freire (Idem, p. XIII) escreveu que, a fim de fazerem uma reflexão sobre as obras dele, visando descobrir “[...] como foi utilizada em diversos contextos educacionais e políticos [...]”, McLaren, Peter Leonard e Moacir Gadotti juntaram um grupo de estudiosos e educadores para tratar de questões para o aperfeiçoamento e o desenvolvimento de

Page 156: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

156

uma pedagogia crítica a favor das “[...] mudanças nas relações sociais, culturais, globais e sexuais”.

Em função do legado que deixou, vivo na memória, na história e no cotidiano dos que fazem educação na sociedade civil organizada, nos movimentos sociais e na escola pública popular brasileira, Freire tem sido reverenciado por diferentes categorias de sujeitos envolvidos com a educação contemporânea, não somente por ter sido o educador que lutou contra o analfabetismo, alfabetizando mediante a concretização e uma proposta inovadora, mas também como filósofo, gestor e militante, dedicado à educação popular, como estratégia político-pedagógica da formação crítica, da organização e da mobilização dos segmentos marginalizados da sociedade, tendo em vista a realização de mudanças em suas condições de vida.

No curso de sua luta pela humanização do homem concreto, Freire deu uma atenção especial à alfabetização de jovens e adultos por acreditar que a universalização do acesso, da apropriação e do uso da palavra falada e escrita seria uma das condições necessárias ao exercício pleno da cidadania. Por isso, ao discutir sobre a questão da Educação, em geral, ou da alfabetização, em particular, Freire percorreu uma linha de reflexão que assinalou uma compreensão da relação entre

Page 157: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

157

linguagem, conhecimento e realidade. Ao problematizar o mundo pela mediação da palavra ou vice-versa, ele erigiu esse procedimento em princípio filosófico, político e pedagógico.

Nesse contexto, a linguagem, geralmente vista a partir do signo da escrita, foi descrita como mediadora da construção do conhecimento sobre a realidade, sobre o mundo. Seu compromisso existencial com a questão fez com que se dedicasse à investigação, à elaboração, à proposição e à gestão de processos pedagógicos concretos que contribuíssem efetivamente para o exercício de uma prática educativa consequente, pautada num ato docente e discente centrado na apropriação crítica e criativa da escrita e do conhecimento e visto como estratégia na formação da consciência e da conduta sociopolítica dos educandos. Tal modo de posicionar a escrita e, consequentemente, o processo de alfabetização, foi expresso e sintetizado na assertiva contida em seu livro, “A importância do ato de ler” (1987, p. 11-12), que afirma a leitura do contexto como pressuposto básico para a leitura do texto.

Embora Freire valorasse a questão do ato de ler e de escrever, isso não significava, em última análise, que ele não tivesse recorrido a outras formas de linguagem, a exemplo da imagética, para aguçar simultaneamente a leitura do mundo e da própria

Page 158: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

158

palavra. Prova disso se encontra nos escritos que registram sua filosofia e prática pedagógica alfabetizadora, construída no chão de suas experiências educativas com jovens, adultos e idosos analfabetos6.

Se reconhecermos como válido o pressuposto de que Freire utilizara o signo imagético, mesmo considerando o signo escrito como objeto central de suas preocupações, podemos também depreender como válida a hipótese de que ele tenha um modo de entender a problemática da imagem na sociedade da escrita, de concebê-la, de usá-la, política e pedagogicamente, na alfabetização de jovens e adultos e na educação popular.

Embora a história brasileira tenha sido fundada sob o signo da ‘civilização da palavra’, seja ela falada ou escrita, o fato é que a imagem resiste, fazendo-se presente como uma das formas de linguagem mediadora da sociabilidade do povo brasileiro. Esse fato se acentua na história presente do país. De um país conectado com a cultura midiática, baseada na hegemonia da imagem. Nesse contexto, consideramos que, ao escavar os escritos freireanos, pudemos entender um pouco

6 No Apêndice do livro Educação como prática de liberdade (1967), Freire registrou dez imagens que foram utilizadas para discutir a temática cultura.

Page 159: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

159

mais sobre o uso estratégico da imagem no desenvolvimento da pedagogia crítica da educação popular.

A relevância do estudo se deve a, pelo menos, três razões: em primeiro lugar, ele permitirá conhecermos mais uma das dimensões do legado freireano, conferindo visibilidade ao modo como entendia e operava com a imagem. Em segundo lugar, poderá apontar uma série de alternativas para o emprego da imagem na feitura de textos e livros didáticos voltados para a educação e à alfabetização de jovens e adultos. Em terceiro lugar, a análise poderá nos ajudar a entender as contribuições de Freire na constituição da matriz filosófica e pedagógica que orienta o uso da imagem na prática educativa popular de diferentes tipos de sujeitos que atuam em diversos lugares: ONGs, movimentos sociais, igrejas, sindicatos, partidos políticos, escolas do ensino básico, universidades, associações de bairros, secretarias de educação etc.

Considerando o objetivo geral da pesquisa, que consiste em analisar o uso estratégico da imagem na educação popular, a partir da proposta pedagógica freireana, fixamos os seguintes objetivos específicos: 1. Conhecer quais são os escritos freireanos, publicados no Brasil, entre os anos de 1940 e 1990; 2. Situar, nesses escritos, sua proposta pedagógica; 3. Conhecer a noção de imagem empregada por

Page 160: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

160

Freire em sua proposta pedagógica; 4. Saber quais os textos didáticos utilizados por Freire na Alfabetização de Jovens e Adultos; 5. Compreender a estratégia do uso pedagógico da imagem contida nos textos didáticos utilizados. 6. Refletir sobre as estratégias político-pedagógicas do uso da imagem na educação popular.

Ao longo dos trabalhos, realizamos os seguintes procedimentos: 1. Fazer um levantamento dos escritos freireanos, publicados no Brasil na década de 1940 a 1990 (Ver anexo I); 2. Localizar, no universo de sua produção, os escritos que sistematizam a sua proposta pedagógica (Ver anexo II); 3. Identificar e descrever a noção de imagem empregada por Freire em seus escritos pedagógicos; 4. Fazer um levantamento dos textos didáticos utilizados por Freire na alfabetização de jovens e adultos; 5. Analisar o uso pedagógico da imagem nos textos didáticos utilizados na alfabetização de jovens e adultos; 6. Elaborar os relatórios sobre as atividades realizadas.

Page 161: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

161

Perspectiva metodológica

Ressaltamos, inicialmente, que o objeto de nossa pesquisa é o uso estratégico da imagem na educação popular. Compreendemos esse objeto a partir da investigação dos escritos de Paulo Freire sobre a educação, uma vez que, conforme explicitamos na introdução, seu legado figura como um parâmetro filosófico e pedagógico da educação popular e da educação de jovens e adultos no Brasil. Nesse sentido, algumas perguntas nos ajudaram nesse trajeto: Como Paulo Freire entendia a questão da imagem na educação? Como a imagem era descrita, pensada e utilizada por ele? Enfim, que estratégias Paulo Freire sugeriu para o uso da imagem na educação popular?

A fim de entendermos o modo como Paulo Freire posicionava, descrevia e trabalhava com a imagem na educação, mais precisamente na alfabetização de jovens e adultos, adotamos o dispositivo de Análise do Discurso foucaultiano ou, mais precisamente, com a Análise Arqueológica do Discurso. Para Foucault (2000), a arqueologia busca

Page 162: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

162

definir não os pensamentos, as representações, as imagens, os temas e as obsessões que ocultam ou se expressam dos discursos, mas sim, os próprios discursos, como práticas que obedecem a regras, como um conjunto de sequências de signos na forma de enunciados, o que lhes permite atribuir modalidades particulares de existência ou, ainda, como conjunto de enunciados que se apoiam em um mesmo sistema de formação (FOUCAULT, 2000, p.124). Na análise da formação discursiva sobre a educação de adultos, será vista como uma análise que visa, no final das contas, operar, o mais aproximadamente possível, uma descrição dos enunciados e das regras de sua produção.

A partir dos estudos de Foucault, compreendemos que o sujeito deixa de ser um indivíduo e passa a ser uma posição assumida no discurso ou enunciado correlacionado a algo específico. Logo, um dos objetivos centrais da AAD é identificar as regras de funcionamento ou regularidades de determinado enunciado. Ainda segundo Foucault (Idem), o enunciado não se limita e não obedece a uma proposição nem à frase, pois não é necessário nem uma proposição, nem uma frase para a existência de um enunciado. Também não se limita ao ato de fala, devido a não ser um enunciado. Nesse caso, é necessário mais que um enunciado para se efetuar um

Page 163: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

163

ato de fala. Não se trata de interpretação nem da quantidade de enunciados que encontramos uma vez lá o enunciado, significa um acontecimento. Ele está em tabelas, em textos, em imagens etc. Todo enunciado exige um correlato que deve estar correlacionado a algum campo. ‘Todo enunciado enuncia um sujeito’. Nesse caso, o sujeito tem que ser compreendido como posição a ser assumida pelo indivíduo, diante de determinada ordem discursiva.

Por fim, o discurso é entendido como uma série de signos que existem como enunciado. Mas o enunciado não se limita ao signo, nem todo signo é um enunciado. Um conjunto de letras escritas aleatoriamente também pode ser um enunciado, contanto que tenha um significado, mas uma série de signos só será enunciado se tiver relação com outra coisa que se refira a ela mesma e não tenha relação com sua causa ou com seus elementos. O signo só existe no campo da linguagem. Em suma, o discurso é entendido como uma série de signos que existem como uma série de enunciados que, juntos, integram-se em uma rede discursiva e forjam certo modo de pensar e dizer uma questão específica.

Para efetuar o estudo do objeto escolhido, responder às perguntas que elaboramos e atingir os objetivos gerais e específicos estabelecidos, empregamos algumas

Page 164: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

164

categorias de análise. Cabe, aqui, indicá-las, pelo menos, resumidamente, a fim de delimitar o campo analítico no qual nos movimentamos no decorrer desta pesquisa. Esquematicamente, elas são as seguintes: (a) Educação - um complexo social constituído por um conjunto de atividades de caráter intencional, deliberado e sistemático, realizada em determinados espaços, visando atuar sobre a consciência e a conduta do indivíduo a partir de determinadas perspectivas; (b) Educação de Jovens e Adultos: uma modalidade educativa destinada a adolescentes, a jovens e a adultos das camadas populares; (c) Discurso - um número limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de condições de existência (FOUCAULT, 2000, p.135); (d) Prática discursiva - conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em dada época e para determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa (FOUCAULT, 2000, p.136); (e) Formação discursiva - conjunto de regras para uma prática discursiva, como um feixe complexo de relações que funcionam como regra; que prescreve o que deve ser correlacionado em uma prática, para que ela se refira a tal ou qual objeto, para que

Page 165: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

165

empregue tal ou qual enunciado, utilize tal ou qual conceito e organize tal ou qual estratégia.

Em face do entendimento de que o discurso não opera em um vazio existencial e histórico, selecionamos certas fontes que, no caso, são constituídas por alguns escritos de Paulo Freire, e que, por isso mesmo, são documentos,7 ou seja, textos relevantes, que registram seu pensar e fazer pedagógico. Essa decisão se sustenta na compreensão de que o documento, como registro escrito, configura-se como um dos lugares possíveis de presença efetiva dos discursos, sobretudo em se tratando de sociedade como a nossa, que faz da escrita o signo fundamental da memória individual e social dos homens.

Na óptica da análise que empreendemos, o texto-fonte não se apresenta tão somente como um documento, mas também como uma peça de discurso, um artefato do discurso onde o discurso inscreve suas marcas, suas regras, na feitura mesma do itinerário gráfico da escrita, das construções frasais, dos argumentos, dos raciocínios e dos juízos desencadeados, da

7 Segundo Ludke e André (1986), a ideia de documento implica a existência de múltiplos materiais escritos, que podem servir de fontes de informações diversas sobre questões diversas. Vale lembrar que os documentos, entre outros escritos, incluem desde leis e regulamentos, normas, pareceres, cartas, memorandos, diários pessoais, autobiografias, jornais, revistas, discursos, roteiros de programas de rádio e televisão até livros, estatísticas e arquivos escolares.

Page 166: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

166

assinalação dos temas, dos objetos e dos enunciados tratados no contexto do texto.

Como se vê, a investigação que empreendemos foi identificada como de natureza qualitativa, conforme ressaltam Lakatos (2006), Ludke (1986), Weber e Salete Farias (2008). Nesse sentido, Ludke (1986, p. 11-13), citando Bordan e Biklen, refere:

1. A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento; 2. Os dados coletados são predominantemente descritivos; 3. A preocupação com o processo é muito maior do que com o produto; 4. O “significado” que as pessoas dão às coisas e à sua vida são focos de atenção especial pelo pesquisador; 5. A análise dos dados tende a seguir um processo indutivo.

Em suma, no decorrer da pesquisa, empreendemos o esforço de adentrar, ao máximo, a ordem discursiva utilizada por Paulo Freire em suas propostas pedagógicas. Esse exercício da Análise Arqueológica do Discurso, com base nos estudos de

Page 167: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

167

Foucault (2008), permitiu-nos compreender e explicar a presença da imagem como forma de mediar o conhecimento na educação popular, a partir dos escritos freireanos.

Alguns achados e discussões

Inicialmente, vale a pena anunciar que os textos-fonte, ou documentos investigados, foram Educação e atualidade brasileira (2003), Educação como prática da liberdade (1967), Pedagogia do oprimido (1980), Ação cultural para a liberdade e outros escritos (1982), Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo (1978) e Extensão ou comunicação? (1983). A leitura e o exame gradativo dos textos-fonte foram propiciando a identificação de uma série de enunciados, materializados em várias afirmações, assertivas, frases e argumentos, que indicam um modo de pensar, de

Page 168: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

168

dizer e de fazer a educação, característicos da formulação pedagógica concebida, proposta e realizada por Paulo Freire. Foi em função dessas peças de discurso que construímos a apresentação e a discussão dos resultados de nossa pesquisa.

Em segundo lugar, a leitura preliminar dos textos-fonte da pesquisa investigados foi, gradativamente, apontando para o fato de que o entendimento do uso da imagem, na proposta pedagógica freireana, exigia um duplo esforço: de um lado, de analisar o uso da imagem na especificidade do cerne da proposta formulada e realizada; de outro, de situá-lo no horizonte da concepção que sustentava a proposta pedagógica freireana, cujos pilares fundamentais encontrados foram três: o ético, o político e o epistêmico.

Em terceiro lugar, os textos analisados empregam várias expressões para nomear sua proposta, como, por exemplo, ‘pedagogia da comunicação’, ‘pedagogia dialógica’, ‘pedagogia problematizadora’ e ‘pedagogia do oprimido’. Embora esse fato tenha sido identificado, resolvemos manter a expressão empregada no Projeto de Pesquisa - Proposta Pedagógica Freireana (PPF).

Em quarto lugar, não obstante tenhamos identificado em cada um, a seu modo, a presença enunciativa da problemática da imagem nos vários escritos analisados, salientamos que o livro ‘Educação como prática da liberdade’ é o documento-fonte que

Page 169: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

169

melhor representa, do ponto de vista visual, o uso estratégico da imagem na PPF.

Em quinto lugar, considerando que a investigação e a apresentação dos resultados da pesquisa nem sempre seguem a mesma ordem e lógica, pareceu-nos pertinente organizar a apresentação e a discussão dos nossos achados com base em três pontos: os pilares da PPF, a especificidade da PPF e o uso pedagógico da imagem na PPF.

Pilares da PPF

A ordem do discurso pedagógico freireano mobiliza uma série de enunciados que designamos, aqui, de ético, político e epistêmico. Esses enunciados aparecem como pilares da concepção e da formulação da PPF. Nesse sentido, identificá-los, analisá-los e entendê-los é fundamental para se descrever

Page 170: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

170

e compreender, de forma cabal, o uso da imagem na PPF. Aprofundemos a discussão em torno de cada um deles.

O pilar ético

O enunciado ético diz respeito à visão do indivíduo como ser humano e ao processo de sua humanização. Como ser histórico e cultural, o homem é um ser inacabado, inconcluso, um vir a ser-mais. Ser-mais é uma necessidade ontológica de qualquer ser humano. Visto dessa forma, uma das tarefas da Educação seria a de colaborar com o desenvolvimento do indivíduo, em seu processo histórico e cultural de humanização. Em suma, o pilar ético é constituído por uma série de elementos que sustentam a dimensão ética da proposta pedagógica freireana.

