Educação contextualizada com o campo

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XXª SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DO VALE DO SÃO FRANCISCO / I° ENCONTRO DE GEOGRAFIA DO VALE DO SÃO FRANCISCO:25 A 29 DE AGOSTO DE 20014/ ISSN: 2358-2421 – PETROLINA PE EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA COM O CAMPO: UMA ANÁLISE DOS ASSENTAMENTOS DO MST Luciana Santos Souza 1 [email protected] UPE-Universidade de Pernambuco Campus Petrolina RESUMO Presencia-se a decadência do setor educacional, pois a escola que deve possibilitar ao sujeito ser autônomo, modificador da sua história, em sua maioria, tem (de)formado o individuo para servir a um sistema que o aliena, na incessante busca de um falso “desenvolvimento econômico e social” que na verdade, não abrange a todos, e essa alienação é imposta ao educando desde as series iniciais do Ensino Básico, quando o professor já oriundo de uma formação precária, se coloca como neutro frente aos acontecimentos sociais e políticos que permeiam a escola. Assim, ao servir o modelo burguês de educação, conteúdista, burocrático e sem contexto com o mundo real, o educador passa a ser instrumento primordial na perpetuação da ideologia a serviço do capital. Já na educação realizada no campo, essa maneira de educar se faz mais devastadora ainda, pois possibilita a inserção passiva da territorialização do capital no campo, expropriando camponeses, com a ilusão de que esse é o único caminho para o desenvolvimento das comunidades rurais. Para quebrar essa lógica perversa entende-se que é necessário repensar o processo de ensino aprendizagem que deve ser realizado de maneira contextualizada com o cotidiano do aluno, de modo que ele possa interferir nos problemas sociais da sua comunidade e conhecer não só os acontecimentos do espaço geográfico, mas sua dinâmica na história e o porquê de sua ocorrência. Com a realização desse artigo objetiva-se analisar a educação realizada no campo, em especial a do Semiárido nordestino, já que este carrega o estigma de uma região problema para o país agravados pela noção determinista criada pela elite, de uma região da “seca” e da miséria, sendo incapaz de desenvolver-se sem ajuda do grande capital. Sendo essa pesquisa uma análise sobre como está sendo realizada a educação no campo, o ambiente educacional foi fonte principal de estudo, sendo assim, as análises foram focadas nos discentes e docentes, levando em consideração a vivência destes com o Semiárido. E com o objeto de estudo sobre o prisma geográfico foi utilizado a categoria “Território” por compreender que as relações de poder existentes nem sempre são evidenciadas. Palavras-chave: Ensino-aprendizagem. Contextualização. Campo. MST. 1 Licenciada em Geografia pela Universidade de Pernambuco Campus Petrolina no ano de 2008. Pós-graduanda em Ensino de Geografia na mesma instituição de ensino, 2014.

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Presencia-se a decadência do setor educacional, pois a escola que deve possibilitar ao sujeito ser autônomo, modificador da sua história, em sua maioria, tem (de)formado o individuo para servir a um sistema que o aliena, na incessante busca de um falso “desenvolvimento econômico e social” que na verdade, não abrange a todos, e essa alienação é imposta ao educando desde as series iniciais do Ensino Básico, quando o professor já oriundo de uma formação precária, se coloca como neutro frente aos acontecimentos sociais e políticos que permeiam a escola. Assim, ao servir o modelo burguês de educação, conteúdista, burocrático e sem contexto com o mundo real, o educador passa a ser instrumento primordial na perpetuação da ideologia a serviço do capital. Já na educação realizada no campo, essa maneira de educar se faz mais devastadora ainda, pois possibilita a inserção passiva da territorialização do capital no campo, expropriando camponeses, com a ilusão de que esse é o único caminho para o desenvolvimento das comunidades rurais. Para quebrar essa lógica perversa entende-se que é necessário repensar o processo de ensino aprendizagem que deve ser realizado de maneira contextualizada com o cotidiano do aluno, de modo que ele possa interferir nos problemas sociais da sua comunidade e conhecer não só os acontecimentos do espaço geográfico, mas sua dinâmica na história e o porquê de sua ocorrência. Com a realização desse artigo objetiva-se analisar a educação realizada no campo, em especial a do Semiárido nordestino, já que este carrega o estigma de uma região problema para o país agravados pela noção determinista criada pela elite, de uma região da “seca” e da miséria, sendo incapaz de desenvolver-se sem ajuda do grande capital. Sendo essa pesquisa uma análise sobre como está sendo realizada a educação no campo, o ambiente educacional foi fonte principal de estudo, sendo assim, as análises foram focadas nos discentes e docentes, levando em consideração a vivência destes com o Semiárido. E com o objeto de estudo sobre o prisma geográfico foi utilizado a categoria “Território” por compreender que as relações de poder existentes nem sempre são evidenciadas.

