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1ª Edição - 2016 Vila Velha - ES Editora e Publicações DOSSIÊ GUARAPARI João Roberto Vasco Gonçalves

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1ª Edição - 2016Vila Velha - ES

Editora e Publicações

DOSSIÊ GUARAPARI

João Roberto Vasco Gonçalves

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Dedicatória

À minha esposa, filhos e netos, de quem subtraí o tempo

para escrever esse livro.

© 2016—Above PublicaçõesEditor ResponsávelUziel de Jesus

Gerente EditorialDaiane Benedet

RevisãoDo autor

CapaAbove Publicações

Diagramação Above Publicações

Todos os direitos reservados pela autor.É proibida a reprodução parcial ou total sem a permissão escrita do autor.

Excluindo-se a história da cidade, suas lendas e sua problemática, o enredo, suas tramas e seus personagens, são obras de ficção do autor. Qualquer semelhança com a realidade será pura coincidência.

Editora Above(27) 4105-3374www.aboveonline.com.br

Ficha catalográfica

G635dGonçalves, João Roberto Vasco, Dossiê Guarapari / João Roberto Vasco Gonçalves. – Vila Velha : Above publicações, 2016. 204 p. ; 16x23 cm.

ISBN 978-85-8219-299-3 1. Literatura brasileira. 2. História. 3. Ficção. I. Título

CDD B869

Catalogação na publicação:Bibliotecária: Andréa da Silva Barboza – CRB7/6354

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Prefácio

Sinto-me grandemente honrado pelo convite do meu amigo e admi-rável escritor Roberto Vasco, a prefaciar essa obra de imensurável relevân-cia. É notável a capacidade e a percepção desse grande escritor e historiador em suas obras e é gratificante prefaciar uma obra da magnitude de DOS-SIÊ DE GUARAPARI.

Apesar de fictícia, podemos perceber que a obra DOSSIÊ DE GUA-RAPARÍ, traz em seu conteúdo detalhes tão próximos à realidade de uma cidade, como tantas outras, que hoje sobrevivem do turismo, enfrentando as dificuldades naturais que a sazonalidade impõe, pois devido ao foco da atividade turística estar concentrada na trilogia: Praias-Verão-Férias esco-lares, quando termina o verão e as férias escolares, a cidade experimenta uma substancial contração em sua economia, diminuindo a arrecadação, emprego e renda.

Ao contrário da baixa temporada, na alta, a economia é reativada e a cidade se beneficia da boa fase. No entanto os problemas oriundos do au-mento populacional aparecem e exigem dela uma resposta eficaz e rápida a esse acréscimo da demanda.

O autor utiliza as lendas locais e a ficção, como ferramentas para abordar a problemática da cidade, analisa-las sob diversos prismas e pro-por soluções a serem discutidas, amadurecidas e enriquecidas e se possível colocadas em prática.

O poder público, o empresariado e as grande fornecedoras de ser-viços, vem trabalhando incessantemente no sentido de melhorar a cada dia a oferta de serviços básicos como: água, esgotamento sanitário, trân-sito fluido, postos de saúde eficientes, telefonia celular eficiente, internet mais rápida, segurança pessoal e patrimonial mais eficaz, melhor controle e identificação da hospedagem, que podem, mediante estatísticas, favorecer a um planejamento futuro. Inclui-se aí a preparação e especialização da mão de obra específica às atividades voltadas para o turismo.

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O autor também enfatiza o necessário aproveitamento de vários atrativos como: as lendas, o folclore, o agronegócio, as cachoeiras, à trilhas ecológicas monitoradas, os pontos históricos, a história da areia monazí-tica, do Radium Hotel e tantos outros, próprios e das cidades vizinhas, como: Anchieta, Vila Velha, Alfredo Chaves e outras.

Vale a pena ressaltar que existe uma preocupação em melhor atender melhor, tanto o cidadão local e da zona metropolitana constituída pelos municípios vizinhos, como aos turistas e visitantes e concentrar esforços nesse sentido, para que esses, levando uma boa impressão da hospitalidade e bons serviços, além das belezas naturais, volte posteriormente, trazendo outros clientes.

21 de março de 2016

Edy Soares

Sumário

Introdução ........................................................................................................9CAPÍTULO 1

História de Guarapari - História antiga – Situação atual .........................13Capítulo 2

Reunião empresários no centro comunitário ...........................................25Capítulo 3

As Estórias Locais ..........................................................................................31Capítulo 4

Boato sobre a existência de monstros na lagoa de Maimbá .....................39Capítulo 5

Cadáver boiando no mar com marcas estranhas ......................................47Capítulo 6

Problemas ambientais lixões irregulares e retirada de areia ....................51Capítulo 7

Boato sobre pássaro gigante voando baixo na praia – Pitera ...................59Capitulo 8

Delegacias – Situação caótica .......................................................................63Capítulo 9

Escavações nas imediações e subsolo do Radium Hotel ..........................67Capítulo 10

Venda de água milagrosa da fonte e mapa da gruta dos jesuítas. ...........77Capitulo 11

Cadáver bastante mutilado às margens da lagoa. ......................................83Capítulo 12

Falsificadores de quadros e esculturas famosas. ........................................89Capítulo 13

Pessoal do Lual viu monstro pousando e afundando na lagoa de Maimbá. ..........................................................................................................97

Capítulo 14

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Dossiê Guarapari

Introdução

DOSSIÊ GUARAPARI é uma obra de ficção, que tomando fatos históricos antigos e atuais das cidades e principalmente suas lendas, explora o tema: dificuldades socioeconômicas da Baixa Temporada. Mas discute também vários problemas que aparecem na alta temporada que também incomodam e exigem soluções rápidas e onerosas.

A região onde toda a trama se desenrola é uma faixa do litoral sul que compreende as cidades de Guarapari e Anchieta e respectivos distri-tos, além de se irradiar por municípios vizinhos. Na prática, uma zona metropolitana que compartilha seus problemas e anseia por uma solução comum, principalmente nas áreas de saúde, segurança, transporte e abas-tecimento e meio ambiente. Muitas pessoas praticamente vivem nos dois municípios, pois, moram em um e trabalham no outro ou possuem negó-cios nas duas cidades e seus distritos.

O assunto BAIXA TEMPORADA é realmente muito relevante pois afeta drasticamente a economia da região. É notório que muitas cidades exploram sua principal atração turística que geralmente ocorre numa de-terminada época do ano, quando o movimento da cidade é enorme, sofre um aumento da população flutuante, os negócios melhoram muito em ter-mos de faturamento e todos os empreendimentos estão ótimos: Os hotéis ficam com sua lotação máxima, os restaurantes, bares, casas de espetáculo, etc, experimentam seu melhor movimento e o faturamento é sempre o melhor do ano.

Porém, quando passa esse período e vem a baixa temporada, a cidade mingua em todos os sentidos, o movimento cai drasticamente, o fatura-mento cai vertiginosamente até ficar num mínimo que quase inviabiliza manter os negócios com as portas abertas. Essa recessão na economia pro-voca uma substancial redução de custos e o desemprego de grande parte da força de trabalho é certo. É um ciclo vicioso, uma bola de neve rolando de

Invasão de terreno no morro do Atalaia .................................................103Capítulo 15

Gente que ouviu à noite o arrastar de correntes e gritos de presos apanhando ...................................................................................................113

Capítulo 16 Aparições noturnas nas proximidades da igreja matriz ........................121

Capitulo 17Procura de suposto navio usina de concentração de tório radioativo. 127

Capítulo 18 Arcada dentária e barbatanas de cação às margens da lagoa Maimbá 133

Capítulo 19Invasões de áreas ambientais ....................................................................141

Capítulo 20 Pai de paciente quebra a porta e invade o posto de saúde. ..................145

Capítulo 21Gente colhendo amostras de areia nas praias .........................................149

Capítulo 22Ninho de pedras e ovos fossilizados às margens da lagoa ....................157

Capítulo 23 Expedições turísticas noturnas na praia, próximo à lagoa ....................163

Capítulo 24Tiroteio por disputa de transporte clandestino ......................................169

Capítulo 25 Estudos - Compilação das investigações da polícia técnica ..................173

Capítulo 26Intimação de cada um dos envolvidos para interrogatório .................177

Capítulo 27Dossiê Guarapari – Intimações para acareação geral ............................183

Capitulo 28O Triângulo da cooperação: Povo x Empresas x Governo ....................189

Capítulo 29Acabar com algo que caíra no gosto popular era tarefa difícil. ............199Epílogo .........................................................................................................201Bibliografia: .................................................................................................203

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Caos. Tudo isso é o resultado de um acréscimo exagerado e rápido da de-manda, sem o devido planejamento para atende-la. O pior é que algumas vezes o rendimento é tão baixo que não compensa tantos esforços.

Muitas cidades se queixaram desses problemas: As pessoas chegam em levas, alugam imóveis e os preenchem além da capacidade razoável, tra-zem tudo de fora, inclusive víveres, não compram nada ali, nem produtos nem serviços e a única coisa que dão em troca para a cidade é uma enorme quantidade de lixo, trânsito caótico, serviços públicos sobrecarregados, etc.

É um problema dificílimo de contornar, porque os cidadãos visitan-tes reclamam e se sentem discriminados e em nome do seu direito de ir e vir e do seu lazer na época de férias, insistem em dizer que estão com a razão e que é exagero dos dirigentes da cidade e dos empresários de vários ramos.

O planejamento estratégico para a baixa temporada também ajuda nisso.

A segurança pública é uma das primeiras a sentir os problemas, pelo aumento exagerado de casos, muitas vezes graves. As delegacias de Polícia de toda a região, funcionam como termômetros dessa situação.

Escolhi um punhado de casos de tipos e teores diferentes que passam a acontecer quando as coisas começam a fugir do controle pela chegada, além dos turistas normais e bem-intencionados, também os maus elemen-tos e oportunistas que visam ganhar dinheiro fácil à custa dos desavisados.

Na presente estória, algumas pessoas criaram atrações, que segundo acreditavam, seria de curto prazo de maturação e execução, baseadas em algumas lendas para aumentar o movimento, mas não previram os aconte-cimentos paralelos que poderiam acontecer, nem envolveram aos respon-sáveis pelo planejamento para atender o acréscimo da demanda. Isso levou a cidade ao Caos.

Espero que gostem e se divirtam se puderem. Boa Leitura.

Roberto Vasco

morro abaixo e só aumentando. Com o desemprego, as pessoas ficam sem dinheiro e o comércio passa a sentir a falta de recursos também do cidadão local, aumentando mais o desemprego e por aí vai.

Muitas cidades já se deram conta desses problemas e já identificaram que suas potencialidades são na verdade mal exploradas. Assim começaram a criar outras atrações, confeccionar calendário de eventos e divulga-los em outras cidades e estados. Alguns eventos tornaram-se até famosos e o movimento cresce a cada ano.

Pode parecer exagero, mas só as cidades e seus cidadãos que sofrem com seus problemas, sabem exatamente o que é isso.

Realmente, a sazonalidade é um grande problema, que a princípio o pessoal não se toca. Mas uma cidade fria que viva do inverno, faça festivais de inverno, venda de produtos de inverno e tal, quando chegam no verão e perdem essa atração sofrem com as dificuldades.

Igualmente as que vivem do verão, exploram as praias, fazem eventos de verão e vendem coisas do verão, da mesma forma ficam prejudicadas no inverno.

Existem vários estudos técnicos sobre o assunto e exige planejamen-to, método e ação para iniciar as mudanças almejadas buscando alterna-tivas de negócios que aumentem cada vez mais o faturamento na baixa temporada. Ver bibliografia e publicações especializadas da área.

Mas, em certos casos o desespero é tão grande e o desânimo pelo relativamente longo prazo de maturação dos novos negócios e eventos é tão longo que alguns até extrapolam sua criatividade na busca de soluções imediatistas e inventam até artifícios fantasiosos, farsas e engodos, muitas vezes até ilegais, para atrair multidões em Caravanas, como a notícia de alguém que viu ETs, Monstros, Forças espirituais, pontos de concentração de energia cósmica e toda sorte de invenções.

Quando fica só nisso é ótimo. O pior acontece quando a situação de alguma forma foge ao controle e começam a aparecer problemas sérios na área de saúde e de segurança pública. Para não falar nos problemas de abastecimento, de consumo de água e energia elétrica, a geração de muita sujeira e lixo, sem falar na complicação do trânsito na cidade que vira um

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João Roberto Vasco Gonçalves Dossiê Guarapari

CAPÍTULO 1

História de Guarapari História antiga – Situação atual

Cronologia1535 – Chegada de Vasco Fernandes Coutinho, Donatário as Capi-

tania do Espírito Santo.1553 – Chegada do Padre José de Anchieta ao Brasil, com 19 anos,

ainda na condição de diácono.1569 – Padre José de Anchieta visita a Capitania do Espírito Santo

como inspetor dos Jesuítas, com o objetivo de planejar a fundação de novas aldeias para a catequese dos Índios: Goitacazes, Purus Tupiniquins e Aimo-rés. Guarapari foi uma das aldeias.

1585 – Padre José de Anchieta efetivamente funda a quarta e última vila que passou pelos seguintes nomes: Rio Verde, Santa Maria de Guara-parim e finalmente Guarapari, sendo às vezes referida como vila dos Jesu-ítas. Ficava no alto da colina, sendo uma capela e a residência dos padres missionários. A capela foi dedicada a Sant’Ana. Essa sofreu incêndio e foi abandonada.

1595 – Os Padres Antônio Dias e Manuel Dias estão presentes, mo-rando na vila.

1677 – O donatário da Capitania, Francisco Gil de Araújo, mandou edificar a Capela de Nossa Senhora da Conceição, por ser esta a padroeira da Vila. Hoje essa é tombada pelo patrimônio Histórico.

1679 – Esse mesmo donatário eleva o povoado de Guarapari à cate-

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Densidade Demográfica:177,72 hab./Km²PIB: R$1.059.802,00PIB per Capita: R$10.071,77IDH:0,731, Alto.Clima: Tropical Atlântico – AW; Temperatura: 26-32°C no Verão e

16-22°C no Inverno; Precipitação pluviométrica:1136mm de chuva/ano, bem distribuída ao longo do ano, sendo 56mm em Agosto e 142mm em Janeiro, as ocorrências máximas e mínimas.

HidrografiaRios: Guarapari, Jaboti, Meaípe, Perocão, Claro, Una, Corindiba,

Prata e Calçado.

Lagoas: Caraís, ao norte, na reserva biológica Paulo César Vinha. Ao Sul: Mãe bá, (uma parte desta. A outra parte fica no município de Anchieta).

Cachoeiras: São Félix, na entrada de Jabaquara a 28 Km da sede; Cascatinha, no morro do Cruzeiro; Boa Esperança, na localidade de Bue-nos Aires a 16Km da sede; Iracema, na fazenda Bourguignom, a 12 Km da sede; Cabeça quebrada, com queda de 20m, fica na localidade de Jaqueira a 19 km da sede; Jaboti, a 12 Km da sede, Buenos Aires, na localidade de mesmo nome, a 9 km da sede e Pernambuco a 20Km da sede.

Praias: do Sol; d’Ulé; Setibão; Setiba; Três Praias; do Morro; Santa Mônica, do Riacho, Perocão; de Muquiçaba, das Virtudes, dos Padres, da Fonte, do Meio, das Castanheiras, dos Namorados, da Areia Preta, Ensea-da Azul e Meaipe.

Ilhas: Três ilhas, em Setiba; Escalvada, em Perocão; da Raposa, na praia do Morro e Ilha Rasa, na qual existe um navio Inglês que naufragou há 90 anos. Esse mede 108m de comprimento e era do tipo cargueiro. Hoje é um dos abrigos ecológicos da vida marinha.

goria de vila, no dia primeiro de março desse ano.1835 – Foi criada por lei provincial a Comarca, englobando Rio

Itapemirim, Beneventes e Guarapary.1878 – Em 24 de novembro desse ano, passou a categoria de muni-

cípio, embora tenha ficado algum tempo ainda pertencendo a cidade de Anchieta.

1888 – É inaugurado o primeiro serviço telegráfico.1891 – É elevada à categoria de cidade, pela lei de 19 de setembro de

1891, sancionada pelo presidente da província, Coronel Manoel da Silva Mafra.

1948 – Teve a câmara instaurada em 29 de fevereiro desse ano.1953 – São fixados como distritos que compõem o município: Gua-

rapari sede, Todos os Santos e Rio Calçado, pela lei Nº779 de dezembro de 1953.

Origem do Nome: Seria constituído de dois vocábulos indígenas, Guará e Parim. Numa

das versões, guará se referiria a um pássaro de cor avermelhada, quando na fase adulta, e Parim seria pesqueiro, ou local próprio para pescar, como provável atividade de pesca desse pássaro.

Na segunda versão, O lobo que manca, em referência ao Lobo Gua-rá e Parim, que conforme o padre Jacomè Monteiro, de 1610, significa manca.

Dados geográficosLocalização: 20,674° de Latitude Sul e 40,4997° de Longitude Oes-

te, 52Km ao Sul da Capital, Vitória, Estado do Espírito Santo.Limites: Ao Norte: Viana e Vila Velha; ao Sul: Anchieta; a Sudoeste:

Alfredo Chaves; a Leste: Oceano Atlântico; a Oeste: Marechal Floriano e Domingos Martins.

Área: 592,231 Km², População: 105.296 Habitantes, senso de 2010.

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João Roberto Vasco Gonçalves Dossiê Guarapari

tos: Banana, Mandioca, café, Feijão, Cana de Açúcar e hortaliças.

Atividades turísticas principais: Pesca Oceânica, Turismo de Mergu-lho, Surf, Passeios Marítimos.

Outras atividades turísticas da região: Turismo Rural, Parques Ecológicos, Parques aquáticos, Feira Hip-

pie, Shopping Guarapari, Templos religiosos, etc.

LendasA praia dos padres era tida como assombrada. Há muitos anos as

pessoas que iam lá afirmavam que viam antigos navios à vela e pescado-res em alto mar, mas quando se aproximavam mais tudo aquilo sumia. À noite, escutavam pessoas falando alto e gritando, porém, não as viam. Os padres foram então chamados para rezar e exorcizar aqueles maus fluidos. Assim ficou conhecida como a praia dos padres.

A mulher Pata era uma assombração que aparecia. Segundo a lenda, quando nascia o sétimo filho da família, esse precisava ser batizado pelo seu irmão mais velho, caso contrário, sofreria uma metamorfose nas noites de lua cheia, de forma que se fosse homem se transformava num lobisomem e se fosse mulher numa pata enorme. No presente caso era uma pata. Quan-do chegava a noite de lua cheia, a mulher acometida dessa maldição saia desesperada até as pedras das praias onde se livrava das roupas e começava a transformar-se. Em seguida voava para o mar e pousava no mastro dos navios, onde escutava a conversa dos marujos e depois voltava, espalhando pela cidade todo o teor da conversa, para a surpresa e desagrado dos maru-jos e pescadores quando retornavam.

O Nadador de Pedras: Um índio Goitacás, voltando da pescaria, viu uma sombra de mulher por quem se apaixonou. Passou a procura-la por diversas praias sem encontrá-la. Enlouquecido, ficou remando direto, sem comer nem beber ou dormir, até que pensou tê-la encontrado na pedra

Recentemente, em 03/07/2003, o Navio Victory 8-B foi o primeiro navio de grande porte afundado propositalmente, entre as Ilhas Rasas e Es-calvada, para tornar-se um recife artificial marinho. Esse navio, depois de estar insolvente face as vultosas dívidas trabalhistas e de muitos credores, teve o arresto decretado judicialmente, caindo em poder do estado, cuja melhor destinação, face a inviabilidade de recuperação foi essa comentada acima.

Parques ecológicos: O parque estadual Paulo Cesar Vinha, localizado na região conheci-

da como Setiba, possui uma área de 1500 ha e conta com um ecossistema constituído de: Praias, Florestas do tipo restinga, Lagoas, Dunas e alagados, possuindo uma biodiversidade rica, com várias espécies, como: Mamíferos, Anfíbios, Moluscos, Cetáceos, Crustáceos, Répteis, Ofídios, Peixes e Aves. Entre outras espécies podemos citar, no mar: Baleias brancas, caranguejos, siris, moluscos, ostras, sururus e outras conchas e tartarugas marinhas. Na Restinga: Cachorro do mato, veado, paca, tatu, Mão Pelada, gambá, Sagui da Cara Branca, cobras lagartos, além de pássaros como Martim Pescador, Garça, Gavião, Carcará, Cancan, Cegonha e Maguri.

O parque Morro da pescaria, é uma península, de administração municipal, localizado entre as praias do Morro e da Cerca, com 73 ha de mata Atlântica e Restinga, com excelente biodiversidade. São espécimes de sua fauna: Macacos saguis, esquilos, Seriemas, Jaguatiricas, Jacupembas, Sabiás, Beija-flores, saíras, Garças, gaivotas, Maçaricos, Jiboias, Lagartos, etc.

Os locais mais frequentados são: Lago do Caboclo D’água, Praia do Ermitão, Praia da Ponta Sul, Praia da Areia Vermelha, Pedra das mesas, Pedra das tartarugas Gêmeas, Centro de Educação Ambiental, Trilhas eco-lógicas para passeio e conhecimento.

Atividades Econômicas: Turismo, Construção Civil, setor de servi-ços, Pesca, Apicultura, Pecuária e Agricultura, sendo os principais produ-

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riam construído um túnel ligando o morro da igreja ao do Atalaia, que funcionaria como uma rota de fuga contra os ataques dos piratas. Na pressa, em uma de suas fugas, teriam deixado o tesouro em alguma parte, dentro desse túnel. Há muitos anos, quando alguém espalhou essa lenda, houve uma verdadeira corrida do ouro e gente de toda a parte foi ali tentar achar o tal tesouro, fazendo várias escavações e provocando vários tumul-tos. Uma determinada noite, depois de um violento temporal, rolou morro abaixo uma enorme pedra que obstruiu completamente a boca do túnel. Aquilo foi entendido como castigo pela ambição e depois disso ninguém quis mais se aventurar à procura.

Desenvolvimento

O desenvolvimento da cidade se deu muito lentamente nos primei-ros tempos devido principalmente às, mas condições viárias.

As estradas eram de chão, de má qualidade e ainda havia a travessia do rio que até 1952 era feita de balsa. Nesse ano foi construída a primeira ponte, de madeira.

As habitações, na década de 1930 eram precárias e não passavam de 250 casas. As primeiras construções de veraneio só começaram a aparecer na década de 1940.

Em 1947 foi iniciada a construção de um prédio em forma de ânco-ra, num terreno de 10.000m², idealizando-se a instalação de uma Escola Naval. Sua área construída é de 2100m² e a área útil de 8796m². Mas, a localização privilegiada e a beleza do recanto, de frente para a Praia da Areia Preta, atraiu um investimento bastante interessante: Arrendou o imóvel do estado e instalou um Hotel Cassino de luxo em 1953, de fama internacio-nal, apesar dos jogos já estarem proibidos através do : DECRETO-LEI Nº 9.215, DE 30 DE ABRIL DE 1946. Mesmo assim, funcionou bem até 1964, quando o jogo foi definitivamente proibido no Brasil. Assim o Ho-tel entrou em decadência e logo fechou, sendo tombado pelo patrimônio histórico. Hoje funciona um centro cultural com o apoio municipal e de

do Siribeira. Então, jogou-se na água e nadou até a praia da Areia preta, desobedecendo a uma voz que o proibia de ir. Então a deusa Jaci, a Lua, o encantou com um poderoso facho de luz, transformando-o numa pedra.

Mãe do Ouro: era uma visagem que aparecia na mata, em forma de uma linda menina de cabelos loiros e olhos azuis. Essa atraía os lenhadores mato a dentro, fazendo-os ficar perdidos. Quem tivesse coragem poderia desencanta-la, ferindo um dedo e pingando nela 3 gotas de sangue. Ao desencantar-se, transformava-se em ouro.

Mãe Bá: esse era o nome da curandeira e chefe de uma tribo indígena da região. Certa vez, tentava curar um menino, sem sucesso, após tentar vários métodos convencionais. Resolveu fazer um tipo de ritual, navegan-do na lagoa com uma canoa. A certa altura, começou a gritar desesperada-mente como se visse algo aterrador. A seguir o barco virou e o corpo sumiu. Só encontraram o barco sujo de sangue. Após três dias o corpo boiou e o recolheram e cremaram. As cinzas foram jogadas na lagoa, que depois ex-perimentou uma abundância de peixes.

Sereia de Meaipe: A sereia é um ser da mitologia maruja, pela qual os marinheiros e pescadores se apaixonam ao ouvir o seu canto mágico. Alguns até enlouquecem. Para um náufrago holandês que foi acolhido pe-los índios não foi diferente. Teria se apaixonado perdidamente e ficava todas as noites na praia à espera de novas aparições. Um dia apareceu uma mãe d’água que pretendia devorá-lo, mas, segundo rezava a lenda, quem estivesse dominado pelo amor estaria imune a seus ataques. Por Vingança essa mãe d’água invocando o nome de tupã, solicitou sua transformação em pedra, o que ocorreu. Em sinal de condolência, a Sereia vinha todas as noites na praia cantar em sua lembrança.

Ilha escalvada: Segundo a crença local, essa ilha é encantada, poden-do se transformar em barcos, baleias, castelos e muitas outras formas.

Tesouro do Atalaia: Segundo a crença popular antiga, os jesuítas te-

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João Roberto Vasco Gonçalves Dossiê Guarapari

todo o saneamento básico de um modo geral ao qual está atrelada a ques-tão da saúde.

Os que possuem utilizam, às vezes até indiscriminadamente, justifi-cando que pagaram por tudo através dos tributos que lhes foram impostos.

O desperdício é um mal que está arraigado na mente do povo, talvez pela abundância de recursos de até alguns anos atrás. Hoje por causa de muitos fatores as coisas começam a mudar.

A água é exemplo mais dramático disso. Nos últimos anos, tem sido cada vez mais escassa e nos períodos críticos tem ocorrido racionamentos e até interrupções no fornecimento. Muitas campanhas têm sido feitas, mas alguns ainda são resistentes às adaptações e até mesmo se recusam a contribuir com seu empenho. Alguns pensam que são uma gota d’água no oceano ou são pobres, incultos, plebeus e sem expressividade na socieda-de. O que fingem não saber é que até mesmo aqueles que ele julga: rico, culto, nobre e socialmente influente, também não conseguem fazer nada sozinhos. É uma questão que exige mobilização geral. Não aquela, desses que vão às ruas aos berros, tornam o trânsito ainda mais caótico, provocam tumultos e tal. É mobilização de todos fazendo a sua parte, economizando com medidas simples, diminuindo o tempo dos banhos, instalando redu-tores de vazão nas torneiras das pias de cozinha e área de serviços, insta-lando esguichos com válvulas e reguladores de fluxo nas extremidades das mangueiras, diminuindo os dias de lavagem das calçadas e vários outros.

Outros projetos simples e de baixos custos podem oferecer ótimos resultados, como recolher a água de chuva dos telhados em cisternas ou recolher a água de enxague da máquina de lavar para reutilizá-la nas des-cargas dos banheiros e lavar calçadas. Nessas horas as ideias e a criatividade de cada um são muito bem-vindas.

Muitas vezes os humanos precisam ser submetidos às adversidades e ser até pressionados pela escassez de água e comida para tirá-los da inércia, fazê-los pensar e acima de tudo agir.

Desde os mais remotos tempos da história da humanidade que as grandes lições nos foram apresentadas, mostrando as situações adversas e as possíveis soluções.

alguns voluntários abnegados, amantes da cultura. Uma história detalhada pode ser encontrada no livro: Guarapari, muito mais que um sonho lindo, da professora e historiadora Beatriz Vieira Bueno, um símbolo de amor a Guarapari. Louvo a nossa dedicada mestra e agradeço pela dádiva que nos lega e afirmo que para fazer jus a grandiosa história, precisamos hoje cuidar muito melhor e com todo carinho dessa joia de inestimável valor que a vitrine da cidade exibe.

Da década de 1960 em diante, Guarapari começou a ser conhecida mundialmente como cidade saúde, devido a divulgação do Dr Silva Mello sobre a presença de areias monazíticas, radioativas, de propriedades medi-cinais.

Essa primeira propaganda, ligada aos efeitos terapêuticos das areias radioativas foi ótima para a cidade porque atraiu turistas de todo o Brasil e de várias partes do mundo, mas ao criar o estigma “Cidade Saúde” a cidade passou a sofrer os efeitos da sazonalidade, ficando com um excelente resul-tado econômico no, verão e minguando no inverno, como tantas outras no Brasil. Isso vem mudando muito lentamente, a princípio explorando ainda as potencialidades ligadas ao litoral, como: Pesca oceânica, Turismo de mergulho, Surf, Passeios marítimos e culinária típica. A luta agora, exige um planejamento estratégico e empenho na criação de eventos capazes de atrair um grande público, como festivais de música, congressos, etc. Ao mesmo tempo, incluir no planejamento a solução de problemas colaterais como: Trânsito, Segurança pública, coleta de lixo, distribuição de água, oferta de gêneros alimentícios e tal.

Panorama Hídrico – realidade atual Propostas para médio prazo

Nem todos os cidadãos tem acesso aos serviços básicos que tornam a vida mais confortável, como: água encanada, energia elétrica, esgotamento sanitário, coleta de lixo, rede de drenagens pluviais, ruas pavimentadas e

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e outros, provocam inundações nos estados do Acre, Amazonas, Amapá, Rondônia e outros, inunda fazendas, cobre rodovias, deixa enormes comu-nidades isoladas, elevando enormemente os preços dos víveres e deixando muitos em estado desesperador.

No Brasil temos um regime hídrico diversificado, principalmente se consideramos que a região Norte e Nordeste está situada em dois he-misférios. Quando é verão num hemisfério, é inverno no outro. Quando é primavera em um é outono no outro. A cheia dos rios acompanha essa diferença sazonal.

PENSO QUE CHEGAMOS AO MOMENTO DE INTERLI-GAR O BRASIL COM AQUEDUTOS. Com isso é possível pegar água dos que sofrem com as inundações e abastecer os que sofrem a seca, re-solvendo o problema dos dois. É uma necessidade premente. Como fazer para viabilizar isso é uma questão para ser pensada. Creio que não seja tão difícil, se levarmos em conta os enormes prejuízos que esses problemas causam. O retorno dos investimentos pode não ser lucros a receber, mas certamente será prejuízos a evitar.

Em complemento, outras ideias de duplo efeito podem ser adota-das para amenizar a situação caótica das grandes cidades. A construção de piscinões para reter a água das chuvas e aproveitar para fazer um pré--tratamento e jogar nas represas que servem à cidade, como é o caso de São Paulo que inclusive já possui alguns construídos

O sonho do Faraó do Egito, interpretado por José, não era mais do que o embate entre a fartura e a escassez. Uma antevisão de futuro e uma proposta de contorno da crise, quando as vacas magras viessem devorar as vacas gordas. No presente caso, poupar foi a saída, conforme instruiu José: economizar um quinto, ou vinte por cento de tudo que for produzido durante as vacas gordas para não morrer de fome durante as vacas magras.

Transportar águas à grande distância pode ser uma obra faraônica, de vultosos custos e possivelmente considerada inviável. Mas a questão não é bem essa. Na verdade, muitos pensam com um cifrão nos olhos. A frase correta segundo sua ótica é falta de retorno dos investimentos. É duro ouvir isso, mas o ser humano e o seu bem-estar sempre estão em segundo plano.

Num contexto de viabilidade é totalmente exequível um projeto de um gasoduto da Bolívia ao sul do Brasil, um oleoduto atravessando vários países, um túnel atravessando o canal da mancha, as Eclusas no Canal de Panamá e muitos megaprojetos, impensáveis até a época em que foram efe-tivamente levados a termo e realmente construídos, a despeito dos custos astronômicos. Tudo porque o retorno sobre o investimento era atraente, a construção se pagaria em poucos anos e os lucros seriam fantásticos.

Não precisamos ir muito longe. No nosso amado Brasil foi coloca-do em prática um ambicioso projeto: Interligação elétrica de todo o país, construindo-se rede de transmissão de energia elétrica interligando as vá-rias estações geradoras aos grandes centros consumidores nas diversas regi-ões do país. Isso foi ótimo para o desenvolvimento e conferiu estabilidade a todo o sistema elétrico.

Hoje estamos diante de um problema de escassez de água em virtude de secas prolongadas. As grandes cidades já experimentam racionamento. Isso associado ao desperdício generalizado em vazamentos por causa de redes antigas, falta de alguns investimentos importantes e desperdícios pela própria população, torna a situação caótica.

Enquanto isso, só para exemplificar, os rios Acre, Madeira, Solimões

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Capítulo 2

Reunião empresários no Centro comunitário

Guarapari, 19:30h. No horário combinado, no auditório de uma associação esportiva da região ocorreu uma reunião reservada cujo acesso restrito era controlado na portaria mediante a apresentação das credenciais de todos os empresários listados. A nata do empresariado cujos negócios eram de algum modo afetados pelo turismo estava presente e além deles seus secretários. Havia empresários das regiões de Guarapari, Anchieta, Piúma e adjacências.

O empresário que idealizara o evento presidia o encontro. Depois de cumprimentar e dar as boas-vindas começou a sua preleção informando os objetivos do encontro e advertindo a todos da absoluta necessidade do sigilo sobre tudo que comentaria ali e principalmente sobre as ações que se seguissem, conforme se observou na sua exposição a seguir:

Senhores e senhoras, boa noite. Agradeço a atenção ao convite que fiz para debatermos sobre um

assunto de máximo interesse para todos nós, empresários de vários ramos de negócios cuja existência, manutenção e sucesso dependem fundamen-talmente do turismo e cujo desenvolvimento está rigidamente atrelado ao deste.

Chamo a atenção para a necessidade de sigilo sobre tudo que dis-cutiremos aqui e principalmente das ações que viermos a implementar no sentido de não levantar especulações e comentários espúrios que possam desvirtuar o processo ou servirem de algum entrave ao alcance de nossos objetivos.

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uma parte do que recebemos dos clientes, como PIS, ISS e COFINS. Diante dessas considerações temos que conhecer exatamente e estar

atentos ao Ponto de Equilíbrio dos nossos negócios que é aquele onde o lucro antes do imposto de renda e da contribuição social é praticamente igual a zero. No caso específico de um hotel é necessário saber a qual taxa de ocupação corresponde esse ponto de equilíbrio, pois abaixo dele come-çam os prejuízos.

É claro que esse Ponto de equilíbrio é bastante específico e cada tipo de negócio tem sua realidade e composição. Numa lanchonete, por exem-plo, existe um número mínimo de pizzas, hambúrgueres, refrigerantes e cada um dos outros produtos que precisa ser produzido para que comece a apresentar lucro e evitar prejuízos.

Então, senhoras e senhores, muitas vezes nós sabemos que estamos tomando prejuízos embora não saibamos quase nada a respeito de sua ori-gem ou de como ele evolui por não estarmos levantando sistematicamente esses dados, ou por falta de gente, de tempo ou mesmo de dinheiro. Por isso não o conhecemos devidamente e a tendência é piorar a cada dia.

Além disso, muitas coisas que fazemos para diminuir custos, depen-dem de investimentos que nem sempre temos condições de fazer devido aos altos juros envolvidos nos financiamentos, além do que representa um risco elevado caso o retorno sobre o investimento não se concretize con-forme esperado.

Senhoras e senhores, diante desse quadro de dificuldades precisamos buscar soluções alternativas que exijam menores custos e investimentos. Temos que na baixa temporada desviar um pouco o foco das praias e con-centrar mais nossa atenção nas outras atividades.

Temos um grande potencial turístico até agora muito mal aproveita-do. No entanto temos que vislumbrar um turismo não predatório para que no futuro continuemos a ter os mesmos recursos que hoje dispomos. Por isso temos que defender o desenvolvimento sustentável, aproveitando to-dos os aspectos disponíveis, sejam eles Geográficos, Históricos, Culturais, além de outros como o Agronegócio, os Negócios Industriais, Urbanos e muitos outros que precisamos mapear e estudar de modo que desaguem num Planejamento Estratégico e em futuras medidas de sua execução.

Sei que não preciso ensinar ninguém a fazer negócios, assunto que todos aqui conhecem muito bem e cuja problemática e ferrenha luta cer-tamente faz parte do dia a dia de cada um, para não falar das dificuldades financeiras que todos têm enfrentado para manterem seus negócios com as portas abertas em função da baixa temporada. No entanto vale a pena expor alguns dados concretos da nossa realidade, para que nos nivelemos e falemos a mesma linguagem.

Senhores e senhoras, penso que não seria exagero dizer que em deter-minados momentos da baixa temporada a situação é desesperadora. Mui-tas vezes temos que utilizar o nosso capital de giro ou até mesmo vender algum bem para manter o negócio funcionando, ou seja, estamos descapi-talizando a empresa, o que é o primeiro passo para a derrocada.

É muito arriscado pegar um financiamento a juros muito altos para pagar dívidas sem ter um prognóstico seguro a respeito da futura entrada de recursos que cobrirá essa dívida feita para pagar outras, o que leva a novos empréstimos e não raramente conduz a insolvência.

Temos que ter uma contabilidade de custos eficiente para sabermos exatamente quais são, de que natureza, o que pode ou o que não pode ser cortado sem comprometer o bom andamento dos negócios. Muitas vezes pensamos que a propaganda é um gasto supérfluo e que empregar mão de obra no controle também o é e às vezes a cortamos. Isso pode prejudicar muito mais.

É claro que em prol do lucro temos que cortar custos, mas sabemos também que para evoluir e manter a receita tem que conquistar mais clien-tes e manter os que já nos conhecem e oferecer-lhes preços atrativos.

Em nossos negócios temos que ter a noção exata dos nossos custos fixos e variáveis para inclusive conseguir definir a viabilidade do seu fun-cionamento. No ramo de hotelaria aqui no Brasil, por exemplo, estudos es-pecializados indicam que 70% dos custos são fixos. Nesses estão incluídos o IPTU, depreciação, seguros e salários administrativos que não dependem da taxa de ocupação.

Muitos outros custos num hotel se mantem constantes com os apar-tamentos vazios devido aos serviços de manutenção, higiene e limpeza.

Não podemos nos esquecer também que temos que repassar ao fisco

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bastante coordenação e apoio do setor público e privado e das comunida-des de bairro, estudantis, esportivas e religiosas.

É necessário um planejamento estratégico e a constituição de grupos de trabalho para colher dados, concatená-los, mapear tudo, confeccionar uma agenda turística com o apoio das secretarias municipais das prefeitu-ras da região e o envolvimento da rede hoteleira, das empresas de transpor-tes oficiais e alternativos, das empresas de bares, restaurantes, lanchonetes e quem mais se interessar.

Precisamos preparar pessoal para ser guias turístico, palestrantes e todo pessoal em geral que precisa servir melhor ao turista, que sendo bem tratado e levando boa impressão certamente retornará e trará outros, fazen-do também uma propaganda positiva da nossa acolhida.

Sei que no momento a situação é difícil e que a cada baixa tempo-rada que ocorre parece piorar, mas é hora de reagir, de darmos as mãos e reverter essa situação.

Passo a palavra para o próximo palestrante que se inscreveu. Muito obrigado pela atenção. Palmas

- Senhoras e senhores Quero agradecer às palavras ditas, que foram bastante esclarecedoras e incentivadoras. Proponho que façamos agora um micro laboratório conosco mesmo nos dividindo em pequenos grupos afins e comecemos fazendo uma lista das coisas que foram ditas e melhor se encaixam em nossas atividades, analisemos e discutamos por alguns mi-nutos e depois apresentemos em plenário os resultados de cada grupo, que elegerá seu representante para expor.

