Ednardo massafeira estadão sp 13 08 2011

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CADERNO_2 - BR - 9 - 13/08/11 D9-BR/SP - Lauro Lisboa Garcia Há nove anos Ednardo está au- sente dospalcos de São Paulo.Au- tor de clássicos como Terral, Pa- vão Mysteriozo, Enquanto Engo- ma a Calça, Carneiro e A Manga Rosa, ele faz show único hoje no Sesc Belenzinho, com essas e ou- tras canções do mesmo período, dentro do projeto Arquivo. É a oportunidade para trazer ao pú- blico paulistano parte da história deummovimento importante pa- ra a música cearense, do qual ele fez parte na virada da década de 1970 para a de 80: Masssafeira. Ednardo organizou em livro um significativo acervo de repor- tagens,entrevistas,ensaios,análi- ses,fotos,desenhose outrosregis- trosqueformamumamplopainel sobre o movimento. Acompanha o livro um CD duplo, réplica qua- se integral do LP (também duplo) lançado em 1980. Só falta a canção FriodaSerra (PetrúcioMaia/Bran- dão), que ele cantava com Fagner e Marta Lopes, “por exigência ex- clusiva” da herdeira de Petrúcio, que chegou a solicitar “valor ab- surdo” para a liberar a gravação. Ednardo, Fagner e Belchior já estavam bem encaminhados nas carreiras individuais quando par- ticiparam da Massafeira. Mas o movimento, que foi reprimido pela ditadura militar, considera- do “subversivo”, deu certa visibi- lidade para artistas locais, novos e veteranos de várias modalida- des artísticas além da música. É o caso do poeta Patativa do Assaré, que Fagner levou para gravar dis- cos quando se tor- noudiretorartísti- co da gravadora CBS (hoje Sony). Só que Ednar- do e Fagner – co- mo fica claro em entrevistas publicadas no livro – divergem sobre a importância do movimento, uma espécie de Tro- picália cearense, que foi lançado com um grande show no Theatro José de Alencar, em Fortaleza, em 1979. Fagner acha que é “en- gordar um pouco o caldo da Mas- safeira” atribuir àquele encontro sua escalada para o sucesso. “Não existiu movimento. Só nós que fizemos essa história: Belchior, Ednardo e eu. Muito an- tes da Massafeira”, disse, toman- do como exemplo outros nomes que foram lançados ali, mas não decolaram, como Stélio Valle, Mona Gadelha, Lúcio Ricardo, Ângela Linhares, Vicente Lopes e vários outros. Rodger e Teti gra- varam um belo disco com Ednar- do (que tinha Ter- ral) e ficaram co- nhecidos como o Pessoal do Ceará por isso. Alguns desses artistas, segundo Ednardo, moram em Fortaleza, on- de “continuam realizando seus trabalhos artísticos”, outros “fo- ram pelo mundo”, alguns “já se foram para outros planos, mas seus trabalhos artísticos são pe- renes e merecem permanecer”, diz Ednardo. O próprio Fagner fez sucesso com canções de vá- rios integrantes do movimento. Segundo Ednardo, a importân- cia dos artistas e pensadores que fizeram a Massafeira não se me- de por “sucessos discográficos em gravadoras”. Um dos moti- vos principais da Massafeira foi justamente não “rezar pela carti- lha” de gravadoras e meios de co- municações. “Abrimos de forma libertária e sem apoio logístico na época, uma possibilidade mui- to grande, para diversas tendên- cias e formas de expressões. É desta forma que Massafeira foi e até hoje é, um manancial abraça- do por novas gerações.” Longe de ser pretensioso, para ele “é uma realidade seminal”. “Esse movimento apresentou frutos em várias regiões do Bra- sil, foi através da Massafeira que vários outros movimentos se as- semelharam e se espelharam, co- mo no Cio da Terra, em Caxias do Sul / RS (1982), no Festival de Artes do Forte em Natal / RN (1980), e outros que se destaca- ram nacionalmente e no exterior nas áreas de cinema, artes plásti- cas, músicas, letras, poesias, etc”, lembra Ednardo. Como exemplo desse resulta- do ele cita Patativa do Assaré, Ro- semberg Cariry, Siegbert Frank- lin, Sérgio Pinheiro, entre outros de “uma lista grande que já está explícita no livro”. “A ressonân- cia nacional acompanhou de for- ma comedida, mesmo com ini- ciais matérias nos principais jor- nais e revistas e TVs brasileiras, mas para a gravadora naquela época, era como se os discos e o movimento não existissem. Mas a força da Massafeira está aqui, mais de 30 anos depois.” Boicote. Montado no massivo sucesso de Noturno (tema da no- vela Coração Alado), na época, Fagner produziu outro disco, So- ro, que unia música e poesia, e teve pelo menos um grande êxi- to executado nas rádios, Aguapé, que ele gravou com Belchior. A predileção por Soro acabou ofus- cando o lançamento do LP duplo da Massafeira, que se tornou sím- bolo de resistência. “Foi utilização de um cargo em uma gravadora em proveito próprio”, aponta Ednardo. “O re- presamento proposital do lança- mento dos discos Massafeira foi criticado veementemente por muitos que participaram do mo- vimento, ao saberem dos falsos motivos alegados da direção ar- tística na época da CBS que daria prejuízo à gravadora.” O álbum duplo só foi lançado, segundo Ednardo, quando dispo- nibilizou grande parte da verba de divulgação de seu disco Imã (1980) para que o outro fosse prensado. Mesmo assim saiu co- mo “queima de estoque logo no lançamento”. A bela capa com desenho de Brandão, saiu com um adesivo de oferta: “2 LP’s pe- lo preço de 1, Cr$ 600,00”. Ednardo conta que tem feito músicas e shows por várias cida- des brasileiras, produz, por meio de seu selo e editora, CDs com trilhas musicais para cinema, shows. Ele também tem um vas- to material de vídeo “que deverá gerar DVDs no tempo certo, com registros que envolvem mais de 30 anos de atividades artísticas.” 30 ANOS C 2 + m/Entrevista MASSAFEIRA 30 ANOS Aura Edições Musicais, 312 págs., acompanha CD duplo. R$ 100 Show de lançamento hoje às 21 h, no Sesc Belenzinho. R$ 32. Ednardo volta a São Paulo depois de nove anos para lançar livro e CD duplo que marcam as três décadas da Massafeira EM MOVIMENTO NO ROTEIRO, CLÁSSICOS COMO A MANGA ROSA E PAVÃO MYSTERIOZO SÉRGIO ALMEIDA/DIVULGAÇÃO Toda sexta no Estadão. Ednardo. Obra de resistência %HermesFileInfo:D-9:20110813: O ESTADO DE S. PAULO SÁBADO, 13 DE AGOSTO DE 2011 C2+ música D9

