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Capítulo 10: Estigma e suas consequências para Usuários de Drogas Pollyanna Santos da Silveira Rhaisa Gontijo Soares Ana Regina Noto Telmo Mota Ronzani O conjunto de implicações associadas ao consumo abusivo de substâncias justifica diversos esforços direcionados para a busca de intervenções focadas e efetivas. No entanto, além dos diversos desafios intrínsecos a problemática do abuso de álcool e drogas, crenças equivocadas do senso comum muitas vezes reforçadas pela mídia de que todo usuário de droga é um “doente” ou possui um “desvio de caráter” que requer ora internação, ora prisão; representam uma importante barreira ao acesso aos serviços de atendimento aos usuários de substâncias. Nesse sentido, na busca de intervenções mais realistas, torna-se essencial identificar e questionar tais crenças na comunidade e entre os próprios profissionais de saúde. Apesar dos estudos documentarem as conseqüências físicas, psicológicas e sociais associadas ao uso de substâncias, sabe-se muito pouco sobre a percepção da população e do usuário, a respeito da droga e de si próprio e, principalmente, sobre os efeitos da estigmatização na vida e no tratamento dessas pessoas. Neste capítulo, portanto, veremos que a percepção negativa sobre uma condição de saúde envolve um processo de atribuição de moralidade compreendido como estigmatização. Para que possamos compreender melhor esse conceito, vamos voltar um pouco na história. Na Grécia antiga, os criminosos eram marcados com faca ou ferro para identificar sua inaptidão para a convivência na sociedade, tal marca era denominada estigma. O indivíduo que possuía um estigma era desacreditado, desmoralizado e evitado socialmente. Esta prática pode ser considerada como uma manifestação comportamental dos processos mais gerais da estigmatização o ato de marcar um indivíduo como portador de uma característica negativa tão desmoralizada que impede outras visões do indivíduo, reduzindo-o apenas ao que sua marca significa (Neuberg, Smith, & Asher, 2003). O conceito de estigma social, no entanto, tem seu principal marco teórico no clássico ensaio de Erving Goffman, Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada, publicado originalmente no ano de 1963. O autor propõe uma definição de estigma social como uma marca ou um sinal que designaria ao seu portador um

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Capítulo 10: Estigma e suas consequências para Usuários de Drogas

Pollyanna Santos da Silveira

Rhaisa Gontijo Soares

Ana Regina Noto

Telmo Mota Ronzani

O conjunto de implicações associadas ao consumo abusivo de substâncias justifica

diversos esforços direcionados para a busca de intervenções focadas e efetivas. No entanto, além

dos diversos desafios intrínsecos a problemática do abuso de álcool e drogas, crenças

equivocadas do senso comum – muitas vezes reforçadas pela mídia – de que todo usuário de

droga é um “doente” ou possui um “desvio de caráter” que requer ora internação, ora prisão;

representam uma importante barreira ao acesso aos serviços de atendimento aos usuários de

substâncias. Nesse sentido, na busca de intervenções mais realistas, torna-se essencial identificar

e questionar tais crenças na comunidade e entre os próprios profissionais de saúde.

Apesar dos estudos documentarem as conseqüências físicas, psicológicas e sociais

associadas ao uso de substâncias, sabe-se muito pouco sobre a percepção da população e do

usuário, a respeito da droga e de si próprio e, principalmente, sobre os efeitos da estigmatização

na vida e no tratamento dessas pessoas. Neste capítulo, portanto, veremos que a percepção

negativa sobre uma condição de saúde envolve um processo de atribuição de moralidade

compreendido como estigmatização. Para que possamos compreender melhor esse conceito,

vamos voltar um pouco na história.

Na Grécia antiga, os criminosos eram marcados com faca ou ferro para identificar sua

inaptidão para a convivência na sociedade, tal marca era denominada estigma. O indivíduo que

possuía um estigma era desacreditado, desmoralizado e evitado socialmente. Esta prática pode ser

considerada como uma manifestação comportamental dos processos mais gerais da

estigmatização – o ato de marcar um indivíduo como portador de uma característica negativa tão

desmoralizada que impede outras visões do indivíduo, reduzindo-o apenas ao que sua marca

significa (Neuberg, Smith, & Asher, 2003). O conceito de estigma social, no entanto, tem seu

principal marco teórico no clássico ensaio de Erving Goffman, “Estigma: notas sobre a

manipulação da identidade deteriorada”, publicado originalmente no ano de 1963. O autor propõe

uma definição de estigma social como uma marca ou um sinal que designaria ao seu portador um

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status “deteriorado” e, portanto, menos valorizado que as pessoas “normais”, chegando a tornar-

se incapacitado para a aceitação social plena. O processo de estigmatização seria uma forma de

categorização social através da qual se identifica de forma seletiva um atributo negativo

considerado como “desviante da norma” e que, por si só, compromete a identidade social do

portador por completo em uma situação de interação social (Goffman, 1978).