Assim, formaram grupinhos com empresários de grande, médio e pequeno porte, juntaram cada um deles um punhado de ideias e discuti-ram bastante. Elegeram seus representantes que apresentaram os resultados em plenário e todos ficaram satisfeitos e empolgados com os resultados. Agendaram nova reunião para daí a 30 dias.

- Um desses grupinhos ficou com certo desconforto pela ideia do longo prazo de maturação das medidas expostas. Discutiram mais um pou-co e resolveram marcar secretamente para o dia seguinte uma reunião fora dali, para discutir mais e colocar imediatamente em prática uma ideia sur-

A primeira vista pode parecer algo hipotético, infactível, vazio ou até mesmo inexequível, mas isso é uma realidade em muitos locais do Brasil e do mundo e se começarmos a listar e considerar cada um deles, veremos que aqui também temos condições de desenvolver. Examinemos:

Turismo Ecológico: podemos organizar caminhadas, trilhas, visitas orientadas e monitoradas às áreas de preservação ambiental e até projetos ambientais específicos.

Podemos promover e valorizar a pesca rural em tanques especial-mente mantidos para exploração comercial e promover visitas a fazendas de criação de peixes, camarões e outros de pesquisa e desenvolvimento. Passeios a cavalo e de bicicletas são excelentes para quem quer relaxar sem a monotonia de ficar parados.

Eventos como festas do vinho, de frutas, do mel, de culinária inte-riorana costumam ser uma excelente atração.

Eventos esportivos diversos, escolares, amadores e profissionais são uma ótima atração.

Eventos artísticos diversos costumam atrair muita gente disposta a gastar e se divertir.

Feiras livres de artesanato de diversas especialidades costumam ser muito interessantes.

Sei que algumas dessas atividades são de curtíssima duração, mas o que importa é o conjunto delas, acontecendo em datas diferenciadas ou conjuntas conforme a conveniência.

O folclore da nossa região é muito rico, cheio de danças, canções e muitas lendas que também podem ser exploradas, dentro dos limites da legalidade. Sobre essas, chamo a atenção. Outro dia dando uma volta pela cidade e seus arredores tentado captar dados para ajudar a alavancar nossos negócios deparei-me em alguns botecos com grupos de turistas que paga-vam para alguns nativos contarem sobre essas lendas o que conseguiam após desinibi-los à custa de muita bebida. Essa predisposição mostra o po-tencial que existe e que se tiver um planejamento e for desenvolvido pode render bons resultados.

Pelo que as senhoras e senhores podem ver as oportunidades exis-tem, mas é um trabalho gigantesco que não é possível fazer sozinho e exige

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Capítulo 3

As Estórias Locais

Um grupinho de turistas estava hospedado num hotel em Guarapari aproveitando os preços atrativos dos hotéis na baixa temporada para curtir uma bela praia, afinal nessa região, em algumas horas do dia, é como se fosse o verão, exceto se houver vento sul. Assim, o movimento era bom, apesar de não ser período de férias. Era o que salvava a situação dos comer-ciantes e hoteleiros.

Como o atrativo principal da região eram as praias e as férias esco-lares coincidem com o verão, muita gente faz o possível para tirar as férias do trabalho nesse período para facilitar as coisas e toda a família entra de férias, indo em busca das praias e a tranquilidade.

Ultimamente o turismo de negócios havia aumentado bastante de-vido à presença dos grandes projetos industriais, mas esse ainda era fraco. Mas esse vinte por cento que tirava férias na baixa temporada era o que realmente mantilha os negócios com as portas abertas e segurava uma parte dos empregos.

Na falta de um programa melhor de passeios e visitas a pontos turís-ticos a atração acabava mesmo sendo os bares e a grande pergunta do dia era: onde vamos beber nesta tarde?

Assim o grupinho de turistas do hotel foi parar num bar meio afas-tado do centro, num bairro pobre próximo a uma praia. Lá encontraram alguns pescadores contadores de estórias. Aliás essas estórias de pescador são bastante afamadas pela sua falta de compromisso com a verdade e seus polpudos acréscimos. Isso acontece em todos os recantos do Brasil e ali não fugiria à regra.

gida ali, fazendo uma espécie de grupo de atividades paralelas.- A Reunião acabou e saíram todos para suas casas, exceto os seis des-

se grupinho que resolveram arrematar a noite nos fundos de um botequim e aproveitar para arquitetar seus planos.

- Claro que seus planos eram imediatistas. Queriam os resultados para ontem, como se diz no linguajar popular. Começaram a trabalhar para colocar em ação um plano mirabolante, explorando uma lenda da região. O objetivo era atrair pelo menos algumas caravanas de turistas para aliviar a situação desesperadora que muitos já estavam passando naquela baixa temporada. Essa, a cada ano que passava parecia ficar pior que a anterior.

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lhadas por vários lugares e um enorme rastro de destruição do patrimônio histórico.

Ainda segundo consta dos relatos antigos, uma violenta tempestade teria feito rolar do morro uma enorme pedra que teria caído exatamente na boca do túnel selando-o para sempre, o que foi tomado como um aviso do além para que desistissem da ambiciosa ideia e rapidamente se tornou uma espécie de maldição que assustava muito a mente supersticiosa do povo, sendo uma espécie de freio a sua ganância. Não raramente essas explora-ções terminavam em tragédias como acidentes fatais, disputas pela posse de algo supostamente de valor ou de posse de uma posição no local a ser explorado, supostamente mais vantajoso ou com maior probabilidade de encontrar algo. Isso quase sempre gerava ações violentas culminando em assassinatos, perseguições e coisas do gênero.

Na verdade, seu Mané repetia uma história muito antiga que depois de devidamente aumentada e distorcida tornara-se lenda. Por mais impro-vável que fosse aquilo, divertia muito os turistas que o regavam com gene-rosas doses de cachaça e o recompensavam regiamente pelo divertimento proporcionado e ele é claro, não queria outra vida.

Estórias do seu Carlos:Seu Carlos era um pescador que se estabelecera por ali recentemente

e morava num bairro da região litorânea. Apesar de pobre tinha uma casa melhor que a dos pescadores nativos da região e era também alfabetizado, sabendo ler e escrever razoavelmente. A respeito de sua história, procedên-cia e origem familiar se sabia muito pouco na região, mas já estava bem ambientado por ali e como todos os pescadores da região não dispensava uma pinga e via de regra sempre exagerava sua larga bitola. Quando bebia demais começava a misturar as estórias, que se tornavam cada vez mais fantasiosas.

Seu Carlos contou várias histórias sobre antigos navios naufragados na região com riquezas incalculáveis. Na verdade, sabia dizer o que gos-tariam de ouvir e não perdia a oportunidade de estimular-lhes as mentes

Estórias do seu Mané:Seu Mané, um pescador meio franzino, mestiço de pele parda e

queimada de sol, já andava aí pela casa dos 65 anos, mais de cinquenta dedicado à pesca. Morava num casebre não muito longe dali um mocam-bo coberto de palhas e chão de barro batido. Vivia naquela habitação há muitos anos e a essa altura já possuía alguns netos, dois dos quais moravam com ele, juntamente com a mãe, precocemente viúva.

Seu Mané após algumas doses de cachaça pagas pelos turistas, contou sobre uma conhecida lenda da região, de que haveria um túnel construído pelos jesuítas e os índios, ligando a antiga igreja e o morro conhecido como Atalaia que seria provavelmente uma rota de fuga onde teriam escondido próximo a sua boca um tesouro, pouco antes da época de sua expulsão do Brasil. Conforme a lenda eles nunca deixavam moedas e objetos sacros feitos de ouro e outros utensílios de valor dentro de suas habitações por-que sempre eram assaltados por corsários que em suas pilhagens ficavam decepcionados com sua pobreza e utensílios toscos de madeira, flandres e outros materiais sem valor comercial. Isso às vezes também saía caro, pois pensando que estavam escondendo e não querendo revelar, ou até mesmo por revolta, os matavam barbaramente.

Na verdade, sempre enterravam em locais distantes de suas habi-tações, mas acessíveis mediante túneis que também serviam de rotas de fuga. Esses sempre iniciavam em cômodos subterrâneos convenientemente camuflados. Esses túneis geralmente saíam numa gruta próximo ao mar ou rios também devidamente camuflados. Isso facilitava enormemente a saída para alguma viagem de emergência para levar alguma mensagem a outros postos distantes, longe de olhos curiosos ou vigilantes. Poderia servir para apanhar água ou víveres caso fossem sitiados e também servia de saída de emergência em caso de ataques inesperados. Tudo isso fazia parte de sua estratégia de segurança e técnicas de sobrevivência.

Segundo uma conhecida história, logo que a possibilidade de haver um tesouro se tornou conhecida houve uma verdadeira “corrida do ouro” e a região ficou infestada de aventureiros interessados em ficarem ricos da noite para o dia. Como consequência deixaram muitas escavações espa-

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chacinha no botequim quando um pequeno grupo de turistas, três casais, o abordou com algumas perguntas sobre a região. Ele, inicialmente meio acanhado, ficava cada vez mais loquaz quando ingeria mais uma bebida que lhe pagavam. Acabou contando entre muitas estórias fantasiosas, so-bre uma lenda bastante difundida na região de que na lagoa de Maim-bá, sempre muito serena, algumas vezes ocorria de uma hora para outra uma agitação incomum nas águas e que passados alguns minutos voltava a acalmar-se e ficar tranquila como sempre, sem que ninguém até hoje tives-se explicado exatamente a causa, apenas algumas conjecturas. Para alguns havia a possibilidade de emanação turbulenta de gases, outros, que poderia haver pequenos tremores de terra localizados. Não faltavam também coisas do imaginário popular como monstros habitantes da lagoa, cada um des-crevendo da forma mais grotesca possível segundo seus medos.

O que arrancava gostosas gargalhadas dos membros do grupo era a mímica que seu Zé executava, com toda a sorte de caretas, expressões corporais, onomatopeias que inventava, produzindo diferentes roncos e chiados quando contava cada parte.

Aquilo era realmente divertido. Tinham vontade de pagar-lhe cada vez mais bebida para ele ficar mais animado e contar mais. Enfim em de-terminado ponto se contiveram, com medo de levar-lhe rápido ao coma alcoólico, o que dificilmente aconteceria a alguém como ele que parecia ter sido amamentado com pinga quando bebê. Mas pararam.

Findo aquele tempo os turistas foram embora satisfeitos com o di-vertimento, depois de lhe darem algum agrado em espécie.

Já meio grogue seu Zé ou Zé do monstro, conforme já o estavam chamando, também seguiu o caminho de casa satisfeito com o seu desem-penho naquele showzinho particular, achando mesmo interessante aquela maneira divertida de ganhar a vida divertindo os outros. Além de beber de graça ainda poderia complementar o curto dinheirinho obtido com a pescaria cada dia mais escassa. Era só ir à tardinha ao boteco, dar atenção aos turistas, contar as estórias que sabia, aumentá-las um pouco, inventar outras e pronto. O resto ficava por conta da sua capacidade artística, com expressões corporais e toda a dramaticidade. Aliás para um sujeito de pou-ca instrução como ele que mal assinava o nome e soletrava algumas frases,

cobiçosas. Um desses casos, fora da lista dos conhecidos atualmente, seria um

dos mais antigos naufrágios, da época do Brasil colonial, um galeão por-tuguês que teria partido do porto de Paraty no estado do Rio de Janeiro, trazendo um enorme carregamento de barras de ouro procedente de fundi-ções oficiais do governo Português na região de Minas Gerais, numa tropa de burros que fazia regularmente a trilha dessa região até Paraty. Segundo sua estória seriam várias caixas de madeira forrada com lâminas de bronze, repletas de lingotes de ouro de cerca de 250 gramas cada um, todos com uma numeração de controle da alfândega da época, exceto algumas em caixas marcadas e identificadas em código que seriam provavelmente clan-destinas que caracterizavam um descaminho, comentados à boca pequena na época.

Além desse, uma enorme lista de outros menos antigos da época da navegação por cabotagem em toda a costa do Brasil e até alguns cargueiros mais recentes, afundados acidentalmente ou até propositadamente depois de liquidação judicial, pagamentos de seguros e outros trâmites, cujo des-tino proposto era servir de abrigo a seres marinhos e estímulo ao turismo focado em mergulhos e explorações subaquáticas.

A parte verdadeira de tudo isso é que existem registros oficiais de muitos naufrágios, sendo que mais da metade nunca foram encontrados ou tiveram ao menos determinados com exatidão o ponto de afundamen-to, sem falar que as correntes marinhas poderiam ter mudado as posições antes que ficassem firmemente fundeados.

Verdade ou não, o fato é que os turistas adoravam aquelas estórias, especialmente alguns que pareciam esbugalhar os olhos brilhantes que pa-reciam exibir enormes cifrões. Claro a possibilidade de ficar rico sem muito esforço seduzia muita gente. Enfim era o que gostariam de ouvir. O fato é que muita gente já andou bisbilhotando por lá e que já andaram até ten-tando retirar alguma coisa, apesar de ser ilegal.

Estórias do seu Zé:Seu Zé, um simples pescador da região tomava sua tradicional ca-

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se manifestado. Não tardou muito para que fosse contatado e convidado a comparecer numa certa reunião com empresários da região.

Aquelas estórias absurdas e fantasiosas e talvez por isso tremenda-mente engraçadas, que se espalhavam rápido como o vento, que caia no gosto popular e era assunto de todas as conversas, eram geralmente obra de algum gozador que se divertia muito com isso, ou alguém em adianta-do estado de alcoolismo que jurava ter visto algo ou alguns oportunistas que usariam aquilo como atração para ganhar dinheiro. O fato é que não passaria de uma inocente brincadeira que seria totalmente inócua se não fugisse ao controle e não começasse a produzir efeitos secundários sérios e até mesmo desastrosos. Assim os autores dessas estórias e de sua propaga-ção não imaginavam que seriam responsáveis até mesmo por desgraças e um clima de insegurança que acabava se voltando contra ele mesmo e sua família. Sem falar que o serviço público também vai saturando e perde a capacidade de atendê-lo melhor. Mas, paciência. A situação era crítica e alguém tinha que fazer algo.

estava ficando bom nessa arte por intuição natural, sem nunca ter tido qualquer tipo de contato com alguém versado no assunto que o ajudasse.

Mas não foram só aqueles turistas que ouviram interessados. O pú-blico rapidamente cresceu em volta daquele grupinho, muito curiosos, atraídos pela fala em voz alta do bêbado e das risadas dos turistas. No meio destes um homem de negócios louco por uma ideia capaz de ajudar a resol-ver algumas dificuldades que os negócios enfrentavam na baixa temporada. Era um daqueles, participante do tal grupinho daquela reunião. Conforme seus cálculos, na parte de hotelaria, um dos seus ramos de negócio, uma taxa de ocupação hoteleira abaixo de vinte por cento tornava o negócio inviável porque os custos fixos ficavam proporcionalmente muito elevados e para manter as portas abertas e o mínimo de empregos, era necessário de-sembolsar sem ganhar, até começar a nova temporada o que representava a descapitalização da empresa e um primeiro passo para a concordata ou até mesmo falência se as coisas piorassem um pouco mais. Tudo isso sem falar num efeito cascata, ou seja: se vem menos visitantes, menor quantidade de recursos é injetada na economia local. Os hotéis e bares deixando de refa-zer seus estoques o comercio atacadista não vende e o varejista vendendo muito menos também capta menos dinheiro. Uma das primeiras conse-quências é a redução drástica de empregos, que a seguir faz com que as pessoas tenham menos dinheiro para gastar e diminui a quantidade deste em circulação, ou seja, como diz a expressão popular era uma bola de neve. Qualquer um que entendesse um pouco de negócios sabia que não era exagero afirmar que em determinadas épocas a situação era desesperadora.

Como ele, muitos homens de negócios da região que ele conhecia poderiam gostar muito e embarcar naquelas ideias que lhe estavam ocor-rendo e não seria difícil juntar todos os interessados para discutirem a fun-do e bolar algo substancial, um plano concreto e bem organizado com a participação de todos, que na verdade eram muitos. Saiu dali animado e disposto a colocar em prática tudo aquilo.

O dono do bar possivelmente também estaria sintonizado naquela ideia de criar atrativos para a baixa temporada, embora também não tivesse

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Capítulo 4

Boato sobre a existência de monstros na lagoa de Maimbá

O boato é um artifício curioso. É impessoal, irresponsabilizável e embora não haja compromisso algum com a verdade, atua como se fosse. Por outra, é contagioso. Também cresce estupidamente e se espalha veloz-mente, como nuvens de fumaça ao vento. Felizmente, a memória do povo é curta, como diz o ditado popular. Assim, vai arrefecendo com o passar do tempo e substituição por fatos e fofocas mais recentes. No fim das contas, ninguém sabe como surgiu, quem disse, como foi, em que circunstâncias, o local exato, ou quaisquer outros dados que deem substância e confira o status de Fato.

Se tudo ficasse por aí, não haveria problema algum. As pessoas fa-lariam, comentariam, acrescentariam, fantasiariam e esses próprios incre-mentos acabariam, maculando sua veracidade até o pretenso caso ficar sem importância. O problema não é o boato em si. Na verdade a preocupação mesmo é com indústria do boato, cuja índole é sempre pérfida, perversa e não raramente dolosa, na medida em que prevê os resultados que espera conseguir, sempre com a intenção de encher os bolsos de alguns em detri-mento do de muitos. Isso acaba às vezes virando caso de polícia, principal-mente quando as coisas fogem ao controle e o número de aproveitadores se multiplica, até porque de metidos a espertos esse mundo anda cheio. Esse caso não fugiu à regra: Virou caso de polícia e foi intitulado pelos investigadores da delegacia como “ o Monstro da Lagoa”. Começaram prendendo para averiguação alguns vagabundos desconhecidos na cidade que estavam supostamente envolvidos com algum delito relacionado ao

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atenção.- De certa forma sim. São acessórios ou complementos artísticos,

doutor. - Sei. E na certa rola também um “baseadozinho”, uma “Loló”.

Quem sabe não haja até armas para a pretensa defesa. - Não doutor. Eu sou um cidadão de bem.- É o que todos dizem. Mas então vamos lá. Vai esvaziando a mochi-

la aí e tratando de explicar direitinho cada peça dos seus apetrechos.- Vou retirar tudo e colocar lado a lado. Em seguida falo tudo.- Eu não disse. Há muitos estoques de aço com cabos de madeira e

plástico. Tudo material perfuro cortante. - Não doutor, são ferramentas de trabalho.- Ah! Boa saída. Mas e esses potes e vidrinhos aí?- São colas para os adereços, algumas tintas, diluentes e materiais de

limpeza.- Claro, uma oficina ambulante. Mas segundo suas palavras a sua

profissão é Serígrafo. Que eu saiba todo esse ferramental não tem nada a ver com a Serigrafia. Onde é que ela se encaixa na sua história? Pelo visto você só revende.

- Não doutor. Eu só compro as camisas de malha branca, faço a es-tampa conforme o tema.

- Ah sim! Chegamos ao ponto. Fala aí sobre essa tal de estampa.- São desenhos das coisas mais atuais, que estão na moda, e tal.- Não tente enrolar cara. Eu quero saber especificamente sobre isso

aqui.

Falou mostrando umas camisetas de malha com uns desenhos estra-nhos. Era algum tipo de monstro, porém nada igual aos que se viam na televisão, segundo os investigadores. O cara estava encrencado. O delegado sabia muito mais do que ele imaginava e não adiantava nada ficar escon-dendo.

- Sim doutor. É um tema atual. Na rua só falam disso.- Rua não fala, cara. Vai logo dando o serviço aí. Você ouviu de

quem?

boato e intimando alguns elementos, até conhecidos na cidade para prestar depoimentos e esclarecer alguns pontos.

Mandem entrar esse meliante. Vamos interroga-lo.- Como é que é vagabundo! Vai logo abrindo o bico aí sobre o que

eu perguntar, senão você está encrencado. - Puxa vida doutor. Eu não sou vagabundo. Será que eu tenho que

ser discriminado só por ser pobre e mal vestido?- Cuidado com o que fala, senão te prendo por desacato a autorida-

de. Mas a propósito, qual é o seu nome, de onde veio, o que faz aqui e qual a sua profissão?

O cara era metido a esperto, sangue frio, criativo e mais liso do que muçum ensaboado, só para usar a expressão vulgarmente conhecida. Nin-guém conseguia facilmente segurá-lo, mas ali, fragilizado, em terra estra-nha, vestido de andrajos, cabeleira espessa e esguedelhada, cheio daqueles penduricalhos e com aquele dilúvio de perguntas, era mesmo difícil de segurar as pontas. O jeito era manter a calma e quando falar, fazer força para ser firme e não gaguejar. Além de tudo, medir as palavras, ante as provocações que já percebeu que haveria.

- Meu nome é José da Silva e sou do subúrbio da zona norte Carioca.- Mas não é assim que te chamaram na rua.- Sim doutor. Me chamam de Zé Estampa, por causa do meu prin-

cipal produto.- Que produto é esse? Tem algo a ver com sua profissão? Espero que

não seja nada pornográfico nem entorpecente.- Eu sou um artista popular. Faço Serigrafia em Malhas com as es-

tampas que eu mesmo crio.- Boa saída. Mas e aquele monte de bugigangas e penduricalhos,

também são “Obras de Arte”?Ih! Era bom tomar cuidado. O delegado estava muito mais informa-

do do que ele imaginava de início. Já haviam dado a ficha completa sobre ele. Logo iriam revistar sua mochila e ele teria que explicar também sobre os instrumentos perfuro cortantes que usava para trabalhar e alguns pro-dutos como colas e de limpeza cujos solventes orgânicos logo chamariam

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- Puxa doutor eu não me lembro de nada disso.- Ah sim! Amnésia alcoólica. Mas talvez uns dias no xilindró o ajude

a refrescar a sua memória.- Pelo amor de Deus doutor. Se eu deixar de pescar e vender a famí-

lia passa fome. Agora mesmo os meninos estão esperando eu chegar com o pouco que consegui para comprar a farinha e mais alguma coisa para comer. O resto eu já nem falo, porque só tem dado mesmo para comer e mais nada.

O delegado se comoveu com aquele estado de penúria do pescador, que na verdade não era o único miserável na região. Mas, tinha que fazer a sua parte e cumprir o seu dever profissional.

- Mais um motivo pra você ir logo abrindo o bico. Mas eu vou te ajudar fazendo umas perguntas simples e diretas: quem mandou você es-palhar essas estórias?

- Ninguém doutor. Eu juro pela minha mãe mortinha.- Pensa que eu sou idiota, zé. Eu sei que sua mãe já morreu há alguns

anos.- Maneira de dizer doutor. Mas eu juro então pela alma da minha

santa mãezinha. Ninguém me mandou. Eu conto porque os turistas me chamam para isso e me pagam bebidas. Eu pego as estórias da região e mais algumas coisas que eles gostariam de ouvir e aproveito para exercitar a minha arte: faço caretas, pequenos saltos, rugidos, roncos e tal. Eles se divertem muito. No fim ainda me dão algum dinheirinho para me ajudar. Se não fosse isso a gente ia até passar necessidade, porque os peixes estão minguando a cada dia que passa.

- Olha só. O cara ta se achando! Agora além de cachaceiro e menti-roso também quer dar uma de artista.

- É o jeito né doutor. Cada um se vira como pode pra sustentar a fa-mília. Eu não tenho estudo, não sei fazer mais nada além de pescar, os pei-xes tão sumindo. Aí eu descobri que quando tomo umazinha perco o medo de falar em público e consigo representar, apesar de nunca ter aprendido nada sobre isso. Acho que é um dom. De qualquer modo, tem servido.

- Só o conheço de vista doutor. É figura conhecida na cidade, um tal de zé pescador, ou zé pinguinha. Mas o pessoal de fora o chamam de zé do Monstro. Ele conta umas estórias meio fantasiosas sobre um tal monstro que mora no fundo de uma lagoa chamada de Maimbá, há poucos quilô-metros daqui. Segundo diz, o tal monstro sai à noite para se alimentar no mar, porque a lagoa já está pobre de peixes. Fica muito aborrecido quando vê alguém e pode até atacar as pessoas. Aproveito as estórias para transfor-má-las em imagens e as imprimo nas camisas. Como é tema da moda, todo mundo de fora compra.

- Eu sabia. Tinha que ter mais um safado metido nessa história. Esse tal de zé do monstro é que é o pivô da confusão. É um cachaceiro invete-rado que quando está de cara cheia inventa essas estórias descabidas. Mas não é só a cachaça. Pelo visto, quando ainda está sóbrio, se é que este estado ainda existe nele, faz questão de beber para desinibir e contar essas lendas que existem por aí, devidamente aumentadas e mais algumas invenções que os turistas gostariam de ouvir. Claro, além de beber de graça ainda deve estar levando um por fora. Pura malandragem.

- E então doutor: estou liberado?- Pode ir, mas fique a disposição da polícia, para novos esclarecimen-

tos, caso seja necessário.- Jorge, manda alguém buscar esse tal de zé do monstro. Pelo visto ele

não é o único. Deve haver outros contadores de estórias. Se interrogarmos a todos, chegaremos em outras pessoas até então fora de suspeitas. E olhe lá se não tem gente graúda metida nisso. A questão é saber quanto estão levando para armar toda essa confusão. De graça é que ninguém faz nada.

Os investigadores foram procura-lo logo na parte da manhã. Depois que o tal zé acabou de vender os poucos peixes que tinha, abordaram-no e o convidaram para comparecer à delegacia para conversar com o doutor delegado. Ele tremeu na base. Não se lembrava de ter feito nada errado, mas nunca se sabe do que os outros falam.

- Bom dia doutor.- Bom dia coisa nenhuma. Que negócio é esse de você estar venden-

do essas histórias de monstro da lagoa para os turistas?

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juntando cada vez mais gente, todos terão uma boa desculpa.Deu uma passada por lá à noite, bem disfarçado, mas não encontrou

ninguém digno de nota. Só fósforo sem cabeça como diz o dito popular. Provavelmente os graúdos, se é que haviam, estiveram nas primeiras vezes e agora haveria no máximo olheiros.

Mas pelo visto aquela estória do monstro da lagoa tinha ido longe demais e o seu faro de bom policial lhe indicava que ainda poderiam ter problemas mais graves. Na verdade a encrenca poderia estar só começando.

Sobre a lagoaÉ situada às margens da Rodovia do Sol, entre os balneários de

Meaipe, ao Norte e o complexo portuário de Ubú, ao Sul, coordenadas 20º45’19’ S e 46º34’29’’ W, na divisa dos municípios de Guarapari e An-chieta..

Possui uma área de 7 Km², mas sua bacia de drenagem é de 36,5 Km².

Na bacia da Lagoa de Maimbá, desaguam pequenos córregos, inter-mitentes, conforme influência da precipitação pluviométrica.

As águas da Lagoa são também utilizadas como receptoras e diluido-ras dos efluentes domésticos e industriais, por receberem águas residuais de uma mineradora, próxima. Também recebe águas pluviais de toda a região que compreende sua bacia hidrográfica.

Os tipos de solos encontrados na bacia da lagoa de Maimbá são predominantemente dos tipos Latossolos e Areias Quartzosas Marinhas.

A temperatura média anual é em torno de 23 a 24°C, sendo o mês mais quente o de Fevereiro e o mais frio o de Julho, ficando sua amplitude térmica em torno de 5°C.

O regime de ventos, durante a maior parte do ano ocorre da seguinte forma: Com o tempo bom é predominantemente Nordeste, principalmen-te no Verão. Esses vêm do oceano Atlântico, devido as massas aquecidas, Tropical Atlântica e Equatorial Atlântica. Com mau tempo e principal-

- Ta bom zé. Eu já entendi. Mas me responda mais uma pra ir em-bora: Além dos turistas, havia mais alguém da cidade?

- Só o dono do bar e a mulher dele. Mas o movimento é tão grande que eles nem prestam atenção em nada. Mal dão conta de atender o pes-soal de fora. Passam por mim como se eu nem existisse. Para eles sou só um bêbado sem importância. Ainda me olham de banda no final da noite, quando já encheram a gaveta de dinheiro. Parecem que ficam de olho no pouco que os turistas me deram. Ficam doidos pra me verem pelas costas. Vou acabar indo beber em outro bar. Aí eu quero ver.

- Sim, já entendi essa parte. Mas eu quero saber das outras pessoas da cidade, além dos donos do bar.

- Olha doutor, sinceramente se havia alguém eu não percebi. O bo-tequim estava cheio demais e eu estava concentrado nos turistas e nas suas reações ao meu trabalho, pra saber se estava agradando ou se precisava carregar mais nesse ou naquele efeito ou expressão.

- Entendi. Puxa zé, para alguém sem instrução e que nunca ouviu falar em arte dramática, você tá ficando bom nisso hein!

- Eu nem sei o que é isso, mas se é o senhor que está dizendo, estou mesmo.

Risos de todos os presentes.

- Tá liberado zé. Pode ir. Mas fique a disposição se eu precisar de mais informações.

- Pode representar doutor? Afinal faltam poucas horas. Tenho que ir pra casa comer alguma coisa e pensar na encenação.

- Pode zé. É só não arrumar confusão com as suas bebedeiras.- Sem problemas doutor. Se tiver tempo apareça por lá.- Ok zé. Pode ir.

Olha só o cara aí! Já se assume como artista e ainda me convida para o seu showzinho. Até que não é má ideia. Mas tenho que ir disfarçado, porque se desconfiam que a polícia está na cola deles dão logo um jeito de escapar. Ou talvez não. Como o show do zé já está ficando conhecido e

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Capítulo 5

Cadáver boiando no mar com marcas estranhas

Certa manhã, um fato causou rebuliço na cidade e nos botequins da periferia, não se falava de outra coisa: Um cadáver aparecera boiando no mar e já estava bem próximo da praia, pelo efeito das ondas que o em-purravam, quando a polícia foi avisada e o corpo foi recolhido ao Instituto Médico Legal.

Isso era de certa forma comum, quando algum banhista, pescador de ocasião ou mergulhador morria afogado, passava mal ou sofria algum tipo de acidente. Mas esse caso era diferente: O cadáver apresentava muitas marcas estranhas por várias partes do corpo.

Nas vilas de pescadores, a preocupação também era geral e alguns já estavam até temerosos de sair mar adentro e ser atacado por algum tipo desconhecido de animal de grande porte ou algum tipo de monstro sobre o qual todos comentavam, mas, ninguém sabia exatamente o que era, seu tamanho aproximado, com que era parecido, como agia, se só atacava por-que ficava irritado com a presença estranha ou se era carnívoro e é claro se a carne humana fazia parte de sua dieta.

O jeito era esperar que o laudo do Instituto Médico Legal chegasse, a Polícia Técnica o analisasse, direcionasse a investigação paro o rumo certo e finalmente concluísse algo importante. Quem sabe, ouros fatos encontra-dos pelos investigadores da polícia local de alguma forma se conectassem com os da polícia técnica e construísse uma história, que se devidamente desenvolvida culminaria com a solução do caso.

Foi isso que acabou acontecendo, de fato. Primeiramente, pelo es-

mente no inverno o vento predominante é o Sudoeste que é influenciado pela Massa Polar Antártica.

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vida desandou, até que sumiu de vez. Pelo que tudo indicava o corpo en-contrado seria o dele.

O caso não parou por aí. Isso era só a metade, que evoluiu para outro, provavelmente por interesses escusos de alguém ou algum grupo de pessoas.

Houve uma tentativa de desfiguração do rosto e a produção de mar-cas características no corpo para produzir a ideia de que o corpo fora ata-cado por algum animal marinho de grande porte, algum tipo de monstro.

No entanto o laudo do IML foi taxativo. Onde havia cortes simé-tricos, como se fossem produzidos pelo arrastar de garras afiadas, a con-clusão foi outra: “Cortes simétricos produzidos por instrumentos perfuro cortantes, com profundidade máxima de 10mm”, além de outros detalhes. A análise química dos tecidos no interior das cavidades dos ferimentos mostrava a presença de Ferro e outros componentes do aço. Assim, o tal instrumento perfuro cortante poderia ser uma ferramenta agrícola como ancinho ou rastelo, utilizado em hortas e jardins ou outro parecido. Por-tanto, haveriam três crimes: Homicídio qualificado por tais e quais moti-vos e ocultação e vilipêndio ao cadáver.

Finalmente, aquela história de animais de grande porte e mostro ma-rinho não tinha fundamento algum e essa hipótese ficava terminantemente afastada, para a decepção e total preocupação de seus autores, temerosos de que no fim da história fossem descobertos.

A partir daí o efeito boato se comportou de modo inverso: parada total, como se alguém tivesse pisado bruscamente num freio. Ninguém mais comentava, ninguém viu nada, ninguém sabia de nada, nem ouvira ao menos alguém falar. Era como se o negro véu do silêncio tivesse enco-berto o caso. Até mesmo os investigadores começaram a ter dificuldades para levantar mais dados. De uma hora para outra, sumiram todos, os fre-quentadores dos botequins começaram a se resguardar, evitar comentários espúrios, principalmente com estranhos, desconversar, desviar assuntos que pudessem chegar a algum tipo de especulação e principalmente tentar se dispersar ou se desviar de investigadores policiais conhecidos.

Mas, para investigadores policiais experientes, todo esse resguardo era sintomático. Em outras palavras, significava que o segundo crime de

tado do corpo, foi possível determinar que a morte não ocorrera no mar. Não havia a presença de água nos pulmões, o que afastava a hipótese e de afogamento. Na verdade a conclusão a que se chegou foi que a morte ocorrera dois dias antes e o cadáver fora desovado no mar, provavelmente de noite ou madrugada, usando barco de pesca ou de passeio. O exame dos tecidos das unhas não indicou tecidos estranhos ao do próprio corpo, nem os tendões foram muito forçados, nem os músculos estirados. Em suma: não indicava que houve luta antes da morte ocorrer. Os exames mostraram ainda, marcas fortes nos pulsos e nas costas, entre as regiões sacro e lombar, como se tivessem atado as mãos sobre as costas. Um Furo de bala, prova-velmente de pistola 9mm, na região da nuca, com o detalhe que o tiro foi dado a queima roupa, pois havia abundantes resíduos de pólvora, nos tecidos adjacentes ao ferimento. Esses sinais evidenciavam um caso claro de execução, o que de certa forma direcionava o caso e propiciava a com-paração com outros em tramitação na delegacia. Isso, ultimamente, era até comum na região, por causa de dívidas aos traficantes de drogas, disputa por pontos de distribuição e venda de drogas e outros produtos, vingança ou até mesmo queima de arquivo.

Mais tarde os investigadores descobriram que era um caso comum, mas tinha lá suas complexidades, pois o acontecimento estava relacionado a vários desses casos ao mesmo tempo. Houve um relato sobre um assas-sinato, onde misteriosamente o corpo sumira. Supunha-se que era de um sujeito conhecido pela alcunha de picuinha, talvez pela várias rixas que teve na região por motivos diversos. Ele conseguiu desagradar muita gente e se tornou mal afamado por causa de suas bebedeiras, desacatos, brigas, relacionamentos com mulheres comprometidas, frequentar jogatinas onde rolava grana alta e ele sempre perdia, adquirindo dívidas com gente perigo-sa e finalmente, uso e tráfico de drogas. Consta que teria vindo do interior do estado do Pará, onde teria trabalhado numa empresa empreiteira de obras industriais e que ao final da obra foi despedido e não conseguiu ser recontratado para as próximas obras em outros estados e até exterior. Sua terra natal, ninguém sabia. Sobre ele, era Anacléscio de tal e nem ao menos sabiam se o nome era falso. Segundo corria a boca pequena, teria vindo à cata de emprego, o que não conseguiu. Acabou caindo em desgraça e sua

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Capítulo 6

Problemas ambientais lixões irregulares e retirada de areia

Delegacia de polícia: Um dia cheio, uma noite infernal e uma ma-drugada estafante. Essa era a realidade que as delegacias de polícia já esta-vam enfrentando. Eram como para-raios, onde se descarregavam todos os problemas da cidade. Esses ultimamente eram cada vez mais graves, mais complicados e mais frequentes. A situação já estava insuportável, muito acima da capacidade de atendimento das delegacias e dos policiais, que já enfrentavam sobrecarga de trabalho. As condições materiais há muito foram exauridas. A carceragem estava saturada, a superlotação desumana, várias viaturas quebradas, etc.

O telefone toca insistentemente. Estava todo mundo tão cansado e desanimado depois de uma noite em claro que ninguém tinha ânimo para se levantar da cadeira e atender. O delegado, já no auge do stress logo esbravejou: Será que ninguém tem coragem de atender esse maldito tele-fone não hein! Depois daquele “conselho” alguém foi lá atender e anotou o chamado.

- O que é dessa vez?- Doutor o pessoal da fiscalização ambiental está informando que há

alguém colocando lixo e tirando areia às margens da lagoa de Maimbá e estão pedindo sua ajuda lá.

- Era só o que me faltava, não bastasse esse monte de ocorrências e ainda aparece mais algum safado para encher o saco da gente. Vai você e mais outro numa viatura até lá e traz esse cara aqui para explicar que ne-

desova proposital e principalmente vilipêndio ao cadáver era movido cer-tamente por interesses escusos de alguém ou de um grupo de pessoas. Re-conheciam que as dificuldades aumentaram, mas, por outro lado se encon-trassem o fio da meada e o puxassem, certamente o tapete se desfaria por completo e o lixo varrido para baixo deste, apareceria inexoravelmente. Era só uma questão de persistência, dar tempo ao tempo e claro: ficar vigilante, ainda que não ostensivamente.

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com ele e explicar que não pode. Ele, além de se recusar a atender ainda desacatou e ameaçou todo mundo.

- Vamos logo para a delegacia moço e vê se não complica a situação que hoje não estou com muita paciência, se resistir a prisão será bem pior.

Diante de um argumento tão convincente ele foi sem problema, cal-mo e até temeroso.

- Que história é essa de você desacatar e ameaçar o pessoal da fisca-lização?

- Doutor, esse pessoal é muito atirado. A gente tá trabalhando para ganhar o pão de cada dia honestamente, sem pedir nem roubar nada de ninguém e esse pessoal fica perseguindo a gente.

- Você não sabia que era proibido jogar lixo próximo a lagoa? - Não doutor, pelo menos eu não vi nenhuma placa de proibição

por lá.- Claro deve ter arrancado a placa e jogado fora.- Mas não fui eu doutor.- É o que todos dizem. Mas e a areia. Você acha honesto roubar areia?- Não doutor, eu não roubei. Ali não é terreno particular.- Local público não quer dizer que é terra de ninguém. Também não

é particular seu.- Eu não sabia disso doutor e pensei que cinco carroças de areia não

iam fazer falta a ninguém.- Você também não sabe que é proibido tirar areia naquela área?- Também não sabia doutor e nem tem placa por lá.- Mas segundo consta o senhor foi advertido diversas vezes. Sabe que

além de preso pode ser multado em muito dinheiro?- Pelo amor de Deus doutor, eu estou desempregado e a família já

está passando necessidade. Hoje mesmo as crianças estão em casa com fome e não tem nada para comer.