O primeiro elemento descrito é a autonomia, isto é, sujeitos considerados como autores de seu processo de transformação histórica. Esse processo, como assinala Freire (1980, p. 31),

Page 171: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

171

caminha em direção à “[...] grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – liberta-se a si e aos opressores”. Seria, melhor dizendo, sua humanização, a inserção dos sujeitos em sua problemática, para que assumam a tarefa de se posicionar frente às ameaças que possam surgir, sejam elas sociais, políticas ou econômicas. Entende-se, por fim, que as relações dos homens devem ser de sujeitos, e não, de meros objetos, como seres conscientes de sua transitividade, que deve ser, sempre que possível, criticamente utilizada.

A criticidade é outro elemento que sustenta a dimensão ética da Proposta Pedagógica Freireana, que interpela os atores do processo educativo a praticarem o dialogo constantemente. Esse processo crítico, de problematização, possibilita a compreensão da realidade. A captação crítica das temáticas discutidas retira os indivíduos da mera posição de espectadores do processo. A posição a ser assumida é de responsabilidade social e política. Em suma, a dimensão crítica do pilar ético busca a superação do desamor acrítico próprio do antidiálogo.

Em antagonismo ao antidiálogo, característico da posição acrítica, o diálogo é outro elemento que sustenta o pilar ético. Nessa perspectiva, em Freire (1980, p. 160), o diálogo está relacionado ao “[...] encontro dos homens para

Page 172: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

172

a ‘pronuncia’ do mundo [...]”. Trata-se de um modo ético de relação entre os sujeitos. À medida que realiza o processo cultural de libertação, promove a comunicação entre os homens e nega o mutismo que permeou historicamente a cultura do homem brasileiro.

A cultura, como mais um sustentáculo do pilar ético, é entendida como resultado da ação humana. Elementos de uma sociedade reflexa, como escravismo, elitismo, alienação, exploração econômica, negação da democracia e dependência do mandonismo, estão relacionados às ações do homem frente ao mundo. Porém, não se trata de uma relação fechada em si mesma, uma vez que se admitem as possibilidades de o homem ter a capacidade de criar, recriar e decidir a realidade histórica. Logo, sempre há possibilidades de se construir um novo clima cultural, e um desses caminhos enfatizados por Freire (2003, p. 81) é a “[...] ação cultural para a libertação”.

A educação voltada para a libertação, como mais um correlato do enunciado ético, está atrelada à humanização do homem, que deve ser entendido na posição de sujeito, e não, de mero objeto da ação alienante do outro. Como o próprio Freire (1982, p. 88) ressalta, “não há [...] humanização na opressão, assim como não pode haver desumanização na verdadeira libertação”.

Page 173: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

173

O trabalho constitui-se como um modo de libertação do homem, que tem um grande espírito criador, e deve partir de uma educação para o desenvolvimento de um ser de relações. Alinha-se à ideia de transformação, logo, uma maneira de mudar o mundo, em função da promoção humana.

A transformação, por sua vez, como mais um ponto constituinte do pilar ético, relaciona-se ao trabalho como ação humana, direcionado à mudança e à libertação. O ato de transformar é um fenômeno humano, historicamente situado na busca pela superação das injustiças. Partindo da consciência e de uma percepção crítica, os homens deixam de ser objetos da transformação e se tornam sujeitos da própria transformação.

A práxis é a ação transformadora consciente da realidade. A consciência da ação em si mesma nega os métodos dominantes e constrói uma estrutura social que possibilite a libertação. Um dos caminhos para isso é fazer da democracia uma forma de vida. Em última análise, o objeto, por excelência, da práxis humana é a própria realidade que constitui os sujeitos que a transformarão.

A realidade está ligada a esse novo ser de relações mencionado, que não está apenas no mundo, mas também com o mundo. O homem deixa de ser alguém que meramente

Page 174: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

174

capta os dados objetivos dessa realidade dominadora e instrumental e passa a interferir nela, modificando as relações de poder que a constituem.

Um dos aspectos constituintes da realidade é a divisão da sociedade em classes sociais. A crítica à divisão social é mais um elemento constituinte do pilar ético da Proposta Pedagógica Freireana. Tal elemento entende a luta de classes como um ponto crucial para a superação das desigualdades. Uma relação antagônica de dominantes e dominados, que pressupõe o exercício de um poder desumanizante pelas classes dominantes. Uma das estratégias desse exercício de poder é a alienação cultural frente a uma sociedade reflexa, além do silenciamento das classes populares. O analfabetismo articula-se a esse silenciamento, marginalizando e oprimindo os sujeitos, e está intrinsecamente relacionado à educação, quando diz respeito à necessidade histórica, que passa a ser humana, em aprender a ler e a escrever. A educação, como afirma Paulo Freire (1967, p. 106), tem que estar “identificada com as condições de nossa realidade. Realmente instrumental, porque integrada ao nosso tempo e ao nosso espaço e levando o homem a refletir sobre sua ontológica vocação de ser sujeito”. Enfim, trata-se de ser o agente de sua aprendizagem e de sua realidade. Essa aprendizagem

Page 175: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

175

deve ser crítica, com o intuito de desenvolver no homem um ato de criação capaz de desenvolver outros atos.

Os valores constituem mais uma forma de sustentação do pilar ético, visto que estão ligados a uma forma de ser dos sujeitos, compostos por determinados comportamentos e atitudes de plenificação e superação dos valores, como, por exemplo, aprender a ler e a escrever, tornando-se um valor social. Em uma de suas experiências, Freire (1967, p. 112) relata: “‘Quero aprender a ler e a escrever’, disse uma analfabeta do Recife, ‘para deixar de ser sombra dos outros.’ E um homem de Florianópolis, revelando o processo de emersão do povo, característico da transição brasileira: ‘O povo tem resposta’. Outro, em tom magoado: ‘Não tenho ‘paixão’ de ser pobre, mas de não saber ler’”.

A subjetividade humana está relacionada aos valores encarnados através de mitos e anseios que os rodeiam. Freire (1967) assinala que as forças domesticadoras utilizam a propaganda que, com sua grande arte de “dissociar ideias”, é um instrumento usado pelos poderosos para imporem o medo e o respeito, visto que nela se emprega uma linguagem simplificada para alienar o povo, forjando certo modo de subjetividade. Apesar disso, ainda há um ímpeto de participação e de amor desses sujeitos, para que tenham forças para lutar. Partindo

Page 176: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

176

de uma comunicação coletiva, aprendem a realizar em equipe o viável, e cada vez mais corretamente, não mais, “fazendo comunicados”, mas comunicando.

O contexto fecha esse conjunto de elementos constituintes do pilar ético. Freire (1967, p. 67) assegura que o contexto que envolveu “[...] nossa colonização foi, sobretudo, uma empreitada comercial. Os nossos colonizadores não tiveram — e dificilmente poderiam ter tido — intenção de criar, na terra descoberta, uma civilização. Interessava-lhes a exploração comercial da terra”. Esse contexto articula-se à criação de determinadas condições culturais do homem brasileiro, que dificultava uma predisposição ao diálogo, participação e engajamento político. Porém, não se trata de um contexto fatalístico se considerarmos as condições ontológicas humanas de “ser mais”. Nesse sentido, é possível operar a superação de tal contexto à medida que se propõe o diálogo crítico acerca das contradições que “os velhos e os novos temas” (colonização, mandonismo, poder imperial, democracia, participação política e direitos políticos) provocavam na vida do homem brasileiro. Predomina, aqui, a série enunciativa constituída pelas palavras-chave: história, cultura e humanização.

Page 177: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

177

O pilar político

O enunciado político é constituído por três correlatos enunciativos: o primeiro se refere à organização e à gestão política do Estado e ao governo do indivíduo e da sociedade; o segundo diz respeito à valorização da história e da cultura das classes populares; o terceiro relaciona-se à opção pela libertação sociopolítica dos indivíduos, dos grupos e das classes dominados. Nesse sentido, a tarefa da prática educativa é de ser coadjuvante no processo de politização do indivíduo e da sociedade, na perspectiva de libertar a dominação dos oprimidos.

Nessa ordem enunciativa, a cultura, igualmente como a história, é entendida como um domínio exclusivo do homem. Sua atuação não lhe permite ser um simples espectador da realidade, mas alguém que interfere para modificar, em direção à democratização das relações. Culturalmente, os seres humanos são capazes de transformar a realidade, independentemente da situação histórica e de sua consciência. Freire (1980. p. 30) diz que “humanização e desumanização, dentro da história, num contexto real,

Page 178: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

178

concreto, objetivo, são possibilidades dos homens como sêres (sic) inconclusos e conscientes de sua inconclusão”.

A consciência é um processo necessário ao ser humano. Sua utilização de forma crítica é uma forma de levar o povo a participar mais do poder que, nesse caso, passa a ser uma ameaça às elites dominantes. A democratização, como forma de vida, é caracterizada pela transitividade de consciência do homem. A alfabetização de adultos, para Freire (1977), é um dos caminhos para o início da conscientização, numa perspectiva libertadora como um ato criador, que possibilite uma discussão corajosa diante de seus problemas, que os ponha, em constantes revisões, a uma análise crítica de seus achados. Por fim, “a tomada de consciência, como uma operação própria do homem, resulta [...] de sua defrontação com o mundo, com a realidade concreta, que se lhe torna presente como uma objetivação” (FREIRE, 1983. p. 52).

O signo realidade também é mais um elemento que constitui o pilar político da proposta pedagógica freireana e deve ser objeto de constante interferência e ação consciente dos sujeitos, não um simples dado a se observar. Mas Freire (1980, p. 108) já dizia que, “através de sua permanente ação transformadora da realidade objetiva, os homens, simultâneamente (sic), criam a história e se fazem sêres (sic) histórico-sociais”. Em suma, a

Page 179: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

179

leitura crítica da realidade contribui com as classes populares na direção de uma ação organizada, uma práxis.

A criticidade opera de modo radical para o desvelamento das contradições que manipulam e impõem determinados mitos, reduzindo o povo a massa. A captação crítica do desafio em torno da ação transformadora contribui para a saída dos sujeitos que se encontram imersos nos mitos daquela ideologia. A alfabetização articula-se a esse processo como um esforço crítico para o engajamento político.

A captação crítica do contexto, ao qual as classes populares estão submetidas, é indispensável, pois “[...] nenhuma prática educativa se dá no ar, mas num contexto concreto, histórico, social, cultural, econômico, político, não necessariamente idêntico a outro contexto” (FREIRE, 1982. p.17). Esse contexto, marcado pelo tempo de mandonismo, em uma sociedade fechada, escravocrata, antidemocrática, sem povo, reflexa, dependente e inexperiente, marginaliza os sujeitos.

A partir do entendimento de que é preciso captar, de forma crítica, o contexto, os homens se apropriam do conhecimento da realidade concreta e assumem o papel de sujeitos conhecedores do mundo. Não se trata mais de um homem esmagado, acomodado, manipulado, diminuído, comandado pelo poder dos mitos, em suma, analfabeto

Page 180: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

180

politicamente, mas de um homem que interfere, que conhece a realidade para agir nela, que supera a prática educativa como pura transferência de um conhecimento e passa a ser uma ação cultural para a libertação. Como afirma Freire (1982. p. 11), “[...] o ato de estudar, no fundo, é uma atitude em frente ao mundo”. Portanto, o conhecimento é mais um elemento constituinte do pilar político da proposta pedagógica freireana.

A luta de classes aparece nessa ordem discursiva como uma das vias e instrumentos da saída da posição de meros objetos desses sujeitos. A luta pela libertação das forças produtivas é o grande foco desse elemento, não uma libertação que apenas signifique a consolidação de uma vitória, mas que concretize um modelo da sociedade. Uma “libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela” (FREIRE, 1980. p. 32).

Interligadas à luta de classes, estão as classes sociais, como elementos que constituem a existência dessa primeira. De um lado, as classes dominantes, veiculadoras de mitos; de outro, a existência das classes dominadas, com um modo de ser determinado pelos mitos veiculados pelas classes dominantes. Trata-se de uma classe social explorada e dependente, com uma

Page 181: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

181

necessidade constante de lutar por sua libertação. Um caminho é a superação do silêncio e de sua transitividade ingênua, partindo de organizações revolucionárias que acabam com as estruturas de opressão.

A questão do sujeito que explora, oprime e domina está intrinsecamente relacionada ao poder que esses sujeitos exercem, como Freire (1967. p. 74) menciona: “[...] um quase gosto masoquista de ficar sob ele a que correspondia outro, o de ser o todo-poderoso”. Ou seja, um homem esmagado pelos grandes poderosos, sem quase nenhuma interferência na construção e na organização da vida comum. Palavras-chave: Democracia – autogoverno – libertação.

O pilar epistemológico

O enunciado epistemológico situa e descreve o indivíduo como um sujeito produtor de conhecimentos. O desenvolvimento ontogenético e filogenético deve alinhar o indivíduo, os grupos

Page 182: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

182

sociais e as sociedades humanas ao patamar de sujeitos criativos e críticos. A relação epistemológica estabelecida entre os indivíduos com o mundo transforma-o em objeto cognoscível, e os indivíduos, em sujeitos cognoscentes.

Nesse sentido, a prática educativa tem a tarefa de propiciar a passagem da consciência transitiva ingênua para a consciência transitiva crítica, ampliando o conhecimento do mundo e potencializando a transformação da realidade. Em suma, o conhecimento é o elemento de mediação entre o sujeito e a realidade. O pilar epistemológico está constituído por uma série de elementos que buscamos descrever ao longo deste tópico.

O processo de ensino-aprendizagem, primeiro elemento a ser discutido, é compreendido como uma unidade dialética entre ensinar e aprender, ou seja, “[...] quem é chamado a ensinar algo deve aprender primeiro, para, em seguida, começando a ensinar, continua a aprender” (FREIRE, 1977. p. 16).

Em uma perspectiva dialética, a prática educativa não se constitui como um simples verbalismo, mas como uma reflexão crítica sobre a ação. O ato de conhecer deve partir da realidade concreta daqueles sujeitos em questão. Em síntese, não se trata de um trabalho intelectualista, mas da práxis ação e reflexão, pois, “[...] se não superarmos a prática da

Page 183: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

183

educação como pura transferência de um conhecimento que somente descreve a realidade, bloquearemos a emergência da consciência crítica, reforçando assim o ‘analfabetismo político” (FREIRE, 1982. p. 92).

A alfabetização, outro elemento constituinte do pilar epistemológico da Proposta Pedagógica Freireana, é uma tomada de consciência do processo de nossa realidade. Não se trata de uma educação verbosa, palavresca e sonora. O trabalho de alfabetização tem como objetivo debater o conceito de cultura como aquisição sistemática de conhecimentos, como uma força de transformação do mundo.

A cultura tem correlações com uma série de mitos veiculados pelas classes dominantes, que trazem um modo de pensar alienado e alienante. Essa realidade vem sendo transformada a partir do trabalho que, por ser um produto do esforço dos próprios sujeitos, passa a ser um objeto cultural. A ação cultural para a libertação ganha um novo sentido e um novo significado criador e recriador desse trabalho. Freire (1967. p. 142) afirma que, nos Círculos de Cultura, sempre que possível, debatia-se “[...] a cultura como aquisição sistemática de conhecimentos e também a democratização da cultura, dentro do quadro geral da ‘democratização fundamental’, que caracterizava o processo

Page 184: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

184

brasileiro”. Não se deve esquecer que os Círculos de Cultura tinham um sentido dinâmico e uma força criadora do diálogo e do aclaramento das consciências.

A consciência também faz parte do conjunto de elementos que constituem o pilar epistemológico da Proposta Pedagógica Freireana. Seu ponto central é a prática educativa libertadora, que Freire (1982) chamava de “arqueologia da consciência”. Não uma prática educativa ou uma alfabetização que fosse apenas uma transferência de determinado conhecimento, que apenas descrevesse a realidade, pois assim se estaria reforçando o analfabeto político. Seria uma prática educativa que proporcionasse àqueles sujeitos a consciência de si mesmos e que implicaria o conhecimento das coisas e da realidade concreta em que se encontram. A captação e a participação das tarefas do seu tempo possibilitam a saída da consciência ingênua para a consciência transitivo-crítica, mas não ainda uma conscientização. Se forem cada vez mais conscientes de sua transitividade, atuando, refletindo, dialogando e saindo da consciência mágica, esses sujeitos passam a ter coragem para lutar contra a força dominante e opressora.

