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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO UMESP ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO Douglas Alves Fidalgo “De Pai pra Filhos”: poder, prestígio e dominação da figura do Pastor-presidente nas relações de sucessão dentro da “Assembleia de Deus Ministério de Madureira”. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2017

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO – UMESP

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Douglas Alves Fidalgo

“De Pai pra Filhos”: poder, prestígio e dominação da figura do

Pastor-presidente nas relações de sucessão dentro da

“Assembleia de Deus Ministério de Madureira”.

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2017

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Douglas Alves Fidalgo

“De Pai pra Filhos”: poder, prestígio e dominação da figura do

Pastor-presidente nas relações de sucessão dentro da

“Assembleia de Deus Ministério de Madureira”.

Dissertação apresentada à Banca examinadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP, como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Dario Paulo Barrera Rivera.

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2017

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FICHA CATALOGRÁFICA

F448p

Fidalgo, Douglas Alves

“De Pai pra Filhos”. Poder, prestígio e dominação da figura do pastor-

presidente nas relações de sucessão dentro da “Assembleia de Deu Ministério

de Madureira” / Douglas Alves Fidalgo -- São Bernardo do Campo, 2017.

181fl.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Metodista de

São Paulo - Escola de Comunicação, Educação e Humanidades Programa de

Pós-Graduação em Ciências da Religião São Bernardo do Campo.

Bibliografia

Orientação de: Dario Paulo Barrera Rivera

1. Assembleia de Deus – Brasil 2. Dominação – Teologia 3. Processo

sucessório 4. Patrimonialismo I. Título

CDD 289.940981

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FOLHA DE APROVAÇÃO

A dissertação de mestrado sob o título: “DE PAI PRA FILHOS”: poder, prestígio e

dominação da figura do Pastor-presidente nas relações de sucessão dentro da

“Assembleia de Deus Ministério de Madureira”, elaborada por DOUGLAS

ALVES FIDALGO, foi apresentada e aprovada em 02 de março de 2017, presente a

banca examinadora composta por Dr. Dario Paulo Barrera Rivera

(Presidente/UMESP), Dra. Sandra Duarte de Souza (Titular/UMESP), Dr. Maxwell

Fajardo (Titular/UniCEU).

__________________________________________

Prof. Dr. Dario Paulo Barrera Rivera

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

__________________________________________

Prof. Dr. Helmut Renders

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião

Área de Concentração: Religião, Sociedade e Cultura.

Linha de Pesquisa: Religião e dinâmicas socioculturais.

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AGRADECIMENTOS

Só agradece quem reconhece que na vida, nada se faz sem pessoas ao seu

lado com as mãos estendidas e eu tenho muitas pessoas a quem preciso agradecer.

Agradeço a Deus, autor e razão primeira de minha existência.

A minha esposa e companheira Eliane, que tem estado ao meu lado a mais

de quinze anos, suportando firmemente a todos os desafios que nos tem se

apresentado. Nunca deixando de ter palavras de ânimo e confiança, mesmo em

momentos que pareciam não ter mais uma saída. Obrigado por redobrar toda a

paciência e compreensão para comigo nestes dois últimos anos. Amo muito você!

Ao meu filho Murillo, presente de Deus que veio coroar nossa família. E

mesmo muito novo participou ativamente de todo o processo da pesquisa, mesmo

sem entender nada do que estava acontecendo. Te amo! E agora vamos brincar,

muito!

Agradeço aos meus pais José Augusto e dona Lidia, não apenas por todo o

esforço em cuidar de mim, desde o meu primeiro dia de vida. Mas pelo amor

transmitido, o caráter me dado e a fé me ensinada, pois sem isso certamente não

chegaria tão longe.

A todos os meus familiares que sempre estiveram dispostos em saber “como

anda” os meus estudos.

Ao Professor Dr. Dario Paulo Barrera Rivera, por ter acreditado no projeto

inicial desta pesquisa e também em ter me dado o voto de confiança enquanto

pesquisador. Também agradeço pelas cuidadosas orientações e observações, na

construção dessa dissertação, pois elas foram sempre pontuais e precisas para que

o foco fosse mantido.

Aos professores e professoras do curso de pós-graduação em Ciências da

Religião da Universidade Metodistas São Paulo, em especial aos que tive o grande

privilégio de passar algumas horas de estudo no cumprimento dos créditos

necessário para o andamento do curso.

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Aos professores(as) que prestamente participaram tanto da minha banca de

qualificação, na qual as observações foram importantíssimas para ao andamento da

pesquisa e de defesa pela leitura e exposições das ideais.

Aos queridos amigos Gedeon Alencar, Marina Correa, Maxwell Fajardo e

Mario Sérgio, que sempre recorri quando me achava perdido e cujos conselhos e

orientações sobre as Assembleias de Deus me deram o suporte e norte necessário

para realizar a pesquisa. Obrigado amigos!

A professora Dra. Claudete Pagotto que não apenas me deu a oportunidade

de mostrar o meu potencial como professor auxiliar do curso de Ciências Sociais da

UMESP, como foi o “canal” para que o sonho do mestrado se realizasse.

Aos seis pastores da Assembleia de Deus Ministério de Madureira que

“gastaram” comigo algumas horas de seu tempo em nossas conversas sobre o

referido tema e cujas informações foram inestimáveis para a conclusão da pesquisa.

Aos professores do curso de Ciências Sociais pelo incentivo. Aos professores

Silvia Perrone, Silvio Pereira e Wesley Dourado, pessoas únicas. A grande amiga

“Fatiminha”, por tudo que fez por mim. “Em seus olhos brilham a luz”, obrigado!

Aos amigos que já conhecia e que conheci durante todas as disciplinas que

cursamos durante o período do mestrado. Eles tornaram o desafio muito mais

prazeroso de se enfrentar.

Aos amigos do grupo de pesquisa do REPAL (Religião e Periferia na América

Latina) da UMESP, pois ouvir e compartilhar com vocês as experiências de suas

pesquisas se materializou em grande ajuda no processo de execução minha

pesquisa.

À Universidade Metodista São Paulo pela bolsa funcional.

Um agradecimento que não poderia deixar de fazer é para o IEPG (Instituto

Ecumênico de Pós-Graduação), na pessoa do professor Dr. Jung Mo Sung, pois no

momento em que mais precisei me estenderam as mãos. Que Deus recompense a

todos!

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FIDALGO, Douglas Alves. “De Pai pra Filhos”: poder, prestígio e dominação da figura do Pastor-presidente nas relações de sucessão dentro da “Assembleia de Deus Ministério de Madureira”. (Dissertação de mestrado), São Bernardo do Campo – SP: UMESP, 2016.

RESUMO

A presente pesquisa analisa as Assembleias de Deus no Brasil, com foco nas relações de poder, prestígio e dominação na sucessão e perpetuação familiar dos líderes desse movimento nos principais postos de “comando”. Analisamos a figura do Pastor-presidente e como ele se tornou um mecanismo de prestígio ao ponto de ser legitimado como uma figura inquestionável dentro dessa instituição. Temos como recorte para essa pesquisa as Assembleias de Deus do Ministério de Madureira. A partir da chegada do Bispo Manoel Ferreira ao principal posto de comando, pôde-se perceber ao longo de sua gestão a ascensão familiar. Filhos e neto ocupam os principais postos de comando da mesma, um fenômeno não comum na construção sociocultural dessa igreja. Até que ponto essa relação influencia concretamente na sucessão é a pergunta norteadora da pesquisa. Fizeram parte da pesquisa o levantamento bibliográfico de documentação primária como jornais e revistas da instituição; e secundária, com a utilização de “livros referências”, de teses, de dissertações e de artigos que tratam de forma direta ou correlacionada aos objetivos traçados. Para a realização da mesma, foi empregada uma pesquisa de campo baseada em entrevistas com pastores-presidentes, ex-pastores-presidentes e pastores de congregação, com o objetivo de ter uma maior abrangência das condições materiais produzidas por esse movimento. Esta pesquisa visa compreender a relação nos dias atuais de perpetuação e sucessão familiar em uma sociedade que tem na democracia e na alternância de poder as bases de uma sociedade que busca evitar os abusos de um grupo ou classe de privilegiados. Na pesquisa se identificou que a figura do Pastor-presidente não é uma forma de “herança cultural” do colonialismo, mas se aproxima de características patrimoniais, como resposta as necessidades de tradicionalização do movimento que abriu “margem” para o empoderamento de um grupo, ou família, que hoje formam a base estamental da instituição em questão. Utilizamos como referência teórica o tipo ideal weberiano tradicional em sua vertente patrimonial.

Palavras-chaves: Assembleia de Deus, Brasil, patrimonialismo, poder/dominação, sucessão.

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FIDALGO, Douglas Alves. "From Father to Children": power, prestige and domination of the figure of the Pastor-president in the relations of succession within the "Assembly of God Ministry of Madureira". (Dissertação de mestrado), São Bernardo do Campo – SP: UMESP, 2016.

ABSTRACT

This research analyzes the Assemblies of God in Brazil, focusing on the relations of power, prestige and domination in the succession and family perpetuation of the leaders of this movement in the main positions of "command". We analyze the figure of the Pastor-president and how it became a mechanism of prestige to the point of being legitimized as an unquestionable figure within this institution. We have as a cut for this research the Assemblies of God of the Ministry of Madureira. From the arrival of Bishop Manoel Ferreira to the main command post, it was possible to perceive throughout his administration the family ascent. Children and grandchild occupy the main command posts of the same, a phenomenon not common in the sociocultural construction of this church. The extent to which this relationship concretely influences succession is the guiding question of the research. The bibliographic survey of primary documentation such as newspapers and magazines of the institution was part of the research; And secondary, with the use of "reference books", theses, dissertations and articles that deal directly or correlated with the objectives outlined. In order to accomplish this, a field research was conducted based on interviews with pastors-presidents, former pastors-presidents and pastors of congregation, in order to have a greater comprehension of the material conditions produced by this movement. This research aims to understand the relationship in the present day of perpetuation and family succession in a society that has in democracy and in alternating power the foundations of a society that seeks to avoid the abuses of a group or class of privileged. In the research it was identified that the Pastor-President figure is not a form of "cultural heritage" of colonialism, but rather comes close to patrimonial characteristics, as a response to the traditional needs of the movement that opened the "margin" for the empowerment of a group, Or family, which today forms the foundation of the institution in question. We use as theoretical reference the traditional Weberian ideal type in its patrimonial aspect.

Keywords: Assembly of God, Brazil, patrimonialism, power/domination, succession.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AD Assembleias de Deus

ADBRÁS Assembleia de Deus Ministério Brás

ADMB Assembleia de Deus Ministério do Belém/SP

ADMI Assembleia de Deus Ministério Ipiranga

ADMM Assembleia de Deus Ministério de Madureira

ADMP Assembleia de Deus Ministério de Perus

AGO Assembleia Geral Ordinária

AELB Academia Evangélica de Letras do Brasil

ANE Associação Nacional dos Escritores

CADEVRE Catedral das Assembleias de Deus de Volta Redonda

CCB Congregação Cristã no Brasil

CEMP Centro de Estudos do Movimento Pentecostal

CGADB Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil

CNMEADMIF Convenção Nacional dos Ministros Evangélicos da Assembleia

de Deus em Madureira e Igrejas Filiadas

CNPB Conselho Nacional de Pastores do Brasil

CONAMAD Convenção Nacional das Assembleias de Deus Ministério de

Madureira

CONEMAD Convenção Estadual dos Ministros Evangélicos das Assembleias

de Deus Ministério de Madureira

CPAD Casa Publicadora das Assembleias de Deus

EBD Escola Bíblica Dominical

IBAD Instituto Bíblico das Assembleias de Deus

HC Harpa Cristã

ISER Instituto de Estudos de Religião

MP Jornal Mensageiro da Paz

Pr. Pastor

Pr. P. Pastor-presidente

Pr. P(ex) Ex Pastor-presidente

Pr. C. Pastor de congregação

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Número de fiéis das principais igrejas pentecostais, 20

Tabela 2: Quadro Administrativo da CONAMAD, 49

Tabela 3: Carreira ministerial do Bp. Manoel Ferreira de 1960 até 2000, 112/113

Tabela 4: Principais postos e funções ocupados por parentes do Bp. Manoel Ferreira na ADMM, 143

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Existem limites/ou alguém que fiscalize um pastor-presidente?, 66

Quadro 2: As diferentes visões sobre a importância entre o Pr. Paulo Leivas Macalão e o Bispo Manoel Ferreira, 109

Quadro 3: Quadro comparativo sobre a questão da sucessão familiar na ADMM, 140/141

LISTA DE DIAGRAMAS

Diagrama 1: Percurso a ser trilhado e o tempo necessários para alcançar o cargo de Pastor-presidente na ADMM, 59

Diagrama 2: Árvore Genealógica dos Principais Campos Ligados a ADMM a partir das Primeiras Igrejas fundadas até início da década de 1960, 92

Diagrama 3: Forma de organização da ADMM, 124

Diagrama 4: Forma como se organiza um Campo ligado a ADMM, 130

Diagrama 5: Pirâmide da composição social de poder e dominação da ADMM, 134

LISTA DE MAPAS

Mapa 1: Localização do Bairro de Madureira no Estado do Rio de Janeiro, 73

Mapa 2: Localização dos Bairros onde foram abertas as duas primeiras ADMM, 74

LISTA DE IMAGEM

Imagem 1: Templo-sede da ADMM Campo do Brás, 155

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO, 13

Cap. 1 – O “PATRIARCALISMO/PATRIMONIALISMO” NA FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS NO BRASIL: a figura do Pastor-presidente, 27

1.1. O PATRIARCALISMO/PATRIMONIALISMO NO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIROS, 30

1.1.1. O Patriarcalismo/Patrimonialismo em Max Weber: os conceitos de poder e dominação, 38

1.2. OS PASTORES-PRESIDENTES: O GOLPE INSTITUCIONAL CONTRA A DEMOCRACIA DO ESPÍRITO, 50

1.2.1. A carreira de um Pastor-Presidente, 54

1.2.2. O prestígio presidencial, 61

1.3. LIMITES DO PODER DO PASTOR-PRESIDENTE?, 65

1.3.1 O Caso da ADMM de Volta Redonda, 69

Cap. 2 – A PRIMEIRA ASSEMBLEIA DE DEUS “AUTENTICAMENTE” BRASILEIRA: de Paulo Leivas Macalão ao Bispo Manoel Ferreira, 72

2.1. PR. PAULO LEIVAS MACALÃO: O PRESTÍGIO DO “GENERAL RELIGIOSO”, 75

2.1.1. As Desavenças com os Missionários Suecos, 83

2.1.2. O Crescimento do Ministério De Madureira: o “invasor de campo”, 89

2.1.3. A Criação de uma Convenção Própria: a consolidação do poder patrimonial, 95

2.2. A ERA MANOEL FERREIRA – “O SUCESSOR MAIS INDICADO”?, 101

2.2.1. O Bispo Manuel Ferreira: breve biografia, 106

2.2.1.1. Sua trajetória e ascensão ministerial dentro da ADMM, 107

2.2.1.2. Presidente de duas Convenções: da CGADB à CONAMAD, 113

2.2.2. O político Manoel Ferreira,117

Cap. 3 – O MINISTÉRIO DE MADUREIRA: Características, Sucessão e Perpetuação do poder. 120

3.1. CARACTERÍSTICAS DO MINISTÉRIO DE MADUREIRA, 121

3.2. SUCESSÃO: PATRIMONIALISMO OU UMA QUESTÃO DE HERANÇA?, 137

3.2.1. Os Filhos do Bispo como Pastores-Presidentes: “Os Mais Ungidos?”, 143

3.2.1.1. O Pr. Abner Ferreira: pastor da “igreja-mãe” Madureira, 147

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3.2.1.2 Pr. Samuel Ferreira: “De Campinas ao mundo”, 149

3.2.1.2.1. O Campo do Brás, 154

3.3. OS CONFLITOS INTERNOS, 157

CONSIDERAÇÕES FINAIS, 161

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, 165

ANEXO, 172

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13

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa busca analisar as relações de poder, prestígio e

dominação da figura do Pastor-presidente, que ajudam a explicar a lógica recente de

perpetuação familiar no comando dos principais postos diretivos das Igrejas

Assembleias de Deus Ministério Madureira. Nesse sentido precisamos pontuar que o

pentecostalismo brasileiro, como em boa parte dos outros países da América Latina

tem suas origens no pentecostalismo estadunidense (LÉONARD, 1988; FRESTON,

1994; HOLLENWEGER 1997; CAMPOS, 2005)1, sendo este de vertente negra e

promovido por um pregador filho de pais escravos. Segundo Hollenweger (1997)

existiam duas correntes pentecostais no EUA nesta época, uma de vertente branca

que funda as Assemblies of God, que preferiram atribuir o surgimento do

pentecostalismo a Charles F. Parhan e outra de vertente negra associada a Willian

Seymor, que fica conhecida como a Missão da Fé Apostólica (SOUZA, 2008). O

pentecostalismo surge nos Estados Unidos em um período em que as questões

raciais determinavam um sistema de segregação racial.

Devemos aqui lembrar que, apesar da abolição da escravatura ocorrer

através da chamada “Emancipation Proclamation”, promulgada em 1° de janeiro de

1863 pelo presidente Abraham Lincoln, o negro estadunidense teve de enfrentar

anos (e ainda tem enfrentado isso hoje) de uma sociedade abertamente racista e

segregacionista (FERNADES; MORAES, 2007), inclusive no espaço religioso

pentecostal original2. E apesar desse movimento não combater de forma organizada

o racismo existente naquela sociedade, pois é o Movimento por Direitos Civis na

metade do século XX, que faz isso de forma mais sistemática e incisiva (PURDY,

1 Existe um estudo recente sobre uma terceira entrada do pentecostalismo no Brasil. As duas primeiras entradas são as igrejas Congregação Cristã no Brasil (1910) e as Assembleias de Deus (1911); já a terceira entrada pentecostal se caracteriza pela imigração sueca em nosso território, a qual fundou a Igreja Batista Sueca (1912), que se fixou na região do Guarani no Estado do Rio Grande do Sul. Para maiores informações ver, VALÉRIO, 2013. 2 Segundo Hollenweger (1997, p.20), Charles F. Parhan teria sido o sistematizador daquilo que mais tarde ficou conhecido como movimento pentecostal, porém sua conduta segregacionista “macularia” esse título. Uma vez que além dos indícios de que havia participado na Ku Klux Klan, somado a sua postura em não permitir Willian Seymor de participar diretamente das aulas em sua escola reforçam essa tese de racismo. Somado ainda as acusações de práticas “homossexuais” relacionadas a ele (CAMPOS, 2005), aos quais fizeram com que o mesmo não fosse considerado como “pai” do “pentecostalismo moderno”. Parhan também foi um grande crítico do movimento pentecostal liderado por William Seymor, denunciando ele muitas vezes como um movimento de “promiscuidade racial” (HOLLENWEGER, 1997, p. 19).

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2007), não impediu o mesmo de assumir uma postura crítica frente a essa situação

vivida pelos negros estadunidenses. Segundo Souza (2008):

Os pentecostais negros assumiram cada vez mais a atitude de militância. Entendendo-se como filho de Deus, o negro não admitia a condição de escravo e reivindicava na instância mais sagrada. Sua igreja era seu fórum, sua arena política, seu clube social. Essa marca político-social do pentecostalismo negro fez presente no decorrer das décadas – Martin Luther King não foi um caso isolado de militância. O evangelho puramente “espiritual” do branco Billy Grahan era condenado pelo evangelista pentecostal negro George M. Perry – “Acreditamos no conteúdo da mensagem de Grahan, mas não podemos marchar juntos com sua orientação branca, suburbana, de classe média que não tem nada a dizer aos pobres nem aos negros”. Semelhantemente, o evangelista negro Artur Brazier acusava a opressão e a desigualdade dos direitos civis na década de 1960. (SOUZA, 2008, p. 54-55.)

Nesse sentido podemos dizer que este pentecostalismo, de alguma forma, foi

se tornando um espaço de encontro daqueles que o frequentavam3, uma vez que, os

mesmos eram negros, brancos, imigrantes de diferentes etnias (SOUZA, 2008).

Além disso, o culto desse grupo não se desenvolvia com a ordem tão preciosa para

uma sociedade fundamentada nas concepções de um calvinismo “racionalizado”

(WEBER, 2004, p.87)4. Eram liderados por Willian Seymour, homem negro, filho de

escravos do sul dos Estados Unidos, autodidata e sem um conhecimento teológico

de nível acadêmico, entretanto desenvolve uma vida de extremo compromisso com

a religião que professava (ARAÚJO, 2007). Seymour teve contato com a doutrina do

“Batismo no Espírito Santo” e os fenômenos de glossolalia e xenoglossia5 em 1906,

na escola de Charles F. Parham em Houston (ARAUJO, 2007).

Por ser negro e devido o racismo de seu professor, o mesmo não pôde

assistir às aulas com os outros alunos brancos, assim, foi obrigado a estudar do lado

de fora do local onde eram ministradas as aulas (HOLLENWEGER 1997). Neste

mesmo ano (1906) Seymour inicia algumas reuniões de oração e ensino da doutrina

3 Faço um paralelo ao conceito utilizado por Beatriz Muniz de Souza, em sua obra “A Experiência da Salvação” (1969), no qual a autora afirma que o pentecostalismo no Brasil produziu um processo de integração social entre os conversos ao movimento. 4 Max Weber em sua obra “A Ética protestante e o espírito do capitalismo” (2004), dispensa uma parte para explicar a lógica proveniente do calvinismo e como este organizava não apenas o ritualismo do crente, mas também sua postura em relação ao intramundano. 5 Expressões utilizadas na tentativa de explicar o fenômeno descrito no livro de Atos dos apóstolos, no capítulo 2, quando quase cento e vinte pessoas que estavam reunidos em um lugar na cidade de Jerusalém foram batizadas com Espírito Santo. Segundo o dicionário Aurélio glossolalia é um dom sobrenatural, concedido aos apóstolos no dia de Pentecostes, pelo qual se tornaram capazes de falar várias línguas, já xenolalia é o dom de falar uma língua estrangeira que o indivíduo desconhece e nunca estudou.

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do “Batismo no Espírito Santo” em um galpão na Rua Azusa Street, que começa a

ser frequentada por diversas pessoas que aderem a esta “doutrina” recebendo o

“Batismo no Espírito Santo” (SYNAN, 2009). Gritos, lágrimas, risos descontrolados,

mais a participação dos frequentadores no momento da pregação, faziam parte da

“nova” liturgia, tendo ainda toda a oralidade de Seymour em suas ministrações

(SOUZA, 2008, p. 53).

Ao chegar ao Brasil esse movimento começou seus trabalhos em dois lugares

diferentes, o primeiro foi em São Paulo, no ano 1910, sendo fundado por um

imigrante italiano chamando Luigi Francescon (FRESTON, 1994; LÉONARD, 1988;

ROLIM, 1985; SOUZA, 1969) e o segundo começou na cidade de Belém no Estado

do Pará em 1911, sendo fundada por dois suecos Gunnar Vingren (1879-1933) e

Daniel Berg (1884-1963) vindos dos Estados Unidos (ALMEIDA, 1982; FRESTON,

1994). Este último foi fundado em um local que desfrutava de grande

desenvolvimento devido à extração da borracha (1879-1912) e que em seus

“áureos” dias representava cerca de 20% da economia nacional (FURTADO, 2005).

Como afirma Freston (1994, p.82) “a expansão inicial das AD foi moderada”

em seus primeiros anos, devido a grande oposição católica e a dependência social

em encontrar meios para a sua sobrevivência. Neste período não era comum às

pessoas mudarem de região facilmente, porém, devido o fim do ciclo da borracha na

região amazônica, muitos dos trabalhadores foram obrigados (incluindo uma grande

leva de povos nordestinos) ou a voltar para sua região, ou procurar uma nova região

para sobreviverem (ALENCAR, 2013). Foi esse fenômeno de migração interna, que

contribuiu para a difusão da mensagem pentecostal assembleiana, que por ação não

apenas planejada dos líderes, mas também pela dedicação vigorosa de seus

membros (FRESTON, 1994) se espalhou para grande parte do território nacional6.

Jacob (2013) aponta em uma análise mais recente desse movimento que,

A Assembleia de Deus se constitui na principal igreja pentecostal do país, reunindo 48,5% dos adeptos desse grupo religioso. Depois de um período de acentuado crescimento, ao passar de 2,4 milhões em 1991 para 8,4 milhões em 2000, a Assembleia de Deus registrou um aumento mais modesto na última década, quando atingiu a marca de 12,3 milhões de fiéis. Observa-se que ela se encontra implantada em todo o território nacional, acompanhando o padrão da distribuição da população brasileira. É, no entanto, nas grandes cidades que o seu número de

6 Alencar (2010) menciona que o senso de pertença à instituição e a militância foram fundamentais para a expansão do movimento pentecostal assembleiano em seus quarenta primeiros anos.

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fiéis é mais expressivo, a exemplo do Rio de Janeiro, com quase 1 milhão de adeptos, e de São Paulo, com mais de 600 mil seguidores. Além dessas capitais, destacam-se ainda Recife, Fortaleza, Belém e Manaus. (JACOB, 2013, p.15)

O pentecostalismo assembleiano encontra nessa massa de “mão-de-obra”

desprovida de educação formal e de possibilidade de uma vida melhor, um terreno

fértil para a sua consolidação (MENDONÇA, 2008). O conteúdo da mensagem

pentecostal assembleiana, a qual afirmava que Deus “salva, cura e Batiza com o

Espírito Santo” (BERG, 1982) vinha de encontro às necessidades sociais presentes

em um país que a base de sua economia estava ligada ao latifúndio e a segregação

social, uma vez que, o Brasil naquele momento excluía o pobre de direitos básicos a

vida, como educação, saúde, moradia e alimentação7. Assim esses “despossuídos”

encontravam nela as condições de integração social (SOUZA, 1969) e, ao mesmo

tempo essa camada pobre e desprovida, ao aceitar essa mensagem se tornava um

difusor da mesma, assim “levava consigo a sua igreja nas costas” (ROLIM, 1985, p.

131).

Porém enquanto o pentecostalismo estadunidense (principalmente o de

vertente fundamentalista negro) vai se envolver em causas sociais, econômicas e

políticas (SOUZA, 2008), o movimento pentecostal brasileiro se tornará tão místico

quanto às outras expressões religiosas brasileiras (indígena, negra e católica

popular), enfatizando a cura de enfermos, o Batismo no Espírito Santo e a salvação

do “pecador” em seus aspectos teológicos. Em relação aos seus aspectos sociais

formará uma classe sacerdotal estamental (BOURDIEU, 2013; WEBER, 2012)

própria e investida de toda uma sacralidade prestigiosa, atribuindo a essa liderança

o papel social de maior prestígio da instituição. Referimo-nos a figura assembleiana

do Pastor-presidente, que é associado muitas vezes a do Senhor do Engenho, a do

Coronel, ou a dos Caudilhos, produzidas pelo pensamento social brasileiro e latino-

americano, como se fosse uma mera herança do tipo de colonização que ocorreu no

país (D’EPINAY, 1970; NELSON, 1989; FRESTON, 1993, 1994; CAMPOS, 19968).

O certo é que os líderes pentecostais desenvolveram, ao passo dos anos, um

grande poder patrimonial, que lhes possibilita usufruir da prática da “vitaliciedade” no

7 Apesar do grande desenvolvimento econômico que o Brasil passou ao longo desses anos, ainda encontramos em nossa sociedade, problemas nas áreas de saúde, alimentação, moradia e educação, que fornecem um campo ainda vasto a este tipo de pregação pentecostal. 8 Este último apesar de não usar uma essa nomenclatura tende em seu texto a usar as expressões "vocação autoritária"; "incorporação de características rurais, autoritárias e patriarcais”; "personalista e centralizador nas mãos do pastor" (CAMPOS, 1996, p. 86-87).

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cargo, quanto da sucessão familiar neste que é principal posto de comando da

instituição pentecostal assembleiana.

A lógica pentecostal que veio ao Brasil correspondia aos anseios presentes

de setores sociais carentes e marginalizados pelo desprezo das classes dominantes

(ROLIM, 1985) e, passo a passo foi se “abrasileirando”, se acomodando as novas

demandas socioeconômicas do país. Após este período de acomodação que

corresponde ao espaço de tempo entre 1911 até 1940 (ALENCAR, 2010; 2013;

FAJARDO, 2015) o pentecostalismo brasileiro, em especial o assembleiano, passou

a se moldar dentro das novas dinâmicas criadas pelos processos de industrialização

e urbanização ocorridos na nação entre os diferentes governos populistas do

período de 1946 a 1964, em especial do presidente Juscelino Kubitschek (1956-

1960). Milton Santos (1993, p. 20-24) aponta que o processo de urbanização

brasileiro durante o século XX, se comparado com os séculos anteriores, tem um

empuxo muito mais considerável, pois se observamos os dados constataremos que

a população urbana brasileira no ano de 1920 era de 10,7%, já em 1940 era de

31,24%, o triplo da anterior. Em 1980 chegou à marca de 65,10% da população

morando em cidades, assim pela primeira vez na história do Brasil existiam mais

pessoas morando nas cidades do que no campo. Essas transformações trouxeram

novas situações e problemas que não eram comuns ao país.

É neste momento de desenvolvimento urbano/industrial do Brasil (1946-

1988)9 que o pentecostalismo assembleiano buscou criar sua tradição, a fim de

combater esses novos desafios, que não eram mais, só o “desprezo do mundo”,

mas sim, os “novos concorrentes” pentecostais (ALENCAR, 2013), que geravam

situações de fragmentação do mesmo. Assim, esta pesquisa busca compreender as

relações de poder, prestígio e dominação expressos dentro do cotidiano religioso

pentecostal brasileiro, em especial o relacionado à figura do Pastor-presidente e a

atual questão da sucessão familiar em seus principais postos de comando. Sendo o

posto de Pastor-presidente a maior instância de poder dentro das ADs no Brasil. E

tendo como universo de análise as Igrejas Assembleias de Deus Ministério de

Madureira (que usarei a sigla ADMM), fundada pelo Pr. Paulo Leivas Macalão no

9 Utilizo da periodização feita por Alencar (2013), o qual afirma ser este o momento em que o Brasil passa pelo processo de industrialização e o pentecostalismo assembleiano busca afirmar sua história criando sua tradição, firmando o papel do pastor-presidente. Este período registra muitos conflitos entre os “pastores invasores”, que abriam igrejas em locais onde já existia um ministério da AD (ALENCAR, 2013, p.196-197).

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ano de 1929 (ALMEIDA, 1982; CONDE, 2008) e, que a partir do ano de 1987 tem o

Bp. Manoel Ferreira10 como presidente do Ministério (PRATES; FERNANDES,

2012). Sendo ele atualmente o presidente vitalício da CONAMAD (Convenção

Nacional das Assembleias de Deus Madureira), órgão máximo do Ministério, no qual

são tomadas as principais decisões desse segmento das ADs no Brasil.

