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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Eduardo Scalon

ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

EDUARDO SCALON

ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção

do título de MESTRE em Direitos

Difusos e Coletivos sob orientação da

Professora Patricia Miranda Pizzol.

SÃO PAULO

2014

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ERRATA

Inclui-se no índice o Capítulo 4 – Conclusão – página nº 140.

A Bibliografia passa a constar da página nº 142.

O texto referente ao capítulo adicionado segue a baixo.

4.1 CONCLUSÃO

No intuito de guarnecer os direitos dos consumidores, o CDC,

dentre outras previsões, estabeleceu a responsabilidade civil dos fornecedores

como objetiva, de acordo com a teoria do risco, exceção feita à responsabilidade

dos profissionais liberais, cuja culpa no evento ainda precisa ser provada.

Além de retirar a necessidade de prova de culpa, o CDC adaptou as

regras relativas ao ônus da prova às relações de consumo.

Ao autor, consumidor, consequentemente, caberá a prova dos fatos

constitutivos de seu direito, conforme previsto no CPC. Todavia, essa prova

obedecerá aos princípios protetores do CDC, cujo escopo é a facilitação da

defesa.

Esse princípio informará a produção da prova nas hipóteses de fato

ou vício do produto, assim como na responsabilidade civil do profissional liberal

e da publicidade enganosa.

Nas hipóteses de fato do produto, a existência do defeito é

presumida e a prova de sua inexistência atribuída ao fornecedor. Assim como,

caberá ao fornecedor provar que não colocou o produto no mercado ou que a

culpa pelo acidente é exclusiva do consumidor ou de terceiros.

Todavia, a prova produzida pelo consumidor poderá consistir

apenas em indícios e presunções, desde que possibilitem ao magistrado a

compreensão dos fatos.

Essa facilitação na defesa, também inclui a possibilidade de

inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança

das alegações ou sua hipossuficiência.

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Entretanto, a inversão não poderá prejudicar o direito à produção da

prova pelo fornecedor e deverá ser determinada, preferencialmente, por ocasião

do início da produção das provas no processo. Caso o juiz se convença da

necessidade de inversão do ônus da prova após o encerramento da fase

correspondente, deverá converter o julgamento em diligência para oportunizar ao

fornecedor, o cumprimento do ônus que lhe foi atribuído.

O CDC visa a regulamentação das relações de consumo, para

compensar a posição de inferioridade do consumidor, seja nas operações

cotidianas ou em litígios sem, contudo, prejudicar o fornecedor, mas somente

equiparar os partícipes dessa relação.

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Banca Examinadora

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Para Gustavo e Beatriz

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Professora Patricia Miranda Pizzol pelo auxílio, orientação e apoio.

Agradeço, também, ao amigo Claudio Lima Bueno de Camargo pelos anos de

amizade e valiosas colaborações muito além do Direito.

Para minha sócia e amiga Julia Choueri Sordi, pelo incentivo e colaboração.

Para meus pais e meus irmãos, por tudo até hoje e pelo o que ainda acontecerá.

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RESUMO

A promulgação do Código de Defesa do Consumidor no Brasil representou uma

verdadeira quebra de paradgima na forma como as relações jurídicas eram

avaliadas e tuteladas. Anteriormente, os conceitos de obrigação e

responsabilidade eram orientados pelo Direito Privado, nos termos do Código

Civil, com conceitos clássicos e arraigados como a autonomia das partes nas

relações jurídicas. O CDC altera sobremaneira tais conceitos ao determinar que

uma relação jurídica específica, relação de consumo, será tutelada diretamente

por regras especiais e orientadas para a proteção e preservação dos direitos e

interesses de uma das partes da relação. Essa orientação, em primeira análise,

poderia se configurar como violação ao princípio da isonomia. Todavia, o foco

das novas regras é justamente o reconhecimento da necessidade de maior

proteção ao consumidor, justamente para equilibrar sua relação com os

fornecedores. Esse novo conceito desafiou desde as faculdades cujo ensino

jurídico sempre foi pautado pela dicotomia entre direito público e privado, como

também os operadores do direito como advogados e juízes. A constatação da

nova orientação que governa as relações de consumo demanda uma séria e

cuidadosa reflexão de como se operacionaliza essa nova norma protetiva. O

manejo descuidado das novas regras levaria esse importante avanço conceitual a

uma maneira de prejudicar fornecedores. As alterações determinadas na tutela

judicial dos direitos do consumidor obrigam a cuidadosa interpretação conjunta

de várias legislações, na medida de sua aparente colisão, para que sejam obtidas

conclusões que atinjam o escopo do equilíbrio entre as partes.

Palavras-chave: consumidor; responsabilidade; prova; ônus.

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ABSTRACT

The promulgation of the Code of Consumer Protection in Brazil represented a

real change in how legal relationships were assessed and protected.

Previously, the concepts of obligation and civil liability were oriented by private

law, under the Civil Code, with classic and entrenched concepts as the autonomy

of the mutual agreement in legal relations. The CDC greatly alter these concepts

to determine that a particular legal relationship, consumer transaction, will be

tutored directly by special rules and oriented to the protection and preservation of

the rights and interests of one part of the relationship. This guidance, at first,

could be configured as a violation of the principle of equal protection. However,

the focus of the new rules is precisely the recognition of the need for greater

consumer protection, in order to balance their relation with suppliers. This new

concept challenged from law schools whose legal education has always been

oriented by a dichotomy between public and private laws, as well as jurists and

lawyers and judges. The acknowledgement of the new guidance that rules the

relations of consumers demands a serious reflection of how apply this new

protective law. Careless application of the new rules would transform this

important improvement into just a way to jeopardize suppliers. These changes of

the consumer protective law require a careful interpretation of several laws and

the extent of his apparent collision so that conclusions they reach the scope of the

balance between the parties is obtained.

Key-words: consumer; liability; proof; burden

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................................11

CAPÍTULO 1 A TUTELA DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR...............12

1.1 FUNDAMENTOS..........................................................................................12

1.1.1 PRINCÍPIO DA ISONOMIA....................................................................17

1.1.1.1 PRINCÍPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS.............................19

1.1.1.2 PUBLICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS........................................20

1.1.1.3 VEDAÇÃO DO USO DE PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILÍCITO...21

1.1.1.4 CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA................................................23

1.2 RELAÇÃO DE CONSUMO - CONCEITOS...........................................25

1.2.1 CONSUMIDOR.........................................................................................25

1.2.2 FORNECEDOR.........................................................................................31

1.2.3 PRODUTOS E SERVIÇOS.......................................................................32

1.3 PRINCÍPIOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.............33

1.3.1 VULNERABILIDADE.............................................................................34

1.3.2 AÇÃO GOVERNAMENTAL...................................................................38

1.3.3 HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES.................................................40

1.3.4 EDUCAÇÃO E INFORMAÇÃO..............................................................41

1.3.5 MEIOS DE CONTROLE DE QUALIDADE E SEGURANÇA E

SOLUÇÃO DE CONFLITOS...................................................................42

1.3.6 COIBIÇÃO DE ABUSOS.........................................................................42

1.3.7 RACIONALIZAÇÃO E MELHORIA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS....42

1.3.8 FACILITAÇÃO DE DEFESA..................................................................43

1.4 RESPONSABILIDADE CIVIL ...............................................................45

1.4.1 CONCEITO E ELEMENTOS...................................................................45

1.4.2 PRESSUPOSTOS......................................................................................46

1.4.2.1 AÇÃO.......................................................................................................46

1.4.2.2 DANO.......................................................................................................47

1.4.2.3 NEXO DE CAUSALIDADE...................................................................52

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1.4.3 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL................................................53

1.4.4 RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL..................................54

1.4.5 RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC................................................60

1.4.5.1 RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO..........................61

1.4.5.2 RESPONSABILIDADE PELO VÍCIO DO PRODUTO.........................66

1.4.5.3 RESPONSABILIDADE DO PROFISSIONAL LIBERAL.....................73

CAPÍTULO 2 ASPECTOS GERAIS DA PROVA NO PROCESSO CIVIL

..............................................................................................................................76

2.1 CONCEITO....................................................................................................76

2.2 MEIOS DE PROVA.......................................................................................77

a) CONFISSÃO.............................................................................................77

b) DEPOIMENTO PESSOAL.......................................................................78

c) PROVA DOCUMENTAL.........................................................................80

d) EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO OU COISA............................................81

e) PROVA TESTEMUNHAL.......................................................................83

f) PRESUNÇÃO............................................................................................85

g) PROVA PERICIAL...................................................................................87

h) INSPEÇÃO JUDICIAL.............................................................................88

2.3 OBJETO.........................................................................................................89

2.4 SUJEITOS......................................................................................................90

2.5 DESTINATÁRIO...........................................................................................92

2.6 MOMENTOS DA PROVA............................................................................93

2.7 VALORAÇÃO DA PROVA..........................................................................94

CAPÍTULO 3 – O ÔNUS DA PROVA NOS PROCESSOS RELATIVOS A

LIDES DE CONSUMO......................................................................................97

3.1. ÔNUS DA PROVA.......................................................................................97

3.1.1. CONCEITO...............................................................................................97

3.2. TEORIA DA CARGA DINÂMICA............................................................100

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3.3. DO ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR...............................................................................................104

3.3.1. ÔNUS PROBATÓRIO DO CONSUMIDOR.........................................104

3.3.2. ÔNUS PROBATÓRIO DO FORNECEDOR .........................................108

3.4. DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR...............................................................................................120

3.4.1. REQUISITOS..........................................................................................123

a) HIPOSSUFICIÊNCIA.........................................................................123

b) VEROSSIMILHANÇA.......................................................................124

3.4.2. MOMENTO DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.........................128

a) DA INVERSÃO COMO REGRA DE JULGAMENTO.....................128

b) DA INVERSÃO COM REGRA DE INSTRUÇÃO............................129

3.4.3. A INVERSÃO DO ÔNUS ECONÔMICO FINANCEIRO DA

PROVA...............................................................................................................131

3.5. ÔNUS DA PROVA E RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO

FORNECEDOR..................................................................................................133

BIBLIOGRAFIA................................................................................................140

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo abordar o estudo do ônus da prova sob a

ótica do Direito do Consumidor. Dentro do escopo pretendido, será analisada a

forma como a matéria é tratada em litígios que versem sobre responsabilidade

civil dos fornecedores, com o apoio da jurisprudência dos Tribunaus pátrios. Para

tanto, é imprescindível verificar os objetivos da legislação consumerista e suas

origens, para que seja possível sua compreensão como uma norma diferenciada

do clássico Direito Privado. O início do estudo remete à Constituição Federal, as

previsões específicas sobre o tema, bem como os princípios informativos

aplicáveis à matéria. Também na Constituição serão apontados os princípios

pertinentes à tutela jurisdicional civil. Ainda na linha dos princípios, tem início a

abordagem específica do Código de Defesa do Consumidor, seus princípios,

conceitos e linhas diretivas. No próximo passo, será apresentado o conceito de

responsabilidade civil, origens, elementos e evolução da natureza subjetiva para a

objetiva, culminando com sua análise dentro do Código de Defesa do

Consumidor. Ultrapassada a análise do direito material, o foco será direcionado

para o direito instrumental, a interpretação das regras processuais do Código de

Defesa do Consumidor com o conteúdo do Código de Processo Civil. Esse feito

será obtido por meio da análise das provas no processo, suas origens no Código

Civil e no Código de Processo civil. Ainda no tocante as provas, a análise será

orientada para o ônus da prova, suas regras de distribução no Código de Processo

Civil e no Código de Defesa do Consumidor. Traços característicos da definição

de consumidor, a hipossuficiência e vulnerabilidade trazem consequências à

instrução probatória processual e regras diferenciadas de inversão do ônus da

prova, suas hipóteses e requisitos. Por fim, o trabalho será dirigido à questão da

possibilidade de inversão do ônus da prova, suas hipóteses e requisitos, além do

momento no qual será determinada.

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1 A tutela dos direitos do consumidor

1.1 Fundamentos

Publicada em 11 de Setembro de 1990, a Lei nº 8.078 instituiu o

Código de Defesa do Consumidor – CDC, mas as origens do movimento

consumerista que culminou com o código são antigas.

O aumento da produção industrial, bem como sua eficiência,

capacitou a indústria a disponibilizar no mercado consumidor uma quantidade

maior de produtos a preços mais acessíveis. Foi criada a produção em série,

também chamada “standartização” da produção, incrementada exponencialmente

com as Guerras Mundiais1.

Esse novo e crescente mercado demandava regulação e proteção.

Uma das primeiras e muito relevantes legislações destinadas a regular essa nova

realidade industrial foi a chamada Lei Sherman (Sherman Antitrust Act),

promulgada em 2 de julho de 18902.

A norma, criada pelo Senador do Estado americano de Ohio John

Sherman visava impedir a criação e determinar a dissolução de monopólios de

mercado, os chamados “trustes” 3. O Presidente norte americano, William

Howard Taft (1909 a 1913) e procurador-geral dos Estados Unidos na época da

sua promulgação, afirmou que o objetivo da norma era destruir o império

petrolífero criado por John D. Rockefeller Sr., a Standart Oil.

Todavia, seu conteúdo provou-se ineficiente à época, por oferecer

muitas brechas de interpretação favoráveis à manutenção dos “trustes”, ao ponto

de ser apelidada de Swiss Cheese Act (Lei Queijo Suíço – tradução livre), e não

acabou com os monopólios.

Dentre as inúmeras críticas à atuação da empresa na época estavam

péssimas condições de trabalho, manipulação de preços de mercado, prejuízo aos

consumidores e exclusão de produtores independentes.

1NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 8ª ed., Sãp Paulo: Saraiva, 2013, p. 43.

2NUNES, Rizzatto. Ob. Cit. 42.

3CHERNOW, Ron. Titan the life of John D. Rockefeller, Sr., Vintage Books, New York:

1998, p. 298.

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Posteriormente a empresa Standart Oil foi processada (Standart Oil

Co. of New Jersey x United States, 19104) e a decisão da Suprema Corte dos

Estados Unidos obrigou sua divisão em 34 companhias e diluição de seu controle

acionário, o que eliminou a concentração do mercado sob seu comando.

Ainda que o Sherman Act fosse conhecido à época pelo apelido

acima citado, constituiu-se com a base legal para a decisão judicial que acabou

com o monopólio da empresa.

A amplitude dos efeitos dessa legislação foi de extrema relevância,

pois beneficiava todos os consumidores americanos com o aumento da

competição das empresas do setor.

Mesmo no Brasil, em tempos remotos, algumas leis esparsas

tratavam de questões específicas sobre consumo. A cidade de Salvador dispunha

de algumas normas que regulavam as atividades das “tabernas”, o preço do vinho

e até regras específicas aos “vendeiros” 5.

Nos EUA a fusão dos movimentos trabalhistas e consumeristas

resultou na criação da “Consumer League” (Liga do consumo – tradução livre)

em 1891, uma entidade destinada a proteger os direitos dos consumidores6.

Todavia, uma das normas mais relevantes foi a Resolução nº

39/248, de 9 de abril de 1985, da Assembleia Geral da Organização das Nações

Unidas - ONU. Nesse documento, são reconhecidos7, nos objetivos propostos, o

desequilíbrio educacional, econômico e negocial que enfrenta o consumidor.

4 List of United States Supreme Court Cases volume 221, Lista de casos da Suprema Corte dos

Estados Unidos, volume 221 – tradução livre. 5FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. 12ª ed., São Paulo:

Atlas, 2014, p. 4. 6 FILOMENO, José Geraldo Brito. Ob. Cit., p. 4.

7 Guidelines for consumer protection, 1. Taking into account the interests and needs of

consumers in all countries, particularly those in developing countries; recognizing that

consumers often face imbalances in economic terms, educational levels, and bargaining power;

and bearing in mind that consumers should have the right of access to non-hazardous products,

as well as the right to promote just, equitable and sustainable economic and social development,

these guidelines for consumer protection have the following objectives.

Levando em consideração os interesses e necessidades dos consumidores de todos os países,

particularmente aqueles de países em desenvolvimento, reconhecendo que consumidores

frequentemente enfrentam desequilíbrios em termos econômicos, níveis de educação e poder de

negociação, e tendo em mente que consumidores devem ter direito ao acesso a produtos

seguros, como também direito ao desenvolvimento social e econômico justo, equitativo e

sustentável, essas diretrizes para proteção do consumidor tem os seguintes objetivos. (tradução

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Todos os países membros da ONU são conclamados a editar

normas protetivas dos consumidores, para garantir sua segurança, educação,

qualidade e segurança dos bens e serviços colocados à sua disposição, regras para

obtenção de ressarcimento de danos, bem como normas específicas de proteção

em setores com alimentos, água e medicamentos8.

No Brasil, pode-se atribuir o início do “movimento consumerista”

no ano de 1976, com a criação de uma comissão pelo governador paulista Paulo

Egydio Martins para estudar a implantação de um “sistema estadual de defesa do

consumidor”. Essa comissão originou a Lei nº 1.903/78, criadora do Grupo

Executivo de Proteção ao Consumidor, convertido posteriormente no atual

PROCON.

O fortalecimento do movimento consumerista culminou com a

promulgação da Constituição Federal de 1988, cujo artigo 5º, XXXII estabeleceu

que “o Estado promoverá na forma da lei a defesa do consumidor”.

Para conferir maior efetividade ao comando de natureza

programática, definiu-se no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias o prazo de 120 dias para que o Congresso Nacional promulgasse o

futuro código.

Vale ressaltar que outras legislações consumeristas estrangeiras9

serviram de suporte para a criação do código brasileiro, assim como para

matérias específicas.

O CDC como norma protetiva dos direitos do consumidor,

estabelece uma série de princípios que deverão nortear toda a relação de

consumo. Trata-se de um elenco de princípios epistemológicos e instrumentais

que visam à defesa do consumidor, o reconhecimento de seus direitos, o pleno

exercício da cidadania e qualidade de vida10

.

livre). Norma obtida junto ao site da ONU – Organizações das Nações Unidas, no endereço:

http://www.un.org/documents/ga/res/39/a39r248.htm. 8 MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 4ª ed., São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2013, p. 37. 9 Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuários, Lei nº 26/1984 (Espanha); Lei

nº 29/81 (Portugal); Lei Federal de Protección al Consumidor, de 5 de fevereiro de 1976

(México) e Loi sur la Protection du Consommateur, 1979 (Quebec). 10

FILOMENO, José Geraldo Brito. Ob. Cit., p. 12.

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A origem dos princípios que norteiam o CDC encontra-se da CF,

em várias passagens. Destacam-se:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união

indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-

se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Conforme já exposto sobre as origens do movimento consumerista,

a vertiginosa escalada da produção industrial e dos mercados de consumo

demandou a proteção do cidadão, obtido com a elevação a fundamento

republicado a cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do

trabalho e livre iniciativa.

A livre iniciativa tem expressa proteção constitucional, mas

acompanhada de princípios bem específicos.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho

humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência

digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes

princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento

diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e

de seus processos de elaboração e prestação;

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte

constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e

administração no País.

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Percebe-se que o incremento da atividade econômica e industrial é

um dos objetivos do Estado, mas sob a égide de regras protetivas, dentre as quais

especificamente encontra-se a defesa do consumidor.

Ainda que no caput do referido artigo conste que a ordem

econômica é fundada na livre iniciativa, o que em princípio seria contraditório

com a defesa do consumidor, os incisos do artigo delimitam sua interpretação. O

professor Rizzatto Nunes afirma que a livre iniciativa está garantida, porém

assim definida:

a) o mercado de consumo aberto à exploração não pertence ao

explorador; ele é da sociedade e em função dela, de seu benefício, é

que se permite sua exploração;

b) como decorrência disso, o explorador tem responsabilidades a

saldar no ato exploratório; tal ato não pode ser espoliativo;

c) se lucro é uma decorrência lógica e natural da exploração permitida,

não pode ser ilimitado; encontrará resistência e terá de ser refreado

toda a vez que puder causar dano ao mercado e à sociedade;

d) excetuando os casos de monopólio do Estado (p. Ex., do art. 177), o

monopólio, o oligopólio e quaisquer outras práticas tendentes à

dominação do mercado estão proibidos;

e) o lucro é legítimo, mas o risco é exclusivamente do empreendedor.

Ele escolheu arriscar-se: não pode repassar esse ônus ao consumidor.

Essas considerações são decorrentes da interpretação dos princípios já

expostos e que devem ser harmonizados.

Com efeito, a letra a decorre das garantias constitucionais da função

social da propriedade, da defesa do consumidor, da construção de uma

sociedade livre, justa e solidária e da promoção do bem comum. Tudo

fundado no princípio máximo da garantia da dignidade da pessoa

humana.

Quanto ao estabelecido nas letras b, c, d e e, as bases são as mesmas.

Contudo, reforce-se o aspecto da livre concorrência e da defesa do

consumidor11

.

A intenção do legislador não foi criar uma norma de defesa aos

consumidores que sobrepujasse as demais leis ou que alçasse o consumidor a um

11

NUNES, Rizzatto. Ob. Cit., p. 103.

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patamar superior ao fornecedor. Seu intento foi de equilibrar as posições, alçar o

consumidor a uma posição de igualdade com o fornecedor. Para observar a

propriedade do escopo da norma em igualar as partes dessa relação jurídica,

iremos adentrar com conceito de isonomia.

1.1.1 Princípio da isonomia

A CF em seu artigo 5º caput, estabelece a igualdade de todos

perante a lei.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Todavia, a igualdade de todos somente será obtida se observadas

suas características particulares e estas se encontrarem em patamar de igualdade

com os demais.

A igualdade pode ser obtida por meio de legislações protetivas a

determinadas categorias economicamente desprotegidas. São normas de

equilíbrio, com conteúdo diferenciador para atingir a justiça igualitária12

.

O professor Humberto Theodoro Junior, citando Fernando

Noronha, afirma que a defesa do consumidor não implica em se preocupar

exclusivamente com eles, mas impedir que sejam vítimas de abuso. A criação do

CDC não visa sobrepor o interesse do consumidor ao do fornecedor, mas

somente “alcançar razoável equilíbrio entre uns e outros” 13

.

Esse equilíbrio é alcançado pela direta incidência do CDC, de

maneira imperativa nas relações jurídicas antes dominadas pela autonomia da

vontade14

.

12PALHARINI JUNIOR, Sidney. O princípio da isonomia aplicado ao direito processual

civil. Processo e constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa

Moreira, coord. Luiz Fux, Nelson Nery Junior e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 617. 13

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor: a busca de um ponto de

equilíbrio entre as garantias do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais do Direito Civil e do Direito Processual Civil. 8ª ed., Rio de Janeiro: 2013, p. 33. 14

MARQUES, Claudia Lima. Comentários ao código de defesa do consumidor, 4ª ed., São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 74.

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18

Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor visa equiparar

as partes envolvidas numa relação de consumo como forma de aplicar o princípio

da isonomia.

Essa proteção conferida ao consumidor não viola o princípio da

isonomia, uma vez que existe uma adequação racional entre o tratamento

diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo15

.

De acordo com Bruno Miragem, o reconhecimento da existência de

desigualdade entre fornecedores e consumidores, autoriza a intervenção do

Estado no estabelecimento de normas protetivas. Essas normas diferem daquelas

referentes ao direito civil tanto em matéria contratual, como na responsabilidade

civil16

.

Entretanto, além do princípio da isonomia, a CF estabelece

objetivos fundamentais da República que, da mesma forma, orientam a tutela do

consumidor. Podemos citar o art. 3º, I da CF assim estabelece:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do

Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

No conceito de liberdade do artigo incluem-se tanto o cidadão que

deseja empreender, como também daquele que deseja apenas adquirir. Neste

último, trata-se da liberdade de aquisição de um bem. Mas nas hipóteses em que

essa liberdade de escolha não for plena, haja vista que suas opções são

determinadas pelos fornecedores, o Estado deverá intervir para equilibrar a

relação17

.

A sociedade justa se traduz em busca da harmonia e paz18

social

dentro coletividade e todas suas particularidades e conflitos inerentes.

Para transformar a relação de consumo em igualitária, o CDC criou

mecanismos de proteção do consumidor como meios para que a sua

15

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ª Ed.,

São Paulo: Malheiros, 1999, p. 39. 16

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 40. 17

NUNES, Rizzato. Ob. Cit., p. 69. 18

NUNES, Rizzato. Ob. Cit., p. 69.

Page 21: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

19

vulnerabilidade não se torne um empecilho para o exercício de seus direitos ou

que esse não lhe gere prejuízos.

O CDC visa proteger este sujeito, sistematiza suas normas a partir

da idéia básica de proteção de apenas um sujeito “diferente” da sociedade de

consumo: o consumidor19

.

Nesse sentido, e como foco proposto neste estudo, foram

estabelecidas previsões concernentes à tutela judicial do consumidor, bem como

às provas produzidas no processo judicial cujo objeto seja uma relação de

consumo. Tais previsões promovem a adaptação das regras relativas às provas à

condição especial do consumidor, à especial proteção que a lei lhe confere.

Para avaliar as alterações promovidas pelo CDC, faz-se necessário

um esboço legislativo sobre a matéria das provas e sobre a tutela jurisdicional.

1.1.1.1 Princípios processuais constitucionais

Alçado à categoria de princípio constitucional fundamental do

processo civil20

, o devido processo legal informa todo o ordenamento relativo ao

Direito Processual Civil.

Sua previsão no artigo 5º, LIV, da Constituição Federal de 1988 –

CF estabelece as diretrizes para as demais regras processuais.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o

devido processo legal;

A adoção desse princípio, due process of law, seria suficiente para

assegurar as demais garantias processuais aos litigantes21

, tais como a

publicidade dos atos processuais, vedação do uso de provas obtidas por meio

ilícitos, garantia do juiz natural e contraditório e ampla defesa.

19

MARQUES, Claudia Lima. Ob. Cit., p. 71. 20

NERY JUNIOR, Nelson. Princípio do processo na Constituição Federal, 9ª ed. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 77. 21

NERY JUNIOR, Nelson. Ob. Cit., p. 77.

Page 22: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

20

Esses princípios podem derivar do devido processo legal ou pode-

se dizer que sua reunião resulta na formação do devido processo legal. Pela

inafastabilidade do controle jurisdicional, a Constituição garantiria o devido

processo22

.

Todavia, a existência do princípio do devido processo legal, não

prescinde da expressa previsão dos demais princípios. Abordaremos a seguir

alguns deles, resumidamente.

1.1.1.2 Publicidade dos atos processuais

A impossibilidade de segredo ou ocultação dos atos processuais

está prevista no artigo 5º, LX e 93 IX, ambos da CF.

Dessa maneira, todos os atos praticados no processo judicial, bem

como as decisões proferidas deverão obrigatoriamente ser públicos e acessíveis a

toda a população.

As limitações a esse princípio, todavia, guardam consonância com

direitos de intimidade como casamento, filiação, separação dos cônjuges,

alimentos e guarda de menores, além do interesse público, nos termos do artigo

155 do CPC.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Ação revisional de contrato bancário

Decisão que indeferiu os pedidos de assistência judiciária e de

tramitação do feito sob segredo de justiça - Justiça Gratuita -

Inexistência de documentos que comprovem a efetiva hipossuficiência

econômica dos agravantes, ainda que momentânea. Segredo de justiça

- Interesse exclusivamente privado - Ausência de interesse público

que justifique a limitação da publicidade dos atos processuais -

Decisão mantida - Recurso não provido. (TJSP Agravo de Instrumento

nº 2052316-68.2014.8.26.0000, 17ª Câmara de Direito Privado, Rel.

Des. Irineu Fava, j. 07/05/2014).

Conforme se verifica do caso acima exposto, o pedido de

tramitação do feito em segredo de justiça foi indeferido, haja vista que não

estavam presentes as exceções ao princípio da publicidade.

22

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Anotações sobre a garantia constitucional do juiz

natual. in Processo e constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos

Barbosa Moreira, coord. Luiz Fux, Nelson Nery Junior e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 500.

Page 23: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

21

1.1.1.3 Vedação do uso de provas obtidas por meio ilícito.

Trazida pelo artigo 5º, LVI da CF, a impossibilidade de utilização

das provas obtidas por meio ilícito, traça importante limite à atuação dos

litigantes. Provas ilícitas seriam as obtidas por violação do direito à intimidade

artigo 5º, X da CF; inviolabilidade do domicílio artigo 5º, XI da CF, e

comunicações artigo 5º, XII da CF.

Parte relevante da doutrina adota o princípio da proporcionalidade e

admite determinadas provas, ainda que obtidas por meio ilícito, caso o direito a

ser protegido pela produção da prova se sobreponha ao direito violado, como o

acusado que grava conversa telefônica clandestinamente, em legítima defesa para

a prova de sua inocência23

.

Todavia, a jurisprudência brasileira adota posição conservadora,

admitindo apenas as interceptações telefônicas autorizadas judicialmente ou

gravações fornecidas por uma das partes que participou da conversa.

RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 214 C/C O ART. 224, "A", DO CP

(ANTIGA REDAÇÃO). ART. 619 DO CPP. VIOLAÇÃO NÃO

CARACTERIZADA. GRAVAÇÃO DE CONVERSA EM

TERMINAL TELEFÔNICO PRÓPRIO, COM AUXÍLIO DE

TERCEIRO. PODER-DEVER DE PROTEÇÃO DO FILHO

MENOR. PROVA LÍCITA. ADMISSIBILIDADE. PALAVRA DA

VÍTIMA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. FALTA DE

INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO FEDERAL. SÚMULA 284/STF.

REGIME PRISIONAL INICIAL. MATÉRIA NÃO

PREQUESTIONADA. SÚMULA 211/STJ. RECONHECIMENTO

DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. CONCESSÃO DE HABEAS

CORPUS DE OFÍCIO.

1. Não existe a violação ao artigo 619 do Código de Processo Penal

quando o acórdão recorrido decidiu a controvérsia de forma

fundamentada, sem incorrer em qualquer omissão.

2. A teor do disposto no artigo 157 do Código Penal são inadmissíveis

as provas ilícitas, assim consideradas as que violam direito material do

réu, devendo ser desentranhadas do processo, de modo a conferir

23

NERY JUNIOR, Nelson. Ob. Cit., p. 261

Page 24: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

22

efetividade ao princípio do devido processo legal e a tutelar os direitos

constitucionais de qualquer acusado no processo penal.

3. No caso concreto, a genitora da vítima solicitou auxílio técnico a

terceiro para a gravação de conversas realizadas através de terminal

telefônico de sua residência, na qualidade de representante civil do

menor impúbere e investida no poder-dever de proteção e vigilância

do filho, não havendo ilicitude na gravação. Dada a absoluta

incapacidade da vítima para os atos da vida civil - e ante a notícia de

que estava sendo vítima de crime de natureza hedionda - a iniciativa

da genitora de registrar conversa feita pelo filho com o autor da

conjecturada prática criminosa se assemelha à gravação de conversa

telefônica feita com a autorização de um dos interlocutores, sem

ciência do outro, quando há cometimento de delito por este último,

hipótese já reconhecida como válida pelo Supremo Tribunal Federal.

4. O recurso especial, quanto à tese de condenação com base exclusiva

na palavra da vítima, prestada na fase inquisitorial, não comporta

conhecimento, pois o recorrente olvidou de apontar o dispositivo

federal interpretado de forma divergente por outro tribunal, o que

atrai, por analogia, a aplicação da Súmula 284/STF.

5. Também quanto ao regime inicial de cumprimento de pena, o

recurso especial não comporta conhecimento, pois, apesar da oposição

dos aclaratórios, a matéria não foi apreciada pelo Tribunal de origem,

o que atrai o óbice da Súmula 211/STJ.

6. Todavia, verificada a flagrante ilegalidade na fixação do regime

inicial de cumprimento da pena, fundamentado exclusivamente na

determinação legal prevista no artigo 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990, já

declarada inconstitucional, é possível a concessão de habeas corpus de

ofício para sanar a coação ilegal à liberdade de ir e vir do recorrente.

