DOS EFEITOS DA FALÊNCIA SOBRE OS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS

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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS Mestrado em Direito Empresarial Clélio Gomes dos Santos Júnior DOS EFEITOS DA FALÊNCIA SOBRE OS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS Nova Lima 2010

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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

Mestrado em Direito Empresarial

Clélio Gomes dos Santos Júnior

DOS EFEITOS DA FALÊNCIA SOBRE OS CRÉDITOS

TRIBUTÁRIOS

Nova Lima

2010

Clélio Gomes dos Santos Júnior

DOS EFEITOS DA FALÊNCIA SOBRE OS CRÉDITOS

TRIBUTÁRIOS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Mestrado em Direito Empresarial das Faculdades Milton Campos, para a obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Direito Empresarial. Orientador: Prof. Dr. Vinícius José Marques Gontijo

Nova Lima

2010

Clélio Gomes dos Santos Júnior

DOS EFEITOS DA FALÊNCIA SOBRE OS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS

Dissertação defendida e aprovada, em __/__/2010 pela banca examinadora

constituída pelos professores:

_______________________________________________ Prof. Dr. Vinícius José Marques Gontijo (Orientador) _______________________________________________ Prof. Dr. _______________________________________________ Prof. Dr.

Dedico esta dissertação

Aos meus pais, Clélio Gomes dos Santos e Maria Aparecida de Oliveira Santos,

Aos meus irmãos, Luciana de Oliveira Santos, Cristiane de Oliveira Santos e Cláudio

Henrique Gomes dos Santos,

e principalmente à minha mulher, Mariana Silveira Souza Gomes, e minha filha, Carolina

Silveira Gomes,

a todos vocês devo a minha felicidade e o que sou hoje.

AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, ao Professor Doutor Vinícius José Marques Gontijo,

orientador profícuo, desde a monografia de graduação, pelos ensinamentos sobre o direito,

notadamente o direito comercial, mas, sobretudo, pelas lições de vida que sempre ministrou

com seu exemplo de postura profissional e de disponibilidade acadêmica.

Agradeço também ao Professor Doutor Alexandre Bueno Cateb, pelo acolhimento

fraterno, pelas valiosas orientações e empréstimos de livros, pela militância na Associação

Mineira de Direito e Economia e na Associação Brasileira de Direito e Economia.

Agradeço ao Professor Doutor Celso Barbi Filho, in memoriam, por despertar meu

interesse pelo estudo do direito comercial, nas orientações de monitoria de graduação. Sem

dúvida alguma, suas lições se fazem presentes neste trabalho.

Ao meu sócio e irmão Juliano Copello de Souza, advogado sagaz, de cultura e

equilíbrio invejáveis, pela amizade gratuita e pelo constante apoio no escritório durante

minhas ausências, pois, sem este, essa dissertação não teria completado a primeira página.

RESUMO

Esta dissertação é fruto da pesquisa sobre a evolução histórica da posição dos créditos

tributários e da Fazenda Pública na legislação falimentar brasileira. O estudo parte da noção

jurídica e econômica de empresa, como organização dinâmica dos fatores de produção.

Identifica o princípio da preservação da empresa com a proteção dos diversos interesses que

gravitam entorno dela, notadamente dos trabalhadores, do mercado consumidor e fornecedor

de bens e serviços e do próprio Estado, como ente arrecadador e promotor do

desenvolvimento econômico nacional. Aponta para o abandono do caráter punitivo e

liquidatório dos sistemas revogados, e para o surgimento de uma falência que objetiva a

preservação da empresa, na forma declarada no art. 75 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de

2005 (Lei de Recuperação de Empresas - LRE). O objetivo geral deste estudo é a

desconstrução dos dogmas do superprivilégio dos créditos tributários e da imunidade

concursal da Fazenda Pública, dispostos nos arts. 187 do Código Tributário Nacional (CTN) e

29 da Lei de Execuções Fiscais (LEF). A identificação dos efeitos da falência sobre os

créditos tributários constitui o objetivo específico do trabalho. Ao final, a conclusão aponta

para a sujeição da Fazenda Pública ao processo de falência, em outras palavras, para a

aplicação das normas materiais e processuais da falência aos créditos tributários, como único

meio de estabelecer um diálogo entre os princípios da supremacia do interesse público, da

preservação da empresa e da eficiência.