Apesar da raiz sociológica do conceito de estigma social, definições recentes têm

compreendido a estigmatização como um processo moldado por forças históricas e sociais a

partir do reconhecimento da diferença com base em alguma característica ou “marca” que

diferencie os grupos e indivíduos e assim desvalorize o seu portador. Nessa perspectiva,

enfatizam-se os efeitos imediatos do contexto social e situacional seja para o estigmatizador,

estigmatizado ou na interação entre ambos (Dovidio, Major, & Crocker, 2003).

Ao adotar que o processo de estigmatização envolve uma desvalorização global de certos

indivíduos, com base em algumas características que os associa a um grupo desfavorecido e

possui uma conotação que implica em julgamentos morais em relação às pessoas deste grupo,

torna-se necessário definir os aspectos relativos aos processos de aprendizagem, percepção e

processamento das informações sociais e sua relação nos âmbitos cognitivos, afetivos e

comportamentais (Hinshaw, 2007).

De acordo com esta perspectiva adotada, para melhor compreender o processo de

estigmatização torna-se importante compreender os processos como rotulação, atribuição de

causalidade, estereótipos, preconceito, distância social e discriminação (Link e Phelan, 2001;

Corrigan, 2004; Michener, Delamater, & Myers, 2005; Palm, 2006).

Rotulação e Estereótipos

Cotidianamente, atribuímos determinados rótulos a indivíduos ou grupos a fim identificar

ou definir essa pessoa ou grupo (Link & Phelan, 1999). Assim, ao aplicar um rótulo nos

tornamos capazes de antecipar alguns comportamentos, o que pode facilitar nossos

relacionamentos ou distorcer nossas percepções (Rodrigues, Assmar, & Jablonski, 2005).

Os estereótipos, por sua vez, podem ser definidos como crenças a respeito de características

e comportamentos de um determinado grupo, bem como de teorias que explicam a relação entre

essas características e os indivíduos (Hilton & Hippel, 1996).

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Os estereótipos possibilitam categorizar rapidamente os indivíduos com base em

informações simples e acessíveis que permitem minimamente classificá-lo como pertencente a

um grupo. Tal simplificação reduz a complexidade das interações sociais auxiliando nos

processos de formação de impressão e previsão de comportamento (Michener et al., 2005;

Rodrigues et al., 2005). Contudo, na maior parte das vezes, tais informações acabam por serem

super generalizadas, caracterizando todos os indivíduos de um grupo em função de um único

atributo tido como típico do grupo, a despeito das diferenças individuais.

Atribuição de Causalidade e Atribuições Morais

As atribuições morais estão relacionadas à atribuição de causalidade sobre alguns

comportamentos ou condições de saúde observados em sociedade como, por exemplo, a

obesidade, DSTs e dependência de drogas. O processo de atribuição de causalidade está

relacionado com a possibilidade de atribuirmos causa para um comportamento individual,

unicamente com base nas informações que obtemos mediante a observação do comportamento

em questão. As atribuições costumam ser explicadas de acordo com dois modelos principais: o

primeiro modelo explicativo estaria ligado às atribuições de causalidade relacionadas à situação

que pode ser entendido como fatores externos ao controle individual que se manifestam no

ambiente e ocasionam um comportamento; o segundo modelo explicativo surge através da

atribuição de causa de um comportamento a características individuais como fatores de

personalidade e caráter que são compreendidos como capazes de direcionar e controlar um

comportamento (Michener et al., 2005).

Em diversas condições de saúde, tal como a dependência e transtornos mentais, há uma

maior probabilidade de que seus comportamentos atípicos ou desviantes das normas sociais

tenham sua causa atribuída a fatores próprios do individuo, como prejuízos mentais, falta de força

de vontade ou mesmo fraqueza de caráter e problemas morais. Tais inferências de causa e a

capacidade de controlá-las podem conduzir a concepções que atribuem uma maior

responsabilidade individual pelo problema, além de poderem exercer interferências diretas na

possibilidade de receberem ajuda ou serem punidos, mediante reações emocionais de sensação de

pena ou perigo (Corrigan et al., 2003).

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Já a atribuição moral envolve o envolvimento de uma responsabilização do indivíduo,

conseqüente de uma fraqueza de caráter (Palm, 2006). Notadamente, esse tipo de atribuição,

denominada como moral merece destaque entre condições de saúde estigmatizadas como a AIDS,

e entre transtornos relacionados ao consumo de álcool e outras drogas, os quais possuem o status

de condições mais moralizadas em todo o mundo (Corrigan et al., 2005; Fortney et al., 2004;

Palm, 2006; Room, 2006)

Atitudes, Preconceito e Discriminação

Segundo Rodrigues e colaboradores (2005, p.162) “(...) uma pessoa preconceituosa pode

desgostar de pessoas de certos grupos e comporta-se de maneira ofensiva para com eles baseado

em uma crença segundo a qual possuem características negativas”. Assim, o preconceito

poderia ser definido como uma atitude hostil ou negativa com relação a um determinado grupo

(Michener et al., 2005; Rodrigues et al., 2005).