A pesquisa em questão busca compreender as relações produzidas dentro do

espaço religioso pentecostal brasileiro, em foco o da ADMM, a partir da pergunta até

que ponto as relações de poder, prestígio e dominação da figura do Pastor-

presidente influenciam na sucessão do comando dessa igreja? Até que ponto essa

prática da sucessão familiar dentro das ADMM, expressa uma forma de

patrimonialismo, que tende a criar neste espaço um tipo de monopólio familiar, o

qual pode promover abusos de poder? Ao pensarmos as relações produzidas pelos

conceitos de poder, prestígio e dominação aqui se podem verificar a existência

dentro do campo do pentecostalismo assembleiano de estruturas com grandes

complexidades sociais. Principalmente no que se justifica a sucessão familiar dentro

desses espaços, uma vez que não era comum nos “primórdios” desse movimento

esse tipo de prática. Assim, quais são as lógicas que ajudam a explicar os

desdobramentos atuais deste fenômeno social dentro do pentecostalismo

assembleiano, em especial o do Ministério Madureira?

Ao analisarmos a história das ADs no Brasil percebemos que o conceito de

sucessão familiar é um fenômeno recente, o qual não era visto entre os fundadores

das ADs no Brasil e nem pelos primeiros pastores brasileiros da mesma. Era muito

comum entre os primeiros pastores ADs no Brasil a perpetuação e longevidade a

frente da presidência de um determinado Ministério, mas seu sucessor não provinha

de sua família, ou mesmo com qualquer grau de parentesco. Temos como exemplo,

o próprio Macalão que ficou 52 anos a frente do Ministério de Madureira (ALENCAR,

2013) e quando de sua morte no ano de 1982, ele não foi substituído pelo seu filho,

mas sim, pelo segundo vice-presidente o Pr. Orosman Dagolberto dos Santos na

igreja-mãe em Madureira e pelo Pr. Lupércio Vergniano na direção da CONAMAD

(Mensageiro da Paz, dez. de 1982, p.10).

10 Manoel Ferreira até o ano de 2017 era o único líder do Ministério de Madureira a assumir esse título de bispo, que trazia como justificativa o reconhecimento da igreja evangélica Russa, pelos seus “serviços” prestados durante os anos de 1994-1998, caso que trataremos no último capítulo de nossa pesquisa (PRATES; FERNANDES, 2012, p. 132).

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Segundo Correa (2013) entre “o período de 1940 até a década de 1980”, a

escolha de um novo Pastor-presidente se dava por uma votação entre os pastores,

chegando a alguns casos incluir os próprios membros na votação. Entretanto o mais

interessante era que o pastor deveria ser também “substituídos por pastores que

não tinham vínculos familiares” (CORREA, 2013, p. 143). Sobre esse assunto

Alencar (2013) levantas algumas perguntas pertinentes sobre esse assunto:

Por que os descendentes desta geração de pastores-presidentes não se tornaram também pastores? Por que, dos filhos desta geração, a absoluta maioria deles não entrou para o ministério pastoral e muitos saíram da igreja? Eles não quiserem seguir a carreira dos pais ou os pais não incentivaram? Em que mundo ou estilo de vida esses homens viviam que seus “modelos” não foram interessantes aos seus filhos? Esses pastores rejeitaram o nepotismo ou os filhos rejeitaram o pastorado? Que pontos em comum existem entre os “interesses” pastorais da geração passada e da nova geração de pastores-presidentes? Há alguma coincidência entre as “demandas de legitimação” dos antigos com os atuais? (ALENCAR, 2013, p. 182)11

Infelizmente Alencar não responde essas indagações em sua obra, já Correa

(2013) tenta responder associando com a questão do “fator econômico” (CORREA,

2013, p. 143), uma vez que essas igrejas não desfrutavam das grandes receitas

financeiras que hoje dispõem. Assim, será que este fenômeno é meramente uma

questão financeira, ou existe alguma relação com a composição histórica de

formação sociopolítica brasileira? Na formação sociocultural brasileira poderíamos

encontrar elementos comuns das classes dominantes de outrora, que podem ser

encontrados nas atuais relações processadas dentro desse espaço religioso, uma

vez que os espaços religiosos não estão livres das influências recorrentes da

dinâmica social? (BERGER, 1985) Quais são os mecanismos utilizados pelos líderes

desse movimento que justifiquem essa prática em um contexto de democracia tão

cara a recente história do país? Ainda mais, quais são as condições que levam tanto

o “clero” mais abaixo da pirâmide e os “leigos” a aceitarem (mesmo que muitas

vezes discordem dessa prática) de forma a naturalizar essa prática de sucessão e

perpetuação “dinástica” nos principais postos de comando da ADMM?

É nesse sentido que podemos perceber a relevância que este tema incorpora

para a atualidade de nossa sociedade, uma vez que, apesar de seus mais de 105

anos de existência, esse movimento ainda encontra fôlego para manter uma taxa

constante de crescimento, mesmo que em menor proporção se comparado aos 11 Crivo do próprio autor.

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registros anteriores da mesma, em meio às novas configurações expressas na

sociedade atual12 e que claramente foram comprovadas a partir dos dados

apresentados pelo IBGE, entre as décadas de 1980 até 2010.

Tabela 1: Número de fiéis das principais igrejas pentecostais13

Igrejas Pentecostais 1991 % 2000 % 2010 %

Assembleia de Deus – AD 2 439 770 29,8 8 418 154 47,5 12 314 410 48,5

Congregação Cristã do Brasil – CCB 1 635 985 20,0 2 489 079 14,0 2 289 634 9,0

Universal do Reino de Deus – IURD 268 955 3,3 2 101 884 11,9 1 873 243 7,4

Evangelho Quadrangular 303 267 3,7 1 318 812 7,4 1 808 389 7,1

Deus é Amor 169 343 2,1 774 827 4,4 845 383 3,3

Maranata 64 578 0,8 277 352 1,6 356 021 1,4

Outras 3 297 768 40,3 2 353 369 13,3 5 883 404 23,2

Total de Pentecostais 8 179 666 100,0 17 733 477 100,0 25 370 484 100,0 Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010.

Ao analisarmos o quadro acima podemos fazer alguns apontamentos

importantes sobre os números indicados da religiosidade pentecostal brasileira, o

primeiro ponto é que as igrejas ADs14 foram as únicas que mantiveram um

crescimento real (mesmo que 1% entre 2000 e 2010) em comparação a todas as

outras igrejas ao longo desses quase 20 anos indicados na pesquisa do IBGE.

Segundo, ainda se tratando na AD, notamos que o último período (2000 a 2010) da

pesquisa mostra que o crescimento se comparado com o primeiro (1991 a 2000)

praticamente foi nulo (somente 1% em comparação aos 17% dos números totais de

pentecostais). Em terceiro ponto, percebemos que a primeira igreja pentecostal

brasileira, a CCB, vem sofrendo um decréscimo considerável no número de adeptos

em relação às outras instituições, pois caiu de 20% (do total de pentecostais em

1991), para 9% (em 2010) e sendo a única a só registrar queda ao longo das

12 Vale mencionar que as Assembleias de Deus no Brasil sofrem com um fenômeno que só vem crescendo nestes últimos anos, que é a abertura de várias igrejas autônomas e que mantêm apenas a “logomarca” da instituição, não fazendo parte de nenhuma das grandes convenções de pastores como a CGADB ou a CONAMAD, mas pelo contrário criando suas próprias ou apenas se mantendo independente da influência destas. 13 JACOB, 2013, p. 85. 14 Podemos considerar os resultados do censo em relação às ADs como genéricos, pois ele engloba todas as ADs no Brasil como uma só igreja, não levando em relação à múltipla e até polissêmica divisão dentro desta denominação.

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pesquisas. Quarto, as igrejas IURD, Quadrangular, Deus é Amor e a Maranata

registraram um crescimento da primeira pesquisa (1991) para a segunda (2000),

mas em relação à terceira (2010) todas registraram uma queda. Sendo a IURD, a

que registra o maior número de queda de adeptos, em torno de 228.641 pessoas.

Em último ponto, podemos notar um contraponto desta pesquisa, o qual sem

dúvida é o campo que registra outras, as quais não compõe o ciclo das igrejas

pentecostais mais formais, ou seja, são geralmente pequenos Ministérios ou mesmo

igrejas independentes das mais tradicionais, que mostram números consideráveis

em comparação com as mais tradicionais e conhecidas igrejas desse meio. Do total

de pentecostais em 1991, eles registram 40% (sendo em números reais 3.297.768

de adeptos) superando todas as outras (inclusive as ADs) e, apesar de registrar uma

queda considerável em percentuais do total de adeptos pentecostais ano de 2000

(13,3%), em 2010 tem um crescimento real/percentual de 9,9%. O qual tende a

indicar uma despolarização real do eixo das igrejas pentecostais mais conhecidas e

tradicionais no momento de adesão de uma pessoa. Algumas perguntas podem ser

levantadas, a partir dessa análise dos dados ao referido campo, quem são essas

pessoas? Serão novos adeptos (no sentido de ser um católico, ou um de outros

espaços religiosos, ou ainda um ateu), ou um adepto de algumas dessas igrejas que

não estava mais contente com sua antiga instituição e resolveu mudar? Quantas

dessas instituições saíram de um das “igrejas tradicionais” desse movimento por

algum tipo de discordância com a gestão das mesmas? Infelizmente os dados não

oferecem caminho para essa resposta, entretanto fica como possíveis indícios para

pesquisas posteriores, a fim de um maior conhecimento dos aspectos referentes ao

múltiplo e polissêmico campo pentecostal brasileiro.

Retornando o nosso foco as ADs no Brasil, além do fato do crescimento

desse movimento ainda se manter, mesmo que menor em relação aos censos

anteriores se pode pensar o porquê uma igreja tão expressiva no cenário religioso

nacional e de importante crescimento parece aceitar/legitimar o modelo de sucessão

familiar em pleno contexto de necessária modernização das instituições religiosas

em geral. Nisso destoa com as propostas de democracia e alternância de poder

reforçadas com a superação da ditadura militar nos anos oitenta, criando um

“séquito sacerdotal” prestigioso, vitalício e familiar, que parece remontar os “tempos

bíblicos”. Até o momento esse fenômeno pouco foi pesquisado. Os autores que

poderíamos nomear como clássicos dos estudos do pentecostalismo brasileiro

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(SOUZA, 1969; NOVAIS, 1985; ROLIM, 1985; LÉONARD, 1988; FRESTON, 1994)

pouco, ou quase nada falam sobre a questão central dessa pesquisa. É claro que

não podemos desprezar a sua contribuição na busca de estudar, compreender e

explicar o fenômeno pentecostal, mas eles buscaram mais se aproximar dos efeitos

desse movimento em relação à sociedade em questão.

Salvo essa explicação, queremos mencionar o trabalho de Lavive d’Epinay “O

Refúgio das Massa”, que no Brasil é publicado no ano de 1970. Esta obra busca

realizar uma série de estudos sobre o protestantismo presente na América Latina,

tendo um olhar também para o fenômeno do pentecostalismo existente no Chile

durante a década de 1960. Sua percepção do pentecostalismo está baseada na

noção de que este movimento é uma “expressão nacional que transcende as

fronteiras de qualquer país e que soube conquistar um lugar entre os elementos

populares” (D’EPINAY, 1970, p.9). Considera ainda que o pentecostalismo se tornou

uma espécie de sociedade sem classes, que rompe com o tradicionalismo católico

do clero, pois oferece a todo fiel acesso às forças sobrenaturais abrindo a

possibilidade de todos a chegarem a ocupar uma posição hierárquica dentro do

movimento (espécie de sacerdócio universal do crente). A obra reserva ainda uma

seção para o estudo do poder no pentecostalismo chileno, afirmando que o “pastor

pentecostal é investido de um autoritarismo monopolista” (1970, p. 128), mas que

diferente do pastor brasileiro que exercia uma profissão paralela ao seu trabalho, o

pastor chileno era mantido pelo dízimo de sua comunidade (1970, p. 136). O autor

afirma que o pastor pentecostal representaria uma espécie de caudilhismo.

Devemos aqui pontuar, que ele não expressa isso como uma coisa ruim, mas ele

tenta demostrar que o pastor pentecostal chileno na cidade assume o papel de um

“protetor” e “promotor” do bem social ao grupo que a ele está junto, essa prática se

assemelharia as práticas dos caudilhos chilenos do interior (1970, p. 140-141).

Dito isso, em nossa busca e consulta de autores que tratem da temática de

nossa pesquisa, encontramos em um trabalho bem recente uma autora que se

interessou por essa questão do carisma e do exercício do poder nas ADs. Faço

referência a Correa (2013), que em sua tese de doutoramento buscou trabalhar

(mesmo que brevemente) a relação de poder dentro desse espaço religioso

específico. Encontramos ainda um artigo da mesma autora publicado em 2014, com

o título “Igrejas Assembleias de Deus no Brasil: pastores-presidentes e a linhagem

de consanguinidade ministerial”. Nesse texto a autora enfatiza o conflito entre a

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religião, profissão e vocação, tendo uma visão mais jurídica do assunto dentro de

um questionamento se a atual conjectura em relação ao pastorado e sua sucessão

seja um estado de profissionalização, ou uma questão de vocação do indivíduo (ou

família). A presente pesquisa avança no passo de entender não apenas como a

figura do Pastor-presidente surge na história do movimento, mas como ele vai

adquirindo todo esse prestígio para se tornar a principal e quase “divinizada” figura

do meio assembleiano. E quais foram e são os desdobramentos da mesma na atual

composição socioeconômica da instituição religiosa pesquisada. Neste sentido,

entender como funciona as relações de poder, prestígio e dominação relacionados

ao fenômeno de perpetuação/e sucessão no espaço pentecostal das ADs, em foco o

Ministério de Madureira, pode contribuir para uma melhor compreensão das novas

dinâmicas que o pentecostalismo está tomando dentro do espaço religioso brasileiro.

A presente pesquisa foi realizada a partir do levantamento bibliográfico de

documentação primária, as quais foram os livros da história oficial e biografias de

alguns líderes das ADs no Brasil. Analisamos também conteúdos de dois jornais

oficiais das ADs, sendo um o “Mensageiros da Paz” e, o outro “O Semeador” de

períodos específicos da história do movimento, como a fundação do Ministério de

Madureira e sua consolidação na história das ADs no Brasil (período entre 1930-

1950), a morte do Pr. Paulo Macalão, sua sucessão e a perpetuação da Família “dos

Ferreiras” (período entre 1980-2000). Buscamos fatos correlacionados ao nosso

objeto em revistas como “Seara” e “Obreiros”. Em seguida nos utilizamos de

bibliografias secundárias, com a utilização de “livros referências”, teses, dissertações

e artigos que tratam de forma direta ou correlacionada aos objetivos traçados para a

pesquisa. Ainda consultamos diversos sites oficiais e não oficiais do movimento, ao

longo da construção da mesma, a fim de nos remeter aos conteúdos mais relevantes

e importantes para a realização desta dissertação.

Optou-se pela pesquisa qualitativa utilizando prioritariamente como método de

investigação a pesquisa bibliográfica-documental, que nos deu o embasamento

teórico para a produção desta dissertação. Para que pudéssemos chegar aos

resultados ora apresentados neste texto, foi realizada uma pesquisa de campo, que

consistiu em entrevistas a partir de questionários abertos. Entrevistamos seis

pessoas que fizeram e fazem parte ainda da instituição. Buscamos realizar as

mesmas em lugares neutros, ou seja, fora do espaço religioso da ADMM. Os

entrevistados foram divididos em três grupos de duas pessoas cada, sendo eles

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homens, que se encaixam no seguinte perfil: - Grupo 1: Pastores-presidentes, com

idade igual ou superior a 55 anos e que tem no mínimo 5 anos de experiência no

cargo citado. Partimos do pressuposto que a carreira do pastor-presidente é

construída ao longo de alguns anos, no qual o indivíduo deve passar por fases até

atingir este posto. E os dois não só se encaixavam nos requisitos, como até os

superaram. Fizemos a opção por essa idade, pois ela atendeu a um outro objetivo

de nossa pesquisa, o qual era de falarmos sobre o Pr. Paulo Leivas Macalão que já

é falecido a mais de trinta e quatro anos, dessa forma um pastor-presidente com

idade inferior a essa não poderia contribuir neste foco.

Grupo 2: Foi de pastores de congregação. Neste caso os mesmos tem idade

superior a 35 anos, sendo membros da instituição a mais de 10 anos. Diferente da

questão anterior à escolha dessa idade também foi intencional, pois desejamos

entrevistar pessoas que estivesse no extremo das idades, a fim de percebemos qual

seria a visão de um obreiro que tenha vivido durante a gestão do Pr. Macalão e a

atual e a visão de um obreiro que só conheceu a gestão atual. Fato que

conseguimos, pois um dos entrevistados conheceu a Macalão e o outro quando

chegou à instituição, o referido pastor já era falecido.

Grupo 3: Composto de ex-pastores-presidentes da ADMM e que por motivos

de não concordância com as práticas atuais do Ministério, deixaram o mesmo. Estes

tem idade entre 55 a 70 anos e fizeram parte do ministério em um período superior a

30 anos. Sua escolha se deu porque abaixo dessa idade teríamos problemas com

uma relação próxima ao período de Macalão, mais ainda as transformações que

levaram eles a abandonar o ministério. Essa opção nos ajudou a perceber os

conflitos e tensões atuais dentro da instituição.

Sobre as entrevistas a princípio ficamos receosos de como seriamos

recebidos, principalmente pelos que ocupam o posto de Pastores-presidentes da

instituição, uma vez que eles poderiam pensar que a pesquisa tinha como função

“desmerecer”, ou “desprestigiar” suas pessoas. Levantando a questão de até quanto

suas falas seriam verdadeiras em relação às perguntas realizadas? O que podemos

perceber é que um deles respondeu as questões de forma bem polida, evitando

qualquer tipo de polêmica, mesmo sendo algumas vezes provocado durante a

entrevista. O outro de forma mais descontraída e aberta, respondendo todas as

perguntas de forma franca e bem direta, não evitou falar sobre assuntos polêmicos e

criticou muito, certas posturas de alguns líderes da ADMM, segundo ele,

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descaracteriza a real “vocação” do chamado pastor-presidente. Entre os pastores de

congregação e os ex-pastores-presidentes, as entrevistas foram menos tensas, em

comparação as do grupo dos pastores-presidentes. Nosso único receio era com os

ex-pastores responderiam, pois devido o seu rompimento com o movimento, suas

respostas poderiam tender para um desabafo. Porém o que se viu foi uma postura

de sobriedade e muito respeito com a instituição, uma vez que, para os mesmos foi

nela que eles puderam desenvolver sua vocação.

O resultado final dessa pesquisa está organizado em três capítulos, que a

seguir apresentamos,

O primeiro capítulo trata sobre “‘Patriarcalismo/patrimonialismo’ na formação

sociocultural das Assembleias de Deus no Brasil”, tendo como ponto central a figura

do Pastor-presidente. Fazemos um balanço parcial da forma como o pensamento

social brasileiro trata certas figuras sociais da história nacional como “meros

estoques culturais”, nos quais os mesmos não passariam de uma herança cultural,

retirando deles sua condição de produtores e reprodutores de padrões sociais.

Buscamos então desconstruir essa noção demonstrando que os mesmo se

processam por diferentes e complexas práticas sociais. Utilizamos para isso os

conceitos weberianos de poder e dominação e como eles atuam nas diferentes

composições que as ADMM foram adquirindo no decorrer de sua história. Falamos

também sobre a trajetória de um indivíduo pentecostal para se tornar pastor-

presidente e como vai se dando o seu prestígio frente ao grupo. Utilizamos aqui os

conceitos de capital simbólico e social de Bourdieu. Ainda neste capítulo tratamos

sobre os limites de um Pastor-presidente e quais seriam os instrumentos que

possibilitariam fiscalizar suas ações na condução da mesma. Por fim, abordamos um

caso sobre a retirada de um Pastor-presidente de sua função em um Campo das

ADMM, devido algumas de suas ações e atitudes que geraram um conflito com os

membros e a diretoria desta determinada igreja “madurense”.

No segundo capítulo falamos sobre “A primeira Assembleia de Deus

‘autenticamente’ brasileira”, no qual focamos sobre a vida e trajetória dos dois

principais líderes da ADMM. Na primeira parte do capítulo reservamos ao fundador

do ministério o Pr. Paulo Leivas Macalão, descrevendo como o mesmo deu início a

ADMM e sobre a sua postura autônoma e “interregionalista”, que lhe atribuiu o título

de “invasor de campo”. Esta parte tem a função de nos ajudar na compreensão de

como o poder e prestígio do mesmo se desenvolveu ao longo dos anos, indo do

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carisma para o poder patrimonial e que se utilizou de mecanismos racionais

burocráticos para manter o poder e a ordem, todas as vezes que viu ameaçada a

“unidade” de sua igreja. A segunda parte desse capítulo aborda a suposta condição

do Bp. Manoel Ferreira como o sucessor mais indicado de Macalão. Para isso

abordamos questões sobre a rotinização do poder e como se processa uma

sucessão dos poderes. Também buscamos descrever a trajetória do mesmo dentro

do ministério e como ele aos poucos foi se consolidando como a escolha “mais

justa” para suceder o fundador. Ao final do capítulo dispomos de uma seção que

trata de sua tentativa em ingressar a vida política, relacionando a sua condição

prestigiosa, mas que no final não lhe garantiu muito sucesso, apesar de ter sido

eleito a deputado federal no ano de 2006.

Por fim, no terceiro capítulo – “O Ministério de Madureira na Atualidade”,

discorremos na primeira parte do capítulo sobre as características atuais do

Ministério de Madureira, dividindo ele em três partes para uma melhor compreensão,

dessa forma tratamos sobre a CONAMAD, o Campo e o “Governo da Igreja”, que se

trata da formatação hierárquica da organização. Na segunda parte do capítulo

falamos sobre a questão da sucessão atual dentro da ADMM, se a mesma é uma

prática patrimonialista ou uma questão de herança aos filhos de determinados

líderes. Ainda nesta parte dedicamo-nos a falar sobre os dois filhos do Bp. Manoel

Ferreira (Abner e Samuel Ferreira) e como ambos se firmaram como os “sucessores

legítimos” ao comando da CONAMAD. Na seção final desse capítulo analisamos

algumas questões referentes aos conflitos internos e como eles foram resolvidos, os

quais levaram alguns Campos ao rompimento com o Ministério e a se tornarem em

Ministérios independentes atualmente.

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CAPÍTULO 1 O “PATRIARCALISMO/PATRIMONIALISMO” NA FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS NO BRASIL: a figura do Pastor-presidente. Ao estudarmos como foi sendo construído e ao mesmo tempo desenvolvido o

pensamento social brasileiro ao longo do século XX, é possível perceber a ausência

(não sei se proposital, ou não) de alguns dos movimentos sociais que ajudaram a

construir direta, ou indiretamente a sociedade brasileira. Entre eles podemos fazer

referência ao fenômeno do protestantismo, em especial, ao de vertente pentecostal.

Movimento esse com mais de 100 anos de história dentro do território nacional e,

que hoje se não em todas as cidades e municípios do mesmo, se pode constatar a

presença de pelo menos uma igreja desse movimento em todos os estados

nacionais de norte a sul, leste ao oeste de nosso país. Porém, ele só foi percebido

pela Academia brasileira no final da década de 196015, como um movimento social

relevante e carente de uma compreensão mais minuciosa com os estudos de Beatriz

Muniz de Souza (1969) e de Candido Procópio Ferreira de Camargo (1973).

Não é nossa intenção aqui afirmar que depois desses primeiros trabalhos de

pesquisa, a Academia se interessou de vez em entender e explicar esse fenômeno

de forma mais contundente, ao contrário se passaram quase duas décadas para que

o fenômeno do pentecostalismo pudesse despertar os interesses mais efetivo dos

pesquisadores de diferentes áreas das Ciências Humanas e da Religião e até

mesmo da área de Teologia. O próprio censo demográfico brasileiro demorou em se

adequar a essa realidade, uma vez que até o ano de 1960 se optava por manter o

“quesito religião em aberto” (SANTOS, 2014, p. 21), dessa forma protestantismo e

pentecostalismo eram analisados de forma conjunta, assim como os espíritas,

umbandistas e candomblecista eram entendidos como uma única forma de

expressão religiosa, pelo menos nos dados.

Podemos considerar que as “novas religiões” tendem a atender a situações

sociais emergentes, dessa forma os censos seguintes passaram a ampliar a forma

de coletar e tabular dados, requisitando o trabalho de profissionais das Ciências

15 As pesquisas de Willems (1967) e D’Epinay (1970) sobre o pentecostalismo no Chile e Brasil são pioneiras na América Latina, ou quais ajudaram a fazer uma primeira delimitação a abordagem sobre esse movimento na região citada.

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Humanas para auxiliar no processamento e interpretação dos dados coletados

(2014, p. 21-22), a fim de atender as novas demandas exigidas por essa sociedade

em transformação. Assim,

Os censos a partir de 1980 ampliam a riqueza de investigação dos censos anteriores e contam agora com o processo de informatização das informações necessárias para suprir as demandas dos estudiosos em busca de tabulações, cruzamentos de variáveis, além dos resultados oficiais publicados no censo. (SANTOS, 2014, p. 22)

Outro dado importante é que o primeiro estudo acadêmico brasileiro sobre o

protestantismo foi produzido pelo historiador e protestante francês Émile G. Léonard,

em sua obra “O Protestantismo Brasileiro” de 1963. Mas, que nessa obra traz um

“esquecimento” do fenômeno pentecostal brasileiro, pois, o mesmo, reserva no

máximo cinco páginas para falar do movimento. É durante a década de 1980, que

Léonard (1988) publica uma pesquisa que fora realizada ainda na década de 1930,

sobre movimentos que denominou de “iluminista”16 e o movimento pentecostal que

se implanta no Brasil no início do século XX. A partir de uma pesquisa historiográfica

o autor elucida uma faceta da composição social brasileira que é o seu misticismo,

apresentado de forma sucinta algumas de suas características. Apesar de

apresentar o pentecostalismo como um movimento uniforme e sem particularidades,

a obra sem dúvida ajudou na busca de uma maior compreensão desse segmento no

referido período.

A pergunta que se pode fazer é o que explica esse “esquecimento” inicial?

Ser ele um movimento recente e sem expressão numérica? Acreditamos que não,

uma vez que o pentecostalismo no momento da publicação dessa obra, já contava

com pouco mais de meio século de existência em nosso país, e ainda mais,

segundo Rolim (1985, p. 104-105), no ano de 1960 esse movimento conta em

números com 705.031 membros comungantes, o que representava pouco mais de

1% do total da população brasileira17; enquanto os tradicionais contam com 663.968

membros comungantes (menos de 1% do total da população brasileira). Assim em

termos numéricos não se explica esse “esquecimento”, ainda mais porque, nesses

mesmos dados expostos por Rolim à distribuição percentual dos membros

pentecostais e de não pentecostais nas diferentes regiões do Brasil, em especial, na 16 Por iluminismo Leonard entende como um movimento que traz em seu bojo expressos místicos de uma forma de iluminação interna, no qual indivíduos ou grupos expressão sua fé a partir de sensações místicas de encontro com o sobrenatural – Deus. 17 Segundo o Censo demográfico do IBGE de 1940/2010 o total da população brasileira em 1960 era de 70.070.457 habitantes.

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região sudeste do país é muito semelhante, aliás, com uma ligeira diferença para os

pentecostais, os quais detinham 21,6% dos totais de protestantes, enquanto os não

pentecostais somavam 21,1%.

Entendendo ser o fenômeno pentecostal brasileiro um movimento com

características próprias e peculiares diferente do tipo de pentecostalismo que se

desenvolveu nos Estados Unidos (SOUZA, 2008), podemos perceber que o seu

desenvolvimento ocorre paralelamente a já instituída produção da cultural brasileira,

ou seja, a partir de seu contato com as diferentes áreas da vida social, econômica,

política do Brasil podemos pensar em uma “brasilianidade” pentecostal, na forma de

um movimento religioso com características semelhantes à de qualquer outro

movimento social que se desenvolveu durante a formação cultural do país. Para

entendermos esse movimento e as suas práticas atuais precisamos entendê-lo a

partir das características que adquire como parte da formação do próprio Brasil. Uma

vez que nenhum fenômeno social pode se desenvolver autonomamente das

dinâmicas sociais de onde ele está inserido. Berger já afirmava que,

A sociedade é, portanto, não só resultado da cultura, mas uma condição necessária dela. A sociedade estrutura, distribui e coordena as atividades de construção do mundo desenvolvidas pelos homens. E só na sociedade os produtos dessa atividade podem durar (BERGER, 1985, p. 21.).

Para ele o processo dialético de exteriorização, objetivação e interiorização

são o que nos definem enquanto seres humanos, uma vez que o mesmo “não pode

ser concebido como algo isolado em si mesmo”. Esse ponto revela que só é possível

ser um produto da sociedade (interiorização), quando esse ser humano (ou seres

humanos em uma comunidade) se efundem (exterioridade) ao mundo, objetivando

suas ações e tendo reconhecido a sua sui generis, como válidas ao meio em que

estão inseridas (BERGER, 1985, p. 16-17). Entendemos então que para

compreender de forma mais séria e próxima os fenômenos produzidos atualmente

pelo pentecostalismo brasileiro, em especial, o assembleiano precisamos entendê-lo

a partir das relações com a formação da sociedade brasileira ao longo de sua

história.

Para uma melhor compreensão desse fenômeno recorreremos à área de

conhecimento da sociologia que busca explicar como se constituiu o chamado

pensamento social brasileiro. Uma vez que “a realidade social não é visível a olho

nu, o que significa que o mundo social não é transparente aos nossos olhos”

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(SOUZA, 2015, p. 9), precisamos nos apropriar de “lentes” que nos forneçam a

condição necessária para romper com o senso comum e com possíveis “achismos”

sobre o objeto em questão. Dessa forma nesse capítulo abordaremos o conceito de

patriarcalismo/patrimonialismo dentro da construção das diferentes instituições que

deram e dão corpo ao Brasil. Tema este recorrente a diversos autores que buscaram

explicar como se originou os contornos atuais da economia, política e sociedade

brasileira.

1.1. O PATRIARCALISMO/PATRIMONIALISMO NO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO.

Para compreendermos as dinâmicas do pentecostalismo brasileiro atual e

podermos fazer uma análise mais próxima da realidade é imprescindível voltarmos

um pouco na história de formação do Brasil, dentro do seu contexto econômico,

político e social, lembrando que a formação da nação está completamente imbricada

com o projeto em sua gênese de um empreendimento mercantilista (PRADO Jr.,

2011; FURTADO, 2005), ou seja, não havia por parte de Portugal um projeto de

formação de uma “nação”, mas sim, uma forma de garantir que o seu “ganso dos

ovos de ouro”, não fosse tomado pela outras nações europeias18.

O início da ocupação econômica do território brasileiro é em boa medida uma consequência da pressão política exercida sobre Portugal e Espanha pelas demais nações europeias. Nestas últimas prevalecia o princípio de que espanhóis e portugueses não tinham direito senão àquelas terras que houvessem efetivamente ocupado. Dessa forma, quando, por motivos religiosos, mas com apoio governamental, os franceses organizam sua primeira expedição para criar uma colônia de povoamento nas novas terras - aliás, a primeira colônia de povoamento do continente -, é para a costa setentrional do Brasil que voltam as vistas. Os portugueses acompanhavam de perto esses movimentos e até pelo suborno atuaram na corte francesa para desviar as atenções do Brasil. Contudo tornava-se cada dia mais claro que se perderiam as terras americanas a menos que fosse realizado um esforço de monta para ocupá-las permanentemente. Esse esforço significava desviar recursos de empresas muito mais produtivas no Oriente. A miragem do ouro que existia no interior das terras do Brasil - à qual não era estranha a pressão crescente dos franceses – pesou seguramente na decisão tomada de realizar um esforço relativamente grande para conservar as terras americanas. (FURTADO, 2005, p. 16.).