Palavras-chave: Preservação da empresa; Falência; Créditos tributários; Fazenda Pública;

Eficiência.

ABSTRACT

This dissertation is the result of research about historical evolution of tax credits and Public

Treasure position in the brazilian bankruptcy law. The study begins with the concept of firm

at Law and Economics, as a dynamic organization of inputs. Identifies the firm preservation

principle with the protection of different interests, like employees, consumers and suppliers,

and the state itself, as tax levy and promoter of national economic development. Points to the

abandonment of punitive and liquidator repealed systems, and to the emergence of a new

bankruptcy system, that aims firm preservation, as stated in art. 75 of Law 11.101, of

February 9, 2005 (Bankruptcy Law). This study aims to deconstruct the legal privileges of tax

credits and his creditor, State, provided in the arts. 187 of National Tax Code (CTN) and 29 of

the Procedure Tax Law (LEF). Identify the effects of bankruptcy on tax credits is the specific

objective of this work. The conclusion points to the subjection of Public Treasury to

bankruptcy process, or, to the application of substantive and procedural rules of bankruptcy to

tax credits, like the only way to make a dialogue between the principles of supremacy of

public interest, firm preservation and efficiency.

Key-words: Firm preservation; Bankruptcy; Tax credits; Public Treasure; Efficiency.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 8

2 A TEORIA DA EMPRESA E O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA

EMPRESA.......................................................................................................................... 11

2.1 Do direito comercial ao direito de empresa................................................................... 11

2.2 Teoria da empresa: em direito e economia.................................................................... 14

2.3 O princípio da preservação da empresa......................................................................... 22

3 A FALÊNCIA E O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA.................. 26

3.1 Formação histórica da falência ...................................................................................... 26

3.2 A falência punitiva e liquidatória .................................................................................. 30

3.3 A falência preservação................................................................................................... 32

3.3.1 A preservação da empresa na recuperação judicial .................................................... 33

3.3.2 A preservação da empresa na falência........................................................................ 42

4 A FALÊNCIA COMO PROCESSO DE EXECUÇÃO .............................................. 51

4.1 O conceito de falência e sua natureza complexa ........................................................... 51

4.2 A falência como execução coletiva e extraordinária ..................................................... 53

4.3 Unidade e universalidade do juízo falimentar ............................................................... 57

4.4 Massa falida: conceito, natureza jurídica e constituição ............................................... 60

5 A FAZENDA PÚBLICA E A FALÊNCIA .................................................................. 67

5.1 A universalidade constitucional do juízo falimentar ..................................................... 67

5.2 A Fazenda Pública e a falência no Brasil - escorço histórico........................................ 74

5.3 Das garantias, privilégios e preferências do crédito tributário ...................................... 88

5.4 Dos efeitos da falência sobre os créditos tributários ..................................................... 94

6 CONCLUSÃO................................................................................................................. 100

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 103

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1 INTRODUÇÃO

Duas afirmações bastante disseminadas na doutrina e na jurisprudência despertaram

o interesse pela pesquisa bibliográfica relatada nesta dissertação. A primeira delas atribui ao

crédito tributário um privilégio absoluto, com preferência sobre qualquer outro crédito, seja

qual for a sua natureza, exceto os decorrentes da legislação do trabalho e de acidentes de

trabalho. A segunda afirma que a cobrança judicial do crédito tributário não está sujeita a

concurso de credores ou habilitação em falência ou concordata.1

Estas afirmações constituem o que a doutrina apelidou de superprivilégio2 dos

créditos tributários ou de imunidade concursal3 da Fazenda Pública, um verdadeiro dogma,

nunca questionado nem problematizado, uma verdade tão incontestável que parece guiar até o

próprio legislador na confecção das leis de falências que vigoraram em nosso país.

No entanto, o aprofundamento no estudo do direito empresarial, e em especial do

direito falimentar, sugere uma abordagem científica, crítica e discursiva, do tema dos efeitos

da falência sobre os créditos tributários4.

A simples leitura dos arts. 83 e 84 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (Lei

de Recuperação de Empresas - LRE), que definiram uma nova ordem de classificação dos

créditos na falência, já infirma o dogma do superprivilégio, já que vários são os créditos que

preferem aos tributários.