Por outro lado, comportamentos discriminatórios podem ser definidos como uma ação

comportamental dirigida a um grupo ou categoria social avaliados de forma negativa. Tais ações

também se caracterizam por limitar os direitos e serem direcionadas para causar danos ao objeto

em questão. Na maior parte das vezes, ações discriminatórias são baseadas em atitudes

preconceituosas em direção a um grupo minoritário. Mais uma vez, uma das categorias sociais

apontadas como alvos diretos de discriminação é aquela que agrega as pessoas que possuem

algum tipo de sofrimento mental, entre elas, a dependência de substâncias. As pessoas

estigmatizadas passam a ter oportunidades sociais reduzidas, auto-estima diminuída, além de se

tornarem um grupo de maior risco para sofrer agressões, comparadas a pessoas sem diagnóstico

de transtornos mentais (Corrigan et al., 2003; Hinshaw, 2007).

Muitas características são diferenciadas, mas poucas são estigmatizadas devido à

necessidade do estigmatizador estar em uma posição de poder social, de tal forma que as suas

opiniões sobre o que é certo ou errado, saudável ou doente, sejam influentes e articuladas. Isso

porque a estigmatização depende do acesso aos poderes social, econômico e político que permite

a diferenciação, a construção de estereótipos, a separação dos rotulados em categorias, a

desaprovação, a rejeição, a exclusão e a discriminação

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Estudos sobre percepção da população sobre determinadas condições de saúde tem

mostrado que indivíduos dependentes de álcool são visto como mais responsáveis por seu

problema, mais violentos e imprevisíveis que outros indivíduos afetados por outros transtornos

mentais (Argermeyer & Matschinger, 1997; Link, Phelan, Bresnahan, Stueve, & Pescosolido,

1999). Por isso, a partir da compreensão da estigmatização e seus componentes, é importante

entender as implicações diretas na vida dos indivíduos, seja restringindo suas chances de inserção

social ou criando barreiras na qualidade do cuidado em saúde.

Peluso & Blay (2008) realizaram um estudo, na cidade de São Paulo, com 457 indivíduos

com idade entre 18 e 65 anos, para avaliar a percepção da população em relação ao dependente

de álcool. Utilizou-se um questionário que descrevia um indivíduo com sintomas de dependência

alcoólica, a partir do CID-10 e DSM-IV. Os resultados mostraram que, entre os entrevistados,

81% acreditam que a pessoa dependente de álcool pode cometer um ato de violência contra

alguém. Se o indivíduo estiver recebendo tratamento, essa porcentagem diminui

consideravelmente para 16,4%. Muitas pessoas acreditam que as pessoas que se relacionam com

o indivíduo descrito irão se afastar (60,4%) se eles tomarem conhecimento sobre o problema com

álcool. Além disso, respostas que colocam a responsabilidade da doença sobre o indivíduo, como

fraqueza de caráter e falta de auto-estima, foram consideradas mais relevantes para explicar o

problema do que as causas biológicas. Esse estudo concluiu que dependentes de álcool são

percebidos como violentos e capazes de despertar reações negativas entre os membros da

comunidade, como evitação e distanciamento.

Essa percepção negativa da população terá uma relação direta no âmbito da saúde: muitas

pessoas que provavelmente se beneficiariam de vários tratamentos disponíveis na rede pública ou

privada de saúde escolhem não começá-los ou optam por terminá-los prematuramente. Isso

ocorre porque não só a população estigmatiza essa população, mas também os profissionais dos

diversos setores, não só de saúde, que possuem contato com indivíduos que fazem abuso de

substâncias ou já se tornaram dependentes de substância.

Em casos nos quais o profissional responsável pelo diagnóstico ou tratamento apresenta o

pensamento de que a dependência de álcool e outras drogas é um “vício” ou “fraqueza de

caráter”, sua forma de abordar os usuários será influenciada, direcionando o tratamento para a

pessoa “problemática”, buscando controlar os seus “maus hábitos” e “comportamentos

desviantes” (Palm, 2006; Room, 2005). Tais abordagens acabam por criar barreiras na qualidade

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do cuidado, dificultando o acesso e prejudicando o tratamento (Corrigan, 2004; Ronzani, Furtado,

& Higgins-Biddle, 2009; Luoma, Kohlenberg, Hayes, Bunting, & Rye, 2008).

Portanto, as atribuições morais sobre determinados comportamentos e a generalização do

estereótipo constituem intensificadores do processo de estigmatização, na medida em que o

julgamento moral envolve a concepção de algo como “problema” indesejável de se lidar, sendo

considerado negativo. Nesse processo, tanto o problema em si, quanto o portador deste problema

é generalizado como um problema indesejável (Palm, 2006), influenciando diretamente o

planejamento, acesso e responsabilidade sobre o tratamento por parte do profissional de saúde

(Berger, Wagner, & Baker, 2005).