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CADERNO_2 - BR - 9 - 13/08/11 D9-BR/SP -

Lauro Lisboa Garcia

Há nove anos Ednardo está au-sentedospalcosde SãoPaulo.Au-tor de clássicos como Terral, Pa-vão Mysteriozo, Enquanto Engo-ma a Calça, Carneiro e A MangaRosa, ele faz show único hoje noSesc Belenzinho, com essas e ou-tras canções do mesmo período,dentro do projeto Arquivo. É aoportunidade para trazer ao pú-blico paulistano parte da históriadeummovimentoimportantepa-ra a música cearense, do qual elefez parte na virada da década de1970 para a de 80: Masssafeira.

Ednardo organizou em livroum significativo acervo de repor-tagens,entrevistas,ensaios,análi-ses,fotos,desenhoseoutrosregis-trosque formamumamplopainelsobre o movimento. Acompanhao livro um CD duplo, réplica qua-se integral do LP (também duplo)lançadoem1980. Sófalta acançãoFriodaSerra(PetrúcioMaia/Bran-dão), que ele cantava com Fagnere Marta Lopes, “por exigência ex-clusiva” da herdeira de Petrúcio,

que chegou a solicitar “valor ab-surdo” para a liberar a gravação.

Ednardo, Fagner e Belchior jáestavam bem encaminhados nascarreiras individuais quando par-ticiparam da Massafeira. Mas omovimento, que foi reprimidopela ditadura militar, considera-do “subversivo”, deu certa visibi-lidade para artistas locais, novose veteranos de várias modalida-des artísticas além da música. É ocaso do poeta Patativa do Assaré,que Fagner levoupara gravar dis-cos quando se tor-noudiretorartísti-co da gravadoraCBS (hoje Sony).

Só que Ednar-do e Fagner – co-mo fica claro ementrevistas publicadas no livro –divergem sobre a importância domovimento, uma espécie de Tro-picália cearense, que foi lançadocom um grande show no TheatroJosé de Alencar, em Fortaleza,em 1979. Fagner acha que é “en-gordar um pouco o caldo da Mas-

safeira” atribuir àquele encontrosua escalada para o sucesso.

