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Sitientibus S´ erie Ci^ encias F´ ısicas 14: 1-13 (2018) Duas Descri¸ c˜oes Lagrangeanas para a Eletrodinˆ amica de London Two Lagrangian Descriptions for the London’s Electrodynamics Edine Silva dos Santos e Franz A. Farias * Departamento de F´ ısica – UEFS Campus UEFS, Feira de Santana – BA – 44036-900 A Eletrodinˆ amica de London ´ e revisitada no contexto de duas descri¸c˜ oes Lagrangianas. As equa¸c˜ oes de London descrevem o diamagnetismo extremo, caracter´ ıstico dos supercondutores tipo I. Uma descri¸c˜ ao Lagrangeana, em um primeiro caso, ´ e estabelecida utilizando um multiplicador de Lagrange ` a Lagrangeana de Maxwell, enquanto na segunda descri¸ ao se utiliza a Lagrangeana de Proca. Mostramos que existe uma equivalˆ encia entre as duas Lagrangeanas e discutimos algumas das consequˆ encias dessa equivalˆ encia. Palavras-chaves: Eletrodinˆ amica; Supercondutor; Equa¸c˜ oes de London; Fase Su- percondutora; Comprimento de Penetra¸c˜ ao. London Electrodynamics is revisited in the context of two Lagrangian descriptions. The London equations describe the extreme diamagnetism, characteristic of superconductors type I. We look for a Lagrangian description, in a first case using a Lagrange multiplier over Maxwell Lagrangian, and in a second one, using the Proca’s Lagrangian. We show how the equivalence between the two Lagrangians is established and discuss some the consequences of these equivalence. Keywords: Electrodynamics; Superconductor; London Equations; Supercon- ducting Phase; Penetration Depth. I. INTRODUC ¸ ˜ AO O fenˆ omeno da Supercondutividade com- pletar´ a, em 2021, 110 anos desde sua desco- berta com a experiˆ encia realizada pelo f´ ısico holandˆ es Kamerling Onnes sobre a resistˆ encia do merc´ urio a baix´ ıssimas temperaturas [1]. Heike Kamerlingh Onnes chefiava o mais avan¸ cado laborat´ orio de criogenia da Europa no in´ ıcio do s´ eculo XX. A descoberta da su- percondutividade deveu-se, antes de tudo, ` a capacidade experimental para a liquefa¸ ao do elio l´ ıquido, e em geral, aliquefa¸c˜ ao dos chamados “gases permanentes”. O hidrogˆ enio a havia sido liquefeito no experimento reali- zado por Sir James Dewar, em 10 de maio de 1898. A liquefa¸c˜ ao do h´ elio era o pr´ oximo grande passo a ser alcan¸ cado, mas a dificul- dade de obten¸ ao de amostras puras de h´ elio bem como a pr´ opria t´ ecnica utilizada por De- * Endere¸ co Eletrˆ onico: [email protected] war constituiram uma limita¸ ao nos resultados dos experimentos realizados [2–4]. A primeira liquefa¸ ao efetiva do h´ elio foi conseguida em 10 de julho de 1908 por Kamer- ling Onnes e sua equipe, eles alcan¸caram a tem- peratura de 4, 25 K (veja a Figura 1). O sucesso impactante desse experimento [1] rendeu uma homenagem da equipe do laborat´ orio ao Dr. Heike Kamerlingh Onnes, em seus 40 anos de seu professorado, em 11 de novembro de 1922 por seu feito em obter o h´ elio liquefeito! Com o dom´ ınio da t´ ecnica de criogenia para obten¸c˜ ao do h´ elio l´ ıquido, este, por sua vez, passava a ser utilizado nos estudos experimen- tais das propriedades el´ etricas de metais. Diga- se de passagem, o interesse nesses estudos n˜ ao iniciou em 1908 como se difunde grandemente, ao contr´ ario, a investiga¸ ao da rela¸c˜ ao entre re- sistˆ encia el´ etrica e temperatura foi proclamada em Leiden num an´ uncio oficial feito por Kamer- lingh Onnes em 1902 [4, 5]. A evidˆ encia da queda brusca da resistivi- 1

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  • Sitientibus Série Ciências Fı́sicas 14: 1-13 (2018)

    Duas Descrições Lagrangeanas para a Eletrodinâmica de London

    Two Lagrangian Descriptions for the London’s Electrodynamics

    Edine Silva dos Santos e Franz A. Farias∗

    Departamento de F́ısica – UEFSCampus UEFS, Feira de Santana – BA – 44036-900

    A Eletrodinâmica de London é revisitada no contexto de duas descrições Lagrangianas. Asequações de London descrevem o diamagnetismo extremo, caracteŕıstico dos supercondutorestipo I. Uma descrição Lagrangeana, em um primeiro caso, é estabelecida utilizando ummultiplicador de Lagrange à Lagrangeana de Maxwell, enquanto na segunda descrição seutiliza a Lagrangeana de Proca. Mostramos que existe uma equivalência entre as duasLagrangeanas e discutimos algumas das consequências dessa equivalência.

    Palavras-chaves: Eletrodinâmica; Supercondutor; Equações de London; Fase Su-percondutora; Comprimento de Penetração.

    London Electrodynamics is revisited in the context of two Lagrangian descriptions. TheLondon equations describe the extreme diamagnetism, characteristic of superconductors typeI. We look for a Lagrangian description, in a first case using a Lagrange multiplier overMaxwell Lagrangian, and in a second one, using the Proca’s Lagrangian. We show how theequivalence between the two Lagrangians is established and discuss some the consequencesof these equivalence.

    Keywords: Electrodynamics; Superconductor; London Equations; Supercon-ducting Phase; Penetration Depth.