- Que lástima, a miséria por aqui ainda afeta muita gente. - Me dá o nome das pessoas que mandaram jogar o lixo fora e das

que compraram areia.

gócio é esse.- Doutor, a viatura está enguiçada, não pega nem empurrada e o

combustível só dá para chegar até o posto, se não acabar antes.- Mais essa. Não é possível. Assim não dá. Vai lá chamar o Zé da

esquina, rápido.- Não é preciso doutor ele ainda está aqui na salinha VIP (Velho

inveterado pinguço).

Gargalhada geral.

- Deve estar acordando agora da carraspana de ontem.- Vai precisar de outra dose para rebater, disse outro. Nova gargalha-

da.- Que seria de nós sem o Zé da esquina. Conserta nossos carros qua-

se todos os dias. É um cachaceiro diplomado, mas ele bêbado dá de dez a zero nos outros sóbrios.

- E não cobra nada, né doutor. - É uma troca de favores, pelo menos não lhe cobramos a carcera-

gem.

Outra gargalhada.

- E ainda bem que o prendemos quase toda noite né doutor, senão ele já estaria morto depois das confusões que arruma quando bebe demais.

Outra gargalhada, já na presença do Zé da esquina que sorria con-cordando com aquilo e aceitando mais aquele serviço.

Resolveu rápido e ainda pegou uma carona até a oficina que ficava no quintal da sua casa uma vez que ficava mesmo no trajeto do atendimen-to da ocorrência.

- Que confusão é essa aqui hein?- É esse moço aqui, conhecido como o João da carroça que está colo-

cando lixo num lugar proibido e ainda está tirando areia. Fomos conversar

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- Doutor, eu não mandei.- Mandou sim que o pessoal da fiscalização viu e o lixo era seu.- Não doutor, eu paguei a um carroceiro para levar o lixo embora.

Onde ele coloca eu não tenho como saber.- Você é corresponsável. Segundo um jargão ambiental você é res-

ponsável do berço ao túmulo com respeito aos poluentes, ou seja, da gera-ção ao descarte. Se você mandar alguém jogar um poluente fora e aquilo causar algum problema ambiental você responde por isso.

- Mas eu não sabia doutor.- É o que todos dizem. Ninguém sabe de nada por aqui, talvez por

conveniência. E a areia? Certamente você também vai dizer que não sabia.- Juro que não doutor. Eu comprei areia da mão do carroceiro como

todo mundo compra por aqui. Onde ele pega ninguém pergunta. Não há como saber se tem origem legal.

- É claro que não. Todo mundo se finge de morto pra viver. No entanto é só pensar um pouco para saber que toda areia branca vem de restinga cuja área tem a retirada proibida.

- Mas doutor se for assim tem que acabar com a construção civil porque toda a areia que alguém comprar ou vender é ilegal.

- Não simplifique as coisas seu Jorge. Existe areia legal sim e é ótima para a construção, aquela obtida na dragagem de rios assoreados. Mas essa é mais cara por causa dos custos de produção, então preferem pegar quase de graça nos locais proibidos.

- Ah doutor, cinco carroças de areia uma vez na vida não causarão tanto mal assim.

- Nem é bem assim seu Jorge. O senhor já pensou se cada habitante da cidade resolve entornar três carroças de lixo e levar cinco carroças de areia por dia? Já viu a profundidade dos buracos que deixaram na restinga e a extensão deles? Já observou como os lixões a céu aberto crescem rápido e os problemas que causam?

- É doutor, na verdade nunca pensei nisso e garanto ao senhor que muita gente não pensou. Nesses termos acho que deveríamos reunir as pessoas em centros comunitários, igreja, escolas e tudo e promover pales-tras educativas, mas eu acho que isso também passa pelo setor público que

- Por favor, doutor eu não poso falar. Se cair na boca do povo que eu sou dedo duro nunca mais pego serviço.

- É, mais vai falar sim, senão vai em cana agora.- Então, por favor, doutor não diga que fui eu quem disse. E passou

o nome do último cara. Era seu Jorge, subgerente de um dos hotéis da região conhecido como Jorge do Hotel.

- Porque você não trabalha com outra coisa que não dê confusão?- Doutor, eu não tenho estudo e tenho poucas habilidades, com que

poderia trabalhar?- Você não tem uma carroça? Use-a. Carregue material das lojas de

construção para as obras, faça entrega de compras de supermercado, trans-forme a carroça em charrete e leve os turistas para passeios, sei lá, invente alguma coisa, desde que não seja ilegal.

- Por falar nisso e a minha carroça doutor? Estou vivendo de bicos e aquela carroça é o meu único jeito de sustentar a família. Posso ir pegar de volta doutor?

- Só não vou te prender dessa vez porque por aqui não há mais vaga, portanto deixe seu nome completo e endereço anotado ai no B.O e desapa-reça da minha vista, você carroça e tudo. Se eu te pegar mais uma vez por causa disso você está encrencado.

Aquela era uma ocorrência simples e rotineira, mas precisava ser me-lhor esclarecida. Precisavam saber quais as pessoas que mandavam jogar o lixo e quem comprava a areia. Tinham que interrogar os responsáveis e que, aliás, muitos deles nem sabem que são eles que ajudam a degradar o meio ambiente. Claro, ia começar pelo seu Jorge.

- Mande uma intimação para o Jorge do Hotel comparecer aqui o mais rápido possível.

- Nem é preciso doutor, o cara está ai, veio registrar uma queixa.- Ah é, quando precisam da polícia chegam rapidinho. Fale com ele

que assim que acabar de registrar o BO, passe por aqui para eu o interrogar.- Bom dia doutor. - Bom dia nada. Que negócio é esse de você mandar jogar lixo nas

margens da lagoa?

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mações deixadas pelos titulares da delegacia, seus antecessores, existiu ali um cemitério clandestino, que no passado deu enormes confusões, com muitos presos, muitas condenações pesadas na justiça, de sorte que depois de tantos anos, era como um vulcão extinto e ninguém gostaria de vê-lo voltar às suas erupções antigas. Atuar sobre aquilo era muito complicado e ninguém queria meter a mão naquele vespeiro. Assim foram protelando. Ele então, na atual situação de sobrecarga de trabalho e falta de recursos materiais e pessoais, não pretendia mesmo mexer com isso.

precisa investir em coleta regular de lixo, criação de aterros sanitários tec-nicamente projetados e controlados, esgotamento sanitário e tudo o mais.

- Sim seu Jorge, mas sabemos que tudo isso exige vultosos recursos que não aparecem por acaso e não se obtém da noite pro dia, então en-quanto não se consegue cada um tem que fazer a sua parte.

- Tudo bem doutor. Prometo que vou cumprir a minha parte e di-vulgar para o meu pessoal. Posso ir Doutor?

- Pode, mas saiba que a fiscalização está de olho hein.Seu Jorge saiu dali desconcertado. Tinha ido dar queixa na polícia,

mas não sabia que havia uma contra ele. Ainda bem que não era aquela escabrosa.

Seus adversários nos negócios acusavam-no de participar da “máfia da areia” e segundo as más línguas, poderia até ser o chefe. Ainda bem que pelo visto o delegado ainda não sabia, porque nem tocou no assunto, senão a coisa seria muito pior.

Esse caso da areia e do lixo não parava por aí. Na verdade era mui-to maior , mais frequente e mais complicado do que o doutor delegado imaginava. Acabou descobrindo que na restinga às margens da Rodovia do sol havia enormes buracos, que acabaram virando brejo no período das chuvas. A retirada da areia era feita por uma quantidade enorme de carro-ceiros, patrocinados por vários depósitos de materiais de construção, sendo o negócio rendoso e com tendência a aumentar. Para complicar um pouco mais as coisas, a defesa de interesses acabou criando grupinhos fechados que se digladiavam pela posse de áreas de extração. Isso sempre acabava em confusão, brigas, tiroteios, cadáveres insepultos e outros em covas rasas.

A polícia esteve muito perto da descoberta, quando foi investigar o tiroteio do morro do Atalaia e um bêbado inveterado, em seu adiantado estado de embriagues disse por alto alguma coisa misturando muitas outras coisas, com uma fala praticamente irreconhecível. Talvez por isso não o levaram a sério. Mas o doutor ficou muito curioso. Só não foi atrás, porque sua delegacia estava assoberbada de trabalho e não dava conta de tudo. Por outra os custos eram maiores, pois, o areal ficava fora dos limites urbanos, numa área de Restinga às margens da rodovia do sol. Também tinha outra questão a ser examinada: a conveniência de atuar ou não. Segundo infor-

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Capítulo 7

Boato sobre pássaro gigante voando baixo na praia – Pitera.

Conforme foi mencionado anteriormente, a lagoa de Maimbá pos-sui algumas lendas, mistérios e fantasias que mexem com o imaginário popular.

Uma dessas menciona que por força de algum tipo de magia, suas águas normalmente calmas tornam-se revoltas como as do oceano, durante alguns minutos, voltando à sua tranquilidade costumeira logo após. Alguns dos mais cultos levantam hipóteses científicas para explicar os fenômenos se é que realmente ocorrem, porque na verdade muito poucos viram. Uns dizem que pode haver algum tipo de abalo sísmico de baixa intensidade e localizado, posicionado exatamente no sub solo da lagoa a uma profundi-dade média e de natureza aleatória ou até cíclica em longos períodos ain-da não determinados. Outros aventam a hipótese de um desprendimento súbito e bastante volumoso de gases em vários pontos, próximos entre si, causando enorme turbulência. Depois que a pressão no subsolo diminui, o gás deixa de ser expelido e tudo volta à tranquilidade.

Mas, os mais crédulos se apressam em dizer que é exatamente esse fato de que poucos conseguem ver, que torna o local objeto de magia e suas manifestações.

Uns dizem que poderia ser o espírito de Mãe Bá, aquela índia que acumulava as funções de chefe de tribo, curandeira e mãe de todos, princi-palmente no aspecto espiritual.

Os momentos de agitação seriam uma repetição da cena de aflição que antecedeu a sua morte, enquanto exercia sua função litúrgica, num

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e se dirigia à lagoa de Maimbá.Mas aquilo, era ainda meio fantasioso, história de pescador, aluci-

nação de cachaceiros e conversa dos contadores de causos que viviam de explorar os turistas com aquelas histórias descabidas.

O fato mesmo é que ninguém nunca viu, pelo menos enquanto es-tivesse sóbrio.

Pelo menos foi o que o delegado conseguiu concluir quando aper-tou o zé do monstro em confissão e ele finalmente acabou abrindo o bico e contando que pelo menos da parte dele, era pura invenção, aumento e encenação.

Claro, tudo aquilo só poderia ser mesmo uma deslavada mentira. Imaginem só se de uma hora pra outra e do nada iria aparecer um monstro, por aquelas bandas e o pior dentro da sua jurisdição, só para complicar mais ainda a sua situação que ia de mal a pior nos últimos dois meses, deixando-o insolvente com respeito aos casos que começava investigar e nunca terminava, por razões diversas. Não. Não poderia ser. Aquela estória era descabida demais. Nada fazia sentido. Aliás na atual conjuntura estava mais para armação de alguém. Vagabundos por ali é o que não faltavam. A questão era descobrir quem e porquê.

De qualquer modo, verdade ou mentira, não se pode afirmar ou ne-gar nada categoricamente com suposições. Aquilo precisava ser pesquisado a fundo. Recolhimento e análise de dados, certamente com o auxílio do pessoal da inteligência da polícia e da polícia técnica, ou seja: era muito para ele sozinho. Só mesmo buscando ajuda. Mas isso demoraria um pou-co.

Então por enquanto, não havia muito o que fazer, a menos é claro, ficar de olho, e ver até onde a coisa chegaria. Quem sabe descobriria até a quem interessava propagar aquelas bobagens.

Mas o nome ficou e caiu no gosto popular: “Pitera, O Monstro da lagoa”.

ritual religioso em invocação a Tupã, na esperança de obter a cura de um menino de sua tribo.

Outros dizem que seria um sinal de advertência aos homens, para andar pelas trilhas corretas da vida. A enorme agitação das águas significa-ria a ira dos céus pelas iniquidades do homens.

Outros mais avarentos, dizem que é um sinal. Um tipo de convite para encontrar um grande tesouro, mas ao mesmo tempo é um desafio a sua coragem de se manter firme e ir em frente para encontrar o que lhe pertence pelo favorecimento da sorte. Mas o sujeito precisa estar disposto a lutar duramente e ser perseverante para não desanimar. No momento que realmente encontrar, a turbulência aumenta muito, sopram ventos fortes e ocorrem relâmpagos. Nesse momento o sujeito deve ferir o dedo e es-premer 3 gotas de sangue nas águas da lagoa, para aplacar a ira dos céus e finalmente se apossar do que lhe pertence.

Agora apareceu mais uma e alguns pescadores juram que viram. Segundo afirmaram, no fundo da lagoa de Maimbá, mora um monstro enorme em forma de pássaro. Ele passa o dia dormindo no fundo da lagoa. Quando se mexe as águas ficam tão agitadas que até ondas são observadas, como as do mar. À noite, quando a temperatura cai um pouco, ele deixa seu esconderijo e vai ao mar em busca de alimentos. Segundo dizem ain-da, algumas carcaças de peixes grandes já foram observados às margens da lagoa, onde ele acaba de devorar suas presas e deixa seus resíduos, como peles, vertebras, barbatanas, dentes, etc.

Conforme a descrição detalhada que fizeram do monstro que jura-ram ter visto, seria de aproximadamente doze metros de comprimento, dois metros e meio de altura e dois e meio de largura. Fazia um barulho meio “roncado” e tinha um hálito ardido.

Segundo a definição de alguns estudiosos, seria um monstro pré--histórico chamado Pterodátilo.

A estória se espalhou e como ninguém conseguia entender nem pro-nunciar direito o nome do bicho, acabou ficando conhecido como “PITÉ-RA o monstro da Lagoa”.

Segundo disseram ainda, observaram quando o tal monstro sobre-voava o mar, com algo na boca, que provavelmente já havia pescado antes

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Capitulo 8

Delegacias – Situação caótica

Não muito tempo depois daquele descontraído encontro de turistas nos botequins ao longo da cidade, esta parecia mais movimentada que de costume para aquela época do ano uma vez que o verão há muito se fora e com ele a população flutuante o que faz praticamente a cidade min-guar. Ninguém sabia explicar exatamente a causa daquela mudança que na verdade era bem vinda para a economia da cidade. A taxa de ocupação hoteleira já estava bem superior à média e a contar pelas reservas prome-tia aumentar substancialmente nos próximos dias. Os bares e restaurantes tiveram seus clientes aumentados, tendo inclusive que contratar mão de obra extra como acontecia no verão. O movimento nas lojas melhorou muito. O trafego ficara mais intenso. O movimento de vans transportando turistas pra lá e pra cá era curiosamente muito grande, não só de dia como também à noite e até de madrugada, coisa inédita.

Os problemas na área da segurança pública aumentaram bastante, como acontecia nas épocas de verão, porém, com outros tipos de ocorrên-cias, também inéditos. Os atendimentos médicos de emergência também começaram a receber muitos casos extras para atender e muitos deles evo-luíam para óbito ou já chegavam lá mortos.

As delegacias de polícia da região viviam dias estafantes e noites in-fernais e o minguado efetivo do destacamento local já não correspondia ao mínimo necessário e os delegados já haviam pedido reforço ao batalhão da PM e a chefia da polícia civil na capital como ocorria no verão. Mas dessa vez a coisa era pior, com a incidência de casos mais complicados e de difícil solução, tanto pela sua complexidade investigativa quanto pelos efeitos de

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pe, Maimbá, Ubu e Anchieta, áreas de maior incidência de problemas com as invasões e de movimentos de visitantes fora de hora.

Era uma luta inglória. A polícia trabalhava incessante e exaustiva-mente para caçar e prender os suspeitos, enfrentando as piores dificulda-des, os interrogava e detinha por algum tempo, mas os advogados também cumpriam seu papel de salvaguardar as garantias das pessoas e rapidamente conseguiam a soltura. Por outro lado era até bom, pois com aquele volume de prisões não haveria espaço para tanta gente e cada pessoa envolvida que fosse embora seria um problema a menos. No entanto era tremendamente estafante para os policiais que trabalhavam dia e noite ininterruptamente. Os domingos e feriados que deveriam ser de descanso eram os piores.

Mais um fato grave aconteceu, dessa vez nas dependências da dele-gacia. Ocorreram duas mortes de presos, assassinados pelos colegas de sela, cujos motivos exatos ainda não haviam sido detectados, mas segundo o boato que já começava a tomar vulto, seria por causa da superlotação. Pa-recia haver uma escala de pessoas a morrer, cada vez que mais um era preso e colocado nas celas superlotadas acima da capacidade máxima prevista e fora dos limites humanamente toleráveis. Estava também com dificuldades na alimentação dos presos e para complicar ainda mais as constantes fal-ta d’água impossibilitava a limpeza. O mau cheiro já estava insuportável, perceptível a longa distância. Reclamavam também de doentes presos sem atendimento médico e presença de pessoas com doenças contagiosas mis-turados no meio dos outros.

Não demorou muito e o delegado recebeu a visita de uma comissão com representantes dos direitos humanos, do ministério público, da saúde pública e foi difícil explicar como as coisas chegaram a aquele ponto. Se-gundo disse, estava assoberbado de trabalho, acima de seus limites de aten-dimento, bem como todos os seus agentes. Que era sua obrigação prender e que não poderia sair soltando indiscriminadamente.

De qualquer modo foi bom porque acabaram o ajudando, via envol-vimento dos secretários de segurança, justiça e cidadania e saúde.

Outro agravante é que as viaturas, por excesso de trabalho e trafegar

sua descoberta que caso viessem a público poderiam desencadear outros problemas o que por si só era um desestímulo. Até então as prisões eram devidas a coisas mais comuns como brigas em bares e nas ruas, porte ilegal de arma, falta de decoro público, perturbação da ordem, som alto fora de hora, gente que se drogava, tráfico de entorpecentes, assassinatos por não pagamento de dívidas de droga, acertos de contas entre gangs, todas con-sideradas de rotina nos atendimentos policiais. Mas dessa vez havia algo incomum: ocorriam assassinatos brutais com requintes de crueldade, mu-tilações e outros vilipêndios aos cadáveres e até invasões de propriedades particulares e de áreas ambientais de acesso restrito sem a devida autoriza-ção ou monitoramento. O curioso era que os invasores sempre portavam diversos aparelhos eletrônicos sofisticados, caros e específicos para deter-minadas finalidades como prospecção de minerais, analisadores diversos, a maioria desconhecidos até pelos mais esclarecidos da região. Nunca antes se prendeu tanto para averiguações. Sempre davam uma boa desculpa so-bre não saberem sobre a privacidade das áreas e que eram pesquisadores autônomos que faziam aquilo por hobby e curiosidade científica o que não caracteriza ilegalidade. Mas não deixava de ser intrigante, afinal tantos aparelhos tão caros e de aplicações tão específicas sugeriam a existência de organizações e patrocinadores na retaguarda desses pesquisadores. A ques-tão era como provar e determinar o seu interesse e saber até que ponto não comprometia a segurança, a exploração ilegal do subsolo, reservas ambien-tais, tráfico de animais silvestres ou se de algum modo afetava o patrimônio da união de modo geral.

Outra coisa, talvez a mais importante de todas, era determinar a raiz daquela atração de tanta gente estranha que até então jamais frequentara a região, pelo menos assim tão abertamente.

O próprio crescimento atípico do movimento turístico na baixa temporada era também um fato intrigante e certamente teria alguma re-lação com os estranhos pesquisadores e outros oportunistas ou então os atraia por se constituírem num excelente pretexto. Talvez pesquisar a causa da atração de tantos turistas naquela época do ano fosse mesmo a solução. Então, decidiram agir: os delegados da região metropolitana, capitaneados pelo da região central que sempre socorria as delegacias da região de Meai-

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Capítulo 9

Escavações nas imediações e subsolo do Radium Hotel

De uma hora pra outra sem que ninguém soubesse nada sobre o assunto, iniciou-se uma obra ao lado do Rádium Hotel, um dos pontos turísticos de Guarapari e que faz parte de seu patrimônio histórico. Apare-ceu só no primeiro dia, dois homens bem vestidos com camisas de manga comprida, portando aquelas maletinhas e alguns canudos que continham outros no seu interior, de uns papeis transparentes que ao serem desen-rolados apareciam plantas baixas da edificação além de outras de diversos tipos. Conversaram bastante em voz baixa, mas audível a quem estivesse por perto. Pena que ninguém entendeu nada do que conversavam.

Logo chamaram três homens uniformizados, deram meia dúzia de ordens e a seguir desapareceram.

Não demorou muito encostou uma caminhonete antiga com chapas de Madeirit e outras de chapas metálicas além de várias ferramentas. Pou-cas horas depois, três áreas foram cercadas: uma na lateral esquerda, uma na lateral direita, ambas quase coladas a parede e outra há alguns metros da frente que dá para a praia.

Abertas as três frentes de trabalho com dois homens cada uma, co-meçou a escavação, com muito barulho, muita poeira, fora a arruaça que os homens faziam, falando alto e não raramente falando palavras vulgares e às vezes até faltando com o decoro.

Diante daquelas obras intermináveis, barulho, poeira e todos aqueles incômodos, foram queixar-se à prefeitura. Para a surpresa geral, não era uma obra municipal, não havia autorização alguma por parte da prefeitura,

em estradas, bairros e vias mal conservadas, já estavam muito desgastadas e praticamente não encontravam oportunidade de manutenção, o que só era feito em caráter de emergência quando quebrava de vez e aí é claro os custos eram bem maiores, as necessidades de peças também e a demora nos reparos, sem falar no aumento exagerado no consumo de combustíveis. Não raramente faltava uma viatura ou estava quebrada ou estava com o tanque de combustíveis vazio no momento de alguma diligência impor-tante. A situação já estava insustentável.

Ninguém aguentava mais e precisavam dar um basta naquilo. Para isso precisavam encontrar e atacar as raízes dos problemas e essa tarefa era proibitiva para eles na situação em que se encontravam.

Para complicar mais a situação estavam com várias ocorrências cujos inquéritos estavam inconclusos, pendente de definições concretas que os impossibilitava até de fazer novas diligências no sentido de encontrar suspeitos, tal era a complexidade encontrada nas investigações prelimina-res. Algumas provas materiais precisavam ser examinadas em laboratório e também aguardavam ansiosamente os resultados dos exames e o laudo cadavérico das vítimas de assassinato, principalmente a de alguns casos muito estranhos.

Então resolveram fazer gestões junto à secretaria estadual de seguran-ça pública, recomendando investigações rápidas e sigilosas, com o apoio da polícia técnica e de todo o pessoal da inteligência.

Assim dois excelentes investigadores do serviço de inteligência da polícia foram inicialmente designados para o caso. Imediatamente, passan-do-se por turistas, infiltraram-se nas expedições organizadas pelas empresas de turismo e começaram a seguir de perto todo aquele movimento.

Escolhi alguns casos fictícios que exemplificam bem as ocorrências diretas e paralelas ao caso principal. Não são nada distantes da realidade, porém são hipotéticas e qualquer semelhança com a realidade é pura coin-cidência. Os nomes e apelidos utilizados também são fictícios. A lingua-gem é policialesca e jornalística especializada em crônicas policiais do dia a dia, bem ao gosto popular.

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delegado, sem demora. - A torneira tá sem água.- Tá. Então vem assim mesmo.- Vai falando logo aí e nada de mentiras senão você vai se lascar. Qual

é seu nome?- Tino preto, doutor.- Isso é apelido. Eu quero o nome. Não tente enrolar porque vai ser

pior.- É, Isaltino silva. - Ah! Agora melhorou. E de onde você veio.- Vim de Tatuapé, São Paulo, tentar arrumar serviço numa emprei-

teira de obra dessa região. Aí o pouco do dinheiro que tinha acabou e eu fiquei por aí, vivendo de bico.

- Pra quem você estava trabalhando?- Não sei direito doutor. Eu estava no botequim tomando uma ca-

chacinha, quando apareceram dois homens de camisa de manga comprida e perguntaram se tinha alguém querendo trabalhar pra eles. Eu já estava meio bêbado e acabei nem perguntando o nome deles nem o que era o ser-viço, nem quanto iam pagar. Enfim, eu estava tão precisado que tudo isso nem vinha ao caso. Só apareci lá no centro da cidade no local combinado e comecei a trabalhar.

Que idiota! Balbuciou o delegado quase inaudivelmente. - E seus colegas de trabalho?- Conheci a todos quando cheguei lá. Nunca tinha visto aquela gen-

te antes.- E que arruaça foi aquela que vocês fizeram no meio da rua ontem?- Revolta doutor. Fechou a semana de trabalho, largaram a gente lá

abandonado a própria sorte, sem comida, sem dinheiro, sem nada e nem deram nenhuma satisfação. Aí o senhor sabe, né doutor, peão de obra é até calmo, mas é igual a qualquer animal. Se ficar com fome ataca qualquer um.

- E os outros, onde estão?- Sei não doutor. Debandaram, mas saíram jurando vingança. Fica-

ram de procurar aqueles cabras de camisa de manga comprida e se achar

nenhum registro de solicitação, muito menos laudo de fiscalização. Em suma, nem o patrimônio histórico sabia de algum serviço planejado para aquele imóvel, nem a prefeitura tinha conhecimento da obra, nem nenhum particular da cidade apareceu para explicar as tais escavações, porque e para que cavavam. Nem mesmo sabiam nada a respeito da empresa, a quem pertencia, quem era o responsável, nem nada. O jeito era ir lá inquirir os trabalhadores e saber que negócio era aquele. Não adiantou grande coisa. Os caras eram simplórios demais e nem sabiam direito quem os contratou, não lhes assinaram carteira, não havia contrato nem nada. Nem o telefone dos chefes eles sabiam. A única coisa que disseram era para esperar que os chefes apareceriam e que conversassem com eles.

Como provavelmente tinham olheiro por perto, quem sabe à paisa-na, disfarçado de algum frequentador dos bares, que lhes informou sobre as autoridades que estavam na cola deles, os chefões do negócio não apa-receram.

Para complicar mais a situação, fechou uma semana de trabalho e não apareceu ninguém lá para fazer o pagamento dos trabalhadores, que já estavam sem dinheiro até para comer, roupas sujas, expulsos das moradias da periferia onde ficavam por falta de pagamento no dia combinado e tal. Nem ao menos deram alguma satisfação.

Ficaram revoltadíssimos, se embebedaram, fizeram o maior tumulto, amassaram os tapumes metálicos à marretadas, atearam fogo aos tapumes de Madeirit e fizeram um quebra-quebra geral com muita arruaça. Aban-donaram a obra, jurando vingança e sumiram.

Chamaram a polícia, que só conseguiu encontrar um deles nos fun-dos de um botequim da periferia, em alto estado de embriaguez. Tiveram que esperar o efeito da carraspana passar para interroga-lo melhor, pois no estado em que estava, nada conseguiram tirar dele, que fizesse algum sen-tido. Mesmo depois de acordado foi difícil. O cara era simplório demais, não tinha contrato de trabalho, nem carteira assinada, fora contratado na rua no meio da praça, meio bêbado, como trabalhador avulso e um ganho miserável que mal dava para comer. Mas de qualquer modo, foi interro-gado.

- Aí, pudim de cachaça. Lava a cara ali e vem conversar com o doutor

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- Isso não me interessa. Pra quem você trabalha?- Para a Escafeldem Engenharia.Outra gargalhada. O doutor outra vez olhou com uma expressão

nada agradável. Alguns sumiram da sala.- É bem próprio. Quando os procuram, escafedem-se.- Não doutor. É uma empresa pequena de engenharia civil que tra-

balha com escavações.- Boa saída. Mas fale-me sobre o seu chefe.- Não sei de quem o senhor está falando, doutor.- Sabe sim. Esse tal de Sílvio. Disse o doutor mostrando o celular

com a última ligação com o prefixo da cidade, nome, data e hora, que o cara não teve tempo de apagar.

- Esse é o cara que me contratou como apontador. Meu serviço era apontar as horas trabalhadas de cada um, sem os caras perceberem, infor-mar sobre o andamento da obra, as necessidades e qualquer outro proble-ma que houvesse.

- Claro era o olheiro, estou sabendo de tudo. Tinha gente nossa na sua cola.

Nesse ponto o cara tremeu na base, como dizem. Estavam muito bem informados e não adiantava mentir porque era bem pior.

- Mas eu quero saber mesmo é onde o cara está hospedado, ou me-lhor escondido?

- Isso eu não sei doutor. Faz parte da segurança deles não dizer esse tipo de coisa.

- Mas vamos saber agora. Ligue pra ele fale para comparecer ao local da obra.

- Isso eu não posso fazer doutor. Eles me matariam. - Tudo bem. Nós temos um jeito de resolver isso. Enquanto isso você

fica detido.Leva esse cara pra sala vip, onde o zé pinguço fica. Disse o doutor a

um dos investigadores. Enquanto isso, a um sinal do delegado, um dos investigadores que

monitorou a conversa dos caras pelo celular fez uma ligação imitando a voz dele e chamando para comparecer ao local da obra. Foi moleza. O cara caiu

dar conta deles.Ih! Mais um problema à vista. Murmurou o delegado.- Tá dispensado, pode ir, mas fique de sobreaviso. Se precisar vou

mandar chamar de novo.- Sim, doutor. Ah! Se o senhor souber de alguém que precisa de ser-

viço, eu sou auxiliar de obras e estou bem precisado.- Ok, pode ir. Disse o doutor despachando-o.- Doutor, acharam um dos cabeças desse caso. Já o abordaram e estão

trazendo aí.- Ótimo. Como conseguiram?- Tinha gente nossa disfarçada no bar próximo à obra e ouviram a

conversa de um sujeito no celular falando algo estranho que parecia ter alguma coisa a ver com a obra irregular do Radium Hotel. Quando foi abordado sobre o assunto, ficou aborrecido e cortou o assunto, mostrando a arma que portava na cintura sob a camisa. Quando descobriu que eram dois policiais já era tarde. Confiscaram a arma e o celular dele, Algemaram--no e trouxeram pra cá. Ah! Estão chegando.

- De olho no olheiro. Essa é boa. Tragam o sujeito pra cá. - Entre logo aí, rápido. O doutor quer fazer algumas perguntas.- Qual é o seu nome?- zé do olho.Gargalhada. O doutor olhou a todos repreensivamente. Silenciaram.- É, combina bem com a sua função. Mas isso é apelido. Eu quero

o nome. Não tente fazer gracinhas para ganhar tempo, senão você vai se dar mal.

- Não doutor. É porque todo mundo me chama assim, porque sofri um acidente e quase perdi a vista do lado esquerdo. O olho ficou inchado muito tempo. Mas meu nome mesmo de batismo é José Santos.

- Não me interessa se você foi batizado ou é filho do cão. Nos seus documentos figura outro nome. Vou te prender por falsidade ideológica também e por tentar enganar a polícia.

- Sim doutor, meu nome de registro é Anturíbio dos Santos. Mas meu nome mesmo de família é o de batismo. Todo mundo me conhece assim. No interior são muito comuns esses casos.

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cientes para expressar tudo que se via ali. Superlotação, gente dependurada pelas grades, revezavam-se para dormir, porque não cabiam todos deitados, o calor era insuportável, a sujeira era generalizada e o mau cheiro intole-rável. Era cruel demais e ofensivo à dignidade humana. Além do mais, quando passava em frente às grades, sempre escutava gracinhas do tipo: Jogue essa beldade pra cá pra gente dar um trato nela. Claro, não gostaria mesmo de ir parar ali. Quando voltou a sala de interrogatório, deu o ser-viço direitinho. Ligou para o tal doutor Sérgio e explicou a situação. Esse veio acompanhado do advogado da empresa para fazer a defesa dele e dos outros funcionários.

- Qual é a acusação doutor? - Vou fazer uma lista delas: Invasão de patrimônio público, execução

ilegal de obras, falta de documentação, perturbação da ordem pública, tra-balho escravo, falta de decoro, desacato a autoridade, falsidade ideológica, tentativa de enganar a polícia....

- Doutor, vamos por partes, vamos explicar cada uma delas. Co-meçando pelo suposto trabalho escravo. A semana fechou ontem e ainda estamos no prazo para pagar. Houve um pequeno atraso na liberação dos recursos e o pessoal se precipitou. A documentação dos funcionários está em dia e não há falsidade ideológica. A licença está sendo providenciada, apenas houve um mal-entendido: demoramos um pouco a entrar com o pedido na prefeitura e o pessoal da obra, meio afoito, encostou o material lá e logo iniciou pensando que tudo estava resolvido. Nossa empresa é devidamente registrada e conceituada no ramo. Nós temos o contrato de prestação de serviço e todas as condições exigidas pelo contratante estão sendo cumpridas.

Bem, um advogado experiente é outra coisa. Uma a uma foi der-rubando as acusações e acabou livrando o pessoal, pagando apenas uma fiança.

- Tudo bem doutor. Vou liberá-los sob fiança. Mas deixe aqui a cópia do contrato de prestação dos serviços e das Plantas.

O defensor fez a sua parte. A cópia do contrato era inevitável. Ele en-tregou. Tão logo chegou no hotel, avisou o pessoal do contratante e alertou que o serviço jurídico deles possivelmente precisaria atuar.

como um patinho. Poucas horas depois já estava na sala sendo interrogado.- diga o seu nome?- Eusébio camisa.- Eu disse nome, não apelido.- Sim doutor. Eusébio. Camisa é só apelido.- Eu pensei que seu nome fosse Silvio.- Não doutor. É Eusébio Silva. É que confundem e me chamam de

Silvio.Nesse ponto o sujeito logo percebeu que o delegado estava bem

informado, pelo menos em parte, então não adiantava muito negar. Por outro lado o delegado sabia que aqueles nomes todos poderiam ser todos falsos e se procurassem direitinho achariam muitos documentos, cada um com um nome.

- Fale-me sobre a Escafeldem engenharia e o seu chefe, aquele que se veste de modo parecido ao seu. Dessa vez o delegado jogou o verde e o sujeito caiu direitinho. Deu o nome do cara numa boa.

- A Escafeldem é uma empresa de Engenharia Civil especializada em escavações e o doutor Sérgio é um engenheiro muito competente.

- Sim, isso nós já sabemos, disse o delegado dando a ele a impressão que sabia mais do que ele imaginava. Qual nada passou a saber depois que ele respondeu. Usou a técnica de adivinhação cigana. Na verdade eu quero que você diga algo sobre aquelas plantas que estavam guardadas em forma de rolos dentro daqueles canudos de papelão.

- São plantas baixas da fundação do edifício, doutor. Fundamentais para realizar a obra com segurança. Arriscou o depoente, dizendo apenas o óbvio, tentando contornar a situação.

- Está pensando que somos crianças, Euzébio. É óbvio que são plan-tas baixas, isométricas e outras. Eu quero são os detalhes especiais.

- Olha doutor, aí eu já não sei. Quem pode dizer algo sobre isso é o doutor Sérgio, mas ele viajou pra fora.

- Ótimo. Você vai esperar por ele no purgatório. Você já ouviu falar nele. Depois que entrar ali, vai achar o inferno uma maravilha. Leva ele, Jorge, para dar um passeio por ali, depois traga-o de volta.

O cárcere era simplesmente deprimente. Não havia adjetivos sufi-

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No entanto, do jeito que as coisas andavam por ali, mais um boato era sinônimo de mais confusão. Definitivamente, não precisavam de mais ne-nhum boato, principalmente nascido dentro de sua delegacia. Não gostou nada daquilo e ordenou que parassem imediatamente.

De qualquer modo o delegado passou o caso para as esferas superio-res e saiu do circuito.

A medida que as coisas foram se desenrolando foram aparecendo coisas interessantes, gente graúda metida no meio do negócio e algumas novidades.

A análise das plantas mostrou que se essa fosse real, haveria um pavimento da edificação no subsolo, onde provavelmente estaria um co-fre grande, onde possivelmente haveria muito dinheiro em notas, grande parte sem valor por ser dinheiro antigo, fora de uso, algumas barrinhas de ouro, joias, relógios antigos e outros objetos penhorados. Haveria também documentos relativos ao negócio do cassino, máquinas e utensílios utiliza-dos em cassinos, um pequeno almoxarifado, uma adega com vinhos finos, champanhe importada e especulava-se que até houvesse um calabouço e sepulturas laterais nas paredes com lápides seladas. Além disso, possuiria saídas de emergência como rotas de fuga que sairiam num túnel que iria em direção à praia.

A partir daí precisavam pedir ajuda da secretaria de segurança esta-dual, porque o caso já extrapolava a sua jurisdição e se ramificava inclusive em outros estados. Quanto aos interesses, especulava-se que foram pessoas inconformadas por não ter conseguido recolher seus pertences de valor e seus haveres, na época que o jogo foi proibido, porque não houve tempo e tiveram que sair às pressas. A maioria dessas especulações poderiam não passar de lendas e muitos oportunistas que ouviram a estória resolveram aproveitar para ganhar dinheiro à custa dos otários espalhando aquelas es-tórias descabidas e oferecendo serviços secretamente.

Ainda apareceu um boato sobre um possível leilão das peças supos-tamente ocultas no subsolo, com lances iniciais de alto valor, aparecendo inclusive uma tabela para cada um: Vinhos finos e champanhes francesas antigas, Relógios Ômega de Ouro 24 quilates e joias de família de alto valor pecuniário, histórico e de estimação. Segundo se dizia ainda, já havia bastante gente inscrita, tudo na surdina.

Depois o próprio delegado descobriu que a tal lista de figurões da cidade e suas joias de família era falsa. Tudo fora molecagem de alguns fun-cionários atuantes na delegacia e acabou dando uma reprimenda. Recebeu uma desculpa esfarrapada de que aquilo fazia parte de um trabalho para captar mais informações, como se fosse jogar o verde e colher o maduro.

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Capítulo 10

Venda de água milagrosa da fonte e mapa da gruta dos jesuítas.

Nas adjacências do Rádim Hotel montaram uma feirinha para ven-da de artesanatos, comidas típicas, bebidas regionais diversas.

O movimento estava ótimo e os vendedores satisfeitos com os resul-tados. Isso era ótimo. Sob o ponto de vista da ordem pública, estava tudo bem e não havia nenhum fato anormal, aos olhos do cidadão comum. No entanto, aos olhos de investigadores experientes, algo chamou a atenção. Em uma das barraquinhas de bebidas o movimento era cinco vezes maior do que nas outras, a ponto do pessoal fazer fila. Curiosíssimo, pois as ou-tras barracas aparentemente vendiam os mesmos produtos. Era realmente intrigante, então dois dos investigadores resolveram investigar mais amiú-de e descobriram que no letreiro de oferta dos produtos, havia dois itens especialmente caros, se comparados aos demais e no entanto eram os que mais vendiam. Um desses produtos era: “água milagrosa” o outro “mapa do ouro”.

Quanto ao primeiro, o nome não chamava atenção, pois é comum a exibição de nomes jocosos e até irreverentes, tipo: “xixi de anjo”, “tiro e queda”, “atestado de óbito”, “amansa corno”, entre outros. Só o preço era exorbitante.

Mas, o segundo nome: “Mapa do Ouro” não era nome de bebida. Aliás, cheirava a enrolo. Por correlação, o primeiro também caía em sus-peição.