7. Com efeito, reconhecida a inconstitucionalidade do óbice contido

no § 1º do artigo 2º da Lei n. 8.072/1990, tem-se que tal preceito não

se afigura idôneo a justificar a fixação do regime mais gravoso, haja

vista que, para estabelecer o regime inicial de cumprimento de pena,

deve o magistrado avaliar o caso concreto, de acordo com os

parâmetros estabelecidos pelo artigo 33 e parágrafos, do Código

Penal.

8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, não

provido. Habeas corpus concedido de ofício para determinar que o

Page 25: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

23

Tribunal de Justiça avalie a possibilidade de fixar o regime inicial

diverso do fechado, consoante as diretrizes do artigo 33 do Código

Penal. (STJ Resp. nº 1026605/ES, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio

Schietti Cruz, DJe 13/06/2014).

Verifica-se do julgado transcrito a extensão do conceito de parte

interessada à genitora do menor, incapaz e sob a ameaça de crime. A obtenção da

gravação sem respaldo em autorização judicial foi admitida, pois produzida por

parte integrante da comunicação e para prevenção de crime hediondo.

1.1.1.4 Contraditório e ampla defesa

Previsto no artigo 5º, LV da CF, esse princípio assegura a todos

cidadãos o direito de exercer sua defesa, de maneira ampla e livre. Trata-se de

requisito primordial de qualquer estado democrático e não simplesmente uma

benesse generosamente concedida aos particulares24

.

Enquanto o contraditório assegura conhecimento, oportunidade de

defesa de interesses e consideração judicial, a ampla defesa assegura o elemento

dinâmico da bilateralidade, que é a efetiva utilização de meios e recursos pelas

partes.25

Sua formação demanda a ciência do ato processual, oportunidade para

manifestação e consideração judicial26

.

O contraditório deve ser entendido como a necessidade de ciência a

qualquer pessoa da existência de processo em seu desfavor, bem como,

possibilidade de sua manifestação nos autos do processo. A parte tem direito a

fazer prova de suas alegações, como também contraprova das alegações da parte

contrária, como forma de manifestação do princípio do contraditório no

processo27

.

Apesar da relevância do contraditório, o CPC prevê a tomada de

decisões judiciais em casos específicos sem a oitiva da outra parte. A dispensa da

manifestação, todavia, demanda a inexistência de prejuízo na decisão proferida.

24

OLIVEIRA, Pedro Miranda. Anotações sobre a garantia constitucional do juiz natual. in

Processo e constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira, coord. Luiz Fux, Nelson Nery Junior e Teresa Arruda Alvim Wambier. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 557. 25

FERREIRA, William Santos. Princípios fundamentais da prova cível. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2014, p. 44. 26

FERREIRA, William Santos. Ob. Cit. p. 45. 27

NERY JUNIOR, Nelson. Ob. Cit., p. 207.

Page 26: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

24

Neste aspecto, cita-se o artigo 557 do CPC, que trata da possibilidade do relator

do Agravo negar seguimento ao recurso pode decisão liminar, sem intimação da

parte contrária.

EMENTA DIREITO PROCESSUAL CIVIL. JUIZADO ESPECIAL

CÍVEL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. PRODUÇÃO

DE PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE. ALEGAÇÃO DE

OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL, AO

CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. MATÉRIA

INFRACONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO RELATOR.

ART. 557, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

ACÓRDÃO RECORRIDO DISPONIBILIZADO EM 17.6.2010. O

art. 557, caput, do Código de Processo Civil, prevê: “O relator negará

seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente,

prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência

dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de

Tribunal Superior.” O acórdão recorrido não divergiu da

jurisprudência firmada no âmbito desta Corte, no sentido de que a

afronta aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do

contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional,

quando depende, para ser reconhecida como tal, da análise de normas

infraconstitucionais, configura apenas ofensa indireta ou reflexa à

Constituição da República. As razões do agravo regimental não são

aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada,

mormente no que se refere ao âmbito infraconstitucional do debate e

análise da moldura fática constante no acórdão de origem, a

inviabilizar o trânsito do recurso extraordinário. Agravo regimental

conhecido e não provido. (STF ARE nº 732.478/MT, Primeira turma,

Rel. Min. Rosa Weber, DJe 09/04/2014).

Significa a possibilidade de as partes deduzirem as alegações de

suas pretensões ou defesa, tanto no processo judicial como no administrativo,

somada a possibilidade de produção de provas e interposição de recursos28

.

Passada a introdução, com breve exposição sobre os princípios

constitucionais influentes na matéria, será abordada a aplicação do CDC nas

hipóteses propostas de ônus da prova. Para tanto, faz-se mister abordar os

28

NERY JUNIOR, Nelson. Ob. Cit., p. 244.

Page 27: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

25

conceitos trazidos pela lei, na medida em que fornecem os subsídios para sua

interpretação.

1.2 Relação de consumo - conceitos

A identificação da relação de consumo e por consequência a

aplicação das normas do29

CDC, demanda a análise de seus elementos, em razão

da opção legislativa de conceituar os sujeitos da relação, consumidor e

fornecedor, bem como seu objeto, produtos ou serviços.

1.2.1 Consumidor

O CDC se vale de expediente pouco comum na legislação ao

estabelecer no artigo 2, os conceitos e definições de quem são os destinatários de

seu conteúdo. Essa tarefa caberia, via de regra, à doutrina, mas seu escopo é

facilitar a interpretação e aplicação de seu conteúdo.

Nessa esteira, definiu no artigo 2º consumidor como a pessoa

jurídica ou física que seja destinatário final da aquisição de um produto ou

serviço.

Art. 2º - Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou

utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Contudo, o alcance do conceito de consumidor deve ser

interpretado pela definição de destinatário final. Do contrário, estariam

equiparadas a pessoa física e a grande empresa multinacional cuja aquisição de

produtos e serviços tenha caráter negocial ou econômico, o que não é o objetivo

da lei. Essa previsão deve ser entendida como um conceito jurídico

indeterminado, a ser interpretado caso a caso pelo Poder Judiciário30

.

Questiona-se a inclusão das pessoas jurídicas no conceito de

consumidor uma vez que não seriam vulneráveis como as pessoas físicas, haja

vista possuírem meios de acesso a informações técnicas e maior possibilidade de

manejo de sua defesa.

29

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p.135. 30

CALDEIRA, Patricia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 1ª ed., São

Paulo: Verbatim, 2009, p. 15.

Page 28: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

26

Para a melhor definição do conceito, foram formuladas duas teorias

que visam a definir consumidor, as teorias finalista e maximalista31

. Pela teoria

finalista, o consumidor retira o bem do mercado como destinatário fático e

econômico do bem; ao passo que pela teoria maximalista bastaria a retirada do

produto do mercado para essa qualificação.

De acordo com a teoria finalista, a aquisição que vise a uma

atividade negocial, o exercício de atividade comercial por meio de um produto ou

serviço, não deve ser considerada como relação de consumo. Seria o consumo

não profissional, para uso próprio e de sua família, limitando sua aplicação à

parte mais fraca da relação32

.

A compra de peças automotivas por uma transportadora, um

computador por um escritório de advocacia ou uma geladeira por um restaurante

estariam reguladas pelo direito comum.

Da mesma forma, a aquisição pelo intermediário que pretende a

revenda do bem adquirido não deve ser interpretada como relação de consumo33

.

A aquisição de produtos por um supermercado, de carros por uma revendedora

ou remédio por uma farmácia, não se enquadrariam nas previsões do CDC.

O conceito de destinatário final é informado pelo ato de fruição do

bem adquirido, que deve ser relacionada a uma necessidade pessoal e não

econômica. Esse ato negocial deve ser realizado para consumo final, para uso

próprio ou de terceiro34

.

Dessa forma, estariam excluídas do conceito de consumidor todas

as pessoas jurídicas e físicas cuja aquisição tivesse relação com a atividade

exercida. Nestes casos, o produto adquirido seria qualificado como insumo, cujo

ônus econômico seria transferido35

.

31

NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Código de defesa do consumidor interpretado, 6ª ed.,

São Paulo: Editora Verbatim, 2014, p.38 e MARQUES, Claudia Lima. Ob. Cit., p. 116. 32

MARQUES, Claudia Lima. Ob. Cit., p. 116. 33

ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor, São Paulo: Saraiva, p. 38. 34

FILOMENO, José Geraldo Brito. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado

pelos autores do anteprojeto, 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 27. 35

PINHEIRO, Juliana Santos. Problemas de direito constitucional. Gustavo Tepedino

(coordenador), Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 345.

Page 29: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

27

Admite-se, todavia, o abrandamento dessa posição na hipótese da

presença da vulnerabilidade da pessoa jurídica ou do profissional na aquisição do

bem.

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA

DO CONSUMIDOR PARA PROTEÇÃO DE PESSOA JURÍDICA.

TEORIA FINALISTA APROFUNDADA. REQUISITO DA

VULNERABILIDADE NÃO CARACTERIZADO.

EXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO ASSUMIDA EM MOEDA

ESTRANGEIRA. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO NÃO

ATACADO.

1.- A jurisprudência desta Corte tem mitigado os rigores da teoria

finalista para autorizar a incidência do Código de Defesa do

Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica),

embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou

serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade.

2.- No caso dos autos, tendo o Acórdão recorrido afirmado que não se

vislumbraria a vulnerabilidade que inspira e permeia o Código de

Defesa do Consumidor, não há como reconhecer a existência de uma

relação jurídica de consumo sem reexaminar fatos e provas, o que

veda a Súmula 07/STJ.

3.- As razões do recurso especial não impugnaram todos os

fundamentos indicados pelo acórdão recorrido para admitir a

exigibilidade da obrigação assumida em moeda estrangeira, atraindo,

com relação a esse ponto, a incidência da Súmula 283/STF.

4.- Agravo Regimental a que se nega provimento. (STJ AgRg no

REsp. nº 1.149.195/PR, Terceira Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe

01/08/2013).

A aplicabilidade das normas, dessa forma, demandaria avaliação do

caso concreto.

Sem adentrar especificamente em nenhuma teoria, o professor

Rizzatto Nunes destaca a importância de interpretar o conceito de destinatário

final para classificar quem se enquadraria na definição de consumidor.

Se o destinatário final utilizar o produto adquirido em sua atividade

econômica, sua natureza será de “bem de produção”, e o adquirente não será um

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28

consumidor. Todavia, o professor admite a existência de situações nas quais essa

classificação não será suficiente.

Partindo do exemplo de da compra simultânea de uma caneta por

um aluno e por um professor, e do seu uso distinto na sala de aula, pode-se

constatar a incoerência da definição pela utilização do bem.

O aluno que utilizou a caneta para anotar a aula do professor estaria

protegido pelo CDC, ao passo que o professor ao fazer suas anotações com a

caneta precisaria se socorrer do CC para buscar proteção.

Essa distinção não possui base jurídica e ofenderia o princípio da

isonomia.

Para o professor a solução reside na análise do produto adquirido.

O CDC foi criado para regular as situações de introdução no mercado de

produtos típicos de consumo, produzidos em série, distribuídos de modo amplo

para toda a coletividade. A finalidade da utilização do bem não seria relevante e,

no exemplo das canetas, tanto o professor como o aluno estariam protegidos pela

legislação consumerista no caso de algum problema36

.

Para a teoria maximalista, basta a retirada do bem do mercado para

que esteja presente a figura do consumidor. A destinação do bem ou natureza do

seu uso não interferem na definição do conceito. O CDC seria uma legislação

para regular o consumo, estendendo ao máximo as definições de consumidor, de

maneira objetiva37

.

Bastaria, dessa forma, que o consumidor fosse o destinatário fático

do produto ou serviço, que o retira do mercado e o utiliza em sua casa ou em seu

escritório38

.

Essa definição não contemplaria a miríade de hipóteses presentes

no desenrolar do mercado de consumo, bem como não seriam aplicadas a

contento as regras protetivas39

.

36

NUNES, Rizzatto. Ob. Cit., p.126/128. 37

MARQUES, Claudia Lima. Ob. Cit. p. 116. 38

CALDEIRA, Patricia. Ob. Cit., p. 18. 39

PINHEIRO, Juliana Santos. Ob. Cit., p. 337.

Page 31: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

29

Parte relevante da definição de consumidor reside no parágrafo

único do artigo 2º, ao equiparar ao consumidor, a coletividade de pessoas, ainda

que indetermináveis que tenha intervindo na relação de consumo. A relação

jurídica entre as partes não precisa ser um ato de consumo, mas uma

subordinação aos efeitos da ação do fornecedor no mercado40

.

CIVIL. PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR.

ADMINISTRADORA DE SHOPPING CENTER. EXPLOSÃO POR

VAZAMENTO DE GÁS. CADEIA DE FORNECIMENTO.

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. EMPREGADO DO

FORNECEDOR. FIGURA DO CONSUMIDOR POR

EQUIPARAÇÃO. APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA ESPECÍFICA. DANOS

MORAIS. VALOR. REVISÃO EM SEDE DE RECURSO

ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. MONTANTE RAZOÁVEL.

DISPOSITIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 2º, 3º, 7º,

PARÁGRAFO ÚNICO, 17 E 25 DO CDC; E 21, PARÁGRAFO

ÚNICO, DO CPC.

1. Ação ajuizada em 13.04.1999. Recurso especial concluso ao

gabinete da Relatora em 14.03.2013.

2. Recurso especial em que se discute a extensão da figura do

consumidor por equiparação prevista no art. 17 do CDC.

3. Os arts. 7º, parágrafo único, e 25 do CDC impõem a todos os

integrantes da cadeia de fornecimento a responsabilidade solidária

pelos danos causados por fato ou vício do produto ou serviço.

4. O art. 17 do CDC prevê a figura do consumidor por equiparação

(bystander), sujeitando à proteção do CDC aqueles que, embora não

tenham participado diretamente da relação de consumo, sejam vítimas

de evento danoso decorrente dessa relação. Todavia, caracterização do

consumidor por equiparação possui como pressuposto a ausência de

vínculo jurídico entre fornecedor e vítima; caso contrário, existente

uma relação jurídica entre as partes, é com base nela que se deverá

apurar eventual responsabilidade pelo evento danoso.

5. Hipótese em que fornecedor e vítima mantinham uma relação

jurídica específica, de natureza trabalhista, circunstância que obsta a

40

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 140.

Page 32: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

30

aplicação do art. 17 do CDC, impedindo seja a empregada equiparada

à condição de consumidora frente à sua própria empregadora.

6. A indenização por danos morais somente comporta revisão em sede

de recurso especial nas hipóteses em que o valor fixado se mostrar

irrisório ou excessivo. Precedentes.

7. Nos termos do art. 21, parágrafo único, do CPC, se um litigante

decair de parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro,

pelas verbas de sucumbência.

8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.

(STJ Resp. nº 1370139/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy

Andrighi, DJe 12/12/2013).

Conforme se verifica do julgado acima, a preocupação do

legislador com a coletividade de consumidores expostos às práticas dos

fornecedores pode ser comprovada no artigo 17 que equipara ao consumidor,

todas as vítimas de um acidente de consumo.

O mesmo sentido se observa no artigo 29 CDC, ao tratar das

práticas comerciais. São equiparados ao consumidor toda e qualquer pessoa que

seja exposta às práticas abusivas previstas no Capítulo V, CDC. Um claro

exemplo seria a publicidade enganosa, ainda que nenhum consumidor tenha

reclamado do seu teor. Caberá ao Ministério Púbico a adoção das medidas

necessárias para coibir tal prática, em defesa da coletividade de consumidores41

.

A jurisprudência brasileira tem adotado a teoria finalista, conforme

se verifica do julgado abaixo transcrito:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.

RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE ABERTURA DE

CRÉDITO E NOVAÇÃO DE DÍVIDA. RELAÇÃO DE CONSUMO.

TEORIA FINALISTA MITIGADA. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM

CADASTRO DE INADIMPLENTES. VIOLAÇÃO DO ARTIGO

535 DO CPC. SÚMULA 7/STJ. DANO MORAL.

RAZOABILIDADE.

1.- Tendo o Tribunal de origem fundamentado o posicionamento

adotado com elementos suficientes à resolução da lide, não há que se

falar em ofensa ao artigo 535, do CPC.

41

NUNES, Rizzatto. Ob. Cit., p. 134.

Page 33: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

31

2.- A jurisprudência desta Corte tem mitigado a teoria finalista para

autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas

hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja

tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta

em situação de vulnerabilidade. Precedentes.

3.- A convicção a que chegou o Acórdão acerca do dano e do aval

decorreu da análise do conjunto fático-probatório, e o acolhimento da

pretensão recursal demandaria o reexame do mencionado suporte,

obstando a admissibilidade do Especial os enunciados 5 e 7 da Súmula

desta Corte Superior.

4.- A intervenção do STJ, Corte de caráter nacional, destinada a firmar

interpretação geral do Direito Federal para todo o país e não para a

revisão de questões de interesse individual, no caso de questionamento

do valor fixado para o dano moral, somente é admissível quando o

valor fixado pelo Tribunal de origem, cumprindo o duplo grau de

jurisdição, se mostre teratológico, por irrisório ou abusivo.

5.- Inocorrência de teratologia no caso concreto, em que foi fixado o

valor de indenização em R$ R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais),

devido pelo ora Agravante ao autor, a título de danos morais

decorrentes de inscrição indevida em cadastro de proteção ao crédito.

6.- Agravo Regimental improvido.(STJ AgRg no REsp. nº

1.413.889/SC, Terceira Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe.

02/05/2014).

Todavia, vale ressaltar que aplicação dessa teoria demanda atenção

às particularidades de cada caso, posição esta partilhada neste estudo.

1.2.2 Fornecedor

Novamente, neste ponto, o CDC estabelece conceito ao determinar

quem são fornecedores. Para mitigar o risco de não o fazer a contento, a redação

do artigo 3º é extensa e abrangente.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,

nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que

desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção,

transformação, importação, exportação, distribuição ou

comercialização de produtos ou prestação de serviços.

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32

Conforme se apreende da redação, abrange toda e qualquer pessoa

que introduza bem no mercado de consumo, seja ela física ou jurídica, de esfera

privada ou pública, nacional ou estrangeira. O traço característico é o

desenvolvimento de atividades tipicamente profissionais, além da

habitualidade42

.

Qualquer ato mercantil praticado, presente o consumidor por

evidente, é regulado pelo CDC, seja pela própria pessoa física, desde que dotada

de capacidade conforme artigo 2º, do Código Civil – CC, ou por pessoas

jurídicas, sob qualquer forma de organização, nos termos do artigo 16, I, do CC,

como sociedades comerciais, sociedades civis e demais previsões.

O CDC, ao estabelecer como fornecedora qualquer pessoa jurídica

de direito público, alcança todas as formas de organização, sejam sociedades de

economia mista ou empresas públicas, nas formas do artigo 7º do CC.

O artigo 3º do CDC, após determinar quem se qualifica como

fornecedor, exemplifica quais as atividades que exercidas por tais pessoas

completariam a definição. Novamente, o artigo traz extensa previsão, desde

atividades de manufatura como produção, montagem, criação e construção, até

atividades mercantis, como importação, exportação, distribuição ou

comercialização.

Feita a definição dos partícipes da relação de consumo, faz-se

necessário adentrar-se no seu objeto.

1.2.3 Produtos e serviços

Quanto às definições de produtos e serviços, §§1º e 2º do artigo 3º,

novamente o legislador teve o cuidado de traçar os conceitos para facilitar sua

interpretação. A redação é ampla e genérica, no intuito de englobar todas

possíveis hipóteses.

Classifica-se como produto todo e qualquer bem móvel ou imóvel,

material ou imaterial, resultado da produção no mercado de consumo,

equiparando sua definição aos critérios já utilizados no mercado em geral43

.

42

MARQUES, Claudia Lima. Ob. Cit., p. 179. 43

NUNES, Rizzatto. Ob. Cit., p. 139.

Page 35: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

33

Serviço é toda e qualquer atividade prestada ou fornecida no mercado de

consumo44

mediante remuneração. A única ressalva seriam os serviços prestados

sob a égide de uma relação empregatícia, as quais são tuteladas pela legislação

correlata.

Portanto, definidas as características da relação de consumo e a

aplicabilidade do CDC, serão analisados seus princípios.

1.3 Princípios do Código de Defesa do Consumidor

A descrição dos princípios que regem o direito do consumidor é

extensa e minudente, conforme se verifica da redação do artigo 4º do CDC:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por

objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito

à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses

econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a

transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os

seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de

consumo;

II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o

consumidor:

a) por iniciativa direta;

b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações

representativas;

c) pela presença do Estado no mercado de consumo;

d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de

qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de

consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a

necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a

viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica, sempre

com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e

fornecedores;

IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto

aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de

consumo;

44

NUNES, Rizzatto. Ob. Cit., p. 144

Page 36: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

34

V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de

controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como

de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;

VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no

mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização

indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes

comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos

consumidores;

VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;

VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo.

Dessa lista podem-se destacar algumas observações relevantes, a

seguir abordadas.

1.3.1 Vulnerabilidade

Conforme já abordado, o traço mais característico do consumidor é

sua vulnerabilidade, no sentido de que se submete – sem opção – aos poderes dos

titulares dos meios de produção, os empresários45

.

Esse desequilíbrio é o ponto central da proteção trazida pela lei,

justificativa para todas diretrizes que visam à equiparação das partes, à efetiva

aplicação da isonomia. Constitui-se como presunção legal absoluta decorrente do

desequilíbrio existente entre consumidores e fornecedores, conferindo proteção

ao sujeito mais fraco da relação de consumo46

.

A vulnerabilidade do consumidor decorre tanto de sua situação

financeira, na medida em que não pode ser comparado em termos financeiros aos

fornecedores, como também ao seu desconhecimento técnico dos produtos e

serviços disponíveis no mercado.

De acordo com Bruno Miragem, citando Claudia Lima Marques,

Sua classificação pode ser dividida em quatro espécies, como técnica, jurídica,

fática e informacional.

45

COMPARATO, Fabio Konder. A proteção do consumidor: importante capítulo o Direito

Econômico, Revista de Direito Mercantil, nº 15/16, ano XIII, 1974. 46

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 114.

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35

Na vulnerabilidade técnica47

encontra-se a ausência de

conhecimento técnico específico do consumidor sobre o produto ou serviço

adquirido, ao contrário do fornecedor, possuidor de todo esse conhecimento48

. O

fornecedor, muitas vezes será o responsável pela criação e fabricação do produto

e dominará por completo todas as características técnicas e tecnológicas

envolvidas. Ainda que o consumidor tenha conhecimento de como utilizar o

produto, isso não significa que domine seus detalhes técnicos ou até conheça

todas suas funcionalidades a fundo.

Uma dona de casa pode conhecer a funcionalidade de um

eletrodoméstico como máquina de lavar roupas, mas desconhece por completo

suas características técnicas. Por outro lado, essa mesma consumidora pode

adquirir uma moderna televisão e, além de desconhecer suas características

técnicas, também poderá utilizá-la de maneira básica e desconhecer suas demais

possibilidades de uso.

A vulnerabilidade jurídica49

consiste na falta de conhecimento dos

direitos e deveres do consumidor, bem como das consequências jurídicas dos

contratos que celebra50

ou das relações jurídicas que estabelece. Esse

desconhecimento se estende a questões financeiras e econômicas, cujo impacto

pode ser verificado no extenso endividamento dos consumidores ao contrair

empréstimos bancários, parcelar compras e até decidirem fazer o pagamento

mínimo das faturas de cartão de crédito. Em todas essas situações descritas, os

consumidores não tem conhecimento das regras financeiras das obrigações,

muito menos dos impactos em seu patrimônio.

Por fim, a vulnerabilidade fática tem sua amplitude ampliada pela

realidade de cada consumidor. Traduz-se na verificação das características

pessoais de cada consumidor em relação ao fornecedor, sendo a mais comum à

vulnerabilidade econômica.51

O consumidor encontra-se em posição de

47

MARQUES, Claudia Lima. Ob. Cit., p. 229. 48

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 115. 49

MARQUES, Claudia Lima. Ob. Cit., p. 229 50

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 115. 51

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 116.

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36

desvantagem frente às grandes empresas multinacionais, redes de lojas e serviços

em geral.

Essa situação pode ser informada por características pessoais do

consumidor, dentre as quais se cite o consumidor criança, o idoso, o analfabeto e

até o doente52

.

Por fim, a vulnerabilidade informacional seria a decorrente da

publicidade dirigida ao consumidor, seja pela mídia impressa, televisiva,

radiofônica ou eletrônica. Ao consumidor não é possível atestar a veracidade53

das informações prestadas pelo fornecedor, principalmente pelas técnicas de

marketing e publicidade, cujo resultado sempre persegue a sedução e

convencimento do consumidor.

Sua fragilidade reside na impossibilidade de negociar ou discutir as

bases de uma aquisição que pretende fazer ou sequer conhecer os detalhes da

oferta ou produto oferecido. Essa situação enfraquece o consumidor e

desequilibra a relação e seu reconhecimento facilita a aplicação das normas

protetivas, à procura do fundamento da igualdade e da justiça equitativa54

.

Limita-se a escolha na aquisição de produtos ou serviços àqueles

disponíveis no mercado, cuja inserção e produção foram decididas

unilateralmente pelo fornecedor, com base em seus interesses55

.

Para o fornecedor, o consumidor é o destinatário final de seu

produto, mas inserido em um grande volume de pessoas, sem qualquer distinção

ou característica de identidade individual.

A relevância do consumidor reside na qualidade de integrante de

uma coletividade, o público alvo, convencionado para aumentar ou melhorar o

resultado das vendas do produto ou serviço, como um dado estatístico em um

plano de negócios.

52

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 116. 53

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 116. 54

MARQUES, Claudia Lima. Ob. Cit. p. 228/229. 55

NUNES, Rizzatto. Ob. Cit., p. 179.

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37

Ao passo que para o consumidor, o fornecedor é muitas vezes parte

fundamental de seu cotidiano, única possibilidade de aquisição do bem

pretendido.

Essa drástica diferença insere o consumidor em uma posição de

extrema fragilidade, cuja compensação ocorre pelas normas protetivas do CDC,

que superam o simples reconhecimento de sua vulnerabilidade.

Destas, destacam-se a facilitação do acesso aos instrumentos de

defesa, estabelecimento da responsabilidade objetiva do fornecedor e inversão do

ônus da prova56

, a seguir abordadas.

Contudo, vale a ressalva da necessidade de observar e considerar as

situações concretas da relação. As práticas comerciais dos fornecedores já se

adequaram às disposições do CDC, a situação atual dos consumidores é

indiscutivelmente mais benéfica.

Outra questão relevante é o nível de competição do mercado,

resultante do aumento da quantidade de fornecedores e ofertas à disposição.

Quanto maior a competição57

entre os fornecedores, melhores

condições são oferecidas aos consumidores de seus produtos e serviços. Uma das

56

FILOMENO, José Geraldo. Ob. Cit., p.. 55. 57

Os teóricos clássicos de Chicago não hesitam em admitir a existência de monopólios ou de

restrições à concorrência, casos esses sejam instrumentais relativamente ao objetivo definido: a

maximização da eficiência. (...) Por enquanto, basta observar que, para os economistas

neoclássicos, eficiência é a habilidade de produzir a custos menores e, consequentemente,

reduzir os preços para os consumidores. (...) Consequentemente, não se pode confiar

exclusivamente na eficiência econômica para garantia dos interesses dos consumidores. É

preciso ter certeza de que esses ganhos de eficiência serão efetivamente repartidos com os

consumidores e não simplesmente apropriados pelo monopolista. Assim, andou bem o

legislador brasileiro que, ao tratar do controle das concentrações, impôs como requisito para sua

aprovação não apenas a demonstração do ganho de eficiência (art. 54, §1º, inc. I, letra “c”, da

Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994), mas, também, que os benefícios decorrentes da

concentração (entre eles os benefícios decorrentes da eficiência econômica, representado pela

diminuição de custos) “sejam distribuídos equitativamente entre os seus participantes, de um

lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro” (art. 54, inc. II).Ocorre que a única

maneira efetiva de garantir essa repartição de benefícios com os consumidores é a proteção do

sistema concorrencial, isto é, da existência de concorrência, efetiva ou ao menos potencial. Só

ela pode garantir a preocupação constante dos agentes econômicos com a redução de preços,

melhoria da produtividade e qualidade dos bens e serviços. (FILHO, Calixto Salomão. Direito

Concorrencial, as estruturas, 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 23, 33).

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38

garantias do consumidor, portanto, é a livre concorrência a obrigar o fornecedor a

disponibilizar produtos e serviços melhores do que seus concorrentes58

.

A proteção dos consumidores, ainda que indiretamente pelo

estabelecimento de regras que atuem na salvaguarda da concorrência, sob a égide

da consecução de efetiva melhoria nos preços e eficiência do mercado, implica a

necessidade de avaliação do caso concreto.

O local da residência do consumidor pode influir na conclusão

sobre sua vulnerabilidade ou sobre sua falta de opção de escolha entre

fornecedores. As grandes cidades brasileiras oferecem uma maior gama de

possibilidades de escolha, o que indubitavelmente acarreta maior competição

entre os fornecedores e oferecimento de melhores condições aos consumidores.

1.3.2 Ação governamental

O Estado deve assumir posição ativa no estabelecimento de direitos

aos consumidores e deveres aos fornecedores para que respeitem e realizem tais

direitos59

.

A atuação governamental (alínea a) defesa dos consumidores

reflete na criação de órgãos específicos de implementação dessa política, tais

como os PROCONS possuidores de estrutura para orientar e educar os

consumidores, bem como fiscalizar as atividades dos fornecedores, legitimados60

,

inclusive, a propor ações coletivas.

Paralelamente à atuação governamental, fomenta-se a criação de

associações civis (alínea b), representativas dos consumidores no mesmo sentido

da atuação governamental como, por exemplo, o IDEC – Instituto Brasileiro de

Defesa do Consumidor.

No tocante à presença do Estado no mercado de consumo, entenda-

se como atuação no sentido de sua organização e garantia da livre concorrência e

iniciativa, nos termos do artigo 170 da CF61

. Essa atividade tem como órgão de

58

NUNES, Rizzatto. Ob. Cit., p. 104. 59

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 131. 60

FILOMENO, José Geraldo. Ob. Cit., p. 14. 61

FILOMENO, José Geraldo. Ob. Cit., p. 59.

Page 41: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

39

relevante atuação o CADE – Conselho Administrativo de Defesa da

Concorrência, fiscalizando monopólios, abusos do poder econômico.

Vale mencionar, a presença a que alude o texto não se equipara a

participação do estado no mercado como fornecedor. Apesar de se admitir a

aplicação do CDC nas relações dos consumidores com as concessionárias de

serviço público, a justificativa para tanto não se encontra nesse princípio.

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO

EM RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA.

RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICAÇÃO DO CDC. VIOLAÇÃO

DO HIDRÔMETRO NÃO COMPROVADA. PRETENSÃO DE

REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. NÃO

CABIMENTO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. "A jurisprudência desta Corte possui entendimento pacífico no

sentido de que a relação entre concessionária de serviço público e o

usuário final, para o fornecimento de serviços públicos essenciais, tais

como água e energia, é consumerista, sendo cabível a aplicação do

Código de Defesa do Consumidor" (AgRg no AREsp 354.991/RJ,

Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, DJe

11/09/2013).

2. O Tribunal a quo entendeu que não houve violação no hidrômetro.

Para afastar a conclusão adotada pelas instâncias ordinárias,

necessária seria a incursão no conjunto fático-probatório dos autos, o

que é inviável ao Superior Tribunal de Justiça, diante do óbice contido

no verbete sumular 7/STJ.

3. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no AREsp. nº

372.327/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe

18/06/2014).

A aplicação do CDC aos serviços públicos essenciais decorre da

definição de consumidor, conforme será abordado adiante e da própria previsão

do artigo 22 do CDC.

Quanto à garantia dos produtos e serviços com padrões adequados

de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho, remete-se (inciso c) à

criação de normas técnicas, organismos de controle técnico e fiscalização do

cumprimento de tais normas. Esse escopo é atingido com órgãos como o Sistema

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40

Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial - SINMETRO,

adoção das normas técnicas padronizadoras editadas pela Associação Brasileira

de Normas Técnicas - ABNT e também das International Organization for

Standardization – ISO62

.