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EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA COM O CAMPO: UMA ANÁLISE

DOS ASSENTAMENTOS DO MST

Luciana Santos Souza1

[email protected]

UPE-Universidade de Pernambuco Campus Petrolina

RESUMO

Presencia-se a decadência do setor educacional, pois a escola que deve possibilitar ao sujeito

ser autônomo, modificador da sua história, em sua maioria, tem (de)formado o individuo para

servir a um sistema que o aliena, na incessante busca de um falso “desenvolvimento

econômico e social” que na verdade, não abrange a todos, e essa alienação é imposta ao

educando desde as series iniciais do Ensino Básico, quando o professor já oriundo de uma

formação precária, se coloca como neutro frente aos acontecimentos sociais e políticos que

permeiam a escola. Assim, ao servir o modelo burguês de educação, conteúdista, burocrático

e sem contexto com o mundo real, o educador passa a ser instrumento primordial na

perpetuação da ideologia a serviço do capital. Já na educação realizada no campo, essa

maneira de educar se faz mais devastadora ainda, pois possibilita a inserção passiva da

territorialização do capital no campo, expropriando camponeses, com a ilusão de que esse é o

único caminho para o desenvolvimento das comunidades rurais. Para quebrar essa lógica

perversa entende-se que é necessário repensar o processo de ensino aprendizagem que deve

ser realizado de maneira contextualizada com o cotidiano do aluno, de modo que ele possa

interferir nos problemas sociais da sua comunidade e conhecer não só os acontecimentos do

espaço geográfico, mas sua dinâmica na história e o porquê de sua ocorrência. Com a

realização desse artigo objetiva-se analisar a educação realizada no campo, em especial a do

Semiárido nordestino, já que este carrega o estigma de uma região problema para o país

agravados pela noção determinista criada pela elite, de uma região da “seca” e da miséria,

sendo incapaz de desenvolver-se sem ajuda do grande capital. Sendo essa pesquisa uma

análise sobre como está sendo realizada a educação no campo, o ambiente educacional foi

fonte principal de estudo, sendo assim, as análises foram focadas nos discentes e docentes,

levando em consideração a vivência destes com o Semiárido. E com o objeto de estudo sobre

o prisma geográfico foi utilizado a categoria “Território” por compreender que as relações de

poder existentes nem sempre são evidenciadas.

Palavras-chave: Ensino-aprendizagem. Contextualização. Campo. MST.

1 Licenciada em Geografia pela Universidade de Pernambuco Campus Petrolina no ano de 2008. Pós-graduanda

em Ensino de Geografia na mesma instituição de ensino, 2014.

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1 INTRODUÇÃO

A educação sempre foi elemento primordial para o desenvolvimento social, no entanto, sabe-

se que, historicamente, ela não é ofertada com a mesma qualidade a todos. E quando essa

análise parte para a educação no campo, percebe-se que a mesma não tem o desenvolvimento

desse espaço como primordial, mas como uma preparação para a saída do educando para os

perímetros urbanos, ou pela permanência neste, não como detentor da sua terra de trabalho,

mas como assalariado a serviço dos grandes latifundiários. O que no Vale do São Francisco se

configura a partir dos grandes perímetros irrigados e agroindústrias que se instalaram na

referida região.

Dentro dessa lógica, o Semiárido sãofranciscano, marcado por questões climáticas, tem se

transformado em um espaço de produção de riquezas para uma minoria conhecedora de suas

potencialidades. Dessa forma, a educação contextualizada com Semiárido torna-se

fundamental para além de tornar o aprendizado significativo, ampliar o conhecimento sobre a

região, possibilitando o desenvolvimento real das famílias camponesas, desenvolvimento que

contribua para a convivência com o campo e não para sua expropriação ou territorialização do

grande capital. Entende-se que toda essa mudança só é possível a partir da educação mediada

pela escola, que em seu espaço deve dar a possibilidade do educando permanecer em sua

terra, aprendendo a conviver com essa terra de trabalho, mesmo nos períodos de seca

prolongada, de modo a explorar melhor o seu potencial econômico, em especial, o Semiárido

nordestino.