A ideologia dominante é que esconde a capacidade de se perceber a realidade daqueles sujeitos dominados, que

Page 185: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

185

se encontram imersos em seus mitos. O “[...] processo de organização das classes dominadas é possibilitar a essas a compreensão crítica da verdade de sua realidade” (FREIRE, 1982. p. 81). Seria uma denúncia dos mitos veiculados pelas classes dominantes, a partir de uma pedagogia revolucionária que possibilitaria a constituição de uma consciência de classe entre os oprimidos, ou seja, a ação cultural para a libertação. À medida que a dualidade entre opressores e oprimidos faz do conhecimento objeto de lutas e, ao mesmo tempo, a própria contradição como objeto a ser conhecido, a classe social torna-se mais um elemento constituinte do pilar epistemológico.

A criticidade articula-se à superação da prática educativa como pura transferência de conhecimento, à proporção que toma como parâmetro de sua ação de cognoscibilidade a captação que faz dos dados objetivos da realidade. A formação do sujeito crítico e reflexivo passa, necessariamente, pelo relacionamento com a realidade em sua própria complexidade. Uma atitude de simples ajustamento, acomodação não os ajuda a conhecer a realidade e interferir nela. A atitude crítica busca a superar uma educação antidialógica, que impõe ao homem o mutismo.

O diálogo constitui o pilar epistemológico porque nega a “educação bancária”, quebrando o “silêncio espontaneísta”.

Page 186: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

186

Por meio do diálogo, surge uma união entre educador e educando no ato de conhecer a realidade. Na alfabetização para uma ação cultural que seja de libertação, os educandos passam a assumir um papel de sujeitos cognoscentes em diálogo com o educador. Trata-se de uma desmitologização da realidade. Por fim, “a relação dialógica é o selo do ato cognoscitivo, em que o objeto cognoscível, mediatizando os sujeitos cognoscentes, entrega-se a seu desvelamento crítico” (FREIRE, 1982. p. 143).

O ato de dialogar criticamente sobre a realidade na qual estão imersos lhes proporciona uma consciência crítica sobre a cultura de classes diversificadas, antidialéticas e verbalistas. Uma alfabetização que proporcione tal entendimento faz com que conheçam a si mesmos. É o que se chama de autorreconhecimento. Assim, assumem uma postura de sujeitos, não mais de objetos. Freire (1967, p. 109) relembra uma de suas experiências quando, ao discutir sobre o conceito de cultura, um gari da Prefeitura de Brasília disse: “‘Vou entrar no meu trabalho de cabeça para cima’. […] ‘Sei agora que sou culto’, afirmou enfaticamente um idoso camponês. E ao se lhe perguntar por que se sabia, agora, culto, respondeu: [...]: ‘Porque trabalho e trabalhando transformo o mundo’”.

Page 187: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

187

Nesses casos, o processo educativo dialógico operou uma situação de autoconhecimento entre esses sujeitos.

O trabalho, mais um elemento constituinte do pilar epistemológico da Proposta Pedagógica Freireana, surge com um significado criador e recriador. Nessa perspectiva, ganha um novo sentido na ação desses sujeitos, pois descobrem o valor do produto de seu esforço. Assinala Freire (1982, p. 21) que “[...] o fato de trabalhar lhes proporciona certo conhecimento, não importa se são analfabetos” ou doutores. Nesse caso, o trabalho, em sua dimensão humanizante, é uma forma de mediação entre os sujeitos e o conhecimento da realidade.

Há que se ressaltar que não é o nível de escolaridade que determina a circulação de saberes no meio dos sujeitos. Como relembra Freire (1982, p. 21), “[...] entre os seres humanos não há absolutização da ignorância nem do saber. Ninguém sabe tudo; ninguém ignora tudo”. Para que ocorra uma ação transformadora, o conhecimento não pode ser dado nem pode haver uma separação da realidade no aprendizado da leitura e da escrita, porquanto o ato de estudar é uma atitude frente ao mundo, é a compreensão da significação profunda da palavra.

Page 188: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

188

O exercício da atitude crítica em torno do objeto não se trata de uma estratégia retórica do educador em relação ao objeto a ser conhecido, mas da relação entre educador e educando mediatizados pelo objeto. A análise da prática no contexto social é indispensável. O novo conhecimento deve estar sempre correlacionado com o conhecimento anterior e ter a devida compreensão da relação dialética entre o contexto concreto e o contexto teórico. Freire (1982, p. 135) faz uma breve explicação muito significativa sobre isso: “No ‘contexto concreto’, somos sujeitos e objetos em relação dialética com o objeto; no ‘contexto teórico’, assumimos o papel de sujeitos cognoscentes da relação sujeito-objeto que se dá no ‘contexto concreto’ para, voltando a ele, melhor atuar como sujeitos em relação ao objeto”.

A análise dos problemas nacionais e regionais deve fazer parte da “rebelião popular” constituinte da transitividade da consciência, e dela devem fazer parte as chamadas influências renovadoras que, para Freire (1967), seriam, nesse caso, o rádio, o cinema, a televisão, o caminhão, o avião e outros, que constituem a historicidade, mais um elemento do pilar epistemológico.

A subjetividade, último elemento desse pilar, faz uma crítica a essa força domesticadora da propaganda e entende a realidade

Page 189: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

189

concreta como uma unidade dialética entre subjetividade e objetividade, tornando-se uma unidade no ato de conhecer: sujeito – conhecimento – realidade.

A especificidade da proposta pedagógica freireana (PPF)

Em sua ordem discursiva pedagógica, além de propor uma prática educativa orientada pelos pilares anunciados anteriormente, Freire acolhe uma série de outros elementos correlacionados a eles, que instrumentalizam e definem o modo como concebe e formula sua pedagogia. Identificar, descrever e analisar esses aspectos constitutivos da PPF, evidentemente, é necessário para se explicar e entender a problemática do uso que ele faz da imagem em seu contexto.

Page 190: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

190

Freire (1967) apresenta duas categorias fundamentais, que ajudam a nos situarmos em seu pensamento na especificidade de sua proposta pedagógica: contato e relação. O contato, como categoria, remete à ideia de reflexividade, ou seja, um espelho só reflete aquilo que está ao seu alcance, não interage ou dialoga, apenas reproduz aquilo que vê, independentemente do que está diante dele. Em suma, nesse nível de consciência, não há possibilidade de sínteses, apenas de repetição do que se vê.

Para Freire (Ibidem), os seres de contato apenas veem o hoje, o agora, ou seja, são destemporalizados. Os animais, por exemplo, não conseguem pensar no amanhã ou no ontem, apenas no hoje. Nessa ótica, tais seres não conseguem transitar pelo tempo, portanto, estão imersos em um tempo unidimensional. Muitos animais apenas se adaptam às coisas impostas a eles - ao clima, aos tipos de alimento ou à vegetação. Modificam sua cor de penugem, tamanho, ou qualquer outra característica. Os seres de contato ajustam-se e acomodam-se à vida e às condições que os rodeiam.

A borboleta estaladeira, por exemplo, durante algumas épocas do ano, camufla-se nos troncos das árvores em que pousa. Tal característica reflexa é uma estratégia de sobrevivência, ou seja, uma forma de adaptação. Podemos

Page 191: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

191

observar também a borboleta coruja, pelo fato de suas asas se assemelharem aos grandes olhos negros de uma coruja e conseguem proteger-se dos seus predadores8. As características biológicas desses animais são utilizadas como forma de sobrevivência. É nesse sentido que Freire (Ibidem) assinala que os seres de contato apenas vivem no mundo, sem modificá-lo ou interagir culturalmente com ele. Têm a capacidade de imitar e se adaptar, mas nunca de dialogar ou transformar, sempre reproduzir.

Ao estar situado no campo da relação, o homem é ontologicamente um ser reflexivo, tem a capacidade de refletir, de se relacionar, modificar e transformar o mundo. É através da consciência da temporalidade que ele se torna um ser capaz de refletir sobre a sociedade e o contexto histórico ao qual está submetido. A compreensão do ontem, do hoje e do amanhã o faz um ser capaz de transitar pelas dimensões do tempo - passado, presente e futuro.

Ao refletir sobre a categoria relação, Freire (Ibidem) observa que essa é uma característica ontológica do ser humano. Todavia, historicamente, no momento de transição da sociedade, que ele analisa em “Educação como Prática da

8 Informação disponível em <http://www.vivaterra.org.br/insetos_2.htm>, acesso em 02/02/2012.

Page 192: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

192

Liberdade”, o homem tem tais características ontológicas deturpadas, porque são marcadas pelo autoritarismo, pelo antidiálogo, pela opressão e pelo mutismo, aproximando-se, assim, dos seres de contato.

Em uma segunda parte dessa análise, observamos que Freire (Ibidem) traz a ideia de “inexperiência democrática”. Ele observa que, embora a sociedade brasileira esteja em fase de transição histórica, em meados do Século XX, ainda era culturalmente fechada, reflexa, escravocrata, sem povo e, por isso, inexperiente democraticamente. Isso se deve às condições de colonização do Brasil. A exploração econômica e a dominação do poder do senhor submeteram o país a uma colonização exploratória, dificultando o estabelecimento de diálogo e o comportamento participante.

Conforme a reflexão feita na primeira parte desta análise, o país estava situado na esfera dos contatos. A sociedade alienada culturalmente, destemporalizada, caminhava ajustada ao mandonismo dos coronéis, acomodada ao contexto exploratório de dominação. Os sujeitos viviam sem refletir criticamente sobre o contexto em que estavam imersos historicamente, porém, emergiam no momento analisado por Freire (Ibidem).

Page 193: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

193

Em uma sociedade com tais características históricas, a implantação da democracia, inspirada em outros países com condições distintas, tornou-se ponto problemático. É nesse sentido que a expressão “inexperiência democrática” é utilizada. Para que a democracia fosse genuína, havia necessidade de considerar as condições culturais prévias da sociedade brasileira.

Freire (Ibidem) contrapõe a educação diante da massificação. Ele diz que a Pedagogia precisava assumir uma posição que respondesse às condições de transição por que o país estava passando. Nessa perspectiva, a inserção crítica do homem brasileiro na sociedade em desenvolvimento foi compreendida como responsabilidade do educador, a quem caberia contribuir para uma educação criticizadora, na qual o educando saía da transitividade ingênua para uma transitividade crítica. A transitividade ingênua ou consciência ingênua, nessa reflexão de Freire (Ibidem), é caracterizada pelo sujeito que vive apenas como um ser de contatos, que está no mundo, e não, com o mundo. O sujeito se acha incapaz de subverter a ordem e só está no mundo para reproduzir coisas impostas pela elite dominante.

Quanto à transitividade crítica, Freire (Ibidem) diz que é a superação da ingenuidade. Uma de suas características

Page 194: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

194

é a consciência da própria historicidade. O sujeito passa a compreender que seu desemprego, por exemplo, deve-se a fatos históricos e sociais, não atribui mais a sua possível incompetência profissional. O autor acrescenta que, para que o sujeito saia da consciência ingênua e chegue à consciência crítica, existe um processo de transição dividido em dois tipos de consciência, a saber: a intransitiva, que seria o momento após a superação da consciência ingênua; e a transitiva, quando o sujeito apresenta preocupações além da esfera biológica vital. Contudo, o medo o rodeia, porque, imerso em uma sociedade que tem uma estrutura de dominação constante, a liberdade passa a ser uma ameaça para ele mesmo. Freire (1980) chama a essa libertação de parto, por acreditar que o homem nasce novamente, não opressor nem oprimido, mas um homem que superou essa contradição e se tornou liberto. Por isso, é fundamental a reflexão do homem diante das coisas do mudo, para que se tenha a ação transformadora.

Freire (Ibidem) critica a forma como a educação vinha tornando-se palavresca. Observa como os conteúdos passavam a ser vistos como algo morto, ou seja, fragmentos de uma realidade que, quando vistos separadamente, perdem sua relação com ela, transformando-se em palavra oca. Tal forma

Page 195: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

195

de educar não contribui para que se tenha uma educação transformadora, mas, como relata, sua característica principal é a “sonoridade” da palavra. Esse tipo de educação também pode ser chamado de “educação bancária”, voltada apenas para o armazenamento ou acúmulo de conteúdos. É devido a essa concepção “bancária” que os sujeitos acabam apenas adaptando-se e ajustando-se, não refletem criticamente e acomodam-se.

A sociedade brasileira dos fins dos anos 1950, analisada por Freire (1967), estava em processo de transição, segundo sua própria análise. A educação dos sujeitos, nesse contexto, teria que desenvolver condições de favorecer a consciência dessa transitividade. Uma das estratégias para isso seria desenvolver o diálogo constante, para que os alfabetizandos assumissem uma posição de sujeitos inquietos, investigativos, questionadores e ouvidores. Diante de tais circunstâncias, a luta pela humanização era constante. A humanização, mesmo ontológica para o homem, muitas vezes, foi negada, como observou Freire (1980), através da injustiça, da alienação, da exploração e da ambição dos opressores, na qual demonstram violentamente.

Não se pode confundir humanização com generosidade. Um dos grandes problemas da humanização tem sido tal

Page 196: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

196

confusão com a generosidade dos patrões, poderosos e opressores, que, com falsos gestos de amor e de caridade, nutrem os sujeitos oprimidos de esperanças. A verdadeira generosidade, segundo Freire (Ibidem), está no ato de lutar pela restauração da humanidade. Para ele, a luta pela humanização só terá sentido se atribuída à libertação do sujeito oprimido que, restaurado, poderá libertar o opressor que está em si mesmo. E para que a sociedade se liberte, é necessário que o oprimido se entenda como oprimido, e em sua luta contra a opressão, entenda que, para ser livre, não se pode ser opressor de quem o oprime, pois, de fato, são restauradores, porque detêm o poder de libertar a si mesmo e ao seu opressor.

Assinalamos, a seguir, algumas dimensões enunciativas da PPF que foram possíveis apreender e registrar nos livros investigados, a saber:

• Planificação da prática educativa: o ato educativo é antecedido por um planejamento rigoroso de cada ação a ser realizada no curso do processo;

Page 197: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

197

• Contextualização dos problemas existenciais: o conteúdo da aprendizagem mantém um vínculo direto com as situações cotidianas e históricas do educando;

• Problematização da realidade concreta: o programa a ser ensinado e aprendido torna-se objeto da reflexão do educando e do educador e se transforma em problema que deve ser pensado e entendido;

• Representação visual de situações existenciais: a realidade concreta é mediada por representações codificadas em forma de imagens que permitem sua visualização;

• Significação da aprendizagem: o conteúdo programático é aprendido de forma significativa;

• Participação ativa do educando e do educador na prática educativa: o educando e o educador são vistos

Page 198: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

198

e posicionados como sujeitos do processo ensino-aprendizagem;

• Relação dialógica: o diálogo adquire uma centralidade na mediação da prática educativa;

• Consciência crítica: a apreensão e a compreensão da realidade em seu modo de existência e funcionamento expressa o estágio de desenvolvimento de uma consciência identificada como crítica.

• Principais palavras-chave: práxis – educação – criticidade

Page 199: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

199

Noções de imagem na PPF

Pudemos observar, em nossos achados enunciativos, que a utilização das imagens – fotografias ou desenhos – tinha sempre como suporte textos, fichas e slides. Nessa ordem discursiva, a imagem é abordada a partir de três noções distintas: representação de mundo, código visual e objeto de conhecimento. A primeira noção consiste na utilização da imagem como uma linguagem que registra a realidade. A segunda diz respeito à representação imagética das situações existenciais, concretas e reais, não necessariamente vividas pelos educandos. A última noção trata a imagem como algo desconhecido, ou de que se têm informações imprecisas, imediatas e superficiais, sobre o qual o sujeito em questão precisa debruçar-se com mais profundidade. Também foi possível mapear três modos de utilização da imagem, a saber: ilustrativa, associação mnemônica e mediadora do conhecimento. O primeiro tipo de uso objetiva embelezar o texto e conferir visualidade às situações existenciais e ao universo temático e vocabular problematizados. O segundo

Page 200: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

200

associa à imagem a palavra e o tema, tendo em vista agregar à escrita informações visuais pertinentes à realidade em questão. O terceiro modo aborda a imagem como representação da realidade concreta, tendo em vista o conhecimento do cotidiano vivido existencialmente.