Por fim, a garantia dos padrões dos produtos e serviços (alínea d),

se traduz como princípio da confiança63

, uma vez que o Estado age diretamente

na relação de consumo para garantir ao consumidor, produtos e serviços de

qualidade, seguros e duráveis, bem como garante regras contratuais protetivas e

garantidoras do equilíbrio entre as partes.

1.3.3 Harmonização dos interesses

A proteção dos consumidores não deve acarretar o atraso

tecnológico ou impedir o desenvolvimento do mercado produtor. Deve-se buscar

compatibilizar os interesses de acordo com o bom senso64

. O estabelecimento da

defesa do consumidor como um dos princípios da livre iniciativa, artigo 170, V

da CF, atua como limitação do regime liberal-capitalista65

.

Exigir a boa-fé na relação entre consumidores e fornecedores,

significa pautar a relação, desde seu nascedouro até sua extinção com lealdade66

.

Essa lealdade irradia seus efeitos para a oferta e publicidade do fornecedor,

geradoras de expectativa no consumidor, bem como na correta e prévia

informação dos detalhes da relação jurídica que será estabelecida, nos termos do

artigo 46 do CDC67

.

Inclui-se no conceito, o dever de esclarecimento técnico68

do

consumidor, informação dos riscos do serviço, modo de prestação assim como

utilidade do serviço ou produto.

62

FILOMENO, Jose Geraldo Brito. Ob. Cit. p. 59. 63

MARQUES, Claudia Lima. Ob. Cit. p. 232. 64

FILOMENO, José Geraldo Brito. Ob. Cit. p. 60. 65

MARQUES, Claudia Lima. Ob. Citi, p. 232. 66

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 126. 67

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se

não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os

respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e

alcance. 68

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 127.

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41

Essa harmonização também impede o abuso do direito do

consumidor, pois o escopo do CDC não é impor gravames excessivos ao

fornecedor, mas somente aqueles vinculados à natureza de sua atividade e à

proteção dos interesses legítimos dos sujeitos da relação69

.

Os interesses devem se harmonizar e não se contrapor. Consumidor

e fornecedor devem partilhar o objetivo comum de praticar seus atos típicos de

aquisição e fornecimento no sentido de aumentar e partilhar as riquezas e

benefícios daí decorrentes70

.

O equilíbrio entre na relação entre consumidor e fornecedor

também será atingido na regulação da relação contratual, em busca do princípio

da equidade contratual. Dessa forma, o CDC estabelece a proibição de utilização

de cláusulas abusivas ou incompatíveis com a boa-fé e equidade nos termos do

artigo 51, IV. O controle da abusividade das cláusulas é bem efetivo pela redação

do artigo 51 do CDC, especialmente pelo fato do rol ser exemplificativo, nos

termos do inciso XV, abrindo a possibilidade de interpretação de cada caso

específico.

1.3.4 Educação e informação

O teor e amplitude das disposições do CDC devem ser informados

a toda coletividade, pelo Estado, escolas, meios de comunicação, entidades

associativas e até os próprios fornecedores.

Abarca desde a educação formal ministradas em escolas ou

distribuição de material informativo, como também a informal71

, veiculada por

meios de comunicação em geral, revistas, televisão, rádios, jornais, internet etc.

Importante mencionar a Lei nº 12.291/201072

que obriga todo estabelecimento

69

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 133. 70

ALVIM, Arruda. Ob. Cit., p. 47. 71

FILOMENO, José Geraldo Brito. Ob. Cit. p. 17. 72

Art. 1o São os estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços obrigados a manter, em

local visível e de fácil acesso ao público, 1 (um) exemplar do Código de Defesa do Consumidor.

Art. 2o

O não cumprimento do disposto nesta Lei implicará as seguintes penalidades, a serem

aplicadas aos infratores pela autoridade administrativa no âmbito de sua atribuição:

I - multa no montante de até R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos);

II – (VETADO); e

III – (VETADO).

Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

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42

comercial a dispor, em local visível, de um exemplar do CDC para consulta dos

consumidores.

1.3.5 Meios de controle de qualidade e segurança e solução de

conflitos

As normas técnicas citadas acima garantem a qualidade e segurança

mínima dos produtos, caberá ao fornecedor o esmero e esforço no sentido de

atingir a melhor qualidade possível de seus produtos. Essa conduta, em verdade,

destina-se ao melhor desempenho comercial do fornecedor cujo resultado será

positivo, também, ao consumidor, na melhoria de sua satisfação73

.

Deverá o fornecedor disponibilizar ao consumidor canais

competentes74

e efetivos para atendimento e solução de conflitos e dúvidas.

Normalmente conhecidos como Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC,

esse serviço deve ser disponibilizado por todos os meios possíveis, via telefone,

correio tradicional, correio eletrônico, internet e até, atualmente, aplicativos de

telefones celulares.

1.3.6 Coibição de abusos

Este inciso remete ao artigo 170 da Constituição Federal,

disciplinador da livre iniciativa. Com efeito, o ordenamento jurídico brasileiro

dispõe de legislação e órgãos de proteção da concorrência como o já citado

CADE, a Lei de Propriedade Industrial nº 9.279 de 1996, assim como a Lei

Antitruste nº 8.884/94.

Conforme já mencionado anteriormente, garantir a plena

concorrência entre os fornecedores e evitar abusos no mercado, beneficiam, em

última análise, os consumidores.

1.3.7 Racionalização e melhoria dos serviços públicos

O princípio em questão trata da matéria disposta no artigo 22 do

CDC, que estabelece:

Art. 22 Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias,

permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são

73

FILOMENO, José Geraldo Brito. Ob. Cit. p. 65. 74

FILOMENO, José Geraldo Brito. Ob. Cit. p. 18.

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43

obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto

aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das

obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas

compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma

prevista neste código.

Portanto, as normas protetivas do consumidor serão aplicadas no

fornecimento de serviços essenciais pelo ente público ou na forma do artigo 175

da CF.

Entretanto, no tocante à necessidade de tutela dos direitos do

consumidor, o CDC trouxe relevantes alterações.

1.3.8 Facilitação de defesa

Sem embargo do reconhecimento da vulnerabilidade do

consumidor, o CDC traz previsões mais efetivas para equilibrar a relação de

consumo. Uma das suas grandes inovações é o estabelecimento de regras

protetivas específicas como garantia contra defeitos e fatos do produto ou

serviço, direito de devolução, prazos especiais e outras questões habituais e

frequentes numa relação de consumo.

Mas a constante modificação e evolução das formas de comércio

jamais poderiam ser acompanhadas por mudanças legislativas concomitantes. O

trabalho legislativo não é tão dinâmico e rápido como a evolução do comércio e

suas alterações.

Dessa forma, optou o legislador por estabelecer critérios e

previsões abertas, que norteiam a forma como deverá ser interpretada uma

relação de consumo.

O artigo 6º trata dos direitos básicos do consumidor, mas neste

estudo a análise será dirigida ao seu inciso VIII, com a seguinte redação:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão

do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do

juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente,

segundo as regras ordinárias de experiências;

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44

Na primeira parte do inciso VIII, consta a facilitação da defesa dos

direitos do consumidor. O objetivo é possibilitar a efetiva atividade processual e

consequente proteção judiciária às relações de consumo, de forma a tornar

possível a concreta e efetiva realização de todos os direitos outorgados ao

consumidor e a real reparação aos danos sofridos pelo consumidor com

disposições expressas referentes à defesa deste em juízo (artigos 81 a 89 e 91 a

102 respectivamente) 75

.

Essa orientação pode ser constatada ao longo do Código como nas

previsões de alargamento da legitimidade ativa estendida ao adquirente (artigo

2º), à coletividade (artigo 2º, § único), às vítimas do evento (artigo 17) e ao

consumidor exposto (artigo 29), além da legitimação ampla do artigo 82,

admissão de qualquer tipo de tutela judicial do artigo 83 e estabelecimento do

foro do consumidor como competente para propositura de ações, artigo 101.

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.

EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL. BRASIL

TELECOM S/A. CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA.

APLICAÇÃO DO CDC. FACILITAÇÃO DOS DIREITOS DO

CONSUMIDOR. AÇÃO QUE PODE SER PROPOSTA NO

DOMICÍLIO DO AUTOR.

1.- Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor ao contrato em

análise, uma vez que, acobertado pela relação societária, há clara

relação de consumo na espécie. Precedente.

2. - A jurisprudência desta Corte é no sentido de que "a facilitação da

defesa dos direitos do consumidor em juízo possibilita que este

proponha ação em seu próprio domicílio" (Resp. 1.084.036/MG, Rel.

Min. NANCY ANDRIGHI, DJ 17.3.09), e de que, tratando-se de

relação de consumo, a competência é absoluta, podendo ser declinada

de ofício.

3.- O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar

o decidido, que se mantém por seus próprios fundamentos.

4.- Agravo Regimental improvido. (AgRg no REsp. nº 1432968/PR,

Terceira Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 01/02/2014).

75

ALVIM, Arruda. Ob. Cit. p. 68.

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45

Todavia, a segunda parte do inciso VIII, que trata da possibilidade

de inversão do ônus da prova, acarreta maiores discussões e será abordada mais

detidamente.

Antes de se abordar a inversão do ônus da prova, é fundamental

adentrar-se na questão da responsabilidade civil no CDC, cuja natureza tem

influência no estudo da possibilidade de inversão do ônus da prova.

1.4 Responsabilidade civil

1.4.1 Conceito e elementos

A responsabilidade civil abrange todas as hipóteses nas quais uma

pessoa natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato ou

negócios danoso76

. Designa o dever que alguém tem no sentido de reparar o

prejuízo decorrente da violação de outro dever jurídico, pressupõe uma obrigação

descumprida77

.

Trata-se da regra legal para a reparação do dano causado a outrem.

Essa obrigação de ressarcir pode decorrer da inexecução de um contrato ou pela

ocorrência de um fato causador de dano78

.

Objetiva restabelecer o lesado à situação anterior ao dano, por meio

da reparação dos danos sofridos79

, recuperar o equilíbrio jurídico econômico

existente entre agente e vítima. Maria Helena Diniz80

traz uma valiosa

colaboração para definir a responsabilidade civil como:

Aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou

patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado,

de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob

sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal.

Trata-se de uma relação obrigacional, cujo objeto é o ressarcimento

do dano sofrido.

76

VENOSA. Silvio de Salvo. Direito Civil, responsabilidade civil. 14ª Ed., São Paulo: Atlas,

2014, p. 1. 77

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 11ª ed., São Paulo:

Atlas, 2014, p., 14. 78

GOMES, Orlando. Obrigações, 11ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 19. 79

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. vol. 7, 28ª ed., São Paulo: Saraiva,

2014, p. 24. 80

DINIZ, Maria Helena. Ob. Cit. p. 50.

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46

1.4.2 Pressupostos

Para que se configure a responsabilidade e o dever de indenizar,

devem estar presentes uma ação ou omissão do agente, um dano patrimonial ou

moral e o nexo de causalidade entre ambos.

1.4.2.1 Ação

Define-se ação como um comportamento positivo, como a

destruição de algo81

, prática do ato que não deveria ocorrer, e ato omissivo é

abstenção da prática de determinada conduta82

, inatividade cuja observância

impediria a eclosão do dano.

A conduta geradora da obrigação de indenizar deve consistir em um

ato comissivo ou omissivo, qualificada juridicamente como ato ilícito, artigo 187

CC. Por evidente, ausente uma conduta geradora de dano, não há que se perquirir

sobre reparação de danos.

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO

EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL.

ACIDENTE DE TRÂNSITO. AUSÊNCIA DE AFRONTA AO ART.

458 DO CPC. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA CONDUTA

CULPOSA. NÃO CONFIGURAÇÃO DO NEXO CAUSAL.

REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS

AUTOS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO

MANTIDA.

1. Inexiste afronta ao art. 458 do CPC quando o acórdão recorrido

analisou todas as questões pertinentes para a solução da lide,

pronunciando-se, de forma clara e suficiente, sobre a controvérsia

estabelecida nos autos.

2. O recurso especial não comporta o exame de questões que

impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a

teor do que dispõe a Súmula n. 7 do STJ.

3. No caso concreto, o Tribunal de origem examinou as peculiaridades

fáticas do caso para concluir pela falta de comprovação da conduta

ilícita dos agravados. Alterar esse entendimento demandaria o

81

CAVALIERI FILHO, Sergio. Ob. Cit., p. 38. 82

DINIZ, Maria Helena, ob. Cit., p. 56.

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47

reexame das provas produzidas nos autos, o que é vedado em recurso

especial.

4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp nº

428.532/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe

10/06/2014).

Conforme se verifica do julgado, os danos foram comprovados,

mas não existe conduta atribuível ao agente que possa ter causado tais danos.

1.4.2.2 Dano

Além do ato do causador, deve estar presente um dano, de natureza

moral ou patrimonial. Como a responsabilidade civil se constitui no dever de

reparação, somente na presença de uma lesão poderá ser reconhecido o deve de

indenizar.

Indenização sem dano equivale a enriquecimento ilícito83

, ainda

que presente a conduta lesiva do agente. Portanto é imprescindível que se

comprove o dano, para que exista suporte lógico e fático para a reparação.

APELAÇÃO. COMPRA E VENDA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO

POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALEGAÇÃO DE

IMPOSSIBILIDADE DE REALIZAR TRANSFERÊNCIA POR TER

A VENDEDORA DÍVIDA COM A RECEITA FEDERAL.

AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE QUE OS DANOS

SUPORTADOS DECORRERAM DA NÃO REGULARIZAÇÃO DA

SITUAÇÃO DO VEÍCULO. RECURSO IMPROVIDO. Em

princípio, cabível a imposição de condenação por danos morais

causados a pessoa jurídica, quando maculada a sua reputação, segundo

jurisprudência consolidada na Súmula 227 do STJ. Contudo, devem

ficar demonstrados nos autos fatos denotativos do abalo da reputação

da empresa. Inexiste nos presentes autos prova de que a autora perdeu

credibilidade perante seus clientes, bem como que deixou de contratar

por conta do fato narrado na petição inicial. O dano material também

não restou demonstrado. Não é possível concluir que os débitos

apontados pela apelante decorreram diretamente da impossibilidade de

transferência do caminhão. (Apelação com revisão nº 0009548-

85.2012.8.26.0048. 31ª Câmara de Direito Privado TJSP, Rel. Des.

Adilson de Araújo. julgado em 07/07/2014).

83

CAVALIERI FILHO, Sergio. Ob. Cit., p. 92.

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48

O dano patrimonial corresponde a uma redução no patrimônio da

vítima, uma diferença negativa como bem denominou Aguiar Dias84

. Constitui-se

como a lesão concreta relativa à perda ou deterioração do patrimônio da vítima,

passível de avaliação pecuniária85

.

Essa diminuição abrange o patrimônio existente ou o que seriam

adquiridos, conquistados, se não existisse a ação de terceiro que impediu esse

resultado86

.

No dano moral não se verifica essa subtração patrimonial. O dano

moral se constitui na lesão de interesses não patrimoniais, inerentes à

personalidade, que constituem a essência do ser humano, independentemente de

raça, cor, fortuna, cultura, credo, sexo, idade e nacionalidade87

.

Se o dano moral não acarreta prejuízo patrimonial, ainda assim o

lesado tem direito a uma reparação, uma satisfação de cunho compensatório88

.

Até a edição da Constituição, especificamente em seu artigo 5º, V,

não existia no Brasil previsão legislativa concernente ao dano moral. O tema era

tratado apenas no tocante à liquidação do dano, como forma de apuração do valor

indenizatório na hipótese de lesão a alguns direitos fundamentais da pessoa como

a vida, a integridade física, os sentimentos, a honra, a liberdade89

.

84

Essas conclusões não são valiosas para o entendimento do conceito econômico do patrimônio.

Neste sentido, patrimônio é apenas o conjunto de bens econômicos. Fischer o define, com a

precisão de uma fórmula jurídica realmente satisfatória, como “a totalidade dos bens

economicamente úteis que se acham dentro do poder de disposição duma pessoa”.

O inconveniente de aplicar ao problema do dano patrimonial as noções derivadas do conceito

jurídico do patrimônio decorre do fato de que este não tem em conta o valor dos bens

patrimoniais, pelo que deve ser deixado de parte, para utilizar-se, em seu lugar, o conceito

econômico, de onde procede a idéia do valor. Daí a conclusão de que “o dano patrimonial

pressupõe sempre ofensa ou diminuição de certos valores econômicos”.

A idéia do interêsse (id quod interest) atende, no sistema da indenização, à noção de patrimônio

como unidade de valor. O dano se estabelece mediante o confronto entre o patrimônio realmente

existente após o dano e o que possivelmente existiria, se o dano não se tivesse produzido: o

dano é expresso pela diferença negativa encontrada nessa operação. Ob. Cit., p. 759/760 85

DINIZ, Maria Helena. Ob. Cit., p. 84. 86

GOMES, Orlando. Ob. Cit., p. 270. 87

CAVALIERI FILHO, Sergio. Ob. Cit., p. 108. 88

GOMES, Orlando. Responsabilidade Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 75. 89

CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 4ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011,

p. 50.

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49

Em verdade, como prossegue Yussef Said Cahali, o dano moral não

está previsto expressamente no atual Código Civil, mas somente regras genéricas

de proteção aos direitos da personalidade, tais como:

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da

personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras

sanções previstas em lei.

Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em

publicações ou representações que a exponham ao desprezo público,

ainda quando não haja intenção difamatória.

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da

justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a

transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização

da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e

sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a

boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a

requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para

impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

A questão foi resolvida com a previsão da CF, cujo texto do artigo

5º, V, bem como do inciso X, inserirem definitivamente a matéria no nosso

ordenamento jurídico. Para superar questionamentos jurisprudenciais, o Superior

Tribunal de Justiça editou a Súmula 37:

São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral

oriundos do mesmo fato.

O prejuízo transita pelo imponderável, o que dificulta a

determinação de como se efetivará a sua recomposição90

. Neste caso, trata-se de

uma forma de compensação do abalo psíquico sofrido, haja vista que não se pode

mensurar financeiramente o abalo moral.

Indenização significa eliminação do prejuízo e de suas

consequências, algo impraticável no dano moral. O pagamento em dinheiro não

equivale à dor, mas exerce dupla função, de expiação em relação ao culpado e

satisfação em relação à vítima91

.

90

VENOSA, Silvio de Salvo. Ob. Cit., p. 50. 91

GOMES, Orlando. Ob. Cit., p. 76.

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50

Caberá ao julgador avaliar se no caso concreto houve efetivo

sofrimento da vítima, ou apenas um fato cotidiano da vida em sociedade. Deverá

estar presente a dor, vexame, sofrimento ou humilhação fora da normalidade, que

interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe

aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar92

.

Uma simples colisão de veículos, a demora no atendimento de uma

fila ou uma eventual discussão entre pessoas, não causam dissabores ao ponto de

serem qualificados como danos morais. A dor psíquica, o vitupério da alma, o

achincalhe social93

, relativos aos direitos da personalidade deverão ser avaliados

conforme o tempo e o local em que forem observados, resultando em conclusões

de acordo com a realidade social vivenciadas pela vítima e o agressor.

Deverá o juiz avaliar criteriosamente se a situação vivenciada

assume proporções suficientes para justificar a responsabilidade pelo dano moral,

excluindo hipóteses de mero dissabor, desconforto ou contratempo presente nas

atividades cotidianas94

.

RESPONSABILIDADE CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL.

ATRASO EM VOO DOMÉSTICO NÃO SIGNIFICATIVO,

INFERIOR A OITO HORAS, E SEM A OCORRÊNCIA DE

CONSEQUÊNCIAS GRAVES. COMPANHIA AÉREA QUE

FORNECEU ALTERNATIVAS RAZOÁVEIS PARA A

RESOLUÇÃO DO IMPASSE. DANO MORAL NÃO

CONFIGURADO.

1. O cerne da questão reside em saber se, diante da responsabilidade

objetiva, a falha na prestação do serviço - atraso em voo doméstico de

aproximadamente oito horas - causou dano moral ao recorrente.

2. A verificação do dano moral não reside exatamente na simples

ocorrência do ilícito, de sorte que nem todo ato desconforme o

ordenamento jurídico enseja indenização por dano moral. O

importante é que o ato ilícito seja capaz de irradiar-se para a esfera da

dignidade da pessoa, ofendendo-a de maneira relevante. Daí porque

doutrina e jurisprudência têm afirmado, de forma uníssona, que o

92

CAVALIERI FILHO, Sergio. Ob. Cit., p. 111. 93

VENOSA, Silvio de Salvo. Ob. Cit., p. 51. 94

CAHALI, Yussef Said. Ob. Cit., p. 52.

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51

mero inadimplemento contratual - que é um ato ilícito - não se revela,

por si só, bastante para gerar dano moral.

3. Partindo-se da premissa de que o dano moral é sempre presumido -

in re ipsa (ínsito à própria ofensa) -, cumpre analisar a situação

jurídica controvertida e, a partir dela, afirmar se há ou não dano moral

indenizável.

4. No caso em exame, tanto o Juízo de piso quanto o Tribunal de

origem afirmaram que, em virtude do atraso do voo - que, segundo o

autor, foi de aproximadamente oito horas -, não ficou demonstrado

qualquer prejuízo daí decorrente, sendo que a empresa não deixou os

passageiros à própria sorte e ofereceu duas alternativas para o

problema, quais sejam, a estadia em hotel custeado pela companhia

aérea, com a ida em outro voo para a capital gaúcha no início da tarde

do dia seguinte, ou a realização de parte do trajeto de ônibus até

Florianópolis, de onde partiria um voo para Porto Alegre pela manhã.

Não há, pois, nenhuma prova efetiva, como consignado pelo acórdão,

de ofensa à dignidade da pessoa humana do autor.

5. O aborrecimento, sem consequências graves, por ser inerente à vida

em sociedade - notadamente para quem escolheu viver em grandes

centros urbanos -, é insuficiente à caracterização do abalo, tendo em

vista que este depende da constatação, por meio de exame objetivo e

prudente arbítrio do magistrado, da real lesão à personalidade daquele

que se diz ofendido. Como leciona a melhor doutrina, só se deve

reputar como dano moral a dor, o vexame, o sofrimento ou mesmo a

humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no

comportamento psicológico do indivíduo, chegando a causar-lhe

aflição, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Precedentes.

6. Ante a moldura fática trazida pelo acórdão, forçoso concluir que, no

caso, ocorreu dissabor que não rende ensejo à reparação por dano

moral, decorrente de mero atraso de voo, sem maiores consequências,

de menos de oito horas - que não é considerado significativo -,

havendo a companhia aérea oferecido alternativas razoáveis para a

resolução do impasse.

7. Agravo regimental não provido. (AgRg no Resp. nº 1269246/RS,

Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 27/05/2014).

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52

O acórdão transcrito é muito claro no sentido de abordar a

relevância de se observar a realidade fática em que a situação ocorreu, os

dissabores verificados em uma grande metrópole devem ser interpretados dentro

de seu contexto. Atraso no horário de partida de voo configura-se como uma

situação corriqueira, ainda que desagradável, mas aliada ao fato de que a

companhia adotou todas as cautelas para minimizar esse transtorno, não

permitem a conclusão da existência de dano moral.

1.4.2.3 Nexo de causalidade

Além da conduta e do dano, deve-se avaliar a presença do nexo de

causalidade entre ambos, a conexão entre o dano e a conduta do agente. Na

hipótese do dano decorrer de negligência da própria vítima, o agente não será

responsabilizado, pois não existe norma que previna a diminuição do patrimônio

próprio95

.

Sua verificação demanda a análise criteriosa do caso concreto e sua

ausência elimina a responsabilidade do agente.

RESPONSABILIDADE CIVIL. Erro Médico. Pedido de indenização

por danos materiais e morais. Sequelas decorrentes do parto. Alegação

de culpa médica. Perícia que não demonstrou inadequação do

procedimento médico a que submetido a gestante. Ilicitude da conduta

não demonstrada. Sequelas que decorreram da prematuridade do

nascimento. Ausência de nexo de causalidade entre o possível erro e o

resultado. Obrigação que é de meio e não de resultado. Sentença

mantida. Agravo retido desprovido. Apelação desprovida. (TJSP

Apelação nº 0169670-23.2006.8.26.0100, 6ª Câmara de Direito

Privado, Rel. Des. Ana Lucia Romanhole Martucci, julgado em

03/07/2014.)

De acordo com a decisão supra, as sequelas verificadas no recém-

nascido não surgiram em razão do procedimento médico ou de falha na conduta

dos profissionais envolvidos, mas decorreram da prematuridade do feto.

Portanto, o dano estava presente, mas dada a ausência de relação deste com o

hospital ou os médicos que realizaram o procedimento, não existe o dever de

indenizar.

95

DINIZ, Maria Helena. Ob Cit., p. 89.

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53

No tocante à sua origem, a responsabilidade civil pode ser

contratual ou extracontratual.

1.4.3 Responsabilidade contratual

A responsabilidade contratual pressupõe uma relação jurídica pré-

existente entre as partes, uma obrigação definida. O dever jurídico violado está

previsto em contrato, que já estabelece o comportamento dos contratantes e o

dever específico a cuja observância ficam adstritos96

.

Sua origem decorre da inexecução da obrigação, que poderá ser

pelo inadimplemento conforme disciplina do artigo 389 do CC, com a seguinte

redação:

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e

danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais

regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Como também pela mora, prevista no artigo 395:

Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der

causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices

oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Na definição de perdas e danos, estabelecem os artigos 402 e 403

do CC que:

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas

e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente

perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as

perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes

por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei

processual.

Vale ressaltar a ausência de previsão de reparação dos danos morais

na responsabilidade civil contratual. Todavia, isso não elimina a possibilidade de

reconhecimento da existência de danos morais na responsabilidade civil

contratual, haja vista o caráter constitucional da matéria, disciplinada no artigo

5º, inciso V da CF.

96

CAVALIERI FILHO, Sergio. Ob. Cit., p. 31.

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54

Importante destacar a possibilidade de o contrato possuir uma

cláusula penal, cujo alcance indenizatório preveja também os danos

extrapatrimoniais, ocasião em que eventual pedido indenizatório deverá ser

negado97

.

1.4.4 Responsabilidade extracontratual

Na responsabilidade extracontratual ou aquiliana, não existe a

relação jurídica obrigacional entre as partes decorrente de um contrato.

Trata-se de violação da norma, lesão a um direito subjetivo ou da

prática de ato ilícito98

.

Sua atual disciplina encontra-se no CC, artigo 927, com a seguinte

redação:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica

obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,

independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou

quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano

implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Conforme se depreende da redação do parágrafo único artigo, a regra é

da responsabilidade civil subjetiva, baseada na existência de culpa, mas admite-se a

responsabilidade objetiva, que prescinde de culpa.

Nos casos de conduta ilícita, o componente fundamental 99

é a culpa, ao

passo que na responsabilidade por conduta lícita, é o risco de ocorrência do dano

decorrente da atividade exercida pelo agente causador.

No entanto, a responsabilidade civil no Brasil, ainda se fundamenta

na existência de culpa do agente causador do dano. Logo, deverá ser provada sua

97

DINIZ, Maria Helena. Ob. Cit. p., 158. 98

DINIZ, Maria Helena. Ob. Cit. p., 577. 99

O Código Civil de 2002 fez profunda modificação na disciplina da responsabilidade civil

estabalecida no Código anterior, na medida em que incorporou ao seu texto todos os avanços

anteriormente alcançados. E foi necessário, para que não entrasse em vigor completamente

desatualizado. Podemos afirmar que, se o Código de 1916 era subjetivista, o Código atual

prestigia a responsabilidade objetiva. Mas isso não signfica dizer que a responsabilidade

subjetiva tenha sido inteiramente afastada. Responsabilidade subjetiva teremos sempre, mesmo

não havendo lei prevendo-a, até porque esa responsabilidade faz parte da própria essência do

Direito, da sua ética, da sua moral – enfim, do sentido natural de justiça. Decorre daquele

princípio superior de Direito de que ninguém pode causar dano a outrem. CAVALIERI FILHO,

Sergio. Ob. Cit., p.36/37.

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55

negligência ou imprudência, Nos casos de ação ou omissão voluntária, a hipótese

é de dolo.

A dificuldade de tal prova desafia os doutrinadores há muito tempo.

A justificativa seria a injustiça com o lesado, em razão de muitas vezes não

conseguir provar os elementos que compõem a responsabilidade civil100

.

O argumento dos autores é justamente a dificuldade ou

impossibilidade de que seja provada a culpa do agente causador do dano, dadas

as inúmeras possibilidades de ocorrência de um evento danoso.

Dessa maneira, a evolução legislativa do CC atualmente admite a

responsabilidade objetiva em determinados casos previstos em lei ou quando

presente a teoria do risco.

A solução seria, em contrapartida, a teoria do risco, pela qual o

causador do dano, aquele que exerce a atividade criadora o risco, responde pelas

lesões sofridas por terceiros101

. Mostra-se relevante considerar o perigo da

atividade exercida, bem como os meios adotados102

.

DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. ESTACIONAMENTO DE

VEÍCULOS. ROUBO ARMADO DE CLIENTE QUE ACABARA

DE EFETUAR SAQUE EM AGÊNCIA BANCÁRIA.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTACIONAMENTO.

ALCANCE. LIMITES.

1. Em se tratando de estacionamento de veículos oferecido por

instituição financeira, o roubo sofrido pelo cliente, com subtração do

valor que acabara de ser sacado e de outros pertences não caracteriza

caso fortuito apto a afastar o dever de indenizar, tendo em vista a

previsibilidade de ocorrência desse tipo de evento no âmbito da

atividade bancária, cuidando-se, pois, de risco inerente ao seu

negócio. Precedentes.

2. Diferente, porém, é o caso do estacionamento de veículo particular

e autônomo - absolutamente independente e desvinculado do banco - a

quem não se pode imputar a responsabilidade pela segurança

100

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade civil, 7ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,

2007, p. 155. 101

DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil, Vol. I, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense,

1960, p. 80. 102

VENOSA, Silvio de Salvo. Ob. Cit., p. 12.

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individual do cliente, tampouco pela proteção de numerário

anteriormente sacado na agência e dos pertences que carregava

consigo, elementos não compreendidos no contrato firmado entre as

partes, que abrange exclusivamente o depósito do automóvel. Não se

trata, aqui, de resguardar os interesses da parte hipossuficiente da

relação de consumo, mas de assegurar ao consumidor apenas aquilo

que ele legitimamente poderia esperar do serviço contratado, no caso a

guarda do veículo. REsp. nº 1.232.795/SP, Terceira Turma, Rel. Min.

Nancy Andrighi, Dje 10/04/2013).

Conforme se depreende do julgado acima, a atividade da instituição

financeira é potencialmente arriscada, logo a possibilidade da ocorrência de

roubos a seus clientes não pode ser considerada como estranha à atividade. Uma

vez que o serviço de estacionamento era oferecido pelo banco, deveria contar

obrigatoriamente com serviço de segurança para mitigar o risco de roubos.

De acordo com Maria Helena Diniz, a responsabilidade fundada no

risco, consiste, portanto, na obrigação de indenizar o dano produzido por

atividade exercida no interesse do agente e sob seu controle, sem que haja

qualquer indagação sobre o comportamento do lesante, fixando-se no elemento

objetivo, isto é, na relação da causalidade entre o dano e a conduta do seu

causador103

· . Na hipótese da ocorrência de potencial dano em função do mau

funcionamento ou qualquer falha no exercício da atividade, adota-se a teoria do

risco. A produção de fogos de artifício, fabricação de automóveis, ferramentas

elétricas, distribuição de combustíveis, dentre outras, constituem-se como

atividades potencialmente danosas na eventualidade de ocorrência de uma falha.

O risco de ocorrência do dano, também é informado pelo risco

empresarial do negócio. A qualidade de um produto é intrinsicamente

relacionada com o custo de sua produção, os melhores insumos e técnicas de

produção, resultam em maior durabilidade, melhor funcionamento e menor risco

de falhas.

Entretanto, quanto maior o custo, menor o lucro do fornecedor. O

maior benefício financeiro do fornecedor será encontrado na diminuição de seus

103

DINIZ, Maria Helena. Ob. Cit.: p. 69.

