Educação Ambiental ou para quê?

3
EDUCAÇÃO AMBIENTAL, PARA SUSTENTABILIDADE OU PARA A CIDADANIA GLOBAL? Xosé Manuel Carreira Rodríguez - [email protected] Na 57a reunião em dezembro de 2002, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, 2005-2014, enfatizando que a educação é um elemento indispensável para alcançar o desenvolvimento sustentável. Para as Nações Unidas, as respostas educativas para a crise ambiental deviam entrar em uma nova fase, caracterizada pela adoção de políticas, programas e práticas de ensino que permitiriam que todos os membros da sociedade trabalhassem em conjunto para construir um futuro sustentável; tarefa, estimável a priori, que a ONU atribuiu à UNESCO. Na nova fase que proclama a ONU, a educação ambiental clássica (EA) parece estar deixando lugar à Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS), aceitando a versão da UNESCO (2004) de que são duas disciplinas diferentes. Neste território de palavras e temas redundantes, a clássica EA nunca deixou de posicionar-se como uma prática pedagógica crítica. A ESD traz poucas inovações e existe o risco de a ESD deixar de ser EA, limitando-se à perspetiva mais antropocêntrica. Mas a sustentabilidade não é apenas um problema entre nós seres humanos mas também um problema com a natureza. A EA, com suas limitações, é uma educação que pode apresentar uma história de mais de três décadas trabalhando com uma perspetiva fundamentalmente centrada em ecossistemas. Assim, a ideia de educação para o desenvolvimento sustentável da UNESCO luta entre dois pontos de vistas: por um lado está a a tendência mais antropocêntrica desenvolvida após a Segunda Guerra Mundial quando terminou a ocupação de colónias foi rematando e se percebeu que as ex-colónias sofriam de problemas de falta de desenvolvimento derivados das carências de formação; e por outro lado, a necessidade de uma educação diferente a partir dos relatórios alarmantes que começaram a aparecer na década de 1960, que alertaram para a maneira de utilizar os recursos da natureza dos seres humanos (Meadows et al., 1972). Paulo Freire (Freire et al., 1970), referente da educação popular latino-americana, ao definir a finalidade dos seus programas educativos nas comunidades rurais brasileiras, falou de sensibilizar e fazer uma verdadeira transformação social e de mudar a compreensão do mundo. Três décadas depois, a EDS proposta pela UNESCO em 2004 não é mais ambiciosa do que a pedagogia do oprimido de Freire. A verdadeira ideia de educação para a sustentabilidade não tem nada a ver com a educação para o desenvolvimento e significa colocar-se em outra ótica distinta da atual globalização. Em outras palavras, uma verdadeira educação para a sustentabilidade deveria deixar claro que o crescimento não pode continuar para sempre num mundo finito. Os atuais paradigmas devem mudar, tanto para aqueles que vivem em condições precárias como os que vivem mais ou menos confortavelmente. A nível global, e no caso do ensino superior, a ESD na visão da UNESCO é consistente com a abordagem do Espaço Europeu de Ensino Superior (Bologna declaration - EEES, 1999) e com as sete áreas priorritárias da Estratégia Europeia para o Desenvolvimento Sustentável (mudanças climáticas, transporte sustentável, conservação e gestão de recursos naturais, saúde publica, educação e formação, pesquisa e desenvolvimento, mecanismos de financiamento e instrumentos económicos). O processo de Bologna foi aplicado muito além dos limites da UE. Se bem na teoria o EEES procurava reafirmar a importância da educação integral e o equilíbrio entre a formação pessoal e cívica e a profissional e académica, infelizmente, na prática o resultado em muitos casos foi um supermercado global de

description

Revisão comparativa dos conceitos de educação ambiental, educação para a sustentabilidade e educação cidadania global.

Transcript of Educação Ambiental ou para quê?

  • EDUCAO AMBIENTAL, PARA SUSTENTABILIDADE OU PARA A CIDADANIA GLOBAL?

    Xos Manuel Carreira Rodrguez - [email protected]

    Na 57a reunio em dezembro de 2002, a Assembleia Geral das Naes Unidas proclamou a Dcada das Naes Unidas da Educao para o Desenvolvimento Sustentvel, 2005-2014, enfatizando que a educao um elemento indispensvel para alcanar o desenvolvimento sustentvel. Para as Naes Unidas, as respostas educativas para a crise ambiental deviam entrar em uma nova fase, caracterizada pela adoo de polticas, programas e prticas de ensino que permitiriam que todos os membros da sociedade trabalhassem em conjunto para construir um futuro sustentvel; tarefa, estimvel a priori, que a ONU atribuiu UNESCO. Na nova fase que proclama a ONU, a educao ambiental clssica (EA) parece estar deixando lugar Educao para o Desenvolvimento Sustentvel (EDS), aceitando a verso da UNESCO (2004) de que so duas disciplinas diferentes.

    Neste territrio de palavras e temas redundantes, a clssica EA nunca deixou de posicionar-se como uma prtica pedaggica crtica. A ESD traz poucas inovaes e existe o risco de a ESD deixar de ser EA, limitando-se perspetiva mais antropocntrica. Mas a sustentabilidade no apenas um problema entre ns seres humanos mas tambm um problema com a natureza. A EA, com suas limitaes, uma educao que pode apresentar uma histria de mais de trs dcadas trabalhando com uma perspetiva fundamentalmente centrada em ecossistemas.

