ECA: Vinte anos de luta para proteger crianças e adolescentes

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13 .07.2010 ECA: Vinte anos de luta para proteger crianças e adolescentes O Brasil foi o primeiro país da América Latina – e um dos primeiros do mundo – a ter uma lei de acordo com a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral da ONU. O artigo 227 da Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990, foram produzidos a partir de um processo de mobilização social e política, onde envolveu representantes do mundo jurídico, das políticas públicas e do movimento social, que defendiam ações do Estado que protegesse a infância e a adolescência, criando oportunidades e reduzindo desigualdades. Ao completar 20 anos de existência é possível afirmar que o Estatuto produziu importantes resultados, ampliando serviços de atendimento, descentralizando políticas públicas de caráter continuado e universal. É uma referência em legislação para garantir os direitos. Uma importante conquista produzida pelo ECA é a implantação do Conselho Tutelar nos municípios brasileiros, órgão autônomo, não-jurisdicional vinculado ao Poder Executivo Municipal. É a sociedade civil sendo convocada a participar, mobilizando setores importantes, como o empresarial, que passou a contribuir para os Fundos vinculados aos referidos Conselhos em todos os níveis (municipais, estaduais e federais), usufruindo de incentivo fiscal. Nunca uma lei organizou tantas pessoas, em tantos lugares diferentes, em defesa de uma mesma causa. Os avanços, porém, não se resumem ao plano da mobilização. A mortalidade infantil vem sendo enfrentada com seriedade e competência, com redução de 50%. Na educação, há estados e municípios traduzindo, em termos práticos, o direito à educação com ingresso e permanência de todas as crianças na escola. Conforme o Ministério da Educação, 98% das crianças estão matriculadas no ensino fundamental. No campo da proteção, a criatividade institucional e comunitária de estados, municípios e ONGs vêm gerando um expressivo elenco de programas voltados para a ideia de educação integral, sem que isso signifique escola o dia inteiro. No entanto, há incontáveis desafios que ainda se apresentam nas políticas sociais básicas de atendimento à população infanto-juvenil, principalmente, no campo da educação, saúde e profissionalização. Há muito que fazer para garantir o direito à proteção desses menores. Segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), são explorados pelo trabalho infantil cinco milhões de crianças e adolescentes. A violência doméstica e comunitária atinge quatro em cada grupo de dez crianças, segundo estimativas. Enquanto a mortalidade infantil diminuiu, as mortes

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ECA: Vinte anos de luta para proteger crianças e adolescentes

O Brasil foi o primeiro país da América Latina – e um dos primeiros do mundo – a ter uma lei de acordo com a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral da ONU.

O artigo 227 da Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990, foram produzidos a partir de um processo de mobilização social e política, onde envolveu representantes do mundo jurídico, das políticas públicas e do movimento social, que defendiam ações do Estado que protegesse a infância e a adolescência, criando oportunidades e reduzindo desigualdades.

Ao completar 20 anos de existência é possível afirmar que o Estatuto produziu importantes resultados, ampliando serviços de atendimento, descentralizando políticas públicas de caráter continuado e universal. É uma referência em legislação para garantir os direitos.

Uma importante conquista produzida pelo ECA é a implantação do Conselho Tutelar nos municípios brasileiros, órgão autônomo, não-jurisdicional vinculado ao Poder Executivo Municipal. É a sociedade civil sendo convocada a participar, mobilizando setores importantes, como o empresarial, que passou a contribuir para os Fundos vinculados aos referidos Conselhos em todos os níveis (municipais, estaduais e federais), usufruindo de incentivo fiscal.

Nunca uma lei organizou tantas pessoas, em tantos lugares diferentes, em defesa de uma mesma causa. Os avanços, porém, não se resumem ao plano da mobilização. A mortalidade infantil vem sendo enfrentada com seriedade e competência, com redução de 50%. Na educação, há estados e municípios traduzindo, em termos práticos, o direito à educação com ingresso e permanência de todas as crianças na escola.

Conforme o Ministério da Educação, 98% das crianças estão matriculadas no ensino fundamental. No campo da proteção, a criatividade institucional e comunitária de estados, municípios e ONGs vêm gerando um expressivo elenco de programas voltados para a ideia de educação integral, sem que isso signifique escola o dia inteiro.

No entanto, há incontáveis desafios que ainda se apresentam nas políticas sociais básicas de atendimento à população infanto-juvenil, principalmente, no campo da educação, saúde e profissionalização.

Há muito que fazer para garantir o direito à proteção desses menores. Segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), são explorados pelo trabalho infantil cinco milhões de crianças e adolescentes. A violência doméstica e comunitária atinge quatro em cada grupo de dez crianças, segundo estimativas. Enquanto a mortalidade infantil diminuiu, as mortes

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violentas de crianças e jovens aumentaram nos últimos anos. Em média, 16 crianças e adolescentes são assassinados por dia no País, muitos deles vítimas do tráfego de drogas.

Outro desafio que precisa ser superado é o da plenitude do direito à convivência familiar e comunitária. São, aproximadamente, 80 mil crianças e adolescentes vivendo em abrigos no País e mesmo com a nova lei de Adoção, aprovada no ano passado, ainda é preciso que os avanços sejam ampliados.

O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) expressa um projeto de sociedade que considera a criança e o adolescente como sujeito social de direito e, consequentemente, de deveres pelo exercício desses direitos. Quanto mais à lei for colocada em prática mais perto se alcançará o cuidado e o respeito para com as nossas crianças e adolescentes, para a efetiva construção de sua cidadania.

* Gleisi Hoffmann é advogada e membro do Diretório Nacional do Partido dosTrabalhadores