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custos, cuja consequência é o aumento do risco de ocorrência de falhas ou

vícios104

.

Mas o risco deve ser inerente à atividade exercida, para que possa

ser atribuído ao empresário. Se o dano advier de uma atividade ou conduta cuja

atividade do empresário não pudesse evitar, não se configura o risco do negócio.

CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO.

INCIDÊNCIA DO CDC. PROVEDOR DE CONTEÚDO.

FISCALIZAÇÃO PRÉVIA DO CONTEÚDO POSTADO NO SITE

PELOS USUÁRIOS. DESNECESSIDADE. MENSAGEM DE

CUNHO OFENSIVO. DANO MORAL. RISCO INERENTE AO

NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA. CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DE

CONTEÚDO ILÍCITO. RETIRADA DO AR EM 24 HORAS.

DEVER. SUBMISSÃO DO LITÍGIO DIRETAMENTE AO PODER

JUDICIÁRIO. CONSEQUÊNCIAS. DISPOSITIVOS LEGAIS

ANALISADOS: ARTS. 14 DO CDC E 927 DO CC/02.

1. Ação ajuizada em 26.02.2008. Recurso especial concluso ao

gabinete da Relatora em 14.08.2012.

2. Recurso especial em que se discute os limites da responsabilidade

de provedor de rede social de relacionamento via Internet pelo

conteúdo das informações veiculadas no respectivo site.

3. A exploração comercial da internet sujeita as relações de consumo

daí advindas à Lei nº 8.078/90.

4. A fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor das

informações postadas na web por cada usuário não é atividade

intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar

defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não examina e

filtra os dados e imagens nele inseridos.

5. O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo

inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade

dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a

responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do

CC/02.

104

NUNES, Rizzatto. Ob. Cit., p. 219.

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Portanto, no caso exposto, o controle do conteúdo do material

inserido no site não faz parte da atividade do empresário e qualquer consequência

advinda de teor ofensivo não poderá ser qualificada como risco do negócio.

Mas isso não significa, necessariamente, que o fornecedor esteja

eximido de responsabilidade se o fato não está diretamente relacionado ao seu

negócio. Caso o fornecedor seja cientificado de fatos que possam causar danos

aos consumidores e permanece inerte, sem adotar as cautelas devidas para

impedir ou cessar a conduta danosa, sua responsabilidade poderá ser

reconhecida, mas sob o cunho subjetivo:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO

ELETRÔNICO E RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS

MORAIS. PROVEDOR DE BUSCA NA INTERNET SEM

CONTROLE PRÉVIO DE CONTEÚDO. ORKUT. MENSAGEM

OFENSIVA. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. INÉRCIA DO PROVEDOR

DE BUSCA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA

CARACTERIZADA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Este Tribunal Superior, por seus precedentes, já se manifestou no

sentido de que: I) o dano moral decorrente de mensagens com

conteúdo ofensivo inseridas no site por usuário não constitui risco

inerente à atividade desenvolvida pelo provedor da internet, porquanto

não se lhe é exigido que proceda a controle prévio de conteúdo

disponibilizado por usuários, pelo que não se lhe aplica a

responsabilidade objetiva, prevista no art. 927, parágrafo único, do

CC/2002; II) a fiscalização prévia dos conteúdos postados não é

atividade intrínseca ao serviço prestado pelo provedor no Orkut.

2. A responsabilidade subjetiva do agravante se configura quando: I)

ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem tem conteúdo

ilícito, por ser ofensivo, não atua de forma ágil, retirando o material

do ar imediatamente, passando a responder solidariamente com o

autor direto do dano, em virtude da omissão em que incide; II) não

mantiver um sistema ou não adotar providências, que estiverem

tecnicamente ao seu alcance, de modo a possibilitar a identificação do

usuário responsável pela divulgação ou a individuação dele, a fim de

coibir o anonimato.

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3. O fornecimento do registro do número de protocolo (IP) dos

computadores utilizados para cadastramento de contas na internet

constitui meio satisfatório de identificação de usuários.

4. Na hipótese, a decisão recorrida dispõe expressamente que o

provedor de busca foi notificado extrajudicialmente quanto à criação

de perfil falso difamatório do suposto titular, não tendo tomado as

providências cabíveis, optando por manter-se inerte, motivo pelo qual

responsabilizou-se solidariamente pelos danos morais infligidos à

promovente, configurando a responsabilidade subjetiva do réu.

5. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp. nº 1.402.104/RJ,

Quarta Turma, Rel. Min. Raul Araujo, Dje 18/06/2014)

Importante destacar que a atividade do fornecedor acima descrita,

não é veicular o material de seus usuários, mas somente fornecer o meio

tecnológico para tanto. Todavia, se a atividade se relacionar com a veiculação do

material, a responsabilidade existe, ainda que o dano resulte de conduta de

terceiros.

RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE

CIVIL. ANÚNCIO PUBLICITÁRIO FRAUDULENTO

VEICULADO EM CANAL DE TELEVISÃO. DEFEITO DO

SERVIÇO PRESTADO. NÃO RECONHECIMENTO DO FATO

EXCLUSIVO DE TERCEIRO PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM.

CONCORRÊNCIA DA CONDUTA DO FORNECEDOR PARA O

EVENTO DANOSO. SÚMULA 07/STJ.

1. Demanda indenizatória movida contra canal televisivo por

consumidor lesado pela veiculação de anúncio publicitário

fraudulento.

2. Responsabilidade solidária da empresa detentora do canal de

televisão reconhecida pelas instâncias de origem por não ter o serviço

por ela prestado apresentado a segurança legitimamente esperada pelo

público consumidor.

3. Não acolhimento da excludente do fato exclusivo de terceiro,

prevista no inciso II do parágrafo 3.º do art. 14 do CDC, por não ter

sido reconhecida pelas instâncias de origem a exclusividade do ato

ilícito perpetrado pelos terceiros fraudadores como causa do evento

danoso.

4. Não caracterização da culpa exclusiva da vítima.

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5. A modificação das conclusões alcançadas pelas instâncias de

origem exigiria a revaloração do conjunto fático-probatório, o que é

vedado pela Súmula 07/STJ.

6. Doutrina e jurisprudência acerca do tema.

7. Recurso especial desprovido. (STJ REsp. 1.391.084/RJ, Terceira

Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 15/02/2014).

No caso caberia ao fornecedor, emissora de televisão, adotar as

devidas cautelas no sentido de evitar a veiculação de um anúncio fraudulento.

Perceba-se que no julgado, restou confirmada a ausência de contrato firmado

entre a emissora e o anunciante, numa evidente comprovação de desídia no

controle do material veiculado.

1.4.5 Responsabilidade civil no CDC

Todavia, vale ressaltar que na previsão anterior do Código Civil,

contemporânea à edição do CDC, não havia a previsão do parágrafo único atual.

Tal era seu teor:

Art. 159. Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência, ou

imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado

a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da

responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, artigos 1.518

a 1.532 e 1.537 a 1.553.

Portanto, o CDC para regular de maneira mais efetiva dos direitos

dos consumidores adotou a teoria do risco como informativa da responsabilidade

civil nas relações de consumo e acompanhou a evolução da matéria.

A responsabilidade civil na relação de consumo não está focada na

pessoa do fornecedor, mas no produto ou serviço, na existência de defeito105

. O

fornecedor tem a obrigação legal de introduzir no mercado produtos de

qualidade, para serem utilizados de maneira segura.

O foco alterou-se da conduta do autor do dano, para o fato causador

do dano, apurou-se um dever de guarda pela coisa perigosa, uma cláusula de

incolumidade na atividade de risco, culminando com um dever de segurança ou

garantia de idoneidade do produto colocado no mercado106

.

105

MARQUES, Claudia Lima. Ob. Cit., p. 431. 106

CAVALIERI FILHO, Sergio. Ob. Cit., p. 543.

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61

A proteção do consumidor contra riscos dos produtos e serviços

introduzidos no mercado de consumo tem seu fundamento no

reconhecimento da existência de interesses legítimos de que estes

produtos e serviços sejam seguros, ou seja, de que não apresentem

nem uma periculosidade ou uma nocividade tal a causar danos para

quem venha a ser exposto aos mesmos107

.

Nestes casos a vítima seria uma figura passiva no evento, ao passo

que o causador do dano, ao optar por exercer a atividade que deu causa ao dano e

criar as condições para o exercício dessa atividade, não observou os cuidados

para sua plena consecução. Funda-se no princípio da equidade, aquele que lucra

com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela

resultantes108

.

A responsabilidade civil tradicional se revelou insuficiente para a

proteção do consumidor, demandando a criação de um novo sistema de

responsabilidade com fundamentos e princípios próprios109

.

Essa necessidade de mudança defendida pela doutrina foi acolhida

no CDC, reconhecendo-se a dificuldade da prova pela vulnerabilidade do

consumidor e pela prescindibilidade de prova de culpa do fornecedor nos casos

de responsabilidade civil.

Portanto, excluída a responsabilidade dos profissionais liberais,

abordada adiante, a regra do CDC será de responsabilidade objetiva, nos termos

dos artigos 12 e 14.

Traçadas as linhas gerais da responsabilidade civil, com o

esclarecimento da adoção pelo CDC da responsabilidade objetiva, o estudo será

direcionado para as hipóteses expressamente previstas de proteção aos direitos do

consumidor.

1.4.5.1 Responsabilidade pelo fato do produto

No artigo 12 do CDC está prevista a responsabilidade civil do

fornecedor pelo fato do produto. Ainda que não se utilize da nomenclatura usual,

107

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 498. 108

DINIZ, Maria Helena. Ob. Cit., p. 68. 109

CAVALIERI FILHO, Sergio. Ob. Cit., p. 541.

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o artigo prescinde a prova da culpa, qualificando a responsabilidade do

fornecedor como objetiva.

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou

estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da

existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos

consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação,

construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou

acondicionamento de seus produtos, bem como por informações

insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Pode-se classificar o fato do produto como defeito de segurança,

por comprometer a segurança do produto e gera risco à incolumidade física do

consumidor110

. Esse dever de segurança, traduzido na obrigatoriedade do

fornecedor introduzir no mercado apenas produtos seguros ao consumidor,

quando violado, se traduz em defeito111

.

A complexidade de uma relação de consumo prejudica,

sobremaneira, o exercício do direito à obtenção da indenização pelo dano sofrido.

Questões tais como dificuldade de determinar o momento do surgimento do

defeito; a identidade do fabricante, por vezes inserido em uma grande cadeia

produtiva; complexidade da situação tais como medicamentos, máquinas,

produtos eletrônicos etc; impossibilidade de uma análise detalhada na mercadoria

por estar embalada, dentre inúmeras outras112

.

Zelmo Denari113

classifica os defeitos dos produtos em três

modalidades. A primeira seria o defeito da concepção, na qual existiriam vícios

de projeto, formulação e até utilização de matéria prima inadequada. Tais

defeitos afetam as características gerais do produto114

. Um exemplo prático do

defeito de concepção seria um remédio com graves efeitos colaterais, como o

famoso caso da Talidomida no Brasil, medicamento que gerou deformidades

físicas em inúmeros fetos, pois seu uso era indicado para aliviar os enjoos da

gravidez.

110

CAVALIERI FILHO, Sergio. Ob. Cit., p. 548. 111

MIRAGEM, Bruni. Ob. Cit., p. 513. 112

DINIZ, Maria Helena. Ob. Cit., p. 493. 113

DENARI, Zelmo. Ob. Cit., p. 160. 114

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 514.

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63

Esse tipo de vício macula toda a série de produtos fabricados e seria

a assunção do risco do negócio pela busca do lucro, conforme mencionada pelo

professor Rizzatto Nunes.

A segunda modalidade é o defeito de produção, na qual o vício

reside na fabricação, construção, montagem, manipulação ou acondicionamento

dos produtos. Apenas parte dos produtos fabricados traria essa mácula, pois se

trata de falha no sistema produtivo. O avanço da tecnologia industrial reduziu

esse risco sobremaneira, mas a produção em massa atua como fator de aumento

da incidência desse risco. Ainda que tais defeitos possam ser considerados como

exceções, fazem parte do risco do negócio e demonstram uma evidente falha no

controle de qualidade do fornecedor.

A terceira modalidade é o defeito de informação, representado pela

falta de informações claras e corretas acerca do funcionamento ou utilidade do

produto. Trata-se de defeito extrínseco ao produto e engloba toda forma de

comunicação ao consumidor, inclusive material publicitário.

Dificilmente uma relação de consumo é formalizada com um

contrato, com o estabelecimento da identidade das partes, condições do negócio,

garantias e penalidades.

Essas dificuldades inerentes à relação de consumo, assim como o

acolhimento da teoria do risco, resultaram na adoção da responsabilidade

objetiva do fornecedor no CDC.

Em ambos os casos a inovação residiu justamente na superação da

exigência de um vínculo jurídico antecedente, um vínculo contratual

entre as partes para que a vítima pudesse demandar contra o fabricante

em razão dos defeitos de fabricação. Passa a bastar, assim, a condição

de vítima para que o consumidor tenha reconhecida sua legitimidade

para demandar contra o causador do dano. Ou seja, houve a superação

da exigência de uma relação jurídica previamente constituída entre o

fabricante e a vítima, que não precisa mais ser necessariamente quem

tenha realizado o contrato de consumo com o fornecedor, mas

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64

simplesmente quem tenha sofrido prejuízo decorrente do produto ou

serviço oferecido115

.

O conceito de fato do produto se traduz no acidente de consumo

que atinge a esfera patrimonial ou moral do consumidor e implica a

responsabilização do fornecedor, independente de culpa116

.

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ACIDENTE

AUTOMOBILÍSTICO OCASIONADO POR DEFEITO NO PNEU

DO VEÍCULO - VÍTIMA ACOMETIDA DE TETRAPLEGIA -

CORTE LOCAL QUE FIXA A RESPONSABILIDADE OBJETIVA

DA FABRICANTE DO PRODUTO.

1. INSURGÊNCIA DA FABRICANTE.

1.1 Não conhecimento do recurso especial pela divergência (art. 105,

III, "c", da CF). Dissídio jurisprudencial não demonstrado nos moldes

exigidos pelos artigos 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º,

do RISTJ. Ausência de cotejo analítico entre os julgados e falta de

similitude fática entre os casos em exame.

1.2. Inocorrência de violação ao artigo 535 do CPC. Acórdão

hostilizado que enfrentou, de modo fundamentado, todos os aspectos

essenciais à resolução da lide.

1.3 Nulidade da prova pericial não configurada. Inocorrendo as causas

de suspeição ou impedimento sobre o profissional nomeado pelo juízo

para realização de prova pericial, torna-se irrelevante o fato de ter sido

ele indicado por uma das partes, mormente quando não evidenciada,

tampouco alegada, de modo concreto, eventual mácula nos trabalhos

do expert.

1.4 Demonstrada a ocorrência do acidente em virtude de defeito do

pneu, fato do produto, esgota-se o ônus probatório do autor (art. 333,

I, do CPC), cabendo à fabricante, para desconstituir sua

responsabilidade objetiva, demonstrar uma das causas excludentes do

nexo causal (art. 12, § 3º, do CDC).

Fixada pela Corte de origem a existência de nexo causal entre o

defeito de fabricação que causou o estouro de pneu e o acidente

automobilístico, inviável se afigura a revisão de tal premissa de ordem

115

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 502. 116

ALVIM, Arruda. Código do consumidor comentado, 2ª ed., São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1995, p. 118.

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65

fática no estrito âmbito do recurso especial. Incidência da Súmula n. 7

desta Corte.

1.5 Danos morais arbitrados em 1.000 salários mínimos. Valor

insuscetível de revisão na via especial, por óbice da Súmula n. 7/STJ.

A tetraplegia causada ao aposentado em razão do acidente

automobilístico, que transformou inteiramente sua vida e o priva da

capacidade para, sozinho, praticar atos simples da vida, cuida-se de

seríssima lesão aos direitos de personalidade do indivíduo. A indene

fixada para tais hipóteses não encontra parâmetro ou paradigma em

relação aos casos de morte de entes queridos.

2. INSURGÊNCIA DO AUTOR.

2.1 O art. 950 do Código Civil admite ressarcir não apenas a quem, na

ocasião da lesão, exerça atividade profissional, mas também aquele

que, muito embora não a exercitando, veja restringida sua capacidade

de futuro trabalho.

Havendo redução parcial da capacidade laborativa em vítima que, à

época do ato ilícito, não desempenhava atividade remunerada, a base

de cálculo da pensão deve se restringir a 1 (um) salário mínimo.

Precedentes.

2.2 Não acolhimento do pedido de majoração do valor arbitrado a

título de danos morais, em razão da incidência da súmula 7/STJ.

Razoabilidade do quantum estipulado em 1.000 salários mínimos.

2.3 Inviável a cobrança de juros compostos quando a obrigação de

indenizar resultar de ilícito de natureza eminentemente civil.

3. Recurso da fabricante conhecido em parte, e na extensão, não

provido. Recurso do autor conhecido e parcialmente provido. (Resp.

nº 1.281.742/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe

05/12/2012).

Constatado o dano e sua relação com o produto defeituoso, exsurge

a responsabilidade do fornecedor. No caso transcrito acima, foi constatado pela

perícia que o acidente teve como origem um defeito no pneu do veículo, o que

acarreta diretamente a responsabilidade do fabricante.

Estabelecer como objetiva a responsabilidade do fornecedor pelo

fato do produto atua como meio de facilitação da defesa do consumidor,

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66

atribuindo-lhe o ônus de apenas provar o fato constitutivo de seu direito, sem

necessidade de perquirir acerca da culpa.

Uma vez determinada sua natureza, o CDC estabeleceu excludentes

de responsabilidade, cujo ônus probatório pertence ao fornecedor.

O artigo estabelece, ainda, quais os defeitos que estão abarcados

pela responsabilidade objetiva, na mesma linha de utilização de completa e

minudente previsão de sua aplicação.

1.4.5.2 Responsabilidade pelo vício do produto

No artigo 18 do CDC está prevista a responsabilidade do

fornecedor por vício do produto. Apesar de ausente expressa previsão, trata-se

igualmente de responsabilidade objetiva, na esteira de todos os princípios

protetivos do Código.

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não

duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou

quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a

que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles

decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do

recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária,

respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o

consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

Ao contrário do quanto previsto na responsabilidade pelo fato do

produto, neste artigo aborda-se o prejuízo do consumidor relacionado aos

produtos ou serviços que apresentem defeitos ou falhas, ausente qualquer

acidente.

O prejuízo do consumidor é a falta de relação entre as

especificações do produto, de suas características, e o produto em si, por falha do

fornecedor.

Trata-se de prejuízo patrimonial decorrente da imperfeição do

produto117

.

O prejuízo do consumidor, portanto, situa-se no próprio objeto que lhe

foi repassado pelo fornecedor; é interno, e, assim, a reparação devida

não depende de um dano pessoal ou material ou moral que o

117

NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Ob. Cit. p. 121.

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67

consumidor tenha sofrido. É o próprio objeto que não se presta ao uso

a que se acha destinado, ou não corresponde ao preço que por ele se

ajustou.118

Novamente, o artigo se caracteriza pela extensa previsão das

hipóteses de vícios. Busca o artigo a adequação objetiva do bem, a possibilidade

que satisfaça a confiança do consumidor119

.

Por outro lado, a responsabilidade pelo vício do produto o do serviço

decorre da violação a um dever de adequação. Adequação, entendida

como a qualidade do produto ou serviço de servir, ser útil, aos fins que

legitimamente dele se esperam. Daí porque se deve sempre destacar

que os vícios e seu regime de responsabilidade não se confundem com

a noção de inadimplemento absoluto da obrigação, mas a um

cumprimento parcial, imperfeito cuja identificação remete às soluções

previstas no Código Civil e na legislação, para atendimento do

interesse das partes, a princípio, no cumprimento do contrato.120

Na definição do que seriam os vícios de qualidade, pode-se afirmar

que se trata da ausência no produto de características ou propriedades que

possibilitem o atendimento aos fins esperados pelo consumidor121

. O produto

disponibilizado no mercado pelo fornecedor, não atende aos fins pretendidos pelo

consumidor no momento de sua aquisição.

No julgado abaixo transcrito, o consumidor adquiriu um veículo

novo, zero-quilômetro e sua expectativa básica era da ausência de problemas ou

defeitos por um razoável período de tempo. Mas o veículo apresentou inúmeros

problemas de funcionamento, em número muito superior ao que seria razoável se

admitir tendo em vista ser o veículo novo.

CONSUMIDOR E CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL

CONTRATUAL. DEFEITOS EM VEÍCULO ZERO-

QUILÔMETRO. EXTRAPOLAÇÃO DO RAZOÁVEL. DANO

MORAL. EXISTÊNCIA. JUROS DE MORA. DIES A QUO.

CITAÇÃO. DISPOSITIVOS LEGAIS APRECIADOS: ARTS. 18 DO

CDC E 186, 405 e 927 do CC/02.

118

THEODORO JUNIOR, Humberto. Ob. Cit., p. 356. 119

MARQUES, Claudia Lima. Ob. Cit., p. 564. 120

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 569. 121

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 572.

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68

1. Ação ajuizada em 14.05.2004. Recurso especial concluso ao

gabinete da Relatora em 08.08.2013.

2. Recurso especial em que se discute se o consumidor faz jus à

indenização por danos morais em virtude de defeitos reiterados em

veículo zero quilômetro que o obrigam a levar o automóvel diversas

vezes à concessionária para reparos, bem como o dies a quo do

cômputo dos juros de mora.

3. O defeito apresentado por veículo zero-quilômetro e sanado pelo

fornecedor, via de regra, se qualifica como mero dissabor, incapaz de

gerar dano moral ao consumidor. Todavia, a partir do momento em

que o defeito extrapola o razoável, essa situação gera sentimentos que

superam o mero dissabor decorrente de um transtorno ou

inconveniente corriqueiro, causando frustração, constrangimento e

angústia, superando a esfera do mero dissabor para invadir a seara do

efetivo abalo psicológico.

4. Hipótese em que o automóvel adquirido era zero-quilômetro e, em

apenas 06 meses de uso, apresentou mais de 15 defeitos em

componentes distintos, parte dos quais ligados à segurança do veículo,

ultrapassando, em muito, a expectativa nutrida pelo recorrido ao

adquirir o bem.

5. Consoante entendimento derivado, por analogia, do julgamento,

pela 2ª Seção, do Resp. 1.132.866/SP, em sede de responsabilidade

contratual os juros de mora referentes à reparação por dano moral

incidem a partir da citação.

6. Recurso especial desprovido. (STJ REsp. nº 1395285/SP, Terceira

Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 12/12/2013).

Quanto aos vícios de quantidade, constituem-se na diferença entre a

quantidade apresentada, ofertada ou sugerida pela publicidade, rotulagem do

produto ou serviço, e aquela efetivamente contida ou disponível ao consumidor.

Esse vício foi muito frequente no Brasil anos atrás, em razão da

conduta dos fornecedores de diminuírem a quantidade do produto, mas manterem

o mesmo preço. O interesse dos fornecedores era estritamente financeiro, pois a

redução na quantidade não era informada ou era feita de maneira dissimulada.

Neste aspecto, considerando que essa conduta atinge a coletividade

dos consumidores, mostrou-se exemplar a atuação dos órgãos de defesa do

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69

consumidor, culminando com a aplicação de severas multas aos fornecedores,

conforme se depreende do julgado abaixo.

ADMINISTRATIVO. CONSUMIDOR. PROCEDIMENTO

ADMINISTRATIVO. VÍCIO DE QUANTIDADE. VENDA DE

REFRIGERANTE EM VOLUME MENOR QUE O HABITUAL.

REDUÇÃO DE CONTEÚDO INFORMADA NA PARTE

INFERIOR DO RÓTULO E EM LETRAS REDUZIDAS.

INOBSERVÂNCIA DO DEVER DE INFORMAÇÃO. DEVER

POSITIVO DO FORNECEDOR DE INFORMAR. VIOLAÇÃO DO

PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. PRODUTO ANTIGO NO

MERCADO. FRUSTRAÇÃO DAS EXPECTATIVAS LEGÍTIMAS

DO CONSUMIDOR. MULTA APLICADA PELO PROCON.

POSSIBILIDADE. ÓRGÃO DETENTOR DE ATIVIDADE

ADMINISTRATIVA DE ORDENAÇÃO. PROPORCIONALIDADE

DA MULTA ADMINISTRATIVA. SÚMULA 7/STJ. ANÁLISE DE

LEI LOCAL, PORTARIA E INSTRUÇÃO NORMATIVA.

AUSÊNCIA DE NATUREZA DE LEI FEDERAL. SÚMULA

280/STF. DIVERGÊNCIA NÃO DEMONSTRADA. REDUÇÃO DO

"QUANTUM" FIXADO A TÍTULO DE HONORÁRIOS

ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 7/STJ.

1. No caso, o Procon estadual instaurou processo administrativo

contra a recorrente pela prática da infração às relações de consumo

conhecida como "maquiagem de produto" e "aumento disfarçado de

preços", por alterar quantitativamente o conteúdo dos refrigerantes

"Coca Cola", "Fanta", "Sprite" e "Kuat" de 600 ml para 500 ml, sem

informar clara e precisamente aos consumidores, porquanto a

informação foi aposta na parte inferior do rótulo e em letras reduzidas.

Na ação anulatória ajuizada pela recorrente, o Tribunal de origem, em

apelação, confirmou a improcedência do pedido de afastamento da

multa administrativa, atualizada para R$ 459.434,97, e majorou os

honorários advocatícios para R$ 25.000,00.

2. Hipótese, no cível, de responsabilidade objetiva em que o

fornecedor (lato sensu) responde solidariamente pelo vício de

quantidade do produto.

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70

3. O direito à informação, garantia fundamental da pessoa humana

expressa no art. 5°, inciso XIV, da Constituição Federal, é gênero do

qual é espécie também previsto no Código de Defesa do Consumidor.

4. A Lei n. 8.078/1990 traz, entre os direitos básicos do consumidor, a

"informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços,

com especificação correta de quantidade, características, composição,

qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam" (art. 6º,

inciso III).

5. Consoante o Código de Defesa do Consumidor, "a oferta e a

apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações

corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas

características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia,

prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os

riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores" (art.

31), sendo vedada a publicidade enganosa, "inteira ou parcialmente

falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de

induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características,

qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros

dados sobre produtos e serviços" (art. 37).

6. O dever de informação positiva do fornecedor tem importância

direta no surgimento e na manutenção da confiança por parte do

consumidor. A informação deficiente frustra as legítimas expectativas

do consumidor, maculando sua confiança.

7. A sanção administrativa aplicada pelo Procon reveste-se de

legitimidade, em virtude de seu poder de polícia (atividade

administrativa de ordenação) para cominar multas relacionadas à

transgressão da Lei n. 8.078/1990, esbarrando o reexame da

proporcionalidade da pena fixada no enunciado da Súmula 7/STJ.

8. Leis locais, portarias e instruções normativas refogem ao conceito

de lei federal, não podendo ser analisadas por esta Corte, ante o óbice,

por analogia, da Súmula 280/STF.

9. Os honorários advocatícios fixados pela instância ordinária somente

podem ser revistos em recurso especial se o "quantum" se revelar

exorbitante, em respeito ao disposto na Súmula 7/STJ.

Recurso especial a que se nega provimento. (REsp. nº 1.364.915/MG,

Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 24/05/2013).

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71

A atuação do PROCON na fiscalização desse tipo de conduta

culminou na edição da Portaria nº 82/2002 do Ministério da Justiça, que define as

regras para informação aos consumidores das alterações de quantidades dos

produtos.

No entanto, o traço característico da previsão concernente a esse

tipo de vício é o fato do CDC já trazer as hipótese de sua solução.

A identificação de vício de qualidade, quantidade ou informação,

relativo ao produto objeto de uma relação de consumo difere do

regime dos vícios redibitórios do direito comum, dentre outras

hipóteses, em razão da existência das alternativas dispostas em lei, em

favor do adquirente prejudicado122

.

Dessa forma, o Código já traz a solução para as hipóteses de vícios,

na exata medida de sua extensão, nos incisos do §1º:

§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o

consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas

condições de uso;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada,

sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço

Conforme se verifica nas hipóteses acima, a opção prioritária e

mais evidente é a solução do vício pelo fornecedor, ou caso não seja possível,

assegurar o ressarcimento do consumidor, evitando novos danos, melhorando a

qualidade de vida e segurança às relações de consumo123

.

Caso isso não seja possível, o consumidor poderá optar pela troca

por um novo produto, devolução do valor pago ou abatimento do preço, sem

prejuízo de perdas e danos.

RECURSO ESPECIAL - DEMANDA VISANDO A RESTITUIÇÃO

DE QUANTIA PAGA PELO CONSUMIDOR NA AQUISIÇÃO DE

VEÍCULO NOVO - APRESENTAÇÃO DE VÍCIOS DE

QUALIDADE - SUCESSIVOS RETORNOS À REDE DE

CONCESSIONÁRIAS PARA REPARO DA MESMA

122

MIRAGEM, Brunoo. Ob. Cit., p 580. 123

MARQUES, Claudia Lima. Ob. Cit., p. 565.

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IMPERFEIÇÃO - TRANSCURSO DO PRAZO DE 30 (TRINTA)

DIAS (ART. 18, §1º, DO CDC) - ACOLHIMENTO DO PEDIDO

PELA SENTENÇA A QUO - REFORMA DO DECISUM EM

SEGUNDO GRAU, POR REPUTAR RENOVADO O LAPSO ANTE

A REITERAÇÃO DE FALHAS NO FUNCIONAMENTO DO BEM.

INSURGÊNCIA DO CONSUMIDOR.

1. Caso em que o consumidor adquiriu veículo "zero quilômetro ", o

qual apresentou sucessivos vícios, ensejando a privação do uso do

bem, ante os reiterados comparecimentos à rede de concessionárias.

Efetivação da solução a destempo, consideradas as idênticas

imperfeições manifestadas no que tange ao "desempenho " do veículo,

segundo as balizas fáticas firmadas pelas instâncias ordinárias.

Hipótese de cabimento da devolução da quantia paga.

2. Em havendo sucessiva manifestação de idênticos vícios em

automotor novo, o aludido lapso conferido para o fornecedor os

equacionar é computado de forma global, isto é, não se renova cada

vez que o veículo é entregue à fabricante ou comerciante em razão do

mesmo problema.

3. A solução para o imperfeito funcionamento do produto deve ser

implementada dentro do prazo de trinta dias, norma que, uma vez

inobservada, faz nascer para o consumidor o direito potestativo de

optar, segundo sua conveniência, entre a substituição do produto, a

restituição imediata da quantia paga ou o abatimento proporcional do

preço (art. 18, §1º, I, II e III, do CDC).

4. Não é legítimo esperar que um produto novo apresente defeitos

imediatamente após a sua aquisição e que o consumidor tenha que,

indefinidamente, suportar os ônus da ineficácia dos meios empregados

para a correção dos problemas apresentados.

5. O prazo de 30 dias constante do art. 18, § 1º, do CDC, consoante o

princípio da proteção integral (art. 6º, VI), deve ser contabilizado de

forma a impedir o prolongamento do injusto transtorno causado ao

consumidor, na medida em que é terminantemente vedada a

transferência, pelo fornecedor de produtos e serviços, dos riscos da

sua atividade econômica.

6. Recurso especial provido. (Resp. N 1.297.690/PR, Quarta Turma,

Rel. Min. Marco Buzzi, Dje 06/08/2013).

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73

As previsões apresentadas estabelecem as opções do fornecedor

para sanar o vício, de maneira a outorgar maior efetividade à solução.

Novamente, o detalhamento da redação do artigo visa a facilitar sua compreensão

e aplicação aos casos concretos.

1.4.5.3 Responsabilidade do profissional liberal

À exceção das demais hipóteses de responsabilidade civil, a relativa

aos profissionais liberais demanda a prova de culpa; logo, subjetiva.