A educação contextualizada com o campo pode, ainda, revelar as relações de poder existentes,

quebrar paradigmas e expor aos camponeses os caminhos necessários para se ter

representações no poder. Por este motivo, ela é temida e por muito tempo tem sido excluída

dos currículos das escolas do Semiárido. Apesar disso, os movimentos sociais, em especial o

MST- Movimento dos Sem Terra, tem desenvolvido uma educação nas escolas do campo

diferente da que interessa ao Estado. Uma educação que é trabalhada a partir do cotidiano dos

alunos, quebrando a lógica perversa e contraditória do sistema capitalista.

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2 EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA NO COLÉGIO PAULO FREIRE-

ASSENTAMENTO SÃO FRANCISCO, VALE DO SALITRE-JUAZEIRO-BAHIA

O assentamento São Francisco, lócus da pesquisa, está localizado no Vale do Salitre, zona

rural da cidade de Juazeiro, Bahia. Foi fundado em 1999, tornando-se assentamento somente

em 2001. As 103 famílias do assentamento contam com uma unidade de ensino, Colégio

Paulo Freire, extensão do Colégio Vereador Amadeu Damásio, situado na comunidade de São

Gonçalo. O Colégio Paulo Freire tem um total de 126 alunos e funciona nos três turnos, com

turmas de Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos (EJA).

A escola Paulo Freire funciona com estrutura simples, entretanto, muito bem organizada, os

professores são estimulados a tratar desde cedo com as crianças sobre as questões do campo,

conflitos e lutas. Trabalhando os conteúdos do livro didático com a realidade da localidade e

com as tarefas com a terra, sendo frequente a saída desses educandos para aulas externas a

estrutura da escola.

Outro fator observado é que os professores, além dos livros que a prefeitura fornece, tem

como fontes de pesquisa literaturas de autores da própria região. O que se percebe nesses

movimentos de luta social, é que questões políticas são trabalhadas no ambiente escolar

mesmo para as crianças mais novas.

Constatou-se que os pais, camponeses, residentes no assentamento São Francisco, apesar de

não ter tido a oportunidade, em sua maioria, de concluir os estudos básicos, fazem questão

que os filhos cursem no futuro uma faculdade, no entanto, também não abrem mão que a

educação básica seja adequada ao trabalho com a terra, já que para eles a terra representa a

própria vida, sendo o trabalho familiar essencial para o sustento da família.

3 A LDB E A EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA NAS ESCOLAS DO CAMPO

A educação contextualizada para a zona rural é definida pela Lei de Diretrizes e Bases da

Educação no seu Capítulo II, Artigo 28, deixando claro que cabe aos sistemas de ensino

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promover, as adequações necessárias para a promoção do ensino diferenciado para seus

discentes. Assim a LDB, Lei nº 9394/96, 1996, define:

Art. 28º. Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de

ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às

peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:

I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e

interesses dos alunos da zona rural;

II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar

às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;

III - adequação à natureza do trabalho na zona rural.

No entanto, a Lei de Diretrizes e Bases não garante a aplicação de suas diretrizes. Observa-se

que poucas instituições de ensino realizam uma educação adequada a realidade das

populações rurais. De acordo com Reis, 2011, p.64,

O que se percebe é que ao longo da nossa história, [...], na verdade não

houve muita preocupação por parte dos sistemas educacionais, com o que se

ensina, por que se ensina e para que se ensina nas escolas. Não existe na

verdade, qualquer esforço de se pensar a formação dos alunos numa visão

antropológica, cultural, política e social, com um currículo que demonstrasse

um compromisso com a diversidade étnico-cultural, sócio-econômica em

consonância com o mundo do trabalho e as problemáticas e possibilidades

locais ou regionais.

Assim, fica evidente que, a falta de uma educação contextualizada com a realidade do campo

não é recente. E ainda que, mesmo com a criação de leis que definem a obrigatoriedade de

uma educação diferenciada para o campo, poucos progressos foram alcançados ao longo dos

anos.