1818 A historiografia brasileira apresenta pelo menos dois casos de tentativas de invasão à colônia portuguesa aqui na América (Brasil), uma por parte dos franceses e outra pelos holandeses, este último com um período maior de permanência. (FAUSTO, 1995; SKIDMORE, 1998).

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Por este motivo, esse empreendimento carrega características muito

particulares e peculiares em sua formação econômica, política, social e também

religiosa, uma vez que a religião que se formara no território brasileiro tende a

atender as necessidades do projeto colonialista nas Américas. Assim, para

conseguirmos melhor compreender o como se dá o nascimento e a evolução do

pentecostalismo brasileiro, primeiro precisamos entender o “sentido” dado ao Brasil,

ou seja, “perceber não nos pormenores de sua história, mas no conjunto dos fatos e

acontecimentos essenciais que a constituem num largo período de tempo” (PRADO

Jr, 2011, p. 15.).

Autores conceituados no campo das Ciências Sociais e Humanas se

debruçaram não só para entender, mas em explicar como se deu a “múltipla”

formação étnica de nossa sociedade (IANNI, 2004, p.159) e como essa “múltipla”

formação ajuda a explicar os contornos daquilo que estamos denominando de

patriarcalismo/patrimonialismo brasileiro. Podemos citar aqueles que são

considerados como “clássicos” do desenvolvimento do pensamento social brasileiro;

Gilberto Freyre em “Casa Grande & Senzala” (1932), Sergio Buarque de Holanda

em “Raízes do Brasil” (1936) e Caio Prado Júnior em “Formação do Brasil

Contemporâneo” (1942), Raymundo Faoro em “Os Donos do Poder” (1958) entre

outros, que buscaram explicar a formação do chamado Brasil Moderno. Em primeiro

lugar, alguns desses teóricos se utilizaram do conceito que é comumente

denominado de miscigenação (ou encontro étnico de matrizes diferentes19, ou ainda

multietnicidade20), o qual inaugura a corrente do chamado culturalismo brasileiro,

que buscou romper com as teorias de um cientificismo racista na intenção de

encontrar e formular uma “identidade nacional” ainda em meados da década de

1930, mas que não consegue romper com concepções eurocêntricas de

modernidade. Porém, muitos desses intelectuais, ao buscarem construir uma

explicação coerente de nossa formação se depararam com o problema dos

“estoques culturais herdados” (SOUZA, 2015), ou seja, o que somos hoje está

relacionado diretamente ao legado deixado pela colonização portuguesa.

Esta visão impõe a sociedade brasileira rótulos como corrupção, preguiça,

passividade, “clientelismo”, atraso, pobreza, dependência como as marcas de uma

sociedade ainda pré-moderna e que está completamente presa nessas “condições

19 RIBEIRO, 1995. 20 IANNI, 2004.

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herdadas”, as quais nos impedem de avançarmos aos padrões considerados como

modernos, éticos, dinâmicos e tecnológicos, referência dada aos países

considerados como desenvolvidos. É importante pontuarmos que essa forma opaca

e obtusa de olhar a realidade social brasileira recai também as muitas interpretações

dadas ao movimento pentecostal brasileiro, em especial o assembleiano. Tendo

como objeto central dessa pesquisa a relação de poder, prestígio e dominação

atribuída à figura dos Pastores-presidentes da ADMM e as atuais práticas de

sucessão familiar, cabe a perguntar se as relações produzidas por esse movimento

são frutos de práticas personalistas, reafirmadas por uma forma patrimonialista-

histórica que são possíveis de ser encontrados nos mais diferentes estratos de

nossa sociedade como formas homogêneas de reprodução do poder e da

dominação, que não passariam de uma mera reprodução das práticas

sóciohistóricas herdadas de nossa condição de colonizados. Desprezaria assim as

condições inerentes desse, ou de qualquer outro movimento social, que tende a cria

formas próprias de disputas internas, a fim de obter o poder e a dominação em seu

interior, ora de forma naturalizada, ora por meio do conflito.

Para muitos a figura do Pastor-presidente das ADs, pode dar a impressão e,

ao mesmo tempo não passar de uma reprodução histórica de figuras como os

donatários, os senhores do engenho e os coronéis do período colonial e imperial

brasileiro, que segundo o pensamento do “senso comum” nacional, não passariam

de produtos de um personalismo herdado e que garantiria sua condição patriarcal e

patrimonial no favorecimento daqueles que estão a sua volta - clientelismo. Essa

questão será analisada mais adiante, mas já devemos destacar sobre o perigo de

não alcançarmos uma melhor compreensão do fenômeno se cairmos nessa forma

de reducionismo proporcionada pelo que podemos denominar de “culturalismo

liberal conservador” (SOUZA, 2015) produzido e reproduzido ainda hoje, por muitos

teóricos que tentam explicar não apenas o nosso desenvolvimento, mas também

nossas condições atuais de “atraso” social e moral como uma “herança maldita”

(SOUZA, 2015).

Nesse sentido, devemos caminhar sobre uma óptica interpretativa que

consiga perceber que desde seu “achamento”21 em 1500, o Brasil tem se constituído

21 Termo usado para referir que os portugueses não descobriram o país, com convencionalmente está descritos em alguns manuais de história, pois antes de sua chegada as terras brasileiras já existiam grupos sociais que habitavam não apenas o litoral mais também o interior do país, e estes

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como um local totalmente diverso em questão cultural, pois a confluência de

diferentes povos ao longo de seu processo de formação (indígenas, africanos,

portugueses, holandeses e franceses em breve espaço de tempo e depois uma série

de imigrantes vindos de diversas partes do mundo, inclusive da Ásia), fez do Brasil,

um lugar onde o encontro de diversas culturas seja extremamente rico do ponto de

vista das Ciências Sociais e Humanas. E aqui, está o ponto fundamental, pois toda

“a sociedade humana é opaca, não é transparente22 para nenhum observador”,

assim, parafraseando Maduro23, aquele que quer estudar o seu próprio ambiente é

ao mesmo tempo juiz e parte do processo, não só observando as lutas sociais, mas

si colocando no centro delas (MADURO, 1981, p.37), a fim de “trazer à luz” aquilo

que histórica e socialmente está obscurecido pela ignorância e preconceito

produzidos pela classe dominante. Daí pensar em uma cultura brasileira é lembrar

que a “mestiçagem” envolve todas as etnias que compõem a população, desde as

várias etnias nativas e africanas24, até as europeias e asiáticas. Nas palavras de

Ianni, o Brasil é,

[...] um laboratório étnico excepcional. Aí se combinam tolerâncias e intolerâncias, formas veladas e formas abertas de preconceito racial, outra vez envolvendo as múltiplas etnias que formam a sociedade. Sem esquecer que a densidade social, compreendendo etnias, situações econômicas, condições políticas, elementos culturais, é desigualdade nas distintas regiões do país, bem como em diferentes setores ou estratos sociais; criando-se assim toda uma gama de acomodações e tensões, tolerância e intolerâncias, um caleidoscópio multicolorido, ao mesmo tempo estridente e fascinante. (IANNI, 2004, p.159.).

Assim, pensar em Brasil é ter em mente uma gama muito complexa e muitas

vezes contraditória de práticas culturais que foram sendo criadas e desenvolvidas ao

longo de mais de quinhentos anos de sua existência. Não podemos então cair em

uma celeuma simplista, ao pensar que as formas de patriarcalismo/patrimonialismo

sejam apenas uma mera herança colonial, como se fosse um processo de “osmose”,

fruto de uma pré-modernidade muito mais homogenia e insossa e que apenas

grupos estavam organizados política, social e religiosamente, produzindo assim uma cultura própria e diversificada. Para melhor compreensão do assunto (RIBEIRO, 1995). 22 Crivo do autor. 23 Esse autor escreve sobre o papel do sociólogo na árdua tarefa de descrever, compreende, explicar, predizer e resolver os conflitos presentes na realidade desse personagem/especialista. (MADURO, 2000). 24 Uma vez que tanto os povos nativos brasileiros, quantos os africanos não podem ser observados de forma unívoca desprezando a sua multiplicidade cultural, pelo contrário tanto um como o outro é um conjunto de saberes próprios, com conhecimentos culturais próprios e até superiores a dos europeus neste período de nossa história. (RIBEIRO, 1995).

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seguiu um caminho que já estava “preestabelecido” ao desenvolvimento do país.

Pelo contrário, essa concepção pseudocientífica (SOUZA, 2009, 2015) foi sendo

construía pela classe dominante e aceita pela maioria dos pensadores brasileiros em

um determinado período de nossa história, na qual se buscava criar o “mito da

identidade nacional”, que pudesse abarcar todas as diferenças em um só bojo,

retirando do foco as tensões e os conflitos que ocorriam internamente. Nessas

perspectivas, as concepções Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda se

encaixaram como “uma luva” para as pretensões do “culturalismo liberal

conservador” (SOUZA, 2015). E que está implicitamente ligada às muitas

concepções interpretativas atuais sobre o movimento pentecostal assembleiano

brasileiro.

Segundo Souza, em “A Tolice da Inteligência Brasileira”, Gilberto “Freyre é o

pai-fundador da concepção dominante” de como percebemo-nos dentro desse senso

comum de um “personalismo virtuoso” (2015, p. 30-31) de nossa miscigenação, ou

seja, uma visão que busca dar dignidade a nossa formação “multiétnica” (IANNI,

2004), em contraposição as concepções racistas que atribuía o nosso atraso a

nossa formação étnica. Mas, se por um lado Freyre busca dar um sentido “positivo”

a nossa formação, pois criamos uma “civilização singular”; é, em, Sérgio Buarque de

Holanda que encontramos “o pai-fundador das concepções dominantes” das

ciências sociais brasileiras, em cuja visão atribui que nossa “maior virtude”, não

passa de nosso maior “problema social e político” (SOUZA, 2015, p. 32). Pois ao

buscar as “Raízes do Brasil”, ele identifica nesse “homem cordial” um indivíduo

tomado de uma cultura personalista, clientelista e autoritária, ao qual produz uma

dualidade irreversível, entre uma ausência de “ética ao trabalho”, mas que, ao

mesmo tempo nele reside uma “ética da aventura” (HOLANDA, 1995, p.44). O

mesmo estaria disposto a enfrentar perigos inimagináveis na condição de obter

fortuna e prestígio de forma rápida, ao invés de lograr o seu sucesso do esforço

laborioso racional de seu trabalho cotidiano, como ocorria nos países capitalistas

modernos, principalmente os de vertente protestante.

Em sua concepção os indivíduos e as instituições que se formam em nosso

território, se pautam na excessiva relação de pessoalidade, “apadrinhamento” em

detrimento das relações de impessoalidade típicas das “sociedades modernas

capitalistas”. Pelo contrário, essas relações de pessoalidade e “apadrinhamento” dão

origens as práticas de patrimonialismo, que são “uma espécie de amálgama

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institucional do personalismo”, pois o “‘homem cordial’ é emotivo e particularista e

tende a dividir o mundo entre ‘amigos’, que merecem todos os privilégios, e

‘inimigos’, que merecem a letra dura da lei” (SOUZA, 2015, p.32). Essa visão de

nossa formação nos impede de ver aquilo que está nos alicerces da mesma, uma

vez que, não conseguimos perceber as nossas próprias relações internas que são

tensas e contraditórias, pois,

O Brasil criou-se, sob uma fachada de harmonia, uma sociedade contraditória. As contradições têm várias fontes. Elas são um produto da miscigenação de povos – indígenas, europeus e africanos – e da cultura derivada dos portugueses que mantêm o Brasil unido. [...] Em suma, o Brasil exemplifica todos os problemas do capitalismo no mundo em desenvolvimento. (SKIDMORE, 1998, p.15.).

Muito mais que uma mera herança da colônia, nossa formação se pauta da

construção e formação capitalista de exploração e luta de classes, pois nessa órbita

a grande massa populacional de nosso país é excluída não apenas do processo de

formação, mas do próprio processo de consolidação e distribuição dos bens

escassos e necessários para a sobrevivência. E não somente isso, pensar o Brasil,

a partir de uma concepção “unívoca” de identidade nacional é um problema ainda

maior, pois em nossa historicidade, nunca levou em conta a ideia básica de

identidade nacional que permitiria uma identificação com um povo em sentido de

homogeneidade e que compartilharia de um mesmo senso “identitário” como

possuía, por exemplo, o inglês, o francês, o espanhol ou mesmo o estadunidense.

Pelo contrário, o que encontramos em nossa história foi a grande demarcação

“étnico-territorial”, preconceituosa e racista entre os indivíduos que detêm esses

recursos escassos, em detrimento aos que não os detêm, mas que também

compõem a nação. Se utilizando de pensamento de Ianni, devemos pensar o Brasil

como um experimento “multicultural e multiétnico”, no qual “diferentes civilizações

encontram-se, acomodam-se, combinam-se, dissolvem-se e recriam-se, ao mesmo

tempo em que se tencionam e reafirmam” produzindo o que ele chama de multi-

etnias, termo por ele utilizado para afirmar que o Brasil é um “produto” de diferentes

culturas e etnias, e não uma homogeneidade nascida de um pensamento

eurocentrista e elitista. (IANNI, 2004, p.153).

A partir dessa concepção, em que somos o “experimento simultaneamente

social, cultural e étnico” (IANNI, 2004, p.153), precisamos romper com essa visão

“pseudocientificista do culturalismo liberal conservador” (SOUZA, 2015) de muitos

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intelectuais brasileiros que ajudaram a reproduzir e reforçar em nossa sociedade a

ideia de que somos uma “mera herança” e lembrança dos resultados do colonialismo

europeu dos séculos XVI, XVII e XVIII, retirando de nós mesmos as condições

materiais e espirituais enquanto produtores e reprodutores de sentido de nossa

própria realidade. Precisamos ainda, destacar que o Brasil que vemos hoje é sem

dúvida o resultado de uma obra que se desenvolveu em meio ao tempo, em que não

apenas existimos enquanto um empreendimento mercantil derivado das grandes

navegações ibéricas, com o objetivo de acumular o máximo possível de reservas

financeiras em um período de transição para os capitalismos, mas que se perpassou

e se desenvolveu dentro e pelos diferentes momentos desse sistema, ou seja, o

comercial, o industrial-monopolista, chegando por fim ao capitalismo financeiro,

estágio de exploração mais aguda do mesmo.

Pois, assim fazendo, conseguiremos romper em definitivo com as teorias

reducionistas de um patriarcalismo/patrimonialismo personificado em alguma dada

figura como o donatário, o senhor do engenho, o coronel, o Estado, chegando até o

objeto de nossa pesquisa que é o Pastor-presidente das ADMM, como figuras

guiadas pela irracionalidade, pela emotividade, ou ainda pelo egoísmo puro e

simples, o qual tende a privilegiar uns poucos em detrimento da maioria. Sendo

estes desprovidos de qualquer tipo de estrutura de poder racional e

burocraticamente organizada, que os ajudasse a pôr em prática os seus mais

diferentes projetos e desígnios materiais, ou seja, ao invés de termos a capacidade

de perceber o que está por de trás das relações de poder e dominação. Essa forma

de pensamento daria a entender que o mesmo ocorreria pelo simples fato da

existência dessa determinada figura, e, ela ser carregada de uma personalidade

“ancestral” e herdada da condição de ex-colônia.

Esse rompimento se faz ainda mais necessário, uma vez que esses

intelectuais brasileiros (como Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro) tentam

apoiar suas preposições e afirmações sobre o Brasil, nos estudos weberianos de

poder e da consolidação do sistema capitalista na sociedade Ocidental. Weber em

sua obra “Economia e Sociedade” (1922) busca explicar sociologicamente, como a

diferentes formas de poder e dominação atuavam e se reproduziam nas diferentes

sociedades humanas. Como clássico que é esse trabalho, o mesmo vai ser

apropriado pelos intelectuais brasileiros, na tentativa de dar peso teórico aos seus

argumentos sobre como se forma e desenvolve o patrimonialismo no Brasil.

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Para Souza (2015), os intelectuais brasileiros interpretam as concepções

weberianas, principalmente do patrimonialismo muito mal e de forma estática, como

se o pensamento de Weber não tivesse tido a capacidade de ver para além “dos

meros” tipos ideais – lembrando que são modelos abstratos, que tem a função de

ajudar na compreensão do objeto estudado. Ainda segundo o autor, Weber tinha a

plena consciência que a conduta ética “empresarial” dos primeiros protestantes

estadunidenses era muito diferente de seus descendentes, que viviam naquele

momento em uma sociedade de base secularizada. Assim essa noção de

patrimonialismo “abrasileirada” que repousa no personalismo de um indivíduo, ou

mesmo da instituição, tende a demonizar a figura do Estado como agente corrupto

por natureza, mas ao mesmo tempo o Mercado é visto como uma entidade de pura

virtude, escondendo todas as relações, tensões e contradições que os mesmos

geram em relação com a sociedade na qual estão inseridos. Nesse sentido ele

afirma que,

A tese do patrimonialismo pressupõe, portanto, tanto que se esconda e se esqueça a “sociedade”, e com ela os conflitos sociais como arena da disputa por recursos escassos, como também se simplifique mercado e Estado, onde um é o mocinho e o outro é o vilão. Esse é o nome da operação ideológica que permite que o tipo de liberalismo redutor e mesquinho que temos entre nós possa ser visto com o “flair” de uma teoria crítica da sociedade. [...] Mais uma vez o “homem cordial” de Sérgio Buarque passa a habitar, por algum milagre nunca explicado, apenas o Estado, e nunca o mercado. (SOUZA, 2009, p. 86)

Aqui reside o ponto central para a nossa pesquisa, pois ao percebermos essa

inversão de mundo realizada pela intelectualidade liberal conservadora, para se

explicar o tipo de patrimonialismo que existe no Brasil, podemos então começar a

demarcar que a figura do Pastor-presidente das ADMM não é um produto de um

“estoque cultural herdado” (SOUZA, 2015) do colonialismo português, mas sim, uma

construção racional e burocrática, a fim de conseguir melhor administrar o poder que

foi sendo consolidado dentro do processo de formação e desenvolvimento das ADs,

seja ela do Ministério de Madureira, Missões ou de qualquer outro Ministério ao

longo de seu processo histórico. Dessa forma necessitamos de um rápido retorno a

esses conceitos que foram elaborados pelo sociólogo alemão Max Weber, na

tentativa de melhor explicitarmos como foi por ele elaborado a questão do

patriarcalismo/patrimonialismo, para depois sim, utilizarmos os mesmos na

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elucidação dessa figura tão importante para ADs no Brasil que é o Pastor-

presidente.

E apesar da AD não ser uma igreja exclusivamente brasileira, pois a

encontramos em outras localidades, como por exemplo, em países do continente

Americano25, pode-se notar que figura do Pastor-presidente só é encontrada nas

igrejas ADs que foram fundadas no Brasil ou por brasileiros em outras localidades.

Por este motivo a importância de romper com a interpretação tradicional do

pensamento social brasileiro, a fim de nos aproximarmos o máximo possível de uma

interpretação mais próxima da realidade do nosso objeto em questão.

1.1.1. O Patriarcalismo/Patrimonialismo em Max Weber: os conceitos de poder e

dominação.

Nesta seção recorreremos à visão weberiana sobre os conceitos de poder e

dominação, que nos dará os aportes necessários para melhor compreender o que é,

e como se constituiu a figura do Pastor-presidente das ADMM. Também nos

auxiliará em uma melhor percepção de como essa figura se mantém no poder da

instituição de forma “quase que intocável”, como se tem visto em muitas das ADs no

Brasil, não somente no Ministério de Madureira como também as ligadas à CGADB.

Atualmente além de se perpetuar no poder recebendo em muitos casos a

designação de “presidente-vitalício” do ministério26 (como é no caso de Madureira), o

mesmo passa a ter poder para postular a indicação de filhos, ou mesmo parentes

próximos como genros e netos, para sucedê-lo no cargo.

25 A “logomarca” Assembleia de Deus é utilizada pela primeira vez em 1914 pela igreja fundada nos Estados Unidos, no caso brasileiro apesar de ter sido fundada em 1911, a igreja em Belém do Pará era chamada de Missão da Fé Apostólica, somente em 1918 é que passa utilizar o logo de Assembleia de Deus. (ALENCAR, 2010; 2013). 26 Segundo o Estatuto da CONAMAD do ano de 2007, em seu CAPÍTULO XI; DAS DISPOSIÇÕES GERAIS; no Art. 95. Diz-se: “Poderá haver reeleição em todos os cargos da CONAMAD; exceto para aqueles ocupados atualmente pelo Presidente e 1º Vice Presidente, por serem seus ocupantes vitalícios, de acordo com a decisão soberana e unânime da Egrégia Assembleia Geral Extraordinária realizada em 1º de maio de 1999. Ainda segundo o mesmo no em Parágrafo Único: “No caso de vacância dos cargos de Presidente e 1º Vice Presidente da CONAMAD, extingue-se, de plano, a vitaliciedade quanto aos cargos vacantes; e o preenchimento dar-se-á de acordo com as normas estatutárias vigentes, quanto à eleição, posse e mandato”. Um ponto interessante a se ressaltar é que, no Estatuto da instituição alterado em 2013, desaparece a vitaliciedade do 1º vice-presidente, que a época estava a cargo do Pr. Lupércio Vergniano (que ainda está vivo, mesmo que doente) e que hoje é do Pr. Samuel Cássio Ferreira (que na última convenção da CONAMAD ocorrida em 2016, ele se tornou o Presidente Executivo da instituição). Esse assunto será tratado com mais profundidade no terceiro capítulo, o qual tratará diretamente sobre a ação dos filhos do Bp. Manoel Ferreira.

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Pois bem, Weber define poder como a “probabilidade de impor a própria

vontade numa relação social, mesmo contra a resistência, seja qual for o

fundamento da probabilidade” (WEBER, 2012, p.33). Que seriam neste caso os

recursos que o dominador dispõe nesse momento, que podem ser financeiros,

bélicos, políticos, entre outros. Para ele o conceito de poder é sociologicamente

amorfo, uma vez que as qualidades de uma pessoa e as condições das relações

sociais podem fornecer as condições necessárias para que essa imposição se

efetive em uma determinada relação. Já a dominação “é a probabilidade de

encontrar (através da habilidade do dominador27) obediência a uma ordem de

determinado conteúdo”, sendo este conceito mais preciso na questão de encontrar a

obediência (WEBER, 2012, p. 33), mesmo que o dominado não perceba esta

relação de domínio, ou aceite esta relação entendendo que a mesma é necessária

para a sua existência e permanência dentro da relação social. Um bom exemplo é

como se legitima o poder e a dominação de um Pastor-presidente da ADMM, pois

nasce da concepção sobrenatural, ou seja, para explicar por que determinada

pessoa ocupa o posto de Pastor-presidente se usa a concepção que a mesma,

ocupa esse posto por escolha divina, aquilo que nas entrevistas apareceu na fala de

todos os pastores (sejam eles presidentes, ex-presidentes ou apenas pastores de

congregação) como o “chamado de Deus” ou “vocação divina” para o ministério,

incluindo em algumas falas também sua “trajetória de fidelidade” dentro do

ministério.

Porém acredito ser importante neste momento destacar que em algumas falas

colhidas de nossas entrevistas, em especial a de um Pastor-presidente, quanto de

um Ex. Pastor-presidente, na qual encontramos a possibilidade atualmente de outra

forma de escolha. Segundo eles, muitas vezes essa escolha é feita por interesses

intramundanos, como por práticas de favorecimento a amigos e parentes para a

obtenção de fidelidade, ou mesmo, chegando a alguns casos ocorrer o pagamento

de uma espécie de “pedágio”, na busca de se tornar um pastor-presidente. Notava-

se que a fala era carregada de um tom de inconformidade e saudosismo de um

tempo diferente dos dias atuais, nos quais segundo eles “era Deus que chamava”.

Segundo a fala do Pr.P(ex)-A, quando perguntado se ele via alguma diferença entre

27 Crivo do autor.

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os pastores-presidentes das gerações anteriores para os da geração atual, ele

disse:

“Olha, é duro a gente ter que falar, mas tem diferença, tem diferença, sim. Porque lamentavelmente hoje a coisa tem ido assim, ser pastor-presidente hoje tem alguns atrelamentos que fogem, entende, que fogem daquilo que é a realidade. Então, hoje lamentavelmente, tem que dizer isso, existem pastores-presidentes que estão vinculados ao cargo de presidente, mais por uma questão administrativa. Não tem aquela questão de uma necessidade espiritual. Você é uma pessoa muito chegada a mim, então eu vou arrumar um jeito de te dar uma presidência. Hoje tem isso”28. (Entrevista em áudio, gravada em 25/07/2016).

Cabe dizer que a estrutura burocrática da ADMM, se difere das ADs Missões

(ligadas a CGADB), na qual a convenção não tem o poder decisório, mas sim, certa

influência de oferecer a presidência de um Ministério qualquer para alguém. Já na

ADMM é a CONAMAD, junto à Mesa Diretora que tem o poder decisório de escolher

e empossar o Pastor-presidente naquilo que por eles é denominado como “Campo”

de trabalho. Como, neste momento, apenas estamos demarcando alguns pontos da

pesquisa, mais a frente trataremos desse assunto com maior propriedade, buscando

“dissecar” essa estrutura burocrática de poder e dominação patrimonialista. Mas,

neste momento nossa intenção é deixar claro que esse movimento funciona não por

mera “herança cultural”, mas sim, por uma rede complexa de relações de poder e

dominação, muitas vezes tensa, que estruturam e dão forma ao movimento,

conquanto se apresentando de forma naturalizada, dando a impressão que essa

prática ocorre desde a fundação do movimento.

Seguindo ainda mais um pouco sobre essa concepção, uma boa definição

que a sociologia weberiana traz sobre dominação é a habilidade de impor a sua

vontade sobre os outros, mesmos que não aceitem ou até mesmo que tentem

resistir a essa probabilidade (WEBER, 2012, p.33), ressaltando que muitas vezes

essa dominação se realiza, produzindo muita tensão entre dominador e dominados.

Podemos ainda afirmar que existem diversos espaços de sua atuação, o social, o

econômico, o militar, o político, o religioso, o ideológico. Assim, acreditamos que

esses conceitos de poder e dominação devem ser pesquisados por duas

perspectivas, 1- em razão de seus objetivos e 2- como um meio. No que se refere

aos objetivos, o poder e a dominação devem ser considerados uma potência, sendo

a capacidade de produção dos efeitos pretendidos em uma ação praticada por

28 Texto transcrito na integra da fala do entrevistado.

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indivíduos e compreendido como a ideia da posse de um recurso estratégico para a

conquista dos objetivos, assim a análise deles não devem compreender apenas os

desejos de seus atores, mas os recursos necessários para a conquista desses

objetivos. Weber (2012) em seus trabalhos propõem estudar a dominação usando

esses três tipos ideais - dominação racional, dominação tradicional e dominação

carismática. Sendo na dominação tradicional onde encontramos os conceitos de

patriarcalismo e patrimonialismo. Esse conceito de dominação, ao contrário, aplica-

se a casos muito mais específicos, muito mais concretos, isto é, a casos em que o

predomínio da vontade de um, sobre o outro, se dá em relação de mando e

“obediência”.

Cabe aqui mencionarmos que “o recurso antitético da força é a legitimação”

(BOUDON; BOURRICAUD, 2001, p. 435), pois para Weber é impossível haver uma

dominação duradoura dissociada da legitimidade adquirida pelo dominador sobre

seus dominados. Nesse sentido um dominador eficiente é o que consegue fazer com

que seus dominados não apenas vejam a legitimidade de seu poder, mas que a

aceitem com a mínima discordância e resistência, pois “um poder legitimo é o que

tem a capacidade de fazer que aceitem suas decisões como bem fundamentadas”

(BOUDON; BOURRICAUD, 2001, p. 435). Quando essa condição não é alcançada a

instituição legítima deve ter a capacidade de “mobilizar sanções eficazes contra o

transgressor” (BOUDON; BOURRICAUD, 2001, p. 435). Podemos então perceber

como essa definição rompe com o pensamento social brasileiro produzido pelo

“culturalismo conservador liberal” (SOUZA, 2015), que tende a acreditar que figuras

como o senhor do engenho, o coronel e mesmo o Estado, conseguiam manter seu

domínio apenas pela força de seu personalismo.

Para melhor explicar essa relação Weber se utilizará de um instrumento

metodológico que ele mesmo elaborou - os Tipos Ideais, modelos interpretativos

“que o especialista das ciências humanas constrói unicamente para os fins da

pesquisa” (FREUND, 1970, p. 50) e que ajudem a explicar racionalmente a realidade

empírica que se quer descortinar. Então ele elabora três formas para explicar como

se efetivam as ideias de poder e dominação legítima. 1 – TRADICIONAL: uma

mensagem ou comando podem ser considerados autorizados se estão de acordo

com a tradição, sendo essa forma, como dito anteriormente onde residem às

concepções de patriarcalismo e patrimonialismo. 2 – RACIONAL-LEGAL: a

autoridade da mensagem ou do comando vem do fato de que estão de acordo com

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um procedimento ou um código, com regas de uma sintaxe, que podem ser

explicitadas ou justificadas perante qualquer solicitação razoável. 3 –

CARISMÁTICO: uma mensagem ou um comando pode impor-se por estar investido

de um encanto ou de uma graça (carisma) que o torne propriamente irresistível.

(BOUDON; BOURRICAUD, 2001, p. 29).

Uma pergunta que podemos fazer neste momento sobre essas formas de

relações sociais de poder é: - A dominação é uma busca do quê? Dê obediência, é

claro! Ou seja, como conseguir que uma pessoa ou um determinado grupo não

resista a uma ordem, ou mesmo, a toda uma construção “racional-lógica”

(associativa ou administrativa) de uma relação social determinada, na qual um

indivíduo, ou um grupo comande e o restante se submeta a essas ordenanças com

o mínimo possível de resistência, uma vez que essa relação é uma probabilidade.

Assim este tipo de relação social pode exercer uma autoridade29 determinada, e há

diferentes formas de exercê-la, mas o importante é que exista um interesse em

obedecer, e uma vontade de obediência. Weber expõe que os dominados são os

legitimadores de uma dominação.

Isto só é possível como afirma o autor, à medida que se efetive uma crença

naquilo que ele denominou de legitimidade. Assim “dependendo da natureza da

legitimidade pretendida diferem o tipo da obediência e do quadro administrativo

destinado a garanti-la” (WEBER, 2012, p. 139), o que equivale para os três tipos de

dominação já apresentados. Devemos ter em mente que elas são tipos ideias, ou

seja, modelos puros de constructos do próprio conceito de dominação (FREUND,

1970). Esses modelos ajudam ao pesquisador enquanto um caminho a ser seguido

para a obtenção do conhecimento pretendido, não cabendo ao mesmo, considerá-

los como quadros herméticos e fechados da realidade que se apresenta no

compromisso de compreensão do fenômeno pesquisado.