A previsão contida no §4º do artigo 14 do CDC não contém

maiores digressões ou detalhamentos, de modo que são aplicáveis todos os

expedientes que facilitam a defesa do consumidor.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da

existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos

consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem

como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição

e riscos.

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada

mediante a verificação de culpa.

Justifica-se a necessidade de prova da culpa pela pessoalidade do

trabalho do profissional liberal, caráter único e dirigido à situação específica do

consumidor.

Orienta a decisão do legislador a natureza da prestação realizada pelo

profissional liberal, que de regra será de caráter personalíssimo

(intuitu personae), isolada, e que por isso não detém estrutura

complexa do fornecimento do serviço, em relação ao qual o interesse

básico do consumidor estará vinculado conhecimento técnico

especializado deste fornecedor. Daí porque a identificação do

profissional liberal pareça se ligar a duas condições básicas: a)

primeiro, a espécie de atividade exercida; b) segundo, o modo como é

exercida124

.

Por outro lado, o trabalho do profissional liberal muitas vezes se

configura como uma obrigação de meio, não de resultado. A prestação do serviço

124

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 550.

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74

consistirá na utilização da melhor aptidão possível na busca pelo resultado

pretendido pelo consumidor, que poderá não surgir.

O médico não pode garantir o resultado do tratamento, dependente

de diversas variáveis fora de seu controle, como também não pode o advogado

garantir o sucesso de uma lide. Uma vez comprovado que o profissional exerceu

seu trabalho com a melhor técnica possível, o resultado desfavorável não lhe

poderá ser atribuído como falha, ausente a responsabilidade por eventual dano.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE

DIVERGÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL FUNDADO NA

APLICAÇÃO DE REGRA TÉCNICA DE CONHECIMENTO

RECURSAL. SÚMULA 7/STJ. NÃO OCORRÊNCIA.

POSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DOS EMBARGOS DE

DIVERGÊNCIA. MÉRITO. ERRO MÉDICO.

RESPONSABILIDADE DOS MÉDICOS CIRURGIÃO E

ANESTESISTA. CULPA DE PROFISSIONAL LIBERAL (CDC,

ART. 14, § 4º). RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. EMBARGOS

REJEITADOS. (STJ EDcl nos EREsp nº 605.435/RJ, Segunda Seção,

Rel. Min. Raul Araujo, DJe 17/04/2013).

No caso em tela, uma paciente submeteu-se a uma cirurgia em uma

clínica particular, sem intercorrências. Mas após receber alta médica faleceu. Na

perícia realizada, constatou-se que o óbito deveu-se a erro do anestesista, mas o

cirurgião chefe foi isentado de responsabilidade.

Considerando, no caso específico, que o ofício do anestesista não é

subordinado ao cirurgião, mas atua com plena liberdade, não é aplicável a

responsabilidade solidária ao cirurgião chefe, pois esta depende da prova da

culpa.

Todavia, devem-se considerar as mudanças ocorridas no campo de

atuação desses profissionais.

A pessoalidade ou relação de confiança outrora existente entre os

médicos e seus pacientes não podem ser equiparadas nos casos de médicos

Page 77: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

75

conveniados a um plano de saúde125

ou pessoas jurídicas formadas por médicos

ou outros profissionais, cujo tratamento seria de fornecedores normais126

.

Nestes casos, apesar da ressalva acima, presume-se que estejam

presentes as liberdades tolhidas nos demais casos. O consumidor pode escolher o

profissional, negociar preços e obter o esclarecimento de suas dúvidas, com o

direcionamento do trabalho às suas necessidades específicas.

125

NUNES, Rizzatto. Ob. Cit. P. 405. 126

MARQUES, Claudia Lima. Ob. Citi. P. 480.

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76

2 Aspectos gerais da prova no processo civil

2.1 Conceito

Traçados os fundamentos do CDC, exsurge a necessidade de

adentrar-se no tema objeto deste estudo e, buscar a definição legal de prova para

analisar como deve ser interpretada a prova no CDC. As provas são reguladas

tanto pelo CC como pelo CPC, mas essa aparente duplicidade não merece

críticas127

.

Enquanto o Código Civil define quais são os meios de provas dos

negócios jurídicos e seu valor probante128

, o Código de Processo Civil determina

o modo de sua produção em juízo.129

Excetuados os casos em que o negócio

jurídico demanda forma especial e, consequentemente, determinado tipo de

prova, os meios de prova podem ser escolhidos conforme sua utilidade em

relação ao seu objeto.

Prova seria o meio pelo qual se demonstra a veracidade de uma

alegação130

, a constatação empírica de uma afirmação ou tese.

No processo judicial, a prova visa à reprodução dos fatos que

compõem o litígio, possibilitando ao juiz formular sua convicção.

Para que o juiz possa proferir uma decisão no caso concreto,

necessita de profundo conhecimento dos fatos que compõem a lide. As alegações

das partes não suprem seu convencimento, pois a verdade será encontrada no

conjunto de elementos exteriores (provas) trazidos aos autos131

.

Dessa forma, a prova possibilita ao juiz formar seu convencimento

sobre a existência dos fatos e avaliar de maneira completa o objeto do litígio.

127

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. vol. I, 19ª ed. Rio de Janeiro,

Forense, 2001, p. 380. 128

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil:

procedimento comum: ordinário e sumário, vol. 2, 7º ed., São Paulo: Saraiva, 2014. p. 243. 129

DUARTE, Nestor. Código Civil Comentado, coord. Cezar Peluso. 3ª ed. Barueri, Manole,

2009, p. 170. 130

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 7ª ed., São

Paulo. Malheiros, 2013, p. 309. 131

DINAMARCO, Cândido Rangel. Ob. Cit. p. 309.

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77

A busca não reside na verificação efetiva do fato pelo juiz, dada sua

impossibilidade por ser pretérito, mas a construção de um quadro cognitivo que

lhe permita a verificação formal do quanto ocorrido.

Assemelha-se o trabalho do juiz no campo das provas ao trabalho

do historiador, que descobre fatos passados com base em fontes ao seu dispor132

.

Essa descoberta no processo judicial, entretanto, é realizada com a estrita

observância de regras legais.

2.2 Meios de prova

O CPC estabelece em seu artigo 332 que todos os meios legais de

prova, bem como os moralmente legítimos, são hábeis para a prova dos fatos.

Mas apesar dessa redação abrangente, os meios de prova estão

previstos no Código Civil, em seu artigo 212, que estipula como meios de prova

admitidos no ordenamento jurídico brasileiro a confissão; a prova documental;

prova testemunhal; as presunções e a perícia.

A matéria também é tratada pelo CPC, que estabelece ainda a

inspeção judicial, o depoimento pessoal, o interrogatório e exibição de

documento ou coisa. Vale ressaltar que o rol dos artigos é exemplificativo, dada a

generalidade da previsão do artigo 332 CPC já citado.

a) confissão133

: admissão pela parte de veracidade de um fato que

lhe seja desfavorável. Trata-se de um poderoso meio de prova, pois a parte

aquiesce à veracidade de um fato invocado contra si, excluindo a contradita e a

controvérsia134

. Uma vez presente a confissão, está dispensada a produção de

prova acerca do fato.

Por se tratar de ato que encerra a controvérsia acerca do fato e

prejudica o confitente, devem-se observar rigorosamente os requisitos de sua

validade. A parte deve ser capaz e plenamente ciente do ato praticado. Eventual

mácula em seu discernimento prejudica a confissão.

132

ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 2ª ed. Fundação Calouste

Gulbernkian, Lisboa, 1964, p. 71. 133

Arts. 348 a 354 do CPC. 134

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Ob. Cit., p. 389.

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78

Sua produção pode ser feita em juízo ou fora do processo,

classificando-se como judiciais ou extrajudiciais respectivamente. A confissão

judicial poderá ser espontânea, quando a parte por ato próprio a pratica ou

provocada, quando obtida em depoimento pessoal da parte.

A extrajudicial, nos termos do artigo 353 CPC, deverá ser feita por

escrito, direcionada à parte contrária para que tenha a mesma validade da

judicial. A justificativa seria o atributo negocial, equivalente à renúncia da prova

contrária pelo confitente e desoneração de prova pelo beneficiado135

.

Caso seja realizada a terceiro ou contida em testamento, caberá ao

juiz sua apreciação para determinar seu valor.

Seu conteúdo é indivisível e não poderá a parte beneficiada

aproveitar somente o que lhe for favorável. Essa previsão legal decorre do caráter

unitário da confissão, que deverá ser tomada em seu conjunto, para o fiel retrato

da exposição dos fatos pelo confitente136

.

b) depoimento pessoal137

: questionamento à parte, em juízo, sobre

os fatos relevantes da causa. Adotando o magistério de Mauro Cappelletti,

Marinoni afirma que a parte é quem detém o mais completo conhecimento dos

fatos, logo o depoimento se constitui como importante meio de prova, mas cuja

confiabilidade pode ser comprometida pelo seu interesse pessoal na causa138

.

Deverá ser pedido pela parte contrária e tomado em audiência, por

meio de inquirições do juiz em primeiro lugar, seguidas pelos questionamentos

do patrono da outra parte.

Será prestado exclusivamente pela parte, admitindo-se, todavia, sua

realização por representantes nos casos de pessoas jurídicas139

. A previsão deve

ser interpretada de maneira coerente com a realidade das corporações atuais, uma

vez que um diretor de grande empresa talvez não tenha conhecimento do fato,

135

MARINONI, Luiz Guilherme. Prova, 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2011, p. 491. 136

MARINONI, Luiz Guilherme. Ob. Cit. P. 494. 137

Artigo 343 do CPC. 138

MARINONI, Luiz Guilherme. Ob. Cit. P. 388. 139

Art. 12, VI e 349, paragrafo único do CPC.

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79

sendo mais razoável que seja designado um membro específico da empresa que

detenha conhecimento direto dos fatos140

.

A falta do comparecimento da parte à audiência de instrução e

julgamento ou sua recusa em prestar depoimento, equivalem à confissão, desde

que da intimação conste expressamente da sua intimação a advertência nesse

sentido.

Entretanto, a aplicação da pena de confesso ocorrerá nas ocasiões

em que não houver justo motivo para a conduta da parte. Trata-se da confissão

ficta, pois não existe a admissão expressa de fato contrário, verificada na

confissão.

Existem hipóteses nas quais a parte pode se recusar a prestar

depoimento, sem que isso implique nas penalidades legais. Estabelece o artigo

347 CPC que a parte não será obrigada a depor sobre fatos criminosos ou torpes

que lhe forem imputados e fatos que deve guardar sigilo por estado ou profissão.

O advogado deve guardar sigilo obre fato relacionado com pessoa

de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo

constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional141

. A mesma

previsão deve ser aplicada aos médicos142

, contadores, dentre outros.

Esse elenco é ampliado pelo artigo 229 CC, ao estabelecer:

Art. 229. Ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato:

I - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo;

II - a que não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge,

parente em grau sucessível, ou amigo íntimo;

III - que o exponha, ou às pessoas referidas no inciso antecedente, a

perigo de vida, de demanda, ou de dano patrimonial imediato.

Tais disposições não devem ser consideradas como taxativas, dada

a possibilidade de outras situações em que a parte não possa ser obrigada a depor.

140

ALVIM, Eduardo Arruda. Direito Processual Civil. 5ª ed., São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2013, p. 555/556. 141

Artigo 7, XIX, Lei nº 8.906/1994. 142

Artigo 73, parágrafo único, do Código de Ética Médica.

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80

Citam-se como exemplo, questionamentos acerca de fatos irrelevantes ou

impertinentes à causa, tais como questões íntimas143

.

Mesmo efeito deve ser atribuído à parte que presta seu depoimento

utilizando termos vagos e evasivas. Neste caso, o juiz avaliará o depoimento e

poderá declarar, na sentença que houve recusa em depor, aplicando a pena de

confissão.

Ainda que não seja considerado como meio de prova, mostra-se

relevante abordar o interrogatório previsto no artigo 342 do CPC. Visa o

esclarecimento do juiz sobre os fatos da lide e poderá ser requisitado a qualquer

momento.

Por não se constituir como meio de prova, não é cabível a aplicação

da pena de confissão, por ausência de previsão legal. A aplicação analógica da

pena prevista no art. 343 não é possível, pois as sanções devem ser interpretadas

restritivamente144

.

A recusa da parte em comparecer ao interrogatório poderá

constituir como crime de desobediência prevista no art. 330 do Código Penal,

violação aos deveres das partes previstos no artigo 14 CPC e litigância de má-fé

nos termos do artigo 17 CPC.

c) Prova documental145

: consiste em elementos utilizados na

instrução do processo que possam ser observados pelo juiz, sejam escritos,

grafados ou impressos em material que permita sua visualização. Nesta

definição, incluem-se documentos escritos, fotos, impressões, desenhos ou

qualquer outra forma de reprodução gráfica.

O documento é elemento representativo da prova, a perpetuação do

ato ou declaração de vontade146

. Podem ser divididos em públicos, quando

produzidos por autoridades públicas ou privados na hipótese de produção por

particulares.

143

MARINONI, Luiz Guilherme. Op cit p. 436. 144

MARINONI, Luiz Guilherme. Op cit p. 396. 145

Artigos. 364 a 389 CPC. 146

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Ob. Cit., p. 383.

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81

O documento público faz prova dos fatos declarados como

ocorridos na presença do tabelião ou funcionário público que o produzir, em

decorrência da fé pública outorgada a tais pessoas. No entanto, trata-se de

presunção juris tantum147

, cabendo prova em contrário.

Atribui-se, em determinadas hipóteses, preponderância da prova

documental frente à prova testemunhal148

, conforme se verifica do disposto nos

artigos 400, incisos I e II, 401 e 402, inciso I, do CPC.

Trata-se, em verdade, de prova pré-constituída, cuja produção não

se dará no processo, mas deverá acompanhar a inicial, artigo 283 CPC, ou a

contestação artigo 283 CPC. Admite-se, entretanto, a juntada de documentos em

momentos posteriores, desde que preenchidos certos requisitos. Sua admissão

está condicionada ao tempo de ocorrência do fato probando, que deverá ser

posterior aos já apresentados, ou para contrapor fatos produzidos nos autos.

A jurisprudência149

tem adotado posicionamento favorável à

admissão dessa juntada extemporânea, caso o documento não fosse indispensável

à propositura da ação, bem como não exista o intuito de prejudicar a parte

contrária com a falta de sua juntada. Entretanto, mostra-se justificável tal

entendimento150

, haja vista a hipótese prevista no artigo 485, VII do CPC, que

trata da ação rescisória nos casos de existência de documento novo, mas existente

na época da sentença.

Na hipótese de admissão da juntada do documento em momento

posterior ao previsto, será obrigatoriamente facultado prazo para a outra parte de

manifestar, art. 398 CPC, em respeito ao princípio do contraditório e ampla

defesa.

O documento não poderá conter rasuras, borrões ou qualquer outra

mácula que impeça a plena verificação de seu conteúdo.

147

ALVIM, Eduardo Arruda. Ob. Cit. p. 583. 148

CINTRA, Antonio Carlos de Araujo. Comentários ao código de Processo civil, 3ªed., Rio

de Janeiro, Forense, 2008, p. 95. 149

REsp. nº 1.242.325/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 13/05/2014,

AgRg no REsp. nº 1.183.661/MG, Terceira Turma, Re. Min. Sidnei Beneti DJe 21/06/2013 e

AgRg no REsp. nº 369.139/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 18/12/2013. 150

ALVIM, Eduardo Arruda. Ob. Cit. p. 587.

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82

d) exibição de documento ou coisa151

: questiona-se sua

classificação, como meio de prova. Trata-se, em verdade, do procedimento para

apresentar ao juiz o documento ou coisa, cuja previsão seria mais coerente152

em

conjunto com os artigos 340 e 341 CPC.

O pedido deverá ser devidamente fundamentado – artigo 356 CPC,

com a individualização do documento ou da coisa, a finalidade da prova,

relacionando-a ao documento ou coisa pedida e os motivos pelos quais afirma

estar o requerido de sua posse.

Desse pedido será a parte contrária intimada para resposta no prazo

de cinco dias. O requerido poderá afirmar que não está na posse do documento

ou coisa, hipótese na qual o juiz facultará ao requerente a prova da falsidade

dessa afirmação.

Mesmo na posse, o requerido poderá recusar sua apresentação caso

o documento ou coisa for concernente a negócios da própria vida da família; sua

apresentação puder violar dever de honra; a publicidade de o documento

redundar em desonra à parte ou ao terceiro, bem como a seus parentes

consanguíneos ou afins até o terceiro grau; ou lhes representar perigo de ação

penal; a exibição acarretar a divulgação de fatos, a cujo respeito, por estado ou

profissão, deva guardar segredo; subsistirem outros motivos graves que, segundo

o prudente arbítrio do juiz, justifiquem a recusa da exibição.

No entanto, ao contrário da confissão, o conteúdo do documento

poderá ser cindido. Na hipótese de parte dele versar sobre as excludentes acima

descritas, deverá ser extraída uma suma para ser apresentada em juízo.

A recusa na apresentação do documento ou coisa acarreta diferentes

consequências, caso o requerido seja parte ou terceiro na relação processual.

O artigo 359 CPC estabelece como consequência da recusa de

quem for parte, a presunção da veracidade dos fatos que se pretendia provar.

Presunção essa relativa, pois as conclusões do juiz serão baseadas na análise de

todo conjunto probatório.

151

Artigos 355 a 363 do CPC. 152

MARINONI, Luiz Guilherme. Ob. Cit., p. 499.

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No entanto, a recusa do terceiro poderá ser qualificada como crime

de desobediência, além da possibilidade de ser determinada a busca e apreensão

nos termos do artigo 362 CPC.

Todavia, a recusa não será admitida (artigo 358 CPC) se o

requerido tiver obrigação legal de exibir; se aludiu ao documento ou à coisa, no

processo, com o intuito de constituir prova; ou se o documento, por seu

conteúdo, for comum às partes.

O procedimento de exibição contra terceiro está previsto no artigo

360 e seguintes do CPC, constitui-se como ação que se processará em apartado,

com citação do terceiro para que apresente sua resposta no prazo de 10 dias. Será

designada audiência especial, para oitiva do terceiro, das partes e testemunhas,

caso haja a negativa da obrigação de exibir ou da posse do documento.

Essa audiência poderá ser dispensada, caso o juiz entenda que da

interpretação dos documentos juntados no incidente já seja possível proferir sua

decisão153

.

e) prova testemunhal154

: declaração prestada por pessoa estranha

aos autos, que não seja parte no litígio. Visa obter uma versão de como

ocorreram os fatos relevantes para o litígio155

.

Em razão disso, sua contribuição somente será válida no caso de

haver presenciado o fato a cujo respeito será indagada em juízo. A testemunha

poderá descrever o que viu, além do que ouviu, como também demais

informações que tenha obtido pelos demais sentidos do olfato e tato156

.

O conteúdo de sua contribuição deve ser objetivo, como descrição

dos fatos que presenciou, a despeito de sua opinião pessoal sobre o ocorrido. A

abordagem não deve ser técnica, mas descritiva e isenta.

Evidentemente, a adoção do testemunho deve guardar ressalvas,

haja vista que se trata da versão dos fatos verificada, mas costumeiramente

transmitida de acordo com a interpretação pessoal de cada pessoa.

153

MARINONI, Luiz Guilherme. Ob. Cit., p. 526. 154

Artigos 400 a 419 do CPC. 155

MARINONI, Luiz Guilherme. Ob. Cit., p. 732. 156

MARQUES, José Frederico Marques. Instituições de Direito Processual Civil, 1 ed., Rio

de Janeiro, Forense, 1952, p. 456.

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Para servir como testemunha, deve-se observar as restrições legais

trazidas pelo artigo 405 CPC. O artigo em comento, no seu parágrafo primeiro,

trata dos incapazes, mas com conceito mais amplo do que o disciplinado pelo

artigo 3º do CC.

No parágrafo segundo, encontra-se o elenco dos impedidos de

prestar depoimento. As restrições são de ordem subjetiva, uma vez que as

pessoas citadas teriam maculada sua imparcialidade. De maneira que não podem

depor o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou

colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou

afinidade, quem for parte na causa e, o que intervém em nome de uma parte,

como o tutor na causa do menor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz,

o advogado e outros, que assistam ou tenham assistido as partes.

Ressalva feita no inciso I quando estiver presente o interesse

público ou quando for o único meio de se obter a prova necessária.

A suspeição é tratada no parágrafo terceiro, que da mesma maneira

trata das pessoas carecedoras da imparcialidade exigida da testemunha, são elas:

o condenado por crime de falso testemunho, havendo transitado em julgado a

sentença; o que, por seus costumes, não for digno de fé; o inimigo capital da

parte, ou o seu amigo íntimo e; o que tiver interesse no litígio.

Apesar dessas restrições, o parágrafo 4 do artigo 405, autoriza a

oitiva de testemunhas suspeitas ou impedidas, caso entenda ser estritamente

necessário, que serão prestados independentemente de compromisso e serão

valorados de acordo com o entendimento do juiz.

Importante destacar que as previsões do artigo 405 CPC, também

são regidas pelo artigo 208 CC, mais recente. Mas não houve revogação ou

modificação das disposições do CPC, nos termos do artigo 2º, § 2º da Lei de

Introdução às Normas do Direito Brasileiro, as disposições convivem

harmonicamente157

.

Ainda que o CPC vede o depoimento dos incapazes, o CC o admite,

desde que para prova de fatos que sé eles conheçam. Quanto aos interditos por

157

ALVIM, Eduardo Arruda. Ob. Cit. p. 538.

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demência ou doentes mentais, a interpretação conjunta do artigo 405, § 1º, I e II

CPC com o artigo 228 e § único CC, admite-se o depoimento se ao tempo da

ocorrência dos fatos, podia discerni-los, assim como, quando do depoimento,

tenha condições de transmitir suas percepções158

.

Quanto ao cônjuge, ascendente, descendente e colaterais até

terceiro grau, o CC prevê sua aceitação na hipótese de serem as únicas pessoas

que conhecerem os fatos e no CPC, nas hipóteses de interesse público, causas

relativas ao estado da pessoa ou quando a prova não puder ser feita de outro

modo.

f) presunção159

: dada a ausência de prova direta, admite-se que a

existência de um determinado fato implique, por dedução lógica, a existência de

outro160

. Trata-se de trabalho intelectual, interpretação dos fatos verificados no

processo, para a obtenção de uma conclusão acerca do fato probando161

.

Não se trata de uma prova ou de um fato, logo não se pode

qualificá-la como meio de prova, mas operação mental que parte de um fato

conhecido e provado, para demonstrar outro162

. Os fatos não provados são

assumidos como existentes pelo ordenamento jurídico163

, a partir dessa

construção intelectual.

A presunção poderá ser judicial, quando resultado do trabalho

intelectual do juiz, ou legal, quando prevista em lei. Na judicial caberá ao juiz

observar algumas limitações, como a impossibilidade de sua utilização em

hipóteses em que é exigido ou vedado determinado tipo de prova, como a

prevista nos artigos 230 e 400 CC.

158

MARINONI, Luiz Guilherme. Ob. Cit. p. 752. 159

Artigo 335, CPC. 160

MARINONI, Luiz Guilherme. Ob. Cit., p. 137. 161

SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Civel e Comercial. Vol. I, São Paulo: Max

Limonad, 1952, p. 54. 162

LOPES, João Batista. Curso de direito processual civil. volume 2ª, São Paulo: Atlas, 2006,

p. 105. 163

BUENO, Cassio Scarpinella. Ob. Cit. p. 249.

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Todavia, partindo do pressuposto da impossibilidade de obtenção

da prova escrita, admite-se a prova testemunhal no caso do artigo 402, II CPC e,

da mesma maneira, deverá ser admitida a presunção164

.

O fato de a presunção relativa admitir prova em contrário, equivale

à distribuição do ônus da prova. De acordo com o magistério de MARINONI, a

parte beneficiada pela presunção está liberada de prova o fato e caberá à outra

parte a produção da prova em contrário, independentemente da posição da parte

na relação processual. A melhor definição165

, como ressalta o professor citando

BARBOSA MOREIRA, é distribuição do ônus ao contrário de inversão, uma vez

que a imputação do ônus em razão da presunção coincida com as regras usuais de

distribuição do ônus da prova.

No caso de um acidente entre veículos, na qual um veículo colidiu

com a traseira do outro, o dever de vigilância166

e cautela a serem observados

pelo motorista que conduzia o veículo traseiro, implicam na presunção de que a

responsabilidade pelo acidente lhe deve ser imputada.

Se a ação de reparação de danos for proposta pelo motorista que

seguia à frente, não precisará prova a culpa do réu pelo acidente, transferindo ao

réu o ônus de provar o contrário. Por conseguinte, se a ação for proposta pelo

condutor do veículo que colidiu na traseira, lhe caberá o ônus de provar que o

acidente deve ser imputado ao outro condutor167

. Na primeira hipótese, houve

inversão do ônus probatório, ao passo que na segunda hipótese o ônus não se

alterou.

164

MARINONI, Luiz Guilherme. Ob. Cit. p. 141. 165

MARINONI, Luiz Guilherme. Ob. Cit. P.144 166

Lei 9.503/97: Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação

obedecerá às seguintes normas:

I - a circulação far-se-á pelo lado direito da via, admitindo-se as exceções devidamente

sinalizadas;

II - o condutor deverá guardar distância de segurança lateral e frontal entre o seu e os demais

veículos, bem como em relação ao bordo da pista, considerando-se, no momento, a velocidade e

as condições do local, da circulação, do veículo e as condições climáticas. 167

Lei 9.503/97: Art. 42. Nenhum condutor deverá frear bruscamente seu veículo, salvo por

razões de segurança.

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87

Nas presunções legais, o trabalho intelectual é obra do legislador e

subdividem-se em absolutas, iuris et de iure, e relativas, iuris tantum, caso não

comportem prova em contrário.

A presunção absoluta é uma questão de direito material, na qual o

legislador exclui a possibilidade de sua discussão, vinculando o juiz ao seu teor.

Assim não se admite questionamento acerca do esforço conjunto do casal na

construção do patrimônio marital – artigo 1.658 CC.

A presunção legal relativa admite prova em contrário, conforme

previsão do art. 322 CC ao estabelecer a presunção de pagamento de todas as

parcelas com a quitação da última ou artigo 324 CC que determina a entrega do

título ao devedor como prova do seu pagamento.

g) prova pericial168

: Possivelmente o meio de prova mais complexo,

tem por escopo a elucidação de fatos que dependam de conhecimentos especiais

e técnicos, cujo domínio não se espera da formação do juiz. Ainda que o juiz

detenha o conhecimento técnico necessário, deverá determinar a realização da

perícia, para documentar as conclusões técnicas em auxílio a uma nova avaliação

do caso em sede de recurso169

.

A perícia propicia às partes a efetiva participação na elucidação da

questão técnica, por meio de seus assistentes técnicos170

.

Para realização da perícia, será nomeado um perito judicial, pessoa

idônea, da confiança do juiz e com formação específica relacionada com o objeto

da perícia. Ao perito serão aplicadas - artigos 138, III e 423 CPC, as mesmas

regras relativas à suspeição e impedimento que dizem respeito ao juiz, de acordo

com os artigos 134 e 135 CPC.

O juiz poderá indeferir a produção de prova pericial, quando a

prova do fato não depender de conhecimento técnico, mostrar-se desnecessária

em razão de outras provas produzidas ou quando a verificação do fato for

impraticável.

168

Artigos 420 a 439 do CPC. 169

ALVIM, Eduardo Arruda. Ob. Cit. p. 562. 170

MARINONI, Luiz Guilherme. Ob. Cit., p. 792.

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A cuidadosa análise da pertinência de se deferir a prova pericial é

justificada pela sua onerosidade, além da possibilidade de retardar a conclusão do

processo171

. Poderá, dessa maneira, o juiz indeferir a prova pericial172

se entender

que as partes apresentaram material técnico suficiente para a elucidação dos

fatos.

O indeferimento da perícia também poderá ocorrer nas hipóteses

em que a matéria puder ser decidida à luz das regras de experiência comum do

artigo 335 CPC. Tais regras permanecem como técnicas, mas já integram o

conhecimento do juiz e da sociedade, dispensando sua afirmação por um perito.

O perito judicial não precisa afirmar que eletricidade provoca choque, fato de

conhecimento geral, mas se a controvérsia residir na voltagem da descarga

elétrica ou amperagem, o esclarecimento do perito será necessário173

.

A perícia poderá consistir em exame, vistoria ou avaliação nos

termos do artigo 420, caput, CPC. Os autores divergem sobre o significado

atribuído a cada modalidade. Exame seria a inspeção para verificação de algum

fato ou circunstância que interesse ao litígio, em coisas móveis, semoventes,

documentos, livros comerciais, papéis e pessoas174

. Vistoria consistira na

constatação de imóveis e avaliação trataria da apuração de valor de mercado de

determinado bem175

.

Sem embargo das classificações acima indicadas, seu significado

prático é inexistente, pois o CPC não cria nenhuma distinção entre as espécies.176

Essa discrepância de conceitos seria resultado do uso inadequado dos vocábulos

pelo artigo, devendo o pedido de prova pericial recair apenas sobre seu objeto177

.

h) inspeção judicial178

: meio pelo qual o juiz toma conhecimento

dos fatos de maneira direta, trata-se de ato próprio do juiz na formação de seu

171

ALVIM, Eduardo Arruda. Ob. Cit. p. 564. 172

Artigo 427 do CPC. 173

ALVIM, Eduardo Arruda. Ob. Cit. p. 565 174

MARQUES, José Frederico. Ob. Cit. p. 472. 175

BUENO, Cassio Scarpinella. Op cit. p 304. 176

BUENO, Cassio Scarpinella. Op cit. p 304 177

MARINONI, Luiz Guilherme. Ob. Cit. p. 796. 178

Artigos 440 a 443 CPC.

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89

convencimento179

, Poderá ser auxiliado por técnicos se a complexidade da

questão assim demandar facultada, por evidente, a participação das partes e seus

assistentes técnicos.

Após essa breve explanação acerca dos meios de prova,

abordaremos sua finalidade.

179

BUENO, Cassio Scarpinella. Ob. Cit. p. 313.

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90

2.3 Objeto

O objeto da prova são os fatos, coisas, acontecimentos ou

circunstâncias que devem ser provados no processo180

· , sobre os quais haja

dúvida de sua existência ou inexistência181

. Tais fatos devem ser relevantes, dada

possibilidade de influenciarem a decisão, além de pertinentes na exata medida

em que dizem respeito à causa182

.

Ainda que às partes seja possibilitada a produção de qualquer tipo

de prova, desde que moralmente legítimos183

, ao juiz caberá disciplinar essa

atividade.

Esse controle é necessário uma vez que não deverá ser admitida

qualquer prova, mas apenas prova dos fatos que demandem essa atividade.

Por conseguinte, não é exigida a produção de prova dos fatos

notórios (artigo 334, I CPC), pois dada sua natureza, são de conhecimento

geral184

. Na hipótese de o réu se interpor contra a notoriedade, o autor poderá

provar o fato ou apenas sua notoriedade185

.

Igualmente é dispensada a prova dos fatos confessados pela outra

parte (artigo 334, II CPC), pois não existe dúvida acerca de sua existência.

Também carecem de prova os fatos impertinentes ou estranhos à

causa, aqueles que apesar de pertencer à causa, não interferem na decisão, os

incontroversos (artigo 334, III CPC), e daqueles cuja presunção de existência ou

veracidade (artigo 334, IV CPC) 186

. Trata-se de presunção absoluta, a vincular o

juiz às conclusões previstas na lei e impedir a avaliação do fato187

.

Os fatos relevantes são aqueles necessários ao convencimento do

juiz sobre o caso, para a compreensão da realidade. O juiz não precisa ser

convencido acerca do direito; este faz parte do seu conhecimento188

, como

180

MARQUES, José Frederico Ob. Cit. p. 365. 181

CINTRA, Antonio Carlos de Araujo. Ob. Cit., pp. 5/6 182

ALVIM, Eduardo Arruda. Ob. Cit., p. 521. 183

Artigo 332 do CPC. 184

BUENO, Cassio Scarpinella. Ob. Cit. p. 255. 185

MARINONI, Luiz Guilherme. Ob. Cit. p. 119. 186

CINTRA, Antonio Carlos Araujo. Ob. Cit., p. 348. 187

MARINONI, Luiz Guilherme. Ob. Cit. p. 133. 188

MARQUES, José Frederico. Ob. Cit., p. 366.