Dentro dessa visão moralizante, estudos realizados no Brasil, no estado de Minas Gerais,

confirmaram a hipótese de que o uso de álcool e de outras drogas é um comportamento visto

negativamente por profissionais de saúde (Gomide et al., 2010; Ronzani et al., 2009; Silveira,

Martins, & Ronzani, 2009; Silveira, 2010; Soares et al., 2011) e até mesmo por estudantes da

área (Martins, Silveira, Soares, Gomide, & Ronzani, 2010).

Martins e colaboradores (2010) investigaram os estereótipos e a atribuição moral de

estudantes dos cursos de graduação da área de saúde que estavam próximos de realizar seus

estágios profissionais curriculares. A amostra foi composta por estudantes dos cursos de

Enfermagem, Medicina, Serviço Social e Psicologia, sendo a maioria dos participantes, do sexo

feminino (81,9%). Quando questionados sobre a motivação para realizar atividades de prevenção

do uso abusivo de álcool, a maior parte estava motivada de alguma forma (55,1%), e apenas uma

minoria relatou estar desmotivado ou totalmente desmotivado (6,5%). O grupo de alcoolistas e

dependentes de maconha e cocaína foi considerado pelos estudantes como os pacientes mais

difíceis para se lidar quando comparados aos hipertensos. Por fim, os resultados apontaram que a

dependência de substâncias (álcool, maconha/cocaína e tabagismo) foi uma das condições mais

moralizadas pelos estudantes.

Resultados semelhantes foram encontrados em outros dois estudos de mesmo objetivo,

porém, com amostras diferentes. O primeiro avaliou os estereótipos e a atribuição moral de

agentes comunitários de saúde (ACS) sobre a dependência de álcool (Silveira et al., 2009).

Participaram dessa pesquisa 197 ACS dos municípios da Zona da Mata Mineira, distribuídos

entre as cidades de Juiz de Fora, Ubá, Santos Dummont, Guarani e Ewbank da Câmara. A

principal hipótese do estudo de que, apesar do contexto privilegiado da APS, a dependência de

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álcool também seria uma das condições de saúde mais moralizadas pelos ACS foi confirmada.

Observou-se que as condições de saúde com maior frequência de modelo moralizante,

respectivamente, foram: tabagismo (85%), dependência de maconha/cocaína (84,2%),

dependência de álcool (80,1%), obesidade (73,3%), HIV/Aids (71,4%), diabetes (32,2%),

depressão (19,1%), hanseníase (11,0%) e esquizofrenia (8,6%) (Silveira et al., 2009).

Outro estudo realizado com 183 profissionais de saúde de hospitais gerais e saúde mental

da cidade de Juiz de Fora, MG (Silveira, 2010). Em relação à profissão dos participantes, a

maioria era composta por auxiliares e técnicos de enfermagem (37,9%) e médicos (26,4%),

seguida por profissionais de nível superior (18,1%), enfermeiros (11,5%) e outros técnicos e

auxiliares (6,0%), sendo 67,8% dos participantes do sexo feminino. De acordo com os resultados,

as condições de saúde com maior freqüência de modelo moral para a amostra total,

respectivamente, foram: tabagismo (86,9%), dependência de maconha/cocaína (81,2%), AIDS

(79,8%), alcoolismo (75,2%) e Obesidade (69,3%) (Silveira, 2010).

Assim, em relação aos profissionais de saúde, não só as respostas pouco acolhedoras no

que diz respeito aos usuários, mas também culpabilização do indivíduo sobre o diagnóstico e

tratamento da dependência ao álcool e outras drogas, podem evidenciar o estigma social que

carrega os portadores dessa condição.

Os resultados pioneiros desses estudos podem ser úteis para o planejamento e realização

de futuras pesquisas com a mesma temática, fornecendo, ainda que preliminarmente, dados

empíricos que sugerem mudanças nos cursos de formação de profissionais de saúde, tanto de

nível técnico quanto de nível de escolaridade superior, e na criação de programas de capacitação

aos profissionais em exercício (Gomide et al., 2010).

Quais as consequências do processo de estigmatização?

No âmbito das relações interpessoais, as concepções culturais acerca de uma condição de

saúde estigmatizada, como é o caso do abuso de substâncias, podem incluir uma coleção de

atributos negativos diferentes, os quais envolvem a percepção de perigo e imprevisibilidade,

fraqueza e incompetência e, por isso, uma generalizada indesejabilidade. As concepções

culturais, portanto, podem desempenhar um papel importante para determinar como pessoas com

estas condições são tratadas (Link & Phelan, 1999).

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Como muitos dos sintomas atribuídos a dependentes de drogas resultam na aplicação de

um rótulo desviante, a dificuldade de se separar a condição de saúde de uma pessoa do rótulo que

esta carrega pode influenciar na disposição individual de alguém de engajar-se em atividades com

tais pessoas (Link et al., 1999). Neste sentido, a atribuição de características indesejáveis a

alguém pode conduzir à evitação e rejeição da pessoa rotulada, ocasionando o distanciamento

social (Corrigan et al., 2003; Link, Yang, Phelan, & Collins, 2004).