    Assim, a ideia de educao para o desenvolvimento sustentvel da UNESCO luta entre dois pontos de vistas: por um lado est a a tendncia mais antropocntrica desenvolvida aps a Segunda Guerra Mundial quando terminou a ocupao de colnias foi rematando e se percebeu que as ex-colnias sofriam de problemas de falta de desenvolvimento derivados das carncias de formao; e por outro lado, a necessidade de uma educao diferente a partir dos relatrios alarmantes que comearam a aparecer na dcada de 1960, que alertaram para a maneira de utilizar os recursos da natureza dos seres humanos (Meadows et al., 1972).

    Paulo Freire (Freire et al., 1970), referente da educao popular latino-americana, ao definir a finalidade dos seus programas educativos nas comunidades rurais brasileiras, falou de sensibilizar e fazer uma verdadeira transformao social e de mudar a compreenso do mundo. Trs dcadas depois, a EDS proposta pela UNESCO em 2004 no mais ambiciosa do que a pedagogia do oprimido de Freire.

    A verdadeira ideia de educao para a sustentabilidade no tem nada a ver com a educao para o desenvolvimento e significa colocar-se em outra tica distinta da atual globalizao. Em outras palavras, uma verdadeira educao para a sustentabilidade deveria deixar claro que o crescimento no pode continuar para sempre num mundo finito. Os atuais paradigmas devem mudar, tanto para aqueles que vivem em condies precrias como os que vivem mais ou menos confortavelmente.

    A nvel global, e no caso do ensino superior, a ESD na viso da UNESCO consistente com a abordagem do Espao Europeu de Ensino Superior (Bologna declaration - EEES, 1999) e com as sete reas priorritrias da Estratgia Europeia para o Desenvolvimento Sustentvel (mudanas climticas, transporte sustentvel, conservao e gesto de recursos naturais, sade publica, educao e formao, pesquisa e desenvolvimento, mecanismos de financiamento e instrumentos econmicos). O processo de Bologna foi aplicado muito alm dos limites da UE. Se bem na teoria o EEES procurava reafirmar a importncia da educao integral e o equilbrio entre a formao pessoal e cvica e a profissional e acadmica, infelizmente, na prtica o resultado em muitos casos foi um supermercado global de

  • ttulos acadmicos, a mercantilizao da educao superior e um construtivismo (learning-by-doing) bastante acrtico. Por exemplo, a UNESCO afirma bem-intencionadamente que o conjunto de metas educacionais do desenvolvimento sustentvel muito amplo e que deve ser incorporada em todas as matrias do ensino e que no pode ser ensinado como uma disciplina separada; isto na prtica resultou no desaparecimento das matrias ambientais especficas em muitos currculos.

    Atualmente, a comunidade internacional move-se em direo a adotar uma nova agenda de desenvolvimento ps-2015 e uma educao para a cidadania global. A mudana da Educao para o Desenvolvimento sustentvel (EDS) para a Educao para uma Cidadania Global (ECG) iminente de acordo com o Global Action Program (GAP) de Aichi-Nagoya em Novembro de 2014.

    Ban Ki Moon disse: "A educao muito mais do que uma entrada para o mercado de trabalho. Ele tem o poder de moldar um futuro sustentvel e um mundo melhor. As polticas de educao deve promover a paz, respeito mtuo e cuidado ambiental ". Espero que isto tenha a sua traduo em uma mudana do paradigma de inspirao constructivista sumarizada no popular lema "learning-by-doing" ao muito mais atual "learn-think-act":

    1- Promover polticas;

    2- Integrar as prticas de sustentabilidade no ensino e no contexto de formao;

    3- Aumentar a capacidade de educadores e formadores;

    4- Proporcionar autonomia e mobilizar os jovens;

    5- Encorajar as comunidades locais e as autoridades municipais para desenvolver programas de EDS de base comunitria.

    Acho que mais ou menos estavan j incluidas na EDS e, de facto, algumas das crticas do debate EA vs EDS podem ser traspostas aqui. Alguns crticos do conceito de educao para a cidadania global (ECG) acreditam que a abordagem pedaggica e a maioria dos conteudos dos currculos podem ser muitas vezes produzidos em determinados contextos do Norte e Ocidente. Alguns crticos tambm afirmam que o currculo da ECG promove valores que so muito individualistas. Por isso talvez o currculo cidadania global deve ser visto como uma prtica local que diversas culturas vo conceituar e construir de forma diferente mas coordenada.

    Referncias bibliogrficas usadas:

    Conferncia Mundial de Okayama, 8-10 de Novembro de 2014 em Aichi-Nagoya, 10-12 de Novembro de 2014.http://www.unesco.org/new/es/unesco-world-conference-on-esd-2014/esd-after-2014/global-action-programme/Consultado em 16 Abril 2015

    Council of the European Union, 2009, Review of the EU Sustainable Development Strategy, Presidency Report.

    Declaration, B. The European higher education area. Joint declaration of the European Ministers of Education, 19. Bolonha, Itlia. 1999.

    Eurasia Review. Journal of News and Analysis. 27th December 2014http://www.eurasiareview.com/27122014-increasing-importance-education-global-citizenship-analysis/Consultado em 16 Abril 2015

  • Freire, P., & Mellado, J. Pedagoga del oprimido. Editorial Siglo XXI. Madrid. Espanha. 1970.

    Meadows, D. H., Meadows, D. L., Randers, J., & Behrens, W. W. The limits to growth. New York, 102. 1972.

    UNESCO: United Nations Decade of Education for Sustainable Development 2005-2014. Draft International Implementation Scheme. 2004.