O uso pedagógico da imagem na PPF

A leitura dos textos analisados indica que o uso da imagem se faz presente em todas as fases da elaboração e realização da PPF. Ela aparece como codificação de situações singulares, presentes na existência do cotidiano dos educandos. É descrita e posicionada como uma estratégia de registro da realidade e da representação que se tem dela. Nesse sentido, a imagem codifica, representa e, simultaneamente, informa, lembra, sistematiza temas e problemas, possibilitando que realidades próximas

Page 201: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

201

e distantes sejam visualizadas e transformadas em objeto da reflexão, do diálogo e da problematização dos educandos.

Freire (1980, p. 103) descreve em seus escritos a utilização dos recursos imagéticos em várias oportunidades. Uma, dentre várias experiências, com utilização de imagens, ocorreu na cidade de Recife, com um pequeno grupo de trabalhadores rurais que, nessa ocasião, utilizava um aparelho chamado epidiascópio9, com o qual foi projetada “[...] uma ficha em que apareciam duas vasilhas de cozinha, numa, escrita a palavra ‘açúcar’, noutra, ‘veneno’. E abaixo: ‘qual dos dois você usaria para sua laranjada?’”.

Tais experiências foram descritas por Freire (Ibidem, Ibidem) como muito proveitosas, pois “esses assuntos [conceito de cultura, educação e situação política do país], acrescidos de outros, eram, tanto quanto possível, esquematizados e, com ajudas visuais, apresentados aos grupos, em forma dialogal”, quebrando o modelo autoritário que historicamente rege as

9 Conforme informação extraída do site <http://www.prof2000.pt/users/hjco/audioweb/recav/pg00017.htm>, em 19 de fev. de 2012, trata-se de um “[...] aparelho de projeção constituído por uma potente fonte de luz, um sistema óptico, formado por espelhos e lentes, um sistema de ventilação e um suporte para colocação das imagens. É um aparelho que permite a projeção de imagens opacas: páginas de livros, postais ilustrados, fotografias e outros documentos. […] mas os seus inconvenientes são maiores que as vantagens, fazendo com que, atualmente, tenha sido praticamente posto à parte. Além de exigir uma sala totalmente às escuras e um bom ecrã, para que as imagens ganhem brilho e recorte [...]”.

Page 202: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

202

salas de aula, que faz dos alunos meros ouvintes de uma matéria rigidamente repetida e memorizada.

Freire (Ibidem) relata que os círculos de cultura eram montados com projetores de fabricação polonesa. Tais projeções eram feitas nas paredes das casas onde estavam instalados os círculos de cultura, e nos casos de difícil projeção nas paredes, era utilizado o lado oposto dos quadros negros, que eram pintados de branco. Esses aparelhos foram apresentados pelos militares em programas de televisão, após a “revolução”, “como altamente ‘subversivos’”.

Freire (Ibidem) lembra que, apesar da grande riqueza que a utilização da imagem pode proporcionar como forma de mediar o conhecimento, para o desenvolvimento de uma consciência crítica, ela também pode ser objeto de alienação cultural. Não obstante, devemos ter sempre em vista que só o fato de utilizarmos a imagem, por si só, não nos garante uma apropriação crítica do conhecimento. As próprias reflexões de Freire (Ibidem, p. 120) ratificam tal entendimento, porque ele observa algumas propagandas televisivas, do período que antecedeu seu exílio político no Chile, e as qualifica como “altamente prejudiciais à formação de uma mente crítica”, porque são propagandas inteligentes, mas que são feitas para alienar os sujeitos.

Page 203: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

203

Dentre muitos anúncios do gênero, Freire (Idem, Ibidem) faz um breve comentário sobre um, especialmente, que lhe chamou a atenção: trata-se de uma propaganda eleitoral: “aparecia o busto do candidato, com setas dirigidas à sua cabeça, a seus olhos, à sua boca, às suas mãos. E, junto a essas setas: Você não precisa pensar, ele pensa por você! Você não precisa ver, ele vê por você! Você não precisa falar, ele fala por você! Você não precisa agir, ele age por você”!

Por mais que o conteúdo ideológico, com grande poder de dominação, veiculado na mídia, seja alienante, não significa que encontrará o espectador totalmente passivo. Devemos levar em conta que os sujeitos têm a capacidade de refletir sobre o que veem. O próprio conteúdo alienante pode ser utilizado como objeto de reflexão crítica, nos círculos de cultura, como assevera Freire (Ibidem, p. 120-121):

Na medida em que os grupos, discutindo, fossem percebendo o que há de engodo na propaganda, por exemplo, de certa marca de cigarros, em que aparece uma bela moça de biquíni, sorridente e feliz (e que ela em si mesma, com seu sorriso, sua beleza e seu biquíni não tem nada que ver com o cigarro), iriam descobrindo, inicialmente, a diferença

Page 204: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

204

entre educação e propaganda. Por outro lado, preparando-se para depois discutir e perceber os mesmos engôdos na propaganda ideológica ou política.

Contudo, as experiências mais sistemáticas, com a utilização da imagem como mediação para o conhecimento, aconteceram em torno da discussão do entendimento de cultura, retomando a própria discussão das categorias contato e relação. Nesse sentido, Freire (Ibidem, p. 109) relata:

Para a introdução do conceito de cultura, ao mesmo tempo gnosiológica e antropológica, elaboramos, após a “redução” desse conceito a traços fundamentais, dez situações existenciais “codificadas”, capazes de desafiar os grupos e levá-los pela sua “descodificação” a essas compreensões. Francisco Brennand10, uma das maiores expressões da pintura atual brasileira, pintou essas situações, proporcionando assim uma perfeita integração entre educação e arte.

10 Conforme o site <http://www.brennand.com.br/brennand_01.php# >, em 19 de fev. de 2012 “Francisco de Paula Coimbra de Almeida Brennand nasceu em 11 de junho de 1927, na cidade de Recife, capital do estado de Pernambuco”.

Page 205: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

205

Diante de tais situações existenciais, representadas por essas imagens, Freire (Idem, Ibidem) observa o quanto “é impressionante vermos como se travam os debates e com que curiosidade os analfabetos vão respondendo às questões contidas na representação da situação”. É importante ressaltar que tais imagens retratam o cotidiano dos sujeitos - estamos falando de suas próprias situações existenciais, que contêm um “[...] número determinado de elementos a serem descodificados pelos grupos de alfabetizandos, com o auxílio do coordenador de debates”. Vejamos, detalhadamente, a descrição das dez situações/imagens utilizadas por Freire na experiência de Angicos.

A primeira situação apresentada foi intitulada por Freire (Ibidem) de “O homem no mundo e com o mundo. Natureza e cultura”. Essa imagem pode ser descrita em três planos: primeiro, um homem com uma enxada na mão esquerda e um livro na mão direita, um chapéu de camponês, pés descalços, debaixo de uma árvore; no segundo plano, há uma mulher, com um lenço na cabeça, de mãos dadas com uma criança. Ambos estão ao lado de um poço; no terceiro plano dessa paisagem, encontra-se uma casa, com janela, rodeada de algumas árvores.

Page 206: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

206

Tal imagem remetia o grupo a uma discussão sobre o homem como um ser de relações, o que implica a diferença entre a natureza e a cultura. A partir da imagem posta, questiona-se: por que o homem fez o poço? Daí surgem conceitos como necessidade e trabalho, tanto para o poço, quanto para a casa e a roupa, que são elementos postos na imagem. A partir desse mote, discutem-se as relações entre os homens, que devem ser de sujeitos, e não, de dominados.

A segunda situação é intitulada “Diálogo mediado pela natureza”. Primeiro, identificamos, da esquerda para a direita, uma mulher e um homem embaixo de uma árvore. A mulher aparenta estar com um lenço na cabeça, vestida com uma camisa de mangas, uma saia escura abaixo do joelho e descalça. Ao lado de seu pé direito, no chão, há um cesto de palha. Ela está segurando, com a mão esquerda, algo que parece um livro. O homem está voltado de frente para ela. Ele tem um chapéu na cabeça, está vestido com uma camisa de botões e mangas compridas, de calças compridas e pés descalços; no segundo plano, há um boi, com grandes chifres, pastando. A discussão gira em torno das relações entre sujeitos, que devem ser o encontro de consciências. Trata-se da análise do diálogo, da mediação do mundo transformado pelo homem.

Page 207: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

207

As próximas três situações possibilitam a reflexão acerca da distinção entre as características históricas e ontológicas do ser humano. Primeiro, apresenta-se uma imagem intitulada “Caçador iletrado”. No primeiro plano dessa imagem, há um índio com um arco e flecha nas mãos caçando pássaros. Um pássaro está no chão atingido por uma flecha, outro que está caindo, foi atingido também por uma flecha, e um terceiro pássaro está voando. No segundo plano, por trás do índio, observamos o horizonte e, mais acima, o sol. A questão que advém dessa imagem é: quais as diferenças entre natureza e cultura? Nesse quadro, especificamente, os participantes do círculo de cultura apontaram para o arco, a flecha e as roupas do índio como objetos de cultura.

A outra situação foi intitulada “Caçador letrado (cultura letrada)”. É importante levar em consideração que, mesmo sendo analfabeto, o caçador com a espingarda, da segunda imagem dessa série de três, está imerso em uma cultura letrada, diferentemente do índio apresentado na situação anterior. Essa situação apresenta uma paisagem cheia de mato, onde há um homem usando um chapéu na cabeça, vestido com uma camisa de mangas compridas, calças e botas de cano longo. Tem uma espingarda na mão, atirando em um pássaro, que está caindo. Logo abaixo do pássaro, há um

Page 208: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

208

cão. Há mais quatro pássaros que, aparentemente, fogem assustados com o disparo da espingarda.

Por fim, a terceira gravura é intitulada “O caçador gato”. Nessa imagem, há um gato perseguindo dois ratos. Com essa série de três imagens, é possível estabelecer uma diferença faseológica, ou seja, histórica e social, entre os dois homens - o índio e o camponês - e uma distinção ontológica entre os dois homens e o gato.

As três situações seguintes permitem estabelecer o diálogo sobre a relação entre trabalho e cultura. Uma situação é intitulada “O homem transforma a matéria da natureza com o seu trabalho”. A cena se passa entre quatro paredes. No centro da sala, há uma mesa de oleiro; do lado direito da sala, ao fundo, há uma prateleira com cinco jarros pequenos; do mesmo lado, no chão, há uma fileira de vários jarros médios e grandes, que se projeta até o primeiro plano da imagem; na mesa de oleiro, há duas pessoas trabalhando, fazendo jarros. Uma delas está no centro da imagem, sentada, com os pés apoiados no mecanismo que faz girar o eixo da mesa, que molda os jarros. A outra pessoa tem um chapéu na cabeça, está vestida com camisa de mangas compridas, calças compridas e sapatos e segurando um jarro sobre a mesa.

Page 209: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

209

Diante dessa imagem da mesa de oleiro, Freire (Ibidem) lembra que os educandos diziam admirados: os homens trabalham com o barro! Alguns falavam da alegria de fazer coisas bonitas, um jarro, uma quartinha, uma panela... etc. A outra situação, articulada a essa primeira, é intitulada “Jarro, produto do trabalho do homem sobre a matéria da natureza”. Essa imagem apresenta um vaso, trabalhado com detalhes assimétricos, com onze flores e em cima de uma mesa. Diante dessa imagem, é possível os educandos se reconhecerem como produtores de cultura. Percebe-se a relação dialética intrínseca ao trabalho, pois uma flor é natureza, como vegetal, e cultura, como adorno. Daí a dimensão estética da cultura.

A terceira situação é nomeada de “Poesia”. Nessa imagem, vemos um livro aberto, com um poema escrito em uma página do lado direito e um desenho no lado esquerdo. Esse poema é intitulado “A bomba”, que transcrevemos: “A terrível bomba atômica / e a rádio-atividade / significam terror / ruina e calamidade / se acabassem com a gerra / e tudo ficasse unido / o nosso mundo de hoje / não seria destruido”. Na outra página, podemos ver muitas pessoas e vários cogumelos; um deles tem em seu centro o símbolo da energia atômica. Questiona-se se a poesia é tão cultura

Page 210: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

210

quanto o poço, o jarro e a flecha. Os educandos dizem que sim, mas, ao mesmo tempo, diferente. A manifestação poética corresponde a necessidades distintas do poço, do jarro e da flecha.

As duas situações seguintes giram em torno de se compreender a necessidade de reflexão crítica sobre eles mesmos – os educandos – como sujeitos produtores de cultura. A primeira é intitulada de “Padrões de comportamento”. Há dois homens e um cavalo. O homem do lado direito está vestido com um chapéu de vaqueiro, luvas e botas de cano longo, camisa e calça e segura um livro aberto, mostrando para o segundo homem, que está com outro tipo de chapéu, camisa de mangas longas, calças e botas de cano longo. Ao lado esquerdo da imagem, há um cavalo selado e umas árvores ao fundo. Essa situação favorece a reflexão sobre o comportamento como um conjunto de manifestações culturais.

A última imagem tem como título “Círculo de cultura funcionando – síntese das discussões anteriores”. São mais ou menos vinte e cinco pessoas sentadas, viradas de frente para uma imagem de um jarro com flores e um homem apontando para a imagem. Essa é uma autoidentificação. É o entendimento de que a democratização da cultura deve

Page 211: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

211

partir do que os sujeitos fazem como povo. Trata-se da análise do funcionamento do próprio círculo de cultura de que os sujeitos fazem parte. Em suma, é a reflexão sobre a própria capacidade de refletir e refletir sobre a própria alfabetização, como algo deles mesmos, e não, como algo externo.

Considerações finais

As leituras, as reflexões, as sistematizações e as análises sobre a problemática da educação e da visualidade ofereceram elementos que corroboram a presença e o poder das imagens nos processos educativos e nas relações sociais contemporâneas. No que tange ao objeto de nossa investigação propriamente dito, cabe-nos ressaltar que ainda não está concluído o percurso de escavação arqueológica sobre o discurso mobilizado por Freire, para tratar e empregar

Page 212: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

212

a imagem na educação de jovens e adultos, pois ele produziu várias publicações que ainda precisam ser lidas e estudadas cuidadosamente. Nessa etapa de nossas investigações, só foi possível analisar o período de 1940 a 1980.

Ressaltamos, todavia, que o processo investigativo realizado possibilitou adentrarmos a compreensão do modo como a ordem discursiva, utilizada por ele, situa a questão do uso pedagógico da imagem na educação popular. Ao mapear o pilar ético, político e epistemológico que sustentam sua proposta, identificamos articulações que envolvem o signo da imagem em seus escritos, assim como inúmeras possibilidades de mediação entre ela e a educação popular.

Page 213: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

213

Referências

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Trad. de Luiz Felipe Baeta Neves. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 22 ed. São Paulo: Cortez, 1988. 80 p.

_______. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 8 ed. Paz e Terra. Rio de Janeiro. 1982.

_______. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro. 1967. Digitalizado. Disponível em <forumeja.org.br>, acesso

em 26/02/2012.

_______. Educação e atualidade brasileira. 3 ed. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo Freire, 2003.

Page 214: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

214

_______. Extensão ou comunicação? 7 ed. Paz e Terra. Rio de Janeiro. 1983. (Edição digitalizada)

_______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15. ed., São Paulo: Paz e Terra, 2000.

_______. Pedagogia do oprimido. 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1980.

_______. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. 4 ed. Paz e Terra. Rio de Janeiro. 1978.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina Andrade de. Metodologia Científica. 4 ed. São Paulo, Atlas, 2006.

LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em

educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

MACLAREN, Peter; LEONARD, Peter; GADOTTI, Moacir. (Org.). Paulo Freire: poder, desejo e memórias da libertação. Trad. Márcia Moraes. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

Page 215: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

215

WEBER, Silke; Salete Farias, Maria. Pesquisa qualitativa nas

Ciências Sociais e na Educação: proposta de análise do discurso. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2008.