De acordo com Blascovich, Mendes, Hunter e Lickel (2003), o desejo de distanciamento

muitas vezes acontece a partir da inferência de uma ameaça, ocasionada por percepções

distorcidas e compartilhadas das diferenças entre grupos, tais como: características físicas da

pessoa rotulada, violações de regras sociais, falta de controle ou imprevisibilidade da doença e

responsabilidade atribuída à pessoa pelo surgimento ou solução de sua condição de saúde. Tais

distorções podem envolver atribuição de periculosidade e ameaça à saúde física do observador,

despertando reações emocionais negativas como o medo, relativo mesmo a quem não é, de fato,

perigoso.

Em um estudo realizado nos Estados Unidos sobre as concepções públicas acerca dos

portadores de transtorno mental, incluindo dependentes de substâncias (Link et al., 1999), os

respondentes relataram mais desejo de distância social para a pessoa descrita como dependente de

cocaína, seguido por dependência de álcool e esquizofrenia. Segundo os autores, à medida que os

sintomas do transtorno mental são associados à violência, pessoas portadoras desse transtorno são

afetadas negativamente pela rejeição, podendo relutar em procurar ajuda profissional por medo

da estigmatização e exclusão social.

De forma semelhante, no Brasil, foi realizado um estudo com o objetivo de avaliar as

diferenças entre o desejo de distanciamento social dos profissionais de saúde provenientes de

serviços de saúde mental e de hospitais gerais do município de Juiz de Fora em relação aos

dependentes de álcool, maconha e cocaína (Soares et al., 2011). Os resultados demonstraram que

o distanciamento social também foi maior para o dependente de cocaína, não havendo diferença

significativa entre os escores para dependentes de álcool e maconha. Concorda-se, mais uma vez,

que a maneira como alguns profissionais de saúde percebem seus pacientes e conduzem o

cuidado de saúde dos mesmos é essencial para a qualidade e adesão ao tratamento e realização de

atividades de prevenção, sendo as atitudes estigmatizantes, uma barreira para o tratamento

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(Gomide et al., 2010; Martins et al., 2010; Palm, 2006; Room, 2005; Silveira et al., 2009; Soares

et al., 2011; Uçok, 2008).

As consequências do processo de estigmatização para os indivíduos estigmatizados

No que se refere às conseqüências do estigma para os indivíduos estigmatizados, o

principal impacto é a internalização do estigma, fenômeno denominado auto-estigma ou estigma

internalizado. Existem algumas definições de estigma internalizado, as quais, não são

divergentes, mas sim complementares.

A definição de Corrigan (1998) é mais sintética e propõe que o estigma internalizado

define-se pela desvalorização, a vergonha e exclusão desencadeada pela atribuição de

estereótipos negativos a si próprios (Corrigan, 1998). Já a definição de Corrigan e Watson

(2002), considera aspectos da relação de poder envolvidos no processo e propõe que o estigma

internalizado ocorre quando membros de um subgrupo imerso em atitudes preconceituosas de

uma cultura dominante acabam por concordar com esses preconceitos e aplicam atitudes

negativas a si próprios, o que provoca a diminuição da auto-estima e auto-eficácia (Corrigan &

Watson, 2002). De uma perspectiva sócio-cognitiva, a internalização do estigma ocorre à medida

que o indivíduo torna-se consciente dos estereótipos negativos que as outras pessoas realçam,

concorda pessoalmente com esses estereótipos e, aplica esses estereótipos a si mesmo (Corrigan,

Watson, & Barr, 2006).

O construto pode ser observado em um estudo realizado com usuários de drogas o qual

encontrou que a percepção de desvalorização entre os usuários é prevalente, sendo que 85% dos

respondentes relataram que muitas pessoas pensam que alguém que usa drogas não é confiável, e

uma porcentagem similar (84,5%) relatou que as pessoas pensam que usuários de drogas são

perigosos. Observou-se ainda que os usuários evitam o contato com outras pessoas porque eles

podem parecer inferiores aos olhos dos outros por usar drogas. Os participantes relataram uma

alta freqüência de discriminação devido ao uso de drogas, sendo que os tipos mais comuns de

discriminação experienciada foram atribuíveis a família (75,2%) e amigos (65,8%) (Ahern,

Stuber, & Galea, 2007).

Dessa forma, o efeito destas crenças disfuncionais e o aumento do sentimento de

inferioridade geram emoções negativas, ansiedade, depressão, angústia, vergonha ou culpa (Van

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Brakel, 2006). Também levam à limitação das interações sociais, haja vista os comportamentos

de exclusão e evitação de situações sociais (Link et al., 1999), a relacionamentos interpessoais

mais pobres, e até mesmo ao desemprego (Link, 1987)

A relação entre estigma internalizado e suas implicações não é linear, e sim, segue uma

circularidade que bloqueia a recuperação e afeta diversas esferas da vida do indivíduo. Assim

como o estigma social, o estigma internalizado, com todos os seus componentes cognitivos,

comportamentais e afetivos, pode ser tão prejudicial quanto os déficits causados pela doença

(Corrigan, 1998). Para facilitar a compreensão, implicações do estigma internalizado serão

divididas em duas categorias: implicações psicossociais e implicações para o tratamento.