O jeito era entrar na fila, comprar um exemplar dos produtos, ouvir aquele monte de explicações fantásticas sobre os efeitos milagrosos da água

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- Ah, doutor! Mas esses caras são ambiciosos e querem ficar ricos da noite pro dia. Merecem ser enrolados. São metidos a espertos mas não pas-sam de otários. Mandei fazer os mapas que eu mesmo desenhei, baseado nas lendas. Exigi que fosse reproduzido em papel envelhecido. Eles caíram direitinho, só porque disse o queriam ouvir.

- É. É cobra engolindo cobra. Mas, porque você acha que são otários.- Ora doutor, seu eu soubesse onde fica o tesouro, não venderia o

mapa para ninguém, iria lá busca-lo e não precisaria mais ralar naquela banquinha acanhada e fedorenta.

- Não cuspa no prato que come, rapaz. Mas a propósito: porque não trabalha honestamente como todos os outros, só vendendo o que é permitido?

- Tem jeito não doutor. A família morre de fome.- Se você prefere ficar preso, tudo bem.- Pelo amor de Deus, doutor, os meninos estão em casa sem nada

para comer. Preciso trabalhar.- Não coloque Deus no meio dos seus rolos, moço. Mas a propósito,

quem é que faz esses mapas pra você?- Tem um vagabundo aí na rua tirado a artista popular, grafiteiro e

tal, que trabalha por qualquer trocado, pra comprar pinga e baseado. Não vale nada, mas trabalha até bem.

- Claro, é mais um que você explora direitinho.- Mas eu sempre pago doutor, sempre quando as peças são vendidas.

Acho que até ajudo, para ele não morrer de fome.- Ah enrolado! Ainda se passa por benfeitor da humanidade. - Pode ser doutor, mas se não fosse gente como eu ele morreria de

fome, porque os honestíssimos e incorrutíveis da cidade não dão nenhuma oportunidade pra ele; nem o poder público.

- Ah, sei. E os vidrinhos? Como você consegue os frascos?- Compro dos catadores de lixo.- Que nojo. Você pega os vidros do lixo, que nem sabe o que colo-

caram dentro antes. Pode ter até veneno ou estarem contaminados. Isso é um atentado à saúde pública.

- Não doutor eu seleciono criteriosamente. É só vidro de produtos

e a possibilidade de ficar rico rapidamente e com pouco esforço. Em suma, tudo o que qualquer um desejaria: saúde e dinheiro.

Com as provas em mãos e a prisão em flagrante, não havia como não dizer a verdade.

Não demorou muito e responsável pela banca já estava diante do delegado.

- Que negócio é esse de você ficar vendendo essas porcarias e enro-lando o pessoal aí?

- É doutor, estou desempregado e precisava de arranjar um meio de sobreviver.

- Sei, esse negócio de ganhar a vida é mesmo enrolar os outros.- Não doutor, eu sou honesto. Não prejudico ninguém.- Ah, sim! Certamente você acha honesto vender essa água suja, ar-

riscando a saúde do povo.- Não doutor. É água filtrada e se não fizer bem, mal não faz.- Não simplifique as coisas para tentar se justificar. O doente perde a

oportunidade de ir ao médico e tratar corretamente sua moléstia.- Mas doutor, os caras quando vem já foram no médico e foram

desenganados.- Pior ainda. Você engana aos desesperados. Enganar a alguém para

tirar vantagem é crime.- Não é bem um engano, doutor. Eu digo apenas o que eles gosta-

riam de ouvir. Compram porque querem e saem dali satisfeitos. Alguns até ficaram curados. Aí eu entendo que até prestei um bom serviço à comu-nidade.

- Daqui a pouco você vai dizer que é guiado pelas mãos de Deus para salvar a vida das pessoas.

- De certa forma sim, doutor, levando-se em conta os que se cura-ram.

- Eu não disse. Ainda confirma na maior cara de Pau.- E aqueles mapas falsos que você vende? Será que foi Deus quem

mandou também?

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está tão mal atendido e carente de tantas coisas, que qualquer salvador da pátria que aparece consegue explorar sua boa-fé, a tal ponto que ainda o defendem como se fosse um santo.

Mas isso não foi tudo. Investigando mais um pouco acabaram desco-brindo que os que compravam aqueles produtos enganosos, de inocentes não tinham nada. Na verdade sabiam que tudo não passava de um tre-mendo engodo. Eram ainda mais enrolados do que o charlatão que tinha o trabalho de criar e produzir para vender. Eles compravam e revendiam em outras cidades do nosso estado e até outros estados. Essa notícia era duas vezes pior do que a primeira, porque atraía mais aventureiros para a cidade que já estava superlotada deles e arcando com os problemas que sua presença provocava. A desordem, as brigas e confusões de toda ordem, a sujeira e toda aquela agitação que provocavam a troco de nada. Como não tinham dinheiro para pagar hotéis e pousadas, viviam abarracados num simulacro de camping, mau estruturado, em locais não autorizados ou permitidos, cometendo invasões, frequentando os botequins de peri-feria, jogatinas e prostíbulos disfarçados de humildes barracos familiares, sem nenhum saneamento básico e em condições precárias de higiene, um verdadeiro atentado à saúde pública e a propagação de doenças, como as sexualmente transmissíveis. Eram os problemas de segurança se alastrando por outras áreas importantes como a saúde, ocupação urbana desordenada, exploração da prostituição infantil, o que era perceptível pelo aparecimen-to de meninas moças de menor idade em gravidez precoce. Além disso fi-cavam sem dinheiro e começavam a cometer alguns furtos, para conseguir o que comer. Era uma dura realidade a ser enfrentada. Não adiantava nada reclamar, reprovar, cobrar de alguém, e ficar de braços cruzados. Tinham que levantar ideias factíveis e pelo menos exequíveis a curto e médio pra-zo. Acima de tudo era necessário transformar palavras em ações positivas e cada um contribuir no que estivesse a seu alcance. Talvez fosse difícil esperar tanto de tanta gente carente que possuía seus próprios problemas que nem eram capazes de resolver, quanto mais ficar se envolvendo com problemas dos outros, como alguns diziam. Certamente não sabiam que estavam totalmente incluídos nesses “outros”, pois na verdade o problema

alimentícios como molho de pimenta, mostarda, molho inglês, essas coi-sas. Depois lavo tudo muito bem lavado e seco antes de encher com a água filtrada.

- Puxa vida, que cara de pau. Ele fala com a cara de inocente como se fosse a coisa mais natural desse mundo.

Nesse ponto, chega o advogado que o feirante mandou chamar e depois de muita conversa, ele foi aliviado, sob fiança. Mas foi escoltado até a banca para garantir que ia dar o fim naquela tralha toda e deixar só os produtos legais. O delegado achou até bom, pois não cabia mais ninguém nas celas.

Depois o delegado ainda teve que aturar um bando de malucos na porta da delegacia com faixas, pedindo que deixasse o cara voltar a vender aquelas coisas, principalmente a água, que segundo eles curava mesmo. Até apresentaram uma lista de pessoas que teriam sido curadas depois de desenganados pelos médicos.

- Mas aquele sujeito é um charlatão confesso. Ele mesmo me confir-mou os engodos e mais coisas que vocês não sabem. São coisas graves, que além de não curar nada ainda podem acarretar problemas de saúde.

- Olha doutor, nem mesmo ele sabe que foi o escolhido para curar as pessoas, disse uma senhora de idade avançada que parecia representar o grupo. Solte-o por favor. É o povo quem fala. “A voz do povo é a voz de Deus”

- Que ideia mais absurda! Isso chega ser uma blasfêmia, comparar a voz de Deus à do povo, que muitas vezes é maledicente, pérfido, inconse-quente e irresponsável. Além de tudo é impessoal e não há como acusar.

De qualquer forma, cancelar o processo é coisa que não posso fazer. O advogado já conseguiu a liberação dele sob fiança. Mas o processo con-tinua tramitando. Façam o favor de ir embora, porque estão atrapalhando o serviço público de segurança. Depois vocês mesmo vão reclamar da defi-ciência do atendimento.

Eles foram embora. Mas continuaram a passeata até as ruas do cen-tro, antes de se dispersarem.

O doutor acabou fazendo um desabafo: Nosso povo é tão sofrido,

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Capitulo 11

Cadáver bastante mutilado às margens da lagoa.

- Doutor, acabam de nos informar que foi encontrado um cadáver de um homem de aproximadamente 35 anos próximo à lagoa de Maimbá.

- Isso está se tornando até comum ultimamente.- Concordo, mas dessa vez vilipendiaram o cadáver. Há muitas mar-

cas de violência, ossos quebrados, cortes, deformações e tal.- E o corpo, onde está agora?- O corpo já começava a entrar em decomposição e já foi recolhido

ao IML.- Você providenciou as anotações e a retirada?- Certamente doutor. Quem atendeu a ocorrência foi eu. Também

acionei o IML.- Onde está o boletim de ocorrência?- Aqui, doutor.- Ah!, vejamos: escoriações generalizadas, partes do corpo mutila-

das, esmagamento dos ossos do crânio, no lado esquerdo, ossos do lado direito da face quebrados, uma parte da musculatura do rosto retirada, face esquerda do glúteo arrancada, esmagamento de duas costelas, várias dilacerações nas coxas, escoriações por todo o corpo. O que você pensa disso, Jorge?

- Doutor, eu já nem sei mais em que pensar. Tudo está muito es-tranho. Eu diria mesmo assustador. Já existe inclusive um boato de que o sujeito fora atacado pelo tal monstro, que estaria faminto e tentou devorá--lo, chegando a comer dois ou três pedaços dele e quebrado alguns ossos

era de todos porque afetava a todos.

Era mais um problema que o delegado não via a hora de resolver definitivamente, mas lamentavelmente estava além de suas expectativas, uma vez que a sua delegacia já entrara na curva da insolvência. Ficava assim mais uma vez demonstrado que precisava de pedir ajuda urgente a secre-taria de segurança pública, as autoridades municipais, ao empresariado e a todos que pudessem ajudar de um modo mais efetivo e mais rápido.

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a viver e outros por ter feito propostas indecorosas à mulheres casadas ou comprometidas ou ter tentado seduzir suas filhas, o que apontava para crime passional ou de acerto de contas.

Uma vez quebrado o sigilo telefônico, talvez sem surpresa alguma para os investigadores constatou-se que havia uma rede de pessoas envol-vidas, falando de telefones celulares pré pagos, ficando bem caracterizado: um mandante, três intermediários e três executores, provavelmente cada um com uma especialidade em seu tipo de serviço. Não falaram de preço, não citaram nomes nem apelidos, nem mencionaram nomes de lugares. Além disso, suas vozes pareciam distorcidas, suas frases eram sempre curtas e sempre se utilizavam de jargões apropriados. Não deixaram digitais, o que se presume uso de luvas, as pegadas foram apagadas, camufladas ou algum artifício fora usado para não deixa-las. Também nenhum objeto fora encontrado nas imediações. O Único dado concreto era o tipo de projétil usado e o conclusivo tipo de arma utilizada. Os ossos quebrados poderiam ter sido executados com marreta de borracha e a falta de hematomas suge-ria que as pancadas foram aplicadas muitas horas após a morte.

Para a conversa que eles tiveram vamos denominar por letras cada um dos envolvidos:

A para B: Pedra estourada.B para C: Recolher o entulho e levar para o depósito.C para B: Serviço concluído.C para D: Peça disponível.D para C: Informar K1.C para E: Peça OK.E para F: Campo R1. Preparar peça.F para G: Campo R2. Peça feita.G para B: Campo R2. Peça Preparada.

Toda essa conversa foi examinada e montada em forma de fluxo-grama. Começaram a cruzar informações, comparando detalhe a detalhe e passando-as por um teste de consistência, até que não restasse a menor dúvida sobre cada conclusão.

com mordidas. Há dilacerações na pele e nos músculos pelo corpo todo. As imagens são chocantes demais.

- Eu sabia. Tinha que aparecer essa história de monstro outra vez. Essa estória me cheira mal. Não estou gostando nada do rumo que essas coisas estão tomando. De qualquer forma, vamos esperar o laudo do IML Enquanto isso vamos começando a investigar. Começaremos por quebrar o sigilo telefônico de quem ligou, caso seja celular pós pago ou fixo de alguma residência. Vamos ver com quem se comunicou e o que disse em cada telefonema. Vamos interrogar quem chamou a polícia, quem esteve presente no local e vamos fazer um levantamento completo sobre o caso.

Vários dias depois, chega o laudo do IML, com afirmações esclare-cedoras. Primeiramente, negava peremptoriamente o ataque por animais. Afirmava ainda, talvez sem surpresa alguma para o delegado, que as mu-tilações, ossos quebrados, partes arrancadas e várias escoriações, nada ti-nham a ver com a causa mortis, que era devida a outros ferimentos especí-ficos, 3 balas explosivas de calibre 12mm, realizadas muito antes daqueles ferimentos generalizados, talvez para confundir a polícia ou simular outra causa mortis. Em outras palavras, o laudo do IML sugeria que o assassinato se deu em outro local, talvez um dia antes e o corpo fora desovado ali, logo após ser propositadamente vilipendiado, com o fim de produzir aquelas marcas com aspecto chocante.

Apesar do modus operandi dos malfeitores ser comum a muitos ca-sos daquele tipo, uma coisa ficou patente: alguém teria se aproveitado da boataria que corria sobre o monstro e vilipendiado o cadáver para confun-dir a investigação policial, mas seria um sujeito simplório que não sabia da capacidade investigativa, os conhecimentos e meios que a polícia técnica dispõe. Na verdade foi uma péssima ideia ter vilipendiado o cadáver e seria um enorme agravante no seu futuro processo.

Mais tarde descobriu-se que o morto era um funcionário temporá-rio de uma pequena empresa prestadora de serviços, que apesar de pouco tempo na região já angariara vários desafetos: Uns por causa de dívidas de empréstimos não pagos a agiotas perigosos, outras por dívidas de jogo ou trapaças neste, alguns por causa de ciúmes da mulher com quem passara

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Esse era mais um caso que tinha relação com o boato do suposto monstro pré- histórico e também estava acontecendo exatamente na baixa temporada atípica em relação ao excesso de movimentação na cidade. Na verdade, demonstrava claramente que alguém ou um grupo de pessoas estava muito interessado em fazer acreditar que existia um monstro de tamanho descomunal que era capaz de atacar, matar e até devorar pessoas. Mas, uma coisa ainda não fora determinada a esse respeito. O que ganha-vam com isso? Porque tomavam medidas tão extremas? Porque utilizavam métodos tão grotescos de vilipêndio aos cadáveres? Será que pensavam que por estar morto e não sentir mais dor, poderiam simplesmente se apoderar dos corpos e dilacerar, quebrar ossos e até arrancar pedaços num ritual macabro e selvagem?

Para o delegado a visão era bem pior: Poderia aumentar a procura por cadáveres e estimular assassinatos. Naquela altura dos acontecimentos a cidade já devia ter atraído uma legião de malfeitores, entre os quais, ma-tadores de aluguel.

As conclusões não pareciam deixar muitas dúvidas. A pedra estou-rada era mesmo o sujeito morto, em cujo cadáver foram encontrados os restos de projétil e compostos químicos que compunham as tais cargas explosivas, segundo exames executados pela polícia técnica.

Recolher o entulho e levar para o depósito seria retirar o corpo do local do assassinato e levar para algum lugar onde pudesse ser convenien-temente preparado. Havia uma suspeita não confirmada de uma funerária clandestina onde o agente preparava o corpo segundo indicações do clien-te. Esse era um dado que ainda precisava ser checado, porque segundo al-gumas suspeitas, poderia ser até mesmo um barraco miserável nos confins da periferia e o agente, um ex-funcionário de uma antiga funerária que falira, numa cidade localizada em outro estado.

O serviço concluído depois disso, indicava certamente, que o tra-balho de retirada do cadáver havia sido executado conforme previsto e o tempo indicado para a próxima remoção já havia decorrido.

Peça disponível significaria que o cadáver estava à disposição para a próxima remoção.

Informar a K1, era quase óbvio e pelo diagrama traçado correspon-dia ao E.

Campo R1. Preparar peça, significava que o cadáver estava num lo-cal intermediário chamado de Campo R1, por enquanto ainda não detec-tado o não relacionado a algum lugar.

Campo R2. Peça feita, bem poderia ser que toda a preparação do corpo havia sido concluída e já estava no local R2, conforme combinado. Esse como foi o lugar onde foi encontrado era exatamente a Lagoa de Maimbá.

Peça preparada, dito de G para B era o retorno final, na certa para indicar quando avisar a polícia.

Avaliando o modus operandi do grupo e de seus partícipes era pos-sível avaliar a sua índole e ver que era gente simplória, incapaz de avaliar a capacidade da polícia técnica de descobrir mediante análises, a causa que produziu cada efeito em cada parte da operação.

Faltava agora, numa segunda fase investigativa, determinar o local R1 e as pessoas correspondentes às letras A até G do diagrama.

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Capítulo 12

Falsificadores de quadros e esculturas famosas.

Delegacia de polícia, terça feira, 09h da manhã.- Vai lá “Confúsio”, conta tudo direitinho pro doutor delegado sobre

o andamento daquela investigação sobre o comércio de quadros famosos falsificados. Tudo como nós te falamos. Veja se não vai se atrapalhar hein! Disse maldosamente Jorge, aprovado pelos colegas.

- Deixa comigo, disse o Confúcio com uma pontinha de orgulho.

Confúcio José de tal, trabalhava há um bom tempo naquela delega-cia de polícia.

Dizem que seu pai escutou falar bem de um sábio chamado Con-fúcio e pensou que se colocasse esse nome no filho daria sorte, além de fazê-lo inteligente. As coisas não saíram bem assim. Era um bom sujeito. Humilde, prestativo, mas ás vezes suas limitações o faziam se embaraçar com as coisas. Por isso distorceram o nome para construir o apelido de “Confusio”. Mas, era querido por todos.

Licença doutor.Entre Confúcio. O que te traz aqui?- Eu vim falar sobre a investigação dos quadros.- Ah sim, como está esse caso? - O tal do “zé birunda” tá corrido. O senhor conhece o “zé birunda”?- Olha o respeito Confúcio. Eu nunca te dei liberdade pra fazer pe-

gadinha comigo.

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- Tá bom Confúcio, eu já entendi tudo: ele decepou o membro que caracteriza a estátua de Príapo. Mas continua.

- Foi uma exigência das mulheres da liga da decência que mandaram arrancar o...,o..., o tal... membro e cobrir com uma toalha como a de Jesus na cruz. Pagaram a ele pra sumir com a “estauta” indecente, arrancar aque-le “pintão” enorme dela e se ainda arranjasse comprador, vender do jeito que ficou, com toalha e tudo.

Olha, o cara da estauta era mesmo do tipo “injumentado”, deve ter morrido donzelo porque com aquela vantagem toda, não tinha mulher pra ele, não é doutor?

Outra enorme gargalhada do outro lado.

- A coisa não é bem assim Confúcio. Mas deixemos isso pra lá e falemos só da investigação. A propósito: o que ele fez com o membro de-cepado?

- Pois é doutor, aproveitando a oportunidade decidiu ganhar mais uns trocados vendendo a peça para o pai de santo que trabalhava com magia negra. Este quando soube que o membro era de pedra, rejeitou, dizendo que só servia de carne de gente mesmo.

Outra gargalhada.

Então, pra não perder a oportunidade de negócio vendeu para um tal de Tijuca, outro vagabundo que vive de enrolar os outros com simpa-tias, garrafadas, amuletos e coisas semelhantes, sendo a venda em consig-nação, cujo pagamento estava condicionado ao ganho de dinheiro com aquele produto. Daí, o tijuca sumiu, mas o zé birunda não fez caso. Disse que galinha de casa não se corre atrás, mas por via das dúvidas deixou um capanga na cola dele. Se vacilasse ia pra vala.

- Mas afinal, que notícias se tem do tal membro? Vendeu para al-guém antes de sumir?

- Pelas conversas de fundo de boteco, doutor, o que se comenta é que teve outra destinação.

- Sim Confúcio, conta logo o principal dessa estória estranha.

- Não, é sério doutor. Birunda vem de biruta corcunda. O cara é meio biruta mesmo, daqueles que falam sozinho e tudo. Quando toma umas canas então, piora muito. Além disso é um pouco corcunda. A “cor-cundice” dele tem 3 estórias: numa ele caiu de mau jeito depois que o pai deu nele uma coça arrumada quando era menino, noutra diz que foi acidente de moto, mas a outra é pior, dizem que já foi fraco do “purmão” por um bom tempo. Mas olhando assim não parece tão corcunda assim.

- Sim Confúcio, está explicado, mas vamos a estória. Porque o cara tá corrido?

- Porque estão querendo “matar ele”. Andou fazendo umas coisas que desagradou o pessoal onde trabalhava. Já estava advertido, mas dessa vez errou feio. Ele danificou uma “Estalta” dum tal de Primo, um grego, como falam por aí.

- Mas um dano numa estátua não é caso pra morte. Como foi isso?- Mas esse foi sim doutor. Esse tal de zé birunda é meio maluco. Ele

pegou a “estauta” e... e...- Fale de uma vez Confúcio. E o que?- e... e... Aí falou bem alto para o colega da sala ao lado, separada por divisó-

rias ouvir: Como é mesmo Jorge o jeito que você inventou pra falar que ele arrancou o pinto da “Estalta”?

Foi uma explosão de gargalhadas do outro lado. Parecia que já esta-vam escutando atentamente e esperando por isso para se divertirem. Re-almente era difícil de segurar. Até o delegado riu um pouco, mas logo chamou atenção da turma quando percebeu o jogo. A situação fora armada é claro.

O doutor também não deixou de murmurar um desabafo: que men-tecapto!

Mas ele ouviu. Não entendeu o significado da palavra, mas elogio é que não era. No mínimo seria um daqueles pejorativos que sempre ouvia a seu respeito. Mas o doutor delegado era gente boa e não brincava assim. Devia ser alguma queixa ou reprovação. Assim tratou de desculpar-se pelo que achava que era. Então disse: Não doutor eu nunca menti para o senhor.

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Esse tal de “Zé birunda” achou que a falta de mercado era porque além dos preços altos, os quadros eram meio esquisitos e careciam de al-guma melhoria. Assim ele arranjou uns vagabundos que pintam porque gostam e aceitam qualquer trocado e mandou fazer aquelas alterações que achava que devia fazer, pra ficar do jeito que o povão gosta, porque a cada negativa, procurava saber o que desagradava e o que poderia ser melhora-do. As vezes até inventavam alguma coisa descabida de gozação pra falar, mas ele anotava tudo mentalmente como se fosse sério e depois providen-ciava as alterações.

- Que ignorante!- Pois é doutor. Foi do que eles xingaram ele, além de burro e outras

coisas piores. Mas o fato é que com isso ele fez uma espécie de mercado paralelo que competia com o original, digo a cópia do original, e vendia melhor que ele.

- Curioso isso hein!- Sim doutor, parece que ele sabia do interesse do povo.- Sim, mas o que ele fez exatamente?- Tinha uma tal de Mona Lisa que ele mandou redesenhar a boca,

colocando uma de uma atriz muito bonita, além de mandar clarear o ves-tido dela.

- Mas assim, do nada. De onde ele tirou essa ideia maluca?- Dum cliente doutor. Dizem que o cara quando viu, se apaixonou

pelo quadro e falou que pagava bem, mas na condição de fazer alguns acer-tos pra ficar igualzinho a imagem que ele guardava na cabeça.

- Que estória mais descabida. Mas diga, que imagem era essa que o danado tinha na mente?

- Segundo dizem, era a mãe dele quando era nova. Lembrança que tinha dela desde menino. Achava que era bonita demais e tinha a boca igualzinha à de uma artista de cinema. Além disso o vestido que sempre preferia usar era bem mais claro. O resto era igualzinho. Assim, feito as alterações, ficou com o quadro.

Curioso isso hein! Mas, e o outro quadro?Tinha um quadro de um tal de “Moneti” que tinha um desenho de

umas flores. Aí ele mandou incluir umas rosas e outras flores da nossa re-

- Olha doutor, depois desses problemas todos que a tal peça causou, começaram a achar que era algum tipo de mandinga, que dava azar em quem se envolvesse com ela. Então bolaram um jeito de exorcizar e sumir com aquilo. Arranjaram um “cabra” rezador que sabia bem mexer com essas coisas e ele deu um jeito.

- Que jeito?- Sei lá doutor. Parece que pegou aquilo com uma luva batizada

numa seção especial, colocou numa panela de barro, misturou com sal grosso, colocou a tampa e selou bem. Depois meteu tudo num saco de estopa e jogou no fundo do mar num local bem longe. Dizem que ganhou uma grana boa pelo trabalho e pagaram com gosto.

- É até bom. Pelo menos com essa parte não há o que se preocupar. Mas falta falar da destinação da estátua coberta com a toalha. Você sabe o que foi feito dela.

- Doutor, contando assim a gente até duvida. Mas depois que santi-ficaram a estátua, arrancando aquela indecência e cobrindo com um pano as suas vergonhas desfeitas (outra gargalhada), aquilo foi aceito como ima-gem de santo e o Zé Birunda ainda conseguiu um bom preço num terreiro de macumba da periferia, depois de acrescentar mais uns detalhes a pedido do comprador.

- Que cara enrolado hein! Mas então essa parte se resolveu bem.- Nada doutor. O pessoal da organização quando soube da boa ven-

da, foi atrás do Zé Birunda pra receber o deles. Ele concordou em dar o dízimo, mas acharam muito pouco, por que ele não era dono legítimo. Queriam no mínimo cinquenta por cento. Zé birunda não concordou, porque disse que teve que arcar com os custos da adequação. Ai não teve jeito senão sumir, porque colocaram o pessoal do serviço sujo atrás dele.

- Mas conta o resto. Fale das advertências anteriores.- Pois é doutor, o pessoal dele lá, tinha uns quadros famosos pra

vender. Tudo falsificado, mas igualzinho aos originais. Nessa época o mer-cado “tava” fraco, difícil de arrumar comprador rico. Quando apareciam, regateavam muito, para comprar com preço baixo pra poder revender. Eles achavam que vender barato desmerecia a qualidade do produto, perdia o respeito, enfim, desvalorizava.

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- É o amuleto da sorte, porque como ele diz, cada vez que chamavam de burro ele ganhava mais dinheiro.

- Você sabe se de fato ele fez o pacto ou é de alguma forma ligado ao satanismo ou seitas ocultas?

- Olha doutor, se ele vendeu mesmo a “arma” pro demo a troco de enricar ninguém sabe, mas pelo sim, pelo não, ninguém quer arriscar a desacatar um afilhado do “Tinhoso”. Mas seita e outras coisas ele não fre-quenta por ali. Pode ser só a fama mesmo.

- Você sabe quem estava na cola dele?- Segundo corre à “boca pequena” é o “Carinhoso” mais o “Cova

Rasa, dois caras perigosos que são chamados sempre que se quer finalizar um serviço.

- Que nomes mais estranhos hein!- É doutor. Carinhoso é o avesso da especialidade dele. É violento.

Uma coça dele, quando não mata aleija. É por isso que as vezes também “chamam ele” de Surucucu. Cova rasa, é porque é meio preguiçoso e im-paciente. Leva o cara para um formigueiro, manda cavar a própria cova, mas mata antes de ter a fundura certa. Quando o cara não quer, ele mata ali mesmo e deixa o trabalho por conta das formigas. É questão de três dias para os ossos estarem limpinhos.

- É, gente da pior espécie. E os outros da quadrilha?- Olha doutor, era quadrilha organizada e tinha muita gente. Cada

grupinho na sua função: O chefe era o “Mestre”. Igual a cocô de índio, todo mundo sabe que

existe mas minguem viu até hoje e se viu disfarçou bem (Outra gargalha-da). Pode até ser algum graúdo aí que a gente esbarra nele toda hora e nem desconfia quem é ele.

Na negociação Trabalham: “Lero-Lero”, que leva qualquer um no bico; “Cara dura”, que conta o maior “caô” na cara de pau e “nêgo” acredita nele sem discutir; esse enrolado do “Zé birunda”, que apesar de não valer um tostão furado e ser considerado burro, melhorou de vida rápido e já tinha até capanga particular por conta dele.

Na vigilância noturna tinha: “Bacurau”, “Curiango”, “Meia noite” e “Corujão”, mas faziam outros servicinhos também fora do seu horário

gião que ele gostava. Quando um cliente viu, gostou demais. Achou muito parecido com um campo florido que tinha perto de sua casa. Lembranças de infância. Resultado: Levou o quadro e pagou o que pediram.

- Que coisa hein! E o outro quadro que você falou que tinha?- Ah sim doutor, tinha outro de um tal de “Caravalho” que ele man-

dou clarear, porque achava esquisito demais, uma escuridão só. Segundo, ele parecia que tinha sido pintado no escuro, a luz de velas. Resultado: vendeu bem vendido.

Se essas ideias dele eram certas ou não eu não sei. Só sei que o povão aceitava numa boa. Não faltava comprador.

Tomava esculacho direto do pessoal de onde trabalhava. Eles chama-vam ele de burro, ignorante, idiota e tudo quanto é nome a mais. Como não tinha comprador a altura mesmo e o quadro já estava danificado, a quadrilha cobrava dele vinte por cento livre e ele pra não morrer pagava.

Ele nem ligava mais para ao pejorativos, teimoso como uma mula, ainda achava que “tava” certo. Eu sei é que quanto mais chamavam de bur-ro, mais ele ganhava dinheiro. Aí começou o ódio contra ele porque tanto dava prejuízo porque estragava os quadros, quanto começou a prejudicar os negócios. Se bem que o tipo de compradores era diferente.

- É, pelo visto, de burro ele não tinha nada. Mas, já procuraram o cara na periferia?

- Nem sinal dele. Também se estivesse por lá ninguém falava.- Porque? - Porque o pessoal morre de medo dele. Além de bravo, acham que

ele tem parte com o cão, porque enricou depressa demais e anda com um monte de amuletos, tudo de ouro.

- É um poço de vaidade esse cara.- Bota vaidade nisso doutor. O cara tem um burrinho de ouro puro

pendurado numa corrente daquelas mais grossinhas de duas voltas, tudo de 24 quilates. Fora os anéis. Até um carro de luxo, um “cadilaque” antigo, mas todo cromado, estofamento especial e tudo ele comprou. No Capô, bem na frente tem um burrinho de ouro, no lugar do símbolo da fábrica. Ninguém nem chega perto, de medo.

- Esse cara deve gostar mesmo dos burrinhos hein!

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Capítulo 13

Pessoal do Lual viu monstro pousando e afundando na lagoa de Maimbá.

O delegado vinha chegando de manhã para o trabalho e ao passar por um dos investigadores que saía meio apressado este o saudou e troca-ram umas palavras rápidas.

- Bom dia doutor. - Bom dia. E aí, novidades?

Era uma saudação padrão. Novidades é que não faltavam. Aliás a todo momento aparecia mais uma, ultimamente. Era só escolher sobre qual ou quais falar.

- Sim doutor. Lembra daquele caso que ficou mal explicado sobre o monstro voando baixo sobre a lagoa e que depois que o senhor apertou o zé do monstro ele acabou por falar que era invenção dele pra tirar dinheiro dos turistas?

- Ah, agora me lembrei. - Pois é, temos mais alguma coisa. Depois conversamos melhor,

quando eu voltar do atendimento que vou fazer, coisa corriqueira.

No meio da tarde, na delegacia. Os investigadores comentaram entre si que alguém deveria conversar com o delegado e colocá-lo a par das novi-dades sobre o caso do monstro da lagoa. Cada um se esquivou dizendo que já estava agendado para um atendimento naquela tarde. Tudo armação. É que sobrava exatamente o Confúcio a quem chamavam por “confúsio”.

habitual. Na cobrança trabalhava: “Ultimato”, que ia lá dar a decisão nos de-

vedores e costumava receber na marra; “Zé do cão”, ruim que só ele mes-mo. Era melhor dever pro Satanás do que pra ele; Extrema Unção, que dever pra ele era mau negócio, era o mesmo que encomendar a extrema unção ao padre.

Na segurança trabalhava esses dois que já falamos: Carinhoso e Cova Rasa, além de “Catacumba”, “Britador” e mais meia dúzia de vagabundos que ainda não tinha um apelido certo pra se falar.

- Barra pesada esse time hein! Mas onde estão todos: nós sabemos deles?

- Nem sinal. Vazaram todos depois que o tiroteio dos capangas do Zé birunda com os da organização atraíram a polícia. Ninguém tem notí-cia, nem sabe pra onde foram.

- É, para um lado é até bom estarem corridos. Durante esse tempo cuidamos de outros casos.

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guém guiando o pessoal? Se fala ou explica alguma coisa?- Sim doutor, tem até mais. Mas parece que tem um que fala mais e

explica as coisas.- Sabe se dão algo ou servem alguma bebida para as pessoas?- Certamente doutor. É até muito procurada e dizem mesmo que

tem gente que vai lá só para tomar aquilo. É uma tal de cachaciusca, ca-chiasca, cachiauska ou coisa assim. Como é mesmo, Jorge, o nome daquela cachaça dos índios que eles dão lá, que deixa os caras meio lerdos? Disse o Confúcio em voz alta para o colega do outro lado da divisória. Outra gargalhada se ouviu, para aborrecimento do delegado.

- Vai em frente Confúcio.- Sim doutor. Dizem que é um tipo de garrafada que eles preparam

com umas ervas amazônicas, depois dosam uma pinga boa. Deixa os caras meio lesos, mas eles adoram.

- Já entendi Confúcio. O nome é Ayahuasca, uma bebida contendo um alucinógeno que algumas seitas usam em seus ofícios religiosos.

- Não entendi direito esse palavreado, mas é isso mesmo. Teve até um entendido por aí que disse que era parecido com um tal de vinho da jurema que o pajé usava no encontro espiritual da religião deles, para saber tudo que cada um escondia dentro da cabeça.

- Sim Confúcio, li sobre isso há algum tempo, mas vamos em frente.- Era uma dessas que a gente precisava aqui, né doutor. Era só servir

a bebida pro vagabundo que ele contava tudo e mais um pouco. Comen-tou. Outra gargalhada.

- Confúcio, nunca mais repita isso, nem aqui e muito menos fara daqui. Isso parece brincadeira, mas é gravíssimo. Se começam a comentar isso, mesmo que seja mentira, amanhã o pessoal da corregedoria já está na porta querendo saber dessa estória. Pior, se os advogados dos acusados sabem disso, pedem na justiça a anulação de todos os depoimentos, sob a alegação de que a polícia utiliza métodos ilícitos para obter confissões forçadas. Aí, todo o trabalho que fizemos com tanto sacrifício vai para o ralo. Tivemos problemas por muito menos que isso. Por favor, esqueça esse assunto.

- Desculpa doutor, eu não sabia que era coisa tão grave assim.

Esse, por seu lado, se sentia importante com essa incumbência.Era um cara meio atrapalhado, daí seu apelido. Mas prestativo, tra-

balhador, assíduo, de confiança e muito alegre e divertido. Seus colegas o adoravam por isso. Sempre quando chegava era uma festa. Mas há quem diga que aquele bobo andava meio esperto ultimamente e até dava a im-pressão que falava ou fazia alguma bobagem para chamar atenção sobre si. Um tipo de carência afetiva, talvez, como alguém já dissera.

- “Confusio” você entendeu direitinho tudo que explicamos sobre o caso. Vê se não vai fazer feio com o doutor, hein! Você entendeu mesmo.

- Deixa comigo, disse o “confusio” confiante e orgulhoso.

- Bom dia doutor.- Entre Confúcio. Alguma novidade?- Sim, doutor. Sobre aquele caso do Monstro da Lagoa. - Ouvi esse comentário de manhã. Como está esse caso?- Parece que viram ele de fato, na noite passada.- Mais essa. Provavelmente é estória de pescador. Eu até já proibi esse

tal de zé do monstro de ficar inventando essas bobagens.- Não doutor. Dessa vez foi um pessoal de um tal de “Luario”.Gargalhadas do outro lado das divisórias.- Que estória mais descabida é essa Confúcio? Que negócio de luário

é esse agora? Quem são esses? Gente conhecida daqui ou de fora?- A maioria de fora doutor. Um bando de desocupados adoradores

de lua que sai de noite para áreas mais afastadas como aquela região da lagoa. Mas de seita mesmo não tem nada. Eles querem mesmo é cantar, beber e fazer um monte de coisas que nem vale a pena falar.

- Ah! Entendi, Confúcio, é lual. Tipo uma festa noturna que fazem à luz da lua. Mas tem alguns grupos de malucos daqueles que depois de se dopar com algum alucinógeno, batem palmas pra lua e cantam em sua homenagem.

- Eu não disse. É falta de serviço mesmo, né doutor. Novas garga-lhadas.

- Tudo bem Confúcio, mas, vamos em frente. Você sabe se há al-

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bem armada e alguém ou um grupo de pessoas por traz daquilo tudo e é claro por interesses escusos.

O Fato era que suas antigas conjecturas adquiriam cada vez mais consistência e se aproximavam do real. Excluindo-se a hipótese do mons-tro, imaginário, sobrava a possibilidade real de algum tipo de máquina voadora como um pequeno avião, um planador motorizado como uma alegoria carnavalesca. Faltava alguns dados quanto a ruídos e outros peque-nos detalhes. A questão era provar.

Precisava descobrir, mas seu quadro já estava insuficiente e mal apa-relhado. Seria então mais um caso para animá-lo a pedir ajuda à secretaria de segurança pública, para lhe mandar bons investigadores do serviço de inteligência da polícia. Também ajudaria o fato de serem desconhecidos por ali e poderem trabalhar disfarçados de turistas.

- Tá bom Confúcio, continue.- Sim doutor. Depois que reúnem todo aquele pessoal, o cara que

explica fala muito sobre o assunto do tal monstro e faz a cabeça do pessoal como se aquilo fosse mesmo uma verdade. Logo depois servem aquela bebida. Daí a uns vinte minutos a meia hora, ele começa a mostrar e vai indo, vai indo, o pessoal jura que vê, exatamente como a descrição daquele depoimento do caso do interrogatório do zé do monstro: Uma coisa gran-de em forma de pássaro, de uns dez a quinze metros de comprimento, com um roncado meio rouco e continuado e um bafo meio ardido como se fos-se uma fumaça de óleo. Ele começa a sair de trás do morro e vai baixando até ao nível da lagoa, até onde se consegue ver. Depois disso eles terminam o programa, vão embora e o pessoal sai dali jurando que viu.

- Mais alguma coisa, Confúcio?- Não doutor, basicamente é isso.- Ótimo Confúcio. Agora pode ir.

O delegado até gostava de falar com o Confúcio. Não precisava for-çar muito para ele dizer as coisas. Falava pelos cotovelos e seus comentários bobos, dando os devidos descontos e fazendo as adaptações necessárias, sempre mostravam algo real ou que tinha um fundo de verdade. Era sim-plório e tinha uma pureza quase infantil a ponto de às vezes fazer comen-tários impróprios sem maldade. Mas atendia como adulto a uma ordem de não levar aquilo em frente.

Quando a entrevista com o Confúcio acabou, o delegado ficou al-gum tempo remoendo os detalhes daquela conversa, que de certa forma potencializava algumas ideias que tivera há algum tempo e conjecturas até então descabidas. Mas com as recorrências, as coisas chegaram a um ponto que indicava a existência de um fundo de verdade naquilo tudo. O mons-tro em si não deveria existir, é claro. Não era razoável pensar nessa hipótese. Então deveria ter alguma coisa, algum dado importante, alguma observa-ção que se tornasse a peça faltante naquele quebra cabeça. Descobrindo o que era e deduzindo mais alguma coisa, poderiam chegar à reta final na solução daquele caso.