De acordo com Freire, (1996), o processo educativo não pode se restringir a repetição de

conteúdos, deve ser um processo criativo, construir e reconstruir a realidade e constatar os

problemas sociais para mudar. Em outras palavras, a importância da contextualização da

educação se deve, por entender que contextualizar significa dar sentido e, no que tange aos

conteúdos ministrados em sala de aula, contextualizar é dizer ao educando, você está inserido

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no espaço geográfico como protagonista, por isto a urgência em modificar os métodos de

ensino nas escolas do campo.

4 EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA PARA A QUEBRA DE PARADIGMAS

A falta de uma educação contextualizada com o campo, em particular o Semiárido, alimenta

ainda, o paradigma de um Nordeste sempre seco, com cenários marcados pela presença de

carcaças de gado expostas. Caricatura esta, criada para alimentar a relação de dependência

desta região, e uma maneira encontrada pela elite de perpetuação do poder sobre as classes

menos favorecidas. Reis, 2010, p. 111salienta,

Foi a utilização desse fator climático que permitiu criar-se a visão de

calamidade pública que até hoje vigora na ideia e no imaginário social da

população do Nordeste e do Brasil, levando-se, equivocadamente, a

compreender o Semiárido brasileiro apenas pela representação idealizada da

fome e da miséria. Na verdade, existem muitas outras coisas nessa região

que precisariam de maior visibilidade, as quais, muitas vezes, a imprensa

não se preocupa em mostrar, pois, quando se fala em seca, a imprensa

nacional fala exatamente das regiões do agreste, onde, muitas vezes, se cria o

gado e logo na primeira falta de chuva, se os criadores não possuírem

reservatórios ou outras fontes de água, o gado morre.

A esse respeito, os livros didáticos empregados nas escolas do Sertão, em especial as do

campo, também reproduzem esse poder hegemônico, colocando a região Nordeste como

atrasada economicamente, e o Bioma Caatinga como pobre e sem vida, uma herança da

reprodução do pensamento da elite burguesa e colonialista.

Reis (2010), afirma que os livros didáticos presentes na região do Semiárido reforçam a

imagem negativa do Nordeste e coloca os seus moradores como ignorantes e inferiores. Onde

a maioria dos livros, disponibilizados pelo Estado, são escritos e publicados nas regiões

centros do poder, fugindo da realidade local.

Observa-se que o livro didático é para a maioria dos educadores o único instrumento de

auxilio da aprendizagem nas aulas de geografia. E por assumir tal importância, a escolha do

mesmo deve ser uma ação cuidadosa, tendo em vista ainda que este mesmo livro pode ser

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também “o único livro que a criança recebe, o primeiro e o último que lhe cai nas mãos”

Oliveira (1984) apud Schaffer (2003, p.141-142).

Apesar disso, é preciso ressaltar que “a qualidade do processo de ensino e de aprendizagem

dependem muito mais do desempenho do professor do que da qualidade do livro didático.”,

Ibidem, p. 145. O que remete a conclusão de que, mais importante do que a escolha do livro

didático é a qualidade da formação do professor de geografia que irá ministrar a aula, pois

este deve ser um profissional preparado para fazer uma ponte entre o que se ensina e o que se

aplica a realidade do aluno, atento as informações contidas nesses livros, inclusive para

questioná-las se necessário. A esse respeito,

Esse olhar geográfico tem de ser construído ao longo do processo de

formação do profissional, sempre se perguntando a respeito da contribuição

que a análise geográfica pode dar à interpretação da realidade, à analise das

questões que envolvem a sociedade, pois que é fundamental pensar o futuro.

A formação do profissional deve dar conta da dimensão prospectiva, pois os

alunos de hoje serão profissionais de amanhã e ao formá-los com os

parâmetros de hoje já estamos em atraso (CALLAI, 1999, p. 22).

Percebe-se que a formação precária das licenciaturas no país tem colocados na sala de aula

professores que tem o livro didático como um guia a ser seguido fielmente, sem

questionamento ou criticas, o que tem tornado a aprendizagem neutra e sem significado, como

mera repetição de informações. “É fundamental então que se consiga transformar a

geografia em algo vivo, que diga respeito à vida, ao mundo real, que não sejam questões

estranhas e distantes no sentido de não se perceber que sejam da vida, da sociedade.”

Ibidem, p.23.