Page 216: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.
Page 217: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

217

EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO CONHECIMENTO

O USO PEDAGÓGICO DA CHARGE: A CRÍTICA E O HUMOR NA SALA DE AULA

Raissa Regina Silva Coutinho

Pedagoga; Mestranda em Educação na linha de Educação Popular e graduada em Pedagogia pela UFPB (2011); tem experiência na área de Educação e trabalha, principalmente, com os seguintes temas: Charge e Educação, Educação de Jovens e Adultos e Educação Popular. [email protected]

Page 218: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.
Page 219: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

219

Introdução

A história humana demonstra, em sua relação com a natureza, a incessante necessidade de transformá-la e dominá-la. Para tanto, buscou instrumentos que lhe possibilitasse realizar suas audaciosas ações. Com o passar dos anos, esses instrumentos passaram do rústico aos mais sofisticados possíveis, ou seja, das pinturas rupestres à imagem em 3D. O universo imagético, como produto cultural, é construído ao longo da história, disseminando toda essa vivência, valores, ideias, representações e avanços. Nesse sentido, Schlichta (2009, p. 16) trata que o homem,

[...] por meio do trabalho, deixa de se submeter às condições impostas pela natureza e passa a dominá-la: constrói habitações, elabora técnicas para produzir e conservar alimentos, fabricar utensílios, vestuários, etc. Além disso, paralelamente, formula sistemas simbólicos para guardar e transmitir os conhecimentos resultantes dessa

Page 220: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

220

produção, cria valores e formas de expressão, imprimindo sua identidade naquilo que produz por meio da ciência e da Arte.

Além de ser anterior, sob o ponto de vista histórico, a imagem é um processo de expressão e comunicação que, no desenvolver das fases do indivíduo, está presente antes da escrita. A criança, desde seus primeiros anos de vida, busca, através de desenhos, demonstrar tudo aquilo que vem descobrindo a partir de seu olhar.

Com a virada do Século XIX para o Século XX, de acordo com Costa, a Educação e a Ciência foram se abrindo para a compreensão das imagens. Mais precisamente, “foi o desenvolvimento dos meios de comunicação e em especial das tecnologias de registro de imagens, como a fotografia e o cinema que abriu espaço para o estudo sistemático das imagens” (2005, p. 20).

Diante da chamada poluição comunicativa, em que as imagens conquistam espaço significativo e, cada vez mais, tornam-se atraentes aos olhos do observador, difundindo suas mensagens dotadas de valores sociais, políticos, econômicos e culturais. Há a emergência de se fazer uma leitura crítica

Page 221: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

221

da imagem; precisamos entendê-la como representação das manifestações da prática social e cultural do homem, e estar atentos para o que a imagem nos transmite, através de sua visualização.

Na escola, encontramos muitas e diferentes imagens, em meio a cartazes, livros didáticos, computadores e filmes. Tais imagens devem ser objeto de problematização e reflexão, tendo em vista a necessidade de se viabilizar a criticidade do ver. É ingênuo considerar as imagens de um livro como meras ilustrações do texto, uma vez que tal aparição não se dá naturalmente. Existe um conteúdo que muito tem a dizer nesse conjunto de cores, traços, luzes e sombras.

Dentre os exemplos de imagens que podemos encontrar no cenário escolar, visualizamos a charge, que se encontra presente tanto em manuais didáticos quanto em instrumentos de avaliação. Em seu modo particular, expressa o mundo e os sujeitos como acontecimentos de nossa história, através de um teor crítico e humorístico. Assim, a charge possibilita ao receptor uma leitura que promove, simultaneamente, a criticidade e o riso.

No presente escrito, trataremos da problemática da imagem no cenário de nossa sociedade. Em seguida, abordaremos a charge em seu conceito e especificidades. Por

Page 222: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

222

fim, abordar o uso pedagógico da charge como instrumento de leitura da realidade no processo de formação educacional.

A imagem é vista, a imagem vê

O indivíduo, cotidianamente, percebe-se em um mundo que o cerca de imagens. A televisão, a revista, o livro, o celular, o computador são exemplos dos vários instrumentos que propiciam essa circulação. Cada vez mais, evidenciamos tal expansão imagética, principalmente, pelo uso exacerbado das redes sociais, cujos usuários compartilham uma infinidade de imagens, entre elas, fotografias, vídeos, charges, cartoons, desenhos. Nesse cenário, compreendemos o quanto é necessária essa reflexão sobre a imagem, tanto no desvelamento da representação de mundo que ela carrega,

Page 223: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

223

quanto nas potencialidades que constitui para orientar o pensamento e a ação humana.

A imagem traz formas diversificadas de representação e várias facetas do mundo. É um recurso de rápida captação e que aproxima os olhos de extremidades talvez nunca vistas em sua realidade. A linguagem visual pode causar diferentes sensações aos olhos do observador, como: inquietação, estranheza, indignação, admiração, encantamento, nostalgia, alegria. Além disso, “as representações nada tem de naturais ou de atemporais, são sempre representações de um determinado ponto de vista, de um lugar e tempo específicos, de uma visão de cultura” (SCHLICHTA, 2009, p.21).

O universo imagético pode apresentar conteúdos que ressaltam valores apresentados como absolutos e universais e detém o poder de alienar e conduzir a uma ideia de realidade que não condiz com o real. As empresas de publicidade conduzem suas ações com o intuito de aprimorar constantemente as ideias e os valores a serem disseminados pela imagem em suas campanhas de vendas. Sobre isso, Schlichta (2009, p.15) afirma que a “crescente abstração das necessidades humanas em favor das necessidades do mercado, resultante do desenvolvimento do racionalismo inerente ao desenvolvimento do capitalismo”.

Page 224: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

224

No mundo contemporâneo, a mídia se apodera, cada vez mais, de formas de vida, tais como consumo, poder, saber, desejo e emoção, e emite representações ideológicas que são transmitidas pela publicidade das empresas de comunicação, conforme ressalta Kellner (1995, p. 113):

[...] a publicidade é predominantemente informativa; um exame cuidadoso das revistas, da televisão e de outros anúncios imagéticos indica que ela é avassaladoramente persuasiva e simbólica e que suas imagens não apenas tentam vender o produto, ao associá-lo com certas qualidades socialmente desejáveis, mas que elas vendem também uma visão de mundo, um estilo de vida e um sistema de valor congruente com os imperativos do capitalismo de consumo.

Ao assistir à TV, ir ao cinema, acessar a internet, ver um outdoor ou receber um folheto nas ruas, vivenciamos, dentro e fora de casa, nossa imersão no mundo das imagens, independentemente de nossa consciência.

Page 225: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

225

Os avanços tecnológicos e os estudos nas áreas especializadas, como o design, por exemplo, trouxeram uma imagem cada vez mais atraente aos nossos olhos, apresentando representações cada vez mais criativas, dinâmicas e interativas. Um exemplo disso são os recursos que apresentam a imagem em 3D. Nesse sentido, assevera Costa (2005, p. 21):

A informática foi a ciência e a tecnologia responsável pelo desenvolvimento dos processos novos de produção da imagem, não só aqueles mais conhecidos e populares, referentes aos meios de comunicação e à cultura de massa, mas também aqueles introduzidos na indústria, no comércio e na ciência. Arquitetura, Medicina e segurança pública são algumas das áreas de que a imagem digital passou a fazer parte cotidianamente.

No mundo globalizado dos veículos de comunicação de massa, da publicidade e das redes sociais, a imagem se converge intensamente com os olhos do observador, busca aproximar culturas e difundir seu conteúdo. Essa relação rompe fronteiras, abrange o mundo, dissemina valores

Page 226: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

226

diversos. Vale acrescentar que a imagem é inclusiva e acessível, pois se a relacionarmos com a escrita, os recursos imagéticos não exigem tantos mecanismos para desenvolver habilidades específicas para sua apreensão. Sobre o caráter social da imagem, Carlos (2010, p.11) acrescenta:

[...] pode-se dizer que o caráter social da imagem pode ser identificado por via de sua utilização intencional, tendo em vista a realização de vários fins: conservação da memória, transmissão de ideias, valores e saberes, localização no espaço e no tempo, constituição de determinados tipos de padrão de conduta e de sujeitos, identificação de classes, de grupos sociais e de indivíduo na hierarquia social.

Temos que compreender que a imagem não só representa o mundo, mas orienta a ação do observador quando é apropriada como verdade. Além disso, devemos atentar para o que afirma Fischer (2002) que “não só ‘vemos’ tantas e tão diferentes imagens, mas somos igualmente ‘olhados’ por elas”. Nesse sentido, é preciso que o indivíduo compreenda

Page 227: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

227

sua história, sua identidade e suas reais necessidades, bem como a de seu coletivo e da sociedade com suas problemáticas, para que, ao se posicionar diante dessas imagens, posicione-se como sujeito crítico e criador. No processo de formação educacional, o professor deve buscar ações e recursos pedagógicos para potencializar o exercício do ver.

Para tanto, Carlos (2010, p. 21) propõe a ‘Pedagogia crítica da visualidade’ para todos os níveis da educação, bem como modalidades, tanto na educação formal quanto na não formal:

A ‘pedagogia crítica da visualidade’ anuncia um campo possível de reflexão, problematização e exercício de uma prática pedagógica específica, fundada no entendimento de que a imagem pode funcionar como uma estratégia mediadora entre o ato de ensinar e o de aprender, entre o indivíduo que aprende e sua constituição como sujeito social.

A seguir, teceremos considerações sobre as particularidades da charge como gênero imagético, como um dos exemplos de instrumentos possíveis para a prática pedagógica do ver.

Page 228: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

228

Charge: uma forma particular de representar o mundo

A charge é uma crítica político-social na qual o artista apresenta sua visão sobre determinados acontecimentos, através do humor e da sátira, em que o autor usa a caracterização de um personagem, para nos remeter a determinados sujeitos da vida real e satirizar fatos e costumes. Teixeira define tal representação humorística como  “um traço de reflexão através do humor, que reproduz sujeitos reais e resume conflitos políticos” (2005, p.73).

Para que a charge seja compreendida em seu sentido, é necessário explicitar os elementos que a constituem, de modo a configurar suas especificidades, para que esse recurso não se confunda com outros gêneros imagéticos. Em seu processo de construção, alguns elementos viabilizam sua legitimação como gênero de linguagem particular. Alguns desses elementos são: cenário - espaço ou certo local onde acontece o fato ilustrado; personagens - em geral, sujeitos conhecidos pelo público ou que representem determinada classe; título ou

Page 229: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

229

breve narração do autor; balões de diálogo – meio pelo qual se apresentam as falas dos personagens; polifonia – presença de múltiplas vozes, os personagens autônomos com vozes e visões de mundo; humor – recurso empregado para provocar o riso; ironia – uso de duplo sentido, formulação contrária do que se pretende dizer, dissimulação; criticidade – ressalta os conflitos e as contradições de um dado acontecimento, demonstrando, em geral, um caráter político; tema polêmico – envolve assuntos relevantes à sociedade, de interesse público; temporalidade – recorte histórico, caráter efêmero11.

11 Para aprofundar os conceitos de humor e de ironia que constituem a charge, ler a dissertação de Mestrado, “Entre o discurso e a ironia: o pintar o sete e desenhar os outros no discurso humorístico”, de Melo (2004). Sobre o conceito de polifonia, ler “A charge em sala de aula”, de Silva (2013).

Page 230: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

230

As charges abaixo apresentam tais elementos:

Fonte: www.chargesnarua.com

Page 231: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

231

Segundo Stegun (Apud SILVA, 2011, p. 5),

a charge relata um fato ocorrido em uma época definida, dentro de um determinado contexto cultural, econômico e social específico e que depende do conhecimento desses fatores para ser entendida. Fora desse contexto ela provavelmente perderá sua força comunicativa, portanto é perecível. Justamente por conta dessa característica, a charge tem um papel importantíssimo como registro histórico.

O chargista apresenta uma responsabilidade social considerável, pois suas obras sintetizam uma visão política da realidade e retratam, de maneira particular, a sociedade e suas contradições. A construção da charge atenta para questões atuais da sociedade, muitas vezes, polêmicas e conflitantes.

A charge apresenta uma articulação entre imagem e palavras, “uma vez que o elemento linguístico se torna importante para explicitar a sua intencionalidade ou complementar o sentido humorístico e político” (STEGUN Apud SILVA, 2011, p.5). Esse texto imagético, como assinala o autor (Idem, p. 4),

Page 232: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

232

se caracteriza essencialmente por sua natureza dissertativa e ideológica, além de primar pela presença do humor com o propósito de denunciar, criticar e satirizar através do apelo ao exagero, também deve ser reconhecida em seu potencial como fonte histórica, capaz de contribuir para a reflexão sobre uma determinada época, pois expressa e transmite, assim como toda configuração visual, ideias, sentimentos, valores e informações a respeito de seu tempo e lugar, bem como de outros tempos e lugares).

Diante disso, tal recurso iconográfico torna-se um instrumento facilitador do conhecimento, por apresentar um tema relevante sinteticamente construído, que leva o receptor a acessar a mensagem veiculada de maneira imediata aos olhos do leitor. Segundo, pelo fato de esse recurso apresentar conteúdo que tange às relações sociais historicamente construídas pelo homem, como registro histórico, visto que representa as ideias, os valores, os conflitos e as lutas de um dado tempo. E por último, possibilita uma recriação do indivíduo sobre a realidade, em uma perspectiva crítica e humorística, o que contribui para o processo de conscientização.

Page 233: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

233

Outra particularidade da leitura da charge diz respeito aos três tipos de leitura diferentes e interdependentes que se apresentam em sua estrutura: a leitura do texto escrito presente nos balões de diálogo e/ou da breve narração inicial que faz o autor; a leitura das imagens e da sequência na qual elas se encontram; e a leitura da charge, em seu caráter intertextual, que provoca a emersão de outros textos e a compreensão do contexto histórico, social e cultural abordado.

Em suma, a charge articula, como enfatiza Melo (2004), harmonicamente, a linguagem não verbal e a verbal, com o uso de imagens e de palavras, em que a última não aparece com o intuito de descrever a primeira. Pelo contrário, as duas se complementam para que o conteúdo crítico seja compreendido pelo receptor de maneira íntegra.

Assim, ao analisar as particularidades das charges, percebemos suas potencialidades no processo de leitura da realidade, não como um recurso veiculador da verdade, mas como uma visão de mundo que constitui ideias, valores, conflitos, anseios e lutas, que englobam as diversas formas de se ver o mundo e de ser visto por ele.

Page 234: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

234

O uso pedagógico da charge

Os conteúdos e instrumentos pedagógicos devem contribuir para a circulação de temas que remetam às problemáticas de uma sociedade que se configura e reconfigura, compreendendo, sobretudo, seu papel de sujeito ativo-reflexivo, em seu cotidiano e diante das representações de mundo que influenciam suas ideias e ações. Assim, os sujeitos têm a oportunidade, por direito, de ter acesso a uma educação que esteja atenta à sua realidade, suas características, seus anseios e às necessidades de sua formação para a cidadania, o trabalho e a sociedade.

Em uma prática que consiste no empoderamento do sujeito, em nível de consciência, é preciso empregar as linguagens visuais no processo de formação dos sujeitos. Como exemplo desse uso, temos as experiências de Paulo Freire, em que ele apresenta o uso de imagens nos círculos de cultura. A representação gráfica era apresentada juntamente com a “palavra geradora”, advinda do universo vocabular da comunidade. As discussões evoluíam do âmbito local para o

Page 235: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

235

âmbito regional e nacional das problemáticas existentes. No caso de Angicos, segundo Biesiegel (2008, p. 191), utilizou-se o projetor de slides para realizar essa mediação. O uso da imagem ocorria da seguinte maneira:

Depois de escolhidas as “palavras geradoras”, a equipe examinava as possibilidades de criação de “situações existenciais típicas” para o grupo que ia se alfabetizar. Se uma das “palavras geradoras” escolhida fosse, por exemplo, a palavra enxada, a representação gráfica (desenho, pintura ou fotografia) de um lavrador capinando a terra poderia perfeitamente evocar, para os moradores de uma comunidade agrária, as situações comuns nos trabalhos da lavoura (...) Essas e outras situações funcionariam como “desafios” ao grupo de educandos. Seriam situações-problema, codificadas, guardando em si elementos que serão decodificados pelos grupos, com a colaboração do coordenador. O debate em torno delas irá levando os grupos a se conscientizarem para que concomitantemente se alfabetizem. Paulo Freire insistia em afirmar que essas situações locais abriam perspectivas para o debate de problemas regionais e nacionais.