Cabe aqui um breve panorama desses três tipos de dominação elaborados

por Weber, e que são nossa base referencial para uma melhor compressão do

objeto dessa pesquisa. A dominação racional-legal com administração burocrática, é

legitimada pelo direito que lhe atribui um pacto ou imposição, pode instituir-se a

partir das ações sociais racionais com um arranjo a fins valores pretendidos. Weber

diz que esta obediência é para uma ordem institucional, as leis a legitimam; o dever

29 Para Weber (2012, p. 139) autoridade é um sinônimo de dominação, os quais baseiam-se, nos mais diferentes motivos possíveis de submissão.

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de funções, a atribuição de poderes maneja-se em uma hierarquia administrativa

que é ordenada pelas autoridades, e estas tendem a demonstrar uma qualificação

profissional (WEBER, 2012) – assim o pastor-presidente, não é apenas um pastor,

mas um administrador, um gestor escolhido para liderar o grupo. Como ele mesmo

afirma,

Normalmente, portanto, só estão qualificados à participação no quadro administrativo de uma associação os que podem comprovar uma especialização profissional, e só estes podem ser aceitos como funcionários. Os “funcionários” constituem tipicamente o quadro administrativo de associações racionais, sejam estas políticas, hierocráticas, econômicas (especialmente, capitalistas) ou outras. (WEBER, 2012, p.143)

Caso muito semelhante à forma de qualificações que um Pastor-presidente

das ADMM recebe, com uma grande infinidade de títulos honoríficos como “doutor

em divindade”, “articulista”, “conferencista”, “membro da Academia Evangélica de

Letras do Brasil- AELB”, entre outros títulos. Neste último caso, podemos citar que

tanto o Bispo Manoel Ferreira, como os seus dois filhos, os pastores Abner e

Samuel Ferreira são membros da AELB. Fundada na sala do Conselho da Igreja

Presbiteriana do Rio de Janeiro, no dia 23 de outubro de 1962, pelo Rev. Bolívar

Ribeiro Pinto Bandeira, a Academia tem por função, segundo o seu Art. 1º,

“promover a cultura das letras e das ciências, e a influência evangélica nas esferas

intelectuais do País” (Estatuto da AELB). Ela é composta por sessenta integrantes,

divididos da seguinte forma, quarenta brasileiros e vinte “correspondentes

estrangeiros”, entretanto todos devem ser homens e em “plena comunhão com

qualquer Igreja Evangélica” (Estatuto da AELB). O membro é vitalício, só podendo

fazer parte delas pessoas que tenham trabalho de valor literário ou científico já

publicado e a eleição é realizada por escrutínio secreto30.

Esse fato complementa nossa afirmação de que a ocupação dessa posição

de dominador na ADMM não se faz apenas pela “vontade divina”, mas pela

construção de uma carreira dentro da “vocação ministerial” e até mesmo do preparo

do pastor e de qualquer outra forma de distinção (BOURDIEU, 2007) possível dos

demais membros. Outro exemplo que podemos citar é que a maioria dos Pastores-

presidentes tem feito obtido grau universitário (ALENCAR, 2014) e de preferência

em Direito, um exemplo disso, é o Bp. Manoel Ferreira e seus filhos, todos com

formação nessa área. Assim, o importante nesse modelo é que existam regras

30 Informações e Estatuto disponíveis em: http://www.aelb.org/. Acesso no dia 30/09/2016.

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estabelecidas e tanto os dominadores quanto os dominados sigam essas mesmas

regras!

A dominação carismática está associada a uma “qualidade pessoal

considerada extracotidiana” (WEBER, 2012, p.158), no qual o dominador é um ser

virtuoso por sua força sobrenatural (profeta, sacerdotes e heróis). Extraordinários

são aqueles que pelo “carisma” conseguem obter obediência dos que estão ao seu

redor. A validade desse carisma está no foto de que o dominado reconhece o

dominador como alguém extraordinário, o qual está acima dos demais. Esse tipo de

dominação se diferencia dos outros tipos, uma vez que não há necessidade de

associações profissionais ou laços de “servidão”, “mas apenas nomeação segundo a

inspiração do líder, em virtude da qualificação carismática do invocado” (WEBER,

2012, p.160). Portanto o reconhecimento passa por uma questão notadamente

pessoal e emotiva, sendo a mesma uma relação de amor e respeito, que se

distingue das outras, pois o vínculo de prestígio é o carisma que a pessoa consegue

passar, fazendo com que suas ordens sejam executadas com o mínimo possível de

resistência. E a duração dessa dominação está diretamente condicionada ao tempo

em que o dominador conseguir manter “vivo” o seu carisma.

Aqui equivale ao período inicial do movimento e o exemplo mais notadamente

importante é o do Pr. Paulo Leivas Macalão31, fundador das ADMM, sendo ele uma

figura icônica tanto para os membros de Madureira, quanto ao restante das ADs pelo

Brasil (ARAÚJO, 2007). Nas entrevistas concedidas para realização desta pesquisa,

ao perguntarmos sobre a pessoa de Paulo Leivas Macalão, todos os entrevistados,

de forma rápida e prontamente demarcada, buscaram enaltecer essa figura. Os

termos por eles usados foram “o apóstolo”, “doutrinador”, “ícone”, “principal

referência”, “um homem simples”, “um evangelizador” e segundo o Pr.P-B:

“Ele tinha um chamado específico, o chamado dele é tão natural, que o Pr. Paulo Leivas não era um pregador eloquente, ele era um ensinador, mas ele tinha um poder de atração, um poder evangelístico, uma unção tão grande na vida dele, que ele foi evangelizando e fundando igreja” (Entrevista em áudio, gravada em 09/08/2016)32

31 Abordaremos no segundo capítulo desta pesquisa as questões referentes a essa figura importante das ADMM e da própria história das ADs no Brasil. O Pr. Paulo Macalão consegue trazer para si, tanto questões positivas, como questões negativas, sendo essa última expostas com acusação de ser ele um “invasor de campo”, o qual teria provocado divisões nas ADs no Brasil. (ALENCAR, 2013; CORREA, 2013; FAJARDO, 2015). 32 Crivos feitos pelo autor.

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Já a dominação tradicional executa-se na legitimidade que repousa em uma

crença de que as ordens e poderes do senhor existem desde sempre, ou são

conferidas a ele de forma sobrenatural – o “ungido do Senhor”33; seu poder de

dominação está na tradição que repousa sobre o nome de “senhor”, pois o mesmo

governa os “súditos” e administra os “servidores”. Dessa forma, seu quadro

administrativo já não se compõe de funcionários públicos conforme a um estamento,

mas sim de servos, pois a associação dominada é “uma associação de piedade

caracterizada por princípios comuns de educação” (WEBER, 2012, p.148). Aqui

residem “tipos variados” desta forma de dominação, sendo, por exemplo, o

patriarcalismo/ou gerontocracia, as formas primárias deste poder. Neste tipo de

dominação não há a necessidade de um quadro administrativo pessoal (patrimonial)

e também constatamos a ausência de regras instituídas, imperando nessa relação

social, aquilo que Weber denominou de “direito preeminente dos associados” (2012,

p.151), os quais obedeceriam ao senhor por vontade própria, baseada na tradição

do grupo.

Eles são súditos que funcionam como colegas tradicionais, o quadro

administrativo se dá pela fidelidade, que no caso do campo religioso pentecostal da

ADMM, por exemplo, essa fidelidade pode ser explicada de forma simplista pela

garantia da sua “salvação” na vida pós-morte. A semelhança desse modelo com o

racional-legal é que a tradição cumpre o papel de lei. Esta dominação está ligada a

condição de um mandatário agir eficazmente sobre seus dominados sem

necessariamente ter um quadro administrativo ou associativo, apesar de que Weber

enfatizar que, via de regra uma dessas duas condições deve existir (WEBER, 2012).

Um exemplo citado pelo autor alemão é o de um pai de família que domina

sem um quadro administrativo, o chefe beduíno, que apesar de não formar um

quadro associativo, usa de seu domínio para formar uma espécie de círculos

administrativos, nos quais os seus seguidores tendem a seguir suas ordens

(WEBER, 2012. p.13). Essa condição tende a formar aquilo que ele denominou de

associação de dominação, a qual se realiza pelas determinadas formas em que a

mesma tende a se organizar, ou seja, a sua forma administrativa. Que fique claro

que estamos tratando de “tipos ideias puros”, os quais nos fornecem condições de

33 A ideia aqui reside na questão daquilo que denominamos de “mito fundante” sobre a qual, esta concepção atribui ao Pastor-presidente características divinas, ou seja, o mesmo fora escolhido diretamente pelo “sagrado”, assim ir contra ele é necessariamente estar contra o “próprio Deus” e se tornar profano. Este tema será mais bem elaborado ainda neste capítulo.

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comparação e formas de explicações muito amplas, nas quais podemos encontrar

correlações de todos os campos com as práticas do pentecostalismo, não apenas de

nosso objeto em questão, mas também, nas mais diferentes associações religiosas

desse movimento em nosso país e no mundo. Um exemplo disso são os espaços

religiosos, pois essas associações de dominação e monopolização do poder tendem

a produzir em seus próprios espaços, o que Weber denominado de “agentes

produtores de bens de salvação”, ou seja, uma classe específica “sacerdotal” de

dominadores, que concentrariam em si mesmos o domínio do “capital religioso”

(BOURDIEU, 2013, p. 39) produzido.

Uma associação de dominação denomina-se associação hierocrática34 quando e na medida em que se aplique coação psíquica, concedendo-se ou recusando-se bens de salvação (coação hierocrática). Uma empresa hierocrática com caráter de instituição é denominada igreja quando na medida em que seu quadro administrativo pretenda para si o monopólio da legítima coação hierocrática. (WEBER, 2012, p. 34)

Mas e o patrimonialismo que é o foco central em discussão, em que se

diferencia do patriarcal? Em um ponto, a nosso ver, bem simples, na estrutura

administrativa que o permeia. Pois enquanto o patriarcal (ou gerontocrata) se dá

pelo interesse dos dominados, o patrimonial se “exerce em virtude de pleno direito

pessoal” (WEBER, 2012, p. 152) expressamente ligado a uma formação triádica do

agrupamento - o senhor, o quadro de funcionários e os súditos. Assim a autoridade

nesse caso é pessoal, o “soberano é senhor, e não magistrado; o poder lhe pertence

em virtude de atributos pessoais; não lhe é conferido com base em critérios

exteriores e formais que definam a função por ele ocupada” (FREUND, 1970, p.

181). Segundo Souza (2015, p. 60), o quadro administrativo então inaugura nesse

modelo “a política em toda a sua complexidade. Isso porque entra em cena também

o tema central da ‘delegação do poder’”. Esse é um detalhe importante para Weber,

uma vez que o poder não está concentrado nas mãos do senhor, mas sim, diluído

pelas mãos do quadro administrativo e tanto os “determinados poderes de mando e

as correspondentes oportunidades econômicas” se distribuem entre o senhor e o

quadro administrativo, a isso o autor chama de “dominação estamental” (WEBER,

2012, p.152).

34 Governo exercido por eclesiásticos (padre, bispos, anciãos, pastores etc); uma forma de teocracia, ou seja, tipo de organização social que se mantém graças a um sistema de coerção psíquica que se utiliza das concepções religiosas do indivíduo (Dicionário Aurélio).

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Podemos assim perceber que o poder estamental acaba por criar um quadro

administrativo especializado que se apropria dos chamados “poderes de mando” e

dos “meios materiais de administração” (WEBER, 2012, p.152), os quais o senhor

tem que de certa forma se submeter, pois aqui não se trata de uma monarquia

absoluta, ou uma tirania, ou mesmo uma ditadura. Apesar de o senhor representar

“o comando geral”, neste tipo vemos surgir o monopólio do poder do quadro

administrativo, pois a escolha do quadro administrativo de especialistas estará

sempre nas mãos dos “associados” ao estamento que podem estar ligados

diretamente às questões de herança, como também vindo de fora do “círculo

associado”, mas que se torna em uma peça importante para a manutenção da

“economia doméstica” (WEBER, 2009, p. 234-235). Assim podemos verificar que

para Weber o “patrimonialismo acaba por inibir a economia racional, tanto na parte

financeira como na administrativa, pois há tendências ao monopólio, e as relações

são regidas pelos estamentos” (VÉRAS, 2014, p. 270). É neste ponto fundamental

que o uso do termo patrimonialismo pelo “culturalismo liberal conservador” brasileiro

desmorona, pois essa crença “mítica” de que o patrimonialismo brasileiro “ahistórico”

desses intelectuais seja uma espécie de “mal de origem” (SOUZA, 2015, p. 66) que

acompanha o país desde sua fundação é no mínimo incoerente e sem nenhum

respaldo cientifico, não passando de um “conto de fadas sociológico” (SOUZA, 2009,

p. 104).

Na verdade, não se pode separar a “cultura” das “instituições” e das práticas institucionais e sociais que lhes correspondem. São, ao inverso, as práticas institucionais e sociais que condicionam todo comportamento individual, mesmo aquele que tem a ver com mudança, e não apenas com a mera reprodução do mundo como ele é. Assim, o português que coloniza o Brasil e constrói aqui uma sociedade dominada pela “instituição” da escravidão, a qual inexistia em Portugal a não ser de modo passageiro e tópico, já não é mais o português que seria em Portugal, porque todo seu comportamento, expectativas, medos e esperanças são completamente outros, quer eles tenham ou não consciência disso. Nesse sentido, ele pode até continuar a falar português e sentir saudades de comer bacalhau ou sardinha no domingo, mas o mundo de instituições e relações sociais que ele cria aqui tem pouquíssima relação com seu próprio mundo na Europa. (SOUZA, 2009, p. 104-105)

Para Weber esse ponto era tão importante que ao falar sobre a dominação

patrimonial de tipo estamental, o autor busca posicionar cada caso em seu devido

tempo e lugar, na ação de “compreender” os diferentes tipos de estamentos e como

eles influenciaram “as esferas da vida” onde estavam inseridas, na medida em que

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“cada qual possui um princípio valorativo ou critério regulador que lhe é próprio e

serve de padrão de conduta dos sujeitos nessa esfera” (SOUZA, 2015, p. 61). Ele

ainda deixa claro, que esse tipo de dominação pode se desenvolver em sociedades

com relações monetárias, mesmo que de forma irracional dentro daquilo que

denominou de “economia fiscal do patrimonialismo”, na qual o quadro administrativo

vincularia as taxas e cobranças a serem requeridas dos servos (WEBER, 2012, p.

156).

Nesse ponto a crítica de Souza nos ajuda a entender como essa

naturalização da nossa “herança colonial” é aceita até os dias atuais como uma

“pseudociência” coerente, pois como “nunca se reflete acerca do modo como o

“privilégio” pode ser construído em condições modernas” (SOUZA, 2009, p. 105)

acabamos acreditando nessa “história da carochinha”. Não obstante o autor continua

em sua crítica a essa concepção personalista dada pelo pensamento social

brasileiro dominante, que excluem os papéis das instituições como as formadoras

dos indivíduos, principalmente dos indivíduos modernos. Que para ele, as principais

instituições que formam os indivíduos modernos são o Estado e o Mercado, ambas

são responsáveis pela a estrutura que dá forma a sociedade moderna, portanto

“sem essas duas instituições fundamentais não temos nem sociedade moderna,

nem indivíduos modernos guiados por valores e ideias modernas” (2009, p. 106).

É neste ponto que podemos concluir que a forma “personalista” atribuída às

figuras que surgiram e, ainda surgem na sociedade brasileira, não podem ser

meramente relegadas a uma espécie de “embrião cultural”, no qual apenas espera a

formação para se mostrar igual a seu genitor, que no caso brasileiro seria o

colonialismo empregado pelos portugueses. Romper com essa forma de

pensamento é sem dúvida alguma, perceber que o senhor do engenho, o coronel e

mais precisamente o Pastor-presidente da ADMM só existem devido à formação de

um quadro de “funcionários” especializados que os ajudavam na condução de suas

vidas materiais e nas relações de obtenção dos “poderes de mando” e dos “meios

materiais de administração” (WEBER, 2012). Caso que pode ser verificado na tabela

abaixo, que demonstra como é formado o quadro administrativo da CONAMAD35.

35 Sigla que significa Convenção Nacional das Assembleias de Deus Madureira com sede na capital federal, Brasília. Fundada no ano de 1958, sob a sigla de CNAMEADMIF (Convenção Nacional dos Ministros Evangélicos da Assembleia de Deus de Madureira e Igrejas Filiadas), tem por objetivo centralizar a administração de todo o Ministério de Madureira, que é composto por diversos campos de trabalhos espalhados pelo território brasileiro e outras partes do mundo. Reservamos uma seção

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Tabela 2: Quadro Administrativo da CONAMAD36

NOME Função que ocupa na CONAMAD

Igreja que é Pastor Presidente

Bp Dr. Manoel Ferreira Presidente Vitalício *

Rev. Pr. Samuel Ferreira 1º Vice Presidente Brás – SP

Pr. Abigail Carlos de Almeida 2º Vice-Presidente Fama – GO

Pr. Abner Ferreira 3º Vice-Presidente Madureira – RJ

Pr. Oídes José do Carmo 4º Vice-Presidente Campinas – GO

Pr. Amarildo Martins da Silva 5º Vice-Presidente Palmas – TO

Pr. Josué de Campos 1º Secretário *

Pr. Genício Severo dos Santos 2º Secretário Taboão – SP

Pr. Daniel Fonseca Malafaia 3º Secretário Campo Grande – RJ

Pr. Eliel Araújo de Alencar 4º Secretário Campo Grande – MS

Pr. Josué Rodrigues de Gouveia 5º Secretário Vila Nova – GO

Pr. José Fernandes C. Noleto 7º Secretário Cuiabá – MT

Pr. João Adair Ferreira 1º Tesoureiro Catedral da Baleia - DF

Pr. David Cabral 2º Tesoureiro *

Pr. Aparecido Dias Relator * Fonte: CONAMAD37

Nesta tabela, está relacionada à chamada Mesa Diretora dessa Convenção,

mostrando que o grupo que forma o quadro administrativo da CONAMAD é de

Pastores-presidentes vinculados a diferentes campos da ADMM. Aqui fica bem

acentuado o monopólio, pois das quinze funções relacionadas apenas três não são

ocupadas por Pastores-presidentes em atividade e, se levarmos em conta que o

primeiro é o Bp. Manoel Ferreira, que também é o presidente vitalício da CONAMAD,

mas de 90% do poder decisório e de funcionamento que dá corpo a dominação

tradicional-estamental das ADMM está nas mãos de Pastores-presidentes. Este

modelo não é exclusivo das ADMM, mas de boa parte das ADs no Brasil, o qual

pode ser visto também nas convenções, ou em qualquer outra forma de organização

deste movimento. Aqui foi apenas destacado a Mesa Diretora, entretanto como rege

o estatuto da organização, existem outros órgãos como o Conselho Fiscal, por

no terceiro capítulo dessa dissertação para tratar da mesma. Maiores informações consultar PRATES; FERNANDES, 2012. 36As informações utilizadas para a construção desse quadro foram retiradas do site da CONAMAD, no site http://www.madureiranacional.com.br/; em: 20/09/2016. 37 (*) Alguns desses pastores não estão mais a frente de um Campo (termo utilizado para designar aquilo que denominamos de igreja-sede) como é o caso do Bp. Manoel Ferreira, apesar de o mesmo hoje ter como referência o Distrito Federal. Alguns estão jubilados, uma espécie de aposentadoria, o qual recebe um salário do último Campo que presidiu. Já outros, não foram possíveis localizar durante a pesquisa, qual é o atual Campo de Madureira que o esteja presidindo. Cito o caso do Pr. Davi Cabral, que era presidente na ADMM de Volta Redonda – RJ, mas devido uma situação (que será detalhada mais a frente na pesquisa) que o envolveu, atualmente ocupa a presidência de outro Campo que não conseguimos identificar.

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exemplo, que é composto por cinco membros (Estatuto da CONAMAD Art. 31, inciso

1º) e eleitos junto como a Mesa Diretora.

Além deste, existem mais nove órgãos ligados a CONAMAD, que vão desde

órgãos de conciliação (Juntas Conciliadoras Estaduais), aos ligados a cultura,

doutrina, até mesmo os que gerem a editora que a instituição tem, conhecida como

Editora Betel (fundada no ano de 1991, em decorrência do desligamento da ADMM

da CGADB em 1989), deve-se pontuar que este modelo de gestão pode ser

encontrado também nos modelos de dominação racional-legal. É aqui que reside

uma questão muito importante para a pesquisa, pois como muitas vezes não fica

clara a forma de como está se processando o poder e dominação nas Igrejas ADs,

podemos muitas vezes encontrar, tal como Weber destaca em muitos momentos de

sua obra, elementos dos três tipos puros de dominação acontecendo

simultaneamente numa mesma pessoa/ ou instituição, cabendo ao pesquisador à

tarefa de identificar essas diferenças e detectar elementos de qual dos três tipos

puros predomina dentro da relação. Um exemplo pode ser encontrado de forma bem

exemplificada na figura do Pr. Paulo Leivas Macalão, que detinha em si mesmo uma

forma de “mix” de poder carismático, com tradicional e sempre que possível se

utilizando do racional-burocrático (trataremos destes aspectos no segundo capítulo

dessa pesquisa) para obter os fins desejáveis.

1.2. OS PASTORES-PRESIDENTES: o golpe institucional contra a democracia do

espírito.

Nesta parte de nossa pesquisa iremos focar nossa atenção na figura do

Pastor-presidente das ADMM38. Cabe aqui uma pergunta inicial, quando aparece

essa figura que hoje é vista como indispensável para esse movimento? Será que

desde a origem do movimento das ADs no Brasil em 1911 a figura do Pastor-

presidente já existia? Quando e onde nasce essa figura que é responsável pela

condução dessa instituição que é a maior igreja pentecostal brasileira? Pois bem,

para responder essas perguntas precisamos fazer uma pequena digressão histórica,

para podermos melhor compreender como o movimento se organizou em sua

fundação e quais foram as principais mudanças que permitiram o seu surgimento.

38 Porém que fique claro que essa é uma figura pertencente não só ao Ministério de Madureira, mas sim, a todas ADs no Brasil e a também a muitas outras igrejas pentecostais brasileiras.

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Em seu início as ADs no Brasil eram congregacionais, sistema trazido com os

missionários suecos e tendo como principal característica uma organização eclesial

no qual toda a congregação tem participação nas tomadas de decisões, sendo

imprescindível aprovação da assembleia de membros da igreja (ALENCAR, 2010;

2013). Os próprios missionários Gunnar Vingren (1879-1933) e Daniel Berg (1884-

1963), apesar de hoje estarem no “rol da fama” do movimento, ocupando uma

posição “mitificada” de fundação do mesmo, nunca lograram esse título. O próprio

Gunnar Vingren esteve à frente de algumas igrejas ADs, em especial a de São

Cristóvão–RJ, iniciada em 1923 por um grupo de irmãos, mas sendo em 1924 a data

de sua fundação, com a presença do missionário sueco no momento em que o

estatuto é lavrado. O mesmo permanece à frente da igreja até o ano de 1932,

quando a mando do Pr. Lewi Pethrus39 (1884-1974), ele e sua família retornam a

Suécia. Segundo Alencar (2013, p. 154) esse pedido para que Vingren e sua família

retornassem para Suécia, não passou de um golpe institucional contra o missionário

e, principalmente, sua esposa Frida Vingren (1891-1940), que devido à ação

arrojada da mesma na condução junto a seu esposo da igreja carioca, incomodava

em muito os pastores nativos nordestinos e o sueco Samuel Nyström (1891-1960),

os quais teriam arquitetado o golpe.

Gunnar em sua história no Brasil a frente das ADs, nunca recebeu esse título

de pastor-presidente, tendo a oportunidade de presidir uma única convenção da

CGADB em 1931 no Rio de Janeiro (ARAÚJO, 2007). Apenas na década de 1960,

com o processo de criação da “tradição assembleiana” (ALENCAR, 2013) é que se

passa a reconhecê-lo como um ícone do movimento. Já o seu companheiro de

missão Daniel Berg, nunca dirigiu uma igreja e se quer (apesar de ajudar na

fundação de algumas delas, entre elas citamos as ADs de Santos, São Paulo e

Santo André40) teve em vida algum tipo de reconhecimento. O qual até o final de sua

vida vendia bíblias na porta da AD Belém – SP, em dias de cultos e reuniões para

sobreviver.

Com o passar dos anos as ADs no Brasil foram assumindo uma forma de

organização conhecida como episcopal (não territorial, ou seja, cada ministério é

constituído por uma Igreja-sede com suas respectivas filias, congregações e

39 Pastor da Igreja Filadélfia na Suécia e que segundo Alencar não possuía nenhuma autoridade ou legalidade para interferir na condução da igreja, uma vez que a igreja era fruto de uma “revelação de Deus” aos missionários Gunnar Vingren e Daniel Berg (ALENAR, 2013, p. 154). 40 (ALMEIDA, 1982; BERG, 1982; CONDE, 2008).

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subcongregações), que é a forma de organização caracterizada por ter um "Líder

Maior", geralmente chamado de Papa, Bispo, Pastor-Presidente, Apóstolo, etc

(ALENCAR, 2013). Esse líder tem o comando de todos os outros líderes e demais

membros da igreja, sendo ele mesmo, quem muitas vezes toma as principais

decisões e da os rumos e encaminhamentos estruturais de sua organização

religiosa. Segundo Correa é na década de 1950 que essa denominação aparece

pela primeira vez descrita no jornal MP, sendo utilizada a terminologia de “pastor

geral de campo41” (2013, p. 141), em decorrência da inauguração do templo da AD

em Madureira, na cidade do Rio de Janeiro. Como a reportagem foi redigida e

assinada pelo Pr. Paulo Leivas Macalão, podemos então concluir que o objetivo

desse termo era designar que ele tinha a seus cuidados um conjunto de outras

igrejas. Segundo ainda a pesquisadora das ADs no Brasil, o termo Pastor-presidente

só aparecerá ipsis litteris em 1957, usada para designar o Pr. Horácio da Silva e, em

1959. Mas tarde pode se verificar o aparecimento das expressões “pastor-

presidente” e “pastor vice-presidente” para designar o Pr. Alcebíades Vasconcelos

como pastor-presidente e Pr. Tulio Barros como vice-presidente da igreja AD em

São Cristóvão - RJ (CORREA, 2013, p. 142).

Ao analisarmos um pouco mais esse período, devemos destacar alguns

pontos que podem nos ajudam a entender um pouco mais a necessidade dessa

autoafirmação de alguns líderes das ADs. Primeiramente entre as décadas de 1940

e 1950, encontramos o Brasil na transição do rural para o urbano, o qual gerou um

verdadeiro boom populacional, que acentuou em muito os desequilíbrios regionais

devido à movimentação demográfica provocada pelo surto da industrialização,

principalmente na região sudeste do país, gerando duas situações, 1- o aumento

das desigualdades sociais tanto nas regiões em processo de industrialização,

quanto nas que se mantiveram agrícolas; 2- “a volatilidade da vida política brasileira”

(SKIDMORE, 1998, p. 1995) com os governos populistas. Lembrando que apenas

na década de 1950, temos a volta ao governo e o suicídio de Getúlio Vargas (1954),

a tentativa de golpe dos militares e o “contragolpe” do major Henrique Teixeira Lott,

que garantiu a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek (1956), o qual

empreendeu a construção da cidade de Brasília e acelerou o processo de

41 Retirado do jornal MP em 1953, 1ª quinzena de junho p. 6, parágrafo, linha 9; na qual a matéria tratava da inauguração do templo da Assembleia de Deus em Madureira, a qual era presidida pelo Pr. Paulo Leivas Macalão.

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industrialização no país, incentivando a chegada de empresas multinacionais. Assim

em um período de instabilidade social e política e de grande crescimento urbano a

gestão interna das instituições religiosas como a pentecostal, que primava por uma

forma horizontal pautada na ação do Espírito Santo em todos os fiéis, se fecha, e

concentra a sua gestão em indivíduos destacados, dessa forma abre-se ou copia

modelos de autoridade da sociedade em torno dela.

Em segundo lugar temos o processo de “fragmentação de Ministérios”

(ALENCAR, 2013, p. 172), que pode ser explicado devido ao crescimento expressivo

da denominação, que segundo dados expostos na obra de Rolim (1985, p. 104)

“Pentecostais no Brasil”, as ADs saltaram de 13.511 membros comungantes em

1930, para 407.588 membros comungantes em 1960, isso indica um crescimento de

mais de 3000% em um período de trinta anos. Aqui talvez esteja uma explicação

plausível para a mudança de um modelo congregacional, para o modelo episcopal

baseado nos estados e municípios, pois como conseguir controlar e manter os tão

importantes pontos doutrinários que davam “identidade” ao movimento, que crescia

muito e rapidamente em um período em que a comunicação em nosso país era

muito precária? Com certeza a centralização de um grupo de igrejas em uma única

(que geralmente era a precursora das outras na cidade, ou estado recebendo o

nome de igreja-mãe), ajuda na criação de um quadro administrativo burocrático e

racional, que tinha como função gerir, não apenas as suas concepções doutrinarias,

mas aquilo que podemos denominar, parafraseando Weber, de sua “economia

doméstica” (WEBER, 2012). Se assemelhando ao que expomos no parágrafo

anterior, pois o movimento começou a adotar modelos de autoridade já existentes da

sociedade, que no caso brasileiro está personificado nas figuras de “político-

populistas” que sempre tiveram “posições dúbias” (IANNI, 2004, p. 274), ora

democráticos, ora autoritários, mas que sempre buscavam centralizar em si

mesmos, os rumos a serem tomados.

Não é pretensão nossa indicar que essa organização começou neste

momento histórico, porém é inegável a influência que as demandas de uma

sociedade têm sobre os grupos que nelas estão inseridos (BERGER, 1985) e as

ADs não estão isentas dessas mesmas influências. É sabido que a CGADB tem sua

primeira reunião em 1930 (dezenove anos após a fundação das ADs no Brasil), mas

é em 1946 que ela se torna pessoa jurídica e como registra o próprio site da

instituição:

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“O primeiro Estatuto apresentou como principais objetivos da CGADB: ‘promover a união e incentivar o progresso moral e espiritual das Assembleias de Deus; manter e propugnar o desenvolvimento da Casa Publicadora das Assembleias de Deus’”. (CGADB, 20/09/2016)42

Mas já neste período as tensões envolvendo quem deveria estar à frente do

comando das ADs eram evidentes (DANIEL, 2004), os quais traziam muitos

desconfortos aos missionários escandinavos no Brasil. Em terceiro lugar, segundo

ainda o site da CGADB, é, em 1930, na Convenção Geral realizada entre os dias 5 e

10 de setembro em Natal–RN, “que os missionários suecos transferiram a liderança

das Assembleias de Deus no Brasil para os pastores brasileiros” (CGADB,

20/09/2016), mas ao fazer uma comparação com o anexo III “Cronologia das

Convenções” da obra de Alencar (2013, p. 356-364), verificamos que até 1951 só

tiveram duas Convenções (a de 1937, na qual o presidente era o Pr. Paulo Leivas

Macalão e 1947 presidida pelo Pr. Cícero Canuto de Lima) na qual não houve a

liderança de um estrangeiro e, é só a partir de 1953 em diante, que o posto de

presidente da Convenção ficou a cargo dos brasileiros (ARAÚJO, 2007). Esse fato

ajuda a explicar a terminologia de Pastor-presidente (lembrando que o termo

“genérico” aparece em 1950 – pastor geral de campo-, mas passa a ser utilizado em

1959 como indicativo do cargo), pois é o momento que as figuras precisarão se

afirmar no poder, não apenas como fundadores da igreja y ou z, mas aqueles que

foram vocacionado por “Deus” para assumir esse posto e dar continuidade ao que

foi iniciado anteriormente. Muitos destes primeiros pastores presidentes estiveram à

frente de suas igrejas por décadas, exemplos Pr. Alfredo Reikdal do Ministério do

Ipiranga-SP ficou 71 anos como pastor-presidente. Outros exemplos são o do Pr.

