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Microbiologia Legionella pneumophila

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Microbiologia

Legionella pneumophila

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• Histórico

No verão de 1976, um surto de pneumonia grave acometeu um grupo de

185 pessoas que compareceram a uma conferência em um hotel na Filadélfia. Dessas 185 pessoas identificadas com a doença, 29 morreram. Após meses de muitas investigações, foi isolado um microrganismo previamente desconhecido. Como as pessoas acometidas pela doença eram membros da Legião Americana, um grupo de veteranos de guerra das forças armadas dos EUA, a bactéria res-ponsável pelo surto veio a ser chamada Legionella pneumophila, em homenagem aos legionários.

A bactéria ainda não havia sido identificada previamente, pois se cora mal pelo método de Gram e não cresce em meios de cultura convencionais, devido às suas elevadas exigências nutricionais. Para garantir o crescimento da bactéria em cultura, ao invés do agar sangue convencionalmente utilizado, deve ser usado Agar com extrato de levedura de carvão tamponado, enriquecido com L-ciste-ína e ferro, para acelerar o crescimento.

• Fisiologia

L. pneumophila é uma bactéria aquática saprófita, isto é, que obtém nu-trientes da matéria orgânica em decomposição, obrigatoriamente aeróbia, que obtém energia do metabolismo de aminoácidos, mas não de carboidratos. A sua capacidade de adquirir ferro conta com diferentes métodos e o seu défict é as-sociado à perda da virulência da bactéria. Com relação à morfologia, L. pneumophila é um bacilo Gram negativo fino e pleomórfico, contando com grande variação de tamanho quando observado em meios artificiais. Quando observado em tecido, pode se apresentar como co-cobacilos pequenos.

É um microrganismo intracelular facultativo, que se multiplica em

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amebas livres na natureza e em macrófagos, monócitos e células epiteliais nos alvéolos do ser humano.

• Fontes de contaminação

Essa bactéria é frequentemente encontrada no ambiente, em reservató-

rios de água, tanto naturais, como lagos e correntes, quanto artificiais, como aparelhos de ar condicionado, torres de resfriamento e sistemas de água, como chuveiros e banheiras, além de sistemas de água no ambiente hospitalar.

Legionella pode sobreviver por longos períodos em ambientes úmidos, in-clusive sob relativamente altas temperaturas e desinfetantes, como cloro, o que pode ser explicado pelo parasitismo de amebas na natureza e a formação de biofilme em encanamentos de água.

A infecção do ser humano normalmente se dá pela exposição a aerossóis contaminados, como os liberados por aparelhos de ar condicionado, banheiras de hidromassagem e chuveiros.

• Epidemiologia

Dados epidemiológicos sobre a infecção por Legionella são difíceis de ob-

ter, uma vez que pode não causar doença clínica, ou então apresentar formas leves e inespecíficas. Entretanto, o número de casos documentados vem cres-cendo nas últimas duas décadas e o Centers for Disease Control (CDC) estima uma incidência de 1.000 novos casos por ano, sendo que a estimativa é de que a prevalência seja de 18.000 casos de doença do Legionário, uma das formas mais graves da infecção, nos EUA.

Estudos sorológicos demonstram que uma boa parte da população tem imunidade adquirida contra Legionella. Supõe-se que essas pessoas tenham

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contato com a bactéria, mas não apresentam sintomas e adquiriram imunidade. O período do ano em que a maior parte das infecções acontece é no fim

do verão e no outono, pois o microrganismo se prolifera mais nos reservatórios de água ao longo dos meses quentes do ano.

Mais de 90% dos casos da doença ocorrem em indivíduos maiores de 40 anos, sendo aqueles hospitalizados mais susceptíveis. Além desses, tabagistas pesados, portadores de doenças pulmonares crônicas e imunodeprimidos tam-bém são mais vulneráveis. A esses grupos se atribui uma menor imunidade ce-lular e função pulmonar prejudicada.

A transmissão pessoa a pessoa, ou por meio de reservatórios animais nunca foi identificada.

• Fisiopatologia e Fatores de virulência

O substrato fisiopatológico da doença é um processo inflamatório pro-

nunciado que decorre da infecção de macrófagos nos alvéolos pulmonares. O processo de Legionella de infectar e se multiplicar em macrófagos se

inicia com a ligação do componente C3b do sistema complemento a uma prote-ína porina da superfície bacteriana e ao receptor CR3 na superfície do fagócito mononuclear. A bactéria opsonizada entra, então, na célula por fagocitose. Ape-sar desse mecanismo especial, existem evidências que sustentam a ocorrência de fagocitose convencional da bactéria, com sua consequente entrada no cito-plasma, da mesma forma que pelo mecanismo de opsonização.