Estava cada vez mais convencido de que havia alguma coisa muito

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Capítulo 14

Invasão de terreno no morro do Atalaia

Algum tempo depois de aparecer gente vendendo mapas da gruta do morro do Atalaia que os jesuítas estabeleceram como rota de fuga e onde a lenda diz que esconderam um tesouro, aconteceu uma enorme confusão, com tiroteio e tudo, supostamente envolvendo gente de fora. Eram dois grupos, bem organizados e com ótima condição, com carros e tudo.

Essa história era antiga e para o povo nativo não colava mais. Mas os turistas achavam engraçado e compravam os tais mapas. Mais tarde, repassavam a história em outras cidades e revendiam, recuperando seus investimentos. Com isso, mais vagabundos e aventureiros chegavam, só aumentando os problemas.

Da última vez que se tem notícia de problemas com essa estória de tesouro enterrado na gruta, foi há muitos anos. Alguém espalhou essa estória e não demorou muito para que a cidade ficasse polvorosa com essa coisa de caça ao tesouro. Fizeram escavações em muitos pontos e chegaram inclusive a tal gruta, o pivô da confusão. As escavações já estavam adian-tadas e não acharam nada. Um belo dia, segundo contam, um enorme temporal com chuvas e fortes rajadas de vento, deslocou uma grande pedra que rolou e acabou fechando a entrada do túnel. Conta-se que na época o pessoal, muito supersticioso, tomou como castigo e desistiram da ideia com medo de começar a ocorrer coisas piores em suas vidas. Com o tempo, as coisas esfriaram e ninguém se lembrava mais disso, até que começaram a aparecer de novo.

Mas, relatemos a confusão:

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óbito em nenhum lugar, nem entrada em algum necrotério ou cemitério oficial, nada que nos fosse comunicado.

- Esse caso parece mais complicado do que eu imaginava. E o local exato, a motivação do crime, as circunstâncias em que tudo aconteceu, possíveis provas materiais...

- Olha doutor, ninguém sabe de nada, ninguém viu nada e parece que ninguém quer se comprometer. A única coisa que dizem é que é gente estranha na cidade e que ninguém sabe de onde veio, nem o que procuram aqui.

- Isso está parecendo briga de facções criminosas pela disputa de algo como drogas e outras coisas, muito parecido com outras ocorrências que já aconteceram por aqui. Quem foi lá atender essa ocorrência? Chamem-no aqui para conversarmos melhor e tentar esclarecer mais alguns pontos.

- Ninguém foi doutor.- Não é possível. Como alguém recebe notícias de uma ocorrência

grave e enrolada como essa e nenhum investigador vai lá apurar os fatos?- Estávamos sem viaturas no momento doutor e ainda estamos.- Como? E as três novas que recebemos? E as duas que vieram do

conserto?- Todas ainda estão em diligências importantes, exceto uma que que-

brou de novo. - É demais. Assim não dá. Chame o Zé da esquina, vê se ele dá jeito.- Não é preciso doutor: ele já estava por aqui, como sempre depois

da carraspana e das confusões que armou ontem, já o acordamos e ele já está terminando o serviço.

- Pelo menos pra isso ele presta. É um cachaceiro inveterado, brigão, bebe o juízo junto com a pinga, mas é competente no que faz. Tem sido nossa tábua de salvação.

- Sempre, né doutor! Desse jeito vamos ter que condecorá-lo.- Só se for com o troféu pinga!Gargalhadas.- Ta pronto hein doutor! To indo pra oficina.- Te deixo lá perto, Zé. Vou lá investigar a ocorrência.- Não é preciso, seu Jorge. Vou ter que passar ali na casa do compa-

Próximo das 8 horas da manhã o telefone toca insistentemente na delegacia. O delegado estava ocupado numa sala reservada junto ao escri-vão e um suspeito qualquer num demorado interrogatório. Quando al-guém abriu a porta acidentalmente. Antes que pudesse desculpar-se ele esbravejou: Como é, ninguém vai atender a esse maldito telefone não!

- Sim doutor, acabamos de atender e o senhor não vai gostar nada.- Vai, desembucha logo. O que é desta vez?- É melhor esperar o senhor terminar aí.- A sim, já estou finalizando. Daqui a cinco minutos conversaremos.O delegado compreendeu a confidencialidade do caso e possivel-

mente a sua gravidade.Minutos depois...- Podemos conversar agora doutor?- Sim, conte o que foi que lhe passaram por telefone.- Houve uma invasão num terreno próximo ao morro do Atalaia.- Ah sim, Já estamos acostumados com esse tipo de ocorrência, daqui

a pouco vamos ter problemas, alguém vai acabar morrendo nessas confu-sões.

- Já estamos com problemas doutor. Houve confusão, brigas sérias no local, gente baleada, inclusive teve um que estava muito mal, o posto de saúde estava lotado e fechado por falta de condições de atender. Que-braram a porta, entraram lá na marra, invadiram as dependências, desaca-taram médicos e funcionários e quando constataram que não havia muito a fazer ali, saíram com o moribundo em péssimo estado, não sem antes depredarem bastante a unidade, com raiva por não conseguiram atendi-mento melhor.

- Que lástima, esse pessoal não tem cabeça mesmo, perdem tempo tentando forçar uma situação, dão o maior prejuízo à comunidade e saem sem conseguir o que pretendiam. Mas, e o cara baleado e seus comparsas?

- Segundo informaram foram para o hospital mais próximo, mas não adiantou muita coisa: o cara morreu antes de dar entrada.

- E aí, pra onde levaram o corpo e pra onde foram?- Ninguém sabe informar. Pelo menos até agora não há registro do

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- Isso ninguém prestou atenção, estava todo mundo se escondendo o mais rápido que pudesse com medo de bala perdida.

- E o outro carro?- Esse, segundo me contaram, tava meio escondido e depois do ti-

roteio saíram em disparada e só foram ver já meio longe. Mas uma delas parou pouco tempo no posto de saúde, fizeram a maior confusão e saíram em disparada minutos depois.

- E o senhor aí. Nome e demais identificações por favor.- Sou Jorge de Sá, viúvo, 4 filhos, pescador, moro na rua de baixo.- O senhor sabe informar o terreno de quem foi invadido?- Acho que não foi questão de terra não seu Jorge, pelo menos nin-

guém reclamou.- Mas e a briga qual seria a motivação?- Ninguém sabe exatamente.- Tá enrolado! E o que estariam fazendo ali então?- Os dois grupos pareciam estar cavando.- Sim, mas eu quero saber o motivo da confusão.- Como já disseram os dois grupos que brigaram era gente de fora.

Antes de o tiroteio começar o pessoal já havia se escondido com medo porque eles estavam com muitas armas “pesadas” e já discutiam bastante entre si.

- E o que diziam, alguém escutou alguma coisa?- Estavam meio distante, mas como quase gritavam uns com os ou-

tros deu pra ouvir pouca coisa, que acredito que tenha alguma coisa a ver com a razão do tiroteio.

- Sim, fale de uma vez o que foi que disseram?- O que parecia ser o chefe de um dos grupos reclamou com o chefe

do outro grupo sobre o direito a alguma coisa que fora combinado antes. Esse respondeu que segundo o acordo o direito era deles porque seu grupo descobriu o buraco primeiro.

- Sabe se acharam alguma coisa de valor ou algum objeto ou qual-quer coisa?

- Segundo falavam ainda esperavam encontrar algo melhor, mas me lembro que disseram ter ouvido um deles falar que a ossada era muito

dre.- Posso imaginar que compadre é esse. Vê se não vai arrumar mais

problema hein!- Nada seu Jorge, de dia eu não bebo e por outra tenho um serviço

pra terminar.- Ainda bem. Problemas nós possuímos de sobra, não precisamos de

mais nenhum.

Meia hora depois: Investigação preliminar próximo ao local indicado pelo registro da ocorrência. O investigador da polícia civil conhecido como seu Jorge se aproxima de um grupo de pessoas e começa a inquiri-los.

- O senhor aqui: seu nome endereço, estado civil e profissão, por obséquio.

- João da Silva senhor. Moro na rua projetada, sem número, sou casado e pescador.

- Onde o senhor estava na hora do tiroteio?- Eu cheguei quando já estava tudo terminado e a rua já estava deser-

ta porque todo mundo correu quando ouviu o barulhos dos tiros. - Quem eram os atiradores?- Pela conversa que ouvi eram dois grupos de pessoas nunca vistas

por aqui que estavam com muitas armas de vários tipos. - Estavam a pé ou embarcadas?- Embarcadas, seu Jorge e trataram de correr em alta velocidade

quando pelo menos um de cada lado foi baleado?- Como eram os carros? - Eram duas caminhonetes modelo novo, uma era preta outra prata. - Alguém lembra o número das placas?- A placa completa ninguém soube dizer, mas me lembro que ouvi

alguém dizer que anotou para jogar na quina da loto, porque achou curio-so os dois últimos números serem o dobro dos dois primeiros. Acho que era 2244 porque o cara que ia jogar fez as apostas assim: 22, 24, 44, 42 e 12 porque era a soma dos números e 21 porque era o contrário de 12. Coisa de jogador.

- Esse detalhe de jogo não interessa. E as letras da placa?

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atender mais ninguém. Colocamos então um aviso na porta sobre isso, recomendando os pacientes a procurarem outra unidade. Por volta das 8 e 15 da manhã quatro brutamontes de macacão e botinas carregando um pa-ciente muito mal, chegaram aqui e já foram arrombando a porta, que teve sua vidraça espatifada e a parte de alumínio totalmente amassada, além das trancas quebradas. Queriam ser atendidos à força, nos ameaçando com suas armas, nos faltando com o respeito, desacatando todo mundo, muito nervosos mesmo. Tiraram o médico que estava consultando um paciente à força e sob a mira das armas para atender a seu colega ferido à bala segundo relataram. O médico examinou e viu que a situação era grave e que não seria possível nem estabilizar o paciente aqui, dadas as nossas condições precárias. Também estávamos sem viatura no momento. Como estavam de carro e o caso era urgente o médico os recomendou levar urgente ao hos-pital mais próximo. Eles ficaram ainda mais exaltados e promoveram um quebra-quebra generalizado, além de ameaçar funcionários e pacientes. Fi-nalmente saíram em alta velocidade e não tivemos nem como identificá-los melhor, de ver o seu carro e anotar a sua placa. Nunca ninguém os viu por aqui, acho que são mesmo de fora. Bem isso é tudo que sei.

- Que gente mal educada! São uns vândalos mesmo. Obrigado dona Jaci. Se precisar de mais algo dou uma passada aqui. Agora vou dar uma passada no hospital.

No Hospital:- Bom dia. Sou Jorge, investigador da polícia. Preciso tomar alguns

depoimentos sobre uma ocorrência de hoje de manhã, por volta das 8 e meia, um homem ferido à bala. Quem é o responsável?

- É dona Mirtes, na primeira porta à direita.- Bom dia dona Mirtes, sou Jorge, investigador da polícia. Preciso de

tomar alguns depoimentos sobre um atendimento hoje por volta das oito e trinta. A senhora tem o registro.

- Não temos registro nenhum, pois isso não foi possível. Os homens foram muito grosseiros e desacataram todo mundo e depois saíram com o paciente com um carro em alta velocidade.

- Quem foi o médico que atendeu?

antiga mesmo, provavelmente de antes da fundação da cidade. Não sei que serventia teria um punhado de ossos velhos. Isso é tudo que eu ouvi dizer, porque também cheguei bem depois. Não conheço quem disse, foi conversa de fundo de boteco.

- E o senhor aí, sabe mais alguma coisa sobre a ossada que acharam?- Escutei falar que semana passada acharam um bando de urubus

dando conta de uma carcaça de defunto lá pelas bandas da restinga perto da rodovia do sol num local despovoado antes de chegar em Guarapari. Parece que tinha mais alguns enterrados lá. Disse o cara com a fala quase ininteligível de tão embriagado que estava.

- Em outro lugar? Semana passada? E ninguém avisou a polícia?- Não leva em conta o que ele diz, seu Jorge. Esse sujeito bebe de-

mais, mistura as histórias todas, confunde e até diz coisa da imaginação dele. Quando melhora já não sabe mais nada do que disse.

- Mas a polícia precisa investigar tudo. Vamos apurar a veracidade dos fatos quando o tempo permitir. Bem por enquanto é só. Estejam à disposição da polícia se mais esclarecimentos forem necessários.

- Puxa vida, a gente atira no que vê e também acerta no que não vê. Mais essa agora: as ossadas lá na restinga. Mas isso fica pra depois, agora preciso passar na unidade de saúde e no hospital para complementar o relatório dessa primeira investigação.

Chegada ao posto de saúde.- Bom dia. Sou o investigador Jorge da polícia e recebi uma denúncia

de invasão e vandalismo. Venho lavrar a ocorrência. Quem é o responsável?- É a dona Jaci. Fica naquela sala antes do final do corredor. Apon-

tou.- Bom dia dona Jaci, vim colher depoimento para a investigação da

ocorrência desta manhã.- Bom dia. O pessoal do plantão já mudou, mas eu posso responder

tudo.- Sim. Conte-me tudo sobre o que presenciou.- Já estávamos com problemas de superlotação e sem condições de

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Saindo do hospital, rumo à delegacia.

- E então. O que conseguiu apurar? - Olha doutor Marcos o caso é mais complicado do que imagináva-

mos e deu pra apurar pouca coisa a mais.- Mas vamos lá. Fale de uma vez.- Na verdade são dois grupos rivais. Em princípio se conheciam e

parece que até havia um acordo entre eles a respeito do direito de posse de algo que ainda não sabemos. Esse acordo parece que dizia que quem encontrasse o buraco, passagem ou algo parecido primeiro teria direito a se apoderar de algo. Por isso estavam cavando e possivelmente no mesmo lugar ou próximos uns dos outros. Em dado momento se desentenderam e começou a discussão pela posse de algo que possivelmente ainda não era o que procuravam definitivamente. A discussão acabou em gritaria e ofensas, alguns socos e empurrões e daí começou o tiroteio com pelo menos dois feridos de cada lado sendo um deles em estado grave que acabou indo a óbito antes de dar entrada efetivamente no hospital. Todos se evadiram e os carros, duas caminhonetes de modelo novo não foram encontradas. Somente uma teve só os números da placa anotado. Antes de chegarem ao Hospital passaram pelo posto de saúde e o vandalizaram devido a impossi-bilidade de atendimento. Quando chegou ao hospital o médico os atendeu logo na entrada, disse que não havia mais o que fazer por já estar morto e que o corpo deveria ir para o IML e a polícia avisada. Ficaram furiosos com o médico e lhe apontaram uma arma para a cabeça dizendo que ficasse de bico calado senão morreria e saíram em disparada.

- E o que acharam lá?- Uma ossada antiga que provavelmente datava de antes da fundação

da cidade, segundo avaliaram. Mas segundo ouviram ainda não era o prin-cipal que esperavam encontrar.

- Quer dizer que brigaram e fizeram tanta confusão por tão pouco?- Parece que sim, pelo menos a princípio. - Mencionaram o dia da volta? - Não doutor isso ninguém ouviu. Mas, provavelmente depois dessa

confusão toda eles devem passar um bom tempo sem aparecer por aqui.

- Foi o doutor Celso. Vou chamá-lo, pois acabou de atender um paciente.

- Dr Celso, o senhor se lembra do atendimento de um paciente feri-do à bala hoje de manhã?

- Nem poderia esquecer, pois apontaram uma arma pra minha ca-beça.

- Como eram esses sujeitos?- Além do paciente eram 4 que o trouxeram sem maca, segurando-o

pelos braços e pernas. Eram brancos e bem constituídos, com a pele bem queimada de sol e já meio enrugada, provavelmente já estavam na casa dos quarenta ou cinquenta anos, usavam macacões cor cinza escuro e botinas pretas.

- O que disseram?- Nada. Foram muito grosseiros. Mandaram que eu ficasse de bico

calado e só falar o que perguntassem e estritamente sobre o estado do pa-ciente.

- E como foi o exame?- Não respirava mais, o coração não batia, perdera sangue demais e

não apresentava mais nenhum dos sinais vitais. Não dava pra fazer mais nada, estava mesmo morto. Então os informei disso e disse que precisá-vamos avisar a polícia e que o corpo tinha que ir para o Instituto Médico Legal.

- E eles como reagiram?- Da pior forma possível. Apontaram uma arma para a minha cabeça

e me ordenaram que ficasse de bico calado e não avisar a polícia nenhuma senão me matariam logo ou voltariam para matar depois. Saíram em alta velocidade, numa caminhonete preta modelo novo que ninguém conse-guiu anotar a placa, tal o estado geral de pânico. Estou com medo de que voltem.

- Não se preocupe estão foragidos e amedrontados e se voltarem por aqui serão apanhados. Provavelmente já saíram da cidade e devem estar longe. De qualquer forma deixarei alguém à paisana nas imediações para agir em caso de necessidade.

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Capítulo 15

Gente que ouviu à noite o arrastar de correntes e gritos de presos apanhando

- Doutor, recebemos uma reclamação de perturbação da ordem pú-blica de um denunciante anônimo. Querem que a polícia vá lá e constate por ela mesma para evitar problemas.

- Que estranho. Você saberia explicar porque? - Sim. Provavelmente é porque o principal envolvido é um pai de

santo e o pessoal morre de medo dele.- Entendi. Além da bagunça ainda tem a coação moral. Mande al-

guém lá, descaracterizado para obter informações.- Vai ser difícil arrumar alguém, doutor. O pessoal aqui também tem

medo.- Isso é besteira, Jorge. É com esse medo que eles dominam as pes-

soas.- Tudo bem doutor. Se não conseguir ninguém eu mesmo vou. Mas

nesse caso não tem jeito de disfarçar. Sou bastante conhecido na região.- OK. Vai lá e colha alguma informação. Vamos ver o que consegui-

mos apurar. A coisa deve estar incomodando mesmo. Ninguém dá queixa à toa.

No dia seguinte, à tarde:- Boa tarde, doutor. Podemos falar? É sobre aquela investigação so-

bre a qual conversamos ontem.- Ótimo, faça um relatório resumido sobre o caso.- Naquela região onde dizem que começou a primeira vila, a par-

- Ainda bem. Então por enquanto, tudo ficou resolvido.- A coisa não é bem assim doutor. Temos mais problemas.- Fala de uma vez homem. O que tem a mais nessa história?- Nessa história provavelmente nada. Mas temos outra que pelo visto

não tem relação com ela, mas é ainda mais escabrosa. Acharam um cadáver insepulto, em adiantado estado de decomposição e praticamente já consu-mido pelos urubus, sobrando só os ossos.

- Mas você não acabou de dizer que recolheram todos os feridos.- Sim doutor, mas essa ocorrência foi na região da rodovia do sol,

antes de chegar a Guarapari. Parece que tem mais covas rasas na região e que o local é ponto de desova.

- Então a coisa é muito mais grave do que eu pensava, até porque no passado encontraram cemitério clandestino e isso deu um rolo sem tama-nho, com muitos processos e condenações na justiça. Hoje dá medo até em falar e ninguém gostaria de mexer com isso. É um vespeiro sem tamanho. Vai que tenha gente graúda metida nisso!

- Pois é doutor. Eu imaginei que o senhor ia ficar assim tão preocu-pado.

- De qualquer modo deixe a pasta de investigação iniciada e a dispo-sição. Por enquanto temos coisas demais para resolver.

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- Mas tem um problema doutor. Na verdade alguns.- Seja mais explícito.- Sempre evocam o direito de ir e vir, além do direito constitucional

de praticar as crenças deles, Por outra, as lojas de produtos religiosos são legalizadas.

- Esse povo não é fácil não viu. Arranjam sempre um jeito de dar nó até nas leis. Mas eu sei de uma que não podem negar: Arruaças. Perturba-ção da ordem pública. Vamos começar pelo pai de santo. Mande uma inti-mação para ele comparecer aqui o mais breve possível. Vamos interroga-lo. Ele vai dar o serviço direitinho. Possivelmente até esse pai de santo seja falso.

- Bom dia doutor.- Bom dia nada (Esse nada, aqui, substitui aquele palavreado nada

elegante e até impublicável que utilizavam nos interrogatórios para fragili-zar logo de início o interrogado. Eles diziam: quebrar a crista do vagabun-do).

- Que estória é essa de perturbação da ordem pública, principalmen-te fora de hora.

- Não estou sabendo de nada disso doutor.- Mas nós estamos. Vai logo explicando direitinho essa estória de

correntes arrastando e gritos roucos de gente apanhando.- Desculpe doutor. Eu não sei mesmo.- Sabe sim. Olha que aqui os mentirosos vão para o inferno. Você

conhece o inferno?- Deus me livre doutor.- Não coloque Deus no meio dos seus rolos. Mas você pode se livrar

dele.- De que me acusam doutor? E quem me acusou?- Não interessa. Não enrola tentando ganhar tempo. Não vai colar.- Mas doutor...- Jorge, faça as honras da casa. Dá uma volta com a visita e mostre o

inferno pra ela.- Sim, doutor. Vamos lá.

tir do povoado surgido em torno das primeiras construções dos Jesuítas, segundo a crença dos habitantes de hoje, teria funcionado entre outras coisas a cadeia. Dizem que existe guardado não sei onde um quadro com o desenho dessa vila. Segundo a descrição geral era parecida com uma praça, em torno da qual havia: a igreja, mais o colégio dos padres, a casa do admi-nistrador do governo local, o fórum, a tal cadeia e até a forca, num canto da praça. A cadeia ficava num canto mais afastado, quase na saída da vila. Perto dela, também havia um pequeno cemitério.

- Entendi essa parte. Mas, e hoje o que tem lá?- Todo o conjunto foi demolido, depois de muito tempo de aban-

dono por ter sofrido incêndio. Na situação atual, depois de várias modi-ficações, segundo consta, funciona um armazém antigo, praticamente em desuso, não sendo mais que um simples depósito.

- E onde ele se encaixa na tal denúncia?- Segundo informações, tudo começou quando surgiu um boato de

que depois da meia noite começavam a ouvir o arrastar de correntes e o grito de presos apanhando dos carcereiros e os bate paus contratados para isso. Depois constataram realmente.

- E daí?- Quando a notícia se espalhou algumas pessoas resolveram contra-

tar os serviços de um pai de santo afamado para mediante suas mandingas, acalmar os espíritos sofredores, convencê-los de que eles já se foram há muitos anos e que precisavam ir em frente em suas caminhadas, liberando o lugar para os de hoje.

- Ah! Começo a entender melhor. A coisa cheira mesmo a enrolo. Certamente deve ter alguém ganhando o dinheiro suado dos “trochas”. Tinha que ter algum vagabundo tirado a esperto no meio disso. Possivel-mente mais de um. Mas, continue.

- Claro, doutor. Exorcismo custa dinheiro. A esses rituais, sempre es-tão associados alguns produtos típicos como: Velas, charutos, defumadores de todos os tipos, cores e tamanhos, tecidos coloridos, bebidas, galinhas pretas e outros animais, perfumes e até alguns utensílios.

- Eu não disse. Tem é muita gente metida nisso. Vamos logo dar um jeito nisso.

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- Me conta mais sobre essas mandingas de araque que você faz.- Mas eu não faço.- Faz sim que eu estou sabendo. Afinal que pai de santo fajuto é você?- Não doutor, nem pai de santo eu sou. É tudo de brincadeira. Na

verdade sou um ator.- Isso eu já sabia. Eu quer saber das pessoas que estão por traz disso. - São vários, doutor. Praticamente todos os comerciantes da vila con-

tribuem. É o jeito que tem de vender mais seus produtos.- Eu sabia. Que gente enrolada.

O delegado na verdade não sabia de nada. Era o seu jeito de inter-rogar. Quando o cara respondia com alguma informação ele dizia que já sabia e ali mesmo encaixava a próxima pergunta. Ia embaraçando o inter-rogado na rede até ele se entregar totalmente.

- Assine o seu depoimento e desapareça da vila por uma semana. E bico calado, tenho gente na sua cola. Se não colaborar, vai direto pro infer-no. Mas não saia da cidade, fique a disposição da polícia.

Depois que o falso pai de santo saiu o delegado ficou algum tempo remoendo aquela estória de sons falsos, fantasmas falsos, pai de santo fal-so. As peças do quebra cabeça estavam se encaixando, mas faltava a mais importante para fechar a investigação: A causa principal. Faltava saber o porquê, para que e acima de tudo quem era o maior interessado naquilo e o que exatamente ganhava com isso. Como ainda faltava interrogar o tal Chalaça, havia a hipótese de ser ele. Tinha que mandar chamar esse tal, antes que o falso pai de santo desse com a língua nos dentes, o que certa-mente faria, até porque ainda deveria ter algo a receber antes de cair fora.

- Jorge, vai buscar esse tal de chalaça agora, para que o interrogue-mos antes que suma no mundo. Alegue qualquer coisa: Averiguação, quei-xa contra ele, qualquer coisa, mas traga-o já.

- Sim doutor estou indo agora e levo mais dois para me dar cober-tura.

Aquela cadeia, na situação em que estava, era simplesmente depri-mente. Abaixo dos limites considerados humanos. Já estava inclusive em vias de interdição judicial por solicitação das entidades defensoras dos direitos humanos. Um recanto infecto e mal cheiroso, com uma lotação muito superior à permitida e é claro um atentado à saúde. Um foco de pederastia e o império da lei dos mais fortes. Cheia de facções de gangs em disputa pelo tráfico de drogas, armas e munições. Faltavam adjetivos para qualificar aquele submundo. O inferno talvez fosse mesmo a palavra que mais se aproximava da tradução daquela ideia. Ao passar em frente às celas superlotadas, escutava aqueles odiosos gracejos: Opa: chegou a noivinha para a noite de núpcias. Que beldade, que belezura, que corpão. Mais um monte de injúrias, sempre permeadas de expressões vulgares, deselegantes e ofensivas. Quem passou por ali, não saiu ileso e teve a certeza absoluta de ter conhecido o inferno.

De volta a sala do interrogatório.

- É como eu disse. Os mentirosos vão para o inferno. Você quer ir para o inferno?

- Não doutor por favor. Eu respondo tudo direitinho, é só o senhor perguntar.

- Ótimo. Eu tinha a certeza de que você iria colaborar. Mas vamos voltar a fita um pouco. Fale a respeito dos tais arrastes de corrente e os gritos roucos de presos apanhando.

- É tudo um teatro, doutor.- Isso eu já sabia. O que eu quero saber é de quem foi essa ideia?- Minha mesmo doutor.- Isso é óbvio. Eu quero saber quem te contratou?- Por favor doutor. Isso eu não posso falar. Senão, serei um homem

morto.- Mas vai falar sim. Se for parar no inferno também poderá ser.- É um tal de zé Chalaça, mas por favor doutor, não diga que eu é

quem disse.

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- Pura coincidência. Eu nada tenho a ver com esse tal. Se ele faz mandinga e os comerciantes vendem bem, o problema não é meu. Eu nem conheço esse tal de pai dos ouriços.

- Então é esse o nome de guerra que você arrumou para o vagabundo que você contratou. E o pior é que nem pai de santo o cara é.

Nesse ponto o interrogado percebeu que havia caído na rede que o delegado armara para ele e acabou falando mais do que devia. Agora não adiantava mais inventar nada. Só faltava agora o doutor dizer com todas as letras que ele criou toda aquela situação para forçar o desinteresse dos outros proponentes de compra do imóvel, fazendo o preço cair muito e ele comprar a preço de banana. Parece que adivinhou, pois, foi exatamente o que aconteceu. Com o depoimento do pai de santo mais o flagrante, seria indefensável.

Realmente seria, se não houvesse um advogado experiente a seu fa-vor, acabando de chegar. Algum olheiro perto do local da abordagem o viu sendo levado pela polícia nas condições que foi e tratou de avisar rapida-mente o advogado dele, antes que as coisas piorassem e a lama respingas-se em todos os comerciantes da região. O advogado, experiente naquele ofício, começou questionando a prisão ilegal e de vagar derrubando um a um, todos aqueles itens acusatórios. Conseguiu soltá-lo imediatamente mediante uma pequena fiança. O delegado já estava até acostumado com aquilo que aliás fora previsto desde o início para pelo menos esclarecer o caso, sem precisar colocar mais um atrás das grades e contribuir com a si-tuação caótica reinante ali. No entanto, tinha a certeza de que aquele não era o ponto final. Os documentos de compra apreendidos não estavam em nome de José Chalaça, mas, de José Honório. Como não havia nenhuma procuração deste para o Chalaça, deveria ser um de seus nomes falsos ou mais um ou talvez o sujeito fosse o laranja dele mesmo. Possivelmente to-dos aqueles comerciantes que se beneficiavam com as boas vendas dos pro-dutos religiosos fossem também laranjas e os nomes de registro dos imóveis deveriam estar em cada um dos outros nomes falsos daquele mau caráter. Se o advogado não chegasse, era só apertar mais um pouco e mostrar o inferno pra ele, que ele iria derramar sobre a mesa várias identidades falsas,

- Chegando na região, foi fácil encontra-lo. Possivelmente o tal pai de santo ainda não conseguira falar com ele. Por outra, foi apanhado com a boca na botija em situação muito suspeita: Estava exatamente naquele tal armazém das “almas penadas” com alguns trabalhadores, dando ordens aqui e ali. Já haviam capinado a área em volta, aberto a porta, feito algu-mas medições, planejando a limpeza, pintura, reforma e tal. Agia como se tivesse acabado de comprar o imóvel.

Ao ser abordado se apavorou, tentou correr, mas estava cercado. Não teve jeito, teve que ir na hora.

- Vai falando logo aí antes que eu perca a paciência. Que mania é essa de capinar e arrumar imóveis? É pra vender, alugar, ou você acha divertido?

- Nada doutor. O imóvel nem é meu.- É claro que não. Então o que faz você no imóvel dos outros? Isso

é uma invasão.- Ora doutor o imóvel é quase meu.- Como quase meu? Ou é seu ou não é.- O proprietário quer vender e eu vou pagar. - E como sabe que ele vai vender para você?- É que não há outros compradores.- Muito estranho. Um imóvel grande como aquele, bem localizado

e tudo. Até o preço está menos da metade do valor de mercado (blefou o delegado).

- Ah, aí também não, o preço é justo.- Claro, esse justo é o que é conveniente para você, não.- Não é bem assim doutor. O cara quer vender, eu quero comprar,

qual é o problema?- O problema é que tem caroço nesse angu. Há três meses atrás valia

bem mais que o preço de mercado (blefou de novo o delegado).- Ora doutor, o mercado varia assim mesmo. Na baixa temporada

desvaloriza.- Primeiramente esse não é o perfil do imóvel que oscila sazonalmen-

te. Depois, essa desvalorização ocorre logo depois que aparece o falso pai de santo produzindo aquele teatrinho.

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Capítulo 16

Aparições noturnas nas proximidades da igreja matriz

- Doutor, estamos recebendo uma reclamação do pessoal da comu-nidade próxima a antiga igreja matriz.

- Que problema é esse agora? Como se manifesta?- Segundo informações, quando chega próximo da meia noite, co-

meçam as aparições dos antigos padres Jesuítas, vestido naquelas batinas pretas, cantarolando cantos sacros antigos numa língua que ninguém en-tende e com enxadas nas mãos, cavando o local de guardar seus tesouros. Tem botado muita gente pra correr.

- Isso é besteira, Jorge. Deve ser coisa de meia dúzia de desocupados que ficam inventando essas maluquices para se divertirem as custas dos ou-tros. Mas de qualquer forma, mande alguém lá à noite e descaracterizado. Vamos ver o que conseguimos apurar.

- Mas o pessoal daqui da delegacia também é meio supersticioso. Morrem de medo de dar azar.

- Que absurdo. Policiais de verdade não podem ter medo dessas idio-tices.

- Mas, e os espíritos doutor?- Só se forem espíritos de porco. Isso tudo fede a enrolo. Se não fo-

rem gozadores, certamente são criminosos, usurpadores e tal querendo se dar bem a custa da crendice popular.

- Tudo bem, doutor. Então eu mesmo vou lá, disfarçadamente.

Jorge ficou irreconhecível. Óculos de lentes redondas e esverdeadas,

com vários nomes e sobrenomes porem todas com sua foto. Esse cara era terrível: dava nó até em pingo d’água.

Mas o objetivo foi atingido: o cara sumiu sem alcançar seus objetivos e a polícia já estava com os elementos para verificação nos cartórios e des-fazer todo aquele rolo. Menos um pra dar trabalho.

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- Eu recebi um telefonema pelo celular, mandando procurar um tal de zé Chalaça. O nome deve até ser falso.

- Essa parte eu sei. Eu quero saber é o que esse sujeito disse quando te contratou.

- Ele disse que o serviço era fácil e limpo. Não precisava de matar, nem roubar, nem ferir ninguém. Era só colocar as vestimentas, gemer, can-tar e fingir que cavava buracos depois da meia noite.

- Quanto ele combinou pagar?- Vinte por cento antes do serviço e oitenta depois.- E ele já pagou algum?- Pagou os vinte por cento combinado. O restante pagaria no fim do

serviço: duas semanas de teatro, sempre depois de meia noite.- Assine o seu depoimento e pode ir, mas, fique à disposição da po-

lícia.

O delegado ficou alguns minutos pensativo. Aquele tal de Chalaça era um elo de ligação entre dois casos, Provavelmente os objetivos eram os mesmos. Pelo visto seu modus operandi era bem parecido. Como o caso se avolumava e aumentava sua área de atuação, o tal zé chalaça ou seja lá quem fosse ele, verdadeiramente, poderia até ser o “testa de ferro” de uma organização imobiliária intencionada em adquirir uma enorme área por preço muito abaixo do valor de mercado e depois fazer um lançamento com muito marketing, valorizando a área e ganhando muito dinheiro. Um golpe relativamente muito conhecido, só mudando mesmo o jeito de fazer as coisas para conseguir os mesmos resultados.

Mandem entrar o próximo a ser interrogado. Disse o delegado, im-perativamente.

- Eu vou te perguntar só uma vez. Trata de ir abrindo o bico aí, sem mentiras e sem enrolar pra ganhar tempo. Se vacilar, vai direto pro xilindró.

Com um “conselho” desses logo de início, não restava alternativa ao interrogado. A verdade era o único passaporte para a rua. Conhecia a fama daquele submundo e não pretendia fazer pouso alí.

barba postiça preta e longa, chapéu e terno escuro. Nos fundos de um bar, dos mais discretos, bebia calmamente o seu conhaque enquanto ou-via atentamente os comentários. O assunto era o do momento: visagens, aparições noturnas, descrições grotescas, tudo com os devidos acréscimos. Finalmente estava convencido: O delegado tinha razão: tudo não passava de um embuste. Escondeu-se como pode e foi observar o mais próximo possível para ver se conseguia identificar algum detalhe importante. Havia sim. Parecia ser gente da cidade, devidamente disfarçada. Na noite seguin-te, voltou com alguns investigadores da delegacia vestidos de padres, com uma batina preta, igual aos falsos fantasmas. No momento que começou a encenação, entraram no meio da turma. A partir desse momento, fingindo que iam dar as mãos, colocaram as algemas nos meliantes, enquanto saíam do esconderijo o Jorge e mais dois policiais que estavam ocultos em pontos estratégicos, prontos para efetuar o flagrante. A viatura encostou logo em seguida. A operação foi um sucesso. Não houve tempo para reagir nem correr. Enfim, Conseguiram prender seis falsos padres e os conduziram à delegacia para interrogatório. Precisavam saber quem estava por trás da-quele teatro e o que pretendia com isso. Como ninguém faz nada de graça, provavelmente era algo que renderia uma boa grana.

O interrogatório

- Que negócio é esse de bancar a assombração vestido de padre?- Era só uma brincadeira, doutor.- Brincadeira é o que a turma do xilindró vai fazer com você. Eles vão

adorar a fantasia para apimentar o romance coletivo?- Pelo amor de Deus doutor. Eu tenho família pra criar.- Agora você lembra de Deus e da família, não é seu enrolado.- Pois é doutor, eu estava fazendo mesmo pela família. Preciso ganhar

o meu pão. Me pagaram pra fazer o teatro. Eu estava precisado, aceitei.- Ótimo. Está chegando no ponto que eu queria. Quem te pagou?- Por favor doutor, eu não posso falar, senão serei um homem morto.- É, mas vai falar sim. Se for para atrás das grades, também pode

morrer.

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- Jorge, manda alguém levar uma intimação urgente para o tal co-nhecido com chalaça.

- OK, doutor, vamos lá.

Vasculhara toda a região da vila antiga. Não acharam ninguém além dos moradores, algo afastados do local das ocorrências. Quanto ao tal do zé Chalaça, Honório ou qualquer daqueles nomes falsos informados nas investigações, nem sombra deles. Se evadiram todos, inclusive os seis últi-mos interrogados.

Calmaria total. Possivelmente, em muito tempo, foi a primeira noi-te que o pessoal dormiu em paz. Mas a história já estava sendo contada nos fundos dos botequins, inclusive virou até moda de viola, com aquelas letras bem jocosas, mexendo com os falsos fantasmas daquela história: “... assombração que ficou assombrada, levou um coro e picou a mula na es-trada...” Além de outras mais picantes e muito menos elegantes contando a passagem dos caras pela delegacia.

- Doutor, nem sinal dele e de nenhum dos outros. Dispersaram como fumaça no ar. Calmaria total naquele recanto.

- Era previsível. De qualquer modo o caso fica resolvido, pelo menos por enquanto. Espantamos as visagens e o pessoal vai poder dormir em paz e vai parar de reclamar.

- Pode perguntar, doutor.- Que história é essa de se vestir de padre e ir depois de meia noite

naquele lugar e ficar assombrando os outros?- É brincadeira, doutor.- Brincadeira é o que vão fazer com você ali na cela.- Por favor doutor. Eu tenho três filhos pra criar. Eu só estava ga-

nhando o pão das crianças honestamente.- Ah, sim! Certamente você acha honesto brincar de assombrar os

outros para ganhar dinheiro.- Ora doutor, a gente tem que pegar o que aparece. Pagaram o servi-

ço, não precisava matar nem roubar ninguém, nem ferir. Era no máximo um susto ou medo.

- Isso eu já sabia. Eu quero saber mesmo é o nome do contratante.- Pelo amor de Deus doutor. Eles vão me matar se eu disser.- Ótimo, você prefere vestir a batina e ir pregar lá na cela.Não doutor. Eu digo como foi. Recebi um telefonema anônimo pelo

celular, falando sobre o serviço e o preço. Pagavam vinte por cento do valor total de entrada e o restante depois de executado o serviço.

- Como era esse serviço?- Era uma semana de assombros, tudo depois de meia noite.- Isso eu sei. Só falta o nome. Olha que não vou perguntar mais hein!- No telefonema, mandaram procurar um tal de Honório, se quises-

se pegar o serviço. Eu estava precisado, peguei.- Assine o seu depoimento e pode ir, mas, fique a disposição da po-

lícia.

As coisas estavam se encaixando. O miolo da história era o mesmo nos seis interrogatórios. A única coisa que mudava era o nome do con-tratante. Provavelmente eram os seis nomes falsos da mesma pessoa. A próxima tarefa seria pegar o tal de chalaça, Honório ou seja lá quem fosse, dar mais um aperto nele para ele contar o resto da história, se havia alguma organização por traz daquela sujeira ou se era ideia dele mesmo, o que era menos provável.