Paulo Leivas Macalão que ficou a frente da ADMM por 52 anos e o Pr. Cícero

Canuto que também pastoreou por 52 anos a AD Belém-SP, entre outros mais

(ALENCAR, 2013, p. 182-183).

1.2.1. A carreira de um Pastor-Presidente.

Todo o movimento que busca um reconhecimento social, econômico, político,

jurídico deve cumprir alguns requisitos fundamentais, sejam eles legais ou de caráter

42 Retirado do site https://www.cgadb.org.br/site2017/index.php/features/historia-da-cgadb. Acesso dia 20/09/2016.

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socialmente aceitos pela comunidade onde ele quer estar inserido. É ai que entra a

burocratização do movimento vinculada a um “Mito fundador”, pois ele tem como

objetivo principal explicar a origem de um rito, de um movimento, de uma cidade, de

um grupo, de uma figura, de uma crença, de uma filosofia, ou qualquer coisa do

gênero, sendo aquele que deve constituir um exemplo primário daquilo que ele

mesmo quer confirmar. Porém, o surgimento do Pastor-presidente parece uma

invenção posterior burocrática sem vínculo com as origens. Por esse motivo essa

mitologia hoje, em torno do importante cargo de Pastor-presidente pode ser

considerado o reflexo da estrutura social e das relações sociais, vinda de um

conteúdo mítico discursivo-religioso vinculado aos interesses dos que o produzem, o

difundem e o recebem (BOURDIEU, 2013, p.32.), na intenção de criar uma

legitimação do movimento por aqueles que trazem essa determinada “mensagem

salvadora”.

No caso “assembleiano” pode-se encontrar ainda hoje, alguma igreja que viva

em um modelo com predomínio de elementos carismáticos, entretanto apesar desse

fato ser um tanto raro (mas não impossível devido à “multifacetação” atual desse

movimento) em sua história, se verificou que o processo de “tradicionalização”

ocorreu ainda em seus primeiros anos de existência, já que 1912 temos a primeira

consagração de cinco brasileiros ao pastorado (CONDE 1982; VINGREN, 2000),

indicando a necessidade de ampliar esse quadro administrativo burocrático racional.

Com a construção de uma estrutura “sacerdotal profissional” (BOURDIEU, 2013;

WEBER, 2012) mais o surgimento das Convenções em 1930, identificamos a

passagem do período do “carisma” para o período “racional-burocrático”, isso se

intensifica como já vimos nas décadas de 1950-1960, pelos motivos apresentados

anteriormente. Nesta construção da tradição também é elaborada toda a ordem

burocrática de funcionamento da estrutura, pois aqui o carisma já não é mais

suficiente para manter o grupo coeso, e a “classe dominante” que vai se fixando

passa a ter que desenvolver mecanismos para a sua manutenção e perpetuação a

frente do movimento.

Assim surge a figura desse novo modelo, até então não existente de pastor, o

qual passa a centralizar nele e em seu quadro administrativo o controle não apenas

de sua igreja, mas de todas as outras que estejam a ele filiadas. Mesmo assim, cabe

ao nosso leitor ainda se perguntar, mas quem é, e como surgiu essa figura “mítica”

do Pastor-presidente? Uma resposta viável, mas não suficiente (a nosso ver neste

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momento), seria ser ele uma resposta à demanda de um processo de

tradicionalização do movimento, uma vez, como já pontuado, havia à necessidade

de organizar burocrática e racionalmente o mesmo, devido às transformações do

próprio e da sociedade na qual ele estava inserido. Entretanto, ainda assim, fica

vaga a resposta, de quem é ele? Qual a sua importância para o movimento? E por

que a sua necessidade? Para responder essas perguntas, entrevistamos ao longo

dessa pesquisa seis pastores (como já foi descrito na introdução), aos quais

perguntamos - Qual é o papel de um Pastor-presidente nas ADMM? Essa pergunta

foi feita a dois Pastores-presidentes que estão em exercício de suas funções,

também a dois ex-Pastores-presidentes que fizeram parte das ADMM e, por fim,

para dois pastores de congregação (um em exercício e o outro esperando para

voltar a estar à frente de uma igreja-congregação).

E a resposta não poderia ser mais sugestiva, pois todos responderam que a

função principal do Pastor-presidente é “administrar”, “organizar”, “conduzir”, “dirigir”

e “representar a igreja frente à sociedade”; em segundo plano exercer o seu papel

de pastor. Por que a resposta não poderia ser mais sugestiva? Pois se trata da

organização burocrática-racional que temos pontuado, ou seja, essa figura não é em

hipótese alguma fruto de uma “herança colonial”, mas sim, uma resposta às

demandas necessárias de um tempo específico do movimento e da sociedade, na

qual ele está inserido. Segundo o Pr.P-A, ao ser perguntado sobre o papel do

Pastor-presidente, ele responde:

“São dois pilares importantes, né! O primeiro é representar a igreja ativa e passivamente, extra e judicialmente, esse é o papel primeiro do que tange a visão da igreja enquanto organização, representante da organização religiosa. Aliais a nomenclatura não é entidade, hoje é organização religiosa, isso está no próprio código civil. Então hoje o próprio papel do pastor-presidente em si, ele é o representante legal da igreja ativa e passivamente, extrajudicial e judicialmente, esse é o papel dele no ponto de vista organizacional, da igreja enquanto organização religiosa. Segundo papel é de exercer o pastorado, veja que ele acumula, o pastor-presidente hoje, aliais em regra dentro das Assembleias de Deus, o pastor-presidente, ele é ao mesmo tempo, presidente, administrador e ao mesmo tempo pastor. Então ele tem que ter essa habilidade, essa polivalência pra conduzir os destinos da igreja.” (entrevista em áudio, gravada no dia 08/07/2016)43.

O que se percebe dessa fala é que o Pastor-presidente não é mais, apenas,

aquele que domina o que Bourdieu determinou como o possuidor de um “capital

43 Crivos feitos pelo autor.

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religioso”, ou seja, detentor do monopólio da gestão dos bens de salvação (2013, p.

39), ele é acima de tudo, um especialista, administrador, primeiramente frente ao

racional-legal, sendo responsável pelas demandas econômicas e jurídicas da

“organização”, lógico sem deixar de lado a esfera extramundana. Entretanto para

isso acontecer, o mesmo deve ser dotado de uma “habilidade” e “polivalência”

especiais para ter a condição de “conduzir os destinos da igreja”. Assim ao mesmo

agora reserva em si mesmo, “dom” e “vocação” não só espirituais, mas, também, de

saberes racionais e específicos da vida intramundana. Fazendo com que essa figura

esteja cada vez mais afastada dos despossuídos, não apenas de capital religioso

como também de um capital cultural bem mais específico.

Com a concentração de poderes e a monopolização cada vez maior dos

“bens de salvação” (BOURDIEU, 2013), podemos perceber que o Pastor-presidente

e o quadro administrativo estão cada vez mais fechados em si mesmos, em

detrimento de um modelo mais democrático de gestão com a participação dos

“leigos”. Podemos especular então que o modelo não seja meramente episcopal,

mas uma fusão do mesmo com um modelo presbiteral, pois não apenas combina a

força do Pastor-presidente, mas também a do seu quadro de funcionários

administrativos especializados que legitima suas ações. Pois esta é a função do

quadro administrativo racional burocrático, legitimar os “mandos” e “desmandos”

daquele que ocupa a posição em destaque da organização. Assim, nos restou, na

pesquisa buscar saber se existiria um caminho para chegar ao posto de um Pastor-

presidente e se qualquer membro pode vir a alcançar este posto dentro das ADMM.

A análise dessa questão se tornou importante para o desenvolvimento da mesma,

uma vez que o aumento da burocracia representa também estabelecimento de

regras claras que legitimem os cargos e seus ocupantes.

Por este motivo estas foram duas outras perguntas feitas aos nossos

entrevistados, entretanto se restringindo apenas aos pastores e ex-pastores-

presidente. E obtivemos respostas bem diferentes entre si. Tivemos aquela que

afirma a possibilidade de que qualquer um, desde que siga as regras da instituição,

pode vir a ser um Pastor-presidente, até aquela em que afirma “não existir um

caminho!”, pois, quem quer ser um pastor-presidente precisa estar próximo ao

Presidente da Convenção. Porém, duas respostas nos chamaram a atenção. A

primeira foi a do Pr. P-B, que ao ser perguntado se qualquer membro poderia ser um

pastor-presidente, ele responde categoricamente: - “Não!”, apesar de que após essa

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resposta negativa, ele buscou afirmar que tanto o empenho da pessoa em estudar e

se preparar, somada a vocação e vontade divida podem sim, levá-lo ao posto, mas

ele termina a resposta da seguinte maneira:

“[...] se a pessoa, por exemplo, estuda, busca a Deus, mostra evidência de evangelismo, capacidade de fundar igrejas, plantar igrejas, de uma forma ou de outra, ele vai ser visto. Embora, parece que na atualidade, os grandes, os pastores não estejam com seus olhos atentos pra isso. Que si conta muito, é essa questão de estar próximo ao pastor44, ajudar ao Pastor-presidente, é isso que conta [...]” (Pr. P-B, Entrevista em áudio, gravada no dia 09/08/2016)

Dessa fala, podemos destacar algo muito interessante, uma vez que em um

modelo burocrático puro (que não existe nessa pureza) estar próximo do “pastor”

não representaria nenhuma vantagem. Todos os interessados tem que seguir as

regras de escolha dos cargos. Pelo depoimento, percebemos que o

desenvolvimento da burocracia da ADMM esteve e está matizada por favores e

serviços pessoais (juridicamente é considerado como tráfico de influências) que

transgridem as regras burocráticas. Este ponto então estaria de acordo ao

pensamento “damatiano” de que na sociedade brasileira impera uma forma de

distinção entre o indivíduo e a pessoa. Segundo esse autor o indivíduo integraria o

“grupo de iguais”, pois todos estão submetidos às leis racionais-burocráticas; já a

pessoa, por ser um personagem que estaria “acima da lei”, desfrutaria de uma

condição prestigiosa referente ao seu sucesso, cargo ou posição que ocupa na

sociedade (MATTA, 1997). O mesmo então passa a privilegiar todos aqueles que lhe

são mais próximos.

Na continuação da resposta do Pr. P-B, ele afirma que essa não é uma tarefa

fácil, pois antes de chegar a ser um pastor-presidente ele tem que chegar a ser

pastor. E “pra chegar a ser pastor, já não é tão fácil assim”, pois segundo o nosso

entrevistado, existem igrejas das ADMM que de um posto “eclesiástico” ao outro a

pessoa deve esperar cinco anos. Dessa forma de cooperador para diácono deve-se

se esperar cinco anos, de diácono a presbítero mais cinco anos, de presbítero a

evangelista (aqui ele já se tornaria o que eles denominam de ministro, ou seja,

passa a ter direito de voz e voto nas Convenções) outros cinco anos e de

evangelista a pastor os últimos cinco anos. Totalizando vinte anos só para chegar ao

cargo de pastor (se não ocorrer nenhum problema, ou situação que atrapalhe essa

progressão), depois disso ainda tem mais o tempo, que segundo o entrevistado não 44 Crivo do autor.

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existe um tempo mínimo ou máximo para ser reconhecido pela Diretoria da

Convenção e convidado a assumir o posto de Pastor-presidente em um determinado

“campo de trabalho”45. O diagrama abaixo ajuda a explicitar esse percurso

necessário e o tempo gasto para se alcançar o posto de Pastor-presidente.

Pelas vias normais são poucos aqueles indivíduos que poderiam alcançar

essas prerrogativas, porém, existem as “famosas exceções” (MATTA, 1997),

relacionados aos mais próximos e ou os da família. Se poderia associar isso ao

pensamento social brasileiro, no qual não passariam de uma prática patrimonialista

herdada da herança colonial e, que nesta pesquisa, mostramos não ter fundamento

teórico suficiente para se sustentar. Uma vez que, em qualquer instituição seja ela o

Estado, o Mercado, ou qualquer outra, existe o jogo político do poder e dominação

que vai estabelecendo o seu funcionamento na sociedade. Não sendo assim,

diferente na ADMM que só pode legitimar essa prática porque dispõe de um quadro

de especialistas que ajudam e se beneficiam da mesma.

Diagrama 1: Percurso a ser trilhado e o tempo necessários para alcançar o cargo de Pastor-presidente na ADMM.

FONTE: Autor.

45 Que fique claro nesse momento, que estamos tratando especificamente das ADMM e da CONAMAD, outras igrejas das ADs no Brasil e Convenções tem as suas regras para a escolha do pastor-presidente, desde eleição com participação de todos os membros, ou mesmo por indicação da Convenção. Até mesmo dentro da ADMM existiram casos que o Campo escolheu o seu pastor-presidente e não a convenção, caso de Santo Amaro, São Bernardo do Campo e Perus, ambos atualmente não fazem mais parte da CONAMAD.

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Vale aqui pontuarmos que muitas das dessas “famosas exceções”, segundo o

diagrama, seriam os indivíduos privilegiados, amigos, filhos, ou parentes os quais

em uma linha direta e ascendente alcançam o posto de pastor sem precisar passar

pelas vias normais de tempo. Se na condição de filho/parente temos o que

denominamos de “patrimonialismo patriarcal”, no qual o pai legitima o seu filho e

torna-o um possível sucessor, ou mesmo, direcionando ele a uma presidência

menor, para que no futuro ele possa ocupar o seu lugar. A questão da sucessão

familiar será abordada mais adiante nesta pesquisa, porém ela é uma prática muito

utilizada nestes últimos tempos e que foge ao modelo burocrático, tendo como

exemplo o filho do Pr. Samuel Ferreira, o Pr. Manoel Ferreira Neto que se tornou

pastor com apenas dezoito anos de idade (FERREIRA, s.n.t) e hoje já é pastor-

presidente da ADMM em Campina, interior de São Paulo, a qual tanto o seu pai,

quanto o seu avô foram pastores desse campo, sendo transferido de uma geração

para a outra concomitantemente.

O “amigo” se legitimaria a partir de uma “troca escusa”, o qual o mesmo pode

ter percorrido o tempo determinado pelo diagrama, ou não, entretanto o que ficou

pontuado na resposta de alguns de nossos entrevistados foi essa forma “escusa” de

relação. Selecionamos a resposta do Pr. P(ex)-A, que deixou enfaticamente

colocado que para chegar a ser pastor-presidente dentro da ADMM há atualmente a

necessidade de estar próximo ao corpo diretivo da CONAMAD, se aliando e se

enquadrando as prerrogativas determinadas pelos que estão no comando, para, aí

sim, poder fazer parte desse “círculo fechado” de poder e dominação. Essa “troca

escusa” pode ser desde uma obediência irrestrita e sem questionamento as

instâncias superiores (sendo uma prática estranha à organização burocrática, pois

este tipo de relação é mais comum na dominação carismática), ou até o pagamento

de uma espécie “pedágio” para que se possa ocupar o posto. Como funcionaria essa

espécie de “pedágio”? Aquele com pretensão de ser um pastor-presidente se

comprometeria a pagar uma determina quantia ao dirigente da cúpula de São Paulo

(no caso das nossas repostas), ou para a da Convenção de um determinado estado,

todos os meses. E este “beneficiário” indicaria essa pessoa à presidência de

determinado campo, ou mesmo criaria um novo campo se necessário. Porém como

falou o Pr. P-B, a pessoa que aceita essa prática acaba ficando em um estado de

submissão de quem o delegou (lembrando práticas da vassalagem feudal), com uma

autonomia e independência em suas ações muito reduzida nesse campo.

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Da forma como foram expressas essas informações, poderíamos entender

essas práticas, a partir da noção de patrimonialismo tradicional e expressa pelos

teóricos “liberais-conservadores” (SOUZA, 2015) do pensamento dominante, na qual

referendaria a ideia de que aos “amigos tudo e aos inimigos a letra dura da lei”.

Entretanto observada sem uma criticidade científica, essa visão ignora a existência

de um sistema político monopolizado e estruturado de poder e dominação, que

afastará os possíveis adversários e aproximará os possíveis aliados. O que é muito

comum e acontece em qualquer organização moderna atual, seja ela política,

empresarial, religiosa, familiar, entre outras, no Brasil e em qualquer parte do mundo

supostamente “modernizado”. Mesmo sendo elas práticas corruptas e que se

afastam dos modelos que estamos abordando, esse é o jogo de poder baseado na

obtenção máxima de prestígio (capital simbólico) para permanecer o máximo

possível na ponta da pirâmide.

1.2.2. O prestígio do Pastor-presidencial.

Para ajudar em uma melhor compreensão de nosso leitor sobre o que foi

exposto anteriormente recorreremos aos conceitos de capital simbólico, trabalhados

por Pierre Bourdieu (1930-2002). A dominação está associada a outro conceito

importante para esta pesquisa, que é o prestígio que o dominador (e o quadro

administrativo) adquire dentro dessa relação. E Bourdieu trabalha esse conceito na

categoria de capital simbólico, o qual estaria vinculado a uma estrutura que faz com

que se aceite essa relação, tanto quem exerce e sofre influências de qualquer forma

de dominação (BOURDIEU, 2003) dentro de um determinado campo. Para ele o

capital simbólico,

[...] não é outra coisa senão o capital, qualquer que seja a sua espécie, quando percebido por um agente dotado de categorias de percepção resultantes da incorporação da estrutura da sua distribuição, quer dizer, quando conhecido e reconhecido como algo de óbvio. (BOURDIEU, 2003, p.145)

Nesse sentido podemos perceber como a figura do Pastor-presidente das

ADs no Brasil, em especial os ADMM, adquiriu esse “capital simbólico” (que embute

o religioso, o cultural e etc). Segundo Bourdieu o capital simbólico permitir

compreender como os fenômenos de dominação ocorrem, a primeira vista de forma

tão natural e permanecendo insondável, ou imperceptível por aqueles que por ele é

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influenciado. Diferenciando-se das outras vertentes de capital46, esse tipo não tem

sua perceptividade imediata, assim como seus efeitos de sua duração, que também

obedecem à lógica de diferentes espécies de poder ligados à propriedade de “fazer

ver” e “fazer crer”. Que cabe muito bem a noção, de que o próprio Deus o escolheu

para exercer essa função e se opor a isso, seria opor-se aos próprios designíos do

sagrado. Assim o capital simbólico é de um modo geral, uma medida do prestígio ou

de “carisma” que um indivíduo ou instituição possui em determinado campo. Dessa

forma,

[...] o reconhecimento da legitimidade mais absoluta não é outra coisa senão a apreensão do mundo comum como coisa evidente, natural, que resulta da coincidência quase perfeita das estruturas objetivas e das estruturas incorporadas. (BOURDIEU, 2003, p.145)

Como já mencionado, em nossas entrevistas ao perguntarmos da importância

do Pr. Paulo Leivas Macalão na história e progresso das ADMM, todos os

entrevistados, sem reservas, manifestaram ver nele a razão principal do

desenvolvimento e consolidação não só do Ministério de Madureira, como das ADs

em geral. Podemos constatar nos depoimentos dos entrevistados o alto capital

simbólico de Macalão. Sendo assim, a partir deste estigma quase imperceptível de

distinção (BOURDIEU, 2007), o capital simbólico permite que um indivíduo se

aproprie de uma posição de destaque frente a um determinado campo, e tal relação

de dominação é reforçada pelos distintivos que reafirmam a posse deste capital. Por

ser um tipo de capital cuja posse permite um reconhecimento/prestígio imediato da

dominação do elemento que o possui sobre os demais elementos do campo, o

capital simbólico é assim o instrumento principal tanto do poder simbólico47 como

46 Bourdieu entende por esse termo não apenas o acúmulo de bens e riquezas econômicas, mas todo recurso ou poder que se manifesta em uma atividade social. Assim, além do capital econômico (renda, salários, imóveis), é decisivo para o sociólogo a compreensão de capital cultural (saberes e conhecimentos reconhecidos por diplomas e títulos), capital social (relações sociais que podem ser convertidas em recursos de dominação). Em resumo, refere-se a um capital simbólico (aquilo que chamamos prestígio ou honra e que permite identificar os agentes no espaço social). Ou seja, desigualdades sociais não decorreriam somente de desigualdades econômicas, mas também dos entraves causados, por exemplo, pelo déficit de capital cultural no acesso a bens simbólicos. (retirado do site CULT, Pequeno glossário da teoria de Bourdieu, em http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/pequeno-glossario-da-teoria-de-bourdieu/. Acesso: 31/03/2016). 47 Segundo Bourdieu, poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) supõe aquilo a que Durkheim chama o conformismo lógico, quer dizer, “uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências” (BOURDIEU, 2003, p. 9).

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também da violência simbólica, ao impor seu peso sobre os que não o possuem, ou

podem possuir em uma quantidade inferior em um determinado campo.

Bourdieu também trabalha a questão do papel da religião como o agente

estruturante do indivíduo e a sociedade em que o mesmo está inserido, criando

outro tipo de capital – o religioso (BOURDIEU, 2013). Isso levará os seus membros a

uma disputa política intensa pelo controle/dominação da estrutura religiosa em

questão – o “monopólio do sacerdote” (BOURDIEU, 2013), que podemos associar

em suas devidas proporções ao conceito weberiano de “dominação tradicional-

estamental” (WEBER, 2012), por ser obrigado a formar um quadro associativo.

Ponto claro, nas estruturas burocráticas das ADs no Brasil, em especial a ADMM, é

que ao surgir à figura do Pastor-presidente, imediatamente necessitou do vice, que

por sua vez de alguém para administrar as finanças, outro para ser responsável pela

programação e assim por diante (ver a tabela 2). Esse “corpo de especialistas” (os

prestigiosos) seria socialmente reconhecido como os detentores únicos da

“produção ou à reprodução de um ‘corpus’ deliberadamente organizado de

conhecimentos secretos” (BOURDIEU, 2013, p. 39), os quais devido ao seu

prestígio legítimo excluiriam todos os demais da participação pelo simples fato de

não terem a posse desse capital religioso, assim deveriam se submeter ao grupo

prestigioso (BOURDIEU, 2013).

O autor ainda enfatiza que a religião funcionaria a partir de duas bases, as

quais constroem e legitimam toda e qualquer relação ética mantida pelo grupo no

espaço social a que estiverem inseridas (BOURDIEU, 2013, p. 46), ou seja, no

espaço religioso sua ética própria se dá pelos valores do grupo, mesmo que eles se

contraponham ao estabelecido por uma sociedade. Poderíamos encontrar aqui uma

explicação para o fenômeno de perpetuação e sucessão dinástica, mas será que o

grupo religioso é coeso em sua totalidade? Obedecendo em sua totalidade ao

dominador? Nem sempre! Fazendo uma análise sobre a sociologia da religião de

Weber, Bourdieu destaca-se que para o “leigo” não há necessidade de justificativa

da religião em relações a assuntos concernentes a ela mesma, e nem muito menos

para os de “justificativas sociais” que determine a ela uma “posição na estrutura

social” (BOURDIEU, 2013, p. 86). O que está em jogo aqui são os “interesses

religiosos”, pois os mesmos “tem por princípio a necessidade de justificar a

existência numa dada posição social”, que está diretamente ligada “pela situação

social” (BOURDIEU, 2013, p. 86).

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Onde então nasce essa justificativa? Diria Bourdieu (2013) na mensagem

religiosa dos grupos dominantes! Mas essa relação diz o autor é dependente das

“demandas religiosas” (BOURDIEU, 2013, p. 87), as quais são: demandas de

legitimação e de compensação. A primeira seria a forma como os dominantes

legitimam sua dominação pela sua “conduta de vida”, que Bourdieu expressa como

“excelência” e a segunda seria como os dominados são “favorecidos” no que

poderão vir a ser (BOURDIEU, 2013, p. 87). Mais isso só seria possível com o fim do

carisma e a burocratização do sistema religioso em questão, no qual o mesmo

afirma, parafraseando Weber:

[...] que as grandes potências hierocráticas (igrejas) estão predispostas a fornecer ao poder político em “poderio de legitimação” (legitimierende Macht) totalmente insubstituível, e que elas constituem “um meio inigualável de domesticação dos dominados” (BOURDIEU, 2013, p. 88).

Podemos assim perceber que esse prestígio é construído historicamente

dentro da instituição e que os Pastores-presidentes adquirem esse “capital

simbólico” ao longo do processo de desenvolvimento da mesma, podendo então

monopolizar e aparecer como “senhores supremos”, representantes diretos de Deus

(em termos medievais) de forma naturalizada. Mas este poder legitimador e

domesticador não “reina” soberano, pois tem de enfrentar “o profeta”, ou seja,

aquele que “opõe-se ao corpo sacerdotal da mesma forma que o descontínuo ao

contínuo o extraordinário (Ausseralltäglich) ao ordinário” (BOURDIEU, 2013, p. 89).

Investido de um poder carismático mobilizador, este tende a combater tudo aquilo

que foi introduzido como natural dentro da instituição pelos dominadores

prestigiosos. Podemos ter aqui uma explicação do porque as ADs no Brasil se

fragmentaram tanto e ainda se fragmentam em nossos dias, caso que a priori pode

ser constatado pela quantidade de nomes de ministérios encontrados num simples

passeio pelas ruas de qualquer cidade brasileira. Neste caso o poder do profeta se

relaciona com a condição de mobilização, ele cumpre um papel importante na

medida em que se opõem aos poderes legitimadores da classe sacerdotal,

demostrando a existência de uma tensão constante entre dominadores e

dominados. Ele:

O profeta traz ao nível do discurso ou da conduta exemplar, representações, sentimentos e aspirações que já existiam antes dele embora de modo implícito, semiconsciente ou inconsciente. Em suma, realiza através de seu discurso e de sua pessoa, como falas

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exemplares, o encontro de um significante e de um significado preexistente. (BOURDIEU, 2013, p. 92).

Neste ponto a pesquisa se propôs a pensar se realmente o Pastor-presidente

das ADMM é um ser intocável, ou se existiria limites para a sua ação. Quais seriam

esses mecanismos de fiscalização do mesmo dentro da organização? Nesta

próxima seção passaremos a apresentar os resultados do que encontramos, sobre

essa questão, em nossa pesquisa.

1.3. LIMITES DO PODER DO PASTOR-PRESIDENTE.

Trata-se de uma questão bem relevante da pesquisa, pois nela reside um

ponto crítico e que gera muitas tensões dentro do movimento. Uma vez que não

podemos considerar na atual constituição da sociedade que aprecia a igualdade de

direitos, que alguém na esfera da política, da economia, da sociedade, ou mesmo,

da religião detenha um poder de tipo “absoluto”, “tirânico” ou “ditatorial”, indo

contrariamente a todos os pressupostos da modernidade democrática e liberal.

Certo que segundo as concepções bourdieunianas, o capital religioso tende a criar

dois tipos de estruturas de distribuição, as quais seriam de “tipos opostos de relação

social”, que estariam permutadas pelo que denominou de “domínio prático” e

“domínio erudito” da composição e distribuição do “capital religioso”; e de “tipos

distintos de sistema simbólico”, nos quais teríamos os mitos e as ideologias

religiosas como as ferramentas de estruturação do sistema interno da religião, que

organizariam e disponibilizariam sua importância de existência frente ao mundo

exterior (BOURDIEU, 2013, p. 40). Esse olhar para como se solidifica o sistema

simbólico das ADMM, em relação ao Pastor-presidente é de suma importância para

entendermos o funcionamento e legitimação de suas ações.

Por este motivo, perguntamos a todos os entrevistados, se dentro das ADMM

existiriam limites para as ações de um Pastor-presidente e quem teria o poder, ou

mesmo, a obrigação de fiscalizar suas ações. Para auxiliar a melhor a compreensão,

fizemos um quadro comparativo de todos os entrevistados e suas respostas, a fim

de termos um panorama geral da situação proposta na pergunta.

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Quadro 1: Existem limites/ou alguém que fiscalize um pastor-presidente?

Papel do Pr. Presidente.

Existem limites de

suas ações?

Quais são esses limites?

Quem fiscaliza?

Pr. P-A48 Administrar, Pastorear

Sim Ético, morais,

espirituais e a má administração.

Junta Conciliadora Jurídico (Ass.

Geral da Igreja)

Pr. P-B

Administrar, Construir, Ensinar,

Pastorear.

Sim Conduta moral e

administração

Conselho Fiscal; Junta

Conciliadora.

Pr. P(ex)-A

Administrar, Organizar, Dirigir

Sim/Não Problemas graves

morais ou financeiros

Conselho Fiscal; Junta

Conciliadora.

Pr. P(ex)-B

Administrar Gestor

Sim Não menciona quais seriam esses limites

Conselho Fiscal; Junta

Conciliadora.

Pr. C-A Organizar Não # Não há quem

fiscalize

Pr. C-B Administrar Não # Diretoria poderia

fiscalizar, mas não faz!

Ao analisarmos os dados expostos no quadro acima podemos perceber que

todos os entrevistados tem a mesma percepção sobre o papel do Pastor-presidente.

A imagem transmitida dele é eficazmente percebida e aceita por todos. Assim o

Pastor-presidente, não é apenas o líder espiritual da organização, mas aquele que

deve gerir todas as ações da igreja e suas finanças, desde preparar e consagrar

novos obreiros, abrir e construir novos templos, como representar juridicamente a

igreja frente às questões legais, talvez isso explique porque muitos deles têm feito o

curso de bacharel em Direito. Como já afirmamos anteriormente, entre o Bp. Manoel

Ferreira e os seus três filhos que são pastores-presidentes Abner, Magner e Samuel

Ferreira todos têm em sua biografia o título de bacharéis em Direito. Ao serem

perguntados se existem limites para as ações de um Pastor-presidente, temos uma

variação das respostas. As respostas ficaram assim. Para os pastores-presidentes

em exercício sim, há limites! Para os ex-pastores um disse sim, o outro a princípio

disse não, mas depois sim. Já os dois pastores de congregação disseram não. É

aqui, que reside o ponto importante, pois para aqueles que estão sobre a condição

48 Segundo este Pastor-presidente na pergunta - Quem fiscaliza? Ele menciona a intenção do Pr. Samuel Ferreira em criar um “Tribunal Eclesiástico” no Ministério de Madureira, o qual seria uma forma não apenas de fiscalizar, mas com a estrutura necessária e a competência devia, para apreciar questões referentes às ações indevidas de pastores-presidentes e membros da CONAMAD.