Souza Neto (2008) vai além, ao dizer que muitos professores, que tiveram uma formação ruim

tenderão a ver nos livros sua tábua de salvação, reproduzindo de forma fiel aquilo que leram

nos livros, e continua dizendo que caso o professor não tome consciência do que está

ensinando, não será ele que estará ensinado, mas o livro e o currículo. E que caso não se faça

uma análise do que se está ensinado corre-se o risco de reproduzir inclusive preconceitos.

Para Pontuschka (2007), existe uma dificuldade das licenciaturas de geografia em organizar

um currículo que possibilite a formação de profissionais que façam uso da pesquisa para o

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ensino básico, como se esse nível de ensino não necessitasse do desenvolvimento de

pesquisas.

Assim, além de dominar conteúdos, é importante que o professor desenvolva

a capacidade de utilizá-los como instrumento para desvendar e compreender

a realidade do mundo, dando sentido e significado a aprendizagem. À

medida que os conteúdos deixam de ser fins e passam a ser meios para a

interação com a realidade, fornecem ao aluno os instrumentos para que possa

construir uma visão articulada, organizada e crítica do mundo

(PONTUSCHKA, 2007, p. 97).

O professor deve essencialmente conhecer a disciplina que leciona, o seu objeto de estudo,

que na geografia é o espaço geográfico. Porém, mais que dominar a técnica é preciso adquirir

ainda, o conhecimento pedagógico para o desenvolvimento das aulas e os desafios que se

seguirão, pois estarão diante de sujeitos de realidades diversas, com problemáticas diversas,

dai a importância de conhecer a realidade da vivência do cotidiano do aluno.

Assim, o professor que pretende realizar uma educação contextualizada deve iniciar sua aula

com perguntas e não com respostas prontas, como se estivesse ensinando a receita de um

bolo, caso o contrário, estará formando sujeitos acríticos, incapazes de enfrentar os desafios

de um sistema econômico que em sua natureza é extremamente excludente.

No tocante as análises sobre a reprodução do estigma de uma região Nordeste como de

constante miséria, conclui-se que essa imagem só poderá ser quebrada quando as instituições

de ensino não mais a reproduzirem, e isso só será possível com a educação contextualizada

com a vida dos educandos, pois desconstruir um estigma enraizado na história nordestina não

é tarefa fácil, mas, não é impossível. Para tanto, o professor é peça fundamental; sua formação

deve ser qualificada; seu fazer escolar deve ser o de constante pesquisador, atento as

transformações da comunidade que envolve a escola; ele deve principalmente atuar como

mediador do conhecimento permitindo ao aluno ser o protagonista de sua história.

6 A ESCOLA COMO INSTRUMENTO DE DOMINAÇÃO PELO ESTADO

BURGUÊS

O professor se depara com processos extremamente burocráticos dentro do campo

educacional; são preenchimentos de formulários para controle da educação pelo Estado, notas

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quantificadas, faltas, relatórios. Todos esses processos roubam um tempo que poderia ser

direcionado para aulas mais criativas, no entanto, o Estado não investe na simplificação dos

processos formais, pelo contrario, o que tem ocorrido é uma sobrecarga ao educador, criando

cada vez mais formalidades.

Dessa maneira, a escola orientada pelo Estado acarreta ainda mais o profissional, diminuindo

até mesmo suas horas de lazer, a exemplo tem-se a exigência de um grande número de

processos avaliativos, preparativos principalmente para êxito em exames promovidos pelo

Estado, ou ao exigir que o professor cumpra com todo o conteúdo do livro didático, tornando

o tempo para o desenvolvimento de pesquisas com os educandos quase que escasso. “É por

isso que é necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de

uma alternativa educacional, significativamente diferente.” Mézáros, 2007, p.198.

Stevan Mézáros (2007) fala do tempo livre como necessário para o desenvolvimento continuo

da sociedade, no entanto, esse tempo é cada vez mais diminuído em virtude da necessidade de

exploração do trabalhador e geração cada vez maior de capital para o Estado. Assim, a esse

respeito,

A produção de tempo livre no curso da história, como a condição necessária

da emancipação, é uma grande realização coletiva. Como tal, é inseparável

do desenvolvimento progressivo da humanidade, da mesma maneira como o

conhecimento- e o conhecimento cientifico historicamente cumulativo

relevante de modo direto ao processo de reprodução societária- é também

impensável sem o sujeito coletivo da humanidade, e se estende a toda

história. Contudo, o capital expropria para si o tesouro de todo o

conhecimento humano e, arbritariamente, atribui legitimidade somente às

suas partes passíveis de se explorar lucrativamente [...]. Naturalmente, o

capital se relaciona da mesma forma com o tempo livre historicamente

produzido pela sociedade (MÉZÁROS, 2007, p. 52).