    I. INTRODUÇÃO

    O fenômeno da Supercondutividade com-pletará, em 2021, 110 anos desde sua desco-berta com a experiência realizada pelo f́ısicoholandês Kamerling Onnes sobre a resistênciado mercúrio a baix́ıssimas temperaturas [1].

    Heike Kamerlingh Onnes chefiava o maisavançado laboratório de criogenia da Europano ińıcio do século XX. A descoberta da su-percondutividade deveu-se, antes de tudo, àcapacidade experimental para a liquefação dohélio ĺıquido, e em geral, a liquefação doschamados “gases permanentes”. O hidrogêniojá havia sido liquefeito no experimento reali-zado por Sir James Dewar, em 10 de maiode 1898. A liquefação do hélio era o próximogrande passo a ser alcançado, mas a dificul-dade de obtenção de amostras puras de héliobem como a própria técnica utilizada por De-

    ∗Endereço Eletrônico: [email protected]

    war constituiram uma limitação nos resultadosdos experimentos realizados [2–4].

    A primeira liquefação efetiva do hélio foiconseguida em 10 de julho de 1908 por Kamer-ling Onnes e sua equipe, eles alcançaram a tem-peratura de 4, 25 K (veja a Figura 1). O sucessoimpactante desse experimento [1] rendeu umahomenagem da equipe do laboratório ao Dr.Heike Kamerlingh Onnes, em seus 40 anos deseu professorado, em 11 de novembro de 1922por seu feito em obter o hélio liquefeito!

    Com o domı́nio da técnica de criogenia paraobtenção do hélio ĺıquido, este, por sua vez,passava a ser utilizado nos estudos experimen-tais das propriedades elétricas de metais. Diga-se de passagem, o interesse nesses estudos nãoiniciou em 1908 como se difunde grandemente,ao contrário, a investigação da relação entre re-sistência elétrica e temperatura foi proclamadaem Leiden num anúncio oficial feito por Kamer-lingh Onnes em 1902 [4, 5].

    A evidência da queda brusca da resistivi-

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    mailto:[email protected]

  • E.S. dos Santos e F.A. Farias Sitientibus Série Ciências Fı́sicas 14: 1-13 (2018)

    dade do mercúrio ocorreu em dezembro de1911. A descoberta da supercondutividadedependeu do sucesso das técnicas criogênicas,e ambas foram posśıveis no laboratório debaixas temperaturas na Universidade de Lei-den (Holanda) [1, 3].

    FIGURA 1: O gráfico mais conhecido em super-condutividade, trata-se do comportamento da re-sistividade do mercúrio e sua abrupta queda àtempetaura cŕıtica de 4, 25 K. Figura extráıda dareferência [6].

    A primeira guerra mundial tornou muito dif́ıcila comunicação entre os cientistas, e as novi-dades no campo do fenômeno da supercon-dutividade ficaram restritas à descoberta denovos metais e ligas supercondutoras. So-mente em 1933 surgiria uma descoberta im-portante para a supercondutividade, o efeitoMeissner-Ochsenfeld. Walther Meissner eRobert Ochsenfeld verificaram experimental-mente que os supercondutores eram diamag-netos extremos, ou seja, não havia campomagnético no interior do metal na fase super-condutora (T < Tc). Esse comportamento in-depende da forma como se alcança a fase super-condutora [8–10], se baixando a temperatura

    primeiro e, em seguida, submetendo a amostraao campo magnético, ou na ordem inversa.

    A revelação do efeito Meissner-Ochsenfeld[11] encerrou a possibilidade de explicação dofenômeno da supercondutividade a partir daconcepção apenas de um condutor perfeito comresistividade nula. As propriedade magnéticasde um supercondutor são, portanto, inteira-mente distintas daquelas de um condutor per-feito. Podemos resumir o resultado experimen-tal estabelecido por Meissner e Ochsenfeld peloenunciado a seguir [12]:

    “Um metal no estado supercondutor apre-senta uma densidade de fluxo magnéticosempre nula em seu interior.”

    Consequentemente, no interior de um metal su-percondutor (entendido aqui como em sua fasesupercondutora), temos sempre:

    B = 0. (1)

    Em 1935, surgiu a primeira tentativa bem-sucedida de descrição da fase supercondutorapelo trabalho dos irmãos Heinz London e FritzLondon. A medida experimental do compri-mento de penetração do campo magnético eratema de trabalho de doutoramento de HeinzLondon. A teoria de London, como passou aser conhecida [13, 14] tinha como principal ob-jetivo explicar o resultado experimental para oefeito Meissner-Ochsenfeld [15–17].

    Aspectos interessantes da teoria de Londonserão detalhados na primeira seção adiante,contudo a teoria de London é essencialmenteclássica, e não conseguiu responder a questãosobre como surgiam os superelétrons. Efeitosquânticos serão levados em conta primeira-mente pela teoria de Ginzburg-Landau, ouabreviadamente, Teoria GL, proposta por V.L.Ginzburg e L.D. Landau em 1950 [18]. A Teo-ria GL é a aplicação da teoria de transições defase em 2a ordem de Landau à supercondutivi-dade [19], ela introduz um parâmetro de or-dem com dependência espacial e a descrição dateoria é válida na vizinhança da temperaturacŕıtica, Tc − T � Tc. Quando a densidade desuperelétrons, ns, atinge seu valor de equiĺıbrioem todo ponto no supercondutor, a Teoria GLreduz-se às equações de London [20].