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91

pressuposto de sua atividade. Todavia, a parte que alegar direito municipal,

estadual, estrangeiro ou consuetudinário, deverá provar-lhe o teor e a vigência189

.

A prova visa a permitir o embasamento concreto das proposições

formuladas pelas partes por meio da dialética processual, o contraditório, para

que o juiz se convença da realidade dos fatos. O exercício da atividade

jurisdicional não pode se resumir às convicções pessoais do juiz, que podem

sofrer influências externas, como seu temperamento, hábitos, inclinações e

prevenções190

.

Dessa forma, as provas visam a apresentar o quadro mais realista

possível dos fatos que compõem o litígio, produzidas de acordo com

formalidades especiais e participação de todas as partes do processo.

2.4 Sujeitos

As provas são trazidas ao processo não somente pelas partes que

compõem o litígio, mas também por terceiros, como testemunhas ou auxiliares

do juízo, a exemplo do o perito.

Os sujeitos da prova são as partes, incumbidas de solicitar e

produzir as provas necessárias para o convencimento do juiz acerca dos fatos que

lhe são pertinentes e favoráveis.

À parte não interessa produzir uma prova não alinhada com seu

interesse, seja pelas regras de distribuição do ônus da prova, seja por não ser

obrigado a produzir prova em seu desfavor191

. Sua posição no processo informa

diretamente o ato de produção da prova.

Além das partes, ao juiz também são atribuídos poderes

instrutórios, conforme disposição do artigo 130 do CPC. Todavia, essa atividade

não é orientada por interesses ou características pessoais; ao contrário, visa ao

esclarecimento dos fatos relevantes para decisão do litígio.

A doutrina se divide quanto ao entendimento da extensão dos

poderes instrutórios do juiz, alguns autores defendem a subsidiariedade dessa

189

Artigo 337 do CPC. 190

SANTOS, Moacyr Amaral.On. Cit., p. 17. 191

Artigo 5, incisos LXIII, CF, art. 8 Pacto de São José da Costa Rica.

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92

atividade, enquanto outros admitem a plena liberdade de determinar a produção

de prova em substituição das partes.

O livre exercício da atividade instrutória pelo juiz violaria a

paridade de tratamento entre as partes, nos termos do artigo 125, I do CPC, ao

completar omissões das partes no cumprimento de seu ônus probatório192

. Em

verdade, não mais existiriam motivos para a existência de regras relativas ao

ônus da prova.

Essa atividade do juiz deveria ser subsidiária à das partes, cabendo

ao juiz exercê-la se da análise do conjunto probatório, permanecer a dúvida193

.

Na defesa de posição contrária, José Roberto dos Santos Bedaque,

afirma que a importância dos poderes instrutórios do juiz reside justamente na

busca da igualdade real entre as partes, corrigindo desigualdades econômicas na

relação processual que possam repercutir no resultado do processo194

.

Com base no pressuposto da impossibilidade da parte mais fraca

produzir as provas necessárias para a melhor demonstração de seu direito, o

papel passivo do juiz equivaleria a “mero assistente passivo de um duelo entre o

lobo e o cordeiro” 195

.

A busca da efetiva prestação jurisdicional de qualidade implica no

comprometimento do juiz na busca do que realmente ocorreu no plano exterior

do processo, a necessidade de sua atuação efetiva de prestar a tutela

jurisdicional196

.

Adota-se, neste estudo, o entendimento dos poderes instrutórios do

juiz como atividade subsidiária à das partes.

Atua o juiz como sujeito objetivo da prova ao requisitar provas de

ofício acerca de fatos não esclarecidos, apesar das provas produzidas pelas

192

ALVIM, Eduardo Arruda. Ob. Cit. p. 525. 193

SANTOS, Moacyr Amaral. Ob. Cit. p. 110. 194

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 7 ed. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 106/107. 195

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Ob. Cit. p. 112. 196

BUENO, Cassio Scarpinella. Ob. Cit. p. 247.

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93

partes. Se não puder proferir sua decisão com aplicação do ônus da prova e a lide

versar sobre direitos indisponíveis, poderá determinar a produção de provas197

.

2.5 Destinatário

A prova produzida no processo visa ao esclarecimento dos fatos,

expediente necessário para que o juiz possa aplicar o direito ao caso concreto.

Dessa forma, o destinatário da prova seria o juiz198

.

Dessas afirmações ressurge a importância de se colocar o juiz no

centro do problema probatório. Como destinatário final da prova, é ele

quem deve estar convencido da validade (ou não) das proposições

formuladas199

.

O exercício dessa atividade lhe impõe o dever de disciplinar, na

forma da lei, sua produção e avaliação.

Independentemente desta maior ou menor vinculação, contudo, não

são as partes ou eventuais terceiros intervenientes os destinatários da

prova. É para quem julga a causa que ela deve ser produzida.

Dessa afirmação, que pode parecer despretensiosa, há diversos

desdobramentos importantes para o tema cujo desenvolvimento

interessa para esse capítulo e, mais amplamente, para toda essa Parte

IV. É que na medida em que o juiz (dando destaque, propositalmente,

à pessoa que ocupa o órgão jurisdicional para legar em conta a

situação do art. 132) estiver convencido das alegações das partes ou de

terceiros, não há razão para se produzir prova. Inversamente, na

medida em que o juiz (a ressalva é a mesma) não estiver convencido

das alegações formuladas no processo, do que ocorreu ou deixou de

ocorrer no plano a ele exterior, haverá a necessidade de produção de

provas. Como é o juiz o destinatário da prova, é ele quem determinará

a realização da “fase instrutória” porque é ele, em última análise,

quem entende ser, ou não, possível o “julgamento antecipado da lide”

diante dos pressupostos dos incisos do art. 330200

.

A função da prova é fornecer ao juiz o melhor quadro cognitivo

acerca dos fatos que compõem o litígio para aplicar o direito correlato.

197

ALVIM, Eduardo Arruda. Ob. Cit. p. 527. 198

MARQUES, Ob. Cit., p. 389 e ALVIM, Eduardo Arruda. Ob. Cit., p. 521. 199

MARINONI, Luiz Guilherme. Ob. Cit., p. 56. 200

BUENO, Cassio Scarpinella. Ob. Cit., p. 246.

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94

Entretanto, essa atividade não é livre, mas deve ser exercida de acordo com

regras pré-estabelecidas201

.

O juiz não participa do fato litigioso. Este lhe será apresentado de

acordo com as normas legais para que seja conhecido em sua totalidade, decidido

e encerrado.

Todavia, vale ressaltar que todas as provas produzidas compõem o

denominado conjunto probatório, parte integrante e fundamental do processo

judicial.

O conjunto probatório é uno e indivisível, sendo resultante da reunião

de todas as provas existentes nos autos e das regras ligadas ao

momento da apreciação de questões fáticas (presunção, ficção

jurídica, prova legal, máximas de experiência) pelo órgão julgador202

.

Ainda que o destinatário da prova seja o juiz, as provas produzidas

fazem parte do conjunto probatório do processo e servirão para a exata

compreensão dos fatos inclusive para o órgão jurisdicional que analisar o caso

em sede de recurso. Trata-se do princípio da aquisição da prova.

A prova, porque destinada ao juízo e ao próprio juiz, deve ser

considerada, analisada e avaliada independentemente de quem a

produziu em juízo e, em última análise, pode, até mesmo, acabar por

prejudicar quem a trouxe para o plano do processo, isto é, quem a

produziu. Trata-se de princípio segundo o qual é irrelevante quem

tenha sido aquele que produziu a prova em juízo que passa a pertencer

ao próprio processo, longe da disponibilidade das partes ou de

eventuais terceiros203

.

Portanto, ainda que destinada a formar o convencimento do juiz, as

provas permanecerão inseridas no processo, como pedra fundamental do

esclarecimento dos fatos.

2.6 Momentos da prova

Como a atividade instrutória no processo é dirigida pelo juiz,

caberá a ela decidir as provas que devem ser produzidas no processo. Essa

201

CARNELUTTI, Francesco. La Prova Civile, tradução de Niceto Acalá-Zamora y Castillo da

2 ed. Italiana (1947), Argentina, ed. Depalma, 2000, p. 18. 202

FERREIRA, William Santos. Ob. Cit., p. 262. 203

BUENO, Cassio Scarpinella. Ob. Cit., p. 254.

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95

atividade pode ser separada em três etapas ou atos processuais, denominados atos

de proposição (pedido), de admissão (deferimento ou indeferimento), atos de

produção (realização das provas) e avaliação204

.

A prova não pode ser interpretada como algo estático, ainda que

possam ser definidas quatro fases, a saber: a proposição ou requerimento; o

deferimento; a produção e sua valoração205

.

Essa divisão remete aos atos processuais, de modo que se situam

dentro do processo. Mas as provas podem ser produzidas antes do processo ou no

seu transcurso.

O processo judicial é dividido tradicionalmente em quatro206

fases,

a postulatória – na qual as partes apresentam suas alegações e pedidos; a

saneatória ou ordinatória ocasião em que o juiz verifica a regularidade do

processo; a instrutória – na qual serão produzidas as provas necessárias; e a

decisória – ocasião na qual o juiz irá proferir sua decisão.

Contudo, a fase instrutória é destinada à produção de provas sob o

crivo do juiz e do contraditório, para o que determinadas formalidades são

observadas.

Outras provas podem ser produzidas em momento diverso, como a

prova documental, cuja produção frequentemente é anterior à propositura da

demanda. Os procedimentos preparatórios, como as medidas cautelares de

produção antecipada de prova e busca e apreensão.

2.7 Valoração da prova

Uma vez abordada a produção da prova, faz-se necessário analisar

como deve ser feita a sua avaliação e interpretação pelo juiz.

Com efeito, caberá ao juiz a formulação de uma conclusão com

base no conjunto probatório que informa o processo: trata-se do princípio da

unidade probatória207

. Todas as provas presentes nos autos servirão ao

204

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo processo civil brasileiro. 20ª ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2000, p. 56. 205

BUENO, Cassio Scarpinella. Ob. Cit. p. 259. 206

MEDINA, José Miguel Garcia. Parte geral e processo de conhecimento. 3ª ed. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 171. BUENO, Cassio Scarpinella. Ob. Cit. p. 43. 207

FERREIRA, William Santos. Ob. Cit., p. 261.

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96

convencimento do juiz, cabendo a este a escolha criteriosa das mais relevantes ao

deslinde da controvérsia.

Deverá extrair sua convicção para aplicar corretamente o direito à

espécie, a subsunção do fato à norma de acordo com algumas regras e princípios.

Trata-se de um expediente que dignifica o juiz e lhe fortalece a

posição208

.

Entretanto, ainda que presente a liberdade, deverá ater-se aos fatos

que compõem o litígio, às provas produzidas, regras de experiência e direito

aplicável. Sua convicção obrigatoriamente deve-se condicionar aos fatos, pois

são estes que geram a relação jurídica a ser fixada em sentença209

.

A este critério a doutrina denomina persuasão racional, sendo que

alguns autores adotam a denominação livre apreciação ou convencimento

motivado210

.

O artigo 131 do CPC estabelece que o juiz avaliará livremente as

provas produzidas no processo, mas em sua decisão, constarão os motivos que

lhe permitiram o convencimento.

Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e

circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas

partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram

o convencimento.

A relevância dada à obrigatoriedade de fundamentação das decisões

judiciais pode ser verificada nas diversas disposições legais no mesmo sentido,

tais como o artigo 93, inciso IX, da CF, e o artigo 458 do CPC.

208

ALVIM, Arruda. Código de Processo Civil Comentado, Vol. V., São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1979, p. 240. 209

SANTOS, Moacyr Amaral. Ob. Cit., p. 333. 210

Atualmente, os princípios da persuasão racional do juiz e do livre convencimento motivado

vêm sendo empregados como sinônimos, contudo, como adiante se mostrará, se o ponto alto de

incidência é o da análise crítico-valorativa do julgador, a denominação persuasão é inapropriada

porque empregada em época que a iniciativa probatória competia às partes litigantes, daí se

direcionando a nomenclatura para este “esforço” persuasivo de convencer o juiz, quando o que

rege atualmente o sistema probatório é a irrelevância do responsável pela produção da prova,

destacando-se apenas a sua existência para consideração judicial (princípios da aquisição e

comunhão da prova), sendo possível a determinação de provas, inclusive ex officio (princípio

dos deveres instrutórios), pelo que, mais coerente a terminologia livre convencimento motivado.

(FERREIRA, William Santos. Ob. Cit., p. 287.)

Page 99: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

97

Art. 93 Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal,

disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes

princípios:

(...)

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão

públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade,

podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias

partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a

preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não

prejudique o interesse público à informação

Art. 458. São requisitos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da

resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências

havidas no andamento do processo;

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de

direito;

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes

lhe submeterem.

Essa independência funcional propicia liberdade de atuação do juiz,

sem imposições ou influência de outras pessoas ou órgãos superiores de

jurisdição, mas deverá prestar contas do que decide, mediante a clara e expressa

demonstração de seus motivos211

.

Caberá, inclusive, ao juiz a determinação da repetição212

das provas

já produzidas, caso assim entenda necessária.

211

DINAMARCO, Cândido Rangel. Ob. Cit., P. 248. 212

Art. 132, § único, CPC.

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98

3 O ônus da prova nos processos relativos a lides de consumo

3.1 Ônus da prova

3.1.1 Conceito

Ônus significa incumbência. Ônus probatório se traduz em

necessidade de provar os fatos ao juiz no interesse de que seja atingido o seu

convencimento213

. À parte incumbe provar os fatos alegados, convencer o

magistrado da sua existência ou inexistência.

O ônus probatório não se equipara a uma obrigação, haja vista que

não existe sanção ou ilicitude em seu descumprimento. A parte que deixar de

cumprir seu ônus poderá não obter o resultado pretendido.

A satisfação do ônus da prova é interesse do próprio onerado, não

há sua sujeição, seja ao juiz ou à outra parte da demanda, mas apenas escolha

entre satisfazer (o ônus) ou dispor da tutela do seu interesse214

.

O professor Cassio Scarpinella Bueno relaciona o ônus “com a

necessidade da prática de um ato para a assunção de uma específica posição de

vantagem própria ao longo do processo e, na hipótese oposta, que haverá, muito

provavelmente, um prejuízo para aquele que não praticou o ato ou o praticou

insuficientemente215

.

Mais adequado à definição de ônus seria a possibilidade de atuar,

produzir prova em benefício próprio, de acordo com regras pré-estabelecidas. A

omissão da parte nesse sentido poderá apenas prejudicá-la.

Todavia, mesmo diante dessa omissão, o julgamento pode ser

favorável à parte omissa, pois o julgamento favorável pode se fundar em provas

produzidas de ofício ou pela parte adversa216

.

O Código de Processo Civil estabelece qual o ônus probatório de

cada uma das partes litigantes, quais os fatos cuja responsabilidade lhe é

atribuída para promover sua comprovação.

213

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. São Paulo:

Saraiva, 1995. p. 344. 214

MIRANDA, Pontes. Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo IV, 2 ed. Rio de

Janeiro, forense, 1979, p. 322. 215

BUENO, Cassio Scarpinella, Ob. Cit. p. 255. 216

MARINONI, Luiz Guilherme. Ob. Cit., p. 179.

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99

Dessa forma, outro relevante papel do ônus probatório exsurge nas

hipóteses de carência de provas217

, haja vista que o magistrado deverá proferir

uma decisão que encerre a lide. Caberá ao juiz, dada a precariedade das provas

produzidas, avaliar se as partes cumpriram o ônus que lhes era atribuído para

decidir de maneira desfavorável àquela que não cumpriu seu respectivo ônus.

Neste caso, a regra do ônus da prova equivaleria a uma regra de

decisão, aplicável nos casos de dúvida, para eliminá-la, iluminar o juiz que não

se convenceu sobre como os fatos ocorreram218

. Os fatos deverão ser

considerados como não provados, na hipótese da parte não cumprir o ônus que

lhe cabia219

.

Além de ser uma forma de auxílio ao juiz para o deslinde do caso,

as regras de distribuição do ônus da prova servem também como orientação às

partes acerca de sua incumbência para o pleno exercício de seus direitos no

processo.

Em regra, a distribuição do ônus da prova é feita de acordo com o

estabelecido no artigo 333 do Código de Processo Civil, que determina que o

ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou

extintivo do direito do autor.

Fato constitutivo transforma situação genérica em juridicamente

relevante ao processo, trata-se exatamente da comprovação da possibilidade de

exercício do direito. Constitui-se como suporte fático a partir do qual se pretende

a tutela do direito220

.

Deve o autor comprovar a subsunção do fato à norma, a situação

fática a lhe permitir o exercício do direito ou o pedido para que o juiz assim o

faça.

Por outro lado, caberá ao réu a prova de fatos impeditivos,

modificativos ou extintivos do direito do autor.

217

MARQUES, José Frederico. Ob. Cit., p. 380. 218

MARINONI, Luiz Guilherme , p.Ob. cit. p. 170. 219

ALVIM, Eduardo Arruda. Ob. Cit. p. 530. 220

BUENO, Cassio Scarpinella, Ob. Cit. p. 255

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100

Fatos extintivos encerram a relação jurídica objeto do litígio, ao

passo que os impeditivos evitam seu efeito normal ou próprio e os modificativos

não excluem nem impedem os efeitos da relação, mas os alteram221

.

Com o surgimento do Código de Defesa do Consumidor, tendo em

vista a natureza protetiva de seus princípios, houve uma sensível alteração na

forma de se interpretar a fase de instrução do processo.

Ainda que o destinatário da prova seja o juiz, as provas pertencem

ao processo. Os fatos podem ser comprovados, independentemente de quem

tenha produzido a prova em função222

do princípio da aquisição da prova223

. A

confissão, a título de exemplo, relevante meio de prova, é produzida por quem

não tinha o ônus probatório224

.

A delimitação das regras a serem cumpridas por cada parte tem um

sentido maior de organização, atribuição de responsabilidades para o processo

cumprir sua finalidade e o litígio ser solucionado.

Tais regras podem limitar a produção de provas, seja no aspecto

temporal, ao estabelecer uma fase específica para tanto, como também no aspecto

material, ao negar validade para determinados tipos de prova, como a prova

ilícita, ou estabelecer presunções legais.

Essas regras não visam a impedir ou prejudicar o exercício dos

direitos das partes, mas sua orientação em sentido proveitoso ao processo. Trata-

se de critério objetivo de atribuição de encargo, haja vista que as partes sempre

terão interesse em fazer provas dos fatos, seja de sua existência ou de sua

inexistência.

221

SANTOS. Moacyr Amaral. Ob. Cit., p. 140/141. 222

BUENO, Cassio Scarpinella, Ob. Cit. p. 258. 223

Também é comum a referência ao “princípio da aquisição da prova”, é dizer, a prova, porque

destinada ao juízo e ao próprio juiz, deve ser considerada, analisada e avaliada

independentemente de quem a produziu em juízo e, em última análise, pode, até mesmo, acabar

por prejudicar que a trouxe para o plano do processo, isto é, quem a produziu. Trata-se de

princípio segundo o qual é irrelevante quem tenha sido aquele que produziu a prova em juízo

que passa a pertencer ao próprio processo longe da disponibilidade ou dos interesses da parte ou

de eventuais terceiros. BUENO, Cassio Scarpinella, Ob. Cit. p. 254. 224

MIRANDA, Pontes. Ob. Cit., p. 317.

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101

Todavia, a distribuição do ônus da prova poderá ser feita de

maneira diversa da estabelecida no CPC, conforme as hipóteses a seguir

abordadas.

3.2 Teoria da carga dinâmica

O CPC não tem previsão expressa que possibilite a inversão do

ônus da prova, apenas o disposto no artigo 333 que trata dos casos de convenção

das partes acerca da distribuição do ônus.

Entretanto, podem surgir situações em que a aplicação das regras de

distribuição do ônus possa impedir a produção da prova, tornar inútil a prestação

jurisdicional e, consequentemente, impedir o acesso à justiça225

.

Dessa maneira, pode-se defender a aplicação do inciso I, do

parágrafo único, às situações previstas nos incisos I e II.

De acordo com o direito clássico, a previsão do artigo 333 do

Código de Processo Civil seria imutável. Entretanto, adquiriu relevo na doutrina

moderna a chamada teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova.

Referida teoria autoriza, caso o juiz entenda que a outra parte

possui maior possibilidade de produzir a prova de determinado fato, distribuir o

ônus da prova de maneira diversa da prevista no artigo 333 do Código de

Processo Civil.

Trata-se de expediente no sentido de aprimorar as regras

processuais, que datam de época remota e podem não atender às realidades

atuais, com o resultado de desequilíbrio das partes no processo226

.

Essa teoria tem como expoente o jurista argentino Jorge W.

Peyrano227

, defensor da análise das circunstâncias do caso concreto para de

decidir sobre o ônus da prova.

225

KNIJNIK, Danilo. As (perigosíssimas) doutrinas do “ônus dinâmico da prova” e da “situação

de senso comum” como instrumentos para assegurar o acesso à justiça e superar a probatio

diabólica. Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos

Barbosa Moreira, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 942. 226

MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Ob. Cit.. pp. 248/249. 227

PEYRANO, Jorge W. e CHIAPPINI, Julio O. Lineamentos de las cargas probatórias

“dinâmicas”, in El Derecho: Jurisprudência General, Tomo 107, Buenos Aires, 1984, pp.

1.006/1.007.

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102

O Superior Tribunal de Justiça abordou em julgamento sobre danos

ambientais a aplicação da teoria da carga dinâmica da prova, cuja ementa segue

abaixo:

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL. CONTAMINAÇÃO

COM MERCÚRIO. ART. 333 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

ÔNUS DINÂMICO DA PROVA. CAMPO DE APLICAÇÃO DOS

ARTS. 6º, VIII, E 117 DO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. POSSIBILIDADE

DE INVERSÃO DO ONUS PROBANDI NO DIREITO

AMBIENTAL. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO NATURA.

1. Em Ação Civil Pública proposta com o fito de reparar alegado dano

ambiental causado por grave contaminação com mercúrio, o Juízo de

1º grau, em acréscimo à imputação objetiva estatuída no art. 14, § 1º,

da Lei 6.938/81, determinou a inversão do ônus da prova quanto a

outros elementos da responsabilidade civil, decisão mantida pelo

Tribunal a quo.

2. O regime geral, ou comum, de distribuição da carga probatória

assenta-se no art. 333, caput, do Código de Processo Civil. Trata-se de

modelo abstrato, apriorístico e estático, mas não absoluto, que, por

isso mesmo, sofre abrandamento pelo próprio legislador, sob o influxo

do ônus dinâmico da prova, com o duplo objetivo de corrigir eventuais

iniquidades práticas (a probatio diabólica, p. ex., a inviabilizar

legítimas pretensões, mormente dos sujeitos vulneráveis) e instituir

um ambiente ético-processual virtuoso, em cumprimento ao espírito e

letra da Constituição de 1988 e das máximas do Estado Social de

Direito.

3. No processo civil, a técnica do ônus dinâmico da prova concretiza e

aglutina os cânones da solidariedade, da facilitação do acesso à

Justiça, da efetividade da prestação jurisdicional e do combate às

desigualdades, bem como expressa um renovado due process, tudo a

exigir uma genuína e sincera cooperação entre os sujeitos na demanda.

4. O legislador, diretamente na lei (= ope legis), ou por meio de

poderes que atribui, específica ou genericamente, ao juiz (= ope

judicis), modifica a incidência do onus probandi, transferindo-o para a

parte em melhores condições de suportá-lo ou cumpri-lo eficaz e

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103

eficientemente, tanto mais em relações jurídicas nas quais ora

claudiquem direitos indisponíveis ou intergeracionais, ora as vítimas

transitem no universo movediço em que convergem incertezas

tecnológicas, informações cobertas por sigilo industrial, conhecimento

especializado, redes de causalidade complexa, bem como danos

futuros, de manifestação diferida, protraída ou prolongada.

5. No Direito Ambiental brasileiro, a inversão do ônus da prova é de

ordem substantiva e ope legis, direta ou indireta (esta última se

manifesta, p. ex., na derivação inevitável do princípio da precaução),

como também de cunho estritamente processual e ope judicis (assim

no caso de hipossuficiência da vítima, verossimilhança da alegação ou

outras hipóteses inseridas nos poderes genéricos do juiz, emanação

natural do seu ofício de condutor e administrador do processo).

6. Como corolário do princípio in dubio pro natura, "Justifica-se a

inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da

atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança

do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei

8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio

Ambiental da Precaução" (Resp. 972.902/RS, Rel. Min. Eliana

Calmon, Segunda Turma, DJe 14.9.2009), técnica que sujeita aquele

que supostamente gerou o dano ambiental a comprovar "que não o

causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é

potencialmente lesiva" (Resp. 1.060.753/SP, Rel. Min. Eliana

Calmon, Segunda Turma, DJe 14.12.2009).

7. A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de

Defesa do Consumidor, contém comando normativo estritamente

processual, o que a põe sob o campo de aplicação do art. 117 do

mesmo estatuto, fazendo-a valer, universalmente, em todos os

domínios da Ação Civil Pública, e não só nas relações de consumo

(Resp. 1049822/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe

18.5.2009).

8. Destinatário da inversão do ônus da prova por hipossuficiência -

juízo perfeitamente compatível com a natureza coletiva ou difusa das

vítimas - não é apenas a parte em juízo (ou substituto processual),

mas, com maior razão, o sujeito-titular do bem jurídico primário a ser

protegido.

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104

9. Ademais, e este o ponto mais relevante aqui, importa salientar que,

em Recurso Especial, no caso de inversão do ônus da prova, eventual

alteração do juízo de valor das instâncias ordinárias esbarra, como

regra, na Súmula 7 do STJ. "Aferir a hipossuficiência do recorrente ou

a verossimilhança das alegações lastreada no conjunto probatório dos

autos ou, mesmo, examinar a necessidade de prova pericial são

providências de todo incompatíveis com o recurso especial, que se

presta, exclusivamente, para tutelar o direito federal e conferir-lhe

uniformidade" (Resp. 888.385/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Castro

Meira, DJ de 27.11.2006. No mesmo sentido, Resp. 927.727/MG,

Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJe de 4.6.2008).

10. Recurso Especial não provido. (STJ REsp. nº 883.656/RS,

Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 28/02/2012).

Dessa maneira, em alguns casos a parte que tiver mais condições de

produzir a prova, seja por ter acesso aos documentos ou informações técnicas,

poderá receber o ônus dessa prova, ainda que originalmente não lhe coubesse.

Assim, sempre que o juiz se deparar com um claro desequilíbrio

entre a capacidade das partes de produzir as provas necessárias para verificação

da existência ou inexistência dos fatos alegados no processo, poderá distribuir o

ônus de maneira diversa da estipulada no artigo 333 do Código de Processo

Civil.

Essa teoria ou tendência doutrinária moderna inspirou o projeto do

Novo Código de Processo Civil, que prevê em seu artigo 380, §1º,228

que o ônus

da prova poderá ser invertido em casos de extrema dificuldade ou

impossibilidade de produção da prova, desde que por meio de decisão

fundamentada, respeitadas as particularidades do caso concreto.

228

Art. 380. O ônus da prova incumbe

§ 1º. Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa, relacionadas à

impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à

maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova

de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada. Neste caso, o juiz deverá dar à

parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

§ 2º. A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência

do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil. Texto conforme Parecer do

Relator do PL 6.025/2005, Dep. Paulo Teixeira, aprovado na sessão de 2.7.2013.

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105

De maneira análoga, dada a relevância da disparidade da situação

concreta das partes no litígio, o CDC estabeleceu regras diferenciadas a serem

aplicadas quanto ao ônus da prova.

Para compreender os motivos de tal previsão, faz-se necessária uma

breve abordagem de como o CDC trata a matéria.

3.3 Do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor

3.3.1 Ônus probatório do consumidor

Conforme já exposto, as previsões do CDC atendem à necessidade

de equilibrar a relação existente entre consumidor e fornecedor. Esse equilíbrio é

atingido com regras que ajudem o consumidor ou facilitem o exercício de seus

direitos.

Todavia, essa orientação não se traduz em simples e direta

modificação das regras do ônus probatório do consumidor, mas na criação de

regras que possibilitem a manutenção do equilíbrio entre as partes no caso de

necessidade.

Nesse sentido, não existe previsão no Código acerca de

modificação do ônus da prova do autor, logo se aplica a regra estipulada pelo

artigo 333, I do CPC.

Entendemos que o mencionado artigo não pode ser entendido desta

maneira (como dispensa da prova do defeito), pois em nada modifica a

distribuição de prova do art. 333, do Código de Processo Civil que

impõe o onus probandi “ao autor quanto ao fato constitutivo de seu

direito” e “ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo

ou extintivo do direito do autor”.

Como visto, somente ao juiz, caberá estabelecer a inversão do dever

de provar a existência do defeito, desde que assim entenda “a seu

critério”, feita a análise de acordo com cada caso individualmente, e

somente se houver plausibilidade na afirmação do consumidor ou se

este for hipossuficiente (Art, 6º)229

.

Ao consumidor caberá a prova dos fatos constitutivos de seu

direito. Em se tratando de fato do produto, a ele cabe a prova da ocorrência do

acidente, dos danos sofridos e do nexo de causalidade.

229

ALVIM, Arruda. Ob. Cit., p. 131.

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106

Conforme abordado anteriormente, os danos poderão ser

extrapatrimoniais, como o dano moral ou patrimoniais e, neste último caso,

deverá ser comprovado seu valor.

Dada a vulnerabilidade do consumidor, não lhe é exigida a prova

técnica e contundente do defeito no produto. Deverá, contudo, fazer a prova que

lhe for possível no sentido de demonstrar a existência do defeito no produto ou

serviço prestado pelo fornecedor.

A exata elucidação do defeito será obtida com o cumprimento do

ônus do fornecedor, no sentido de inexistência do defeito. Presume-se a

existência do defeito, com a comprovação do dano, dado o ônus da prova da sua

inexistência recair sobre o fornecedor230

.

Podemos utilizar a comparação entre duas jurisprudências sobre

casos muito similares, as conhecidas “pílulas de farinha”. A empresa Schering do

Brasil Química Farmacêutica produzia e vendia um anticoncepcional chamado

Microvlar. Após adquirir um novo maquinário, a empresa no intuito de testá-lo

embalou diversas caixas do produto, mas seu conteúdo não continha o princípio

ativo, eram apenas placebos.

Parte desses produtos foi distribuída no mercado consumidor, sendo

que várias usuárias do produto engravidaram pela ausência do princípio ativo. Os

julgados abaixo tratam exatamente desse caso.

Todavia, não se perquire acerca da existência do defeito do

produto, haja vista que restou incontroversa a venda dos placebos, dada a ampla

publicidade do caso, inquéritos policiais e investigação do Ministério Público. O

ônus das consumidoras residia na prova do dano (gravidez) e do nexo de

causalidade com o produto defeituoso, ou seja, seu consumo.

PÍLULA ANTICONCEPCIONAL INEFICAZ (PLACEBO). DANOS

MATERIAIS E MORAIS. A RELAÇÃO ENTRE AS PARTES

REGESE PELO DIREITO CONSUMERISTA. A FALTA DE

VERIFICAÇÃO DO PRAZO DE VALIDADE POR PARTE DO

CONSUMIDOR NÃO REVELA CULPA CONCORRENTE.

230

MARQUES, Claudia Lima. Ob. Cit., p. 435.

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107

A autora provou que começou a tomar anticoncepcional para

tratamento de cisto nos ovários, em fevereiro de 1997. Tendo testado

pílulas de outras marcas, em setembro daquele ano começou a usar o

Microvlar, por recomendação médica, uma vez que esse medicamento

foi mais bem aceito pelo organismo dela (fls. 42/45). Há declaração da

Drogaria Suafarma, de que ela adquiriu Microvlar em 22 de maio de

1998 (fls. 46).