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Capitulo 17

Procura de suposto navio usina de concentração de tório radioativo.

Segundo se comentava, à pretextos normais, o navio ligava suas bombas para encher os tanques de lastro quando os porões de carga es-tavam vazios para garantir melhor estabilidade à embarcação. Até aí tudo bem, pois os navios fazem realmente isso. A diferença é que no seu caso utilizavam areia em suspensão na água. Depois expulsavam somente água, deixando a carga de areia nos porões. Essa areia, na verdade era uma mis-tura natural de vários tipos de areia, como: Monazita, Ilmenita, Zirconita, Granada e a comum, de quartzo. Essa areia monazita contem entre outros minerais o elemento químico Tório que possui certa radioatividade. Como o percentual desse tipo de areia era pequeno, precisavam concentrar, utili-zando um processo de separação, o que era vantajoso, pois permitia utilizar os outros tipos de areia, tão logo arranjassem mercado para elas, o que de fato ocorreu posteriormente. Então esse navio, na verdade, seria o que se pode chamar de uma usina de concentração. Com a areia separada a quan-tidade de Tório radioativo por tonelada de areia in natura aumentava. Se-gundo a lenda o navio teria ainda uma usina de separação e concentração do mesmo, que provavelmente saía beneficiado para o mercado. Provavel-mente captaria também outros produtos de aplicação industrial de menor interesse, caso houvesse comprador, o que logo ocorreu.

Para entender melhor essa questão, façamos uma retrospectiva da descoberta e exploração de areias na região. (Essas informações mais espe-cíficas e de cunho técnico foram tomadas do livro: Mello, Silva. Guarapari

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Posteriormente, foi utilizado um separador magnético, concebido em 1907 por S. J. Barsa. Com esse, o rendimento era bem maior. Nesse caso, só a Zirconita não sofre atração. Esse foi utilizado em São João da Barra, RJ, Itapemirim, ES, Guarapari, ES e usinas do interior.

No início, só a monazita era explorada. Esta se apresentava na con-centração de 90% da areia onde exploravam, o que foi caindo com o tem-po de exploração. Talvez por conveniência, pensou-se inicialmente que os depósitos se renovavam todos os dias pelo simples movimento das marés, o que não se mostrou verdadeiro.

Depois, à medida que foram encontrando mercado, as outras areias também começaram a ser comercializadas, o que ainda compensava os cus-tos.

A primeira empresa a explorar as areias foi a MIBRA – Monazita Ilmenita do Brasil, uma empresa de capital francês: “Sociéte Minere et Industrielle Franco Brasiliense”. As areias, uma vez separadas eram expor-tadas para serem beneficiadas na França.

Segundo o autor Silva Mello, a Mibra Chegou a funcionar dia e noi-te em regime de três turnos, em 1937, tal era a intensidade de exploração. Os funcionários, segundo afirma, recebiam salários miseráveis. A empresa, no entanto, pagava ao governo a taxa de apenas 4% do valor da areia bruta e ainda deduziam os preços de transporte e o direito de exploração.

Quando em 1960 o governo resolveu elevar as taxas, os proprietários simplesmente abandonaram tudo e queimaram toda a documentação.

Aspecto e composição química das areias:Ilmenita – Possui uma cor preta e é constituída basicamente de Ti-

tânio, Óxido magnético de Ferro (Hematita) e Rutilo. Possui aplicação na indústria metalúrgica.

Granada – cor avermelhada, é encontrada na forma de pequenos cristais, o que a inviabiliza na fabricação de joias. Sua composição quími-ca em proporções variáveis é: Alumínio, Ferro, Cobre, Cálcio, Magnésio, Manganês e outros. Encontra aplicações industriais na fabricação de lentes para microscópios, telescópios e lentes fotográficas.

Maravilha da Natureza. Empresa Gráfica O Cruzeiro. Rio de Janeiro. RJ. 1981).

As areias monazíticas são oriundas da Serra do Mar, uma cadeia de montanhas que corre paralela ao oceano atlântico. Ao longo de milhares de anos, teriam se desagregado, indo parar no leito dos rios que lançaram no mar. As correntes oceânicas se encarregaram de espalhar ao longo de certa região da costa, do norte do estado do Rio até a Bahia, passando pelo Espírito Santo.

Tecnicamente, a areia monazítica é uma mistura de fosfatos de terras raras contendo Tório como uma impureza, na concentração de 4 a 6 %. (Terras raras, ou Lantanídeos, segundo a tabela periódica são os elementos químicos de número atômico 57 até 71. Hoje são fartamente utilizados em aplicações industriais e biológicas).

Nas praias da região de Guarapari existe na verdade uma mistura de areias, onde o tipo conhecido como monazita ocorre numa concentração de 0 a 60% em relação ao total.

Apresentam-se nas praias como manchas amareladas, variando em extensão e profundidade.

Uma curiosidade: na Praia da Areia Preta, o passar das ondas deixa um rastro de linhas amareladas, que são areias monazíticas separadas das demais devido a sua densidade.

Na verdade, cada tipo de areia possui uma densidade característica. Graças a isto, é possível separá-las.

Em ordem de grandeza, com respeito às densidades, os tipos de areia são: Espinélio, Granada, Zirconita, Ilmenita, Magnezita, Monazita e Quartzo.

Para uma exploração em escala industrial utilizaram inicialmente um processo de levigação, onde numa mesa inclinada com ranhuras em sua superfície, um fluxo d’água e movimentos vibratórios, consegue fazer a separação da areia in natura que vai caindo sobre ela em vários montículos de cada tipo de areia.

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de recuperação proibitivos e astronômicas dívidas trabalhistas, que acabou em arresto judicial para pagar parte das contas aos inúmeros credores e o estado acabou se apropriando dele e afundando para servir de abrigo à vida marinha e incrementar o turismo subaquático.

Também não tardou muito a vir à tona a intensão de alguns mergu-lhadores que ambicionavam apoderar-se das hélices de bronze e vende-las. Pura infantilidade e pura falta de informação, pois, o vultoso valor que imaginavam se referia à peça, industrialmente fabricada por encomenda, sob projeto específico, devidamente polida, balanceada e tratada contra corrosão marinha e incrustações. Na verdade aquele material ali extraído seria vendido como sucata, a preço irrisório e certamente os custos para a sua remoção seriam muito superiores ao valor que conseguiriam com a venda.

Para complicar um pouco mais a situação aquilo se constituía num ato ilegal. Quando vazou a notícia e chegou ao conhecimento da Capitania dos Portos, começou à caçada dos possíveis futuros infratores, que alarma-dos bateram em retirada o mais rápido que puderam.

Quando o delegado recebeu a comunicação para proceder averigua-ções sobre o caso, por mais que os investigadores tentassem, nada conse-guiram descobrir de concreto sobre os possíveis envolvidos, que simples-mente desapareceram, alarmados com a notícia da entrada da polícia no caso, por solicitação da capitania dos portos e de agências de seguros. O caso ficou em aberto, à espera de pelo menos algum indício para dar o pontapé inicial às investigações. Uma vez que os meliantes desapareceram espontaneamente, o delegado até se sentiu aliviado, pois já havia casos complexos demais por ali para serem elucidados e já haviam solicitado até a ajuda da polícia técnica da capital.

Zirconita – Possui a cor cinza. Contém zircônio. Encontra aplica-ções industriais na indústria ótica e do vidro, na indústria química e meta-lúrgica. É utilizada na fabricação de esmaltes porcelanizados, louças de alta qualidade e cerâmicas sanitárias.

Monazita – etimologicamente, vem do grego: “monazein”, que sig-nifica estar solitário, expressando talvez sua raridade. Tem uma cor amarelo escuro. Sua constituição química é uma mistura de fosfatos de diversos metais. Contém Tório, do qual se extrai o Hélio e outros, utilizados na indústria atômica.

Essa areia é também rica em Terras Raras, que contém elementos como: Samário, Neodímio, Bório, Ítrio, Európio, Gadolínio, Ítrio, Hól-mio, Túlio e Érbio. Encontram esses, grandes aplicações específicas. O sa-mário, por exemplo, é usado na fabricação de super-ímãs, na miniaturi-zação de equipamentos eletrônicos, indústria aeroespacial, equipamentos de alta sensibilidade acústica, motores de carro, peças de computador, etc.

O Neodímio, em liga com ferro e bório, é aplicado na produção de super-ímãs. O Ítrio entra na composição de ligas metálicas para avião, das cerâmicas de alto desempenho para os trens bala levitarem, para a fluores-cência dos aparelhos de televisão(antigos). O samário, Európio, Gadolínio e o Ítrio entram na composição de tintas que tornam os aviões de combate invisíveis aos radares.

O Holmio, Túlio e Érbio entram na fabricação de Lasers que hoje estão substituindo as brocas nos tratamentos dentários e outra aplicações industriais de presisão.

Além dessas aplicações, as terras raras são utilizadas também na fa-bricação de baterias de celulares, pedras de isqueiros e inúmeras aplicações industriais.

Com tantas aplicações de alta tecnologia e alto valor agregado, era muito fácil despertar a ambição de cada um e atrair mil aventureiros, à cata de lucros vultosos fáceis e rápidos.

- Voltando a história do prodigioso navio, não demorou muito a cair a máscara. Era Tudo balela. Não passava de um navio velho, com custos

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Capítulo 18

Arcada dentária e barbatanas de cação às margens da lagoa de Maimbá

- Bom dia doutor.- Bom dia Jorge. Alguma novidade?

A pergunta foi convencional, pois aquilo era sintomático. De an-temão o delegado sabia que toda vez que alguém o procurava logo cedo, havia alguma novidade e coisa boa não era. Na verdade era sempre mais um problema para aumentar ainda mais a sua lista de casos pouco con-vencionais, nos últimos tempos, que extrapolavam seus recursos materiais e humanos. Além do mais eram casos complexos, permeados de coisas intangíveis, informações dúbias, afirmações inconsistentes e coisas dessa natureza.

- Para ser sincero, sim, doutor. Acabamos de receber um telefonema de um morador das imediações da lagoa de Maimbá dando conta de que o pessoal da região está morrendo de medo de ficar ou voltar para as suas casas.

- O delegado de Anchieta já foi avisado? Aquela área é limite entre municípios. É difícil saber exatamente a que jurisdição pertence cada parte dos casos. Talvez seja ideal trabalharmos juntos.

- Sim doutor. Ele já foi avisado e pelo visto concorda com o ponto de vista do senhor, pois, já mandou dois dos seus para cá.

- Mas, o que aconteceu exatamente? Afinal esse medo deve ter uma razão muito séria. Alguma ameaça?

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ainda o que pretende ganhar com isso.- Concordo doutor. Mas o que faremos?O Delegado ficou pensativo por alguns momentos e lembrou que

há alguns dias já havia feito um pedido de ajuda à Secretária de Segurança. Solicitou investigadores da polícia técnica da capital para ajudar em alguns casos que extrapolavam seus recursos. Após um breve telefonema, soube que coincidentemente esses já estavam a caminho.

Naquela mesma tarde recebeu dois investigadores em sua sala e os colocou a par de vários casos sobre os quais solicitou ajuda. Para completar o quadro, mais dois investigadores que a delegacia de Anchieta disponibi-lizou para ajudar no que fosse possível, uma vez que aquela área da lagoa era bola dividida entre os dois municípios. Na verdade a lagoa de Maimbá e adjacências é uma zona limítrofe entre os municípios de Guarapari e An-chieta. Na prática, hoje existe uma região metropolitana: pessoas moram num município e trabalham no município vizinho ou possuem negócios nos dois municípios e de alguma forma atua neles. Isso faz com que haja problemas comuns em termos de saúde, segurança, transporte, abasteci-mento, etc.

Os problemas de segurança bastante volumosos a esta altura, fazia com que todos os delegados e respectivo pessoal, trabalhassem em conjun-to. Mesmo assim estava difícil de dar conta de tudo. Aliás, os delegados de Piúma e Marataízes também afirmaram ter ouvido essa conversa de Mons-tros enormes por lá, mas, na época não deram muito crédito, até porque não apareceram indícios suficientes para iniciar uma investigação. Parece que dessa vez as coisas se intensificavam.

Barbatanas e arcada dentária Um dos investigadores, cedido pela polícia técnica da capital fica-

ra bastante intrigado com a descrição feita pelo delegado sobre algumas marcas e peças de notório interesse para o caso que precisavam realmente ser apuradas. Algo não se encaixava bem ou não era suficientemente con-vincente. De tão fantasiosas parecia ser uma peça teatral com um enredo muito bem concebido e um encadeamento de ideias quase lógico, ape-

- Sim doutor, na verdade há. Mas...- Mas o que Jorge, fale de uma vez.- É que o pessoal de lá não sabe explicar direito.- Mas o que dizem, afinal?- Afirmam que encontraram Arcada dentária e barbatanas de cação

às margens da lagoa de Maimbá.- Mas pedaços de um cação morto não é ameaça para ninguém.- Em princípio não, doutor. O que temem, na verdade, é porque

acham que aqueles pedaços de carcaça são restos deixados pelo Monstro da lagoa, que depois de capturar suas presas no mar, leva para a lagoa, onde as devora e larga os restos por lá.

- Esse pessoal é terrível. Nós aqui tratamos de roubos, assassinatos, invasões, rebeliões, atentados ao decoro e ao pudor. Essa coisa de ataque por monstros e assemelhados não é da nossa alçada. Não sabemos mexer com isso. Precisam acionar algum estudioso de biologia marinha, sei lá. Deveriam em princípio acionar a defesa civil. Nós só entramos se houver algum crime.

- Sim doutor. Segundo afirmam já acionaram. A defesa civil achou um absurdo e mandou acionar a polícia, porque acha que deve ser obra de algum criminoso.

- Eu concordo. Isso é um absurdo mesmo, Jorge. Não é razoável acreditar que haja um monstro por aí querendo devorar tudo o que vê pela frente. Essa história não tem o menor cabimento. Isso me parece um boato irresponsável de alguém querendo assustar os outros.

- Provavelmente, doutor. Mas e as peças encontradas lá?- Coincidência. Deve ser algum daqueles pescadores relaxados que

tratam seus peixes próximo da lagoa devido ter água com fartura por perto. - Poderia ser doutor, se não fosse o tamanho do animal. Segundo

afirmam, só o “aro” da boca com os dentes tem um diâmetro de mais de metro. Pescador nenhum por aqui tem condições de pegar um desses.

- Nesse caso, isso está me cheirando a uma deslavada fraude, muito bem arquitetada, por sinal. Pelas características do caso, a necessidade de recurso para armar tudo isso, não deve ser peixe pequeno não. Deve ter algum graúdo tirado a esperto por trás dessa sujeira toda. Só não sabemos

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Acabou modificando a pergunta no intuito de saber se havia algum pescador que trabalhava principalmente tratando peixes para vender salga-do ou congelado.

Sim, havia um. Conseguiu localizá-lo e foi onde morava para con-versar com ele, enredá-los em suas perguntas e tentar extrair o máximo possível de informações.

Depois que chegou lá e o cumprimentou começou a fazer umas per-guntas um tanto estranhas e até despretensiosas a princípio como se fosse algum turista, mas depois preocupantes e de certa forma até ameaçadoras.

Quis saber se era verdade o que lhe informaram de que ele trabalha-va tratando peixe. Respondeu que sim. Perguntou também sobre os tipos de peixes mais comuns e mais frequentes que ele tratava, ao que ele fez uma pequena lista: Xaréu, corvina, tainha, peroá, cação...

No cação foi interrompido, pois era de interesse específico. O pesca-dor percebeu o corte naquele ponto e se perturbou, mas tentou dissimular e manter a calma, mas um investigador experiente com interrogatórios como aquele, percebeu seu estado e como de costume agiu exatamente como um pugilista que depois que acerta um golpe de jeito e nota que o adversário sentiu muito, sangrou ou ficou seriamente machucado, ali mes-mo é que concentra seus golpes e os intensifica ao máximo e não para até que o adversário fatalmente caia sem sentido na lona.

Quando o investigador meteu a mão no bolso o pescador ficou te-meroso pensando ser uma arma e mentalmente começara a rezar implo-rando a proteção dos céus.

O investigador percebeu que o assustara e disse: fique tranquilo, não vou te fazer mal, só preciso anotar alguma coisa para lembrar depois e con-cluindo o gesto tirou do bolso uma caderneta e uma caneta. O pescador não conhecia esse procedimento característico dos investigadores de no meio das perguntas tirar uma caderneta e uma caneta do bolso e começam a anotar até mesmo para intimidar o interrogado com essa ostensividade, mas não deixou de ficar temeroso pelo efeito do desconhecido. De qual-quer modo, dos males o menor, pois se fosse algum assaltante armado seria muito pior, se bem que ninguém se daria ao trabalho de assaltar um paupérrimo como ele. Por outra no miserável casebre não havia muito o

sar das dissimulações características dos contos de suspense para despertar mais interesse dos leitores enquanto desvia a sua atenção do foco principal.

Precisava de um ponto de partida e começaria é claro pela primeira parte do relato que denunciava o aparecimento de barbatanas e arcadas dentarias de peixes de grande porte. A primeira providência foi recolher as peças e encaminhar para os peritos do departamento de polícia técnica que enviariam para os laboratórios para ver o que conseguiam apurar.

Antes mesmo de receber o relatório e um laudo conclusivo resolveu começar logo a parte investigativa, pois não havia tempo a perder.

A primeira questão era como foram parar lá. Cético como todo o investigador, aquela estória de monstro pré-histórico não convencia nem um pouco. Não havendo nenhum monstro não haveria também a possibi-lidade de restos alimentares conforme os boatos que já circulavam. Assim alguém os teria colocado lá. Então sobrava duas opções: ou alguém deixara lá por desleixo, caso em que as vísceras e os pedaços inaproveitáveis da car-caça tenham sido descartados e abandonados lá após o serviço de abertura e limpeza para depois salgar ou levar para o congelamento. Isso era feito há muitos anos pelos povos antigos que o faziam nas margens de rios e lagoas devido a facilidade de ter água em grande quantidade e próximo de onde se trabalhava, situação considerada hoje incorreta e insalubre.

A outra hipótese seria fraudulenta, alguém teria implantado lá tudo aquilo com alguma finalidade escusa que ainda não imaginava. Para des-cobrir teria que de alguma forma ir atrás da primeira hipótese e verificar se era verdadeira ou não.

Começou fazendo um passeio pelos arredores com ares de turista. A primeira pergunta que fez foi se havia pescadores na região. A resposta era tão óbvia que a pergunta chegava a ser totalmente ridícula, o que o deixou envergonhado, apesar da simplicidade e a falta de malícia com que lhe responderam. É claro que havia. Eram muitos, praticamente todos do povoado. Mesmo os que melhoraram um pouco a condição de vida e não precisavam tanto da pesca para a sobrevivência, continuavam a utilizá-la, uns para complementar a renda outros pelo costume ou quem sabe para manter viva a tradição ou honrar a memória de seus antepassados. Mas ainda havia gente muito pobre por lá.

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pano para o preparo de café é apoiado. Era também notório a presença de uma cuia, espécie de tigela feita de uma cabaça cortada longitudinalmente, onde se colocava a farinha de mandioca, principal alimento. No outro cômodo, os andrajosos molambos que lhes serviam de vestes eram depen-durados numa corda amarrada nas duas extremidades. Também se notava a presença de uma rede de pescaria de malha fina, muito antiga e que pelo aspecto, há muito não era usada, de sorte que servia de cama ao pescador. Banheiro não havia. Faziam mesmo suas necessidades atrás da moita, no fundo do quintal que se confundia com o mato. De um dos lados, no fun-do do quintal, um estrado de madeira onde os peixes depois de salgados eram postos ao sol para secar e curtir. Do outro lado outro estrado de ma-deira que servia de mesa onde os peixes eram abertos, escamados e tinham as vísceras retiradas, Tudo era jogado no chão de areia num canto, onde coalhavam urubus em busca do pútrido repasto. O cheiro era péssimo.

Assim vivia o pescador e seus filhos magricelas, famintos e maltrapi-lhos. Desvalidos da sorte e em condições sub humanas.

Quem nunca vira como ele, tanta miséria assim, não deixava de sair com lágrimas nos olhos.

Relatórios periciaisDois dias depois, recebeu o relatório pericial da polícia técnica. Esse,

confirmava suas suspeitas e corroborava com as ideias da segunda hipótese levantada. Pura armação.

A cartilagem orbicular da arcada dentaria do animal, provavelmente um grande cação, media cerca de um metro e vinte centímetros de diâ-metro. Sugeria o perito que fora cortado à faca, o que era comprovado pelo exame químico dos tecidos da área do corte. Não havia nessa ou em quaisquer das outras peças, vestígios de marcas de dentes pressionados por potentes mandíbulas. Os fragmentos de ossos cartilaginosos da mesma for-ma não aparentavam ter sido triturados ou esmagados.

O tamanho sugerido, determinava um peso que excederia à capa-cidade da força física de mais de cinco homens bem constituídos, o que indicava a necessidade de equipamento e carro para transporte.

que levar nem nada que tivesse serventia para alguém, tal era o estado de penúria em que vivia.

Mas o que o assustou mesmo foram as duas últimas perguntas que quase o deixou em pânico. O investigador queria saber primeiro se ele tratava o peixe nas margens da lagoa de Maimbá e quando foi a última vez que tratou o peixe lá. Ele disse que há alguns anos não tratava peixe lá por-que agora conseguia água mais limpa em locais mais próximos e os peixes eram tratados no quintal de casa.

O homem devia ser da polícia ambiental, pensou ele e poderia in-criminá-lo por causa da sua antiga rede de pescaria de malha fina o que ele precisaria explicar muito bem.

Mas o motivo de ficar tão alarmado era que se lembrou que três dias antes apareceu um moço bem vestido e bem falante por lá deu algum dinheiro pra ele, pedindo que dissesse às pessoas que viessem visitá-lo de que havia encontrado lá, não se sabe como, grandes barbatanas de tubarão, bem como arcadas dentarias e até outros pedaços de carcaça.

AnotaçõesNa caderneta o policial fazia suas anotações que continham os prin-

cipais fatos e dados para orientar às suas investigações e serviria também de fonte para fazer seus relatórios oficiais. Pela sua descrição, ficara muito impressionado com o estado miserável em que aquele pobre homem vivia. Viúvo recentemente, com cinco filhos magricelas, talvez pela insuficiência alimentar, morando num mocambo de palha caindo aos pedaços, devia mesmo viver muito abaixo da linha de miséria.

A casa, vista por fora, era de estuque, sem reboco, de chão de barro batido e coberta de palhas de palmeiras. Um quintal mal cuidado, sujo e com o mato já invadindo. Por dentro, uma mesa tosca de madeira bruta, tomada por doação. No lugar das cadeiras, caixotes de madeira serviam de bancos. Nos cantos, esteiras de junco enroladas em forma tubular eram à noite estendidas no chão, servindo-lhes de camas. Num canto da mesa es-tavam os pouquíssimos utensílios existentes. Ali sobressaía uma “nigrinha”, espécie de armação de ferro com a parte superior circular onde o coador de

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Capítulo 19

Invasões de áreas ambientais

O delegado tinha acabado de atender um caso de invasão de área ambiental de uma empresa e da praia de Guanabara, a pedido do delegado de Anchieta, porque segundo consta os invasores sumiram e foram para Guarapari. Um caso sem gravidade aparente. O advogado dos caras atuou e conseguiu liberar os dois envolvidos.

Engana-se quem pensa que acabou por aí aquela coisa de invasão em área ambiental. A encrenca estava só começando. Não demorou mais que 30 minutos e veio outra bomba: a dona de uma pensão, localizada nos limites urbanos da cidade registrou um B.O. após telefonar e ser as-sim orientada pelo investigador que atendeu. Ela ainda não havia saído da delegacia quando após conversa com o investigador, o delegado ordenou que a acompanhasse e recolhesse o material que certamente se constituiria numa prova dos crimes, que certamente existia, desta vez na jurisdição do próprio delegado de Guarapari, para assoberba-lo ainda mais de problemas a resolver. Mas, contemos o caso:

Dona Maria, estava na cozinha de sua pensão, preparando a refei-ção dos seus hospedes. A panela de água já estava fervendo em pulos e ela “abaixou’ o fogo, enquanto foi buscar os ovos de codorna africana, produto mais barato por se tratar de fazenda de criação com melhor produtividade, mas também, sendo um produto de segunda linha, mais em conta, segun-do informação que deram a ela. Qual não foi a sua surpresa, porque che-gou na dispensa no exato momento que alguns ovos começaram a eclodir e mais ainda pelo que saia do seu interior: filhotes de cobra.

Quando os investigadores chegaram para fotografar e recolher o ma-

Assim, aquele humilde pescador não tinha condições de pescar um peixe tão grande, quanto mais de transportá-lo até lá.

Com isso se concluía que o pescador disse a verdade quando afirmou ter tratado peixes lá há muito tempo atrás, anterior a aquelas ocorrências.

Da mesma forma seria improvável que outro pescador o fizesse ou pegasse um peixe tão grande e desse para ele tratar.

A conclusão parcial era de que havia mesmo um grupo de pessoas e muito provavelmente um mentor intelectual. Só faltava mesmo saber quem era e o que pretendia com isso. Como ninguém faz nada de graça, investindo tanto e correndo tantos riscos, a indicação mais plausível era de que de uma forma ou de outra haveria muito dinheiro envolvido.

Aquilo tudo era mesmo muito estranho e precisavam então apro-fundar mais na investigação dessa segunda hipótese, arranjar um jeito de chegar até o grupinho e principalmente ao mentor. Só assim chegaria a uma explicação convincente para compor o relatório final e encerrar o caso do estranho aparecimento desses restos de carcaça de grandes animais marinhos às margens da lagoa.

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- Sim, os tais ovos de codorna africana.- Isso eu já não sei. Eu chamo de ovos do mato, mesmo.- Mas então são ovos de qual “bicho”?- Sei lá doutor. Eu não vejo os bichos, só os ovos. Pelo tamanho de-

vem ser ovos de juriti, bacurau, anum. Uns dão no chão, outros nos galhos, conforme o bicho.

- Mas eu sei: são ovos de cobra, e das grandes.- Ora doutor, não há como saber. E depois ovos são ovos, depois que

quebrou numa frigideira, é só comer. Ninguém procura saber o nome do bicho.

- Que idiota! Que desinformado! Diz tudo com naturalidade, achan-do que está certo. Não tem ideia mesmo de nada, nem do prejuízo ambien-tal que causa, nem do crime ambiental que comete. Desabafou o delegado em tom quase ininteligível. O sujeito não entendeu nada, mas sabia que ele estava irritado e que a coisa era com ele.

- Posso ir embora trabalhar, doutor?- Você ainda não entendeu? Você está preso, por crime ambiental.

Pelo amor de Deus doutor. As crianças estão em casa sozinhas e com fome e eu tenho que tratar deles.

Por sorte, um defensor público que tinha acabado de atender a outro cara, conseguiu aliviar a dele. Mas o fizeram “jurar” que não fizesse mais aquilo, apesar dele ainda tentar contra argumentar, achando que não tinha feito nada errado, nesses termos:

- Mas então doutor, se eu não puder caçar, nem pescar nem colher ovos nem pegar nada que venha do mato, como vou alimentar os filhos. Eu não sei fazer mais nada.

- Talvez uns dias no “xilindró” te ajude a pensar e descobrir um jeito de trabalhar em algo que não de confusão.

- Nisso, o defensor o cutucou para ele calar a boca e não piorar as coisas, que já estavam difíceis. Assinou o termo por ele, que saiu dali pra-ticamente puxado pelo advogado.

O caso ainda rendeu, porque buscaram o zeca feirante, envolvido e

terial, observaram que as cinco dúzias restantes não eram uniformes em seus tamanhos, formatos e aspectos externos das cascas, forçando a conclu-são de que eram originários de várias espécies diferentes.

Diante daquele fato intrigante, solicitaram a dona Maria, informa-ções sobre o fornecedor dos produtos, que na verdade era um intermediá-rio um tal de Zeca feirante, conforme era conhecido na periferia. Esse, ao ser “apertado” pela polícia acabou informando de quem comprava. Um sujeito simplório, analfabeto e aspecto bem miserável, o que refletia real-mente suas condições de vida, moradia, alimentação e tal. Era conhecido pela alcunha de zé da moita, por morar praticamente na restinga, às mar-gens da rodovia do sol, na região de uma reserva florestal, de onde tirava seu parco sustento.

- Vai lá buscar esse tal zé da moita.O cara chegou lá meio escabreado. Não se lembrava de ter feito nada

errado, mas, sabe como é, delegacias, queixas, nunca se sabe o que pode acontecer.

- Vai abrindo o bico aí logo, sobre o que eu te perguntar e sem men-tiras, pois será muito pior pra você.

- Olha doutor: eu não fumo, não bebo, nem jogo e não falto com respeito a mulher de ninguém, nem falo mal da vida dos outros. Vivo para o trabalho e mal dá tempo de cuidar da minha vida. Não arrumo confusão com ninguém.

- É, mas arrumou uma séria, desta vez.- Pelo amor de Deus, doutor. Eu não fiz nada de errado. Se houve

queixa, deve ser brincadeira de mau gosto de algum vagabundo. Sou um trabalhador.

- Sim, mas a propósito, onde você trabalha?- Sou mateiro. Vivo do mato.- Isso não é profissão. Além disso a caça e a pesca é proibida, princi-

palmente em reservas ambientais. - Não, é profissão sim doutor. Eu não sei o que é isso que o senhor

falou, mas não cacei nem pesquei nada.- Isso eu já sei, mas, diga exatamente o que você faz.- Eu recolho ovos pelo mato e vendo.

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Capítulo 20

Pai de paciente quebra a porta e invade o posto de saúde.

Eram três horas da madrugada. O posto de saúde estava totalmente congestionado e suas portas, inclusive, estavam fechadas com uma placa informando que não era possível atender mais ninguém.

Chegou nessa mesma hora um senhor de meia idade com uma menina nos braços, semi-desfalecida. Quando chegou e se deparou com a porta fechada, ficou transtornado e revoltadíssimo. Não leu a placa e provavelmente, cego de ódio, nem a enxergou. Deu alguns pontapés na porta cujos marcos de alumínio se envergaram, tal a potência dos chutes, enquanto os vidros da mesma se espatifaram em muitos pedaços.

Foi logo entrando aos berros, exigindo o pronto atendimento.Logo na sala de entrada, dois seguranças desarmados tentaram retê-

-lo e dissuadi-lo da ideia de conseguir a força o que pretendia.Ele arriou a filha, deitou-a sobre a mesa da recepção e ameaçou os

seguranças com uma arma. Eles pediram que se acalmasse e se insistisse chamariam a polícia.

Tão agitado estava que nem parecia ouvi-los. Deixou a menina so-bre a mesa e foi entrando, nem fazendo caso da enorme quantidade de gente que esperava há horas e da embolação de macas, cadeiras e postes de pendurar soro, com as respectivas garrafas e mangueirinhas, corredores adentro.

- Eu quero ser atendido agora. Já. É uma emergência, se minha filha morrer por falta de atendimento eu ponho fogo em tudo aqui.

- Moço, pelo amor de Deus. Não temos como atende-lo agora. Pre-

corresponsável, cujo advogado conseguiu livrá-lo, mas teve que ressarcir dona Maria da pensão, com ovos de codorna de verdade, comprados a peso de ouro no supermercado.

O delegado, já exausto, deu até graças a Deus por ter se livrado da-quela gente, até porque o pessoal da comissão de direitos humanos estava pra chegar e seria uma encrenca a menos a explicar, caso prendesse mais dois naquele inferno infecto que afrontava a dignidade humana, mesmo sendo criminosos.

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Dessa vez conseguiu, à força. Um médico que estava consultando um paciente em estado menos grave, pediu licença ao paciente e foi lá atende-lo. Como a menina havia piorado um pouco, fez os primeiros cui-dados para estabilizá-la e encaminhou urgentemente para o hospital, do qual esse pronto socorro era anexo.

- No momento em que a menina foi internada, chegou também a polícia que fora avisada assim que ele chegou fazendo aquela confusão toda. Ele não ofereceu resistência alguma. Agora totalmente relaxado, sim-plesmente estendeu os braços e ofereceu os pulsos. Não o algemaram, mas o conduziram até a delegacia.

- Que negócio é esse de você sair depredando o posto de saúde? Você não acha que está muito velho para ser um vândalo?

- Não sou um vândalo doutor. Ali só havia um pai desesperado com sua filha moribunda nos braços.

- Ah! Então é assim que se faz: vai chegando, enfiando o pé na porta quebrando os vidros, entortando a estrutura de alumínio...

- Eu já disse doutor. Eu estava desesperado. Se não “forçasse a barra” a minha filha morreria.

- Você já pensou se cada cidadão que chegasse com um filho doente promovesse um quebra-quebra no posto de saúde como você fez? Apon-tasse uma arma para os seguranças? Desacatasse todos os funcionários, até que se convencesse que só estava perdendo tempo ali?

- Ah, doutor. Uma hora dessas a gente não pensa em nada.- Cadê o seu porte de arma?- Eu nunca tive doutor. - Você não sabia que é ilegal andar armado?- Mas a arma era de brinquedo, doutor. Era só para impor respeito.- Teoricamente você portava uma arma. Isso é ilegal, mesmo sendo

de brinquedo. Pode causar um acidente um pânico, assustar os outros e até tomar um tiro de graça. Além disso, isso que você chama de respeito na verdade é coação.

- Ora doutor, se o senhor estivesse na minha situação certamente fa-ria igual. Além disso, se eu não apontasse uma arma para a cabeça daquele

cisa esperar.- Pelo amor de Deus digo eu. Não vou esperar nada. Cadê o pedia-

tra? Eu quero falar com essa cara agora.- Senhor por favor. Estamos sem pediatra faz mais de um mês. Quem

está contornando a situação é um clínico geral. Só avalia o estado do pa-ciente. No máximo o estabiliza e encaminha para o hospital.

- Eu sabia. Isso aqui é uma bagunça. O povo não pode ficar sujeito a isso.

- Senhor, isso é temporário. Já solicitamos à secretaria de saúde. Vão arranjar um pediatra emprestado enquanto contratam um definitivo.

- Chega de conversa. Cadê esse clínico geral?- Senhor, por favor. O médico passou mal e teve que ir para o hos-

pital. Não temos como atende-lo mesmo. O senhor tem que procurar o pronto socorro do hospital mais próximo.

- Ah é! Se tudo isso aqui não serve pra nada mesmo e vou começar a quebrar essa porcaria toda agora.

O Homem bufava como um touro enfurecido, suava às bicas e seu suor parecia feder à adrenalina.

- Senhor por favor não faça isso. O senhor está assustando as mu-lheres e crianças que estão esperando aqui. Fora o prejuízo que vai dar à comunidade e piorar mais ainda o atendimento que já está muito precário.

A essa altura ele já havia começado o quebra-quebra, Os dois segu-ranças, mais três homens tentaram imobilizá-lo, mas o homem parece que tinha força de mais de seis. De repente pegou a filha nos braços e saiu como um louco dando pontapés em tudo e em todos.

Chegando do lado de fora viu um carro que trazia um paciente. Ele abriu a porta do carro, jogou a filha pra dentro, encostou a arma na cabeça do motorista e mandou rumar para o hospital mais próximo.

Chegando lá foi outra confusão. Foi logo entrando, abrindo a pon-tapés a porta interna que conduzia a enfermaria, desacatando todo mundo. Colocou a filha na primeira maca que encontrou e ameaçou as enfermeiras com uma arma, exigindo que fosse chamado um médico.

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Capítulo 21

Gente colhendo amostras de areia nas praias

Conversa de meninasOs investigadores já haviam desenvolvido um método de saber das

coisas, que sempre rendia divertidas fofocas, mas, algumas histórias a prin-cípio sem o menor fundamento acabavam ajudando muito na investigação de muitos fatos. Era assim: “olhos compridos”, ouvidos apurados, disfarces e sutilmente prestar muita atenção as conversas alheias, que eles chamavam comumente de “assuntar”. Numa dessas oportunidades surgiu o seguinte papo entre meninas moças:

- ...Que broche bonitinho esse hein!- Não é bem broche, é um amuleto.- E isso serve pra que? - Uns dizem que é para livrar de olhado, evitar maus fluidos, livrar de

encostos, além de dar sorte. Outros dizem que possui ainda certas proprie-dades, podendo evitar algumas doenças e curar outras de acordo com a cor da peça. Dizem que emanam até certa radiação. Mas eu comprei mesmo porque achei bonito.

- Que legal! Onde a gente acha para comprar. - Naquela lojinha de bijuterias vizinha do Pet shop e da floricultura.

Mas dizem que na feirinha também tem. Não é muito baratinho, mas é lindo. Tem muita gente comprando.

- Que ótimo! Eu também vou comprar um.

homem do carro para força-lo a ir direto para o hospital, minha filha teria morrido ali mesmo sem socorro.

- A coisa não é bem assim. Não se pode sair quebrando o pouco que já existe. A propósito: e os prejuízos?

- Não se preocupe doutor. Pagarei todos.- E a confusão lá no hospital? Foi entrando, invadindo desacatando...- Foi pelo mesmo motivo, doutor. Minha filha estava quase morren-

do, doutor. Sou viúvo sem família por perto, minha filha é tudo o que eu tenho. Somos um pelo outro, não temos mais ninguém.

- Você não tem medo de ser preso?- Sim doutor. Morro de medo, mas no momento a prioridade era a

minha filha. Precisava garantir a vida dela. A minha fica pra depois.- E agora? O que vai fazer? - Vou lá no hospital acompanhar o caso da menina. Espero que já

esteja fora de perigo e bem melhor. Pelo menos eu fiz tudo o que pude.- E o que não pode também, não é?

O delegado acabou o liberando, para ele ir lá cuidar da filha, sob a promessa de que pagaria todos os prejuízos, além da mão de obra para reposição e reinstalação.

Quando ele saiu o delegado analisou a situação. Fora um ato ilegal, mas como pai tinha consciência do que um pai desesperado pode fazer para garantir o atendimento de emergência de um filho, quando o serviço público é incapaz de prover. Era horrível, ilegal, brutal e antiético, mas era essa a realidade que estavam vivendo.

Não pode deixar de reconhecer e comentar: Como a delegacia, o serviço de saúde é outro que fica congestionado na época da alta tempora-da. Estavam na baixa, mas essa era atípica, mais movimentada e com mais problemas graves do que as altas. Se as unidades de saúde já funcionavam precariamente nas épocas mais suaves, quanto mais naquela época agita-díssima.

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Aquela ideia da areia chamou atenção, então, resolveram dar uma volta pelas praias da redondeza e ver se observavam algo de interessante. Não demorou muito para encontrar algo digno de nota. Seis sujeitos dis-farçados de banhistas recolhiam areia em torno de algumas pedras onde constantemente as ondas iam e vinham e parecia separar tipos de areia em camadas. Eles colhiam em pequenas caixas plásticas e depois as levavam para um carro estacionado na rua adjacente à praia. Deram uma olhada, despretensiosamente como curiosos e foram embora. Passaram a observar sem serem notados e perceberam que saíam todos os dias, carros e mais carros com uma enorme quantidade de areia ensacada.

Aquilo tudo era muito intrigante. A enorme quantidade não era condizente com a fabricação de bijuterias. Tinha que haver outra explica-ção mais convincente. Se o produtor dos amuletos fosse o mesmo que uti-lizava o restante da areia, aquelas bijuterias poderiam muito bem ser uma fachada para justificar a coleta de areia. Caso não fosse, se beneficiariam de qualquer forma do fato.