Para Mézáros (2007) uma mudança significativa na educação não é possível sem uma

mudança na estrutura social, já que esta educação segue os parâmetros de um sistema que não

se interessa em quebrar a lógica da exploração do individuo através da força de trabalho, que

se preocupa em manter a existência de classes sociais significativamente desiguais, e ressalta

ainda que o Estado sobre pressão tem permitido apenas pequenos ajustes dentro do campo

educacional. O que se constata ao analisar a história do país, onde a criação das leis

educacionais sempre foram feitas para conter a pressão das massas durante as greves,

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trazendo apenas pequenos avanços na educação, mas que, em suma, continua como sabido,

uma educação de má qualidade e ineficiente para promover mudanças estruturais

fundamentais.

Caso não se valorize um determinado modo de produção da sociedade como

o necessário quadro de intercâmbio social, serão admitidos, em nome da

reforma, apenas alguns ajustes menores em todos os âmbitos, incluindo o da

educação. As mudanças sob tais limitações, apriorísticas e prejulgadas, são

admissíveis apenas com o único e legitimo objetivo de corrigir algum

detalhe defeituoso de ordem estabelecida, de forma que sejam mantidas

intactas as determinações estruturais fundamentais da sociedade como um

todo, em conformidade com as exigências inalteráveis da lógica global de

um determinado sistema de reprodução (MÉZÁROS, 2007, p. 196-197).

Fazendo uma análise da educação realizada no campo, quando dissociada das relações sociais

travadas fora dos muros da escola, esta, torna-se inócua as mudanças essenciais a

emancipação dos indivíduos frente a lógica do capital, que no campo, tem se instalado e

expropriado as famílias camponesas, promovendo um falso desenvolvimento econômico,

transformando um espaço de relações familiares em espaço de exploração da mão de obra

barata.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Realizar uma educação contextualizada não é uma tarefa fácil, requer tempo e disposição para

pesquisar, planejar e permitir que o aluno participe ativamente do processo de ensino

aprendizagem, no entanto, percebe-se que muitos professores descontentes com a profissão

atuam na sala de aula de forma mecânica, negligenciam a importância das saídas de campo

para pesquisa com a turma, sendo comum o discurso de que tudo é culpa do Estado, mas se

tudo é culpa do Estado, qual o papel do educador dentro desse sistema? É evidente que a

educação está “sucateada”, que faltam de tudo, desde um salário digno aos professores ao

material mais básico de ensino. Contudo, é importante lembrar que o instrumento principal de

ensino é o professor, ele é crucial para a mediação de uma aprendizagem significativa, pois de

nada adianta ter os materiais mais sofisticados na sala de aula se o professor é um ser acrítico,

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passivo as mazelas do mundo. Portanto, é preciso repensar a prática docente, para que ela não

se torne instrumento de dominação por parte do Estado.

Vale ressaltar que a boa atuação do professor em sala de aula não anula a importância de se

buscar melhores condições de trabalho, pois é uma luta justa, e que essa busca sirva de

exemplo até mesmo para os educandos, como crucial a organização da classe trabalhadora

para uma mudança na estrutura educacional do país.

O que se compreendeu com as análises realizadas por meio da pesquisa foi que contextualizar

é dar vida ao conteúdo estudado, é possibilitar que o educando perceba a importância de se

estudar determinado assunto, que aquela ou outra aprendizagem vai servir para melhorar a sua

vida e a da sua comunidade.

Com as análises sobre a educação realizada no Movimento dos Sem Terra, percebe-se que

uma outra educação para o campo é possível, igualmente a que Mézáros (2007) proferiu em

sua obra “A educação para além do capital”, e para tanto, é preciso que se rompa com a

estrutura de educação praticada pelo Estado, e esta tarefa é em grande parte dos professores,

em especial os de geografia, já que estuda o espaço geográfico, a de possibilitar aos alunos a

leitura de mundo que revele as injustiças e as formas de dominação imposta principalmente às

classes de renda mais baixas.

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