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de dominado a percepção é de que o Pastor-presidente é absoluto em seu posto e

de que não há limites para sua ação.

Apenas um dos pastores de congregação faz uma menção que a diretoria

poderia vir a ser esse agente de fiscalização (o outro foi enfático em sua resposta,

que não há quem fiscaliza e ele é soberano em suas decisões), mas para ele, a

mesma não o faz, seja porque pouco poder tem, ou porque os membros da mesma

tem medo de alguma represália que possam sofrer se questionarem o seu superior.

Como não estendemos essas perguntas aos membros não podemos aqui afirmar

categoricamente que eles também têm essa mesma impressão, mas se os pastores

de congregação tem essa impressão, poderíamos supor sem cair em erros de

percepção, que os mesmos tendem a serem reprodutores dessas concepções aos

seus membros.

Mas voltemos agora nosso olhar para as respostas dadas pelos presidentes

em exercícios e pelos ex-presidentes. Retirando apenas um que não respondeu a

pergunta, todos os outros mencionam que sim, existe um limite para as ações dos

Pastores-presidentes. E esse limite se pauta em dois pontos bem específicos, 1-

faltas morais graves, que neste caso geralmente está relacionado a uma traição

conjugal (fato mais ou menos corriqueiro)49; 2- seriam problemas relacionado com a

má gestão dos recursos financeiros da igreja, gastos indevidos, enriquecimento

ilícito, dívidas da igreja e situações afins. Ou seja, sua “gestão” não é tão absoluta

quanto à imagem transmitida e reproduzida por aqueles que estão nas esferas mais

distantes do corpo diretivo.

Mas quem então fiscalizaria suas ações? Na resposta dada por estes dois

grupos de entrevistados, dos órgãos que apareceram com poder fiscalizatório, são

eles, a Junta Conciliadora Estadual e o Conselho Fiscal de cada Campo. A Junta

Conciliadora órgão estabelecido pela CONAMAD, obrigatoriamente se estrutura da

seguinte forma “Presidente, o Relator e o Secretário, indicados pela Mesa Diretora

da CONAMAD e dirigida pelo presidente da CONEMAD50” (Estatuto da CONAMAD,

Art. 41, seção I – DAS JUNTAS CONCILIADORAS ESTADUAIS) do estado

49 Segundo os entrevistados não é muito difícil se ouvir nas Convenções que o presidente do campo A, B ou C está sendo excluído, ou destituído de suas funções porque abandonou a esposa, por outra mulher, que quase sempre é mais nova que sua esposa. 50 A CONEMAD (Convenção Estadual de Ministros Evangélicos das Assembleias de Deus de Madureira) é uma entidade inferior a CONAMAD, mas que tem como objetivo resolver situações em níveis regionais. Sua estrutura é semelhante a da CONAMAD, reproduzindo assim o mesmo nível de distinção entre dominadores e dominados.

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pertencente da mesma. Em seu Art. 42. São atribuições das Juntas Conciliadoras

Estaduais:

I. Promover a paz, a conciliação cristã e a harmonia entre as Igrejas Filiadas e os Ministros (Pastores e Evangelistas), Missionários e Missionárias, no Estado; II. Reunir-se sempre que necessário para apreciar os casos enviados pela Mesa Diretora da CONAMAD, emitindo parecer; III. Encaminhar à Mesa Diretora da CONAMAD, relatório anual das atividades no Estado; IV. Acionar a Comissão Jurídica, através da Mesa Diretora da CONAMAD, nos processos litigiosos; V. Encaminhar à Mesa Diretora da CONAMAD, depois de concluída a fase ordinatória e instrutória, parecer sobre assuntos de seu peculiar interesse, dentro de sua jurisdição eclesiástica, conforme as normas estatutárias e regimentais da CONAMAD, cumpridas as formalidades; (ESTATUTO CONAMAD, 2013)

Não fica claro dentro do estatuto das ADMM, que a Junta teria essa função

fiscalizatória, porém todos os presidentes e ex-presidentes entrevistados na

pesquisa expõem que ela tem esse poder. Em uma das entrevistas foi colocada

segundo a fala do Pr. P-A “[...] Ela só se junta para conciliar, para aconselhar, dirigir,

mas ela não tem caráter deliberativo, decisório” (Entrevista em áudio, gravada no dia

08/07/2016). Ou seja, na hora de confrontar as ações de um determinado Pastor-

presidente qual é o real papel da junta conciliador? Essa pergunta ficou no ar. Se

não fica explicito estatutariamente, fica implícito pelas falas dos entrevistos que essa

“Junta” tem um determinado poder, de em uma dessas situações, retirar das funções

o determinado Pastor-presidente faltoso.

O segundo instrumento seriam os Conselhos Ficais, órgãos obrigatórios em

todas as esferas das ADMM, desde a CONAMAD para baixo, até os campos de

trabalhos, todos devem ter um Conselho Fiscal. Este órgão tem por função analisar

as contas e apresentar pareceres dos mesmos para a Assembleia Geral no final de

cada ano. Segundo o Pr. P-B, “todo membro tem o direito de ver os livros da igreja,

mas ninguém se interessa” (Entrevista em áudio, gravada no dia 09/08/2016), ainda

em sua fala o Conselho Fiscal fica com esta função. Vale aqui colocar a percepção

de Alencar, mesmo ele acreditando que o Pastor-presidente é quase intocável na

ADs no Brasil, o mesmo expõe um ponto interessante, pois “um pastor-presidente,

mais que ser um déspota, precisa ser um articulador habilidoso. Um ser político”

(2013, p. 179). Assim suas ações e condutas precisam ser negociadas com o

quadro administrativo, pois como cita o Pr. P(ex)-B, que é o próprio Pastor-

presidente que escolhe o seu Conselho Fiscal, deixando implícito, a existência de

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algumas formas de manobra do mesmo para poder se manter no poder sem muita

resistência.

Conquanto, se é o próprio Pastor-presidente que escolhe seu Conselho

Fiscal, a possibilidade de controlar/manipular o papel fiscalizador está

estruturalmente garantida e escondida sob uma aparência de modelo democrático.

Uma vez que, a existência desse órgão exporia certa ideia de transparência,

entretanto quem garantiria autonomia ao mesmo? Ao se encontrar uma

irregularidade esse órgão agiria com imparcialidade, ou recairia a uma questão de

“coleguismo”. Ainda mais, quem poderia garantir que ao ser confrontado em suas

contas esse pastor-presidente não usaria de um autoritarismo contra os membros

desse órgão? Assim, podemos perceber que não é necessário apenas habilidade

articuladora, pois nessa relação deixa implícita a existência de uma forma de poder

despótico, que é claramente “antimoderno”, nos quais podem produzir muitas

brechas de favorecimento aos envolvidos.

Mas haveria algum caso concreto em que o Conselho Fiscal, de alguma igreja

vinculada as ADMM, tenha rejeitado as contas e condutas de um Pastor-presidente?

Sim, encontramos em nossa pesquisa um caso que veio a tona. Refiro-me ao caso

da ADMM de Volta Redonda - Rio de Janeiro, que a época era presidida pelo Pr.

Davi Cabral. Figura icônica do Ministério de Madureira, mas que teve suas contas

rejeitadas por um Conselho Fiscal escolhido pelos membros da igreja, pois devido a

denúncias referentes à suspeitas de improbidade administrativa na gestão desse

pastor, o Conselho Fiscal escolhido pelo mesmo foi dissolvido.

1.3.1. O caso da ADMM de Volta Redonda-RJ

Este caso apareceu em uma das entrevistas realizadas durante o processo de

pesquisa, que nos levou a buscar mais informações sobre o fato em questão. No site

“O Fuxico Gospel”51 encontramos disponibilizado o relatório realizado por um

Conselho Fiscal eleito pelos membros da igreja em 27 de outubro de 2015, que

suspeitaram de irregularidades cometidas pelo líder maior e em reposição ao antigo

51 Site que se propõem em tratar dos acontecimentos do “mundo gospel”, ou seja, um site especializado em assuntos (ou fofocas) de pastores, cantores e personalidades evangélicas em geral. A matéria sobre o assunto em questão, mais o relatório produzido pelo Conselho Fiscal da ADMM de Volta redonda, também conhecida pela sigla CADEVRE, estão disponíveis no endereço: http://www.ofuxicogospel.org/2016/01/mp-podera-investigar-contas-da-cadevre.html. Acesso: 21/09/2016.

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Conselho Fiscal que em meio as pressões sobre as possíveis irregularidades do Pr.

Davi Cabral (Pastor-presidente) renunciaram aos respectivos cargos. Este “novo”

Conselho Fiscal produziu um relatório de 40 páginas (ver Anexo I), que apontou

vários indícios de irregularidades cometidas pelo pastor.

Entre as irregularidades que foram apontadas pelo relatório está à

contratação de dois empréstimos um de 105 mil e o outro de 150 mil reais e que em

seu montante somariam mais de 900 mil reais não declarados nas contas da igreja.

No quesito despesas pessoais o pastor teria adquirido um plano previdenciário com

valor mensal de 4.500 reais, além de um plano de saúde tanto para ele como para

todos os seus familiares que incluía filhos e netos, o montante final daria mais de 90

mil reais só em despesas pessoas pagas pela igreja, sem contar o pagamento de

cartões de crédito pessoais, viagens e hospedagens sem identificação. O relatório

menciona também repasses feitos a uma instituição social conhecida como

ADAFEVRE - Associação de Assistência as Famílias Evangélicas de Volta Redonda,

que contava com mais de 80 benificiários e um custo anual de mais 600 mil reais

para os cofre da igreja, que piora a situação do pastor, pois o presidente desta

instituição é o seu filho Davi Cabral Jr (que é também pastor-presidente de uma das

ADMM, em Resende-RJ52).

Ainda nem mencionamos que o pastor Davi Cabral tinha um salário que

girava em torno de 40 salários mínimos, que daria mais de 30 mil reais ao mês,

pagos pela igreja. O referido pastor não conseguiu justificar suas contas e ainda

mais, o mesmo estava em processo de separação de sua esposa, que mais tarde

viria a público. Assim, mesmos com uma tentativa de usar de seu poder e prestígio

para descaracterizar o relatório produzido pelo Conselho Fiscal (que não foi

escolhido por ele) em fevereiro de 2016, a igreja se mobilizou e, em votação

unânime rejeitou sua contas, obrigando que a CONEMAD do Rio de Janeiro

(presidida pelo Pr. Abner Ferreira) convocasse um AGO (Assembleia Geral

Ordinária) no mês de Março do ano de 2016 e dessem encaminhamentos para a

saída do pastor da liderança da igreja de Volta Redonda. Essas informações

confirmaram a fala de um dos nossos entrevistados, que citou esse caso, como um

fato quase que inédito dentro das ADMM e das ADs no Brasil e que fazia muitos

52 Essa igreja fazia parte do conjunto de igrejas filiadas a ADMM, conhecida como CADEVRE – Catedral das Assembleias de Deus de Volta Redonda e em dezembro de 2014 foi emancipa pelo pastor Davi Cabral, sendo empossado seu filho. Informações disponíveis em http://www.catedralcader.com/cader. Acesso: 21/09/2016.

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anos que não tinha notícias de um fato como esse. Ainda na fala deste pastor, ele

afirma que “o povo não sabe do poder que tem em suas mãos” (Pr. P-B, entrevista

em áudio, gravado em 08/09/2016).

Ficando claro que o Pastor-presidente mesmo que queira, não tem o poder

absoluto, pois quando os membros perceberem que podem requerer transparência,

esse mesmo “ser absoluto” tem que se submeter às regras instituídas pela a

organização racional-burocrática. Quebrando de vez com a concepção produzida

pelos liberais-conservadores que em nosso país existe uma “herança maldita”

(SOUZA, 2015) de nossa colonização, que nos torna corruptos por natureza. Este

fato mostra claramente que não é, bem assim, que devemos pensar nossa atual

condição de sociabilidade brasileira.

É nesse sentido que no próximo capítulo abordaremos o caminho percorrido

pela a ADMM, desde seu fundador o Pr. Paulo Leivas Macalão até a gestão do Bp.

Manoel Ferreira sendo ele atualmente o presidente vitalício da CONAMAD, porém

não mais exercendo a presidência, uma vez, que seu filho Pr. Samuel Ferreira53

aparece como presidente executivo54, e nas falas de dois entrevistos, ele hoje é

quem toma todas as decisões. Na tentativa de melhor compreender como a mesma

foi se organizando e estruturando o seu quadro administrativo ao longo dos anos e

como o mesmo acaba legitimando suas ações e posturas frente ao corpo de

dominados, mesmo em meio a críticas e tensões que se camuflam em um ar de

unidade e homogeneidade entre os grupos “oligárquicos” do Ministério. Nossa

intenção é demostrar que a figura do Pastor-presidente e a questão da sucessão

estão ligadas a toda uma organização racional-burocrática, que junto à lógica do

patrimonialismo apresentado anteriormente leva a constituição de um quadro

administrativo especializado que não só monopolizam o poder, mais distribui o

mesmo de forma a manter concentrado em alguns poucos55.

53 Até o período da defesa dessa dissertação, Samuel de Cássio Ferreira ocupava a posição eclesiástica de pastor, porém no mês de março do ano de 2017 na 39º AGO realizada em São Paulo, tanto ele como seu irmão Abner e mais três pastores foram consagrados ao posto de bispo do Ministério de Madureira. Hoje sendo essa a maior posição eclesiástica do Ministério de Madureira. 54 Informação disponível em: http://www.adbras.com.br/2016/pastor-samuel-ferreira/; e http://www.conemadsp.com.br/site/?page_id=10. Acesso em 03/10/2016. 55 Devemos mencionar que isso não é uma prática exclusiva das ADMM, mas tanto das ADs no Brasil (com casos como o domínio da família Bezerra na AD ministério do Belém - SP, como na AD ministério do Amazonas e Pará dominados pela família Câmara, como em um caso atual de sucessão que ocorreu na AD ministério de Camboriú-SC, com a morte do Pr. Cesino Bernardino no dia 30 de julho de 2016, seu filho o Pr. Reuel Bernardino assume em seu lugar) como das demais igrejas pentecostais brasileiras.

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CAPÍTULO 2 A PRIMEIRA ASSEMBLEIA DE DEUS “AUTENTICAMENTE” BRASILEIRA: do Pr. Paulo Leivas Macalão ao Bispo Manoel Ferreira.

A ADMM foi fundada em 15 de novembro de 1929, porém somente em 1941

assumiu personalidade jurídica (ALMEIDA, 1982; CONDE, 2008). Seu fundador foi o

Pr. Paulo Leivas Macalão (1903-1982), personagem de grande importância não

apenas ADMM, mas para as ADs no Brasil. Sua trajetória marca alguns pontos

importantes para compreendermos como foi se configurando a ADMM ao longo dos

anos e que nos dão as condições de afirmar ser ela a primeira AD “autenticamente”

brasileira. As condições materiais de sua fundação, formação e desenvolvimento

nos remetem a questões bem específicas não apenas da história das ADs, mas de

questões político-sociais do próprio Brasil. As mesmas não podem ser ignoradas,

pois este movimento, por mais que o discurso dos seus líderes buscasse afirmar

uma separação entre o movimento e o restante da vida material e social brasileira

(ALENCAR, 2010)56, os acontecimentos das décadas a partir de 1920 (período da

chegada do movimento no Rio de Janeiro – 1924), influenciaram de forma decisiva a

postura nacionalista que o Pr. Paulo Leivas Macalão adotara em sua trajetória

(ALENCAR, 2013).

Neste capítulo desenvolveremos o processo histórico-social da ADMM,

focando sobre seus dois principais personagens e como ela se organizou durante o

processo de consolidação das ADs pelo Brasil. Segundo dados da própria instituição

hoje a ADMM é o segundo maior segmento convencional dentro das igrejas ADs no

Brasil, com aproximadamente dois milhões de membros espalhados pelo Brasil e

pelo mundo57, sendo a AD a maior denominação protestante/pentecostal do país.

Vale aqui mencionar que este segmento pentecostal brasileiro, não expressa uma

unidade característica de outras denominações como a Igreja Universal do Reino de

Deus - IURD, por exemplo. Por este motivo não podemos usar o termo no singular,

ou seja, falar em AD como uma única e coesa igreja, pois o que na realidade existe

56 Segundo Alencar, neste momento a igreja proibia a leitura de jornais e revistas (a não ser a do próprio movimento) e condenava a instrução secular como uma prática “mundana” e desnecessária, uma vez que o “Senhor vem em breve”, ideia central da doutrina pré-milenista do arrebatamento secreto da igreja. (2010, p. 141). 57 Esse dado se registra no site da Assembleia de Deus Madureira em Anápolis – GO. Ver http://adanapolis.com.br/home/nossa-historia/. Acesso: 15/10/2016.

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são muitas ADs, mesmo encontrando muitos aspectos em comum entre elas, cada

uma delas também expressa muitas particularidades, sejam elas particularidades

regionais, ministeriais e até teológicas58. Por este motivo nos referirmos as ADs

sempre no plural (FAJARDO, 2015)59.

Para uma melhor compreensão de nosso objeto de pesquisa, apresentamos

rapidamente a localidade da igreja-mãe das ADMM, ou seja, onde tudo começou de

fato – o bairro de Madureira. Este bairro é caracterizado como de classe média e

média baixa, localizado no subúrbio carioca, fazendo parte da Zona Norte da cidade.

Fundado em 24 de maio de 1613, com o nome de o Largo do Campinho, antes da

vinda de D. João VI para o Brasil, era o ponto de convergência das estradas de

Jacarepaguá até Engenho D’Água, Estrada do Piraquara, por onde passavam

comboios de tropas e animais (MORAIS, 2015). Abaixo temos um mapa que nos

auxilia em uma melhor visualização de onde está localizado o bairro na cidade do

Rio de Janeiro.

Mapa 1 - Localização do Bairro de Madureira no Estado do Rio de Janeiro

Fonte: Prefeitura doRio de Janeiro. Ver:

http://portalgeo.rio.rj.gov.br/armazenzinho/web/BairrosCariocas/main_bairro.asp?bairro=Madureira&area=083&tipo=click

58 Nesta multiplicidade das ADs, podemos encontrar igrejas adeptas a Teologia da Prosperidade, líderes que se denominam de Bispos ou Apóstolos, igrejas que concordam com o pastorado feminino e permitem o uso de calça, maquiagem e joias pelas mulheres, mas talvez em uma mesma rua possa se encontrar uma igreja completamente ao contrário do que foi citado e se denominando como uma AD Ortodoxa. 59 Fajardo (2015) em seu texto aborda de maneira histórica e sistemática como se deu a construção dessa pluralidade assembleiana no Brasil ao longo de seus mais de cem anos de existência.

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Segundo Morais (2015) é no “período entre 1816 e 1822 que surge à figura de

Lourenço Madureira (boiadeiro de profissão), descrito como um “demandista

insistente”, que arrendou parte das terras da Fazenda Campinho, onde além de um

pequeno roçado de milho e mandioca, estabeleceu morada”60. Após a morte do

boiadeiro, começa a surgir com o loteamento da fazenda o bairro de Madureira. O

bairro hoje faz divisa com Cascadura, Cavalcanti, Vaz Lobo, Engenheiro Leal,

Turiaçu, Campinho e Oswaldo Cruz (Rio de Janeiro), ocupando uma área total de

378,76 hectares61, com uma população de 50.106 pessoas (embora sua população

flutuante seja muito maior que isso) segundo o Censo de 2010. Outro dado

importante do bairro é a chegada da ferrovia em 1890, com a inauguração da

estação que leva o nome do bairro, contribuindo ainda mais com o fluxo de pessoas

que iam e vinham ao bairro. Por ser um bairro de subúrbio e com grande

movimentação de pessoas, temos um ponto que nos ajuda a explicar porque

segundo a história oficial da ADs no Brasil e de Madureira, o Pr. Paulo Leivas

Macalão escolheu esse local para a evangelização. Pois segundo a história oficial

ele ficava nessa (e em outras) estação com o seu violino cantando e pregando para

os transeuntes que entravam ou saiam do bairro de Madureira (ALMEIDA, 1983,

CABRAL, 1998).

Mapa 2 – Localização dos Bairros onde foram abertas as duas primeiras ADMM

Fonte: http://pt.mapsofworld.com/brasil/cidades/rio-de-janeiro/ferroviario-mapa.html

60 Disponível em: https://www.bn.br/noticia/2015/07/rio-450-anos-bairros-rio-madureira. Acesso dia 05/05/2016. 61 Dados retirados do site da prefeitura do Rio de Janeiro, disponível em: http://portalgeo.rio.rj.gov.br/bairroscariocas/mostra_temas.php?bairro=Madureira&area=083. Acesso dia 01/05/2016.

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Esse segundo mapa nos ajuda a ter uma visão mais panorâmica da cidade do

Rio de Janeiro e dos seus bairros, principalmente os que compõem o chamado

subúrbio carioca, onde o Pr. Paulo Leivas Macalão estabeleceu suas bases. Nele

podemos identificar que a estrada de ferro, que corta a cidade do Rio de Janeiro é

de fundamental importância para o jovem Macalão em meados das décadas de

1920 e 1930, pois ela vai ser o ponto de como atingir esses bairros periféricos. Os

quais serviam de bairros dormitórios para muitas pessoas, uma vez que a maior

parte das indústrias e dos comércios se encontrava na região central da cidade

(ABREU, 1997). Como podemos perceber no mapa as duas primeiras igrejas

fundadas por Macalão (Bangu em 1926 e Madureira em 1929) são cortadas pela

estrada férrea carioca. Feita essa inserção, passamos a falar sobre o pastor pioneiro

das ADMM, principalmente sobre pontos relacionados aos contextos e períodos da

história nacional, em que acreditamos ter tido forte influência em suas ações.

2.1. PAULO LEIVAS MACALÃO: O PRESTIGIO DO “GENERAL RELIGIOSO”.

O Pr. Paulo Leivas Macalão hoje faz parte do “mito fundante” das ADs no

Brasil. Figura icônica, permeada de toda uma construção histórica de carisma,

heroísmo e intrepidez. Sua memória sempre lhe resguarda os títulos de “patriarca”,

de “apóstolo”, de “líder maior”, o “fundador”, “precursor” entre vários outros títulos

que identificamos em nossas seis entrevistas e em nenhum momento, quando

fizermos a pergunta “O que representa a figura do Pr. Paulo Leivas Macalão ao

Ministério de Madureira?” ouvimos alguma palavra que não “enaltecesse” essa

figura. A memória aqui ocupa um ponto de extrema importância para afirmação,

reafirmação e continuidade de um grupo religioso, em especial, uma vez que existe

uma necessidade constante de retorno às raízes para reafirmar algo, ou mesmo

afirmar um algo novo. Halbwachs (1990) em seu livro “A memória coletiva” afirma

que “para confirmar ou recordar uma lembrança, as testemunhas, no sentido comum

do termo, isto é, indivíduos presentes sob uma forma material e sensível, não são

necessárias” (1990, p. 27), pois a memória parte de uma construção coletiva e que é

repassada pelas gerações garantindo sua permanência viva entre os membros

deste grupo.

Segundo Rivera (que se utiliza da teoria de Halbwachs), mesmo que exista

uma memória individual, sua pertença a vários grupos sociais possibilita que a

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mesma se entrelace a múltiplas memórias coletivas. Sendo então “a memória

individual um ponto de vista sobre a memória coletiva” e que a mesma estará em

constate mudança, dependendo do “lugar ocupado pelo indivíduo” e da relação que

o mesmo desempenhou com os outros indivíduos do mesmo grupo (RIVERA, 2001,

p.32). Nesse sentido as recordações se sobrepõem umas as outras, cabendo uma

validar a outra, na intenção de criar uma memória coletiva (HALBWACHS, 1990).

Aqui temos um indício do porque os membros e os entrevistados recordem de seu

líder com tamanho saudosismo e apreço. Rivera ainda enfatiza que essa memória

coletiva só se torna uma verdade quando ela atende um desses três requisitos: - um

acontecimento, uma figura pessoal ou um lugar. Sendo o lugar o que tem “maior

possibilidade de se apresentar de maneira concreta” (2001, p.39).

Sem dúvida alguma o pentecostalismo brasileiro, em especial, o de vertente

“assembleiana” leva isso muito a sério, pois é possível encontrar esse “tripé”, dentro

da construção da memória desse movimento ao longo de sua história no Brasil. O

qual pode ser descrito da seguinte maneira: a) o acontecimento, realizado pelo

processo de conversão ao movimento, por uma “revelação” divina, ou mesmo, por

um “chamado” da parte do próprio Deus. Marcando aqui o início, princípio, ou seja,

onde tudo começou, sem se esquecer dos desafios enfrentados (percalços,

barreiras, inimigos que ameaçam até mesmo a vida desses “desbravadores”)62 para

se cumprir “o que já estava designado”. b) a figura pessoal, pessoas normais

dotadas de um carisma “divinizado”, que foram “convocadas” para realizar um

trabalho designado pelo próprio Deus. Está figura cheia de prestígio, carrega em seu

próprio corpo a história da igreja-mãe/igreja-sede que ela própria fundou, ou deu

continuidade ao trabalho (mas em suas mãos obteve um crescimento

extraordinário), o qual hoje, só é o que é graças aos incansáveis esforços dessa

personagem. c) o lugar, esse centro geográfico das ADs no Brasil é demarcado nas

Igrejas-Mães/Igrejas-Sedes, ou seja, a primeira igreja a ser implantada e onde tudo

começou. Os acontecimentos e as figuras podem cair no ostracismo e seus detalhes

podem ser esquecidos gradativamente, eles até podem ser repetidos, porém nunca

62 Um bom exemplo do que estamos expondo, podem ser encontrados nas duas biografias oficiais dos fundadores das ADs no Brasil, os missionários suecos Gunnar Vingren (“Diário do Pioneiro”) e Daniel Berg (“Enviado por Deus”), ambas as obras estão cheias de histórias de perigos e “socorro divino”. Vale lembrarmos também que o próprio “chamado” para o Brasil, se deu a partir de uma visão, na qual o nome Pará apareceu, recorrendo a um a biblioteca da cidade em busca de um “mapa mundi”, para que pudessem identificar onde se localizava o chamado Pará. Segundo o relado das biografias ninguém conhecia o nome e muito menos sua localização (BERG, 1984, p. 29; VINGREN, 2000, p. 27).

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mais serão os mesmos (RIVERA, 2001). Já o lugar demarca fisicamente a memória,

pois ao revisitá-lo tudo que estava se perdendo volta imediatamente.

As pessoas e os acontecimentos são passageiros e podem ser imitados, mas não se repetem jamais. As pessoas não são instantâneas como os acontecimentos; durante o tempo da vida, elas podem contribuir com seus testemunhos para a fixação de uma lembrança. Os lugares permanecem, oferecendo à memória certa estabilidade. É possível voltar ao lugar dos acontecimentos ou ao lugar onde as pessoas estiveram e encontrar o mesmo quadro espacial. É claro que ele já não será o mesmo depois dos acontecimentos e na ausência das pessoas, mas continuará oferecendo uma materialidade não encontrada nos outros elementos (RIVERA, 2001, p. 39).

Qual o perigo que podemos encontrar nesta atividade de recuperação da

memória? “Mitificar” os acontecimentos e idealizar a personagem de tal forma a não

perceber sua relação com os acontecimentos materiais de seu tempo. Assim os

tornando anacrônicos, fora do tempo histórico, fora de sua realidade material de seu

tempo e acreditando que sempre existiram assim, ou que é herança de um tempo

anterior a eles mesmos. Essa forma de anacronismo é facilmente percebida no

pensamento social brasileiro e que já nos debruçamos no capítulo anterior. Nesse

sentido para falarmos sobre o Pr. Paulo Leivas Macalão devemos o fazer, a partir

dos acontecimentos materiais que foram se desenrolando durante a sua própria

história de vida, pois só assim poderemos ter as condições de desmitificá-lo, a fim de

percebê-lo como produtor de sua própria história, mas que por muitas vezes é

idealizada e confundida com a dos “heróis bíblicos”, devido às qualidades pessoais

consideradas extraordinárias dele e que conota o tipo de dominação carismática

exemplificada por Weber (WEBER, 2012, p. 158-159).

Algo que nos chamou atenção enquanto pesquisávamos sobre esse

personagem, foi uma fala feita em uma de suas biografias63, intitulada “Paulo

Macalão: a chamada que Deus confirmou”, na qual encontramos a seguinte citação

sobre o pastor “pioneiro” das ADMM, no último capítulo intitulado “Pastor, descanse

em paz!”. Segue a citação: - “pastor de pastores, não seria humano que um homem

assim deixasse de cometer falhas, principalmente no resolver os inúmeros e difíceis

problemas que se apresentavam” (ALMEIDA, 1983, p. 81). E aqui cabe a pergunta –

63 O Pr. Macalão teve duas biografias oficiais, uma produzida pela sua própria esposa (“Traços Da Vida De Paulo Leivas Macalão” - 1986) e a outra pela CPAD (“Paulo Macalão: A chamada que Deus confirmou” - 1983); há também uma pequena biografia dele reproduzida em um encarte especial da Revista Obreiros do ano de 2001, intitulado Pioneiros e líderes da Assembleia de Deus, neste encarte encontramos trinta biografias tanto de missionários europeus e estadunidenses, quanto de brasileiros.

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Qual a real intenção do biógrafo (que era pastor assembleiano e contratado da

CPAD) em fazer esse comentário? Impedir que essa figura caísse dentro de uma

espécie de personalismo “beatificador”, muito comum às biografias atuais? Ou aludir

uma qualidade que poderia estar se perdendo no meio da organização já em

meados da década de 1980?

Mais a frente no mesmo capítulo, o autor buscou frisar que, se ele cometeu

erros, o fez “na convicção íntima de estar fazendo a vontade de Deus” e ainda

destaca a “humildade” de Macalão, ao registrar que o mesmo uma vez foi visto

pedindo perdão (em sua posição de pastor-presidente) a uma pessoa que ele

ofendera (ALMEIDA, 1983, p. 82-83). O grande indicativo dessas falas é destacar

uma das “muitas qualidades” carismática do dominador e, que só é identificada

pelos dominados livremente ao tentar retratar seus feitos (WEBER, 2012, p. 159).

Certamente que a história produzida em torno dessa figura demarca muito

bem que em meio a sua trajetória, conflitos, divergências, lutas pelo poder e a

dominação, junto à busca por prestígio estão presentes. E o seu resgate é

importante, pois “geralmente a história começa somente no ponto onde acaba a

tradição, momento em que se apaga ou se decompõe a memória social”

(HALBWACHS, 1990, p. 80). Quem sabe, encontramos aqui o porquê de seu

biógrafo trazer a história de seus feitos e qualidades, sendo que as mesmas

estariam se tornando em uma mera lembrança de uma tradição distante e que já

estava se perdendo.