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    A resposta sobre a natureza dos eletrónssupercondutores, ou seja, sobre o mecanis-mo microscópico da supercondutividade, teriaque aguardar até 1957, com o surgimentoda primeira teoria quântica bem-sucedida afornecer uma explicação para o fenômeno dasupercondutividade com os pares de Cooper:a teoria BCS, de J. Bardeen, L. Cooper e R.Schrieffer, [21, 22, 24]. Essa teoria introduznovos aspectos a serem considerados na abor-dagem do fenômeno da supercondutividade,quando a frequência está acima da energia degap (veja a nota em [23]). A supercondutivi-dade se revelou, microscopicamente, como umfenômeno de excitações coletivas (a interaçãode pares de Cooper com os fónons, as vibraçõesda rede cristalina), a teoria BCS [25].

    Ainda no mesmo ano 1957, a descobertados supercondutores tipo II e a explicaçãode sua estrutura magnética pelo trabalho dof́ısico Alexei A. Abrikosov [26], juntamente comLev D. Landau, Vitaly Ginzburg e Zavarit-sky [27], abrem um campo muito frut́ıfero depesquisas em supercondutividade. Os Super-condutores Tipo II apresentam um compor-tamento magnético diferente do Tipo I, poisagora o campo magnético penetra o materiale o efeito Meissner-Ochsenfeld fica restrito àcondição H < Hc1. Ademais, a penetraçãodo campo no material se manifesta de umamaneira não-usual, aparecem os padrões defluxo de vórtices (veja a Figura 2 para os com-portamentos de supercondutor tipo I e II).

    FIGURA 2: (a) Magnetização versus campo magnético aplicado para o volume de um supercondutorexibindo um efeito Meissner-Ochsenfeld perfeito (diamagnetismo perfeito). Um supercondutor com estecomportamento é chamado um Supercondutor Tipo I. Acima do campo cŕıtico Hc a amostra é um condutornormal e a magnetização é muito pequena para ser percebida nessa escala. Perceba que (−4πM) é plotadono eixo vertical: o valor negativo de M corresponde ao diamagnetismo. (b) a curva de magnetizaçãosupercondutora de um Supercondutor Tipo II. O fluxo começa a penetrar a amostra em um campo Hc1abaixo do campo cŕıtico termodinâmico Hc. A amostra está no estado de vórtice entre Hc1 e Hc2, e tempropriedades elétricas supercondutoras até Hc2. Acima de Hc2 a amostra está no estado de condutornormal em todos os aspectos, exceto por posśıveis efeitos de superf́ıcie. Figura e texto adaptados dareferência [6].

    Os avanços seguintes em supercondutivi-dade buscaram compostos e ligas com umatemperatura cŕıtica de transição à fase su-percondutora cada vez mais alta, é o campoda supercondutividade a altas temperaturas

    cŕıticas. Exemplos desses compostos são(LaBa)CuO4, o primeiro composto cerâmicoa exibir a supercondutividade em alta temper-atura, 30 K, descoberto em 1986, até o demais alta temperatura já registrada, o com-

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    posto Cd5MgO6, a 310 K. Para um levan-tamento detalhado dos compostos e ligas emalta temperatura acesse a página da internet:http://superconductors.org. A área da su-percondutividade já conta com 10 prêmios No-bel em F́ısica (veja a referência [27]).

    Na seção II deste artigo, revemos a teo-ria de London no contexto da descrição la-grangiana, focando a fase supercondutora pura.Uma forma Lagrangeana condicionada é pro-posta, como uma Lagrangeana de London,e mostramos que ela é consistente com asequações da eletrodinâmica de London. Estaprimeira lagrangeana incorpora um multipli-cador de Lagrange associado a um v́ınculo àeletrodinâmica de Maxwell acoplado à corrente.Por sua vez, na seção III, abordamos a segundadensidade de Lagrangeana, a Lagrangeana deProca, que descreve “fótons” massivos, masagora voltada aos superelétrons. A relação en-tre as duas descrições é discutida no momentoseguinte com um levantamento de implicações.Abordagens alternativas para as equações deLondon são discutidas na seção IV. Ao finalcolocamos algumas observações na seção V.

    II. A ELETRODINÂMICA DE LONDON

    A eletrodinâmica de London constitui umaextensão linear ad-hoc da eletrodinâmica deMaxwell [28] (em unidades gaussianas),

    ∇ ·D (r, t) = 4πρ (r, t) , (2)∇ ·B (r, t) = 0, (3)

    ∇×E (r, t) + 1c

    ∂B (r, t)

    ∂t= 0, (4)

    ∇×H (r, t)− 1c

    ∂D (r, t)

    ∂t=

    cJ (r, t) , (5)

    de maneira a descrever o fenômeno da super-condutividade a partir do diamagnetismo per-feito como expresso pela Eq.(1).

    Vamos fazer uma breve digressão sobrea abordagem que adotaremos para o mode-lo do diamagnetismo perfeito. Como esta-mos interessados na distribuição espacial daindução magnética, B, a partir das equaçõesde London, consideramos que o metal do mate-

    rial supercondutor é não-ferromagnético e não-magnético, ou seja, a permeabilidade relativaé µr = 1, e que o material ao ser submetido àindução magnética externa, responde com umaindução magnética oposta devida às correntesde blindagem (induzidas), produzindo assim ocancelamento de B no interior do supercondu-tor (veja a subseção 2.2.2 e o apêndice A dareferência [12] para maiores detalhes). Se es-tivéssemos interessados no estudo da energia demagnetização e do campo de demagnetização,seria mais apropriada a abordagem do diamag-netismo de volume [12].