A corroborar a versão da autora, está também o depoimento da médica

que prescreveu o anticoncepcional, que afirmou que ela era usuária da

referida marca (fls. 1834/1835).

Além disso, a data da concepção (final de maio de 1998) coincide com

o notório período de circulação das pílulas de farinha.

É fato notório a circulação de pílulas ineficazes. Milhentas gravidezes

indesejadas o confirmam. Se não foram encontradas cartelas do

produto viciado no Estado de São Paulo, isso aconteceu porque (muito

provavelmente) na ocasião da busca todas já haviam sido repassadas a

consumidoras.

Não convence dizer que a gravidez se deu pelo mau uso do

medicamento. A autora conseguiu evitar a gravidez por quase um ano.

Apesar de a médica dela ter afirmado que recomendava começar a

nova cartela depois de cinco dias da menstruação, o que, de acordo

com hipótese levantada pela ré, poderia chegar a um intervalo de nove

dias entre uma cartela e outra, é muito revelador que a gravidez

aconteceu justamente no período de circulação do placebo.

Tem-se, portanto, como certo que a gravidez de Karyahn decorreu do

uso do anticoncepcional Microvlar que não continha o princípio ativo.

(TJSP Apelação nº 9162417-63.2008.8.26.0000, 9ª Câmara de Direito

Privado, Rel. Des. Antonio Vilenilson, j. 21/05/2013).

Da leitura do trecho do voto do Relator, observa-se a falta de prova

do consumo efetivo de produtos do lote defeituoso, mas a consumidora provou a

prescrição médica do produto, ser consumidora de longa data, forneceu

declaração da farmácia que já havia comprado o produto e a sua gravidez era

contemporânea à inserção dos lotes defeituosos no mercado.

Com base nesses indícios, o acórdão admitiu como provado o nexo

causal entre o a gravidez e o produto defeituoso, sem inverter o ônus probatório.

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No caso a seguir transcrito, outra conclusão pode ser observada:

RECURSO ESPECIAL. GRAVIDEZ ALEGADAMENTE

DECORRENTE DE CONSUMO DE PÍLULAS

ANTICONCEPCIONAIS SEM PRINCÍPIO ATIVO ("PÍLULAS DE

FARINHA"). INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ENCARGO

IMPOSSÍVEL. ADEMAIS, MOMENTO PROCESSUAL

INADEQUADO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE A

GRAVIDEZ E O AGIR CULPOSO DA RECORRENTE.

1. O Tribunal a quo, muito embora reconhecendo ser a prova

"franciscana", entendeu que bastava à condenação o fato de ser a

autora consumidora do anticoncepcional "Microvlar" e ter esta

apresentado cartelas que diziam respeito a período posterior à

concepção, cujo medicamento continha o princípio ativo

contraceptivo.

2. A inversão do ônus da prova regida pelo art. 6º, inciso VIII, do

CDC, está ancorada na assimetria técnica e informacional existente

entre as partes em litígio. Ou seja, somente pelo fato de ser o

consumidor vulnerável, constituindo tal circunstância um obstáculo à

comprovação dos fatos por ele narrados, e que a parte contrária possui

informação e os meios técnicos aptos à produção da prova, é que se

excepciona a distribuição ordinária do ônus.

3. Com efeito, ainda que se trate de relação regida pelo CDC, não se

concebe inverter-se o ônus da prova para, retirando tal incumbência de

quem poderia fazê-lo mais facilmente, atribuí-la a quem, por

impossibilidade lógica e natural, não o conseguiria. Assim, diante da

não-comprovação da ingestão dos aludidos placebos pela autora -

quando lhe era, em tese, possível provar -, bem como levando em

conta a inviabilidade de a ré produzir prova impossível, a celeuma

deve se resolver com a improcedência do pedido.

4. Por outro lado, entre a gravidez da autora e o extravio das "pílulas

de farinha", mostra-se patente a ausência de demonstração do nexo

causal, o qual passaria, necessariamente, pela demonstração ao menos

da aquisição dos indigitados placebos, o que não ocorreu.

5. De outra sorte, é de se ressaltar que a distribuição do ônus da prova,

em realidade, determina o agir processual de cada parte, de sorte que

nenhuma delas pode ser surpreendida com a inovação de um ônus que,

antes de uma decisão judicial fundamentada, não lhe era imputado.

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Por isso que não poderia o Tribunal a quo inverter o ônus da prova,

com surpresa para as partes, quando do julgamento da apelação.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido.

(STJ REsp. nº 720.930/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe

Salomão, Dje 09/11/2009).

Ao contrário do exemplo anterior, nesse julgado somente existe

prova testemunhal de que a consumidora se utilizava do anticoncepcional. Por

outro lado, não existe prova de que lotes do medicamento defeituoso tenham

circulado fora do Estado de São Paulo e a consumidora residia no Estado do Rio

Grande do Sul.

Portanto, neste caso, a consumidora não se desincumbiu de seu

ônus probatório de comprovar, ainda que por meio de provas indiretas, o nexo

causal entre a gravidez e o produto defeituoso, que seria a utilização do

medicamento.

Em nenhum dos casos foi determinada a inversão do ônus da prova,

mas aplicada o artigo 333, I do CPC.

3.3.2 Ônus probatório do fornecedor

Caberá, no entanto, ao fornecedor provar as excludentes de sua

responsabilidade. Essa atribuição é relevante no sentido de manter junto à parte

que criou o produto ou presta o serviço e domina sua tecnologia a incumbência

de demonstrar que as alegações do consumidor não condizem com a realidade.

Importante frisar que as causas excludentes são limitadas às

situações nas quais resta provada a ausência de participação do fornecedor no

dano, a inexistência do nexo de causalidade com o dano ou defeito.231

.

O fornecedor deverá demonstrar, dessa forma, que não falhou em

seu dever legal de introduzir no mercado apenas produtos de qualidade e seguros

para o consumidor.

As hipóteses de exclusão de responsabilidade almejam equilibrar a

distribuição das responsabilidades na relação de consumo, especialmente pela

natureza objetiva determinada pela lei232

. Esse equilíbrio é alcançado pela função

231

NUNES, Rizzatto. Ob. Cit., p. 333. 232

ALVIM, Arruda. Ob. Cit., p. 121.

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mitigadora dessas excludentes no sistema de responsabilidade objetiva adotado

pelo Código.

Nesse sentido, os artigos 12 e 14 do CDC enumeram as hipóteses

de exclusão, nos seguintes termos:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou

estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da

existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos

consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação,

construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou

acondicionamento de seus produtos, bem como por informações

insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será

responsabilizado quando provar:

I - que não colocou o produto no mercado;

II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito

inexiste;

III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da

existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos

consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem

como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição

e riscos.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando

provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro

No inciso I do §3º do artigo 12, consta a ausência de relação entre a

existência do produto no mercado e qualquer conduta atribuível ao fornecedor,

seja por ação ou omissão. Logo, ausente relação entre o fornecedor e o dano.

Importe destacar que não se trata de negar a existência do defeito

ou do fato, mas elidir a responsabilidade do fornecedor, pois o produto foi

colocado no mercado à sua revelia, contra sua vontade. Logo, não existe conduta

atribuível ao fornecedor.

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111

Dentre as possibilidades, podem-se citar hipóteses de roubo ou

furto do produto guardado em estoque, falsificação ou até apreensão por

autoridade administrativa e introdução posterior no mercado, sem anuência do

fornecedor233

.

O fornecedor adotou todas as cautelas necessárias para evitar que o

produto estivesse disponível para os consumidores, mas fatos alheios ao seu

controle determinaram a inserção do produto no mercado.

O professor José Geraldo de Brito Filomeno cita o exemplo de um

roubo de carga ocorrido na Rodovia Anchieta, no qual uma carga de peças

automotivas destinadas à exportação foi roubada. Imediatamente após o fato, a

fornecedora veiculou nos principais jornais o fato, com o aviso de que o uso dos

produtos roubados poderia acarretar sérios prejuízos aos consumidores. A

eventual inserção dos produtos no mercado se verificará por ato alheio a vontade

da fabricante e resultado de ato ilícito234

.

O artigo 14 não traz hipótese similar de exclusão de

responsabilidade, pois a prestação do serviço consiste num ato praticado pelo

fornecedor, logo não se pode questionar sua presença no mercado.

Já o inciso II do §3º do artigo 12, assim como no inciso I do §3º do

artigo 14 fazem referência ao defeito alegado pelo consumidor. Ao fornecedor

cabe o ônus de provar que o defeito não existe, de forma análoga à previsão do

artigo 333, II, do CPC. O fornecedor tem o dever de somente introduzir no

mercado produtos livres de defeitos235

.

Se o produto não apresentar vício de qualidade, não existe relação

causal com a verificação do dano, afastando-se a responsabilidade do

fornecedor236

.

Neste ponto, reside uma importante característica do

estabelecimento do ônus da prova, pois atribui à parte mais capacitada

tecnicamente o esclarecimento das questões relativas ao defeito alegado.

233

DENARI, Zelmo. Código brasileiro de defesa do consumidor, comentado pelos autores

do anteprojeto, 6 ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1999, p. 165. 234

FILOMENO, José Geraldo Brito. Ob. Cit., p. 217. 235

MARQUES, Claudia Lima. Ob. Cit., p. 436. 236

DENARI, Zelmo. Ob. Cit., p. 165.

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Conforme já mencionado, o consumidor deverá fazer prova da

existência do defeito, ainda que por meio de indícios ou pela presunção de sua

existência, em face da prova da ocorrência do dano.

O consumidor adquire o produto pela sua funcionalidade, aparência

ou simples desejo. Seu interesse reside no produto em si ou no benefício de sua

utilização, funcionamento, mas não sobre como foi produzido ou seus detalhes e

partes integrantes.

Uma vez que tal produto apresente defeito, o consumidor

desconhece o motivo do defeito, dada a falta de conhecimento técnico. Não se

pode exigir do consumidor a perfeita descrição e prova do defeito do produto,

dada sua vulnerabilidade, seja nos aspecto fático, técnico, jurídico ou

informacional.

Vale ressaltar que quanto maior a complexidade técnica da questão

a ser dirimida, maior será a especialidade técnica exigida da perícia, dada a

profundidade das informações demandas.

Esse esclarecimento cabal e técnico deverá ser promovido pelo

fornecedor, detentor das informações técnicas e capaz do completo e minudente

esclarecimento acerca da existência ou não do defeito.

Não basta, neste sentido, mera argumentação lógica que busque

demonstrar o quão improvável seria a existência de um determinado

defeito. Sem a demonstração cabal da ausência de defeito não se

afasta a responsabilidade determinada ao fornecedor. Da mesma

forma, sempre deve ser destacado, que em matéria de fato do serviço,

sua má prestação que gera danos ao consumidor induz a uma

verdadeira presunção de existência do defeito, que gera danos ao

consumidor, cuja prova em contrário é exigida do fornecedor, para

efeito de eximir-se da responsabilidade237

.

Uma montadora de veículos domina por completo as informações

técnicas dos veículos que fabrica. A introdução de um modelo de veículo no

mercado consumidor se inicia pelo trabalho de engenheiros e uma série de outros

profissionais no desenho e estudo das características do futuro modelo.

237

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 531.

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113

Os detalhes funcionais e estéticos serão escolhidos dentro das

possibilidades que melhor se adequam ao projeto, o tipo do motor, tamanho do

chassi, matérias primas empregadas e outras questões são totalmente decididas

pelo fabricante. O protótipo será ainda testado nas mais variadas condições de

uso, para certificar-se de sua qualidade e segurança. Por fim, aprovado o modelo,

caberá ao fabricante a adaptação de seu parque industrial para a produção em

série do veículo, sendo que novamente todos os cuidados técnicos deverão ser

observados para que as características técnicas e particularidades do produto

estejam presentes em todas as unidades do produto final.

Portanto, no caso de um veículo, caberá ao seu fabricante a prova

de qualquer controvérsia técnica que lhe sirva de excludente. Detentor da

tecnologia de criação, desenvolvimento e fabricação do veículo, o

correspondente lógico é justamente sua incumbência no esclarecimento técnico

dos fatos, a prova que seu produto preenche os requisitos de segurança e

qualidade exigidos.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO

FUNDADA EM ALEGAÇÃO DE FATO DO PRODUTO.

ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. NÃO ACIONAMENTO DE

AIRBAGS. INEXISTÊNCIA DE DEFEITO COMPROVADA POR

PROVA PERICIAL. ALEGAÇÃO DE INAPTIDÃO DO PERITO.

PRECLUSÃO. REGRAS DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.

IRRELEVÂNCIA. JULGADO APOIADO EM PROVA PERICIAL

ROBUSTA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.

1. Em se tratando de nulidade relativa, nos termos do art. 245 do CPC,

deve ela ser arguida na primeira oportunidade em que couber à parte

falar nos autos. Assim, diante da inércia do interessado quanto à

nomeação do perito, opera-se a preclusão do direito de arguir sua

incapacidade técnica.

2. Diferentemente do comando contido no art. 6º, inciso VIII, que

prevê a inversão do ônus da prova "a critério do juiz", quando for

verossímil a alegação ou hipossuficiente a parte, o § 3º, do art. 12,

preestabelece - de forma objetiva e independentemente da

manifestação do magistrado -, a distribuição da carga probatória em

desfavor do fornecedor, que "só não será responsabilizado se provar: I

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114

- que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja

colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III- a culpa

exclusiva do consumidor ou de terceiro". É a diferenciação já clássica

na doutrina e na jurisprudência entre a inversão ope judicis (art. 6º,

inciso VIII, do CDC) e inversão ope legis (arts. 12, § 3º, e art. 14, § 3º,

do CDC). Precedente da Segunda Seção.

3. No caso concreto, todavia, mostra-se irrelevante a alegação acerca

do ônus da prova, uma vez que a solução a que chegou o Tribunal a

quo não se apoiou na mencionada técnica, mas sim efetivamente nas

provas carreadas aos autos. A improcedência do pedido indenizatório

decorreu essencialmente da prova pericial produzida em Juízo, sob a

vigilância de assistentes nomeados por autor e réu, prova essa que

chegou à conclusão de que a colisão do veículo dirigido pelo

consumidor não fora frontal e que, para aquela situação, não era

mesmo caso de abertura do sistema de airbags.

4. De fato, a despeito de a causa de pedir apontar para hipótese em que

a responsabilidade do fornecedor é objetiva, este se desincumbiu do

ônus que lhe cabia, tendo sido provado que, "embora haja colocado o

produto no mercado, o defeito inexist[iu]" (sic), nos termos do art. 12,

§ 3º, inciso II, do CDC. Tendo sido essa a conclusão a que chegou o

Tribunal a quo, a reversão do julgado demandaria reexame de provas,

providência vedada pela Súmula 7/STJ.

5. Recurso especial não provido. (STJ REsp. nº 1.095.271/RS, Quarta

Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 05/03/2013).

Portanto, no julgado acima transcrito decidiu-se que ausente o

defeito no produto, padece o nexo causal com qualquer ato ou omissão do

fornecedor; logo, deve ser afastada sua responsabilidade. Ainda que os danos do

consumidor existam, sua responsabilidade não pode ser atribuída ao fornecedor.

Por fim, o inciso III do §3º do artigo 12, assim como no inciso II do

§3º do artigo 14 comprova igualmente a ausência de participação do fornecedor

no dano, uma vez que o consumidor ou o terceiro é o único responsável pelo

dano verificado. Entenda-se terceiro como qualquer pessoa que não participe da

relação de consumo, bem como a hipótese trata de culpa exclusiva e não de culpa

concorrente.

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115

Na culpa exclusiva desaparece o nexo de causalidade entre o

defeito do produto e o dano, ao passo que na culpa concorrente se atenua a

responsabilidade, repartindo o prejuízo238

.

Trata-se de hipótese de ausência de ligação entre o dano e o defeito

do produto.

RECURSO ESPECIAL. CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E

CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. ROUBO DE

VEÍCULO. MANOBRISTA DE RESTAURANTE (VALET).

RUPTURA DO NEXO CAUSAL. FATO EXCLUSIVO DE

TERCEIRO. AÇÃO REGRESSIVA DA SEGURADORA.

EXCLUDENTE DA RESPONSABILIDADE CIVIL.

CONSUMIDORA POR SUB-ROGAÇÃO (SEGURADORA).

1. Ação de regresso movida por seguradora contra restaurante para se

ressarcir dos valores pagos a segurado, que teve seu veículo roubado

quando estava na guarda de manobrista vinculado ao restaurante

(valet).

2. Legitimidade da seguradora prevista pelo artigo 349 do Código

Civil/2002, conferindo-lhe ação de regresso em relação a todos os

direitos do seu segurado.

3. Em se tratando de consumidor, há plena incidência do Código de

Defesa do Consumidor, agindo a seguradora como consumidora por

sub-rogação, exercendo direitos, privilégios e garantias do seu

segurado/consumidor.

4. A responsabilidade civil pelo fato do serviço, embora exercida por

uma seguradora, mantem-se objetiva, forte no artigo 14 do CDC.

5. O fato de terceiro, como excludente da responsabilidade pelo fato

do serviço (art. 14, § 3º, II, do CDC), deve surgir como causa

exclusiva do evento danoso para ensejar o rompimento do nexo

causal.

6. No serviço de manobristas de rua (valets), as hipóteses de roubo

constituem, em princípio, fato exclusivo de terceiro, não havendo

prova da concorrência do fornecedor, mediante defeito na prestação

do serviço, para o evento danoso.

238

DENARI, Zelmo. Ob. Cit. p. 166.

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7. Reconhecimento pelo acórdão recorrido do rompimento do nexo

causal pelo roubo praticado por terceiro, excluindo a responsabilidade

civil do restaurante fornecedor do serviço do manobrista (art. 14, § 3º,

II, do CDC).

8. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (STJ REsp. nº

1.321.739/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino,

DJe 10/09/2013).

No caso em tela, restou comprovado que o roubo do veículo foi

praticado por terceiro, de modo que o restaurante, na qualidade de fornecedor,

estava excluído da responsabilidade nos termos do art. 14, §3º do CDC.

O prejuízo decorre de conduta de terceiros e extrapola o conceito de

risco assumido uma vez que o dano somente se verificou em razão de condições

extraordinárias, fora do alcance e da previsibilidade do fornecedor.

Existe entendimento de que a disposição do artigo 12 como

resultado239

da inversão do ônus da prova estabelecida no artigo 6º, VIII.

No entanto, entendemos que se trata de regra de distribuição do

ônus probatório, pois a inversão conforme estabelecida no artigo 6º se configura

como ato do juiz (ope judicis), ao passo que o artigo 12 está estabelecida na

própria lei, independente de atuação do juiz (ope legis) 240

.

Em verdade, o artigo 12 atua de forma análoga à regra de

distribuição do ônus da prova prevista no art. 333, II, do Código de Processo

239

DENARI, Zelmo. Ob. Cit., p. 168. 240

O fornecedor, no caso o fabricante, na precisa dicção legal, "só não será responsabilizado

quando provar que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste."

Ou seja, o ônus da prova da inexistência de defeito do produto ou do serviço é do fornecedor, no

caso, do fabricante demandado.

A inversão do ônus da prova, nessa hipótese específica, não decorre de um ato do juiz, nos

termos do art. 6º, VIII, do CDC, mas derivou de decisão política do próprio legislador,

estatuindo a regra acima aludida.

É a distinção entre a inversão do ônus da prova "ope legis" (ato do legislador) e a inversão "ope

judicis" (ato do juiz).

Em sede doutrinária, já tive oportunidade de analisar essa delicada questão processual

(Responsabilidade Civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor, 3ª edição. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 355/357).

Em síntese, são duas modalidades distintas de inversão do ônus da prova previstas pelo Código

de Defesa do Consumidor (CDC), podendo ela decorrer da lei (ope legis) ou de determinação

judicial (ope judicis). (trecho do voto do Min. João Otavio Noronha, Eresp n 422.778/SP, DJ

21/06/12).

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117

Civil, ao estabelecer ao réu a incumbência de provar fatos extintivos do direito

do autor.

No magistério de Arruda Alvim241

:

A inexistência do defeito é fato impeditivo do direito do

autor/consumidor (cabendo ao fornecedor o ônus da sua comprovação,

nos termos do art. 333, II, do CPC), e por esta razão foi expressamente

previsto pelo Código de Defesa do Consumidor como eximente da

responsabilidade do fornecedor, que deverá prová-lo, em nada se

afasta do regime de distribuição de provas do Código de Processo

Civil.

Nos casos de responsabilidade por fato do produto ou serviço,

caberá ao fornecedor produzir prova no sentido de demonstrar as excludentes

legais. Na hipótese de não lograr êxito, sua responsabilidade estará estabelecida.

A redação do artigo 12 atende à necessidade de uma previsão clara

e específica no tocante ao meio de prova num litígio consumerista, de maneira

análoga às extensas definições de consumidor e fornecedor abordadas no início

deste trabalho.

O consumidor permanece com a incumbência de provar os fatos

constitutivos de seu direito. Deve provar a ocorrência do acidente e o dano

respectivo, mas não lhe é exigida prova plena e técnica do defeito, cabendo ao

fornecedor242

a elucidação técnica desse fato. O defeito se presume em

decorrência da existência do dano.

Um eletrodoméstico que apresente um problema elétrico, por

exemplo, este cause uma pequena explosão. Esta explosão atinge as mãos do

consumidor e causa danos na cozinha, queimando parte da parede e móveis. O

consumidor precisará demonstrar os danos e o defeito no produto. Essa prova

poderá consistir em uma foto do produto com evidências visuais da explosão, em

um orçamento técnico com descrição do ocorrido ou até, com a apresentação do

produto no processo.

241

ALVIM, Arruda. Ob. Cit., p. 70. 242

MARQUES, Claudia Lima. Ob. Cit. p. 435.

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Mas do consumidor não é exigida a prova dos motivos do problema

elétrico do eletrodoméstico, sua origem e explicação técnica acerca de

componentes internos que falharam ou deixaram de funcionar corretamente.

Caberá ao fornecedor a prova da inexistência do defeito, como por

exemplo, erro do consumidor ao ligar o produto na tensão errada.

Em recente decisão proferida em processo no qual a consumidora

alega que sua prótese ortopédica se quebrou sem motivo, o magistrado assim se

manifestou:

...fixo como pontos controversos a existência do defeito no produto e

se o acidente ocorreu por culpa deste defeito ou por culpa da autora ou

de terceiro. Não há que se falar em inversão do ônus da prova no

presente caso, isto porque, tratando-se de responsabilidade objetiva,

cabe ao réu, para se isentar de sua responsabilidade civil provar a

inexistência do defeito ou que o acidente se deu por culpa da autora ou

de terceiro. Cabe a autora apenas a prova da ocorrência do acidente e

do nexo causal entre este e os prejuízos sofridos243

.

Neste caso acima apontado, a Autora era portadora de uma prótese

de fêmur e estava em viagem internacional quando ocorreu a quebra da prótese.

De acordo com a consumidora, a quebra ocorreu enquanto estava deitada

descansando, ao virar seu corpo na cama.

Atendida em um hospital, foi-lhe recomendado o retorno ao Brasil

e imediata cirurgia com a substituição do produto.

A ação foi proposta com pedido de reparação dos danos materiais e

morais e com a comprovação da viagem internacional, atendimento no hospital

do país onde se localizava relatório médico do cirurgião que efetuou a troca da

prótese quebrada e todo o prontuário médico da cirurgia fornecido pelo hospital.

De acordo com o despacho, pode-se averiguar o cumprimento do

ônus processual da consumidora que provou a ocorrência do acidente e os

prejuízos, com prescrições médicas para diversas sessões de fisioterapia e

medicamentos e seus respectivos comprovantes de pagamento.

243

Processo nº 0014856-53.2011.8.26.0011, 4ª Vara Cível Foro Regional de Pinheiros, Comarca

de São Paulo: Juiz Paulo Jorge Scartezzini Guimarães, disponibilizado em 26/01/2012, p.

1731/1745 DJE.

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Caberá à fornecedora, nos termos do artigo 12, II e III do CDC,

provar que o defeito não existe ou que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da

consumidora. Essa prova poderá ser feita mediante a perícia técnica da prótese

quebrada, bem como comprovação da resistência dos materiais envolvidos na

fabricação do produto, diversos testes de resistência de durabilidade nos produtos

colocados no mercado e qualquer outra prova disponível ao fornecedor.

Assim como no caso da montadora de veículos, a fabricante da

prótese desenvolveu inteiramente o produto, desde seu projeto, funcionalidade,

escolha de materiais usados em sua fabricação e todas as etapas de sua produção.

Portanto, domina inteiramente todos os aspectos técnicos do produto e poderá

produzir a melhor prova nesse sentido.

Portanto, o fornecedor, mais capacitado tecnicamente e responsável

pelo risco do negócio que desenvolve, deverá fazer a prova de que a

responsabilidade pelo acidente não pode lhe ser atribuída.

A mesma interpretação deve ser atribuída à excludente de

responsabilidade pelo fato do serviço do art. 14, §3º, I e II do CDC, cuja

responsabilidade também é objetiva.

Dessa forma, resta bem claro e específico o ônus da prova do

fornecedor para se eximir da responsabilidade objetiva trazida pelo CDC.

O CDC ainda prevê outra hipótese de responsabilidade objetiva no

seu artigo 38 ao tratar da comunicação publicitária.

Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou

comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.

Já mencionamos a obrigação do fornecedor de atuar com boa-fé nas

relações de consumo, possibilitando ao consumidor o correto e claro

entendimento das características de seus produtos e serviços, sua utilidade,

funcionalidade e riscos.

Dada sua vulnerabilidade, especialmente a informacional, o

consumidor não possui conhecimento técnico suficiente para interpretar com

segurança se as informações transmitidas pela publicidade divulgada em

qualquer tipo de mídia correspondem à realidade.

Page 122: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

120

O professor José Geraldo Brito Filomeno244

assim conceitua

publicidade:

Já publicidade vem a ser a mensagem estratégica e tecnicamente

elaborada por profissionais especificamente treinados e

preparados para tanto, e veiculados igualmente por meios de

comunicação de massa mais sofisticados (como, por exemplo,

outdoors, mensagens por televisão, rádios, revistas, jornais, Internet

etc.), cujas finalidades específicas são: (1) tornar um produto ou

serviço conhecidos do público-alvo-potencial-consumidor; (2)

tentar convencer esse mesmo público a comprar o produto ou

serviços anunciados (grifos originais).

Portanto, a característica primordial da publicidade é o

convencimento do público alvo, a sedução no sentido de provocar a vontade de

aquisição dos produtos e serviços ofertados. O aspecto principal é justamente o

manejo, pela publicidade e consequentemente pelo fornecedor dos sentimentos,

crenças e desejos do consumidor.

Essa preocupação reside exatamente no escopo da publicidade, na

sua intenção de convencer o consumidor a adquirir os produtos e serviços nela

veiculados. A norma assegura a seriedade e veracidade do conteúdo da

publicidade, como uma forma de “oferta contratual” 245

.

Imprescindível a remissão ao artigo 36, § único do CDC, assim

redigido:

Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o

consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.

Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou

serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos

interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão

sustentação à mensagem.

O texto é claro e expresso no sentido de obrigar o fornecedor a

manter em sua posse as informações técnicas e científicas que corroborem as

informações contidas na publicidade.

244

FILOMENO, José Geraldo. Ob. Cit., p. 221. 245

MARQUES, Claudia Lima. Ob. Cit., p. 881.

Page 123: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

121

Portanto, da mesma maneira que o fornecedor de produtos e

serviços é mais capacitado para a prova técnica, por deter o conhecimento acerca

da tecnologia envolvida, na publicidade está obrigado a manter em sua posse a

comprovação da veracidade das informações que divulga.

Logo se o patrocinador da publicidade tem o dever legal de manter

organizados e à disposição dos interessados os dados técnicos, fáticos e

científicos que sustentem sua mensagem, deve suportar o ônus dessa prova246

.

Ao consumidor que ingressar em juízo sob a alegação de ser vítima

de publicidade enganosa ou abusiva, caberá a prova da realização do negócio

jurídico e seus prejuízos, por não corresponder o bem adquirido, à expectativa da

publicidade. O fornecedor deverá provar que o produto representa fielmente a

publicidade divulgada e apresenta todos os atributos mencionados247

.

3.4 Da Inversão do ônus da prova no Código de Defesa do

Consumidor

O traço mais marcante, ao menos para o propósito desse estudo, das

regras relativas a provas no Código de Defesa do Consumidor é a possibilidade

de inversão do ônus da prova com a finalidade de facilitar a defesa do

consumidor.

Entretanto, a alteração promovida pelo Código de Defesa do

Consumidor nas atribuições do ônus da prova deve ser analisada em sua origem,

na sua motivação e em seus princípios para se manter no contexto desse diploma.

Avaliar exclusivamente a possibilidade de inversão do ônus da

prova dificulta sua compreensão, pois completamente dissociada dos motivos de

toda legislação consumerista. Em verdade, as alterações nas atribuições do ônus

da prova são decorrentes do conceito legal de consumidor e de sua finalidade

protetiva.

Frise-se que o consumidor não está liberado de produzir provas do

fato constitutivo de seu direito e que apenas na presença dos requisitos previstos

no artigo o ônus poderá ser invertido.

246

NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Ob. Cit., p. 187. 247

ALVIM, Arruda. Ob. Cit., p. 209.

Page 124: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

122

O professor Humberto Theodoro Junior248

assim abordou o tema:

Se cabe ao autor direito de impor ao juiz a abertura do processo e de

sujeitar o réu a seus efeitos, sem que se dê a este liberdade de não

vincular-se à relação processual, é forçoso que ao autor caiba a

responsabilidade maior pelo sucesso da demanda. E, por isso, é ele, e

não o réu, quem tem de proporcionar ao juiz o conhecimento dos fatos

necessários à definição e atuação do direito de que se afirma titular.

Do réu, que não provocou o processo, obviamente, não se pode exigir

que prove os fatos de onde nasceu o direito do adversário. Apenas

quando outros fatos diversos forem invocados na resposta à demanda,

para extinguir ou anular os efeitos do direito do autor, é que o

demandado terá de assumir o encargo de sua comprovação. É que, em

tal quadro, quem alega fato extintivo ou impeditivo necessariamente

reconhece a anterior existência do direito do autor, porquanto só se

extingue ou se impede o que existe ou já existiu.

Como, então, interpretar a regra especial do Código de Defesa do

Consumidor autorizadora da inversão do ônus da prova, permitindo

sua transferência para o fornecedor, mesmo quando este seja réu?

Primeiramente, entendendo-a extraordinária e não como norma geral

automaticamente observável em todo e qualquer processo pertinente à

relação de consumo. Depois, compatibilizando-a com os princípios

informativos do próprio Código de Defesa do Consumidor. E,

finalmente, submetendo-a aos princípios maiores do devido processo

legal e ampla defesa, consagrados por garantia constitucional em favor

de todos os que agem em juízo.

Tal expediente deve ser adotado com extrema cautela pelo juiz para

que seja mantido o equilíbrio entre as partes no processo. A alteração da

atribuição do ônus da prova não pode eliminar ou impedir a produção de provas.

A produção da prova necessária para elucidação dos fatos sempre é necessária.

Por ser medida excepcional, condicionada à presença dos requisitos

previstos em lei, demanda decisão interlocutória devidamente fundamentada nos

termos do artigo 93, IX da CF.

248

THEODORO JUNIOR, Humberto. Ob. Cit., p. 179.

Page 125: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

123

3.4.1 Requisitos

O artigo 6º do CDC determina quais são os requisitos para inversão

do ônus da prova. São eles a hipossuficiência do consumidor e a verossimilhança

da alegação.

a) Hipossuficiência

A hipossuficiência significa impotência do consumidor para apurar

e demonstrar a causa do dano249

. Ao contrário da vulnerabilidade prevista no

artigo 4º do CDC, presunção legal aplicável todos consumidores, a

hipossuficiência é característica limitada a alguns, marca pessoal inerente às

características do consumidor250

.

Enquanto a vulnerabilidade informa todo o sistema de proteção ao

consumidor, com base em sua inserção no mercado para aquisição de bens cujas

particularidades não estão sob seu domínio, a hipossuficiência deve ser avaliada

individualmente, pois decorrente das características pessoais de cada

consumidor.