Page 236: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

236

Experiências como essas de Freire nos levam a refletir sobre as possibilidades e as riquezas que existem nas linguagens visuais, de modo que seu uso consista numa proposta humanizadora. E como tal proposta rompe com a tentativa de manipular as massas ou reproduzir a ordem vigente, através do uso da linguagem de modo conservador e acrítico, rompe com a tentativa de se realizar um monólogo, em que apenas um tem o direito à voz e à constituição da verdade absoluta, e com a reprodução de caracteres vazios de significado. Enfim, ressalta a leitura do mundo por meio do diálogo entre os sujeitos reconhecidos e visualizados em sua história e cultura.

Diante disso, na defesa do uso da linguagem visual conectada com o mundo e suas problemáticas, anuncio o uso pedagógico da charge como uma das possibilidades em nossa diversidade imagética, porquanto esse gênero textual é uma representação visual humorística, que consiste na abordagem de temas, comumente, alarmantes, em torno das condições atuais de existência de nossa sociedade. Desse modo, concebe o mundo sob determinada ótica, reforçando risos, visões e compreensões sobre os acontecimentos.

Schlichta (2009) atenta para a relevância do uso das linguagens visuais quando assegura que é fundamental, no espaço escolar, “possibilitar ao aluno produzir compreensões

Page 237: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

237

sobre si mesmo e sobre a realidade humano-social, não uma recepção passiva, mas uma assimilação criadora das representações visuais” (p.5).

Para tanto, é preciso atentar para o que Fischer (2002, p. 92) fomenta: “que não só “vemos” tantas e tão diferentes imagens, mas somos igualmente ‘olhados’ por elas”. Logo, as imagens têm algo a dizer sobre nós e o mundo em diferentes perspectivas.

Freire, ao afirmar que a “leitura do mundo precede a leitura da palavra” (1988, p. 11), remete-se à proposta de alfabetização conscientizadora que ele defende e que consiste em refletir e dialogar com os educandos sobre as situações existenciais típicas relacionadas às palavras geradoras. Nesse sentido, o educando, antes de compreender a composição silábica da palavra, compreenderá a conexão que tal palavra estabelece com o mundo, através da contextualização e da problematização.

Diante disso, é preciso suscitar a necessidade de superar a “ótica de que a educação esteja separada da política” (WANDERLEY, 2010, p. 37). Sempre existe uma posição política que os sujeitos assumem em qualquer espaço social. E a escola, como um desses espaços, tem a função de formar determinado tipo de sujeito, como os sujeitos políticos, uma

Page 238: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

238

vez que a sala de aula não é espaço de neutralidade, porque exige ações e instrumentos que corroborem essa perspectiva. Porém, esse espaço não deve ter uma visão unívoca ou partidária, mas atuar com o intuito de conscientizar sobre assuntos de interesses do cidadão, em seus direitos e deveres, de modo flexível, em relação às várias visões e representações de mundo. Sobre esse aspecto, Freire (1981, p. 15) afirma:

Reforçando o silêncio em que se acham as massas populares dominadas pela descrição de uma palavra veiculadora de uma ideologia da acomodação, não pode jamais um tal trabalho constituir-se como um instrumento auxiliar da transformação da realidade.

Assim, não podemos negligenciar ou fazer uma leitura ingênua do universo visual que nos cerca, sobretudo no campo educacional, como os manuais didáticos repletos de imagens em seus mais variados gêneros. Portanto, é preciso compreender a charge como exemplo das múltiplas linguagens e seu papel social, ao permeabilizar a sociedade e seus protagonistas (opressores e oprimidos), de modo

Page 239: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

239

crítico e humorístico, ressaltando as problemáticas de nossa sociedade em forma de convite à inquietação e ao riso. Isso significa compreender suas particularidades, possibilidades e contribuições para o processo de formação do sujeito.

A charge não deve ser considerada como depósito da verdade absoluta, mas como uma forma de se ver o mundo, em um dado tempo e espaço, para que o sujeito receptor reflita sobre ele e o compreenda. Liebel (2010, p. 138) enuncia que manifestar

(...) uma crítica, sátira ou ironia a determinada situação, acontecimento ou personagem, tem sua compressão dependente do reconhecimento desses elementos. A charge, assim, faz um corte transversal no tempo e expõe um ponto que, de alguma forma, é digno de crítica ou registro em um determinado momento histórico.

Nós, como sujeitos observadores, trazemos as mais variadas representações possíveis que expressam sobre a vida, sobre a história, sobre diferentes povos, que podem, de acordo com

Page 240: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

240

Schlichta, “se converter em instrumentos de manipulação ou de transformação social” (2009, p.6).

Wanderley (2010, p. 112) chama a atenção para o poder que a imagem exerce sobre as pessoas em uma sociedade regida pela lógica do mercado:

Com a chegada da sociedade de consumo, a influência crescente dos meios de comunicação de massa sobre a imaginação coletiva e individual, a realidade vivida se defronta com aquela que é despejada pelos objetos produzidos e comercializados, pela moda “vista na tevê”, mediada pelas imagens eletrônicas.

Convém enfatizar que, da mesma forma que existe o uso de imagens que objetivam alienar e desviar a visão desses indivíduos sobre eles mesmos e o mundo, surge o uso de recursos imagéticos com potencialidades que viabilizam a reflexão e a conscientização. É preciso compreender que “(...) a imagem não explica a realidade. Convida a recriá-la e a revivê-la” (LEITE apud MOLINA, 2007, p 23). Em

Page 241: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

241

outras palavras, o uso pedagógico da imagem não consiste em reproduzir o real. Proporciona possibilidades diversas de se perceber e reconstruir a relação entre olho e mundo. E se “não é no silêncio que os homens se fazem” (FREIRE, 2005, p.90), o processo educacional deve ser efetivado a partir de ações e do uso de múltiplas linguagens, de modo a propiciar a voz, o diálogo, a conscientização, a (re)elaboração de ideias e a criticidade.

É preciso, pois, enfatizar que a escola, como espaço de socialização do conhecimento, que visa formar sujeitos nas dimensões do trabalho e da cidadania, deve ter em vista as possibilidades de difusão desse conhecimento através de linguagens variadas, de modo a viabilizar múltiplas formas de se ler o mundo. A charge, como exemplo dessas possibilidades de acesso às “múltiplas linguagens visuais”, pode apresentar potencialidades pedagógicas em meio às suas particularidades, ao abordar temas que geram entendimentos em torno do sujeito na sociedade e nas esferas do trabalho e da cidadania.

Page 242: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

242

Considerações finais

Estamos situados em um universo imagético, norteados, diariamente, por imagens que apresentam uma realidade construída por múltiplos saberes, valores, identidades e temporalidades. Nesse contexto, é preciso pensar numa Pedagogia da Visualidade para a formação de sujeitos observadores e críticos. A imagem está presente na escola através dos livros didáticos, das cartilhas, dos cartazes, dos murais, dos filmes e dos computadores. Porém essa imagem não pode ser assimilada passivamente, mas por meio de um processo criador e crítico, nem compreendida como mero “enfeite” do texto, mas como um recurso que tem intencionalidade e conteúdo.

O uso da imagem como recurso pedagógico requer do professor, como mediador do conhecimento, a compreensão de suas particularidades e potencialidades. Nesses escritos, pudemos compreender, por meio desses aspectos, o uso pedagógico da charge e perceber suas contribuições no exercício do ver, do refletir, do dialogar e do criar e para o processo de conscientização

Page 243: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

243

e reconhecimento do sujeito como um ser social e histórico. Vale salientar a peculiaridade de seu uso ao proporcionar a criticidade mediada pelo riso.

Reforçamos, ainda, que são a necessários contínuos estudos e experiências em torno de recursos imagéticos mediadores do conhecimento escolar, porquanto o processo de ensino e de aprendizagem requer recursos que demonstrem a dinâmica da realidade, de modo a apresentá-la por meio de várias visões de mundo que potencializem sua compreensão. Essas diferentes formas de se ver o mundo se constituem como filmes, fotografias, xilogravuras, desenhos, pinturas, charges, história em quadrinhos, tiras, danças, músicas, repentes, teatro e escultura.

Os recursos que potencializam a aprendizagem pelos sentidos, pelos vários caminhos que rompem a visão unívoca do ensino, apresentam maneiras variadas de se ver o mundo em suas formas, cores, sons, texturas e movimentos, contribuem para a descoberta de um mundo dinâmico e complexo, conduzem à ruptura da visão estática, restrita e acabada da realidade e apresentam subsídios para o campo educacional, quando o seu uso pedagógico possibilita o exercício dos sentidos – ver, ouvir, falar e sentir – de modo humanizador.

Page 244: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

244

Referências

CARLOS, Erenildo João. Sob o signo da imagem: outras aprendizagens e competências. In: CARLOS, Erenildo João (org.). Educação e visualidade: reflexões, estudos e experiências pedagógicas com a imagem. João Pessoa: UFPB, 2008. p. 13-35.

________. Introdução: por uma pedagogia crítica da visualidade. In: CARLOS, Erenildo João (Org.). Por uma pedagogia crítica

da visualidade. João Pessoa, UFPB, 2010, p. 11-26.

COSTA, Cristina. Educação imagem e mídias. São Paulo: Cortez, 2005.

FISCHER, Rosa Maria Bueno. Foucault e a análise do discurso em Educação. Cad. Pesqui. [online]. 2001, n.114, pp. 197-223. ISSN 0100-1574. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cp/n114/a09n114.pdf>. Acesso em: 09 março 2012.

Page 245: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

245

______. Problematizações sobre o exercício de ver: mídia e pesquisa em Educação. Rev. Bras. Educ., Ago 2002, no.20, p.83-94. ISSN 1413-2478. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n20/n20a07.pdf>. Acesso em: 01/01/2012.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.  22 ed.  São Paulo: Cortez, 1988.

_______.    Pedagogia do oprimido. 43 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

_______. Ação cultural para a liberdade. 5 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

KELLNER, Douglas. Lendo imagens criticamente: em direção a uma pedagogia pós-moderna. In: Silva Tomas Tadeu (Org.). Alienígenas na sala de aula. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. p.105-131. (Coleção Estudos Culturais em Educação).

LIEBEL, Vinícius. A análise de charges segundo o método documentário. In: WELLER, Wivian; PFAFF, Nicolle (Orgs,). Metodologias da pesquisa qualitativa em Educação. Petrópolis: Vozes, 2010. p. 182-196.

Page 246: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

246

MACÊDO, José Emerson Tavares de; SOUZA, Maria Lindaci Gomes de. A charge no ensino de História. Disponível em: <http://www.anpuhpb.org/anais_xiii_eeph/textos/ST04JoséEmersonTavaresdeMacedoTC.PDF> Acessado em: 28/02/2013.

MELO, Francineide Fernandes de. Entre o discurso e a ironia: “o pintar o sete e desenhar os outros” no discurso humorístico. Dissertação de Mestrado. UFPB. João Pessoa, 2004.

MIANI, R. A. Charge: uma prática discursiva e ideológica. XXIV Congresso Brasileiro da Comunicação, Campo Grande/MS. Intercom, setembro, 2001. Anais. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/xxiv-ci/np16/NP16MIANI.pdf>. Acessado em: 28/02/2013.

MOLINA, Ana Heloísa. Ensino de História e imagens: possibilidades de pesquisa. Revista Domínios da Imagem. Londrina, v.1, n. 1, p. 15-29. nov., 2007.

MOUCO, Maria Aparecida Tavares; GREGÓRIO, Maria Regina. Leitura, análise e interpretação de charges com

fundamentos na teoria semiótica. Londrina: UEL, 2007.

Page 247: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

247

SCHLICHTA, Consuelo A. B. Duarte. Já é tempo de superar

a identificação: afinal, por que arte na escola? Curitiba: UFPR, 2009.

SILVA, Daniele de Barros Macedo. A charge em sala de aula. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/ixcnlf/5/03.htm>. Acessado em: 28/02/2013.

TEIXEIRA, Luiz Guilherme Sodré. O traço como texto: a história da charge no Rio de Janeiro de 1860 a 1930. Disponível em: <http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/oz/FCRB_LuizGuilhermeSodreTeixeira_Historia_charge.pdf>. Acessado em: 28/02/2013.

Page 248: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.
Page 249: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

249

EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO CONHECIMENTO

POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS NO USO DA IMAGEM NO ENSINO DE MATEMÁTICA

PARA JOVENS E ADULTOS

Aníbal de Menezes Maciel

Graduado em Bacharelado em Matemática, pela Universidade Federal de Campina Grande (1987); graduado em Licenciatura em Matemática, pela Universidade Estadual da Paraíba (1989); graduação em Bacharelado em Estatística, pela Universidade Estadual da Paraíba (1993); Especialista em Educação pela Universidade Federal de Campina Grande(1990); e Mestre em Educação, pela Universidade Federal da Paraíba(2002). Atualmente, é Professor Mestre da Universidade Estadual da Paraíba. Tem experiência na área de Matemática, com ênfase em Educação Matemática. Atua, principalmente, nos seguintes temas: educação de adultos, matemática, metodologia. [email protected]

Page 250: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.
Page 251: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

251

Introdução

O presente texto é uma síntese da nossa proposta de trabalho para o Doutorado em Educação da UFPB e tem como tema o uso da imagem no ensino de matemática na Educação de Jovens e Adultos (EJA), isto é, pretendemos gerar conhecimentos acerca do diálogo entre o textual e o imagético na Educação Matemática. O desejo de trabalhar nessa perspectiva decorre da nossa experiência no Magistério, iniciada no ensino fundamental, na qual constatamos as dificuldades dos alunos em compreenderem o texto escrito como base para refletir e desenvolver estratégias de resolução de problemas matemáticos.

Observamos, ainda, essas mesmas barreiras na pesquisa de Mestrado, intitulada Ensino de Matemática: uma proposta metodológica para jovens e adultos do período noturno, em que testamos a utilização de matérias publicadas em jornais para introduzir conceitos e procedimentos matemáticos, seguindo princípios sugeridos na pedagogia freireana.

Page 252: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

252

Quando da experiência com o ensino e da orientação de trabalhos acadêmicos, no Curso de Licenciatura em Matemática na UEPB, tivemos oportunidade de utilizar recursos midiáticos que auxiliaram na generalização e na abstração de conceitos e procedimentos matemáticos, servindo de meio alternativo inicial à notação escrita. Acreditamos que modelos de situações problemas representados apenas por meio da linguagem escrita, conforme apresentado nos livros-textos e pela maioria dos professores, contribuem para criar obstáculos para a aprendizagem.

O ensino de matemática tem como objetivo desenvolver conhecimentos formativos, funcionais e estéticos, apresentando um caráter universal. No Brasil, esse método de ensino não oportuniza para a maioria dos alunos uma decodificação do mundo; desconsidera o contexto cultural e social do aluno; desvaloriza os conhecimentos matemáticos apreendidos fora da escola; pouco possibilita a construção de significados e prioriza a memorização dos resultados, em detrimento da aprendizagem de processos. As consequências dessa forma de ensino são um alto índice de reprovação, evasão e desinteresse, o que gera grupos de alunos fora da faixa etária escolar. Isso, mais adiante, refletirá em pressão sobre o ensino noturno, agravado pelas condições econômicas

Page 253: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

253

de uma parte considerável dos brasileiros. Nesse sentido, “o desemprego, os baixos salários e as péssimas condições de vida comprometem o processo de alfabetização dos jovens e dos adultos” (GADOTTI, 2001, p.31).

Os efeitos negativos dessa realidade se fazem presentes no sistema produtivo, na comunidade, como um todo, e em cada indivíduo em particular. Além do mais, a necessidade de novos conhecimentos exigidos pelo mercado de trabalho faz com que jovens e adultos procurem, pela primeira vez, os bancos da escola ou voltem para eles.