    Os irmãos Heinz e Fritz London propuseramem 1935 [13] duas equações adicionais, que emconjunto com as equações de Maxwell descre-vem as propriedades eletromagnéticas de umsupercondutor [12, 20, 29] (veja a nota em [30]),expressas como segue,

    E =∂ΛJs∂t

    , (6)

    B = −c ∇× ΛJs, (7)

    com o parâmetro fenomenológico Λ dado por

    Λ =m

    ns e2, (8)

    onde m é a massa do elétron, e é a carga doelétron, e ns é a densidade de superelétrons.

    A Eq.(6) descreve a propriedade de re-sistência nula em um supercondutor, enquantoque a Eq.(7) descreve o diamagnetismo. A den-sidade de superelétrons ns compõe com a den-sidade de elétrons normais, nN , a densidade to-tal de elétrons livres n = nN + ns. Admitimostambém, em conformidade com a abordagemacima descrita, que as correntes no metal afe-tam B, mas não H e, por isto a Eq.(5) podeser substitúıda por:

    ∇×B− 1c

    ∂D

    ∂t=

    cJs, (9)

    Ademais, a variação temporal da corrente dedeslocamento só é comparável a Js quandoos campos flutuam rapidamente com o tempo(veja a nota em [30]), logo (9) reduz-se a,

    ∇×B = 4πc

    Js. (10)

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    http://superconductors.org

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    A Eq.(7) é uma consequência da Lei de Faradayem (4) com a equação de London em (6).

    FIGURA 3: O comportamento de decaimento ex-ponencial do campo magnético ao penetrar o ma-terial. Figura adaptada da referência [15].

    Um condutor perfeito pensado como umgás de elétrons não-interagentes é consistentecom a assertiva da Eq.(6), mas não com aEq.(7), esta última é própria da corrente de su-perelétrons. Combinando (7) com (10), tendoem conta a identidade vetorial ∇ × ∇ × B =∇ (∇ ·B)−∇2B, obtemos para B,

    ∇2B = 1λ2L

    B, (11)

    com o parâmetro λL dado pela relação,

    λ2L =c2

    4πΛ =

    mc2

    4πnse2. (12)

    A Eq.(11) é o mais importante resultado decor-rente das equações de London (6) e (7), epermite analisar o comportamento espacial docampo magnético, por exemplo, na situaçãode um campo magnético, B (x), paralelo à su-perf́ıcie da material. A solução, tendo em contaas condições de contorno B (x = 0) = B0 eB (x→∞) = 0, é neste caso,

    B (x) = B0 e−x/λL , (13)

    onde x é medido a partir da superf́ıcie e λLé o comprimento de penetração caracteŕısticoda material. Assim, podemos afirmar que o

    campo magnético é blindado no material apóso comprimento de penetração λL.

    A determinação de λL depende da estima-tiva de ns que, por sua vez, pode ser con-seguida identificando-a com a densidade efe-tiva de elétrons de condução nas medidas deimpedância de superf́ıcie do comprimento depenetração no estado normal.

    Uma predição teórica t́ıpica para λL é da or-dem de 200 Å, enquanto que os valores experi-mentais de λL para amostras puras são da or-dem de 500 Å para T � Tc. Essa discrepânciase explica por uma eletrodinâmica não-local emamostras supercondutoras puras. O resultadode London, decorrente de uma eletrodinâmicalocal, é consistente com os resultados experi-mentais para amostras supercondutoras cujoslivres caminhos médios sejam curtos (veja aTabela I). A diferença observada entre teoriae experimento foi explicada pela primeira vezpor Sir Alfred Pippard [32]. Em 1953, Pip-pard publicou sua eletrodinâmica não-local emanalogia à proposta de generalização não-localda lei de Ohm estabelecida por Chambers.

    A teoria de Pippard se baseou no conceitode comprimento de coerência, ξ0, a partir daconsideração que a função de onda para a fasesupercondutora deveria possuir uma dimensãocaracteŕıstica, uma vez que apenas elétronscom energia de Fermi da ordem de KTc de-sempenhariam papel relevante para a super-condutividade. O comprimento de coerência,ξ0 poderia ser estimado, então, do prinćıpio deincerteza de Heisenberg. Não discutiremos aquios resultados de Pippard [33], pois foge ao es-copo do presente trabalho.

    Assim, embora na fase supercondutora tipoI, a ocorrência do efeito Meissner-Ochsenfelddefina o supercondutor como um diamagnetoextremo, em experimentos o campo magnéticopenetra o material numa distância dada peloparâmetro λL, o comprimento de penetraçãode London (veja a Figura 3). Esses fatos ex-perimentais caracterizam o comportamento dosmateriais designados por Supercondutores TipoI [20, 34], e valem também para os Supercon-dutores Tipo II quando o campo magnéticoH < Hc1 [12].

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    TABELA I: Valores teóricos e experimentais para o comprimento de penetração de London λL de algunsmetais e a comparação com o comprimento de coerência de Pippard, e outras razões entre estas grandezas.Figura extráıda da referência [7].

    Portanto, a eletrodinâmica de Londondecorre da hipótese fundamental que o dia-magnetismo perfeito é a condição essencial jus-tificando a persistência da corrente supercon-dutora no material, ao invés, como defendiaBorn e Heisenberg [25], da hipótese que umacorrente metaestável persistiria independente-mente de um campo magnético aplicado.

    III. DESCRIÇÕES LAGRANGEANASDA ELETRODINÂMICA DE LONDON

    Nosso objetivo é estabelecer as equaçõesde London (6) e (7) a partir de uma den-sidade de Lagrangiana apropriadamente con-strúıda. Uma vez que, consideramos ape-nas a descrição da fase supercondutora e,portanto, não estamos analizando propria-mente a transição entre fase normal e fase su-percondutora (ou vice-versa) no material, oque necessariamente envolveria a dependênciacom a temperatura, podemos reduzir a abor-dagem a uma descrição Lagrangeana usual(puramente eletrodinâmica), dispensando as-sim a utilização da energia livre de Helmholtz,F (B,T).