- Claro que a próxima tarefa seria seguir o tal carro e anotar o ende-reço. Primeiro chegaram a um terreno num lugar afastado de um bairro de periferia, murado e no fundo do qual havia um modesto galpão, onde para despistar havia também algumas grades de cerveja, vazias, além de outros materiais.

Começaram a observar e depois seguiram outro carro que saía dali e foi parar numa casa grande num bairro próximo do centro da cidade.

Observando mais um pouco, viram que era constante a saída de malotes para uma agência de uma transportadora de cargas e até para uma agência dos correios.

Mentalmente os investigadores começavam a desenhar aquele circui-to: da praia para o depósito, do depósito para a casa, da casa para a trans-portadora e a agência do correio. E as bijuterias, onde entravam naquela história? Conversavam entre eles sobre aquelas informações intrigantes e faziam suas anotações.

Os dois investigadores escutaram aquele papo e resolveram ir atrás daquela história. Um deles até pensou em arranjar uma peça daquelas e dar aquela novidade de presente para a namorada. O outro como tinha uma índole mais mercenária, sempre via tudo com um cifrão nos olhos e logo enxergou uma possibilidade de ganhar dinheiro.

Era incrível a criatividade daquele pessoal para negócios. Qualquer besteira virava dinheiro. O mais incrível é como tantas pessoas compra-vam, cada uma por motivo diferente: umas por crendice outras pelo pró-prio fetiche e outras porque todo mundo estava usando. O fato é que ven-dia muito bem, rolava muita grana e ninguém reclamava de pagar o valor pedido. Tinha ainda outros mais espertos que compravam em atacado para revender em outras cidades e estados.

No rolar da investigação o investigador que queria comprar para dar de presente e fazer uma média com a namorada, saiu procurando nos lu-gares indicados pelas meninas. Era realmente de encher os olhos. As peças eram lindas mesmo, conforme diziam as moças. Além das cores, forma-tos característicos e graciosos valorizavam o lado artístico. Forma de gota d’água, apenas um pouco maior do que uma gota normal, prismas, cones, esferas, tubinhos com um lado maior do que o outro, botões e vários ou-tros. Eram de vidro transparente, oco e dentro continha areia.

- Opa areia! Exclamou o investigador, de antenas ligadas, como se tivesse dado um clique e piscado um flash na sua cabeça.

Sim. Era areia. De várias cores: vermelha, amarela, marrom, preta, verde, azul, lilás e várias outras tonalidades. Todas muito brilhantes.

O outro investigador começou a procurar um jeito de fabricar tam-bém as tais peças mágicas, cuja maior magia para ele era encher seus boldos de dinheiro. Se o custo de produção fosse caro, talvez compensasse com-prar em atacado e revender.

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coisas esfriarem enquanto embalavam melhor para transporte em longas distancias e depois chamarem uma transportadora para buscar.

Aquela súbita mudança e desaparecimento de todos exatamente na noite da ocorrência levantou enormes suspeitas. Não demorou muito para conseguirem um mandado de busca e apreensão para a casa escritório e para aquele depósito localizado na periferia. Começaram pelo depósito, por ser mais distante e lacraram e colocaram vigilância na casa.

SurpresasO material encontrado era sofisticadíssimo. Equipamentos de labo-

ratório metalográfico de primeira linha. Uma enorme variedade: fornos, equipamentos de raios X, microscópios eletrônicos, espectrofotômetros e vários outros que até muitas pessoas esclarecidas não conseguiam iden-tificar o que eram nem pra que serviam, de tão específico e avançados que eram. Alguns especialistas contratados pela polícia informaram que somente a análise de areia não justificaria tantos equipamentos assim e que provavelmente o laboratório serviria para monitorar a produção de alguns produtos de aplicação especifica ligados à física nuclear. Certamente a ex-plicação deveria estar naquela casa, pretensamente vazia.

Sobrava uma pequena pergunta: quem dera com a língua nos dentes a respeito da carga e o que ganhava com isso? Como armara aquela trama?

Não tardou muito a aparecer aquela resposta, ainda que de uma forma bastante sutil. Escutando conversas nos botequins sem aparentar interesse, souberam do aparecimento de um certo advogado pesquisando sobre algumas empresas que nos anos passados exploraram areia na região e sobre os trabalhadores que atuaram naquela época, trabalhando para eles com salários miseráveis e que mesmo assim foram abandonados ao Deus dará, de uma hora para outra, sem maiores explicações, sem indenização, sem compensação nenhuma, quando a empresa simplesmente foi extinta e os dirigentes sumiram. Segundo ele, caberiam indenizações milionárias a seus herdeiros.

Na delegacia – Plantão noturnoO telefone toca e eles recebem uma solicitação de atendimento.

Num bairro próximo ao centro houve uma troca de tiros entre dois assal-tantes e os seguranças que escoltavam um carro que se dirigia a uma trans-portadora. Curiosamente era aquela que já haviam seguido. Se utilizavam transporte com escolta armada era sinal que o produto que transportavam possuía altíssimo valor agregado. Logicamente não seriam bijuterias.

A polícia interveio rapidamente, mas quando chegou já encontrou um dos assaltantes baleados, em estado grave e o outro se evadiu assim que ouviu as sirenes da polícia. No lado dos seguranças, um deles estava ferido, porém, sem muita gravidade. Os feridos foram encaminhados ao serviço de saúde que encaminhou-os ao hospital, onde o assaltante morreu ao dar entrada e foi encaminhado ao IML. O Segurança foi internado mas saiu logo após. Os outros foram conduzidos à delegacia para prestar depoimento. Não sabiam de nada sobre a carga. O motorista também não sabia nada, muito menos os carregadores. A carga ficou retida no pátio da delegacia juntamente com o carro que transportava.

O delegado logo providenciou junto à justiça uma autorização para verificar o conteúdo da carga e dos papeis que a acompanhavam. Além dis-so tratou de providenciar a intimação para o pessoal do escritório de onde a carga saíra para vir à delegacia prestar esclarecimentos.

No outro dia, às oito e meia da manhã quando um investigador chegou lá para entregar a intimação teve uma enorme surpresa. Não havia ninguém na casa. Informando aqui e ali pela vizinhança, descobriu que um caminhão baú daqueles grandes havia encostado lá à noite e saíra de madrugada com a mudança. Alguns que viram o embarque descreveram vários equipamentos de uso científico como os utilizados em laboratório, que não tiveram tempo de embalar. O caminhão não era estranho, parecia ser da cidade mesmo.

Do modo como se configurava, não adiantava solicitar o bloqueio nas estradas estaduais e federais. Aliás os investigadores já imaginavam onde a tal parafernália fora parar. Seria uma ótima opção para deixar as

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Ao abrir apareceu uma escadaria que descia a um pavimento no subsolo. O que viram foi estarrecedor. Uma grande quantidade de maquinaria pesada: Geradores de Van Graf , cíclotrons e outros sofisticados aceleradores de partículas, centrífugas possantes, ou seja uma verdadeira usina de produ-ção de produtos nucleares, incrivelmente instaladas ali no subsolo de um bairro relativamente próximo ao centro da cidade. Se havia algum risco, ninguém sabia, mas a ideia não deixava de ser assustadora.

O delegado imediatamente acionou a polícia técnica para tomar as providências cabíveis junto a secretaria de segurança e chamar logo o pes-soal da comissão nacional de energia nuclear e outros técnicos especializa-dos da Nucleobrás.

Quanto aos produtos apreendidos, entregou-os, sob o aval da justi-ça, via polícia técnica e autorização da secretaria de segurança ao pessoal da comissão de energia nuclear para as análises especializadas.

Quanto aquela meia dúzia de sujeitos presos para averiguações, só os interrogou e dispensou, pois conforme esperado, não sabiam de muita coisa.

Deu por concluída a sua parte e saiu do circuito.

Conforme uma conversa em voz baixa, que alguém conseguiu escu-tar, esse mesmo sujeito, em outro boteco, depois de tomar alguns goles e pagar alguns para quatro vagabundos, falou sobre certo doleiro que mexia com uma grana “pesada” e que frequentemente enviava malotes com di-nheiro para alguns bancos em vários paraísos fiscais no exterior. Proposita-damente confuso, apontou a tal casa que estava sob suspeita como sendo o escritório do doleiro, de onde saiam os malotes com muitos dólares.

A polícia constatou então que a ideia do dinheiro enviado pelo do-leiro era fantasiosa, pelo menos dessa vez, mas, poderia ter um fundo de verdade em outra parte da cidade. As informações poderiam estar proposi-talmente misturadas, o que deveria ser investigado depois.

Escutando conversas fortuitas em outros botecos, acabaram sabendo de um endereço onde havia um laboratório clandestino (sem alvará de licença municipal e outros registros) com equipamentos científicos ultra sofisticados, o que batia com as informações obtidas na outra conversa de boteco e na vistoria do depósito.

Ligando os fatos, os investigadores logo perceberam que a história do assalto fora uma trama engendrada pelo tal advogado para o caso da empresa sediada naquela casa vir a tona com estardalhaço na imprensa e ele se aproveitar disso para tirar os coelhos da toca. Mas como a coisa não saíra exatamente como ele previra, porque a polícia chegou primeiro e conduziu o caso para outro lado, teve que sumir por uns tempos também até que as coisas esfriassem.

Busca na casa – mais surpresas.Com autorização da justiça, entraram na casa, pretensamente vazia e

começaram a buscar os mínimos vestígios. A única coisa que não levaram por motivos óbvios era um armário embutido. Abriram e verificaram que estava vazio. Procurando vestígios de algum produto ou peça pequena, uti-lizando uma lanterna, ao examinar o fundo, depararam com um contorno, como se fosse uma pequena porta horizontal. Era na verdade um a alçapão.

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Capítulo 22

Ninho de pedras e ovos fossilizados às margens da lagoa

- Doutor, temos mais problemas no caso do Monstro da lagoa.- Vai, despeja logo o cesto de desgraças. Quantos cadáveres aparece-

ram dessa vez?- Nenhum doutor. Fique tranquilo que dessa vez não morreu nin-

guém, não há feridos nem algum tipo de confusão.- Ótimo, então onde é que a polícia entra nessa história?- Pela informação que passaram, parece que encontraram um ninho

feito de pedras com alguns ovos gigantes às margens da lagoa de Maimbá. Dizem que é do Monstro da Lagoa.

- Olha, eu já disse outras vezes: estão se queixando no lugar errado. Não sabemos mexer com isso. Eles têm que procurar o Ibama, biólogos marinhos, defesa civil ou o raio que os partam. Aqui é uma delegacia de polícia. Cuidamos de crimes: agressões, vandalismos roubos, assassinatos e coisas do gênero. Esse negócio de monstros não é conosco.

- Sim, doutor. Como da vez passada também já ligaram pra todos os órgãos. Acharam um absurdo e nem se deram ao trabalho de ir lá. Foram logo afirmando que é caso de polícia. Com certeza acham que é obra de algum desocupado que fica querendo assustar os outros. Como o senhor mesmo sabe, de vagabundos esse mundo anda cheio.

- Olhando por esse prisma, não posso deixar de concordar com eles. Mas nesse caso, digo mais: isso não me parece coisa de vagabundos, mas de criminosos mesmo. Deve ter algum metido a esperto tentando ganhar alguma coisa com isso. Só não sei ainda o que é, mas que deve ter uma

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moagem de marmoraria, como as usadas para decorar jardins e aquários.Os ovos, se examinados meticulosamente, perceber-se-ia que eram

bipartidos, como os ovos de páscoa que são feitos de chocolate, porém maiores, possuindo um volume aproximado de sete litros e meio.

A gema era constituída de um material que lembrava uma prótese mamária de silicone de cor amarela, só que muito menos viscosa e volume maior, compatível com o volume do ovo.

A clara lembrava óleo silicone e era aromatizada com odor caracte-rístico de ovos estando todo o conjunto interno envolvido por uma mem-brana plástica fina em PVC ultra flexível em formato ovoide.

A casca era de um material cerâmico, lembrando uma mistura de gesso com outro produto e endurecido em forno.

A tentativa de estabelecer o genoma e todas as considerações em relação à codificação genética fora um fiasco. Que genes, contagem cro-mossômica, que nada. Aliás, nem DNA havia, pois, esse é um aminoácido: ácido desoxirribonucleico. Consequentemente também não se encontrara nenhum dos seus derivados, ribonucleoproteínas, nem outros afins. Ou seja, na verdade nada havia de material genético normalmente encontrados em seres vivos.

A análise química do material interno do ovo, como já foi dito, mos-trava que era quase todo silicone, acrescido de corantes e aromatizantes.

As membranas de PVC ultra flexível e a casca bipartida de material cerâmico, conforme também já foi mencionado, não sugeria que fosse de um ovo de algum ser vivo.

Era uma fraude, mas capaz de enganar aos incautos, até porque esta-vam condicionados a ver aquilo e achar que era verdadeiro.

As conversas de botecoNum dos bairros da periferia, não muito longe do centro havia al-

guns botecos onde faziam ponto alguns cachaceiros e contadores de histó-ria. Muito provavelmente alguém os financiava, mas eles também ganha-

dinheirama envolvida, pode ter certeza.- Tudo bem, doutor. Mas por onde começamos?- Recolhendo o material encontrado lá para os primeiros exames na

polícia técnica. Aliás já temos gente deles por aqui trabalhando conosco. Vou solicitar que acompanhem o caso. Depois colocamos olheiros na re-gião e nos botecos para assuntar as conversas e saber quem propaga esses boatos. Apertando os boateiros, chegaremos aos mandantes.

O delegado mandou chamar um homem que estava hospedado num hotel como turista e apresentou-o ao Jorge como um investigador da polí-cia técnica, descaracterizado. Pediu que mantivesse o sigilo, até mesmo na delegacia.

Conversaram sobre o caso e o novo investigador percebeu que esse estava relacionado com o caso analisado anteriormente, além de outros que já tomara conhecimento pelos relatórios escritos pelo delegado. Sempre havia uma lagoa, um monstro e muitas coisas a ele relacionados.

Como era um investigador lotado na polícia técnica, com muitos amigos dentro de vários setores, laboratórios e tal, o caso ganhou agilidade.

Considerando a propaganda que era anunciada a todo o momento na cidade, de que haveria um evento à noite, uma expedição com algu-mas caravanas de turistas na praia próxima à lagoa, não era muito difícil deduzir que aquele material encontrado faria parte de um cenário armado exclusivamente para esse showzinho com o tema girando em torno do tal Monstro da Lagoa. Assim, não pegaram tudo, mas somente uma parte para análise.

Análise do materialAos olhos do leigo, passaria batido, mas, para investigadores expe-

rientes apoiados por resultados de exames de laboratório, tudo não passava de uma fraude grosseira. Para começar, as pedras que formavam o ninho eram de mármore arredondado e sujas de lama ou de alguma tintura de tonalidade entre o amarelo e o marrom, constituída na verdade de restos de

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que estava já não divertia mais ninguém.Disse mais uma porção de coisas que nenhum dos ainda presentes

entendeu nada, até enfim se apagar completamente em seu sono etílico.O pouco que o agente ouvira foi suficiente para despertar sua curio-

sidade investigativa e direcionar o seu faro na direção do evento que have-ria à noite. Disfarçadamente já fotografara os mediadores e monitores do Zé do Monstro, que passaram então a ser monitorados, sutilmente.

Os resultados dos exames, enfim, se coadunavam com os delírios do zé do monstro. Se por um lado os resultados dos exames negavam pe-remptoriamente qualquer relação com um ser vivo, os delírios etílicos do bebum apontavam para a natureza mecânica do suposto monstro. Em ou-tras palavras o tal monstro pré-histórico, supostamente um pterodátilo, já apelidado de “Pitéra”, não passava de uma máquina voadora, adornada com uma alegoria como nas festas carnavalescas.

A manobra dos espertalhões e seus agregados não saiu exatamen-te como previram. Fora um erro de cálculo. Avaliaram mal os riscos de alguém de fora do grupinho perceber. Quando surgiu o boato antes do tempo previsto e esse começou a se espalhar, alguém avisou à polícia que acabou chegando primeiro, recolhendo uma amostra, mas, deixando o res-tante do material, com a intensão de pegar os caras com a boca na botija. O investigador disfarçado de turista estaria presente e fotografaria além do material cenográfico, também os contra regras, os coordenadores e esta-riam a um passo de pegar os chefes intermediários e chegar aos mandantes.

vam os seus trocados por conta própria, além de beber de graça, pois os turistas para ter diversão garantida lhes pagavam várias rodadas de cachaça. Sob o efeito da maldita ficavam cada vez mais loquazes e as vezes falavam até o que não podiam ou deviam. Nessa hora entravam disfarçadamente os mediadores para contornar a situação.

Num desses botecos fazia ponto o “zé do monstro”, um dos mais conhecidos contadores de causos e provavelmente dos mais inveterados cachaceiros da região, personagem que já foi citado anteriormente. Curio-samente a modulação e amplitude de sua voz variava bastante com o seu estado alcoólico. Começava sempre falando baixo, moderado, compassa-damente, depois animava e até produzia alguns brados com exortações, co-meçava a falar cada vez mais alto. Mas a partir de certo ponto, a amplitude de sua voz começava a baixar cada vez mais, ficando até meio arrastada, até ficar parecido com um gato rosnando, quando está obrigado a fazer o que não quer. Nos últimos momentos que precediam a falta clareza, ele come-çava a falar também o que não devia, o que desagradava especialmente aos seus mandantes. Para a sorte deles, ele começava a misturar as coisas, em-bolar as histórias e aí, era a hora de intervir: Os caras que disfarçadamente o monitoravam, ressaltavam o descrédito, atribuíam ao efeito da bebida e davam um jeito de retirá-lo de cena.

Numa dessas oportunidades, depois de beber além do seu limite ele começou a fazer comentários sobre o hálito fumarento e ardido do mons-tro, que vez por outra soltava umas línguas de fogo. A diferença, segundo ele, era que diferentemente dos dragões que soltam fogo pelas ventas, esse, soltava fogo pelo rabo, que ele não pronunciava com o som de erre dobra-do, pois era daqueles que sentiam dificuldade com os sons guturais, então, pronunciava carro (veículo) e caro (preço alto) do mesmo jeito, talvez com uma trepidação de língua maior quando se referia a veículo. Bêbado então, a coisa piorava bastante. Falou também de um som de moto bastante aba-fado que o monstro fazia enquanto voava.

No auge da sua inconveniência alcoólica, com a voz arrastada e qua-se inaudível ainda disse: eu só não sei como esse monstro consegue: comer peixe, “mijar” óleo, “peidar fumaça” e “cagar” silicone. Quase ninguém ouviu e entendeu, até porque muitos já se retiravam, pois no estado em

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Capítulo 23

Expedições turísticas noturnas na praia, próximo à lagoa

A coisa estava animada naquele entardecer. Ao redor da praça e nas ruas adjacentes ou que de alguma forma davam acesso à mesma, totalmen-te tomadas. Parecia até dia de manifestações públicas.

Grande quantidade de Van, Micro-ônibus, taxis e carros de passeio. Estacionavam em filas muito bem organizadas, com gente das agências de turismo controlando.

Havia listas com os nomes das pessoas e a condução que iria, As ca-ravanas começaram a se formar e o pessoal a tomar os seus lugares.

Em cada veículo um guia falando português, espanhol e inglês. Ex-plicava para os ocupantes que se fosse mesmo verdade que o monstro exis-tia, naquela noite tinham tudo para vê-lo, porque era o dia exato da lua nova e da confluência da constelação tal com a outra, de significado espe-cial para as forças cósmicas e mais um monte de besteira que não tinha o menor fundamento.

Tudo pronto. A caravana pôs-se em marcha vagarosamente e toma-ram a direção da saída sul da cidade até pegar a estrada que seguia para Meaipe e finalmente a lagoa de Maimbá.

Os carros foram parando na orla da praia mais próxima à lagoa, o pessoal descendo e os carros retornando e estacionando onde podiam.

Aquele povaréu foi distribuído em grupos, segundo a condução em que vieram.

Foi montado um sistema de som potente e um telão, como se fosse um evento musical famoso.

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ceptível. Vai aumentando até que se estabiliza, mas o barulho da multidão e dos geradores dos carros de som disfarçavam um pouco, àquela altura.

De repente anunciam: é agora amigos, ouçam o som, é o rugido do monstro pré histórico. Nesse momento acenderam um holofote e ilumina-ram aquela figura grotesca.

Anunciaram: vejam meus amigos é um pterodátilo que está voando a uma altitude relativamente baixa.

Vejam: está se deslocando do mar em direção à lagoa. Está perdendo altitude. Vai pousar a qualquer momento. Está pousando. Pousou, parece que submergiu na lagoa.

Pessoal iludido é assim: estavam tão condicionados a ver o que que-riam que não se detiveram a alguns detalhes que seriam facilmente per-ceptíveis. Para começar aquele roncado era praticamente sem modulação, constante mesmo. As asas também se movimentavam pouco, alguns de-talhes pouco perceptíveis da cauda e dos pés também não foram notados.

O pouso foi outra fraude muito bem planejada. Na verdade o pouso não foi na lagoa, mas atrás de uma pequena elevação na lateral da lagoa. Para quem estava na praia, a certa distância, a ilusão era perfeita.

Depois disso, meia dúzia de curiosos, previamente planejado pelos organizadores, foram até a lagoa e trouxeram o suposto ovo gigante e mais as pedras do ninho. Anunciaram o achado e mandaram trazer até o meio do povo, onde já havia uma espécie de mesa de madeira, bem rústica. Alguém previamente treinado deu uma martelada com muito jeito e con-seguiu romper a casca, sem danificar a gema. Mostraram tudo aquilo no telão. Foi o maior sucesso.

Nesse ponto começa o segundo show. Começa a chegar a toda ve-locidade as viaturas da polícia com suas sirenes ligadas, mais alguns carros descaracterizados também com as sirenes e as luzes intermitentes. Come-çaram a se dividir e formar um cerco.

É hora dos coelhos saírem da toca e dos ratos abandonarem o navio. Aqueles que deviam alguma coisa começaram a correr, a tentar se esconder. Teve gente que se jogou no mar, outros correram para a lagoa, outros para o mato nas proximidades. Outros que não deviam, saíram para tentar se abrigar perto dos veículos com medo de balas perdidas, embora não tives-

Alguns grupos exotéricos discutiam coisas do seu interesse. O mes-mo acontecia com os ligados a ufologia e outros de inclinações religiosas diversas.

Outros não pensavam em nada mesmo e pelo jeito nem faziam ques-tão de ver monstro nenhum. Só pensavam em comer, beber, paquerar, contar piadas, rir bastante da cara dos outros enfim, se divertir muito.

O circo estava armado e os palhaços ali, na expectativa de não se sabia exatamente o que.

Os atores com certeza esperavam só o sinal para entrar em cena.Tudo muito bem controlado. Pessoas ligadas as empresas de turis-

mos se comunicando com transceptores, pessoal da segurança bem vestido e aptos a entrar em ação para manter a ordem, tudo certo.

Diluídos no meio dos turistas, os dois investigadores da polícia téc-nica, parecendo-se interessadíssimos, filmando e gravando tudo, além de dois da delegacia local.

Para não perder a oportunidade, o pessoal da delegacia que também gostava do teatro e de surpreender os meliantes com ele, também já esta-vam, não muito longe dali, com tudo preparado para entrar em cena, só esperando um telefonema dos agentes que estavam no evento.

Começou um show musical para divertir o pessoal e mantê-lo sob controle enquanto não dava a hora programada para aquele teatro de en-rolo, esperado ansiosamente pelos organizadores.

Em dado momento, começou a contagem regressiva, parecido com

os momentos que antecedem o réveillon. Começaram a anunciar no carro de som:

É agora meus amigos. Pelas nossas contas esse é o momento espe-rado. Se existir mesmo algum monstro ele aparecerá. Vamos ficar atentos Vamos olhar o céu.

Era lua nova. A noite estava um breu. Não se via um palmo a frente do nariz.

De repente, começa um ronco surdo, muito baixinho, quase imper-

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mento e já estava liberando. Precisava apenas que informasse quem o con-tratou. Ele então informou que fora a associação das empresas de turismo.

Curiosamente, todo o pessoal que fora interrogado era em sua maio-ria prestador de serviço: Geradores, carros de som, luminotécnicos, segu-ranças, serviços de apoio e artistas cantores e apresentadores. Todo mundo legalizado. Mas, havia um ponto em comum. O mesmo contratante.

Resultado: tudo era falso. Os ovos, o monstro, as histórias, tudo. Só uma coisa era real: o show. Muito bem planejado e organizado por sinal.

Faltava agora intimar os responsáveis pela associação das empresas de turismo. Os investigadores da polícia técnica e o delegado também, come-çaram a acreditar que todos os problemas que estavam ocorrendo naquela baixa temporada estavam de alguma forma relacionado com aquele pessoal do turismo. Se isso fosse mesmo verdade não seria muito difícil deduzir a motivação.

sem ouvido nenhum tiro.A equipe do ovo sumiu. Os seguranças desapareceram. Ficou sozi-

nho o cara do microfone tentando controlar a multidão, pedindo calma para não se machucarem, andar de vagar, evitar o tumulto pois o pânico naquela situação ali poderia levar muitos a morrem pisoteados pela massa. Dizia que tudo estava sob controle, que a polícia veio ajudar na segurança, que eles pagaram para estar ali e tinham direito a usufruir da tranquili-dade. Nesse momento a polícia percebeu que o pisoteamento poderia ser uma ocorrência real, desligou as sirenes. Nesse momento voltou a música, acenderam os refletores e começou a apresentação de um show com artistas locais conforme planejado.

Com muito custo a situação foi voltando à normalidade. Daí a pou-co chegou a condução e todos começaram a embarcar ordeiramente e co-meçaram a retornar um pouco mais relaxados. Um dilúvio de comentários de todas as tendências se estabeleceu. No dia seguinte não se falava de outra coisa na cidade.

A outra parte da história acontecia paralelamente no local do pouso. Saíram os policiais de dentro do mato e prenderam o piloto do “monstro” para averiguação.

Na verdade era um ultra leve com um motor sofisticadíssimo em termos de camuflagem acústica. Toda a composição da alegoria era ligada a um sofisticado sistema de pistões hidráulicos comandados eletricamente por válvulas solenoides supervisionadas por um avançado software de uma central computadorizada. Na verdade era um artefato alegórico como os carros do carnaval, com a diferença de que voava e era tecnicamente sofis-ticadíssimo.

Ao ser interrogado na delegacia, disse que sua empresa de produções artísticas era legalizada, que fora contratado para um show e que cumprira rigorosamente todos os quesitos do contrato, que estava trabalhando ho-nestamente e que não cometera crime algum. Solicitou que chamassem um advogado para defende-lo.

O delegado disse que não seria necessário, que era só um esclareci-

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Capítulo 24

Tiroteio por disputa de transporte clandestino

- Bom dia Jorge? Tudo tranquilo?- Antes estivesse doutor. Temos um problemão.- O que é desta vez?- Acabamos de receber uma solicitação de atendimento. O prédio do

sindicato dos transportes urbanos está sitiado, alguns estão entrincheirados por lá e as ruas adjacentes viraram uma praça de guerra.

- Alguma informação sobre a causa? Ou as causas?- Há muitas informações desencontradas. Um grupo contrário ao da

nova diretoria, empossada há três meses acusa o outro de formação de uma panelinha que facilita a vida de uns em detrimento da dos outros. Estão fazendo tudo para derrubar a diretoria atual e convocar novas eleições no intuito de moralizar as coisas e acabar com os favorecimentos ilícitos. A atual diretoria resiste e o seu grupo já disse que apoia e que vai ter briga. Que se quiserem disputar na bala ela aceita.

- Como começou a confusão?- Depois daquele evento de ontem começaram a discutir por causa

de pagamentos, preferências a alguns grupos, mais serviços para uns do que para outros, muito dinheiro para uns e pouco para outros. Os ânimos começaram a ficar exaltados, houve muitos xingamentos, muitas trocas de ofensas e acabou em tiroteio, Parece que já existem dois baleados de cada grupo. Um de cada grupo está em estado grave no hospital e os outros dois foram atingidos de raspão e já foram liberados.

- Já mandou alguém dos nossos ir lá ver o que acontece?

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que ainda insistiam em avançar foram contidos por bombas de efeito mo-ral e de gás lacrimogênio.

Sobrava o pessoal entrincheirado no prédio do sindicato e no outro em frente a ele, trocando tiros uns contra os outros. Vez por outra, vidraças eram espatifadas e paredes eram esburacadas por balas de grosso calibre.

O delegado começou a berrar no megafone: Rendam-se. Vocês es-tão cercados. Não há como escapar. Parem com o tiroteio já. Quanto mais demorarem mais complicarão suas vidas.

Saiam todos de mãos levantadas e sem armas. É sua única chance. Se não obedecerem logo a polícia vai invadir. O pessoal resistia, mais por medo de sair e ser morto.

Nesse ponto o pessoal da delegacia se deu conta de que a munição estava no fim e não dava para sustentar a confusão por muito tempo. So-bravam poucas balas para cada policial, apenas duas bombas de efeito mo-ral e mais duas de gás lacrimogênio. Tinham que conseguir pôr um ponto final naquilo, rápido, com o material que tinham e torcer para que os mi-litares já tivessem terminado com os manifestantes e viessem em seu apoio.

O recurso mais uma vez foi a ousadia. Fazer aquele costumeiro te-atro. Dar aquele famoso golpe: quando as forças dos dois lados já estão bem em baixa, antes de dar o toque de retirada, dar o de cavalaria avançar para assustar o inimigo e tentar convencê-los de sua superioridade. Se bem que desde a última vez que isso aconteceu na história do Brasil a mais de duzentos anos, esse golpe já estava meio manjado, mas algumas vezes ainda davam resultado. Por outro lado, não havia mais alternativa. Assim, come-çaram o segundo ato: ligaram as sirenes todas ao mesmo tempo, Lançaram as duas bombas de efeito moral restantes uma na frente de cada prédio, deram mais dois tiros para arrebentar mais vidraças nos pontos desejados e por eles laçaram as bombas de gás lacrimogênio. Depois disso foi só esperar os coelhos saírem da toca.

Alguns saíram ainda muito exaltados com camisas molhadas nos ros-tos e tentaram resistir, mas deram de cara com os militares que já chegavam batendo os cassetetes nos escudos, sob a cobertura dos que estavam com as

- Não. Achamos melhor consulta-lo primeiro e planejar melhor, pois o nosso pessoal teme ser atingido por bala perdida num fogo cruzado, an-tes de chegar ao ponto central.

Aquele caso naturalmente possuía agravantes. O principal deles era a ilegalidade. A quantidade de empresas legalizadas jamais teria condições de atender a demanda que normalmente ocorria na alta temporada nem naquela baixa temporada atípica. Esse “por fora” dava margem a favore-cimento dos apadrinhados pela entidade dirigente em detrimento dos outros. Isso sempre foi o pivô das confusões que praticamente todo ano acontecia. Mas naquela baixa temporada aquele incômodo se potenciali-zou e cresceu a um nível insustentável, que resultou no mais grave conflito já ocorrido até então.

Continuando:- Então a coisa está muito mais feia do que eu imaginava. No en-

tanto, precisamos atender a ocorrência. Vamos planejar uma ação tática parecida com a de ontem. Muitos carros chegando ao mesmo tempo com as sirenes ligadas, se dividindo em quatro grupos chegando um por cada canto, Um megafone potente. Para garantir acionaremos o batalhão da polícia militar mais próximo, com escudos, armas de choque elétrico, balas de borracha, bomba de efeito moral, spray de pimenta e tudo que temos direito.

Aquele teatro deu certo e rendeu bons resultados, como sempre acontecia, mas, dessa vez a pescaria foi melhor, conseguiram prender mais pessoas. No momento em que a polícia chegou pela frente fazendo aque-le estardalhaço, muitos tentaram correr, batendo em retirada pelo flanco oposto, mas, não contavam com um detalhe: o pelotão que vinha em senti-do contrário os pegou pela retaguarda. Foi indefensável: foram apanhados em flagrante com arma em punho. Alguns armados com ripas tentaram enfrentar a polícia mas logo que começaram a tomar tiros com balas de borracha, viram que não era bom negócio. Os que chegavam mais perto eram atingidos com spray de pimenta e armas de choque elétrico. Alguns

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Capítulo 25

Estudos - Compilação das investigações da polícia técnica

Os dois agentes da polícia técnica que vieram ajudar ao delegado fizeram um estudo especializado dos casos, separando-os estatisticamente segundo suas relações.

A primeira correlação era geral, valendo para todos os casos: todos ocorreram na baixa temporada.

A segunda correlação que estabeleceram foi entre as que possuíam relação com as lendas e as que não estavam relacionadas a essas. A seguinte tabela que construíram elucida essa ideia:

Tem relação com as lendas Não tem relação com as lendasSugestão de que há um mostro na lagoa. (a lenda afirmava que as águas ficavam revoltas sem causa aparente e voltavam a ficar calmas)

Retirada de areia e formação de li-xões às margens da lagoa. (Consequ-ência de aumento populacional)

Cadáver boiando no mar com mar-cas estranhas (tentativa de atribuir ao monstro a causa da morte)

Escavações próximas ao Radium Hotel. (Suposição de alguém que perdera bens no cassino de que have-ria um andar subterrâneo onde exis-tiria um cofre)

Cadáver mutilado às margens da lagoa (tentativa de atribuir a morte ao ataque pelo monstro)

Falsificadores de quadros e escultu-ras.(Consequência do aumento popula-cional)

armas de choque e de balas de borracha. Não teve jeito para os revoltosos. Engaiolaram todos.

Dessa vez era realmente uma situação de confronto, que se aproxi-mava mais do real. Não houve telefonemas de reprimenda. Aliás o povo das imediações estava era agradecido, Mas telefonemas de elogio também não tiveram nenhum. Não fizeram mais que a obrigação, como muitos falaram. Ficou tudo por conta daquele salário minguado mesmo.

Na delegacia, a festa foi animada. Nunca se viram tantos presos de uma só vez e seus advogados garimpando seus trocados. Responderiam em liberdade seus processos por porte ilegal de armas de fogo, perturbação da ordem, agressão, resistência à prisão, desacato a autoridade e tal.

O delegado achou razoável. Afinal, já havia superlotação e já estavam tendo problemas com o pessoal da defesa dos direitos humanos, ONGs com ramificações internacionais e tudo. Era uma corda bamba. Já havia ameaça de uma segunda interdição pelo não cumprimento das exigências feitas durante a primeira.

Quanto ao prédio do sindicato e o do grupo rival, em frente, foram interditados, com o aval da justiça, até que fossem vistoriados e as investi-gações concluídas.

Quanto aos membros da diretoria e seus oponentes, foram severa-mente advertidos de que uma reincidência traria consequências drásticas, teriam suas prisões preventivas decretadas, enfim, definitivamente não se-ria um bom negócio. Acabaram saindo de circulação por algum tempo por sugestão dos seus próprios advogados.

Assim, a paz voltou a reinar por ali. Pelo menos por enquanto.

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Procura de suposto navio, usina de concentração de tório (tentativa de exploração de uma lenda, derivada da história das areias monazíticas).

No universo dos vinte e um casos analisados estabeleceram a seguin-te estatística:

65,00% estavam de alguma forma relacionados com as lendas anti-gas da cidade.

35,00% não se relacionavam a elas, mas somente ao aumento po-pulacional.

53,84% das relacionadas às lendas relacionavam-se ao Monstro da Lagoa.

15,38% das relacionadas às lendas, eram relacionadas também à am-bição imobiliária e

10,00% sobre todos os casos, ao sonho juvenil de caça ao tesouro.05,00 % de todos os casos, relativos a exploração mineral eram casos

fortuitos.

Essa estatística mostrava claramente que a história do monstro da lagoa capitaneava toda a trama, o que se coadunava com o enorme mo-vimento econômico direcionado a esse caso. A partir do movimento e da infraestrutura criada os casos se avolumaram em torno desse. Era o que mais movimentava transporte, hotéis, restaurantes, bares e muitos outros serviços. Era o que tinha maiores custos, mas, o que resultava em maior faturamento e consequente lucro.

Outro fato interessante é que sugeria uma enorme organização e coordenação. Uma pessoa ou um grupo de pessoas, isoladamente jamais conseguiria tocar um projeto de tal envergadura e obter um resultado tão vultoso e tão rápido.

Os outros casos, não eram coordenados e não tinham expressividade econômica. Estavam mesmo mais relacionados às oportunidades fortuitas de negócio que o aumento populacional oferecia, exceto aqueles de fabri-cação de produtos específicos a partir da areia, que também eram empre-

Afirmação de que o pessoal do Lual teria visto o monstro pousando e afundando na lagoa (tentativa de reforçar a existência de um mons-tro voador)

Invasões ambientais (Consequência do aumento popula-cional)

Arcada dentária e barbatanas de cação grande às margens da lagoa (Tentativa de afirmar que o mons-tro se alimentava de peixes que ca-çava no mar)

Pessoas com atitudes suspeitas co-lhendo amostras de areia das praias.(Consequência do aumento popula-cional)

Ninho de pedras e ovos gigantes às margens da lagoa (Tentativa de afirmar que era um monstro que punha ovos para a sua reprodução)

Pai de paciente não atendido faz quebra-quebra em posto de saúde.(Consequência do aumento popula-cional)

Expedição turística noturna na praia próximo a lagoa (promessa de aparição do monstro da lagoa)

Tiroteio – disputa por serviços de transporte clandestino e posse no sindicato.(Consequência do aumento popula-cional)

Invasão de terreno no morro do Atalaia (tentativa de explorar a len-da da gruta dos jesuítas nesse local)Venda de água milagrosa da fonte dos Jesuítas e de mapa da gruta do tesouro (exploração de duas len-das)Gente que ouviu o arrastar de cor-rentes e gritos de pessoas apanhan-do (tentativa de fazer acreditar que o espírito dos antigos escravos esta-va ali ainda sofrendo)Aparições noturnas próximo à antiga matriz (tentativa de fazer acreditar que o espírito dos padres jesuítas estavam ali cavando para enterrar o tesouro.

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Capítulo 26

Intimação de cada um dos envolvidos para interrogatório

O primeiro passo era fazer um levantamento das pessoas envolvi-das com os negócios do turismo, identificando suas funções para depois convidá-las a princípio para esclarecimentos informais e depois, conforme o desenrolar dos fatos, intimá-las formalmente.

Alguns telefonemas se passando por prestadores de serviços foram suficientes para estabelecer a rede inicial de pessoas a serem convidadas a esclarecer pontos obscuros dos negócios de turismo.

No primeiro telefonema um investigador da polícia técnica se pas-sou por diretor de uma mini empresa prestadora de serviços, que suposta-mente teria profissionais de várias áreas: Limpeza, segurança, eletricistas, montadores de estruturas, técnicos de som e tal. Propunha uma terceiriza-ção de serviços que sua empresa oferecia. Olavo Silva, o rapaz que atendeu, falou que sua parte era só relacionada a som. Serviços de contratos grandes como aquele teria que procurar seu Grecco Stevenson. Temeroso que fosse concorrente de um negócio que particularmente também prestava, tentou enrolar o seu interlocutor. Esse insistiu e prometeu que rolaria uma grati-ficação caso ele conseguisse colocá-lo em contato com o chefe. A possibili-dade de ganhar um por fora sem esforço, animou o safado, que logo passou o número do telefone.