Acredito que feito essa “desmitificação” de nossa personagem em foco,

podemos neste momento dar continuidade, fazendo uma breve passagem em sua

biografia. Natural de Santana do Livramento, fronteira do Rio Grande do Sul com o

Uruguai, Macalão nasceu no dia 17 de setembro de 1903, sendo ele o mais novo

dos irmãos. Filho do General João Maria Macalão64 e de Joaquina Georgina Leivas

Macalão, a Dona Georgina (MACALÃO, 1986); Paulo e seus dois irmãos Fernando e

Maria Macalão tiveram que conviver como a educação e disciplina militares

(ALMEIDA, 1983, p. 11-12). Aos cinco anos de vida, Macalão sofre a perda de sua

mãe (1908), passando a ser criado apenas pelo seu pai, que nunca mais se casou

respondendo ao último pedido de sua mulher (MACALÃO, 1986, p.14).

64 Segundo o relato contido na biografia escrita pela sua esposa, o General Macalão chegou a comandar o Batalhão de Guardas, localizado na Avenida Pedro II, em São Cristóvão. (MACALÃO, 1986).

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Seu pai vem a falecer no dia 6 de setembro de 1933, após ter “aceitado a

Cristo como o seu Salvador” na última pregação que o seu filho (já um pastor

assembleiano) fizera para ele (ALMEIDA, 1983, p. 53). De família rica e com um

bom grau de instrução, Paulo começa a ser alfabetizado pela sua própria mãe, que

era uma mulher muito católica e sempre o conduzia às missas e procissões (1983,

p.12). Mais tarde, já morando no Rio de Janeiro ele estudou no Colégio Batista,

cumprindo seus estudos secundários no Colégio Pedro II (1983, p.20). Aprendeu

música e se especializando em tocar violino, também aprendeu outros idiomas, fato

importante em sua história, pois o mesmo foi tradutor65 e autor de 244 músicas

contidas na Harpa Cristã (principal hinário das ADs no Brasil).

Ele mesmo foi responsável pela organização deste principal hinário das ADs

no Brasil (ARAÚJO, 2007). No MP da 1ª quinzena de Julho de 1939, o Pr. Paulo

Leivas Macalão traz um aviso aos irmãos desejosos de possuir a nova edição do

mesmo. Segundo ele, está nova edição já se encontrava no número 250, faltando

ainda mais 240 para o seu término, porém a demora se dava, segundo ele, “por

achar-me sozinho, na correção da letra e música dos hinos”. No entanto, o jovem

pastor, que nesta época estava como seus 36 anos, expressava sua felicidade e

agradecimento por poder fazer parte do “serviço glorioso que Deus me

proporcionou”, segundo suas palavras. E ainda pedia que os irmãos orassem por

ele, pois segundo ele “Deus me ajudará, em breve, a terminar o nosso hinário, que

servirá para atrair muitos pecadores aos pés de Cristo” (Mensageiro da Paz, 1ª

quinz. de julho de 1939, p.2).

Antes de continuarmos essa breve biografia, devemos ressaltar alguns

pontos, que sem dúvida alguma nos “saltam aos olhos” neste momento e ao mesmo

tempo foram importantes para a construção de sua personalidade e daquilo que

mais tarde viria a ser o Pr. Paulo Leivas Macalão. O primeiro ponto a destacar, é a

forte influência da educação militarizada que recebeu, algo que parecia refletir em

sua forma de pregar e que causou certo desconforto com alguns “irmãos” no

começo de sua trajetória dentro da AD de São Cristóvão (ALMEIDA, 1983). Não

65 Segundo uma de suas biografias o Pr. Paulo Leivas Macalão foi responsável por traduzir “vários hinos ingleses, franceses e espanhóis” para o português. Ele ainda escreveu muitos outros hinos que compõem este hinário, mostrando-se um hábil compositor, qualidades raras nos dias atuais entre os Pastores-presidentes das ADs no Brasil. (ALMEIDA, 1983; ARAÚJO, 2007).

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conseguimos encontrar registros sobre se o seu pai66 houvera participado da

Revolução Federalista (1893-1895) ocorrida no Sul do Brasil, mas com certeza uma

vez sendo um general da República, João Maria Macalão deve ter lutado nesse

conflito civil brasileiro. Se como soldado, ou já, como um oficial, não podemos

afirmar, mas com certeza este episódio marcou uma característica que mais tarde

contribuiria nas ações do Pr. Paulo Leivas Macalão - sua postura nacionalista, pois

este evento marcou a luta pela consolidação da República recém-proclamada

(FAUSTO, 1995; SKIDMORE, 1998). O segundo ponto a destacar, foi sua passagem

pelo Colégio Batista, pois foi nele que Macalão teve seu primeiro encontro com a

“mensagem protestante” e, ela era pregada pelo missionário e teólogo batista

americano Alva Bee Langston. Segundo Almeida “Langston impressionava a todos

pela sua formação doutrinária autêntica, pela sua firmeza e largueza de visão e pela

sua vida de alto conteúdo espiritual” (ALMEIDA, 1983, p. 21). Segundo ainda o

autor, Macalão foi fortemente influenciado por essas qualidades, resultando em

muito no estilo que o mesmo adotara em suas pregações (FRESTON, 1994).

Por último, suas discussões com os professores do Colégio Pedro II, que

segundo Almeida, eram abertamente ateus (1983, p. 21), somado a falência da

República Oligárquica na década de 1920, foram o ponto de “ebulição” para a sua

conversão. Ianni afirma que este período da história nacional é marcado pelo

“arbítrio dos governadores contra setores populares” (IANNI, 2004, p. 215). Segundo

ele,

Por sobre os interesses do povo, ou às costas deste, o Presidente da República, os governadores estaduais e os coronéis locais articulavam-se como um vasto aparelho estatal de fato. Essa política, iniciada por Campos Sales (1898-1902), garantiu a submissão do Legislativo, em todos os níveis, ao Executivo. Assim, os interesses populares urbanos, que haviam empolgado o movimento republicano, logo foram afastados. (IANNI, 2004, p. 215)

Assim o contexto social vivido não era fácil, pois o país enfrentava uma série

de conflitos que refletiam o descontentamento de setores da sociedade com a

condução dos problemas nacionais. Essas questões ganharam força após a

Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918), devido à política de valorização do café

66 Alencar destaca em uma nota de rodapé que não conseguiu encontrar no Centro de Documentação do Exército, em Brasília, nenhum documento que confirmasse a existência e patente do “General Macalão”, segundo o pesquisador em conversa com o oficial de plantão esse título poderia ser uma herança do período da Guarda Nacional, ou seja, um “título honorífico” (ALENCAR, 2013, p. 176).

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expressa no Convénio de Taubaté (1906), o qual retirava os recursos da sociedade

aumentando a inflação, o custo de vida e a dívida externa. As greves operárias

irrompiam pelo país, e a classe média mostrava-se descontente com os

governantes. Enquanto isso o país sofria com a Política do Café com Leite (1894-

1930), apesar da oposição da oligarquia gaúcha o que vigorava neste período era o

mandonismo, o coronelismo e o voto de cabresto (FAUSTO, 1995; SKIDMORE,

1998). Por fim, a população pobre continuava excluída da mínima dignidade, pois a

carência de infraestrutura para eles era total no país. Eventos ligados ao movimento

Tenentista67 agitavam o país e a mente de muitos brasileiros (PRESTES, 1997).

Sendo Macalão de uma família militar e com boas condições financeiras, sem

dúvida, assuntos como esses eram recorrentes durantes os momentos em que se

reuniam em seu dia a dia. Se estes realmente foram os motivos que levaram ao Pr.

Paulo Leivas Macalão a não ingressar na carreira militar não temos condição de

afirmar com certeza, porém, certo é, que ajuda muito a entender a história de sua

conversão (FRESTON, 1994).

Nas biografias oficiais, podemos encontrar que o mesmo enfrentava um

“conflito interno” muito grande, as indecisões sobre qual profissão seguir, as

incertezas e inseguranças quanto ao futuro angustiavam sua alma (ALMEIDA, 1983,

MACALÃO, 1986). Segundo Almeida em uma das discussões com os professores

ateus do Colégio Pedro II, levou Macalão em uma oportunidade “andar pelas ruas de

São Cristóvão, silencioso e cabisbaixo”, no qual encontrou um “pequeno pedaço de

papel impresso, aparentemente insignificante, mas que iria mudar completamente o

rumo de sua vida” (1983, p. 23). Em outra biografia, assim é descrito o seu processo

de conversão,

Num belo dia de 1924, um jovem chamado Paulo Leivas Macalão, ao andar pelas ruas de São Cristovão em grande luta interior (pois ainda não encontrara as respostas que esperava alcançar para sua vida, nem conhecia a verdade divina), se abaixou para apanhar no chão um folheto evangélico amassado. Ao apanhar aquele folheto, o

67 É importante dizer que o movimento Tenentista, ou as “revoltas nos quartéis”, não foram totalmente organizados, tal como uma hierarquia, ou uma estrutura organizacional de caráter nacional. “O tenentismo enquanto fenômeno social claramente estruturado jamais existiu. A própria denominação que lhe foi atribuída surgiria mais tarde, com o intuito evidente de melhor caracterizá-lo”, afirma Anita Prestes. Durante toda a década de 1920, havia uma constante movimentação da jovem oficialidade do Exército, que conspirava, preparavam levantes (Rio de Janeiro, São Paulo, Pará, Amazonas, Rio Grande do Sul) alguns totalmente fracassados, outros um pouco mais vitoriosos como o levante ocorrido em 1924, no Amazonas, em que os revoltosos tomam a capital por mais de um mês, realizam diversas reformas. Esse episódio ficou conhecido como a Comuna de Manaus. (PRESTES, 1997)

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jovem não sabia que sua vida estava prestes a mudar para sempre como resultado da leitura do texto - uma mensagem genuinamente bíblica e arrebatadora. No verso daquele folheto havia um endereço e um convite para o comparecimento aos cultos na Rua São Luis Gonzaga nº 12, à igreja do Orfanato. Paulo Macalão visitou aquela igreja e lá conheceu vários crentes, dentre eles a irmã Florinda Brito (sua futura sogra, o que ele ainda não sabia), que o convidou a frequentar os trabalhos de oração que acontecia naquela igreja. (BÍBLIA DO CENTENÁRIO - História do Centenário 2011, p.85 - Editora Betel)68

Mesmo contrariando o General69 (expressão utilizada quando se referia ao

seu pai) que não gostava dos “crentes”, pois “alguém lhe dissera que aquele povo

era pobre e sem princípios [...] quando se reuniam, cantavam e oravam de modo a

serem ouvidos por todos, o que, para ele, era uma afronta ao decoro e à ordem”

(ALMEIDA, 1983, p. 25-26), tão necessárias para a postura um militar. Paulo

Macalão continuou frequentando as reuniões que aconteciam na casa de Eduardo

de Souza Brito (que mais tarde viria a ser seu sogro, pois o mesmo casa-se com

Zélia Brito). Se decidindo de vez no dia 5 de abril de 1924, a integrar esse grupo de

pessoas que se denominavam de pentecostais (CABRAL, 2002). Segundo Souza

(1969), o pentecostalismo seria uma forma de recomposição/ressocialização de uma

pessoa, ou grupos de pessoas que enfrentam um estado de anomia, pois

abandonando sua região de origem tradicional e sendo incorporados ao mundo

modernos, estes não conseguia se adequar a nova condição. Ainda segundo essa

autora “o fiel passa a ter elementos para ajustar-se às contínuas frustrações

causadas pelas doenças e dificuldades de relacionamento social” (SOUZA, 1969, p.

18), por isso adere ao grupo. Esse não parece ter sido o caso de Macalão, que se

“converte” ao pentecostalismo, mesmo desfrutando de uma boa condição de vida.

Já d’Epinay (1970) mesmo considerando o pentecostalismo conservador e

autoritário, não contribuindo em nada para tornar o espaço a sua volta moderno e

muito menos democratizado, afirma que o pentecostalismo provoca mudanças a sua

volta, a qual chamou de “substituições culturais”, citado William E. Carter, ele diz:

68 Em uma matéria no MP de maio de 1961, em comemoração ao cinquentenário das ADs no Brasil, o próprio Pr. Paulo Leivas Macalão faz um relato de seu testemunho de conversão, o qual menciona que “ao findar o ano de 1923 eu andava em plena busca da verdade” (Mensageiro da Paz, maio de 1969). Podemos encontrar essa fala de Macalão na integra também na biografia de Gunnar Vingren (2000). 69 Segundo a biografia escrita por sua esposa Zélia Macalão, seu pai tentou o afastar da nova fé, o mesmo passou a frequentar mais vezes a casa de campo e a enviar o jovem para passar temporadas na casa de seus tios (pessoas de classe média alta), porém todos estes esforços foram insuficientes, pois Macalão já estava decidido enquanto a nova fé. (CABRAL, 2002; MACALÃO, 1986).

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O pentecostalismo não apenas soube responder a uma necessidade sentida, senão que soube também enraizar seu ritual na cultura, preservando ao mesmo tempo sua incontestável identidade. (VALLIER apud D’EPINAY, 1970, p. 121)

É essa característica mutável do pentecostalismo que deve ser observada,

pois não podemos olhar esse movimento como algo homogêneo, pelo contrário, o

pentecostalismo tende a responder determinadas demanda específicas em

determinados espaços também específicos. Souza (1969, p. 35) ainda afirmar que a

população das ADs era majoritariamente composta de uma “membresia” com baixo

grau de escolaridade na época em que desenvolveu sua pesquisa (e que acaba se

tornando a grande marca do pentecostalismo, como se não houvesse casos que

fugissem a “regra”), entretanto não podemos ignorar que a igreja que nasce na

capital do país, está “incrustrada” em uma região de classe média alta, com pessoas

de boa instrução e condição financeira. Não é sem motivo que ao tomar

conhecimento dessa igreja no Distrito Federal, o missionário sueco Gunnar Vingren

se dispõe a deixar a igreja de Belém no Pará e se mudar com a sua família para o

Rio de Janeiro.

2.1.1. As Desavenças com os Missionários Suecos.

Em um artigo escrito para o MP de maio do ano de 1961, Macalão, então

pastor-presidente do Ministério de Madureira e das igrejas filiadas, em ocasião a

comemoração do cinquentenário das ADs no Brasil, faz um relato dos primeiros

anos da AD na antiga capital do país (uma vez que com o término da construção e a

inauguração de Brasília em 1960, a capital fora transferida para a região central do

Brasil) e como se deu o desenvolvimento daquela igreja. Podemos destacar aqui,

que o pastor busca deixar nítido em seu depoimento sua participação direta na

construção dessa igreja, pois tão logo a sua “conversão” no ano de 1924, houve a

necessidade de escolher quem seria o pastor definitivo daquela igreja. E em uma

primeira reunião, ficou certo que o irmão Heráclito de Menezes seria o “pastor

interino”, o diácono70 seria João do Nascimento e Macalão seria o secretário da

70 Segundo o dicionário Aurélio, diácono é o título dado ao terceiro grau da Ordem do Sacramento, pertencente à igreja católica. Os diáconos estão encarregados de executar o "serviço do ministério de Deus", deixando de ser um simples leigo e passando a pertencer ao grupo do clero. Já nas ADs essa função é uma espécie de “auxiliar”, “atendente”, ou “servente” (aquele que serve as mesas), que auxilia no andamento e organização das reuniões e cultos da igreja. Na tese produzida por Fajardo

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igreja (ALMEIDA, 1982; CONDE, 2008), mesmo ainda não tendo passado pelo rito

do “Batismo em Águas”, uma das mais importantes doutrinas da ADs no Brasil71.

Cabe a pergunta sobre qual a importância dessa informação? Um dos

aspectos sobre o rito do “Batismo em Águas” nas ADs no Brasil é a confirmação de

que a determinada pessoa passou a fazer parte do “rol de membros” e confessou

publicamente a aceitação de sua condição e mudança de vida, desta forma, sendo

habilitada a representar a igreja e ocupar nela cargos administrativos (nisso não era

diferente do protestantismo). Mas por que Macalão consegue ocupar o cargo de

secretário antes mesmo de seu batismo? Pois ele só será batizado no dia 29 de

Junho de 1924, na Praia do Caju – Rio de Janeiro (ALMEIDA, 1982, p. 205; CONDE,

2008, p. 203). Como esse movimento é, visto, pela sua “efusão emocional” (SOUZA,

1969), alguém poderia trazer como uma resposta, que Macalão já se destacava por

ser “usado pelo Espírito Santo72”, porém sua biografia relata que é no dia 3 de

novembro de 1924 que o mesmo foi “selado com o Batismo no Espirito Santo”.

Podemos então perceber que Macalão se destacava entre os demais

“crentes” dessa igreja, pois já existia nele “qualidades carismáticas” (WEBER, 2012,

p. 160) que o faziam sobressair sobre os demais membros da igreja. Não podemos

deixar de lado um dado importante relacionado à sua formação cultural, pois qual

irmão ou pastor assembleiano brasileiro naquele momento dominava um “capital

cultural” (BOURDIEU, 2007) de diferentes idiomas, para traduzir “hinos” do inglês,

francês e espanhol para o português (ALMEIDA, 1982) e ainda deve-se ser somado

o seu conhecimento musical. Dessa forma Macalão dispunha de um “capital

simbólico” (prestígio) que o diferenciava dos demais irmãos e até pastores dentro da

estrutura religiosa e do espaço social ocupado por ele (BOURDIEU, 2004).

Em termos mais concretos, a legitimação da ordem social não é produto, como alguns acreditam, de uma ação deliberadamente

sobre as ADs no Brasil, em seu quarto capítulo, o autor faz uma relação sistemática daquilo que ele denominou de “Práticas Culturais Assembleianas”, no qual ele descreve o papel e a função dos diáconos dentro das ADs. (FAJARDO, 2015). 71 O Batismo em Águas nas ADs no Brasil é por imersão total, reservados aos “novos convertidos” que se arrependeram de seus antigos pecados e passam a crer no “Cristo como o único e suficiente Salvador”. Essa prática traz como simbolismo a “morte” do crente para este mundo e que “ressuscitaram” com Cristo para uma nova vida. Atualmente nas ADs no Brasil uma pessoa só pode ocupar alguma função dentro da igreja somente após ter passado por este rito, enquanto o “novo convertido” não passar por ele é apenas considerado como um congregado, ou seja, um simpatizante que aceitou a fé, mesmo que seja filho de membros já batizados. Outro ponto importante é que o candidato deve ter uma idade mínima, geralmente 12 anos e confessar livremente a opção pelo batismo (MENZIES & HORTON, 1995, p.118-122). 72 Termo utilizado para a pessoa movida de um “carisma divinizado” e que se utiliza dos dons recebidos pelo Batismo no Espírito Santo para realizada a “obra de Deus” na Terra.

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orientada de propaganda ou de imposição simbólica; ela resulta do fato de que os agentes aplicam às estruturas objetivas do mundo social estruturas de percepção e apreciação que são provenientes dessas estruturas objetivas e tendem por isso a perceber o mundo como evidente. (BOURDIEU, 2004, p. 163)

Esse “mundo evidente” que se apresenta a Macalão leva-o a ir se tornando

autônomo ao restante da ordem instituída. Souza argumenta que “o acesso a

relações pessoais privilegiadas só é possível a quem já disponha de capital cultural

e econômico” (SOUZA, 2015, p. 155), mesmo em um ambiente que em tese busque

negar essas esse princípio (ou mesmo desconheça) com a desculpa da “escolha

divina”, a posse de um capital cultural diferenciado influencia em muito no destaque

individual, pois o mesmo é dotado de um prestígio que vai o diferenciando.

Observemos um relato feito pelo filho do missionário sueco Gunnar Vingren, Ivar

Vingren, na biografia oficial de seu pai a respeito de Macalão e sua importância para

a AD do Rio de Janeiro. Assim relata Ivar,

Um irmão que desde o princípio teve um papel muito importante no trabalho da igreja no Rio de Janeiro foi Paulo Leivas Macalão. Ele era filho de um general (capital econômico) e havia começado a estudar para seguir a carreira militar (capital social), mas Deus o salvou e ele se alistou no exército celestial para servir ao Rei dos reis e Senhor dos senhores. Tornou-se o primeiro e mais fiel colaborador de Vingren. Em todos os lugares cooperava com sua Bíblia e o seu violino, sempre fervente, zeloso e cheio do poder de Deus. Em horas livre escrevia ou traduzia (capital cultural) hinos, e muitos desses hinos constam na Harpa Cristã (VINGREN, 2000, p. 144)73.

De tantos outros irmãos que cooperaram com o desenvolvimento e

consolidação da igreja carioca, apenas Macalão é mencionado com tamanha

importância. Podemos afirmar que o rapaz possuía tanto o carisma, quanto o “capital

social” (BOURDIEU, 2004) necessário para destacá-lo dos demais irmãos. Sem

esquecer aqui, de mencionar, que Ivar ainda encontra espaço na biografia de seu

pai para colocar o próprio relato do Pr. Paulo Leivas Macalão (dado ao MP da 1ª

quinz. de maio de 1961), sobre a expansão da igreja na cidade do Rio de Janeiro.

Assim deixando de ser uma mera especulação, a importância de Macalão era

notadamente vista desde o princípio de sua conversão.

Mas um fato que agora nos ateremos é, se Macalão era um “fiel colaborador

de Vingren” (VINGREN, 2000, p. 144), por que ele era visto como uma figura

73 Crivos e as colocações entre parênteses foram feitas pelo autor.

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censurável e incompreendida? (ALMEIDA, 1983, p.37) Por ele, dirige seus esforços

ao subúrbio carioca, e ali monta sua “base” eclesiástica, ao invés de permanecer

centralizado em São Cristóvão? Lalive d’Epinay identifica uma característica no

pentecostalismo chileno, semelhante ao pentecostalismo brasileiro em relação à

figura do pastor. Segundo ele, “o poder, nas comunidades pentecostais é

monopolizado pelos pastores” (D’EPINAY, 1970, p. 128) e isso não foi diferente nas

ADs no Brasil. Freston afirma que as ADs desenvolveram o que ele denominou de

um “ethos sueco-nordestino”, do qual gradativamente o poder foi sendo transferido

dos missionários escandinavos para os pastores nordestinos. Dai ele dirigir suas

hipóteses deste pentecostalismo, a partir da formação de um “sistema oligárquico e

caudilhista” (FRESTON, 1994, p. 86). Em sua visão os missionários suecos “em vez

da ousadia de conquistadores, tinham uma postura de sofrimento, martírio e

marginalização cultural” (1994, p. 78), o que levou os mesmos a assumirem que

estavam criando uma igreja de pessoas marginalizadas e socialmente excluídas

(1994, p. 79). Postura que não se adequava mais com o espírito nacionalista da

época, uma vez que se buscava criar uma “identidade nacional” no final da década

de 1920.

Com a crescente exigência dos pastores nordestinos, para que os

missionários transferissem o poder para as suas mãos, não se demoraria em se

fazerem as primeiras “vítimas”. E podemos considerar que o primeiro a sofrer esses

efeitos foi o missionário sueco Gunnar Vingren, principalmente em sua estada no

Rio de Janeiro. Bem certo que o seu principal rival foi outro missionário sueco –

Samuel Nyström. Entretanto não podemos deixar passar que as posturas

progressistas de Gunnar Vingren, principalmente em relação ao ministério feminino,

que permitia as mulheres não apenas a falar, mas até pastorear igrejas. Práticas

inconcebíveis em um país que não permitia nem o voto feminino74 neste período.

Segundo Alencar (2013) o que tornaria óbvio a participação das mulheres no

pastoreio de igrejas, era a falta de “mão de obra” qualificada para atender as

74 Se por coincidência, ou não (pois é nesse Estado que ocorre a Convenção das ADs em 1930, que decidirá sobre a possibilidade ou não do ministério feminino), é na cidade de Mossoró – RN, que uma mulher brasileira recebeu a autorização de votar (por uma decisão liminar da justiça desse Estado). Mas foi apenas em 3 de maio de 1933 que uma mulher brasileira pôde votar e ser votada em nosso país, pois com a aprovação do Código Eleitoral de 1932, passou a incluir as mulheres no processo de eleição da nação. Para maiores informações acesse: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2013/Marco/ha-80-anos-mulheres-conquistaram-o-direito-de-votar-e-ser-votadas.

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inúmeras igrejas abertas pelo Brasil. Porém na Convenção de 1930, realizada na

cidade de Natal – RN ficou decidido que,

As irmãs têm todo o direito de participar na obra evangélica, testificando de Jesus e da sua salvação, e também ensinando quando for necessário. Mas não se considera justo que uma irmã tenha a função de pastor de uma igreja ou de ensinadora, salvo em casos excepcionais mencionados em Mateus 12. 3-8. Isso deve acontecer somente quando não existam na igreja irmãos capacitados para pastorear e ensinar. (VINGREN, 2000, p. 179).

Mas onde se encaixa Paulo Leivas Macalão nesses acontecimentos? É neste

ponto que resine nossa principal hipótese sobre o nacionalismo de Macalão, pois ele

resolveu não “se envolver no caso”, não sendo ele submisso aos suecos e nem aos

nordestinos, uma vez que nunca precisou deles, nem na fundação da AD de São

Cristóvão e muito mesmo nas igrejas que iam surgindo no subúrbio carioca.

Destaquemos que tudo isso ocorre em um contexto, no qual o mesmo não era nem

casado e, ainda, nem havia sido consagrado a pastor. Sua consagração só vem a

ocorrer na passagem do pastor Lewis Pethrus, pelo Rio de Janeiro no ano de 1930

(VINGREN, 2000, p. 169; ALMEIDA, 1983, p.47). Nas palavras de Cabral,

Em 1926 iniciou-se o trabalho de Paulo Macalão nos subúrbios da central, em Realengo, Bangu e Madureira, que cresceu vertiginosamente, existindo ainda hoje a ata de fundação da igreja de Bangu, documento histórico daquela Igreja, redigida pela secretária Zélia Brito Macalão, constando como data da fundação do trabalho ali iniciado o dia 07 de setembro de 1926. Em 1930 o missionário Gunnar Vingren, aproveitando a presença do líder sueco Pr. Lewi Pethrus, em visita ao Brasil, satisfeito com o excelente trabalho e exemplar humildade e obediência, e recebendo orientação expressa do Espírito Santo consagra Paulo Leivas Macalão ao pastorado, ainda solteiro e sem ter passado por outros cargos eclesiásticos. (CABRAL, 2002, p. 119).

A preferência dada por Gunnar Vingren a sua esposa Frida Vingren sobre a

liderança dos cultos ao ar livre em São Cristóvão (VINGREN, 2000, p. 140)

impulsionaram o rapaz a buscar “seu próprio espaço”. Neste ponto encontramos a

menção em sua biografia que ao ser “censurado e incompreendido”, “decidiu pregar

exclusivamente nos subúrbios da Central75” (ALMEIDA, 1983, p. 37). Existem

registros que o jovem Macalão também percorreu algumas cidades vizinhas ao Rio

de Janeiro, sendo elas “Niterói, São Gonçalo, Seropédica, Itaguaí e Paty do Alferes”

(PRATES & FERNANDES, 2012, p. 37). Mesmo se sentido abandonado e 75 Central era uma referência ao centro da cidade do Rio de Janeiros e os bairros do subúrbio alcançados por Macalão são os de Realengo, Bangu, Campo Grande, Santa Cruz e Marechal Hermes (PRATES & FERNANDES, 2012, p. 37).

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incompreendido, ele escreve um hino (o de número 14976 da Harpa Cristã) intitulado

de “Canto do Pescador”, no qual se registra as “pressões e dificuldades de toda

ordem” (ALMEIDA, 1983, p. 38), principalmente àquelas de ordem pessoal.

A cada nova casa do subúrbio e das cidades vizinhas que Macalão alcança,

estas iam se tornando, potencialmente, em uma futura nova AD, e o jovem Macalão

vai ganhando prestígio e se consolidando como um líder que não precisa da ajuda

nem dos missionários e nem dos pastores nordestinos. Em um relato feito por Daniel

(2004), sobre a história da CGADB ela afirma que o missionário Gunnar Vingren já

havia identificado em Macalão uma autonomia preocupante, pois o mesmo já havia

realizado batismos no subúrbio77 sem mesmo comunicar a igreja-mãe em São

Cristóvão (DANIEL, 2004, p. 224). Não conseguimos determinar a data exata deste

acontecimento, ou seja, se foi antes ou após sua consagração ao pastorado em 17

de agosto de 1930, mas aqui podemos concluir que Macalão já havia inaugurado

aquilo que denominamos de a primeira AD “autenticamente” brasileira. Fica claro

que sua desavença não era com uma pessoa, em especial, mas com a instituição

que se formara ao logo dos anos. Caso que fica ainda mais evidente com a saída de

Vingren e a chegada de Nyström no ano de 1932, pois ele mesmo nem se

preocupou (ou mesmo se prontificou) em assumir AD em São Cristóvão, uma vez

que já liderava, pelo menos, duas igrejas nos subúrbio carioca, as igrejas de Bangu

(1926) e de Madureira (1929).

Mesmo sendo um sério concorrente as lideranças estabelecidas das ADs,

Macalão não sofre nenhum tipo de punição pelo seu “empreendedorismo” no

76 1. No meu barco a remar. / Sobre as ondas, pelo mar, / Mesmo na bonança ou no furacão / Não desejo mais parar; / Com a rede vou pescar, / Muitos peixes para o reino de Sião, Vou pescar os pecadores para Cristo, / Neste mundo cheio de horror; / Não mais desanimarei; / Minha rede lançarei; / Muitos peixes apanhando p'ra o Senhor. (coro) 2. O meu barco não é bom, / De pescar não tenho dom. / E me dizem que não devo continuar; / Mas Jesus me quis mandar, / E por isso vou pescar, / Té que Ele se apraze em me chamar. 3. Tem um modo o Senhor. / Que é próprio do amor, / Ele usa dos remidos o menor, / Todo o mundo me deixou, / E de mim se envergonhou, / Mas alegre, vou pescar, pois é melhor. 4. Se há coisa de valor, / E a rede de amor, / Cujo tio é a obra de Jesus, / Que puxada sempre traz / Os perdidos e sem paz, / Para receberem do Senhor, a luz. 5. Quando há um temporal, / E a pesca corre mal, / Novamente no meu barco vou pescar! / Pode ser que desta vez, / Eu não tenha mais revés / Pois Jesus eu levo para m'ensinar. 6. Acabando de pescar, / E deitado a pensar, / Tenho gozo pelo tempo que gastei; / Pois terei um galardão / Pela pesca, em Sião, / Pelas almas que no mundo eu ganhei. 77 Encontrei o seguinte registro na biografia escrita pela sua esposa no ano de 1986, segundo ela “muitos nos têm feito perguntas se Paulo se havia separado de São Cristóvão e a resposta é negativa”. Mas na continuação do parágrafo a encontramos dizendo sobre o grande amor que eles sentiam pela AD São Cristóvão, entretanto ao terminar o parágrafo ela menciona que “o primeiro batismo que ele (Paulo Macalão) efetuou foi num rio, na Taquara, em Jacarepaguá [...]” (MACALÃO, 1986, p. 23-24).

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subúrbio carioca. Aqui se demonstra que seu prestígio não se fazia apenas entre os

membros, mas também entre as lideranças da organização. O que ajuda a explicar

porque ele não sofre nenhum tipo de punição em relação a sua postura autônoma

neste momento da história do movimento.