    Utilizaremos a formulação covariante naabordagem da equivalência de descrições en-tre as densidades de Lagrangeanas de London

    e de Proca, pois essa escolha facilitará o es-tudo comparativo entre as duas descrições. Asupercondutividade não é um fenômeno rela-tiv́ıstico e poderia, em tese, ser descrito pelaMecânica Quântica não-Relativ́ıstica, mas ascaracteŕısticas da supercondutividade se reve-laram como uma manifestação de sistema demuitos corpos (um condensado, mas precisa-mente). O fenômeno da supercondutividadese mostrou desafiador aos f́ısicos em suas bus-cas para estabelecer uma teoria a partir deprimeiros prinćıpios, e foram necessários 46anos após a sua descoberta com KamerlingOnnes para que surgisse a teoria BCS.

    A. Descrição Lagrangeana daEletrodinâmica de London

    Na formulação covariante, a dinâmica de umcampo eletromagnético é descrita por uma den-sidade de Lagrangiana em termos do tensor decampo eletromagnético Fµν = ∂µAν − ∂νAµ,onde Aµ é o quadripotencial eletromagnético,

    Aµ ≡ (A0,A) . (14)

    A densidade de corrente, J, passa a ser com-posta por duas partes, uma densidade de cor-rente normal, JN , associada a nN , e outra àdensidade de superelétrons, Js, associada a ns.

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    A expressão para Fµν em forma matricial é,

    Fµν ≡ ∂µAν − ∂νAµ,

    =

    0 −Ex −Ey −Ez

    Ex 0 −Bz ByEy Bz 0 −BxEz −By Bx 0

    . (15)As equações de Maxwell, ou seja, daeletrodinâmica clássica, se escrevem em formacovariante como,

    ∂µFµν =

    cJν , (16)

    ∂αFβγ + ∂βFγα + ∂γFαβ = 0, (17)

    com a primeira equação obtida da densidade deLagrangeana abaixo [28],

    LM [Aµ] = −1

    16πFµνF

    µν − 1c

    JµAµ . (18)

    A segunda equação, (17), não decorre de (18),constitui uma identidade. As equações (16) e(17) estão definidas no sistema gaussiano [28].

    Propomos agora o v́ınculo a seguir,

    Γ (Aµ) =

    (1

    cAµ + ΛJs µ

    )(1

    cAµ + ΛJµs

    )= 0 .

    (19)Incorporando (19) com o multiplicador de La-grange χ à Lagrangeana de Maxwell em (18)alcançamos a Lagrangeana de London, LL,

    LL [Aµ, χ] = LM + χ Γ (Aµ) ,

    ou de outra forma,

    LL [Aµ, χ] = −1

    16πFµνF

    µν − 1c

    JµsAµ

    + χ

    (1

    cAµ + ΛJs µ

    )(1

    cAµ + ΛJµs

    ), (20)

    com Jµs ≡ (0,Js). Ademais, lembramos que es-tamos admitindo unicamente a fase supercon-dutora pura, logo JµN = 0. Nos desenvolvimen-tos a seguir, já levaremos em conta esse fato.

    A variação funcional em primeira ordem daação associada, δSL = 0, como estabelecido

    pelo Prinćıpio de Hamilton,

    δSL [Aµ, χ] = δ

    ∫d4x LL =

    ∫dt

    ∫d3x LL ,

    impõe das equações de Euler-Lagrange,

    ∂LL∂Aµ

    − ∂ν(

    ∂LL∂ (∂νAµ)

    )= 0 ,

    que sejam satisfeitas as equações,

    (I)1

    4π∂αF

    αµ +2

    (1

    cAµ + ΛJµs

    )− 1c

    Jµs = 0 , (21)

    (II) Γ (Aµ) = 0⇒(

    1

    cAµ + ΛJµs

    )= 0. (22)

    O v́ınculo que introduzimos em (19) é, natural-mente, o resultado por Euler-Lagrange em (22),que é a própria expressão da primeira equaçãode London em (6), agora escrita em termos doquadripotencial Aµ dado por,

    1

    cAµ = −ΛJµs . (23)

    Por sua vez, a Eq.(21) pode ser simplificada,pois seu segundo termo, de acordo com aEq.(22), é nulo, consequentemente,

    ∂αFαµ =

    cJµs . (24)

    A equação acima resgata a lei de Ampère paraa supercorrente, Jµs , em (10), enquanto que dalei de Faraday e da primeira equação de Londonretomamos a segunda equação de London em(7). Naturalmente, estamos levando em contaque a contribuição devida à corrente de deslo-camento é despreźıvel (veja maiores detalhesnos comentários da nota [31]).

    Vamos explicitar os termos na Lagrangeanaem (20) para investigar o v́ınculo χ,

    LL [Aµ, χ] = −1

    16πFµνF

    µν − 1c

    JµsAµ

    +1

    c2χ AµA

    µ +2

    c(χΛ) JµsAµ

    + χ Λ2 Js µJµs . (25)

    O último termo na Lagrangeana acima é, para

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    todos os efeitos, um termo constante. Comisso, podemos construir uma densidade de La-grangeana modificada, descartando esse termoconstante, uma vez que o mesmo não afeta asequações dinâmicas, assim,

    L′L [Aµ, χ] = −1

    16πFµνF

    µν +1

    c2χ AµA

    µ

    − 1c

    (1− 2χΛ) JµsAµ . (26)

    Temos, então, a escolha de tornar nulo o últimotermo em (26), definindo χ como,

    χ = (2Λ)−1 =c2

    8πλ2L. (27)

    A forma final da Lagrangeana L′L é então,

    L′L [Aµ] = −1

    16πFµνF

    µν +1

    8πλ2LAµA

    µ . (28)

    Na próxima subseção, mostraremos que ateoria de London pode, também, ser alcançadaa partir de uma densidade de Lagrangeana deProca e, em seguida, como a Lagrangeana em(28) se relaciona com a de Proca.