No próximo telefonema ele contatou o tal Grecco, dando uma de mal informado e disse que procurava serviço de eletricista e montador de estruturas. Ele logo disse que esse assunto era cuidado por Lauro Stan o da

endimentos organizados. Mas esses eram casos isolados, sem relação com os outros.

Perceberam que mandaram muito material para os laboratórios dos institutos de criminalística, mas, apenas para desmistificar alguns casos isolados. No entanto ainda não tinham provas cabais da participação de pessoas especificas nos casos mais importantes. Todos se saíram muito bem nas suas desculpas como veremos nos interrogatórios seguintes. Isso talvez mostrasse a necessidade de uma acareação entre os interrogados. Foi o que solicitaram.

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uma grana por fora e beber de graça à custa dos turistas.

Ligando as pessoas, suas origens nos segmentos de turismo e suas funções na realização de eventos, acabaram por identificar a rede de pes-soas envolvidas e determinar a estrutura da organização e o seu modus operandi.

O próximo passo foi Chamar um por um daqueles responsáveis por cada setor e inquiri-los a respeito de sua participação no esquema dos eventos. Curiosamente nenhum deles mentiu. Pelo contrário confirma-vam cada item perguntado na maior naturalidade, dando ares de licitude aos negócios, que tinham na conta dos mais honestos, sendo tudo feito na maior lisura. Quando algo desvirtuava um pouco, atribuíam a fuga do controle e falha na coordenação ou comunicação deficiente com o restante do grupo.

Claro estava que havia mesmo um esquema de revitalização para a baixa temporada, mas que todos consideravam absolutamente normal e honesto.

Faltava ainda entrevistar o tal Grecco, coordenador dos grupos para falar especificamente sobre aquele último evento noturno na praia próxima à Lagoa de Maimbá, que deu o que falar, porque tinha algumas coisas mal explicadas e comprometedora, segundo a polícia.

Curiosamente ele também não negou nada do que foi perguntado. Respondeu a tudo na maior naturalidade, deu explicações verdadeiras e convincentes sobre tudo e se eximiu das responsabilidades por eventos pa-ralelos e ocorrências fora de suas atividades.

- O que você me diz sobre aquele ninho de pedras e os ovos gigantes às margens da lagoa?

- Os ovos eram cenográficos e o ninho de pedras fazia parte do cená-rio previamente planejado.

- E toda aquela confusão que aconteceu lá?

parte elétrica e Pedro Traff o da parte de montagem de estruturas.

No telefonema seguinte, ligou para o Lauro, pleiteando colocar al-guns carros para trabalhar nos transportes dos eventos, que então o dire-cionou para Dirceu Bring.

Depois ligou para o tal de Pedro, oferecendo serviços na área de segurança. Esse se esquivou e mandou contatar o Antônio Garcês, que respondia por essa área.

Deu mais um telefonema, dessa vez para Antônio Garcês, oferecen-do pousadas, com bons serviços a preços módicos. Esse logo o descartou e mandou conversar com Joaquim Dukla.

Ligou ainda para o tal do Joaquim Dukla pleiteando colocar seus restaurantes a serviço do turismo, tentando estabelecer parcerias e tal. Esse o encaminhou para José Hunter.

Depois ligou para o José Hunter oferecendo serviços de administra-ção e coordenação de eventos. Esse informou que não era sua área e que procurasse Palmiria Karl.

O outro investigador da Polícia técnica, refinando um pouco mais a pesquisa, acabou descobrindo que o tal de Grecco Stevenson é quem capi-taneava o grupo, que por sinal era gente tirada a esperta e se beneficiava de suas posições para tirar proveito oferecendo serviços, diretamente ou como sócios, sempre superfaturando, inclusive o próprio Grecco.

Esse tal Grecco, por sua vez era assessor de um funcionário graduado de uma secretaria municipal e ao mesmo tempo era sócio de uma empresa de turismo da região. O sócio dele por sua vez era dono de um bar, além de ser ligado ao sindicato dos Bares e Restaurantes. O primo deste, era dono de um hotel e era ligado ao sindicato dos hoteleiros.

Como coadjuvantes, figuravam seus assessores diretos e pessoas da confiança destes, que inclusive recebiam compensações financeiras em es-pécie para colaborar no desenvolvimento e andamento das histórias que os cachaceiros contadores de causos se encarregavam de espalhar a troco de

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estrutura de atendimento.- Não simplifique as coisas. As implicações dos seus negócios são

reais. Vocês têm sim alguma responsabilidade nisso.- Ora doutor se fosse assim na alta temporada também ocorreriam

essas deficiências. Por outro lado, temos que ser empreendedores, criativos e inovadores para que a cidade não morra quando acaba a época de vera-neio, evitando que muitas famílias fiquem à mingua. Pelo que sabemos, na alta temporada o número de ocorrências também aumenta, o transito fica caótico, a água acaba, o lixo aumenta e tal. Assim como o empresariado do setor de turismo faz por onde contornar seus problemas, o setor de servi-ços públicos também precisa se preparar para o aumento da demanda. De nossa parte, fizemos um planejamento estratégico. Tudo ficou definido em ata de reunião dos representantes do setor.

Percebeu que falou demais. Não precisava ter dito aquela última fra-se. Ninguém precisava saber dessa tal Ata. Embora ela em si não tivesse nada de comprometedor, o faro de Dobermann dos investigadores da polí-cia técnica poderia levar a outros rincões. Mas, paciência. Já era tarde para tentar contornar. Acabou tendo que mostrar a tal Ata.

- Pois é, você tocou no ponto nevrálgico da questão. A diferença é que tudo agora aconteceu exatamente na época da baixa temporada, ines-peradamente. Fomos apanhados de surpresa pelo aumento da demanda, que dessa vez superou todas as expectativas e mal tivemos tempo de soli-citar reforços.

- Olha doutor, se pudermos contribuir com algo, tudo faremos.- Podem sim, não deixando a polícia e os demais serviços públicos

à margem dos acontecimentos. Quando fizerem algum planejamento es-tratégico, façam de uma forma holística: Incluam a prefeitura, o corpo de bombeiros, a polícia civil e militar, as companhias de água e energia, etc.

- Sim doutor, consideraremos essa proposta.

O que o delegado não sabia é que eles nem sempre faziam negócios tão lisos assim. Sempre alguma coisa acabava escorregando para a ilegalida-

- De nossa parte, confusão nenhuma. Foi um show de efeitos espe-ciais muito bem planejado, com toda a infraestrutura de transporte, segu-rança, iluminação, som e todos os demais serviços. Infelizmente a chega-da intempestiva da polícia acabou assustando alguns, temerosos de haver alguma confusão ou tiros com balas perdidas. Foi difícil controlar aquela multidão. Por pouco não houve um pânico geral com gente acidentada ou morta ao ser pisoteada.

- Ah! Então agora você culpa a polícia?- Eu não sei se cabe culpa ou se deveria falar em outros termos, mas,

de nossa parte fizemos tudo certo.- E sobre o tal Monstro voador que habita a lagoa?- Também foi um recurso cenográfico do show. É uma figura alegó-

rica cuja base de montagem é um planador motorizado com recursos tec-nologicamente avançados em termos de abafamento de ruído e mobilidade das peças, tudo gerenciado por computador.

- Porque vocês afirmaram que era um mostro pré histórico?- Não afirmamos nada. Isso foi uma ilação das pessoas. Nós temos a

gravação completa desde a saída do centro até o retorno depois do show. Pode examinar detalhadamente. Não há afirmação categórica sobre a na-tureza real do monstro. Tudo era suposição e convite a verificação in loco.

- É, mas vocês têm uns contadores de causos que criam os boatos que logo são espalhados. Tem o tal de zé do monstro e outros.

- Ora doutor quem é que acredita em cachaceiros diplomados como aqueles sujeitos. Depois, pelo que já observei os turistas é que pagam mui-tas rodadas de pinga. Depois que enchem o rabo de cachaça, começam a misturar um monte de bobagens até caírem completamente embriagados, o que diverte bastante os turistas.

- Você tem consciência de que todo esse excesso de movimento tem acarretado inúmeras ocorrências, algumas da maior gravidade? A delegacia de polícia, os postos de saúde e os hospitais, além se outros serviços públi-cos básicos vivem entulhados e à beira da insolvência nos seus atendimen-tos.

- Ora doutor, não podemos responder por ocorrências paralelas, pela atração de mais pessoas para a cidade e principalmente pela falta de infra-

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Capítulo 27

Dossiê Guarapari – Intimações para acareação geral

Era incrível. Tudo parecia legal demais para tantos rolos ocorridos. O caso transpirava ilegalidade e alguns pontos obscuros ainda precisavam ser esclarecidos.

O ponto de partida foi o exame da tal Ata mencionada numa escor-regadela do último interrogado.

Essa ATA oficial era bastante pobre de informações, não explicitan-do exatamente quantos grupos de trabalho, nem a quantidade de pessoas por grupo, quanto mais quem eram exatamente os participantes, muito menos a pauta de cada um, que certamente seria desenvolvida nas reuniões dos sub grupos, bem como suas atas, que não foram mencionados em ne-nhum momento. Muito provavelmente. As reuniões teriam sido informais e tudo fora combinado entre as pessoas e definido a tarefa de cada um sem gerar nenhum documento escrito. Seria necessário fazer um levantamento completo de informações e tentar construir um documento baseado nas informações de cada um. A maneira de conseguir isso seria convocar dois depoentes ou pequenos grupos deles para numa acareação enredá-los com perguntas implicitamente respondidas, confrontá-los e fazê-los soltar a lín-gua.

Esse estratagema deu certo. Na ocorrência de versões conflitantes um deles acabava sendo atingido por “fogo amigo”. Ao tentar refazer as afirmações, as emendas sempre acabavam saindo piores que o soneto. Ao chegar a irredutibilidade e ter que justificar para o outro, a resposta sempre vinha em forma de: “isso não foi bem o que estava combinado”. Aí sempre

de, ganhos extra, rendas não declaradas ou comprovadas, contratos super-faturados, propinas, apadrinhamentos e tal. Havia ainda alguns excessos em sua criatividade, como: Monstros, ETs, Seitas religiosas mirabolantes, queda de asteroides, aparições, etc. Coisas que igualmente tendiam a fugir dos aspectos éticos e ser incluído no rol dos ilegais, tipo enganação, falsida-de ideológica, exploração da fé e da credulidade popular. Seria embaraçoso demais explicar e mais ainda defender sua legalidade. A ideia de envolver todos os setores era ótima. A questão era como fazer para contornar essas “dificuldades”. Até naquela coisa de pesquisas minerais e radioativas, já ha-via alguns deles levando um por fora, além da preferência nos transportes alternativos.

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Foi descoberto então que a origem dessa armação ocorrera pouco antes do final do verão passado durante certa reunião entre o empresariado do ramo ligado ao turismo, que sofria as citadas dificuldades. Aquela que gerou a comentada Ata que definia a estratégia.

Confrontando todas as informações contidas no dossiê com aquela tabela de dados estatísticos que a polícia técnica produziu, Notava-se clara-mente quais foram as ocorrências resultantes das ações planejadas e quais as que simplesmente apareceram devido ao exagerado aumento populacio-nal, no bojo do qual estavam também os maus elementos que vislumbra-vam a possibilidade de ganhar dinheiro fácil.

Com o dossiê nas mãos a polícia conseguiria remeter o processo à justiça e o ministério público poderia oferecer as denúncias dos possíveis culpados de algum crime.

Todos foram intimados a comparecer no local marcado. Claro que cada um admitiu, mas declarou as melhores intenções, lamentando que fa-tos imprevistos tivessem ocorrido e se alastrado tão rapidamente que fugiu ao controle.

Quando foram inquiridos sobre as propagandas enganosas, eles ne-garam e apresentaram os folders de propaganda mostrando que nada fora afirmado. Quando muito foram insinuados, sendo tudo ilação de cada um.

Quanto as alegorias, eram todas peças cenográficas, apenas uma fi-guração, como nos carnavais e ninguém era obrigado a acreditar.

Quanto às intenções, como não havia mais como negar, finalmen-te abriram o jogo e disseram que era mesmo um recurso para manter os empreendimentos durante a baixa temporada e que ninguém achava isso errado e ainda aproveitaram para reclamar da falta de apoio e de incentivo dos governantes.

Quanto a terem enganado o pessoal a troco de nada, discordaram, pois, todos comeram, beberam, passearam, cantaram e ficaram felizes com o lazer que obtiveram.

acabavam soltando o que em princípio fora acertado entre eles, às vezes tacitamente. A medida que os embates começaram a ficar mais acirrados, começaram a brotar contra provas escritas em formas de bilhetes que varia-vam nos seus teores e entonações: solicitações, ordens, comentários. Sem falar que a necessidade de bilhetes estava sempre relacionada ao volume de informações, a precisão de alguns dados importantes ou coisas de difícil memorização.

Esses recados ou bilhetes falados ao vivo ou por telefone, que foram escritos ali pelo escrivão, mais esses escritos que apareciam como contra-provas de que o recado foi dado, constituíram-se num polpudo documen-tário, ou abusando da notação, a Ata II, que por ter uma existência de natureza quase virtual e desenvolvida a posteriori, não era mencionada na Ata oficial que definia a estratégia em linhas gerais para alavancar a econo-mia da cidade na baixa temporada.

O volumoso inquérito policial, ficou conhecido pelo título: DOS-SIÊ GUARAPARI.

Tudo isso permitiu delinear a constituição dos sub grupos, que não foram explicitados na Ata oficial e perceber que estes cuidavam de agendas próprias de cada um, efetuando a parte tática do que era estabelecido por comunicação praticamente informal, sob orientação de uma coordenação formada por um membro de cada subgrupo de modo a os fazerem intera-gir. Assim, o resultado do trabalho de cada grupo auxiliava e se encaixava perfeitamente nos do outro. Raramente ocorria algum contratempo por falha na comunicação ou alguma dificuldade encontrada na coordenação. Mas quando acontecia, a coisa tendia a sair fora do controle e algo poten-cialmente grave acontecia, saindo diferente do que fora previsto.

Esse dossiê Guarapari, afinal, permitiu concluir que toda a história do Monstro da Lagoa e todas as coisas atreladas a ela, não passava de uma tremenda armação para tentar diminuir a amplitude entre os picos e vales do gráfico de faturamento dos hotéis e comercio em geral entre as épocas da alta e da baixa temporada.

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Essa última afirmação foi ótima. Todo mundo saiu dali com outra cabeça. Relacionando quais os problemas que mais afetavam seu negócio, quanto geravam de custos, quanto poderiam deixar de gastar e até ganhar com sua solução e principalmente o que estaria a seu alcance ou ao alcance de uma associação fazer.

Mentalmente cada empresário fez sua lista. Os problemas eram re-correntes e sempre os mesmos: água, esgoto, lixo, trânsito e tal.

O problema da água era disparadamente o maior.

Julgaram desnecessário pedir desculpas públicas, até porque desmo-ralizaria o sistema e perderiam todo trabalho que tiveram, que em última instância foi útil para a cidade. Os advogados tiveram muito trabalho para amenizar a situação de cada cliente.

De qualquer modo, receberam a reprimenda e a ordem de parar com aquelas alegorias e com investidas noturnas com a finalidade especifica de ver o falso monstro, sob pena de prisão, multas, etc.

Houve até a proposta de os empresários a título de indenização à co-munidade pelos transtornos causados, oferecerem à polícia algumas viatu-ras novas e contribuírem na reforma das unidades prisionais que era o calo da polícia no momento. A maioria dos empresários, torceu o nariz diante da dispendiosa ideia, sempre alegando falta de condições financeiras.

Essa “reunião” terminou sem uma definição exata para essa questão que dependia de estudos e dimensionamento de valor que coubesse no bolso de cada um. Com as novas proibições, tudo ficaria mais difícil. Até arranjar outra “saída”, demoraria.

Vendo por outro ângulo, essa reunião teve seu lado produtivo: cha-mar atenção ao empresariado para a problemática comum da cidade e exortar a cada empresário a contribuir naquilo que lhe fosse possível. Mais ainda, mostrou que ganhar não é só embolsar dinheiro, é também deixar de gastar ou deixar de perder clientes por falta de infraestrutura. Mostrou ainda que: embora pensem que é uma obrigação do poder público reverter inteira e continuamente seus impostos em obras, a realidade tem se mos-trado adversa e muito mais dura, pois, a situação conjuntural gerada por problemas não previstos ou extrapolados, sempre retrocede potencializan-do as diferenças de amplitude entre os picos e vales do faturamento global regional, característicos da variação sazonal. Em outras palavras sempre terão um verão rico e um inverno miserável. Não adianta nada ser criativo e ficar inventando planos mirabolantes para ganhar mais dinheiro fora de época sem considerar os problemas gerados com isso. O desenrolar dos fatos provou isso de forma cabal.

Em outras palavras existe uma necessidade premente de ser criativo e proativo na solução dos problemas.

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Capitulo 28

O Triângulo da cooperação: Povo x Empresas x Governo

Além dos problemas na área da segurança pública que começaram a infernizar a cidade, ainda apareceram outros complicadores da situação, para piorar as condições de vida da cidade e circunvizinhanças.

A problemática da cidade é extremamente complexa. Os problemas são de ordem estrutural e também conjuntural. Não raras vezes eles estão rigidamente atrelados.

Apesar de haver muitos problemas graves, de difícil solução, carentes de obras de vultosos custos, que exigem investimentos pesados por parte do poder público, as cidades tentam contornar a situação como podem, muitas vezes com medidas paliativas, que no somatório ao longo do tem-po, acabam se mostrando mais dispendiosas e menos eficazes.

Um dos exemplos mais dramáticos é sem sombra de dúvida o abas-tecimento de água, a respeito do qual se investiu pouco ao longo dos anos, talvez porque nem os mais experientes estatísticos conseguiram prever a explosão demográfica e a aceleração imobiliária dos últimos anos, baseados nos históricos de que dispunham. Observa-se hoje que a curva de cresci-mento simplesmente “empinou” nas últimas décadas e o consumo de água acompanhou esse vertiginoso crescimento. Por outro lado, a oferta hídrica da região mais próxima à cidade é baixa e foi necessário buscar água nas regiões mais afastadas, que também sofreram os mesmos incrementos.

Hoje o sistema de captação e tratamento de água do rio Benevente, abastece a região de Anchieta, Guarapari e Piúma. Durante a última estia-gem prolongada a situação ficou caótica. Mesmo fazendo uma barragem

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durante as paradas gerais para a manutenção. A empresa demonstrou ainda seu compromisso com a economia de

água, fazendo suas campanhas internas na conscientização dos funcioná-rios e seus familiares, além das comunidades sobre sua influência.

A comissão também visitou nos dias subsequentes, as outras empre-sas, que expuseram seus cuidados e suas obras de despoluição e reaprovei-tamento.

Foi ótimo. Surgiram novas ideias para economizar e incrementar as campanhas.

Mas a situação de penúria continuava. A menos que chovesse um pouco nos últimos dias, já previam um colapso no abastecimento e a mul-tiplicação das complicações da cidade. Apesar de já estarem fora da época típica de verão, onde há um pico de consumo, a situação da cidade era atípica, como se fosse mesmo o verão e a falta de água nesse período é simplesmente insuportável. Embora todas aquelas medidas fossem muito importantes e surtissem algum efeito, o sentimento geral era que seria in-suficiente.

Em suma, precisavam de muita água e com urgência.

Começaram a examinar projetos de abastecimento de água, mesmo os menos convencionais em nossa região, além de caros. Além do inves-timento inicial e dos custos de instalação, o preço final do litro de água ficaria muito mais caro. Mas, a sede era imensa e tudo precisava ser anali-sado, os custos dimensionados e comparados, enfim, fazer um estudo de viabilidade.

NOTA: nesse momento abro um parêntesis para abordar um pro-blema real e propor soluções factíveis e realmente exequíveis se houver comprometimento com a causa, determinação e perseverança.

(A dessalinização da água do mar, que para nós, até hoje, tem estado totalmente fora da realidade, na maioria dos casos, por motivo de custos,

suplementar para juntar mais água, o sistema não suportou e a situação foi quase desesperadora.

Na tentativa de mapear o problema da dificuldade de abastecimento e encontrar propostas de soluções, formaram uma comissão mista com alguns membros mais esclarecidos da comunidade; pessoal da prefeitura ligados a secretaria de serviços urbanos, meio ambiente, e representantes das maiores empresas da região.

Começaram conferindo dados de volume de abastecimento, den-sidade demográfica de cada micro região, consumo por região, estações de bombeamento para reforço de pressão, consumo sazonal, etc. Depois passaram a verificar os registros de atendimento aos vazamentos. Depois instituíram, por decreto municipal, com a imediata aprovação da câmara, a vigilância do desperdício e a aplicação de pesadas multas aos infratores, que se reincidentes sofriam além do aumento da multa, outras sansões.

A seguir as empresas anuíram a proposta de visitação da comissão às suas dependências, prometendo também fazer tudo que estivesse ao seu alcance para amenizar a situação.

Numa das visitas, a convite de uma grande empresa mineradora que atua na região, esta promoveu, além de uma visita in loco, às suas de-pendências ligadas ao tratamento, consumo interno e reprocessamento de água, uma palestra em seu auditório com projeção de filmes sobre toda a planta visitada acompanhada de explicações detalhadas sobre tudo.

Pelo que foi visto, toda água consumida no processo é gerada ali mesmo via tratamentos específicos para cada utilização. Conforme viram, o tipo de transporte da matéria prima, o minério de ferro, é executado por via úmida. O minério é embarcado em Mariana, MG e é transportado em suspensão na água através de um mineroduto. É acumulado numa bacia, de onde é dragado e inserido no sistema de processamento.

Depois de separada da polpa de minério a água vai para os sistemas de tratamento, onde é reutilizada para refrigeração, caldeiras e outros usos internos. A utilização de água potável é mínima, basicamente para beber e utilizar no restaurante. Possivelmente somente uma pequena rede do ser-viço público abasteceria o complexo para suprir esse consumo mínimo

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e outros que experimentam alterações hormonais fazendo-os ter a ilusão de que chegou o momento de se acasalarem para a reprodução, além de vários efeitos que alteram o ciclo natural da flora e da fauna.

3- Uso de substâncias químicas para limpar as membranas. Substân-cias corrosivas e venenosas.

4- A captação de água do mar pode provocar alteração de fluxos marítimos,

5- Risco de danos aos ecossistemas aquáticos, como por exemplo a sucção de ovas de peixe com a água captada e outros danos à flora e a fauna no fundo do mar. Isso representa a quebra da cadeia alimentar em algum ponto, com consequências sérias para todo o sistema ecológico.

É claro que não podemos nos esquecer nunca que cada caso é dife-rente do outro e portanto deve ser analisado separadamente e discutido exaustivamente considerando todos os aspectos e não somente os custos, que a título de referência são mais do que o dobro do custo médio das águas originadas de lençóis freáticos, por exemplo.

Sempre que houver uma possibilidade de usar outro sistema que não o dessalinizador, é preferível.

No Brasil, excluindo-se o caso especial das ilhas afastadas da costa, temos outra opção que por mais que pareça inviável, é sempre mais barata, menos consumidora de energia, menos danosa ao meio ambiente e ainda pode resolver de uma só vez os problemas de seca numa região e de inun-dação em outra. Essa opção é: INTERLIGAR TODO O BRASIL COM AQUEDUTOS, do mesmo modo como é feito com a energia elétrica. Na situação dos dias de hoje: Fins de 2014 e início de 2015, estamos com os sistemas Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste sofrendo com secas terríveis, já existindo a ameaça de colapso, enquanto que na região Norte do país, as cheias dos rios Solimões, Madeira e outros estão provocando inundações que colocam em Pânico a população ribeirinha, deixando muitos desabri-gados, famintos e com perda de suas casas e utensílios; Cobrem estradas, isola regiões extensas e dificulta como um todo a vida do povo.

SE O PAÍS ESTIVESSE TODO INTERLIGADO COM AQUE-

é largamente utilizada ao redor do mundo, em todos os continentes, nos países onde há dificuldade de obtenção de água doce. No Oriente médio, países como Israel, e alguns países árabes. Na Ásia, países como Japão, China e Índia. No Caribe, vários países. Nos Estados Unidos, vários esta-dos, No Brasil, Fernando de Noronha e outros. A somatória dos volumes produzidos é realmente muito grande.

Existem vários tipos de dessalinização: Osmose reversa, Dessaliniza-ção térmica, congelamento, Destilação multiestágios, Destilação por for-no solar. Cada projeto tem características próprias, oferta de subprodutos, consumo de energia, área exigida para instalação e seus problemas colate-rais.

Além disso há um inconveniente grave: trazem consigo algumas agressões ambientais. Mas o grande impeditivo tem sido mesmo custos, Não só o custo operacional que reflete diretamente no preço por litro de água como também nos elevadíssimos custos de projeto, compra dos equi-pamentos e finalmente a instalação. Como tem aumentado muito a escas-sez nos últimos anos, houve um estímulo ao aumento da oferta de projetos dessalinizadores, aumentando a concorrência, o que tem barateado os cus-tos, mas ainda é muito caro.

Chamo a especial atenção para os problemas ambientais que na sua somatória e ao longo de muitos anos pode trazer danos sérios, que temos que nos perguntar se estamos realmente dispostos a arcar e se vale a pena. Faço questão de citá-los aqui, para o conhecimento geral, sem alarmismos:

1- Descarga de salmoura concentrada, com o dobro da salinidade, no mar ou injetada no solo. Parece pouco, mas numa produção de um mi-lhão de metros cúbicos de água potável, a partir de água salgada de 50g/l de sal, o rejeito é de 50.000 toneladas de sal. Na verdade a produção mundial é muito maior.

2- Rejeição de água quente no mar, no caso de destilação. Parece exagero, mas só quem já viu um rejeito de água quente e seus efeitos sabe o que causa. Por exemplo uma enorme quantidade de tartarugas e outros animais são atraídos com a temperatura um pouco mais alta numa região com a falsa ideia de que chegou o momento de depositar os ovos, ou peixes

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questão dos custos elevadíssimos e tempo excessivo. Precisavam analisar mais projetos, de preferência que coubessem no

bolso e não demorasse tanto, uma vez que a situação era urgente.

Desde aquela visita à mineradora, acendera uma luzinha na cabeça de um secretário que participava da comissão: E se essa água viesse de Mi-nas Gerais via mineroduto? Sem o minério, é claro. Só água pura. Como viabilizar isso? Haveria a possibilidade da empresa parar por algum tempo de produzir para chegar só água? Como seria a captação e o bombeamento?

Ele tinha medo do ridículo, mas a ideia era tentadora e a situação desesperadora. Então valia a pena arriscar. O máximo que aconteceria seria ouvir um não, explicando a razão.

- Chamou o pessoal da empresa e debateram profundamente a ques-tão, principalmente do ponto de vista técnico para saber como viabilizar o projeto num curto espaço de tempo.

Foi ótimo. Naquele exato momento, devido a situação internacio-nal, o mercado estava desfavorável e a empresa já estava programando para nos próximos dias, fazer uma parada geral da planta e aproveitar para fazer os serviços de manutenção geral, há muito necessários.

Isso possibilitava a parada no recebimento do minério. Assim, po-deriam fazer uma descarga na rede para retirar o resto de minério que houvesse e começar a bombear água pura.

A questão agora ficava mais simples. Precisavam construir um tan-que e um sistema de bombeamento. Por sorte havia uma bacia forrada com uma camada impermeável que seria usada como tanque de descarte que ainda não fora usada porque ainda precisavam fazer uma prova de estan-queidade. Era uma oportunidade imperdível. Era só instalar um sistema de bombeamento. Outro golpe de sorte: as bombas, tubulação e todo o ma-terial adicional já estava disponível para uma obra futura. Era só começar a trabalhar logo e daí a alguns dias normalizar o abastecimento.

Alguns tramites financeiros foram acordados, englobando adianta-mento de impostos e incentivos e tudo se resolveu. Deu tudo certo. Na verdade, caiu do céu, como dizem.

DUTOS, SERIA POSSÍVEL A TRANSFERÊNCIA DE ÁGUA DE UMA REGIÃO PARA OUTRA, ALIVIANDO O SOFRIMENTO DAS DUAS. Pode ser tubulação à flor da terra com estações de bombeamento em alguns pontos para o reforço de pressão.

Construir aquedutos em todo o país pode parecer caro, à primeira vista, mas se comparado com a instalação de sistemas de dessalinização em todas as cidades grandes onde é necessário atender, seguramente o sistema de aquedutos será muito mais barato e menos danoso. Além disso, pode-mos fazer com projetos, materiais e mão de obra nacionais ou regionais, criando empregos e alavancando a economia por algum tempo.

Como o assunto é extenso demais, não vamos nos alongar aqui. Os interessados podem consultar a bibliografia).

Continuemos nossa estória:

Um dos projetos avaliados foi o de um dessalinizador por osmose, um dos mais adequados a nossa situação e provavelmente o mais viável. É um sistema de filtragem da água do mar passando-a por uma membrana semipermeável, enquanto submetida a uma pressão elevadíssima.

Tomaram como base um equipamento utilizado em Madras, na Ín-dia. Um projeto otimizado capaz de fornecer mil litros de água por um dólar. Respeitadas as devidas proporções 1 dólar/m³ não era tão proibitivo. Mas existia ainda o investimento na compra dos equipamentos e sua ins-talação.

Só a título de comparação, as instalações em Madras custaram 140 milhões de dólares em 2010, um preço nada animador, para não dizer proibitivo. Além de tudo ainda havia o custo de importação, tempo de licitação, tempo de fabricação, tempo de transporte, desembaraços adua-neiros, e toda a tramitação necessária, o que poderia demorar vários anos. Era uma solução cara e de longo prazo.

Analisaram também outros projetos, como um construído em Israel, outro no Japão, outro na China e mais alguns. Sempre acabavam caindo na

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Claro, subjetivamente a conversa girava em torno de taxa de retor-no sobre os investimentos. Gás e Petróleo se pagam facilmente em pouco tempo.

Mas isso era um caso para estudos e considerações futuras. Depois, como tem mostrado fartamente a história, nenhuma ideia é tão estapafúr-dia até que alguém ouse colocá-la em prática. Estão aí pra quem quiser ver: As eclusas do canal de Panamá, que em linguagem simplista fazem navios “subir escadas”, o túnel sob o canal da Mancha ligando Inglaterra e França e outras que já se tornaram tão comuns que ninguém nota mais a ousadia dos inventores, como: submarinos, aviões que levantam voo com muitas toneladas e rapidamente vencem milhares de quilômetros por dia e muitos outros, cada um, em princípio, mais estapafúrdio do que os outros, como: aproveitamento da energia térmica dos vulcões, para não falar da extrema ousadia das centrais nucleares.

Duas semanas depois a obra de emergência já estava concluída e o abastecimento já estava normal. No entanto era uma situação emergencial que não perduraria por tempo indefinido. Poderiam até fazer ocasional-mente em termos de manobras curtas, mas precisavam planejar o futuro.

Marcaram nova reunião, dessa vez com o prefeito, secretários de es-tado, dirigentes da empresa e uma comissão técnica, assessorados por uma empresa de engenharia.

Ali debateram uma questão que poderia ajudar muito tanto a em-presa como a municipalidade: A empresa tinha um projeto de expansão que passava pela construção de um novo mineroduto, que segundo o seu calendário plurianual já estava na época. Só ainda não tinha começado, em virtude das condições de mercado internacional desfavoráveis.

Como era uma obra de expansão, com previsão de capacidade ociosa no início e talvez por um bom tempo ainda, era viável pensar numa dupla função: AQUEDUTO/ MINERODUTO.

Marcaram novas reuniões e os resultados foram muito positivos.Foi formada uma parceria entre a Empresa e o poder público, onde

os governos estadual e municipal, captaram recursos no Banco Mundial, com aval do governo Federal e finalmente puseram em prática o início da construção.

Foi o primeiro aqueduto interestadual e de grande distância a ser construído e quem sabe o primeiro passo para INTERLIGAR TODO O PAÍS NUM SISTEMA NACIONAL DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA.

Numa conversa informal, o autor da ideia ouviu aquela frase de es-panto: puxa vida. Ligar com uma tubulação de água dois estados da fede-ração!

Sua resposta foi simples: e porque não? Não se pode ligar com um gasoduto a Bolívia com o sul do Brasil e países do cone Sul? Não se pode ligar vários países mundo afora por oleodutos? Não se pode construir um mineroduto de mais de 1000km? Porque seria tão espantoso construir um aqueduto?

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Capítulo 29

Acabar com algo que caíra no gosto popular era tarefa difícil.

Aquela estória de monstro acabou virando moda de viola e desafios de repentista, todos com tons jocosos, irreverentes e versos de grande co-micidade que levava o público ao delírio. Um desses está aí:

“Uma tralha que veio do céu, Caiu no mar e sumiuQue com uma fome de monstro, Comeu peixe e saiuCuspiu o resto dos ossos e Atrás do morro caiuProcuraram na lagoa, Mas monstro que é bom ninguém viu.”

Já havia quem planejasse incrementar o próximo carnaval com mas-caras, monstros, carros alegóricos, etc, com elementos daquela estória.

Essa foi uma ótima saída para os que precisavam dar cabo do mons-tro sem perdê-lo. Antes mesmo do carnaval, espalharam a notícia de que estava sendo construído uma réplica do tal monstro, baseado nas informa-ções dos bêbados que juraram ter visto, contando inclusive os detalhes de como seria: motorizado, super silencioso, cheios de alegorias móveis, con-trolados por computador de última geração e tudo mais que a imaginação dos aumentadores permitiu.

Outros mais ousados já estavam tentando bolar um tal passeio de monstro voador. Claro: malucos e ousados nesse mundo é o que não fal-tam.

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Epílogo

Depois que a polícia conseguiu desembaraçar as ocorrências me-nores, resolver aquela do tiroteio do pessoal dos transportes e finalmente encerrar aquele assunto de monstro, com um final feliz, na medida do pos-sível, sobraram ainda aqueles casos dos cadáveres encontrados mutilados, que tiveram o devido tratamento e aos poucos as coisas foram se acalman-do até voltar aos níveis considerados normais considerando a sazonalidade.

A partir daí, os empresários mais influentes da região voltaram à baila aqueles assuntos e estratégias definidos naquela primeira reunião. Os grupos criados foram estimulados a concluírem seus trabalhos e produzir seus relatórios.

O primeiro evento sazonal de maior importância para incrementar os negócios na baixa temporada, foi exatamente um congresso de nível na-cional e até internacional, de vários empresários do ramo, apresentando os resultados dos estudos, debates sobre os assuntos estudados e propostas de desenvolvimento, apresentação de casos que deram certo em várias cidades onde projetos foram implementados, além de estímulo aos novos empre-endimentos, possibilidade de financiamentos, etc.

Paralelamente ocorreriam as feiras de equipamentos de agro negó-cio e outros itens. Foi marcado exatamente para o período de 15 a 20 de Agosto, mês mais crítico da baixa temporada, num centro de convenções, com toda a infraestrutura hoteleira, de transportes e serviços de apoio de-vidamente planejada e coordenada.

Uma agenda de eventos começou a ser montada com todas as opor-tunidades de negócio que a região oferecia e um calendário anual de even-tos começou a ser montado a partir de todos os dados constantes nessa agenda.

Foi aí que se deram conta de quão grandioso era o município e que

Uma semana depois o bicho já desfilava fazendo suas evoluções e sendo muito aplaudido.

Os eventos também continuaram, mas a partir dali tudo legalizado, com seguranças particulares, sob a supervisão da polícia e é claro o tal monstro sempre era convidado a comparecer para abrilhantar a festa.

Mais uma novidade gastronômica: para complementar a festa e também garantir seus trocados a culinária local logo promoveu a farra do monstro voador e inventou muitos pratos onde não faltaram os ovos do monstro, bem exagerados, é claro, que já pleiteavam a inscrição no livro dos recordes. Sua receita era curiosa: cinco grosas de ovos de galinha, mais um monte de recheios e condimentos.

Muitas outras variedades foram criadas e é claro bebidas a gosto. Para não perder também o trenzinho da alegria, todos os donos de

alambiques da região resolveram expor seus produtos, para a felicidade dos cachaceiros de plantão. Para o zé do monstro e o zé da esquina, cujo esta-do natural era embriagado, não fazia mal nenhum, pois já estavam com o fígado na conserva.

Aliás, esse tal zé do monstro foi no médico e esse lhe disse: Moço, não beba. Cada garrafa de cachaça é menos dez anos de vida. Ele comentou resignado: Ah! Doutor, a bem da verdade já estou devendo pelo menos três encarnações.

O doutor ainda tentou: Está vendo o exemplo? Olhe aquele ali, apontou para um atleta urbano que corria no calçadão.

O zé para não perder o embalo, disse: Pois é doutor. Vai morrer cheio de saúde.

O doutor desistiu: esse não tem jeito. É caso perdido mesmo. Nem deu receita nenhuma. Também não adiantava: Ele ia acabar mesmo to-mando outro “remédio”.

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Bibliografia:

- Mello, Silva. Guarapari Maravilha da Natureza. Empresa Gráfica O Cruzeiro. Rio de Janeiro. RJ. 1981

- Nuñhes, Pe Antônio. Guarapari é o seu nome. 2ª Ed, Grafitusa. Guarapari. ES. 1987.

- BUENO,Beatriz, Guarapari-Muito mais que um sonho lindo, Thesaurus Editora, Brasília, 2011.

PEREIRA,Adriana Alves e MENDONÇA,Antônio Sergio Ferreira.Aspectos morfológicos e de qualidade da água da Lagoa de Mãe-bá. Mo-nografia. UFES.Vitória.ES.Ano 2005

- http://www.guaraparivirtual.com.br/historia.asp - História de Guarapari

- http://www.meioambiente.es.gov.br/download/RT_409_09_RIMA.pdf

- http://www.guaraparivirtual.com.br/localizacao.asp- http://www.revistaturismo.com.br/artigos/artigos.htm- http://www.revistaturismo.com.br/artigos/trechosulcapixaba.html- http://www.revistaturismo.com.br/artigos/sazofenomenotur.html- http://www.revistaturismo.com.br/artigos/planodiretor.html- http://pt.wikipedia.org/wiki/Guarapari- wikimapia.org/1895427/pt/lagoa-de-Maimbá-Mae-bá Segunda maior lagoa de água-doce do estado do ES, separada do

mar por uma estreita restinga repleta de belas ... Coordenadas: 20°45’6”S 40°34’46”W ...

suas potencialidades estavam latentes, à espera dos planejadores a desco-brirem e explorarem. A partir daí se deram conta de que que a cidade não precisava viver só do verão e morrer no inverno. Haveria atividades para o ano inteiro.

Na verdade essa é uma questão que aflige muitas cidades ao longo do mundo: Umas porque seus atrativos estão sujeitos à sazonalidade, outras porque vivem quase que exclusivamente do turismo nacional e interna-cional, que além de também ser sazonal, por ser favorecido pelos períodos de férias, também estão sujeitos a outras variações, como cambio e outros fatores econômicos.

Muitas importantes cidades turísticas mundiais, já perceberam isso e há muito cogitam de industrializar a periferia, de pouca ou nenhuma expressão histórica.

Guarapari já deu os primeiros passos nesse sentido e já está colhendo os primeiros frutos. Precisa agora se ater aos problemas oriundos do pró-prio desenvolvimento, fazer um planejamento condizente a curto, médio e longo prazo.

FIM

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