Nessa direção, as principais teorias da aprendizagem trazem como fundamentos básicos para a aprendizagem de novos conhecimentos as experiências que o aluno traz em sua bagagem cognitiva. A maioria dos jovens e dos adultos apresenta um déficit de domínio de leitura e de linguagem escrita, que dificulta a compreensão dos problemas, quando apresentados a partir unicamente do texto escrito, e conhecimentos prévios distintos, pois vivenciaram experiências diferenciadas. Esses dois aspectos representam barreiras para a aprendizagem, se utilizada a metodologia de resolução de problemas. As deficiências de leitura e de interpretação de texto dificultam a compreensão dos enunciados elaborados com situações-problema. Além de

Page 254: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

254

tudo, o ensino básico dessa disciplina sofre a influência dos exames de ingresso ao ensino superior, em que se empregam metodologias e livros- textos iguais aos dos aprendizes mais jovens.

Face ao panorama acima exposto, propusemo-nos a investigar se tais limitações podem ser afetadas pelo uso de recursos didático-pedagógicos alternativos ao texto escrito, tais como imagens, narração e representação, em uma das etapas da heurística de resolução de problemas – quando do passo em que se trabalha a compreensão do enunciado do problema, tornando explícita e socializando representações mentais dos alunos. Tal proposta também se justifica pelo fato de vivermos em uma sociedade da informação, onde as relações econômicas, sociais, políticas e culturais se estendem de maneira global, tendo como esteio um fazer de cunho tecnológico, que invade o cotidiano das pessoas, sobretudo permeado pelas imagens. Giroux (1995), ao desenvolver a Pedagogia Crítica da Representação, considera que vivemos num mundo totalmente dominado pelas imagens, principalmente as geradas pelas tecnologias.

Do ponto de vista da utilização de imagem como recurso didático-pedagógico, Costa (2005) defende que a escola encontra-se entre duas revoluções: a da escrita e a da imagem.

Page 255: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

255

Essa estudiosa justifica a força comunicativa da imagem, desde a fotográfica até a digital, abordando aspectos técnicos, científicos e pedagógicos.

Assim, o objetivo principal deste trabalho é de verificar as potencialidades do uso de recursos imagéticos, como fotografias, desenhos, filmes, entre outros, no processo de ensino-aprendizagem de Matemática para jovens e adultos. Para isso, elencamos os seguintes objetivos específicos: analisar livros didáticos tendo como referenciais categorias imagéticas; desenvolver conhecimentos que permitam aplicar e analisar o impacto de uma abordagem didática alternativa de matemática em sala de aula do ensino noturno de jovens e adultos, baseados em situações-problema contextualizados, utilizando, para sua compreensão, recursos imagéticos; e analisar os impactos e as limitações do uso da abordagem didática.

Portanto, acreditamos que seja sobremaneira importante o estudo da imagem aplicado ao ensino de matemática na EJA.

Page 256: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

256

Referencial teórico: problematização e objeto de estudo

A grande demanda pelo ensino noturno para jovens e adultos criou a necessidade de se caracterizar a educação para esse público, explicitada nas Diretrizes Nacionais (1994, p. 119), das quais extraímos o seu conceito:

A educação básica de jovens e de adultos é aquela que possibilita ao educando ler, escrever e compreender a língua nacional. O domínio dos símbolos e operações matemáticas básicas, dos conhecimentos essenciais das ciências sociais e naturais, e o acesso aos meios de produção cultural, entre os quais o lazer, a arte, a comunicação e o esporte.

Além disso, deve permitir “a compreensão da vida moderna em seus diferentes aspectos e o posicionamento

Page 257: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

257

crítico do indivíduo face à sua realidade” (BRASIL, 1994, p.120), como também o acesso ao conhecimento socialmente produzido; valorizar o saber do aluno adquirido no cotidiano, “elaborado a partir de suas relações sociais e dos seus mecanismos de sobrevivência” (BRASIL, 1994, p.121), e o ambiente cultural em que vivem o jovem e o adulto, visando a uma formação cidadã.

Quanto à relação entre a educação de jovens e adultos (EJA) e o mundo do trabalho, as Diretrizes Nacionais ressaltam a importância de se considerar o trabalho não só com o objetivo de instrumentalizar o educando para que assuma, de forma crítica, o mercado, mas que seja utilizado metodologicamente no desenvolvimento dos conteúdos.

Em autores como Demo (1997), Fonseca (1999), Laterza (1994), Caporalini (1991), Carvalho (2000), Haddad (1992), Knijnik (1998) e Freire (1986), está presente a importância atribuída ao trabalho para o aluno do ensino noturno, que sugere a implantação de novas práticas pedagógicas com características próprias, específicas a esse grupo, caso contrário, estarão fadados ao mesmo insucesso que os poucos programas até agora implementados conseguiram. Por sua vez, o ensino de matemática tradicionalmente praticado nas nossas escolas apresenta o mundo como uma realidade

Page 258: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

258

estática, fruto da aplicação de atividades que se limitam a treinar o aluno, através do uso de técnicas algorítmicas e de fórmulas em exercícios padrões. Ao se apoiar unicamente nos textos escritos e acreditar em sua eficiência para construir as habilidades matemáticas, o professor promove a desmotivação e não assegura à maioria dos jovens e dos adultos uma aprendizagem significativa. Dessa maneira, ele apresenta um desconhecimento dos novos paradigmas educacionais tidos como base para compreender e agir sobre a realidade contemporânea.

Se entendermos a compreensão do mundo como construído a partir das nossas ações e das representações surgidas das reflexões sobre essas ações, quando o homem e o contexto interagem de maneira unificada, precisamos ultrapassar as visões herdadas do racionalismo cartesiano, que separava a realidade em partes estanques, por exemplo, na dicotomia mente-corpo. Essa concepção, herdeira da ciência newtoniana e da filosofia cartesiana, não mais encontra apoio nas teorias científicas atuais. Para Moraes (2010), o advento da teoria da relatividade e da mecânica quântica tornou necessário considerar as diversas dimensões do homem: a racional, a emocional, a psicológica, a biológica, a histórica, a social e a cultural, como organicamente interligadas e

Page 259: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

259

em constantes trocas entre si e o contexto, em um fluxo constante de mudanças. Tal visão gerou um novo paradigma educacional - o da complexidade. Entretanto, em uma cultura cujo acesso aos recursos midiáticos atinge a todos, como seria o pensamento matemático do jovem e do adulto com pouca formação escolar? Há poucos trabalhos nessa direção, e as abordagens adotadas nas nossas salas de aula noturna de matemática não consideram esse aspecto, uma vez que a prática docente é igual às das salas de aula para jovens na faixa de idade escolar, tendo como parâmetro o ingresso no ensino superior e baseado no domínio da escrita.

Assumimos como tese de trabalho que a utilização de modelos de situações- problemas matemáticos construídos com a experiência dos alunos e sociabilizados por meio de imagem aos jovens e adultos possibilitam a construção inicial de significado e dá suporte para que eles compreendam e desenvolvam conteúdos de conhecimentos matemáticos. Surge, então, o problema que dá origem a nossa pesquisa: como levar os jovens e os adultos do ensino noturno a desenvolverem conhecimentos matemáticos que lhes permitam atribuir significado ao aprendizado, utilizando a imagem como recurso?

Page 260: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

260

Orofino (2005) embasa, teoricamente, a cultura midiática e possíveis mediações no espaço escolar, cujo palco de produção cultural é a própria escola, e apresenta uma pesquisa destinada ao ensino de língua portuguesa, cujos resultados foram bastante satisfatórios. Mais especificamente, Carlos (2006) abordou o uso da imagem na atividade pedagógica com jovens e adultos, considerando-a como texto, como portador de mensagem, e passou a denominá-lo de texto-imagem. Assim, ele afirma: “Com ou sem coerência e coesão, o texto não alfabético é uma espécie de texto. Ele contém e confere visibilidade a certos tipos de sentidos, valores e saberes” (CARLOS, 2006, p.48). Esse autor acredita que o uso de outras linguagens, além de promover a exploração dos textos escritos, pode redimensionar e revitalizar o processo de ensino-aprendizagem; melhorar a autoestima dos alunos; diminuir a evasão escolar e desafiar os educadores a promoverem outras atividades pedagógicas.

Nesse contexto, podemos destacar que nenhum trabalho semelhante foi feito em relação ao ensino e à aprendizagem de matemática enfatizando o ineditismo da proposta, visto que não há estudo em Educação Matemática no Brasil sobre o uso do texto-imagem, considerando o aspecto do ensino para jovens e adultos. Evidentemente, ressaltamos, nesse sentido,

Page 261: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

261

que um aporte teórico mais específico será foco de estudo. Em particular, para aprofundar o estudo sobre o uso das mídias no processo de ensino e aprendizagem da matemática, tem-se utilizado tanto os trabalhos Santaella quanto os de Peirce. É com base nos estudos desses autores que podemos enfatizar que o nosso olhar para as mídias não pode se fixar apenas nos meios, sem que consideremos as linguagens e os processos sígnicos (ou os discursos e as ideologias) que eles difundem.

Na verdade, nosso trabalho se enquadra num campo de pesquisa relativamente novo, que vem sendo denominado de visualização em Educação Matemática. Flores (2012, p.32) explicita essa assertiva, informando que,

de um modo geral, o fundamento teórico é subjacente aos estudos da psicologia cognitiva problematizando aspectos do pensamento visual na aprendizagem matemática. As pesquisas situam-se, assim, no campo da didática da matemática, da semiótica e das perspectivas sócio-culturais.

Page 262: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

262

Essa autora afirma ainda que, na “educação matemática, o interesse está centrado na habilidade demonstrada pelo aluno em lidar com aspectos visuais para alcançar o entendimento matemático” (FLORES, 2012, p.34). Ela toma de empréstimo as palavras de dois outros autores para apresentar a definição de visualização matemática transcrevendo como “o processo de formação de imagens (mentais, ou com lápis e papel, ou com o auxílio de tecnologias) usando essas imagens de forma eficaz para a descoberta e compreensão da matemática” (ZIMMERMANN e CUNNINGHAM apud FLORES, 2012, p.34).

Outro aspecto que observamos no ensino de jovens e de adultos é que pouco se utiliza das imagens, a não ser nos reduzidos livros didáticos, em que aparecem muito mais como recurso ilustrativo. A imensa gama de recursos midiáticos pode contribuir para que os alunos modelem situações-problemas, com vistas a aumentar sua capacidade de reflexão crítica em ação e de reflexão crítica sobre a ação; associem e compreendam as variáveis envolvidas em cada fenômeno; pensem na resolução de problemas não repetitivos e desenvolvam sua capacidade de abstração e de generalização. Assim, destacamos o impacto social que nossa proposta de trabalho alcança.

Page 263: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

263

A sala de aula pode se transformar, então, em um espaço para trabalhar conhecimentos matemáticos de grande importância para o jovem/adulto, seja construindo conhecimentos voltados para a resolução de diversos problemas vinculados ao cotidiano ou ao mundo do trabalho, seja para superar a baixa aprendizagem de matemática. Por isso, acreditamos que nossa pesquisa trará novas contribuições para o ensino de jovens e de adultos, mais especificamente, em relação ao processo de ensino e aprendizagem de matemática, por meio de recursos imagéticos.

Page 264: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

264

Referências

BRASIL. MEC. Diretrizes para uma política nacional de Educação de Jovens e Adultos. Brasília: MEC/SEF, 1994. (Série Cadernos de Educação Básica).

CAPORALINI, M. Bernadete S. Cecília. A transmissão do conhecimento e o ensino noturno. Campinas, SP: Papirus, 1991.

CARVALHO, Célia P. de. Ensino noturno: realidade e ilusão. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

CARLOS, Erenildo J. O texto-imagem e a educação de jovens e adultos. In: Revista Conceitos, v. 6, nº 14, João Pessoa, ADUFPB, 2006, p.

COSTA, Cristina. Educação, imagem e mídias. São Paulo: Cortez, 2005.

Page 265: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

265

DEMO, Pedro. A nova LDB: ranços e avanços. Campinas, SP: Papirus, 1997.

FLORES, Cláudia R; WAGNER Débora R; BURATTO, Ivone C. F. Pesquisa em visualização na educação matemática: conceitos, tendências e perspectivas. Educação Matemática Pesquisa, São Paulo SP, v.14, p.31 a 45, 2012.

FREIRE, Paulo & SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.

FONSECA, Maria da Conceição F. R. O ensino de matemática e a educação básica de jovens e adultos. In: Revista Presença Pedagógica, v.5, n.27, mai./jun. Belo Horizonte, MG: Dimensão, 1999.

GADOTTI, Moacir e ROMÃO, José E.(orgs). Educação de jovens e adultos: teoria, prática e proposta. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2001.

GIROUX, Henry A. & MCLAREN, Peter L. Por uma pedagogia crítica. In: SILVA, Tomaz T. & MOREIRA, Antônio F. (Orgs.).

Page 266: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

266

Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais, 5. ed, Petrópolis RJ: Vozes, 1995.

HADDAD, Sérgio. Tendências atuais na educação de jovens e adultos. In: Em aberto, Brasília: ano11, nº 56, out/dez, 1992.

KNIJNIK, Gelsa. Exclusão e resistência: educação matemática e legitimidade cultural. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 1996.

LATERZA, Betânia. Ensino noturno: a travessia para a esperança. São Paulo: Global, 1994.

MORAES, Maria C. Complexidade e transdisciplinaridade na formação docente. In: MORAES, Maria C. & NAVAS, Juan Miguel B. Complexidade e transdisciplinaridade em Educação: teoria e prática docente. Rio de Janeiro: Wak, 2010.

OROFINO, Maria I. Mídias e mediação escolar: pedagogia dos meios, participação e visibilidade. São Paulo: Cortez, 2005.

PEIRCE, Charles S. Semiótica. Coleção Estudos, São Paulo: Perspectiva, 1995.

Page 267: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

267

SANTAELLA, Lúcia & NOTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica, mídia.São Paulo: Iluminuras1999.

Page 268: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.
Page 269: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

269

EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO CONHECIMENTO

QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO? LEITURA DE MUNDO E EMPODERAMENTO

DO SUJEITO-LEITOR

Francisca Vânia Rocha Nóbrega

Formada em Letras, pela Universidade Federal da Paraíba, com duas especializações, também pela UFPB - uma em Linguística, outra em PROEJA. Atua na rede pública de ensino, no Lyceu Paraibano. Tem três livros publicados: “Ponto e contraponto: releituras; Das palavras à imagem fílmica”; a “Cartomante pelo viés da Psicanálise” e o livro de poesias “Tecendo poemas nos ecos do eu”. [email protected]

Page 270: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.
Page 271: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

271

De acordo com Alves (2004), o cinema é considerado a arte mais completa do Século XX, uma vez que consegue juntar diversas formas estéticas, como a literatura, a pintura, a fotografia e a música. Todas elas em um sistema de imagens em movimento, capaz de se compreender o espaço-tempo, capturando a subjetividade do sujeito-receptor. Mas, antes de o cinema se tornar essa arte-máquina, última arte, arte total, arte síntese - nomenclaturas dadas por vários estudiosos e amantes da temática - passou por várias transformações até se configurar na arte que temos hoje.

Segundo alguns estudiosos, no princípio, a invenção do cinema não apresentava objetivos de criar uma arte dotada de exacerbada técnica, a fim de produzir recursos estéticos de grande valia, que provocassem a subjetividade dos expectadores. A técnica até existia, mas não como sinônimo de estética, como chama a nossa atenção Rosenfeld (2002). A técnica, aqui, não é entendida como o conjunto de recursos estéticos para criar uma obra de arte, mas como instrumento material e mecânico para produzir determinado aparelhamento.

Rosenfeld (2002) afirmou, também, que o cinema nasceu da necessidade do homem de querer registrar, através da imagem, seus movimentos, e que essa é uma das vontades mais antigas da humanidade. Ressalta que, em tempos passados, perseguindo essa necessidade, o homem passou a desenhar, nas paredes de

Page 272: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

272

cavernas e em árvores, movimentos do corpo humano e do de animais. Ele cita como exemplo dessa manifestação do homem para registrar seus movimentos os desenhos egípcios gravados dentro das pirâmides. O autor acrescenta que, para alguns povos antigos, a prática de tentar desenhar os movimentos humanos ou de animais representava a eterna aspiração humana de reproduzir movimentos. Uma vez que recriando o movimento pelo desenho, recria-se a própria vida e vence-se a morte, vista como trágica, como reino da imobilidade.