    B. A Lagrangiana de Proca para a Teoriade London

    Em um artigo de 1935 [35, 36], HidekiYukawa lançou a hipotése de um mediadormassivo para a interação nuclear forte em es-treita analogia com o fóton da interação eletro-magnética. A razão de uma massa para o me-diador da interação nuclear forte é seu curtoalcance (até 15 fm) comparado ao da interaçãoeletromagnética (infinito). Esse mediador, ini-cialmente denominado como mésotron, passoua ser designado por méson e teve sua existênciacomprovada em 1947 através dos experimentoscom os raios cósmicos conduzidos pela equipede Bristol, da qual fazia parte o f́ısico brasileiroCésar Lattes [37]. Em 1949, Yukawa foi agra-ciado com o Prêmio Nobel de F́ısica, e CecilFrank Powell, o chefe da equipe de Bristol, como Prêmio Nobel de F́ısica de 1950.

    Uma das descrições para o campo do mésonfoi estabelecida em (1936) por Alexandru Proca

    [38–40]. Ele propôs uma equação para descre-ver o campo bosônico vetorial massivo, esten-dendo as equações de Maxwell ao contexto daTeoria Quântica de Campos através de umadensidade de Lagrangeana relativ́ıstica com umtermo de massa.

    O nome de Proca foi citado por WolfgangPauli em sua palestra do Prêmio Nobel, em 13de dezembro de 1946, como o autor da equaçãoque descreve campos bosônicos massivos, e aLagrangiana associada foi denominada, a partirde então, por Lagrangiana de Proca.

    Nosso objetivo é mostrar que a supercon-dutividade, em seu aspecto eletrodinâmico nocontexto das equações de London, pode ser des-crita também em termos de uma densidade deLagrangeana de Proca, considerando que nosupercondutor os campos são dotados de umamassa de “fóton” efetiva.

    A densidade de Lagrangeana de Proca ori-ginal tem a seguinte forma [28],

    LP [Aα] = −1

    16πFαβF

    αβ−1c

    AαJαP+

    η2

    8πAαA

    α ,

    (29)onde o parâmetro η tem dimensões de inversode comprimento e é o rećıproco do compri-mento de onda de Compton do fóton,

    η =mγc

    ~. (30)

    As equações de movimento de Proca são:

    ∂βFβα + η2Aα =

    cJαP . (31)

    Explicitanto o tensor de campo eletro-magnético, Fβα, em função do quadripotencial,

    ∂β∂βAα − ∂α

    (∂βA

    β)

    + η2Aα =4π

    cJαP ,

    e considerando o calibre de Lorentz, ∂µAµ = 0,

    resulta

    ∂β∂βAα + η2Aα =

    cJαP ,

    ou ainda, em termos do potencial vetor,

    4A− 1c2∂2A

    ∂t2− η2Aα = −4π

    cJαP . (32)

    8

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    Portanto, a equação dinâmica de um campomassivo, associado a A, na presença da fonteJαP . Vamos agora estabelecer a densidade deLagrangeana de Proca para um termo de massaque seja correspondente a η ≡ ηL. Para pro-ceder à comparação vamos reescrever a densi-dade de Lagrangeana de Proca em (29),

    LP [Aµ] = −1

    16πFµνF

    µν +1

    cAµJ

    µP

    +ηL8π

    AµAµ . (33)

    A comparação entre as Lagrangeanas (28) e(33) revela as identidades:

    ηL = λ−1L , J

    µP = 0 . (34)

    O parâmetro ηL no termo associado à massaem Proca, tem dimensão de inverso de com-primento, e está agora associado ao inverso docomprimento de penetração de London, λL.

    Numa reinterpretação do resultado em (28),podemos dizer que a densidade de Lagrangeanade London, constrúıda a partir da Lagrangeanade Maxwell com v́ınculo, constitui uma La-grangeana de Proca sem fontes.

    IV. DEDUÇÕES ALTERNATIVASPARA AS EQUAÇÕES DE LONDON

    Até a subseção anterior, abordamos asequações de London considerando a energiado sistema campo e supercondutor como ar-mazenada no campo. Assim, constrúımos den-sidades de Lagrangeana de campo (London eProca) em interação com a supercorrente deonde seguiu-se as equações de London.

    Nesta seção, alternamos a abordagem da e-nergia para considerá-la como armazenada nosistema de part́ıculas, ou seja, associada à cor-rente dos superelétrons. A Lagrangeana dosistema de superelétrons na presença de umcampo eletromagnético externo é,

    L̃ = Ks +e

    cnsvs ·A− eϕ , (35)

    onde Ks é a energia cinética associada aos su-perelétrons. Ademais, lembramos as relações

    entre os campos e os potenciais escalar e vetor,

    E = −∇ϕ− 1c

    ∂A

    ∂t, B = ∇×A . (36)

    O ponto de partida é o acoplamento mı́nimo,e para tanto precisamos do momento canônico,ps cuja expressão da Lagrangiana em (35) é,

    ps j =∂L̃

    ∂vs j= nsmvs j +

    e

    cAj , (37)

    com u sendo a velocidade dos superelétrons, ouainda reescrevendo (37),

    ps = nsmvs +e

    cA. (38)

    Note que ps é dependente do calibre, mas omomento mecânico não.