A determinação do que seja a hipossuficiência do consumidor se dá in

concreto, devendo o juiz identificar nesse conceito juridicamente

indeterminado, em acordo com as regras de experiência, a ausência de

condições de defesa processual, por razões econômicas, técnicas, ou

mesmo em face de sua posição jurídica na relação sub judice (é o

consumidor que não teve acesso à cópia do contrato, por exemplo) 251

.

O desconhecimento das propriedades técnicas do produto ou

serviço, funcionamento, motivos geradores do dano, características do vício,

meios de distribuição, dentre outros, são os critérios informadores da

hipossuficiência252

.

O réu em um processo em que se discute uma relação de consumo é

um fornecedor de produtos ou serviços, logo capacitado tecnicamente para

prestar todo tipo de esclarecimento acerca do produto ou serviço que gerou a

lide.

249

THEODORO JUNIOR, Humberto. Ob. Cit., p. 181. 250

ALVIM, Arruda. Ob. Cit., p. 45. 251

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 623. 252

NUNES, Rizatto. .Ob. Cit. p. 854.

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124

Essa capacitação técnica qualifica o fornecedor como a melhor

hipótese de esclarecimento técnico acerca da controvérsia. O juiz, destinatário da

prova, também não é versado tecnicamente na matéria posta em juízo, logo nada

mais coerente de que o esclarecimento técnico sobre a matéria residir em quem

se apresenta como mais capacitado.

Entretanto, a hipossuficiência também poderá ser financeiro-

econômica, traduzida na impossibilidade de arcar com os custos de produção da

prova necessária para obtenção da decisão favorável. O consumidor detentor de

posses e esclarecido dificilmente poderá ser classificado com hipossuficiente.

Partindo de um exemplo sobre um acidente de veículo, ocasionado

por um defeito na roda, José Geraldo Brito Filomeno253

apresenta essa distinção

de maneira clara:

Isso nos impele a inferir, pela lógica de interpretação, que se o rico

proprietário do automóvel de luxo tiver condições econômicas de

arcar com os exames periciais, até porque possíveis de serem

produzidos, faltar-lhe-á não o requisito de vulnerabilidade

técnica/verossimilhança, mas o da hipossuficiência econômica.

Já com relação ao modesto proprietário de um veículo popular,

conforme sua situação, e ainda que possível a produção de prova

técnica, poderá ser beneficiário da justiça gratuita e,

consequentemente, da inversão do ônus da prova, porque

hipossuficiente, nos exatos termos do parágrafo único do art. 2§

da Lei 1.060/1950. (grifos originais).

Portanto, essa incapacidade do consumidor, denominada como

hipossuficiência poderá ser técnica na medida em que não dispõe de elementos

para produzir a prova necessária para o esclarecimento dos fatos, como também

poderá ser financeira, pela impossibilidade de arcar com os custos dessa mesma

prova.

b) Verossimilhança

A verossimilhança das alegações consiste em uma forte aparência

de veracidade. Ainda que ausentes as provas, dado o caso concreto, aplicam-se

253

FILOMENO, José Geraldo Brito. Ob. Cit., p. 415.

Page 127: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

125

na hipótese as máximas de experiência do juiz, nos termos do art. 335 do CPC, o

que se traduz em um juízo de verossimilhança, próximo da verdade.

A verossimilhança é juízo de probabilidade extraída de material

probatório de feitio indiciário, do qual se consegue formar a opinião

de ser provavelmente verdadeira a versão do consumidor. Diz o CDC

que esse juízo de verossimilhança haverá de ser feito “segundo as

regras ordinárias da experiência” (art. 6º, VIII). Deve o raciocínio,

portanto, partir de dados concretos que, como indícios, autorizam ser

muito provável a veracidade da versão do consumidor254

.

Trata-se de um conceito operacional, resultado do trabalho de

interpretação do homem médio, com base na conclusão do que normalmente se

espera dos fatos apresentados; uma verdade aproximada, possível255

.

No mesmo sentido, a verossimilhança, que se vai apresentar como

espécie de juízo de probabilidade, segundo as informações das partes

no processo, ou seja, em acordo com o que se verifica do disposto no

processo, se aquelas informações estariam ou não em acordo com um

juízo de razoabilidade ou de probabilidade do que efetivamente tenha

ocorrido256

.

Os requisitos de hipossuficiência e da verossimilhança da alegação

não são cumulativos, como a própria redação do artigo aponta.

Em primeiro lugar, servindo-se das regras de experiência, deve o juiz

verificar se a afirmação é verossímil, ou seja, se dentro de um critério

de plausibilidade, a afirmação se mostra cabível, com aparência de

verdade.

Não havendo verossimilhança, deve o juiz analisar a existência de

hipossuficiência, quer em decorrência da dificuldade de provar à luz

da falta de informações e de conhecimentos específicos acerca da

produção, quer em razão da dificuldade econômica da prova257

.

Bastará a presença de um deles para que o juiz, em decisão

fundamentada, inverta o ônus da prova, conforme jurisprudência abaixo

transcrita:

254

THEODORO JUNIOR, Humberto. Ob. Cit., p. 181. 255

MARINONI, Luiz Guilherme. Ob. Cit., p. 43. 256

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 623. 257

NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Ob. Cit.. p. 77.

Page 128: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

126

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO

EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL.

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ART. 6º DO CDC.

REQUISITOS. HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR OU

VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES. ANÁLISE EM SEDE

DE RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DO

CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA N.

7/STJ. LAUDO TÉCNICO INSUFICIENTE. REVISÃO.

INADMISSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO

MANTIDA.

1. O recurso especial não comporta o exame de questões que

impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a

teor do que dispõe a Súmula n. 7 do STJ.

2. A inversão do ônus da prova depende da aferição, pelo julgador,

acerca da verossimilhança das alegações ou da hipossuficiência do

consumidor, a teor do art. 6º, VIII, do CDC.

3. É vedada, em sede de recurso especial, a análise da presença dos

requisitos autorizadores da inversão do ônus da prova, porquanto tal

providência esbarra no óbice da Súmula n. 7/STJ.

4. O Tribunal de origem examinou as peculiaridades fáticas do caso

para concluir pela insuficiência do laudo técnico apresentado. Alterar

esse entendimento demandaria o reexame das provas produzidas nos

autos, o que é vedado em recurso especial.

5. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ AgRg no

AREsp nº 312555/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Antonio Carlos

Ferreira, DJe 05/05/2014).

A simples conclusão de que tal expediente visa a beneficiar o

consumidor pode ser interpretada como tratamento desigual entre as partes no

processo, o que poderia prejudicar ou até colocar o fornecedor numa situação em

que fosse obrigado a produzir uma prova impossível.

O consumidor está obrigado a fazer prova dos fatos constitutivos de

seu direito, ainda que dentro das regras do CDC. A mera alegação da ocorrência

de determinados fatos não é suficiente para o acolhimento de seu pedido,

conforme se observa do julgado transcrito abaixo:

Page 129: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

127

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DIREITO DO

CONSUMIDOR. SHOPPING CENTER. PISO ESCORREGADIO.

QUEDA DA PRÓPRIA ALTURA. CASO CONCRETO. AUSÊNCIA

DE PROVAS. INDENIZAÇÃO DESCABIDA.

1. O shopping center tem o dever de zelar pela segurança dos

consumidores. Trata-se de um dever lateral, instrumental ou anexo, de

conduta, imposto pelo princípio da boa-fé objetiva. No caso, com mais

razão tal princípio deve ser observado, uma vez que se trata de relação

abrangida pelo Código de Defesa do Consumidor, consoante previsão

do art. 3º, §2º, CDC.

2. O demandado se responsabiliza de maneira objetiva pelos fatos

decorrentes do serviço prestado, tanto por defeitos da prestação como

por falha nas informações devidas, a teor do disposto no art. 14 do

CDC.

3. Todavia, inobstante o dever da requerida de zelar pela incolumidade

física dos frequentadores de seu estabelecimento, respondendo

objetivamente pelos danos por eles sofridos, há que restar evidenciado

um nexo de causalidade entre o dano sofrido e alguma conduta,

comissiva ou omissiva, da requerida ou de seus prepostos.

4. A queda de uma pessoa pode derivar de muitas causas, tais como

tropeção, desequilíbrio, pisada em falso, etc., nem todas imputáveis a

algum fato imputável à ré, como a existência de piso molhado,

desníveis ou buracos no pavimento, sem a devida advertência.

5. No caso concreto, por não haver demonstração mínima acerca das

circunstâncias do incidente, não há como imputar os danos físicos

sofridos pela autora ao demandado. (Apelação Civil, 0235655-

88.2013.8.21.7000, Nona Câmara Cível, TJRS, Rel. Eugenio Facchini

Neto, j. 10/07/2013).

No acórdão acima mencionado, a consumidora não apresentou

nenhum elemento que pudesse ser considerado na prova de suas alegações ou ao

menos na presunção de sua ocorrência.

Antes de se aplicar indistintamente a inversão do ônus prevista no

artigo 6º, VIII, mostra-se imprescindível avaliar processualmente o objeto da

tutela.

Page 130: Eduardo Scalon ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE ......inversão do ônus da prova, quando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência. Entretanto,

128

A previsão da inversão do ônus da prova precisa ser interpretada

em conjunto com a previsão dos artigos 12, § 3º e 14, 3, do Código de Defesa do

Consumidor também.

A importância dessa contraposição deriva da natureza objetiva da

responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor. Uma vez que o

consumidor demonstre que houve o dano e que este dano adveio de um produto

do fornecedor, estará, em princípio, presente a responsabilidade deste, sem a

necessidade de se perquirir sobre culpa ou dolo.

Exatamente pelo caráter objetivo da responsabilidade, os artigos

descritos tratam de causas excludentes de responsabilidade.

Nesses casos, o consumidor não tem que provar que o dano

decorreu de ato ou omissão do fornecedor; basta provar o dano e sua relação com

o produto do fornecedor.

Obrigar o consumidor a explicar o motivo do defeito para que tenha

seu direito tutelado representa a vedação ao exercício desse direito. A facilitação

da defesa visa justamente tutelar esse consumidor que teve sua expectativa com a

aquisição do produto frustrada, sem que saiba os motivos.

3.4.2 Momento de inversão do ônus da prova

A doutrina e a jurisprudência divergem quanto ao momento em que

deve ocorrer a inversão do ônus da prova. Há tanto alegação de que a fase

instrutória é o momento adequado, quanto defesa da ocorrência da inversão do

ônus da prova na sentença.

a) Da inversão como regra de julgamento

Essa teoria defende que a inversão do ônus da prova deve ser

interpretada como regra de julgamento e, portanto, aplicável na prolação da

sentença.

Partindo do pressuposto de que a produção da prova é uma

faculdade, as partes teriam interesse em produzir todas as provas que melhor se

apresentem às suas alegações.

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129

Dessa forma, o juiz irá proferir seu entendimento de acordo com as

provas trazidas aos autos, independentemente de quem as produziu, pois as

provas visam seu convencimento.

Trata-se de regra de juízo e não de procedimento, o sistema não

estabelece quem deve fazer a prova, mas quem assume o risco pela sua

ausência258

.

Essa tese utiliza como fundamento o dever de lealdade e

colaboração que compete às partes. Nem autor nem o réu poderiam se apoiar nas

regras do ônus da prova para se omitir no processo e deveriam empenhar seus

melhores esforços na revelação da verdade, como um estímulo para produzir a

prova cuja falta lhe traria prejuízo259

.

Portanto, a produção das provas deveria ser norteada pela busca por

justiça e não pelas regras rígidas do Código de Processo Civil, nas quais as partes

muitas vezes se apoiam para obter um resultado favorável, ainda que tenham

condições melhores de produzir determinada prova do que a parte contrária.

b) Da inversão como regra de instrução

Outra corrente doutrinária defende que a inversão do ônus da prova

deve ocorrer antes da produção das provas, ou seja, no saneamento do processo

ou na audiência preliminar.

Por se tratar de hipótese não automática, que demanda a

confirmação da presença dos requisitos, tem-se como condição a expressa

manifestação do juiz nesse sentido260

.

À exceção do artigo 38 CDC, situação em que o fornecedor de

antemão sabe do seu ônus probatório, a parte será surpreendida no momento da

prolação da sentença com um encargo que desconhecia lhe pertencer, numa clara

violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo

legal.

258

NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante,

10 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008 (citação de Echandia, Teoria general de la

prueba judicial) p. 608. 259

CINTRA, Antonio Carlos de Araujo. Ob. Cit., p. 21. 260

NUNES, Rizzato. Ob. Cit. p. 857.

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130

Logo, o julgador deve utilizar o despacho saneador como momento

para estabelecer a inversão do ônus da prova, com a fixação dos pontos

controvertidos e determinação das provas a serem produzidas.

Por ser o destinatário da prova, caberá ao juiz a verificação da

possibilidade de produção das provas nas hipóteses em que haja variação das

regras do artigo 333 CPC, principalmente pelo fato de existir um instante

procedimental específico para a análise dos pontos controvertidos261

.

Portanto, de maneira fundamentada, o juiz poderá determinar a

inversão do ônus da prova se entender presentes os requisitos legais.

Deste modo, este posicionamento conclui que o momento mais

adequado para se determinar a inversão do ônus da prova seria do despacho

saneador, no qual devem ser analisadas as questões processuais, fixados os

pontos controvertidos e determinadas as provas a serem produzidas.

No momento da produção das provas, o juiz, ciente da necessidade

da inversão do ônus, deverá fazê-lo imediatamente, sob pena de surpreender as

partes no momento da prolação da sentença262

.

Uma corrente mais conciliadora defende que a inversão pode

ocorrer a qualquer momento, mas, caso seja determinada na sentença, deverá ser

dada oportunidade ao fornecedor a reabertura da possibilidade de produção da

prova263

, com a conversão do julgamento em diligência.

Da leitura das correntes expostas, verifica-se que o traço comum

aos conceitos é o ato de produção de prova. A tese da regra de instrução é

específica nesse sentido ao situar o ato na fase de instrução e possibilitar seu

exercício ao fornecedor.

Ao passo que a regra de julgamento parte do pressuposto que as

partes devem produzir as provas necessárias para elucidação da controvérsia,

motivo pelo qual não existiria prejuízo em sua ocorrência na sentença.

261

BUENO, Cassio Scarpinella. Ob. Cit. p. 257. 262

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente,

consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 25 ed., São Paulo:

Saraiva, 2012, p. 641. 263

MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Ob. Cit. p. 251.

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131

Ainda que justificada pela boa fé processual, a produção de provas

de maneira livre não atende aos princípios já expostos nesse trabalho. A prova

deve ser aquela suficiente para o deslinde da controvérsia e de acordo com a

dialética processual.

O risco de que a inversão do ônus ocorra ao final do processo pode

levar o fornecedor a causar tumulto processual com a produção desmedida de

provas ou transformar o processo num longo e tortuoso expediente probatório, no

mais das vezes, inútil264

.

3.4.3 A inversão do ônus econômico-financeiro da prova

Determinada a inversão do ônus da prova, relevante questão a ser

dirimida trata do ônus financeiro da sua produção.

A matéria é regulada pelo CPC, que trata das despesas e das multas

no processo judicial, com a seguinte redação em seu artigo 19:

Art. 19. Salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às

partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no

processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença

final; e bem ainda, na execução, até a plena satisfação do direito

declarado pela sentença.

§ 2o Compete ao autor adiantar as despesas relativas a atos, cuja

realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do Ministério

Público.

No artigo 33, encontra-se a complementação da matéria, nos

seguintes termos:

Art. 33. Cada parte pagará a remuneração do assistente técnico que

houver indicado; a do perito será paga pela parte que houver requerido

o exame, ou pelo autor, quando requerido por ambas as partes ou

determinado de ofício pelo juiz.

Da leitura dos artigos, constata-se a responsabilidade financeira da

prova do consumidor, autor da demanda. Dessa forma, ainda que o ônus da prova

fosse invertido, caberia ao consumidor o custeio dessa prova, pois ausente

previsão legal em sentido contrário.

264

MAZZILLI, Hugo Nigro. Ob. Cit., p. 641.

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132

A matéria relativa à impossibilidade de custeio do processo estaria

regulada pela Lei nº 1.060/50, que trata da assistência judiciária gratuita.

Deferida a gratuidade, os interesses do consumidor estariam preservados.

No entanto, mesmo com a gratuidade deferida, o consumidor não

teria garantida, necessariamente, a plenitude da defesa dos seus direitos, dada a

precariedade da assistência judiciária e, até, recusa de peritos a exercer o ofício

nessas condições. Persistiria, então, a falta de atendimento à facilitação da defesa

prevista em lei.

Todavia, seja pela precariedade do serviço ou pela manutenção do

encargo financeiro, a falta de inversão do ônus financeiro da prova prejudicaria o

consumidor. Parte da doutrina alega contrariedade dessa interpretação com os

princípios consumeristas uma vez que não beneficia o consumidor, ao qual

persiste o custo da prova.

O benefício da inversão do ônus da prova seria concedido ao

consumidor, mas, ao mesmo tempo, ser-lhe-ia retirado ao tratar de maneira

diversa a questão das custas265

.

A matéria foi pacificada pela jurisprudência do STJ266

, que

determinou não ser automática a inversão do ônus financeiro da prova, contudo,

arcando o fornecedor com as consequências processuais da não produção da

prova.

Uma crítica a essa interpretação consiste na alegação de que se

equipararia à inversão indireta do ônus financeiro da prova, pois o fornecedor

precisaria arcar com o custo para evitar prejuízos advindos da falta de

cumprimento do ônus probatório.

Todavia, conforme abordado no início deste trabalho, o ônus

processual não é uma obrigação, mas um poder da parte de produzir as provas

que suportem suas alegações. Obrigar o fornecedor a arcar com o custo da prova

265

“Uma vez determinada a inversão, o ônus da produção da prova tem de ser da parte sobre a

qual recai o ônus processual. Caso contrário, estar-se-ia dando com uma mão e tirando com a

outra”. NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Ob. Cit. p. 858. 266

REsp. nº 443.208/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 17/03/2003.

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133

equivaleria a transformar o ônus probatório em uma obrigação, de maneira

contrária à sua natureza.

3.5 Ônus da prova e responsabilidade objetiva do fornecedor

O modo pelo qual o CDC regulamenta a responsabilidade do

fornecedor pelos danos sofridos pelo consumidor lhe garante a efetiva facilitação

da defesa de seus direitos.

A adoção da teoria do risco e estabelecimento da responsabilidade

objetiva do fornecedor facilita, sobremaneira, a defesa dos interesses do

consumidor, cujo exercício de seus direitos prescinde da prova de culpa do

fornecedor.

Constitui-se como premissa do CDC a desigualdade fática entre

consumidor e fornecedor, justificando a adoção da responsabilidade objetiva.

Visa tutelar situações em que a vulnerabilidade do consumidor e a falta de

conhecimento sobre a atividade de fornecimento de produtos e serviços se

confronte com o conhecimento técnico do fornecedor, culminando com a

assunção dos riscos do exercício de sua atividade267

.

Em adição, as previsões do CDC acerca do ônus da prova,

notadamente as excludentes dos artigos 12 e 14, suprem a contento a necessidade

de equilíbrio das partes no litígio consumerista.

Dada a efetividade protetiva das normas consumeristas, sua

aplicação não pode se dar de maneira desmedida, sem observar a realidade

econômica em que se insere.

O mecanismo de inversão do ônus da prova se insere nessa política

tutelar do consumidor e deve ser aplicado até quando seja necessário

para superar a vulnerabilidade do consumidor e estabelecer seu

equilíbrio processual em face do fornecedor. Não pode,

evidentemente, ser um meio de impor um novo desequilíbrio na

relação entre as partes, a tal ponto de atribuir ao fornecedor um

encargo absurdo e insuscetível de desempenho.

(...)

267

MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit., p. 41.

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134

Arruinar a empresa por meio de demandas absurdas, cuja solução se

dê à luz da inversão do ônus da prova empregado de maneira a

inviabilizar a defesa do fornecedor, é medida que , à evidência, agride

o princípio fundamental de harmonização das relações entre as partes

do mercado de consumo. Sem empresas fortes não há incremento no

próprio consumo. E do aniquilamento das fontes de produção

desaparece até mesmo a figura do consumidor, ou anulam-se suas

potencialidades de usufruir os bens e as riquezas que sem o mercado

não se logra obter.

Para bem aplicar a regra tutelar da inversão do ônus da prova, como

de resto todo o sistema protetivo do CDC, “cabe ter presente, ademais,

constituírem as normas de proteção ao consumidor um direito de

caráter especial que, evidentemente, revoga normas de caráter geral,

ou, em certos casos, as detalha e especifica, o que, por si só, deve

conduzir a uma interpretação mais restritiva de seus dispositivos”.

Enfim, a aplicação de todos os mecanismos protetivos do CDC é de

ser feita, sempre, “com vistas a assegurar uma justa e adequada

proteção ao consumidor, sem, no, entanto, implicar ameaça

desabusada à empresa, cuja presença e desenvolvimento representam

a garantia de uma sã economia e condição para que nela se estabeleça

um razoável grau de concorrência, que, por sua vez, redundará em

proteção automática do próprio fornecedor268

.

Ainda que o consumidor necessite fazer a prova de suas alegações,

nos termos do artigo 333 do CPC, transferiu-se ao fornecedor a prova das

excludentes de sua responsabilidade, de conteúdo técnico e potencialmente mais

oneroso.

No tocante ao momento em que a inversão deverá ocorrer, a

questão foi pacificada pelo julgamento do EDREsp nº422.778/SP, que definiu a

natureza dessa inversão como regra de instrução.

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA

PROVA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. LEI 8.078/90,

ART. 6º, INC. VIII. REGRA DE INSTRUÇÃO. DIVERGÊNCIA

CONFIGURADA.

268

THEODORO JUNIOR, Humberto. Ob. Cit., p. 182.

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135

1. O cabimento dos embargos de divergência pressupõe a existência

de divergência de entendimentos entre Turmas do STJ a respeito da

mesma questão de direito federal. Tratando-se de divergência a

propósito de regra de direito processual (inversão do ônus da prova)

não se exige que os fatos em causa no acórdão recorrido e paradigma

sejam semelhantes, mas apenas que divirjam as Turmas a propósito da

interpretação do dispositivo de lei federal controvertido no recurso.

2. Hipótese em que o acórdão recorrido considera a inversão do ônus

da prova prevista no art. 6º, inciso VIII, do CDC regra de julgamento

e o acórdão paradigma trata o mesmo dispositivo legal como regra de

instrução. Divergência configurada.

3. A regra de imputação do ônus da prova estabelecida no art. 12 do

CDC tem por pressuposto a identificação do responsável pelo produto

defeituoso (fabricante, produtor, construtor e importador), encargo do

autor da ação, o que não se verificou no caso em exame.

4. Não podendo ser identificado o fabricante, estende-se a

responsabilidade objetiva ao comerciante (CDC, art. 13). Tendo o

consumidor optado por ajuizar a ação contra suposto fabricante, sem

comprovar que o réu foi realmente o fabricante do produto defeituoso,

ou seja, sem prova do próprio nexo causal entre ação ou omissão do

réu e o dano alegado, a inversão do ônus da prova a respeito da

identidade do responsável pelo produto pode ocorrer com base no art.

6º, VIII, do CDC, regra de instrução, devendo a decisão judicial que a

determinar ser proferida "preferencialmente na fase de saneamento do

processo ou, pelo menos, assegurando-se à parte a quem não incumbia

inicialmente o encargo, a reabertura de oportunidade" (RESP 802.832,

STJ 2ª Seção, DJ 21.9.2011). 5. Embargos de divergência a que se dá

provimento. (STJ Embargos de Divergência em REsp. nº 422.778/SP,

Relatora Maria Isabel Gallotti, DJe 21/06/2012).

O reconhecimento da diferença entre as hipóteses do artigo 6º, VIII

e do artigo 12, §3º do CDC é fundamental, pois a prova das excludentes de

responsabilidade do fornecedor decorre de expressa previsão legal e não de

decisão judicial de inversão do ônus probatório.

No art. 6º, n. VIII, o CDC, não se instituiu uma inversão legal do

referido ônus, mas, sim, uma inversão judicial, que caberá ao juiz

efetuar quando considerar configurado o quadro previsto na regra da

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136

lei. Em outras hipóteses, o CDC realmente inverteu ipso iure o ônus

da prova: em relação, v.g., aos defeitos de produtos (art. 12, §3º n. II)

e de serviços (art. 14, §3º, n. I), a lei protetiva do consumidor

simplesmente estabeleceu a presunção do vício. Aí, sim, pode-se

falar em inversão legal do ônus da prova. O mesmo, porém, não se

passa com a situação disciplinada genericamente pelo art. 6 º, n. VIII,

onde a previsão da lei é de um poder confiado ao juiz para promover a

inversão, se julgada cabível269

.

Da análise de diversos julgados sobre o tema, pode-se concluir que

hipóteses de ônus probatório do fornecedor são tratadas como casos de inversão

do ônus da prova do artigo 6º, VIII do CDC.

CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO

POR DANOS MATERIAIS E DE COMPENSAÇÃO POR DANOS

MORAIS. OCORRÊNCIA DE SAQUES INDEVIDOS DE

NUMERÁRIO DEPOSITADO EM CONTA POUPANÇA.

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ART. 6º, VIII, DO CDC.

POSSIBILIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA

RECONHECIDA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO

FORNECEDOR DE SERVIÇOS. ART. 14 DO CDC270

.

No caso em tela, o consumidor pediu reparação dos danos sofridos

em virtude de saques indevidos em sua conta bancária. A instituição financeira

negou tal responsabilidade, uma vez que os saques foram realizados com cartão

eletrônico e senha, que são pessoais do cliente.

Da própria ementa se verifica o objeto do recurso no sentido de

delimitar “o ônus de provar a autoria de saque em conta bancária, efetuado

mediante cartão magnético, quando o correntista, apesar de deter a guarda do

cartão, nega a autoria dos saques”.

O Tribunal confirmou a decisão recorrida que inverteu o ônus da

prova, atribuindo à instituição financeira a necessidade de provar que os saques

indevidos decorrem de desídia do cliente.

A fundamentação do recurso especial, quanto ao ponto, busca esteio

em possível excludente de responsabilidade do banco-recorrente

269

THEODORO JUNIOR, Humberto. Ob. Cit., p. 186. 270

REsp. n 1.155.770/PB, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, Dje 09/03/2012.

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137

advinda ou da inexistência do defeito citado – os saques teriam sido

realizados por um dos correntistas ou alguém a quem tivessem

confiado o cartão magnético e a senha –, ou da culpa exclusiva dos

correntistas-recorridos – desídia na guarda do cartão magnético e da

senha (art. 14, § 3º, I e II, do CDC).

A questão central resume-se em definir se o sistema de segurança nas

transações bancárias por meio de cartão eletrônico é tão eficaz como

quer fazer crer a recorrente, a ponto de construir presunção – iure et

iure – de que, se ocorreu débito não pretendido pelo recorrido, esse se

deu por culpa exclusiva desse ou de terceiro.

Da leitura do trecho acima, relevantes conclusões podem ser

admitidas. O acórdão aborda no trecho destacado, a alegação da excludente de

responsabilidade do fornecedor, atribuindo responsabilidade exclusiva do

consumidor por ter confiado seu cartão e senha eletrônicas a terceiros.

Todavia, a instituição financeira não produziu essa prova, mas

simplesmente alegou a presunção de que houve desídia do cliente, dada a eficácia

da tecnologia bancária.

O acórdão, apesar de reconhecer que o fornecedor não se

desincumbiu de provar a excludente de sua responsabilidade, fundamentou a

decisão na inversão do ônus da prova.

A atribuição do ônus da prova das excludentes da responsabilidade

ao fornecedor atua no sentido de proteger e facilitar a defesa do consumidor,

principalmente em questões de maior complexidade técnica.

DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. FATO DO

PRODUTO. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. NÃO

ACIONAMENTO DO AIR BAG. REGRAS DE INVERSÃO DO

ÔNUS DA PROVA. FATO DO PRODUTO. INVERSÃO OPE

LEGIS. PROVA PERICIAL EVASIVA. INTERPRETAÇÃO EM

FAVOR DO CONSUMIDOR.

(...)

4. Ocorre que diferentemente do comando contido no art. 6º, inciso

VIII do CDC, que prevê a inversão do ônus da prova "a critério do

juiz", quando for verossímil a alegação ou hipossuficiente a parte, o §

3º do art. 12 do mesmo Código estabelece - de forma objetiva e

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138

independentemente da manifestação do magistrado - a distribuição da

carga probatória em desfavor do fornecedor, que "só não será

responsabilizado se provar: I - que não colocou o produto no mercado;

II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito

inexiste; III- a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro". É a

diferenciação já clássica na doutrina e na jurisprudência entre a

inversão ope judicis (art. 6º, inciso VIII, do CDC) e inversão ope legis

(arts. 12, § 3º, e art. 14, § 3º, do CDC). Precedentes. (REsp. nº

1.306.167/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe

05/02/2014).

No caso restou incontroverso a ocorrência do acidente e não

acionamento do air bag. A questão a ser dirimida era justamente se a falta de

acionamento do air bag deveu-se a um defeito do produto.

O acórdão modificou a decisão recorrida, reconhecendo que cabe

ao fornecedor a prova de que o defeito não existe, ou seja, que a falta de

acionamento do air bag não se constituiu como defeito no produto.

A perícia técnica concluiu que “no caso em questão, conforme a

conclusão apesar de identificar o choque, o sistema interpretou que as condições

de desaceleração não foram suficientes para atuação do sistema de segundo

estágio, e assim, não acionou as bolsas do air- bag”.

De acordo com o relator, essa conclusão não afasta a controvérsia

do fato, pois não havia dúvida que o sistema não funcionou. A prova necessária

seria “aferir, por meio de métodos técnicos e científicos e demais elementos que

se fizessem necessários (CC, art. 429), se o sistema de air bag estava

devidamente calibrado, se a energia cinética - no momento da colisão e diante da

velocidade e da força do impacto, bem como do local da batida - seria suficiente

ou não para o acionamento do dispositivo, além de outros pontos relevantes para

se aferir a dinâmica do defeito apontado na inicial”.

Pela conclusão da perícia não foi possível a confirmação de que o

defeito não existiu, ônus do fornecedor, logo deve ser reconhecida sua

responsabilidade.

A possibilidade de inversão do ônus da prova do artigo 6º, VIII,

deve ser interpretada como uma exceção, de forma a respeitar o contraditório e a

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ampla defesa, vedada a possibilidade de surpreender a parte ao final do processo

com um encargo probatório que desconhecia lhe pertencer.

A melhor interpretação para o dispositivo é a de que a inversão nele

admitida – e a orientação vale para quaisquer outras hipóteses de

inversão legal do ônus da prova – deve ser sempre previamente

comunicada às partes para que elas possam, adequadamente,

desincumbir-se de seu ônus em atenção ao dispositivo legal271

.

O fornecedor de produtos ou serviços, réu no litígio que verse sobre

direito do consumidor, na hipótese do objeto ser responsabilidade civil pelo fato

do produto ou do serviço, saberá de antemão quais será seu ônus probatório,

expressamente previstos nos artigos 12, § 3º, 14, § 3º, do CDC. Qualquer

alteração desse encargo deve ser promovida a tempo e modo que possibilite ao

fornecedor que se desincumba do ônus que lhe foi atribuído por decisão do juiz.

A parte litigante não pode ser surpreendida com um ônus que não

lhe cabia no processo, até o momento da prolação da sentença.

Temos para nós que a solução mais adequada no que tange ao

momento da decretação do ônus será initio

Admite-se a utilização das regras sobre o ônus da prova para

solucionar questões verificáveis no momento de sentenciar, mas em respeito ao

princípio do contraditório e ampla defesa as partes precisam conhecer quais serão

as regras aplicáveis na apuração da verdade real por ocasião da solução da lide272

.

271

BUENO, Cassio Scarpinella. Ob. Cit., p. 256. 272

THEODORO JUNIOR, Humberto. Ob. Cit., p. 186.

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