“Não existiu movimento. Sónós que fizemos essa história:Belchior,Ednardo e eu. Muito an-tes da Massafeira”, disse, toman-do como exemplo outros nomesque foram lançados ali, mas nãodecolaram, como Stélio Valle,Mona Gadelha, Lúcio Ricardo,Ângela Linhares, Vicente Lopes evários outros. Rodger e Teti gra-varam um belo disco com Ednar-

do (que tinha Ter-ral) e ficaram co-nhecidos como oPessoal do Cearápor isso.

Alguns dessesartistas, segundoEdnardo, moramem Fortaleza, on-

de “continuam realizando seustrabalhos artísticos”, outros “fo-ram pelo mundo”, alguns “já seforam para outros planos, masseus trabalhos artísticos são pe-renes e merecem permanecer”,diz Ednardo. O próprio Fagnerfez sucesso com canções de vá-

rios integrantes do movimento.Segundo Ednardo, a importân-

cia dos artistas e pensadores quefizeram a Massafeira não se me-de por “sucessos discográficosem gravadoras”. Um dos moti-vos principais da Massafeira foijustamente não “rezar pela carti-lha” de gravadoras e meios de co-municações. “Abrimos de formalibertária e sem apoio logísticona época, uma possibilidade mui-to grande, para diversas tendên-cias e formas de expressões. Édesta forma que Massafeira foi eaté hoje é, um manancial abraça-do por novas gerações.”

Longe de ser pretensioso, paraele “é uma realidade seminal”.“Esse movimento apresentoufrutos em várias regiões do Bra-sil, foi através da Massafeira quevários outros movimentos se as-semelharam e se espelharam, co-mo no Cio da Terra, em Caxiasdo Sul / RS (1982), no Festival deArtes do Forte em Natal / RN(1980), e outros que se destaca-ram nacionalmente e no exteriornas áreas de cinema, artes plásti-

cas, músicas, letras, poesias,etc”, lembra Ednardo.

Como exemplo desse resulta-do ele cita Patativa do Assaré, Ro-semberg Cariry, Siegbert Frank-lin, Sérgio Pinheiro, entre outrosde “uma lista grande que já estáexplícita no livro”. “A ressonân-cia nacional acompanhou de for-ma comedida, mesmo com ini-ciais matérias nos principais jor-nais e revistas e TVs brasileiras,mas para a gravadora naquela

época, era como se os discos e omovimento não existissem. Masa força da Massafeira está aqui,mais de 30 anos depois.”

Boicote. Montado no massivosucesso de Noturno (tema da no-vela Coração Alado), na época,Fagner produziu outro disco, So-ro, que unia música e poesia, eteve pelo menos um grande êxi-to executado nas rádios, Aguapé,que ele gravou com Belchior. Apredileção por Soro acabou ofus-cando o lançamento do LP duploda Massafeira, que se tornou sím-bolo de resistência.

“Foi utilização de um cargoem uma gravadora em proveitopróprio”, aponta Ednardo. “O re-presamento proposital do lança-mento dos discos Massafeira foicriticado veementemente pormuitos que participaram do mo-vimento, ao saberem dos falsosmotivos alegados da direção ar-tística na época da CBS que dariaprejuízo à gravadora.”

O álbum duplo só foi lançado,segundo Ednardo, quando dispo-nibilizou grande parte da verbade divulgação de seu disco Imã(1980) para que o outro fosseprensado. Mesmo assim saiu co-mo “queima de estoque logo nolançamento”. A bela capa comdesenho de Brandão, saiu comum adesivo de oferta: “2 LP’s pe-lo preço de 1, Cr$ 600,00”.

Ednardo conta que tem feitomúsicas e shows por várias cida-des brasileiras, produz, por meiode seu selo e editora, CDs comtrilhas musicais para cinema,shows. Ele também tem um vas-to material de vídeo “que deverágerar DVDs no tempo certo, comregistros que envolvem mais de30 anos de atividades artísticas.”

30ANOS

C2+m/Entrevista

MASSAFEIRA 30 ANOSAura Edições Musicais, 312 págs.,acompanha CD duplo. R$ 100Show de lançamento hoje às 21 h,no Sesc Belenzinho. R$ 32.

Ednardo volta aSão Paulo depoisde nove anospara lançar livroe CD duplo quemarcam as trêsdécadas daMassafeira EM MOVIMENTO

NO ROTEIRO,

CLÁSSICOS COMO

A MANGA ROSA E

PAVÃO MYSTERIOZO

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Toda sexta no Estadão.

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