    A. As Equações de London a partir doAcoplamento Mı́nimo

    O v́ınculo em (19), que compôs a La-grangeana de London, tem uma forma co-variante, mas dependente da escolha de cali-bre. Para entender a implicação disso, vamosmostrar como as equações de London seguemdo momento canônico [20, 29].

    A densidade de corrente de superelétrons é,

    Js = nsevs , (39)

    e com isso a Eq.(38) pode ser reescrita,

    ps =e

    cA + eΛ Js , (40)

    com Λ dado por (8). Se impusermos que o mo-mento canônico seja irrotacional,

    ∇× ps = 0 , (41)

    resgatamos a segunda equação de London em(7). Por outro lado, efetuando a derivada totalno tempo da relação (40) obtemos,

    ṗs ≡dpsdt

    = nse

    c

    [∇ ·A + ∂A

    ∂t

    ]+ nse

    [∇ · (Λ Js) +

    ∂ (Λ Js)

    ∂t

    ]. (42)

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  • E.S. dos Santos e F.A. Farias Sitientibus Série Ciências Fı́sicas 14: 1-13 (2018)

    Na expressão acima, admitindo que ṗs = 0,considerando o calibre de Coulomb, ∇ ·A = 0,e que Js seja estacionária, ∇ · Js = 0, resulta aprimeira equação de London,(6).

    Portanto, a constância no tempo do ve-tor momento canônico implica na expressão dov́ınculo (19), mas para conseguirmos a equaçãoque dá conta do efeito Meissner-Ochsenfeld pre-cisamos impor (41). Ademais, o calibre deCoulomb deve ser escolhido e a Eq.(41) trazo superpotencial ξ [29],

    ∇× ps = 0 ⇒ ps = ∇ξ . (43)

    A liberdade de calibre que tem A,

    A′ = A +∇κ,

    pela condição de Coulomb implica da Eq.(38)que o superpotencial deve satisfazer a relação,

    ξ′ = ξ +∇(ecnsκ).

    A função κ satisfaz a equação de Laplace, e∇ · ps = 0, em razão da Eq.(40). O conjuntode condições envolvendo o calibre de Coulomb eo superpotencial define a Condição de London.

    B. Uma Análise pela Mecânica Quântica

    Passamos agora a discutir as equações deLondon por argumentos de mecânica quânticaaplicados ao momento canônico. Se arguimosque ps seja nulo na ausência de um campomagnético aplicado, então o estado fundamen-tal tem momento canônico nulo (pelo Teoremade Bloch, veja a referência [29, 41]) logo,

    〈vs〉 = −e

    mcA . (44)

    Se a função de onda dos superelétrons é supostaŕıgida, ou seja, não é modificada pelo campomagnético [25, 29], e mantém a propriedade doestado fundamental que 〈ps〉 = 0 então,

    Js = nse〈vs〉 = −1

    cΛAs . (45)

    Decorre então da relação acima imediatamenteas duas equações de London. Observamos que

    ṗs = 0, é uma condição menos exigente queps = 0. A segunda implica na primeira, masnão o contrário. Embora essa última tenhauma justificativa baseada no Teorema de Bloch[25, 41], a primeira condição conduz a uma ex-pressão para o campo elétrico E, que é inde-pendente do calibre, enquanto que a segundaevidencia a dependência com o calibre, pois éfunção do potencial vetor, A.

    V. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

    O primórdio da pesquisa em supercondu-tividade envolveu dois grandes ramos: o ter-modinâmico e o eletrodinâmico. A teoria dedois fluidos de Gorter e Casimir [25] estabele-ceu um modelo para a descrição do comporta-mento termodinâmico do supercondutor, e foisuperada pela teoria de transição de fase desegunda ordem aplicada à supercondutividade,por Ginzburg e Landau, no entorno da tempe-ratura de transição, a temperatura cŕıtica, Tc.

    A eletrodinâmica de Maxwell, como comen-tamos, não dá conta da expulsão do fluxomagnético do interior de um metal submetidoa um campo magnético, como experimental-mente observada na fase supercondutora. Oefeito Meissner-Ochsenfeld foi o ponto de par-tida do trabalho dos London para estender, deforma ad hoc, a eletrodinâmica de forma a de-screver as propriedades eletromagnéticas de ummetal em sua fase supercondutora.

    Não sendo um teoria de primeiros prinćı-pios, a Teoria de London traz uma descriçãosatisfatória em alguns aspectos, mas não ex-plica a origem dos superelétrons, tão somentejustifica estes a partir da teoria dos dois fluidos,de Gorter e Casimir. Uma situação em que adescrição de London falha, envolve o problemade interface com coexistência das fases super-condutora e normal em um metal [20]. Ade-mais, como citado na introdução, a previsãoteórica para o comprimento de penetração deLondon, λL, precisou considerar a correção docomprimento de coerência, ξ0, devida a Pip-pard, para um melhor ajuste com os resultadosexperimentais.

    Para construir o que designamos por densi-

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    dade de Lagrangeana de London, incorporamosum v́ınculo associado à condição ps = 0 para omomento canônico, ou seja, consideramos comov́ınculo uma relação cuja derivada temporal jáconduz à primeira equação de London. É comesta equação que obtemos a segunda equaçãode London, aquela que dá conta do diamag-netismo extremo. A Lagrangeana de Londonfoi estabelecida numa forma explicitamente co-variante, pois objetivamos a comparação coma Lagangeana de Proca.