Implicações psicossociais do estigma internalizado

As conseqüências negativas do estigma internalizado podem afetar pelo menos dois

mecanismos psicossociológicos. Primeiro, os indivíduos que se tornam pacientes psiquiátricos,

por exemplo, podem desvalorizar-se porque agora eles pertencem a uma categoria que eles

acreditam que as pessoas vêem de forma negativa. Segundo, eles podem estar preocupados em

como será a resposta dos outros à sua condição e assim engajar em defesas que levam a

interações tensas, isolação e outras conseqüências negativas. Ambos os processos, entretanto,

exigem que o indivíduo seja diagnosticado por um profissional de saúde, e assim, rotulado

oficialmente (Silveira, 2010).

Pesquisas sugerem que o estigma internalizado resulta em uma perda da auto-estima e

auto-eficácia e em perspectivas limitadas de recuperação (Corrigan, 1998; Link, Mirotznik, &

Cullen, 1991; Link, Struening, Neese-Todd, Asmussen, & Phelan, 2001). Estes estudos também

indicam que os indivíduos restringem oportunidades e suas redes sociais, antecipando a rejeição e

evocando sentimentos de vergonha, culpa e percepção de descrédito. Isso leva ao isolamento, ao

desemprego e ao baixo rendimento e pode ainda gerar angústia, raiva ou auto-reprovação

(Corrigan, 1998).

Um estudo realizado com homens com duplo diagnóstico de transtorno mental e abuso de

substâncias que completaram um ano de tratamento mostrou que a maioria deles acreditava que

muitas pessoas rejeitariam aqueles que abusam de substâncias e que tenham sido hospitalizados

devido a problemas relacionados com transtornos mentais. Logo, os dados deste estudo refletem

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que muitos dos participantes acreditam que poderiam ser rejeitados e que tentariam evitar a

rejeição. No que se refere ao declínio do estigma no decorrer de um ano de tratamento, o estudo

sinaliza que não houve declínio da percepção de estigma, sendo assim tanto a percepção de

desvalorização como a expectativa de discriminação continuam a afetar as pessoas embora elas já

tenham melhorado, em função do tratamento. Neste sentido, os autores assinalaram que o estigma

pode ter efeitos duradouros e não transitórios, e, em função de sua magnitude deve ser

considerado um aspecto relevante para a saúde das pessoas (Link, Struening, Rahav, Phelan, &

Nuttbrock, 1997).

Implicações do estigma internalizado no tratamento de indivíduos

As perspectivas dos pacientes são importantes fatores para explicar porque optar por

receber ou recusar tratamento, e, portanto, é de benefício clínico saber mais sobre a percepção em

pacientes potencialmente estigmatizados.

Estudos apontam que o estigma internalizado está relacionado aos menores índices de

adesão ao tratamento. Segundo os autores, uma possível razão para isto acontecer é que eles

querem manter em segredo a condição de saúde, evitando, assim, a discriminação. Os dados

apresentados nesses estudos mostram que indivíduos com baixa auto-estima frequentemente

endossam sentimentos de desesperança e não acreditam nos benefícios do tratamento ou

acreditam que este já não possui efeitos para eles, o que resulta em baixa adesão ao tratamento

(Fung, Tsang, Corrigan, Lam, & Cheng, 2007; Lysaker, Salyers, Tsai, Spurrier, & Davis, 2008).

Por fim, de acordo com estudos recentes, a internalização do estigma pode acarretar, além

de baixa adesão ao tratamento, em menor disposição para buscar ajuda ou tratamento, menor

prontidão para adoção de comportamentos saudáveis, até o agravamento de sintomas e baixa

qualidade de vida. Neste sentido, muitas vezes, em situações de saúde, a condição de

estigmatizado pode se tornar muito mais danosa do que propriamente o transtorno em si (Ronzani

et al., 2009), conduzindo a diversas conseqüências, inclusive o agravamento da situação (Berger

et al., 2005).

A importância de compreender o processo de estigmatização para a prática

profissional

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A Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras

Drogas descreve que o estigma e a exclusão são ao mesmo tempo agravantes e consequências do

uso indevido de álcool e drogas, colaborando morbidamente para a situação de comprometimento

global que acomete tais pessoas. Ainda neste documento, ressaltam-se os cinco principais fatores

que reforçam a exclusão social dos usuários de drogas. O primeiro fator refere-se à associação do

uso de álcool e drogas à delinqüência, sem critérios mínimos de avaliação. Em seguida, ressalta-

se o estigma atribuído aos usuários o qual promove a sua segregação social. Outro fator que

reforça a exclusão social é o tráfico como uma alternativa de trabalho e geração de renda para as

populações mais empobrecidas utilizando mão de obra de jovens e crianças. Além disso, a

ilicitude do uso impede a participação social de forma organizada desses usuários e, por fim, o

tratamento legal e de forma igualitária a todos os integrantes da “cadeia organizacional do mundo

das drogas” é desigual em termos de penalização e alternativas de intervenção (BRASIL, 2004).