Uma vez no fagossomo (porção da parede celular que entrou no cito-plasma, envolvendo a bactéria), Legionella secreta exoproteínas, chamadas pro-teínas efetoras, como zinco-metal proteases, fosfolipases e hemolisinas, que têm a função de impedir a fusão dos fagossomas com os lisossomos, ou seja, a formação do fagolisossomo, garantindo a sobrevivência da bactéria no meio in-tracelular dos macrófagos. Essa secreção é feita por meio de um mecanismo

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secretor do tipo IV que introduz essas proteínas efetoras no citoplasma dos ma-crófagos, através da membrana dos fagossomas, onde elas exercem sua função.

O fagossoma infectado se associa com mitocôndrias e vesículas do retí-culo endoplasmático o que cria o ambiente propício para proliferação e expres-são de flagelos e outros genes de virulência da bactéria. Após os ciclos de proli-feração, ocorre a morte e lise do macrófago, com liberação no meio das legio-nelas com flagelos e outros fatores de virulência expressos, prontas para infectar novos macrófagos e perpetuar o ciclo de infecção.

Os macrófagos infectados liberam quimiocinas e citocinas que provocam pronunciada reação inflamatória que é característica das infecções por Legio-nella. A imunidade à doença é predominantemente celular, com um menor papel da imunidade humoral, e as bactérias não são mortas até que uma célula T-hel-per (Th1) sensibilizada previamente ative o macrófago infectado, via IFN-γ, que é o que elimina as bactérias.

• Formas clínicas

Acredita-se que formas assintomáticas da infecção por Legionella sejam comuns, mas, quando ocorre doença clínica, a bactéria primariamente afeta os pulmões e pode causar duas formas clínicas principais: a Febre Pontiac, uma forma mais branda, muito semelhante à influenza, e a doença dos Legionários, uma pneumonia grave. Além das formas pulmonares, existem formas extrapul-monares, sendo uma das principais, a endocardite. A Febre Pontiac é uma doença febril, autolimitada, manifestada por uma síndrome que inclui febre, calafrios, mialgia, mal-estar e cefaléia, sem que haja qualquer evidência de pneumonia. Os sintomas podem persistir por 2 a 5 dias, mas normalmente se resolvem espontaneamente, sem necessidade do uso de antibióticos. A fisiopatologia da doença é desconhecida, mas suspeita-se que decorra de uma reação de hipersensibilidade a uma toxina da bactéria, como

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uma endotoxina. A doença dos Legionários, também chamada de Legionelose, por outro lado, é caracteristicamente mais severa e, caso não seja adequadamente tratada, evolui com elevada morbidade e mortalidade, levando à morte cerca de 15% dos indivíduos previamente saudáveis e 75% dos imunocomprometidos.

O período de incubação dura de 2 a 10 dias e o quadro abre com sintomas sistêmicos, como febre e calafrios, tosse seca e cefaléia. Pode evoluir para aco-metimento multiorgânico, envolvendo o trato gastrointestinal, sistema nervoso central, fígado e rins.

A pneumonia por Legionella também conta com alguns achados em exa-mes laboratoriais que, apesar de inespecíficos, no contexto de uma pneumonia contribuem para o diagnóstico diferencial com outras causas para o quadro. São esses parâmetros a hiponatremia, o aumento de enzimas hepáticas (TGO/TGP), aumento dos níveis de uréia e creatinina e aumento da ferritina.

Legionella também pode ser suspeitada como agente de um quadro de pneumonia na presença de um sinal semiológico chamado Sinal de Faget, ou dissociação pulso-temperatura, que é definido por frequência cardíaca normal ou baixa (bradicardia) na vigência de febre, situação em que se esperaria au-mento da frequência cardíaca (taquicardia). Este sinal também pode ser encon-trado na Febre Amarela e na Febre Tifóide.

Os achados na radiografia de tórax são consolidações multifocais e bi-laterais, com predomínio das regiões média e inferior e derrame pleural. Os achados na tomografia de tórax são consolidações multilobares ou multifocais, consolidações em vidro fosco e até cavitações, em casos avançados.

Além das manifestações clínicas envolvendo o trato respiratório, as bac-térias do gênero Legionella também podem estar envolvidas em infecções extra-pulmonares, sendo uma das principais formas a endocardite. A clínica é de uma endocardite subaguda, normalmente adquirida no ambiente hospitalar, muito relacionada à infecção de válvulas protéticas, com culturas negativas. Diante da suspeita de endocardite por Legionella, deve-se alertar ao laboratório, pois a bactéria pode ser isolada com técnicas específicas. O tratamento com

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antimicrobianos pode durar muitos meses e pode ser necessária substituição cirúrgica da válvula acometida.