    A comparação revelou que a Lagrangeanade London, como mostrado na subseção 2 daseção III), é uma Lagrangeana de Proca comfonte nula (JS = 0). Esta mesma comparaçãoexplicitou que a constante de acoplamento dotermo de autointeração em Proca, que involvea ‘massa do campo massivo’, na eletrodinâmicade London está associado ao inverso do compri-mento de penetração de London. Lembramosque na teoria BCS são os pares de Cooper querespondem pela supercondutividade quando seconsidera o acoplamento (fraco) na interaçãoentre elétrons e fónons.

    A dependência com o calibre do termo dev́ınculo foi considerada nas discussões da seção(IV), e mostramos lá que as equações de Lon-don, para serem alcançadas, deve-se admitiro calibre de Coulomb, e por conseguinte, a e-xistência do superpotencial como consequênciado momento canônico nulo, o que leva a umarelação entre a liberdade de calibre e o super-potencial. Esse ponto é importante porque aargumentação pela Mecânica Quântica permiteinverter a sequência das equações de London,colocando a segunda equação em (7) como oprincipal resultado e não a primeira equação.

    Disto decorre que o ponto de vista do diamag-netismo extremo é o argumento principal paraa supercondutividade, e não a condutividadeinfinita, condição esta trazida pela primeiraequação. A sustentação no contexto quânticoda Eq.(6) é dependente da escolha de calibree essa dificuldade já era percebida por FritzLondon [29]. É o Teorema de Bloch aplicadoà função de onda no estado fundamental quejustifica o resultado para o diamagnetismo ex-tremo.

    Uma investigação posterior do termo dev́ınculo expresso na forma de um acoplamentotensorial foi realizada, com o intuito de al-cançarmos diretamente a primeira equação deLondon, e não a uma equação para qual aindadevéssemos tomar a derivada parcial no tempo.Mas tal tentativa ainda não se revelou frut́ıfera,pois, primeiramente, observamos a perda da co-variância expĺıcita do v́ınculo, e depois, porqueo v́ınculo deixa de apresentar uma forma sim-ples, tratável. Entretanto, esta abordagemconstitui uma perspectiva para uma inves-tigação futura.

    Agradecimentos

    Os autores agradecem o acolhimento e acontribuição do Grupo Fiscampus na realizaçãodeste trabalho e ao apoio da Universidade Es-tadual de Feira de Santana (UEFS). A autora(Edine) agradece a bolsa da Fundação de Am-paro à Pesquisa da Bahia (Fapesb) no desen-volvimento do seu projeto de pesquisa em Ini-ciação Cient́ıfica.

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    11

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    [23] NOTA 1: A energia de gap, ∆, da ordem deKTc, é a energia entre o estado fundamentale as excitações quase-part́ıculas do sistema. Ateoria BCS mostrou que mesmo uma fraca in-teração atrativa entre elétrons impunha umainstabilidade do estado fundamental do marde Fermi usual do gás de elétron com relaçãoà formação de pares de elétrons ligados ocu-pando estados com igual momento e spin opos-tos, os pares de Cooper [20].

    [24] J. Bardeen, L.N. Cooper, R.J. Schrieffer, The-ory of Superconductivity. Phys. Rev. 108, (5)1175 (1957).

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    [30] NOTA 2: uma dedução das equações de Lon-don que figura em alguns livros-textos, con-sidera como ponto de partida o modelo deDrude para a condutividade elétrica, o que sig-nifica utilizar a 2a lei de Newton. A ideia comessa argumentação é auxiliar a compreensãodo que toma lugar na fase supercondutora.Entretanto, essa dedução por argumento es-tritamente em Maxwell não é rigorosa, poiso resultado válido para campos magnéticosdependentes do tempo é estendido ao campomagnético independente do tempo do efeitoMeissner-Ochsenfeld.

    [31] NOTA 3: da discussão estabelecida para asequações (9) e (10) segue que a derivada tem-poral do campo D é despreźıvel, e pode entãoser exclúıda de (5). A implicação decorrentedeste fato é a Eq.(11), da qual se verificaque o campo B não possui dinâmica tempo-ral. Vale lembrar aqui que ao se assumir quea derivada temporal do campo D é nula, asequações (2), (3), (4) e (5) tornam-se invari-antes pelas transformações de Galilei (veja: M.

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    Le Bellac, J.M. Lévy-Leblond. Il Nuovo Ci-mento 14, 217 (1973)). É por esta razão que ofenômeno da supercondutividade é essencial-mente não-relativ́ıstico, como citamos no se-gundo parágrafo da seção III. Esta situação édesignada por Lévy-Leblond e Le Bellac comoo limite magnético do campo de Maxwell, ondea magnitude do campo elétrico é muito maiorque a do campo de indução magnética (E �cB).

    [32] A.B. Pippard, An experimental and theoreti-cal study of the relation between magnetic fieldand current in a superconductor. Proc. Roy.Soc. Lond. A 216, 547 (1953).

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    [42] Um portal dedicado às not́ıcias, novi-dades, e à história sobre a Supercondutivi-dade: http://www.superconductors.org. Aces-sado em: 20/10/2018.

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    INTRODUÇÃO A ELETRODINÂMICA DE LONDON DESCRIÇÕES LAGRANGEANAS DA ELETRODINÂMICA DE LONDON Descrição Lagrangeana da Eletrodinâmica de LondonA Lagrangiana de Proca para a Teoria de London

    DEDUÇÕES ALTERNATIVAS PARA AS EQUAÇÕES DE LONDON As Equações de London a partir do Acoplamento MínimoUma Análise pela Mecânica Quântica

    ALGUMAS CONSIDERAÇÕES REFERÊNCIAS