De acordo com a Política (BRASIL, 2004),

“as respostas da população em geral, dos profissionais, da

mídia, dos formuladores de políticas e dos políticos devem refletir

os melhores conhecimentos disponíveis. Campanhas de educação e

sensibilização, caso bem organizadas, reduzem a discriminação e a

estigmatização, e fomentam o uso dos serviços disponíveis. Desta

forma, as atividades preventivas também devem ser orientadas ao

fornecimento de informações e discussão dos problemas

provocados pelo consumo do álcool, sempre tendo em mente a

estratégia de redução de danos, tendo ainda como fundamento uma

visão compreensiva do consumo do álcool como fenômeno social, e

ao mesmo tempo individual”.

Diante disso, compreender o processo de estigmatização e moralização em relação aos

usuários de álcool e outras drogas torna-se relevante porque pode fornecer informações

importantes para o estabelecimento de estratégias adequadas de mudança de atitudes desses

profissionais e uma melhora da qualidade do atendimento a esses usuários e consequente redução

da estigmatização dessa população.

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Muitos usuários de álcool e outras drogas passam por diversos tipos de serviços de saúde,

assistência social, educação entre outros. Nestes contextos, uma abordagem e percepção

adequadas, sobre o uso ou usuário de substâncias psicoativas, podem ser fundamentais para a

eficácia de estratégias preventivas ou mesmo a adesão ao tratamento, uma vez que a

estigmatização influencia a busca por ajuda, a adesão ao tratamento e a maneira como indivíduos

com este transtorno serão integrados na comunidade. Do contrário, ainda que se ofereça uma

intervenção adequada, muitas pessoas que poderiam se beneficiar destes serviços prefere não

buscá-los ou quando o fazem, abandonam prematuramente, na tentativa de evitar a

estigmatização.

Em função da extensão dos malefícios do processo de estigmatização, as estratégias de

redução dos efeitos negativos do estigma têm sido bastante abrangentes. Rüsch, Angermeyer e

Corrigan (2005) assinalam que as iniciativas para reduzir o estigma são constituídas de três

estratégias básicas: contato, protesto, e educação.

O contato representa uma estratégia que tem em sua essência algumas contradições. Por

um lado, existem evidências de que o contato com condições estigmatizantes aumenta a rejeição

(Corrigan et al., 2005); por outro lado, alguns estudos mas robustos têm apresentado uma

associação desta estratégia com menor desejo de distância social em relação às pessoas com

transtorno mental (Angermeyer & Matschinger, 1997), a respostas emocionais mais positivas

(Corrigan et al., 2003) e a menor discriminação (Angermeyer & Matschinger, 2004),

constituindo-se, por conseguinte, em uma ferramenta eficaz de redução de estigma.

Algumas formas de protesto têm se configurado como iniciativas de sucesso no que diz

respeito a pressionar o poder público por melhor proteção legal para pessoas com transtorno

mental. Os autores destacam o programa “NAMI” que têm protestado contra as representações de

estigma na mídia em todo território dos Estados Unidos. Na Alemanha, uma aliança de pessoas

portadoras de sofrimento mental implementou o programa intitulado “BASTA” que é ativo em

várias áreas, incluindo campanhas de protestos usando emails de alerta, programas de educação

extensiva em escolas e academias de polícia, educação da mídia, e exibições de artes feitas por

pessoas com transtorno mental e outras atividades culturais. Outras iniciativas de sucesso são a

da Nova Zelândia, onde existe "Like Minds", com envolvimentos de iniciativas locais, regionais e

nacionais, com a participação ativa de pessoas com transtorno mental em todos os níveis, e o

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“SANE”, uma campanha nacional, na Austrália, ativa há 20 anos e particularmente bem sucedida

em educar jornalistas e combater mensagens midiáticas estigmatizantes.

Rüsch et al. (2005) afirmam que estratégias de protesto são eficientes para reduzir as

imagens públicas negativas acerca da doença mental, porém o impacto dessa estratégia na

redução do preconceito ainda não é muito evidente. No Brasil, não é comum iniciativas dessa

natureza, mas é possível encontrar algumas associações de portadores e familiares de alguma

condição de saúde ou social estigmatizante que buscam representar essas pessoas na luta por seus

direitos.

Ainda na tentativa de diminuir o estigma, é preciso considerar que a falta de informação

da comunidade ou a informação errada pode resultar em medo, hostilidade e raiva. Corrigan et al.

(2003) salientam que o conteúdo das estratégias anti-estigma que visam à educação a fim de obter

mudanças de atitudes de comportamento do público, devem ter o foco nas causas das condições

de saúde, mostrando, especialmente, que as pessoas estigmatizadas podem não ser responsáveis

pelo surgimento destas.