• Diagnóstico

O quadro de pneumonia causado por Legionella não é específico, portanto testes confirmatórios são necessários. O padrão ouro continua sendo a cultura, com sensibilidade chegando a mais de 90%. O meio ideal para crescimento dessa bactéria é o Agar com extrato de levedura de carvão tamponado (do inglês - Buffered charcoal yeast extract agar - BCYE), enriquecido com L-cis-teína e sais de ferro. O crescimento de uma amostra em BCYE agar, mas não em meios não enriquecidos com L-cisteína é presuntivo de que se trate do gênero Legionella.

Apesar da identificação do gênero Legionella não ser mais tão compli-cada, a identificação da espécie ainda permanece um desafio, sendo realizada apenas por meio de testes genéticos específicos ou identificação de perfis pro-téicos por espectrometria de massa em laboratórios de referência.

Além da cultura, outros métodos são usados. O imunoensaio detecta os antígenos lipossacarídicos excretados na urina do paciente. Esse antígenos são específicos do sorogrupo 1 de Legionella e o teste apresenta sensibilidade de cerca de 90%, porém não detectam antígenos de outros sorogrupos de Legio-nella. Isso é importante, pois o sorogrupo 1 é responsável por 80 a 90% das infecções por Legionella adquiridas na comunidade, porém por menos de 50% daquelas adquiridas no ambiente hospitalar, o que configura uma limitação prá-tica para a aplicação do imunoensaio.

Os antígenos podem persistir na urina dos pacientes tratados, sendo en-contrados em até 50% e 25% dos casos após 1 e 2 meses, respectivamente, em pacientes saudáveis, mas podem permanecer por até 1 ano em pacientes imu-nocomprometidos.

Testes por ensaios de amplificação de ácido nucléico são altamente

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específicos e apresentam sensibilidade semelhante à cultura para detecção de espécies de Legionella em secreções do trato respiratório, como lavado bron-coalveolar ou secreção traqueal. Entretanto, a presença de inibidores em secre-ções respiratórias pode causar resultados falso-negativos, de modo que todas as amostras devem ser submetidas à cultura.

Apesar de terem sido usados inicialmente, microscopia e sorologia já fo-ram os métodos de escolha para diagnóstico da infecção por Legionella no perí-odo da descoberta da bactéria, mas foram substituídos pelo imunoensaio à pro-cura dos antígenos urinários e ensaios de amplificação de ácidos nucléicos. Mi-croscopia não é mais usada, pois a bactéria se cora muito mal pelo método de Gram e é raramente observada em espécimes clínicos e a sorologia não apre-senta boa sensibilidade e não é específica.

Os testes de susceptibilidade in vitro não são comumente realizados, pois a bactéria cresce mal nos meios usados nesses testes e alguns antibióticos que parecem ativos in vitro são ineficazes para o tratamento de infecções. A ex-plicação para isso é que esses antibióticos não conseguem penetrar nos macró-fagos onde Legionella vive e se multiplica.

• Tratamento

Para tratar os casos de infecção por Legionella, portanto, recorremos à

experiência clínica, que apoia que macrolídeos, como azitromicina ou claritromi-cina, e fluoroquinolonas, como ciprofloxacino e levofloxacino são eficazes contra a bactéria in vivo.

β-lactâmicos são ineficazes, pois a maioria dos isolados produzem β-lac-tamases e esses antibióticos não penetram nos macrófagos. Vale lembrar que, no caso da febre Pontiac, um quadro semelhante à influenza, não é necessário tratamento com antimicrobianos, pois se trata de uma reação de hipersensibili-dade autolimitada.

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• Prevenção

A prevenção da legionelose depende da identificação da fonte ambiental

do organismo e redução da carga bacteriana no ambiente. Isso é especialmente difícil de rastrear em casos da fonte ser um hotel ou local de férias, pois os paci-entes podem procurar hospitais em locais muito distantes, o que torna difícil a identificação da fonte.

Uma vez identificada a fonte de contaminação, que normalmente é um reservatório ou sistema de água, os métodos mais tradicionais para reduzir a carga bacteriana do meio são a hipercloração e manutenção de temperaturas elevadas da água.

Entretanto, essas medidas não são capazes de eliminar completamente a bactéria do ambiente, mas é suficiente, na maioria dos casos, pois o microrga-nismo tem baixo potencial de causar doença em indivíduos saudáveis.

Porém, em hospitais, onde se encontram indivíduos mais debilitados e o risco de doença grave é maior, o monitoramento da água é importante e, caso a hipercloração e superaquecimento da água não sejam suficientes para eliminar doença, já que a eliminação da bactéria provavelmente não será possível, deve-se recorrer à ionização com cobre e prata de forma contínua no sistema de água como medida definitiva.