Os estudiosos do cinema afirmam que as imagens que saem da tela da televisão ou do cinema, na atualidade, são apresentadas ao público como um grande relatório da realidade, capaz de “saber tudo” sobre a realidade, a ponto de reproduzi-la. Essa condição foi outorgada e defendida pelos seus realizadores e produtores como uma das fontes para se compreender a realidade vivida na sociedade, e disso não se deve ter dúvida. Mas o que mais chama a atenção nessa arte é o grau de “realidade” emitida pela imagem. Talvez por isso ela consiga alcançar a subjetividade do sujeito-receptor com tanta intensidade.

De acordo com Carlos (2008), o enquadramento da câmara, os efeitos de sentido e de verdade que o jogo de cenas, de imagens e de sons produz, a substituição do mundo concreto pelo espetáculo, dos sujeitos concretos pelos personagens ficcionais, do real pelo

Page 273: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

273

imaginário e do mundo por sua imagem exigem dos indivíduos, em geral, e dos educandos, em particular, novos saberes e novas competências. Assim, e os educadores e todos aqueles que estão diretamente ligados ao processo ensino/aprendizagem devem interagir com essa nova configuração de leitura e de compreensão do mundo presente nas sociedades modernas.

Ainda de acordo com esse autor, nesse contexto, ler, interpretar ou analisar criticamente o mundo digitalizado e o conteúdo semiótico de sua representação exige a apropriação consciente e intencional dessa nova realidade, de sua lógica e de sua configuração. Portanto, essa nova ordem da leitura visual, imagética, requer uma nova formação para os educadores e uma reforma em sua sistematização do uso da imagem e, de modo particular, no modo como os filmes são usados em sala de aula como recursos didático-pedagógicos.

Assim, segundo Carlos (2008), esses novos saberes e essas novas competências requerem da escola e dos educadores (pais, professores, especialistas e gestores escolares) um tratamento mais sistemático e intenso, no sentido de entender o funcionamento da cultura visual e as estratégias que são empregadas na captura do olhar, sobretudo, estimular nos indivíduos o desejo de analisarem criticamente o conteúdo simbólico e cultural consubstanciado nas representações imagéticas postas em circulação pela mídia, tornando-se, então,

Page 274: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

274

uma prática poderosa no empoderamento do sujeito-leitor e do sujeito-educando em sua prática de cidadania, de ética e de sujeito produtor da história do mundo e da própria história.

Carlos (2008) ressalta, ainda, que a aparição da imagem e de seu uso como mediação da sociabilidade não é um acontecimento recente. Ambos os eventos – aparição e uso – são invenções anteriores à própria escrita, uma vez que, antes de escrever, os homens aprenderam a desenhar, a pintar, ou seja, a simbolizar o mundo e seu entendimento sobre ele. Aprenderam a representá-lo para visualizá-lo e lembrá-lo, expressar e perpetuar sua visão de mundo, seus sonhos e desejos. Ele refere que esse processo de culminância foi alcançado nos três últimos séculos.

Essa concepção é partilhada com Bakhtin (1999), ao afirmar que o mundo é um conjunto de sinais e símbolos, sendo que o símbolo permite ao homem constituir-se como ser cultural e simbólico. Assim, nesse movimento entre sinais e símbolos, percebemos como os sujeitos reconhecem a realidade da qual fazem parte. Por isso Bakhtin (1999, p.) afirma:

[...] não são as palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, tristes ou alegres. Portanto, a palavra está sempre

Page 275: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

275

carregada de um conteúdo ou de um sentido, ideológico ou vivencial.

Fica clara, então, a necessidade de se trabalhar a leitura da imagem em sala de aula, para que os educandos reconheçam, na imagem, os símbolos e os sinais que o constituem como pessoas, seres humanos, com uma história passada, uma presente e uma futura. Além disso, nos dias de hoje, ser alfabetizado, isto é, saber ler e escrever, tem se revelado condição insuficiente para responder adequadamente às demandas da sociedade frente às novas tecnologias, de modo particular, à cultura midiática, à visual e ao mundo da digitalização, com destaque para a concepção de leitura de Paulo Freire (1985, 11-12):

A leitura de mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura dessa não possa prescindir da continuidade daquela. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre texto e seu contexto.

Page 276: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

276

Segundo Freire (1985), ler o mundo é um exercício de compreensão da realidade na qual se está inserido; é passar da consciência ingênua para a crítica. É, pois, tomar consciência do contexto sociocultural do lugar onde se encontrar, deixando de ser um indivíduo e passando a ser um sujeito ativo, transformador da própria história e da história da humanidade. É, pois, aprender a Ser mais, a deixar de ser massa e passar a povo, gente, pessoa consciente dos seus direitos.

Portanto, o exercício de se ler o mundo é indispensável para a transformação dos sujeitos, principalmente dos que compõem os setores mais excluídos de nossa sociedade, onde impera um capitalismo predatório e globalizado que espalha, como disse Freire, “a miséria em meio à fartura”. Assim, ler o mundo criticamente vai além da leitura das palavras. Perpassa o universo tecnológico da cultura midiática e da cultura da imagem, haja vista estarmos vivendo a era em que predomina nas sociedades o signo da imagem. Consequentemente, é indispensável que saibamos ler essa imagem em suas amplas e variadas dimensões.

Diante do exposto, percebemos que, para se ler o contexto onde se está inserido, é necessário que se aprenda a ler a estrutura social dominante, sua economia, sua política, seus valores étnicos e culturais. Logo, o recurso mais adequado para facilitar e ampliar essa apreensão, é a imagem fílmica, em que

Page 277: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

277

personagens fictícios assumem o papel de sujeitos concretos e, muitas vezes, revelam-nos o que não enxergamos sozinhos, ou seja, a imagem dá visibilidade às relações de exploração e de poder que predominam em nossas estruturas sociais.

Nesse sentido, Carlos (2008) observa que ler o mundo, através da imagem, significa adentrar o mundo cultural, analisar e interpretar as imagens e perceber que elas são signos associados ao consumo, ao poder, ao saber, ao desejo e à emoção. Hoje, sobretudo, as sociedades vivenciam a presença massiva das imagens através dos meios eletrônicos. O autor enuncia que esse fenômeno, que vem dominando o campo social, por meio da televisão, do computador, da internet, do vídeo, do cinema, do rádio, da revista, do jornal, do autdoor, do banner e de outras formas de comunicação imagética, sonora e virtual é denominado de cultura midiática. Diante desse quadro, a escola tem uma grande tarefa a perseguir: preparar as novas gerações para o uso consciente das novas tecnologias e para o consumo crítico das imagens.

Carmo (2003) assevera que educar pelo cinema ou utilizá-lo no processo escolar é ensinar a ver diferente. É educar o olhar. É decifrar as imagens da modernidade na moldura do espaço imagético. O autor diz que cinéfilos e consumidores de imagens, em geral, são espectadores passivos. Na verdade, eles são consumidos pela imagem.

Page 278: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

278

Aprender a ver cinema é, segundo Carmo, realizar o exercício da passagem de espectador passivo para espectador crítico. É esse, então, o exercício obrigatório para todos os educadores que utilizam o filme em sala de aula como um recurso didático e pedagógico.

Confirmando essa concepção de leitura crítica do mundo e de seus desdobramentos pelo viés do signo da linguagem, temos o posicionamento de Walter Benjamin (1996), ao afirmar que nenhum meio artístico, atualmente, reflete tão bem o homem e sua compreensão do mundo como a arte cinematográfica: “mas nada revela mais claramente as violentas tensões do nosso tempo que o fato de que essa dominante tátil prevalece no cinema, através do choque de suas sequências de imagens” (BENJAMIN, 1996, p. 194). As sequências de imagens fazem parte da narrativa cinematográfica, da linguagem que é própria do cinema e que nos leva a uma leitura profunda e crítica das imagens apresentadas na tela.

É nessa concepção da imagem como mediadora da construção crítica do conhecimento, de instrumento de empoderamento do sujeito-leitor, que aprende, como disse Larrosa (2006), a educar o olhar, a ampliá-lo, a inquietá-lo e a fazê-lo pensar, como recurso didático-pedagógico no

Page 279: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

279

processo ensino/aprendizagem nas escolas, através da leitura da imagem pelo viés do cinema, que trago o filme “Quem quer ser um milionário?”, para mostrar que as problemáticas que nele são questionadas não se restringem a determinada cultura, a determinada sociedade, mas são vivenciadas por muitas sociedades, principalmente a dos países mais pobres, como os da América Latina, nas relações de exploração e de poder, que se assemelham ou são iguais, tendo em vista o que nos afirma Carlos (2008, p. 14):

Em um cenário histórico-cultural, marcado pelo signo da imagem e da cultura visual, pelo imperativo da aquisição da informação, por meio do jogo das cores, das formas e dos movimentos iconográficos é imprescindível que os indivíduos aprendam a lidar com essa realidade. Com efeito, o exercício da cidadania contemporânea demanda a aprendizagem de novas competências, exige uma educação do olhar, do ver e do analisar criticamente o mundo pela mediação da imagem. Tradicionalmente, a escola tem construído um processo ensino-aprendizagem, um currículo, uma dinâmica da apropriação do conhecimento regido pelo paradigma da escrita.

Page 280: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

280

Portanto, é perseguindo essas novas orientações pedagógicas, centradas no eixo vivido pela era conhecida como modernidade e em suas novas tecnologias e saberes, que se encontram configuradas, no mundo da digitalização, do universo midiático e da cultural visual, que chamo a atenção dos educadores para a necessidade urgente de se trabalhar o conhecimento escolar utilizando esses novos saberes como instrumento didático-pedagógico, no processo ensino/aprendizagem como empoderamento do sujeito-leitor, mais especificamente, pela leitura da imagem, que os ajuda, como sujeitos conscientes, a analisarem o mundo e as pessoas que dele fazem parte, portanto, a utilização da imagem como um instrumento de emancipação, libertação e construção da cidadania. No filme, “Quem quer ser um milionário?”, encontramos essa aula de cidadania, de luta pela igualdade, pela inclusão e pela justiça social.

Para Costa (2005), foi o desenvolvimento dos meios de comunicação, em especial, das tecnologias de registro de imagens, como a fotografia e o cinema, que foi aberto espaço para o estudo sistemático das imagens. Essa autora (2005, p. 21) assevera que

a informática foi a ciência e a tecnologia responsável pelo desenvolvimento dos

Page 281: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

281

processos de produção da imagem, não só aqueles mais conhecidos e populares, referentes aos meios de comunicação e à cultura de massa, mas também aqueles introduzidos na indústria, no comércio e na ciência. Arquitetura, Medicina e segurança pública são algumas das áreas de que a imagem digital passou a fazer parte.

Consequentemente, aliar a imagem cinematográfica ao processo ensino-aprendizagem não é utópico, ao contrário, é uma exigência da nova era, chamada de modernidade, presente no cotidiano dos educandos e dos educadores, porque são instrumentos de fácil acesso dentro de nossas casas, utilizados por nossos filhos, seja como instrumentos de diversão, lazer ou comunicação, seja como aliados na aquisição autônoma do conhecimento.

Na concepção de Carlos (2008), ao usar o filme em sala de aula, como um texto-imagem, mediante o qual são veiculados valores, atitudes, comportamentos e saberes que produzem efeitos sobre a consciência e a conduta dos indivíduos, em suas diferentes posições na sociedade, e que reproduz também as relações de exploração e de poder vivenciadas pelo espectador, presentes nas sociedades mundiais, estamos desenvolvendo atividades didáticas

Page 282: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

282

e pedagógicas que contribuem para a formação reflexiva e crítica dos nossos educandos.

Nessa concepção de cinema como texto-imagem (CARLOS, 2008), aponto o filme “Quem quer ser um milionário?” como um recurso didático-pedagógico no processo ensino-aprendizagem como um instrumento de empoderamento do sujeito-leitor de imagens, porquanto nos oferece um universo riquíssimo de análise do contexto histórico, social, político, econômico, religioso, ético e cultural em que as personagens estão inseridas.

O personagem principal do filme é Jamal, um jovem de dezoito anos, de família indiana mulçumana, irmão caçula de Salim. Órfãos, ainda muito pequenos, graças à guerra religiosa, eles são lançados às aventuras aterrorizantes dos excluídos e obrigados a travar uma verdadeira batalha diária pela sobrevivência. Nessa luta constante, passam muita fome, muitas privações e sofrimentos. Enfrentam a exploração do trabalho infantil, gerenciada pelo crime organizado, em que até meninos que têm uma bela voz, que tende para o canto, têm os olhos vazados, para que o canto seja triste, melancólico, doído e consigam esmolas generosas.

As personagens Salim e Jamal são inseparáveis. Uniram-se para sobreviver em meio à miséria. Têm somente um ao outro. Mas, ao longo da vida, tomam caminhos diferentes. Separaram-

Page 283: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

283

se, devido às concepções de valores sociais e humanos diferentes de cada um. Porém o motivo chave para a separação é Latika, a menina com a qual conviveram quando crianças e que fora explorada pela quadrilha do crime, na área da prostituição infantil, graças a sua beleza. Salim, o irmão mais velho, busca o caminho do crime, do dinheiro fácil, da boa vida; Jamal, ao contrário, busca o caminho do trabalho, da honestidade, da dignidade, da coragem, da persistência e da esperança. Escolhas diferentes, caminhos diferentes, valores diferentes, vidas diferentes.

Ver, sobretudo, ler um filme como esse, na perspectiva freireana, de leitura de mundo, é uma prática pedagógica riquíssima, pois os alunos fazem uma leitura da realidade histórica, social, econômica e política em que estão inseridos, contextualizando-a com outras realidades fora do Brasil. É praticar o que afirma Silva (2004), ou seja, compreender que o cinema, em sala de aula, é um recurso didático-pedagógico que se constitui como um saber fundamental para romper as barreiras entre o cotidiano da escola e a vida fora dela; trabalhar um saber que mostra a vida como ela é, já que muitas daquelas representações são bem reais na vida dos nossos alunos. A autora acrescenta que trabalhar com as imagens fílmicas na sala de aula serve também para diluir separações metodológicas entre o pensar, o sentir e o aprender.

Page 284: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

284

Referências

ALVES, Giovanni. Cinema como experiência crítica: uma

hermenêutica do filme. 2004. Disponível em HTTP://renatoathias.wordpress.

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. de Michel Lahud e Yara Frayeshi Vieira. São Paulo: Hucitec, 1999.

BARTHES, Roland. A aventura semiológica. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Trad. de Sérgio Paulo Rouanet. 6 ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996.

CARLOS, Erenildo João (Org.). Educação e visualidade: reflexões, estudos e experiências pedagógicas com a imagem.

João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2008.

Page 285: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

285

____. O texto-imagem e a educação de jovens e adultos. Revista

Conceitos, João Pessoa, v. 6, n. 13, p. 42-50, ago., 2005/ago. 2006.

COSTA, Cristina. Educação, imagem e mídias. São Paulo: Cortez, 2005.

DUARTE, Rosália. Cinema & Educação. Belo Horizonte, Autêntica, 2002

FAHEINA, E. F. A.; VICENTE, D. S. S.; LEAL, Maria Cristina Viana; Oliveira, Raquel Batista; Eloy, Silva Regina Tavares; CARLOS, Erenildo João. O uso de filmes como mediação da prática docente: um exercício do fazer. In: XI Encontro de

Extensão e XII Encontro de Iniciação à Docência. João Pessoa. Editora Universitária da UFPB, 2009.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. Ed. São Paulo: Cortez, 1985.

LARROSA, Jorge. Ninõs atravessando El paisaje: notas sobre cine e infância. In: DUSSEL, Inês; GUTIERREZ, Daniela.

Page 286: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

286

(Orgs.). Educar a mirada: políticas pedagógicas de la imagen. Buenos Aires: Ed. Manantial, FLACSO, OSDE, 2006.

Quem quer ser um milionário? Direção de Danny Boyle, Duração de 120 minutos. Distribuidora: Europa Filmes.

RESENFELD, Anatol. Cinema e indústria. São Paulo. Ed. Perspectiva, 2002.

SILVA, Roseli Pereira. Cinema e Educação. São Paulo: Cortez, 2004.

Page 287: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.
Page 288: EDUCAÇÃO E VISUALIDADE: A IMAGEM COMO OBJETO DO … · relação professor-aluno em cinco turmas do 7º ano do Ensino Fundamental II, numa escola particular de João Pessoa-PB.

Esta obra foi produzida naEditora da UFPB