Numa perspectiva individual, uma forma de reduzir as conseqüências do processo de

estigmatização seria fornecer aos indivíduos estigmatizados maneiras eficientes de enfrentar o

estigma. Uma variedade de estratégias cognitivas pode permitir que as pessoas melhorem visões

estigmatizantes sobre eles mesmos e expectativas negativas sobre seu futuro. Outra estratégia é

promover o empoderamento dos estigmatizados, o que possui efeitos positivos na auto-estima e

auto-eficácia dos estigmatizados. Neste sentido, a proposta é ensinar pessoas que estão

atormentadas, por um estigma psiquiátrico, maneiras de enfrentar o estigma, usando uma

combinação de estratégias cognitivas e comportamentais (Corrigan, 1998). Por fim, Alvidrez,

Snowden e Kaiser (2008) apontaram que a mudança de atitudes e o pertencimento ao grupo,

junto de estratégias cognitivas e sociais poderiam ser meios de evitar a internalização do estigma

ou enfrentá-lo. Há de se considerar, contudo, as particularidades do público-alvo, para assim,

traçar estratégias que não só reduzam a estigmatização, como também promovam atitudes

positivas, promovendo o contato de forma profícua e criando uma aliança favorável com mídia.

Visto, portanto, que atribuição moral e culpabilização do usuário por parte da população e

profissionais de saúde podem criar obstáculos na qualidade dos serviços de saúde, assim como

interferir na busca por ajuda e/ou adesão ao tratamento, considera-se importante ressaltar a

necessidade de se desenvolver iniciativas que instaurem intervenções efetivas no sentido de

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minimizar o estigma, de forma que possam auxiliar os pacientes a reduzir sua internalização,

assim como obter melhores resultados no tratamento de saúde (Fung et al., 2007; Kanter, Rusch,

& Brondino, 2008; Luoma et al., 2008; Ritsher, Otilingam, & Grajales, 2003). Uma dessas

iniciativas seria a utilização de instrumentos voltados para a identificação do auto-estigma, uma

vez que o estigma internalizado pode ser identificado por profissionais de saúde juntamente com

os pacientes em atendimento, assim como pode ser trabalhado em intervenções que busquem

reduzi-lo concomitantemente aos sintomas da condição de saúde.

Partindo dessa necessidade, Soares (2011) validou, para a realidade brasileira, a escala

Internalized Stigma of Mental Illness – ISMI (Ritsher et al., 2003) adaptada para dependentes de

substâncias. A pesquisa foi realizada com uma amostra de 299 dependentes de substâncias,

pacientes de duas instituições públicas de saúde de Juiz de Fora – MG. A versão brasileira da

ISMI, composta por 29 itens agrupados tematicamente em cinco subescalas – Alienação;

Aprovação do Estereótipo; Percepção de Discriminação; Evitação Social; e Resistência ao

Estigma – apresentou propriedades psicométricas satisfatórias, prometendo ser um instrumento

útil não só para mensurar o estigma internalizado entre dependentes de substâncias, como

também contribuir na investigação da magnitude dos efeitos do estigma internalizado entre os

dependentes (Soares, 2011).

Considerações finais

O presente capítulo levanta importantes considerações sobre o processo de

estigmatização, o qual é relevante para o estudo não só da área de álcool e drogas, mas também

para o campo da saúde coletiva e políticas públicas. As percepções sobre o uso ou usuários de

álcool e outras drogas podem ter influência direta ou indireta nas políticas públicas da área uma

vez que, ao se estabelecer políticas públicas baseadas na moralização e que reforçam a

estigmatização dos usuários através de ações repressivas, pode-se levar a uma exclusão ainda

maior, impossibilitando a promoção de saúde para os usuários (Ronzani & Andrade, 2006). Os

meios de comunicação muitas vezes reforçam o estigma e as atitudes negativas frente aos

dependentes (Noto, Pinsky e Mastroianni, 2006). Tal contexto demanda esforços adicionais para

esclarecer a população e favorecer um sistema de saúde mais apto a auxiliar pacientes

dependentes e seus familiares.

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Além disso, os diversos setores, na tentativa de melhorar a qualidade de vida das pessoas

que são atendidas e manter os benefícios ao longo do tempo, devem considerar a extensão do

efeito do estigma na vida das pessoas, por isso, são necessárias estratégias que visem mudança de

atitudes, conhecimento e habilidades dos mesmos sobre os usuários de álcool e outras drogas

(Ronzani & Furtado, 2010). Estudos demonstram que profissionais que possuem atitudes

positivas em relação aos usuários, se sentem tecnicamente mais preparados e motivados para

realizar ações de cuidados com usuários de álcool e outras drogas (Aalto, Pekuri, & Seppa, 2003;

Bendtsen & Akerlind, 1999; Fortney et al., 2004).

O estigma aparece como um fator que influencia os resultados das intervenções dos

diversos setores e se constitui como uma variável importante para a melhoria na qualidade de

vida de pessoas acometidas por alguma doença (Hansson, 2006). Portanto, para se maximizar a

qualidade de vida das pessoas que são tratadas pelos serviços de saúde e manter os benefícios ao

longo do tempo é preciso considerar o desafio do efeito do estigma na vida dessas pessoas (Link

et al., 1997).

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