2.1.2. O Crescimento do Ministério de Madureira: o “invasor de campos”.

Em nossa pesquisa podemos constatar que a ADMM nasce já sendo

autônoma, independente e “autenticamente” brasileira, sem a necessidade de ajuda

e muito menos de ser submissa a AD em São Cristóvão, ou a qualquer outra AD no

Brasil. Segundo Alencar, Madureira não estava distante de São Cristóvão apenas

geograficamente, mas também economicamente e culturalmente, uma vez que

aquela igreja não apenas dispunha de irmãos com condições econômicas

privilegiadas, como também ali se passou a concentrar grande parte de toda a

produção cultural e teológica das ADs no Brasil (Alencar, 2013, p. 177). Foi “nessa

igreja” que se passou a produzir o MP e que mais tarde se criou a editora da

organização.

Entretanto essa condição socioeconômica não impediu o crescimento da

igreja liderada por Macalão, que no ano de 1933 viu a inauguração do primeiro

templo próprio do Estado do Rio de Janeiro, a igreja de Bangu. A mesma teve a sua

foto retratada na capa do MP da 2ª quinzena de janeiro do mesmo ano e uma

matéria redigida pela irmã Zélia Brito78, publicada na página 6 com o título “A

Inauguração do Templo em Bangu”. A ADMM não se restringiu aos limites da

cidade, mas expandiu-se pelo Estado do Rio de Janeiro e por outros Estados do

Brasil, entre eles Minas Gerais (?), São Paulo (1938), Paraná (?) e Goiás (1936)

(ALMEIDA, 1982; CONDE, 2008). Vale lembrar que no ano de 1937, o Pr. Paulo

Leivas Macalão é eleito à presidência da CGADB, contando com a idade de 34 anos

(impensável aos moldes atuais da mesma Convenção) e, é em 21 de outubro de

1941, que a ADMM adquire sua personalidade jurídica (PRATES; FERNANDES,

78 Apesar de ainda não serem casados Paulo Macalão e Zélia Brito já desempenhavam juntos os trabalhos referentes às igrejas ligadas ao que mais tarde viria a serem as ADMM. Zélia geralmente aparece como a secretária, redigindo atas, textos para MP etc. Encontramos em nossa pesquisa que a irmã Zélia vai desempenhar esse papel de trazer informações, redigindo textos ao MP sobre o desenvolvimento da ADMM. Mas ela se destaca também por ter estudos publicados e traduções de textos expostos neste mesmo jornal. Um exemplo é o ano de 1937, pois nele encontramos pelo menos quatro textos produzidos e publicados, destacamos dois, o MP, da 1ªquizena de março de 1937, p. 4 e o MP da 2ª quinzena de julho de 1937, p.1.

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2012, p. 60), concretizando aquilo que já era uma realidade desde sua fundação.

Esse período é marcado pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945), no qual, houve

uma fase de interregno nas atividades da CGADB, ficando acertado que nestes anos

ocorreriam apenas às chamadas “Semana Bíblicas” e algumas “Sessões

Convencionais Especiais”, se necessário.

Esse crescimento para os outros Estados brasileiros causaram enormes

desconfortos e muitas vezes intensos debates, tanto ao Pr. Paulo Leivas Macalão,

quanto por outros pastores ligados a CGADB, pois vez ou outra o assunto de

“invasões de campo” eram colocados em pauta nas reuniões convencionais. E

apesar da Segunda Guerra estar assolando o mundo, não impediu que fossem

questionadas essas ações de “invasões de campo” por seus irmãos

“assembleianos”. É na Semana Bíblica de 1941, ocorrida no mês de novembro (um

mês após “emancipação” da ADMM) que o missionário sueco Otto Nelson em uma

“Sessão Convencional Especial” propõe que não exista diferentes ministérios em

uma mesma cidade, fazendo claramente referência à emancipação de Madureira.

Macalão ao tomar à palavra “falou sobre o perigo de ter uma só igreja em cada

cidade, dominando as outras, porque assim as igrejas estariam sob uma

organização rígida” (DANIEL, 2004, p.173).

Na continuidade da discussão falaram o Pr. Olavo Nunes, os missionários

Samuel Nyström (presidente dessa sessão convencional), Leonardo Peterssen

sobre a necessidade da “unidade da igreja”. Porém essa sessão convencional não

conseguiu chegar a um consenso de como resolver essa questão e este assunto

não ficaria sem voltar às pautas convencionais. O que ocorre na primeira convenção

realizada após o término da Segunda Guerra, no ano de 1946.

No MP da 1ª quinzena de setembro de 1946, na página 3, em uma seção

denominada de “Assuntos para Convenção Geral”, foi exposto no terceiro tópico o

assunto “Acerca do campo: Deve haver limites, ou união e cooperação no campo de

Evangelização?”. Foi grafado o nome de quem apresentou o tema da seguinte forma

“J. H. Tostes – pastor”. Mais uma vez, se questionavam a prática que ficou

conhecida como “invasão de campo”. Entretanto não encontramos nessa

Convenção das ADs nenhuma resolução que resolvesse o problema em questão.

Uma explicação possível para a não resolução dessa questão está no fato de

que a Convenção Geral de 1946 foi tomada por outro assunto de maior importância

no momento. Nela houve uma sessão extraordinária que tratou de um artigo

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publicado no MP da 1ª quinzena de julho do mesmo ano, na página 3, sobre uma

resolução que a AD São Cristóvão anunciou aos seus membros, porém se deixava

entender ser a todos os membros das ADs no Brasil, o qual tratava de como

deveriam se portar as irmãs em relação as suas vestimentas79. Esse assunto tomou

tamanha envergadura, que a AD de São Cristóvão foi obrigada a se retratar e retirar

essa resolução. O que nos interessa nesse momento é que segundo Daniel essa

resolução só foi feita devido às pressões que a AD São Cristóvão sofria da ADMM,

pois a mesma já seguia essas diretrizes e acreditava que as práticas que ocorriam

na igreja de São Cristóvão “mundanizavam” a igreja. Por este motivo, os membros

da ADMM consideravam as igrejas ligadas à missão como “liberais”. (DANIEL, 2004,

p. 218-225). O autor afirma ainda que neste momento a ADMM já se considerava

como a verdadeira AD brasileira, exercendo uma postura completamente

independente. Assim podemos concluir que o Pr. Paulo Leivas Macalão e a ADMM

são responsável por criar um novo estilo para as AD no Brasil, que denominamos de

“ministerialização”. Pois

[...] a partir de Macalão começa a ficar evidente na AD um sistema de governo com “igrejas livres” em que não há uma liderança a nível nacional, mas diversos presidentes de Ministérios independentes, que governam suas redes de igrejas em um sistema de governo episcopal. É um sistema de igrejas livres mesclado a um episcopalismo que dá destaque à figura do pastor-presidente. (FAJARDO, 2015, p. 89)80

Essa postura de autonomia, independência e “invasão de campo”, retratou um

problema evidente que as AD no Brasil sofreriam e ainda sofrem ao longo de sua

história, pois o processo de fragmentação se tornou uma marca desse movimento.

Um caminho sem volta e que resultou, e, ainda tem resultado em muitas tensões

dentro do próprio movimento.

No diagrama 2, elaborado a partir dos registros referentes ao processo de

crescimento da ADMM até o início de 1960, foi exposto apenas àquilo que

denominamos de igrejas-mães ou igrejas-sedes, cada uma dessas igrejas tem

79 Nessa resolução encontramos as seguintes imposições: 1º a proibição das irmãs em raspar as sobrancelhas, cabelos soltos, cortados, tingidos, penteados extravagantes; 2º Vestidos compridos e sem decotes extravagantes, com mangas compridas; 3º As irmãs devem usar meias, principalmente as esposas daqueles que ocupavam uma posição na igreja, ou que fossem professoras da EBD, ou mesmo que cantassem no coro. Ficando ainda registrado que se alguma irmã descumprisse essas resoluções, a mesma sofreria sansões e perderia o direito de participar da comunidade (DANIEL, 2004, p. 219). 80 Foi o próprio Pr. Paulo Leivas Macalão que acabou recebendo a “alcunha” de pastor geral de campo (1958), que viria a ser transformar mais tarde em pastor-presidente (CORREA, 2013).

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arrolado a elas um número “X” de outras igrejas chamadas de congregações e

subcongregações. Ele serve para termos uma noção do crescimento da ADMM ao

logo de seus primeiros quarenta anos (1920-1960).

Diagrama 2 – Árvore Genealógica dos Principais Campos Ligados a ADMM a partir das Primeiras Igrejas fundadas até início da década de 196081

FONTE: Autor.

Devido ao censo brasileiro considerar as ADs como uma entidade religiosa

única, não conseguimos retratar esse crescimento em números82, o que nos daria

uma maior visibilidade da realidade. Porém pelo diagrama 2, temos a condição de

entendermos o porquê o tema da “invasão de campo” preocupava em muito aos

outros líderes dessas ADs. Mesmo que na teoria o discurso fosse de unidade entre

81 Não conseguimos encontras as datas de fundação das primeiras igrejas nos Estados de Minas Gerais e Paraná, mas segundo Almeida (1982, p. 224), a ADMM em Minas Gerais abriu igrejas em Recreio, Cataguases, Ubá, Rio Branco, São Geraldo, Bicas, Juiz de Fora, entre outras. No Paraná temos Londrina, Maringá, Foz do Iguaçu, Peabiru, Cianorte, entre outras. 82 Encontramos no jornal “O Semeador” de 2001, no caderno “Suplemento Especial”, com o tema “CONAMAD: o maior ministério pentecostal da Terra” a seguinte afirmação sobre o tamanho naquela época da ADMM. Diz a matéria, “[...] o Ministério de Madureira, depois da cisão, ele só cresceu e se ampliou [...]. Somam 23 mil templos espalhados por todo território nacional [...]. O exército de pregadores soma mais de 17 mil ministros, espalhados nos seus 575 campos e nas 27 Convenções Estaduais, que perfazem cerca de 20 milhões de crentes” (junho de 2001, p. 02). Acreditamos que o número “de crentes” apresentados nessa matéria nem de perto representa a realidade, uma vez que no Censo de 2000 o número total de pentecostais no Brasil não alcançava o número de 18 milhões, mas a “propaganda é a alma do negócio”.

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as ADs no Brasil, as lideranças que iam se formando em cada região não estavam

dispostas a aceitar uma “concorrência”, ao seu poder, prestígio e dominação.

Nesse sentido Macalão desempenha um papel de “profeta” contra a estrutura

constituída das ADs no Brasil, não que o mesmo não possa ser considerado

também como parte do “estamento” religioso instituído da mesma. Entretanto como

afirma Bourdieu, o profeta é aquele que traz consigo uma mensagem “diferente”, ou

com uma maior ênfase a mensagem já instituída pelo(s) sacerdote(s), ou seja, a

forma como o Pr. Paulo Leivas Macalão justifica essa “invasão de campo”, reside na

percepção bourdieusiana de “recalque mais absoluto do interesse temporal”

(BOURDIEU, 2013, p. 61) na concretização da “obra de Deus”. Segundo essa

compreensão, ele não estaria preocupado com o seu crescimento pessoal e

financeiro, mas apenas no cumprimento da missão que a ele foi reservada pela

“providência divina”. Sem visar o bem próprio, porém apenas cumprido “o ide do

Senhor”, justifica a abertura de novas igrejas em cidades que já existam igrejas

estabelecidas, uma vez que “grande é a seara, mas poucos são os ceifeiros”83.

As tensões eram cada vez mais fortes, quando o assunto de “invasão de

campo” entrava na pauta das discussões de uma determinada assembleia

convencional. Um bom exemplo, que podemos mencionar ocorreu na Convenção

Geral de 1949, quando o pastor Bruno Skolimowski acusa a Macalão de interferir no

campo de Santos, pois ele havia aberto um trabalho naquela região, o que causou

um desconforto para essa AD que já existia na região desde 1924. Esse assunto

acabou se prolongando até o ano de 1953, quando o Pr. Paulo Leivas Macalão se

viu obrigado a transferiu as igrejas que abrira na região para o controle da AD de

Santos (DANIEL, 2004, p. 272). Em meio a um duro debate e sendo pressionado

também pelo trabalho que iniciara na cidade de São Paulo (1938), Macalão diz, em

sua defesa, que só abriu a igreja na cidade de São Paulo depois de ter pedido

permissão ao então falecido Pr. Francisco Gonzaga da Silva, que era o pastor da AD

de Santos. Mas em sua fala, o mesmo cai em contradição, pois ele dissera que iria

“abrir trabalho84 em São Paulo, exceto em Santos” (2004, p. 295); promessa essa

que não cumpriu!

83 Parafraseando o texto bíblico de Lucas capítulo 10, versículo 2. 84 Essa expressão se refere ao conjunto de igrejas que são abertas em um determinado lugar e que formam um campo de trabalho, ou mesmo um ministério.

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Essas discussões pela posse do “território” demarcam muito bem as tensões

e lutas existentes nas ADs, uma vez que cada pastor-presidentes e seus quadros

administrativos querem a exclusividade da determinada região, se consolidando

como o único a ter direitos de “exploração” da mesma. Essa exclusividade, ou

monopólio pode ser explicado pelo senso de patrimonialismo existente nos mesmos,

que apesar de manterem um discurso pautado na “unidade da igreja” o que

prevalece são os interesses pessoais de posse e predomínio sobre os “recursos

escassos” em disputas. Conquanto, qual seria a explicação para essa tensão?

Interferência no trabalho? Ou a não disposição de dividir os “recursos escassos”?

Aqui encontramos um paralelo muito forte com a construção patrimonialista

weberiana.

O clima da discussão estava muito acirrado e o ânimo dos convencionais

indicava que a qualquer momento um possível racha nas ADs no Brasil poderia

ocorrer, o qual levou o líder da ADMM a “apelar para uma solução conjunta pela paz

entre todos” (DANIEL, 2004, p. 296). A mesma ocorreu quando Macalão abriu mão

das igrejas localizadas na “linha Itariri e Juquiá”, para a AD de Santos (2004, p. 298).

Apesar de “perder” o controle dessas igrejas, Macalão conseguiu manter as igrejas

da cidade de São Paulo sobre a sua jurisdição. Pacificada a questão cada igreja

seguiu “os seus rumos”, mas a “invasão de campo” seria uma marca registrada das

ADMM e uma das principais acusações que recaia ao Pr. Paulo Leivas Macalão, o

de promover a divisão nas ADs no Brasil. Esse assunto voltaria ainda outras vezes à

pauta e na Convenção Geral de 1957 ficou estabelecida uma resolução de proibição

para que fossem abertos “novos trabalhos” em cidades que já existiam uma igreja

estabelecida. Essa resolução veio a ser ratificada na Convenção Geral de 1962

(2004, p. 316).

Mas como a realidade social é dinâmica, o próprio Macalão foi obrigado a

enfrentar problemas relacionados à sua “dominação patrimonial”, pois ao momento

em que ADMM se institucionalizou criando o seu corpo diretivo, o próprio Macalão

teve que enfrentar problemas na estrutura estruturante (BOURDIEU, 2004) gerada

pelo movimento. Ou seja, a internalização de disposições, que é denominada por

Bourdieu habitus, criaria certa disposição à determinada prática do grupo sobre as

estruturas objetivas das suas próprias condições materiais, que gerariam por sua

vez, respostas objetivas ou subjetivas para a resolução de problemas postos da

reprodução social que diferenciam os espaços a serem ocupados, ou disputados

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pelos homens. Caso que analisaremos a seguir em nossa pesquisa e que nos ajuda

a compreender porque ele cria sua própria convenção, uma vez que legitimada sua

existência o movimento tem que lutar contra os “novos profetas” que surgem no

decorrer dos anos e que se opõem ao poder instituído, na tentativa de evitar “uma

nova reforma” (BOURDIEU, 2013, p. 60) e consequentemente uma nova

fragmentação do mesmo.

2.1.3. A Criação de uma Convenção Própria: a consolidação do poder patrimonial.

Neste momento da pesquisa nos ateremos a compreender por que Macalão

cria uma convenção própria, estando ele ligado a CGADB e sem a menor intenção

de se desligar da mesma, uma vez que o próprio desempenhou uma ação muito

significativa dentro da Convenção Geral até o ano de sua morte. Mesmo em meio às

muitas tensões e discórdias provocadas pela sua forma de atuação, não

encontramos em nossa pesquisa nenhuma tentativa, ou mesmo desejo do Pr. Paulo

Leivas Macalão de se separar da CGADB, uma vez que ele mesmo desfrutava de

um prestígio significativo, chegando a ser nomeado como conselheiro vitalício da

CPAD, a qual por muitos anos foi um grande entusiasta e promotor (DANIEL, 2004).

Mas o que explicaria a criação de uma estrutura racional-burocrática dentro

de outra estrutura racional-burocrática? Ou seja, qual o real motivo que levou a

Macalão fundar uma convenção própria (a CONAMAD), sob a estrutura já instituída

da CGADB? A ameaça cada vez mais real da fragmentação ministerial! Uma vez

que essa tendência era uma realidade dentro das ADs no Brasil na segunda metade

do século XX, e, ele mesmo contribuía com esse fenômeno, uma vez que a sua

postura autônoma e independente não só era percebida, mas também criticada

pelos seus companheiros de dominação como já analisamos anteriormente. Nesse

sentido podemos verificar que “os interesses do corpo sacerdotal podem exprimir-se

na ideologia religiosa que produzem ou reproduzem” (BOURDIEU, 2013, p. 66),

dessa forma Macalão apenas reproduzia uma ação de “contenção” a uma realidade

social que estava ocorrendo dentro da própria igreja.

Para conseguirmos compreender os motivos que levaram ao pastor do

Ministério de Madureira a tomar essa decisão precisamos nos voltar a um episódio

ocorrido na igreja que se fundou na cidade de Brasília – Distrito Federal. A ADMM é

a pioneira no Estado de Goiás, fundando sua primeira igreja no ano de 1936 na

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cidade de Goiânia, através de um grupo de membros que se mudaram para aquela

cidade em busca de trabalho (ALMEIDA, 1982; CONDE, 2008). Macalão convida

para assumir essa tarefa seu amigo e diácono da igreja no subúrbio carioca Antônio

Moreira (MACALÃO, 1986); sendo realizados os primeiros cultos no mês de

dezembro desse mesmo ano. Os “frutos desse trabalho” não se demoraram a

aparecer e já no ano de 1937 ocorreu o primeiro “Batismo em Águas” com a

participação de trinta pessoas (ALMEIDA, 1982; CONDE, 2008).

A cidade de Goiânia foi oficialmente inaugurada no ano de 1942, mas já em 1937 passou a ter função de capital do estado. As bases da evangelização foram bem fincadas no estado, pois o Evangelho chegou à época em que se construía a nova capital. (PRATES; FERNANDES, 2012, p. 55)

E assim como nas outras ADs em outros Estados do país, em Goiás não foi

diferente e com o passar dos meses outras igrejas foram sendo fundadas em outras

cidades na região central do Brasil. Essa e outras igrejas eram o reflexo dos efeitos

do processo migratório em nosso país, pois cada crente carrega consigo a sua igreja

para aonde ele vai se acomodando (ROLIM, 1985). Como afirma Novais,

[...] Ser crente é não se submeter à organização e hierarquia da Igreja Católica. É realizar uma forma de organizacional oposta onde cada um deve ter entendimento; pode ter um contato direto, sem intermediários, com o sobrenatural; deve ter participação nos rituais e ser um pregador de sua fé. Ser crente é seguir os “ensinamentos de Deus” contidos na Bíblia, seja pela maneira de viver (longe dos vícios, vaidades, desonestidades), seja no sentido de invocar o recebimento dos dons do Espírito Santo. Ser crente, em última instância, significa sentir-se um escolhido. (NOVAIS, 1985, p. 61-62)

Nisso que podemos denominar de “essência de autonomia”, ou seja, o

compromisso de cada um em fazer a “vontade de Deus”, contribuiu para o processo

de expansão das ADs pelo Brasil. E é neste ponto que encontramos as desavenças,

pois da passagem do carisma para o patrimonialismo de um tipo racional-burocrático

os precursores buscam se apropriar dos chamados bens de salvação (BOURDIEU,

2013). Essa posse entra em conflito com o poder e a dominação já constituído

anteriormente. Assim com a expansão da igreja no Estado, nos deparamos com um

caso específico de tensões e conflitos que se deu na igreja que nasce em Brasília –

futuro Distrito Federal. Essa igreja tem como data de fundação o dia 19 de novembro

de 1956, mas segundo Tércio (1997), ela foi fundada informalmente pelos pastores

Antônio de Freitas Inácio, Divino Gonçalves dos Santos, Lázaro Maléu de Oliveira,

Jaime Antônio de Souza, Jamil de Oliveira, Albino Gonçalves Boaventura, Angelo

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Constantino da Silva, Jácomo Guide da Veiga, João Freire de Souza, Manoel

Joaquim da Silva e Antônio Alves Carneiro (PRATES; FERNANDES, 2012; TÉRCIO,

1997), todos residentes no Estado de Goiás e ligados a ADMM.

A igreja teve início na chamada Cidade Livre, ou Núcleo Bandeirantes por

meio de uma doação vinda do Governo Federal, que a época era do presidente

Juscelino Kubitschek e que buscava incentivar a imigração para aquela região do

país (TÉRCIO, 1997, p. 45). A tarefa de “levar a mensagem pentecostal” e fincar as

estacas da primeira AD em Brasília ficou a cargo do mineiro e ex-seminarista

católico Antônio Alves Carneiro, que não se demorou em iniciar sua tarefa naquele

lugar. Como já dispunham do terreno que fora cedido pelo Governo Federal, os

primeiros membros dão início ao processo de construção do templo e por meio de

doações vindas tanto da igreja de Madureira, quanto de suas filiais em Goiás e

Minas Gerais (1997, p. 65), o templo foi concluído no ano 1957.

No dia de sua inauguração (15 de julho de 1957) com a presença do Pr.

Paulo Leivas Macalão e de várias caravanas vindas do Estado de Goiás, o Pr.

Antônio Alves Carneiro anuncia no púlpito daquela pequena igreja de tábuas que a

mesma “estava já registrada, com personalidade jurídica”, e que ele “se

autonomeara presidente” daquela igreja (1997, p. 112). Precisamos deixar claro que

a igreja é um espaço de relações entre os seus agentes e comunidade que dela faz

parte, aquilo que Bourdieu definiu como campo (BOURDIEU, 2003), sua construção

se dá a partir das diferenciações sociais obtidas pelos tipos específicos de capitais

que são acumulados por aqueles que pretendem exercer uma determinada

dominação sob mesmo. Criando assim uma estrutura que tende a regular as ações

tanto dos agentes quanto da comunidade, na luta pela a obtenção de determinados

capitais específicos (BOURDIEU, 2013). Ele ainda procura apontar que mesmo

sendo as estruturas um produto histórico, a mesma está sujeito às múltiplas ações

de mutação produzidas pelas relações e tensões sociais inerentes a mesma.

Em outras palavras podemos dizer que Macalão e a ADMM passaram a

experimentar de “seu próprio veneno”. Pois dentro do campo religioso a disputa pelo

monopólio do poder simbólico e dos bens de salvação geram constantes tensões

entre agentes, que Bourdieu denominou de sacerdote e profeta. Para o autor o

sacerdote desempenharia o poder patrimonial e racional-burocrático, já o profeta

seria aquele que em situações extraordinárias ou de crise estaria imbuído de uma

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“nova mensagem” legitimada pelo carisma obtido no decorrer de sua ação

(BOURDIEU, 2013).

Nessa disputa pela “conservação do monopólio de um poder simbólico como

a autoridade religiosa depende da aptidão da instituição que o detém em fazer

reconhecer” sua legitimidade frente aqueles que estão despossuídos ou excluídos

da posse desse monopólio (BOURDIEU, 2013, p. 61). Por isso que o profeta com

sua mensagem “ameaça a própria existência da instituição eclesiástica no momento

que põe em questão não apenas a aptidão do corpo sacerdotal para cumprir sua

função declarada, mas também a razão de ser do sacerdote” (2013, p. 62). A saída

encontrada por Macalão, para resolver o impasse foi narrada da seguinte forma,

[...] Macalão contou a Carneiro que uma irmã do Rio tivera uma visão, uma profecia: um pastor jovem chegava em Anápolis e um idoso em Brasília. - Eu interpretei a profecia como sua ida para Anápolis e a vinda de Antônio Moreira para Brasília – disse Macalão. (TÉRCIO, 1997, p. 112)

Assim se utilizando do prestígio e carisma que dispunha, Macalão conseguiu

resolver o impasse, uma vez que prometerá entregar a igreja de Anápolis ao Pr.

Antônio Alves Carneiro o que realmente fez (TÉRCIO, 1997, p. 113). Podemos então

aqui compreender que na iminência de ter sua dominação carismática e patrimonial

ameaçada por novos focos daquilo que Bourdieu chamou de “novas reformas”

(BOURDIEU, 2013), o Pr. Paulo Leivas Macalão se viu obrigado a criar uma

estrutura dentro da própria estrutura. Assim em 1958 fundou a Convenção Nacional

dos Ministros Evangélicos da Assembleia de Deus em Madureira e Igrejas Filiadas

(CNMEADMIF), na qual ele foi nomeado de presidente-geral do Ministério de

Madureira (PRATES; FERNANDES, 2012, p. 84-85). Esta ação promovida por

Macalão foi uma medida de centralização do poder em sua figura, com a criação de

um corpo de especialista (diretoria) que tinha como função a legitimação de sua

dominação. Nessa oportunidade participaram da criação dessa entidade os pastores

Alípio da Silva, Manoel Francisco da Silva, Narbal Soares, José Leite Lacerda,

Manoel Joaquim Rosa, Franklin Luiz Furtado, José Cecílio da Costa, Carlos

Malafaia, Nicodemos José Loureiro, José Simpliciano Ferreira, Antônio Pereira,

Otávio José de Souza, Raimundo Nonato Barreto, Enok Alberto da Silva, Irineu

Ramos de Carvalho, que segundo o Estatuto atual da CONAMAD (herdeira dessa

convenção), em seu Art 1º é função dela,

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[...] como órgão máximo hierárquico, deliberativo, legislativo, gerenciador e articulador da unidade e integração das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus – Ministério de Madureira, suprindo carências, identificando necessidades, com competência ad perpetuam (para sempre85) para Ordenação, indicação, designação, nomeação e posse de Pastores Presidentes para as Igrejas Filiadas. (ESTATUTO CONAMAD, 2003)

O Pr. Paulo Leivas Macalão acreditou que ao criar essa entidade não sofreria

mais com aquilo que ficou conhecido no meio das ADs no Brasil como “rebeliões”.

Entretanto isso não aconteceu, pois o mesmo não contava com o “espírito

autonomista” de seu antigo desafeto, que no final de 1960 (o Pr. Antônio Alves

Carneiro) apoiado pela AD em Anápolis, optou por romper com a jurisdição da

ADMM, fundando o Ministério de Anápolis ao qual ficou pertencendo todo o

patrimônio com que a igreja já havia adquirido. Mesmo sendo rígido e até retratado

como alguém extremamente inflexível ao “obreiro de seu ministério que

demonstrassem personalismo e um mínimo de independência” (TÉRCIO, 1997, p.

109), Macalão apenas era vítima da realidade e produção da dinâmica social, que

outrora ele mesmo foi o causador para os missionários escandinavos.

Retomando o pensamento bourdieusiano,

Assim, quando as relações de força são favoráveis à Igreja (poder constituído), a consolidação dessa depende da supressão do profeta (o do rebelde) por meio da violência física ou simbólica (excomunhão), a menos que a submissão do profeta (ou do rebelde, ou reformador), ou seja, o reconhecimento da legitimidade do monopólio eclesiástico (e da hierarquia que o garante), permita sua anexação pelo processo de canonização. (BOURDIEU, 2013, p. 62)86

Neste caso a única saída de Macalão foi a exclusão do “rebelde”, que não foi

aceita pelo Pr. Antônio Alves Carneiro, o qual recorreu a “estrutura maior” das ADs

naquele momento, a CGADB. A qual na Convenção Geral de 1962 foi obrigada a

tentar resolver esse impasse entre a ADMM e a agora AD de Anápolis. O

Presidente-geral da ADMM recusou ir a essa convenção, uma vez que se sentiu

deslegitimado pela própria, que não aceitou a “exclusão dos rebeldes”. O impasse

deveria ser resolvido da seguinte forma, os irmãos tanto de Madureira, quanto os de

Goiás se encontrariam (na igreja de Madureira – RJ), na qual selariam a

reconciliação de ambos os lados (DANIEL, 2004, p. 337).

85 Crivo do autor. 86 Crivo do autor.

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Não encontramos nada indicando que o evento tenha ocorrido, pelo contrário

o que podemos verificar foi que a AD de Anápolis não apenas se manteve separada

da ADMM, como também mais tarde criou a sua própria convenção, a CIAD –

Convenção Internacional da Assembleia de Deus. Encontramos em nossa pesquisa

no MP, um “Manifesto” elaborado à época pela Convenção Regional em Belém do

Pará e que contava com as igrejas de Piauí, Maranhão, Pará, Amazonas, Amapá,

Rondônia, Roraima e Goiás (região do SETA). No qual a mesa diretora, na pessoa

do Pr. Alcebíades P. Vasconcelos declarava que “absolutamente desaprova

qualquer divisão no trabalho do Senhor em qualquer parte, sob considerar a divisão

sob qualquer forma e motivo, um ato anti-bíblico e, portanto condenado pela Palavra

de Deus” (Mensageiro da Paz, 2ª quinzena de julho, 1963).

A questão das “divisões ministeriais” assombravam as ADs no Brasil nesse

período, no qual a CGADB não conseguia dar conta para resolver diversos impasses

que iam surgindo com as diferentes lideranças instituídas e os seus

“rebeldes/reformadores”. Nenhuma das regiões e nenhum dos Pastores-presidentes

estava livre de ter que enfrentar uma possível dissidência em “sua comarca”. E

mesmo Macalão que havia criado uma convenção própria, ainda assim se deparava

com este “fantasma” constantemente, pois o poder e a dominação dentro da ADs

nunca foram homogêneos e tranquilos, nem nos primórdios da história dessa igreja

no Brasil (ALENCAR, 2013). A riqueza e complexidade desse tema na história das

AD no Brasil merece ser feita em pesquisas posteriores, uma vez que podem ajudar

a explicar tanto os novos desdobramentos, quanto as novas configurações desse

movimento “autenticamente” brasileiro.

Para finalizarmos esta seção da pesquisa, apenas queremos pontuar, que

ADMM esteve nos holofotes das discussões e tensões até a sua “saída” em

definitivo da CGADB (1989). Ora sendo acusada de “invadir campos”, ora acusando

outros de “invadir campo”. Um caso emblemático foi o episódio ocorrido na

Convenção Geral de 1971, em meio as disputas pela posse e exclusividade de

Brasília, a AD São Cristóvão apoiou a abertura de um outro trabalho (não ligado a

ADMM) no Distrito Federal (TÉRCIO, 1997, p. 167). Essa questão levou ao

rompimento de relações entre a AD São Cristóvão e a ADMM, os quais em

convenções anteriores trocavam acusações. Em meio a essa tensão e com

ameaças por parte de Macalão, afirmando que “se não houver justiça no caso de

Brasília, ele próprio resolverá, abrindo um trabalho no Estado do Maranhão, pois é