1 “O privilégio do crédito tributário pode ser considerado absoluto, pois deverá ser pago de preferência a

qualquer outro, exceto os decorrentes de legislação do trabalho, isto é, salários e indenizações, incluindo-se nestas, a nosso ver, para esse fim, também as indenizações da Lei de Acidentes do Trabalho. [...] Mas a Fazenda não está sujeita a esses processos de que se não podem eximir os credores de Direito Comum. Ela excetua diretamente os bens do insolvente ou do espólio, porque seu privilégio se sobrepõe a todos os demais credores, exceto aqueles cujos créditos decorrem da legislação do trabalho” (BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. atual. por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 972-973).

2 “Ao estudarmos o sistema da verificação dos créditos, ressaltamos a circunstância de os créditos tributários, sejam fiscais ou parafiscais, terem assegurado um superprivilégio em relação aos demais créditos, a ponto de nem sequer estarem sujeitos à habilitação no processo falimentar” (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 2. ed. rev. e aum. São Paulo: Saraiva, 1976. p. 279).

3 Cf. LOPES, Bráulio Lisboa. Aspectos tributários da falência e recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 118.

4 A expressão crédito tributário é tomada nesta dissertação no sentido genérico, incluindo as obrigações fiscais e parafiscais.

9

Por outro lado, a idéia de falência como execução extraordinária, concursal, coletiva

ou universal, porque congrega todos os credores de um devedor comum, empresário e

insolvente, assim como todos os seus bens, num juízo único e indivisível, visando a aplicação

do princípio da par conditio creditorum5, contradiz a idéia da imunidade concursal da

Fazenda Pública.

Com o advento da Constituição da República de 1988 e do Estado Democrático de

Direito, falar em superprivilégio e em imunidade concursal soa como tirania, principalmente

quando se toma a concepção instrumental do Estado, defendida por Ricardo Lobo Torres, nos

seguintes termos:

Característica importantíssima da atividade financeira é a de ser puramente instrumental. Obter recursos e realizar gastos não é um fim em si mesmo. O Estado não tem o objetivo de enriquecer ou de aumentar o seu patrimônio. Arrecada para atingir certos objetivos de índole política, econômica ou administrativa.6

A doutrina não enfrenta de forma direta o tema dos efeitos da falência sobre os

créditos tributários. Por vezes, percebe-se a simples reprodução dos artigos da LRE, do

Código Tributário Nacional (CTN) e da Lei de Execuções Fiscais (LEF), sem qualquer

tratamento científico. Raros são os casos enfrentados pelos tribunais sobre estes temas.

Não há um artigo sequer sobre a sujeição da Fazenda Pública ao processo de

falência, tamanha a importância atribuída aos dogmas do superprivilégio e da imunidade

concursal. É bem divulgada a idéia de que os efeitos processuais da falência não se aplicam

aos créditos tributários e à Fazenda Pública, por conta dos dogmas acima mencionados.

Esta dissertação pretende demonstrar que o sistema falimentar evoluiu,

acompanhando toda a evolução do direito empresarial. Esta evolução aponta para novos

paradigmas, com destaque para os princípios da preservação da empresa e da eficiência, que

permitem advogar a idéia de que, tanto os efeitos materiais como os processuais da falência,

se aplicam aos créditos tributários e à Fazenda Pública.

5 “A falência abrange os credores do devedor, como incide sobre os seus bens. Por isso, é chamada de

execução extraordinária, concursal, coletiva ou universal. No processo de falência será apreendido o patrimônio passível de execução do devedor, através de um procedimento denominado de arrecadação, com o escopo de extrair-lhe valor para o atendimento, em rateio, observadas as preferências legais, de todos os credores, assegurando-se perfeita igualdade de tratamento entre os credores de uma mesma classe (par conditio creditorum)” (CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência empresarial. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 9).

6 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 6. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 4, grifo nosso.

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O objetivo geral desta dissertação é desconstruir os dogmas do superprivilégio dos

créditos tributários e da imunidade concursal da Fazenda Pública, dispostos nos arts. 187 do

Código Tributário Nacional (CTN) e 29 da Lei de Execuções Fiscais (LEF). Identificar os

efeitos da falência sobre os créditos tributários constitui o seu objetivo específico.

A metodologia utilizada é a pesquisa bibliográfica e documental. A pesquisa

bibliográfica conta com a consulta da doutrina em direito comercial e de empresa,

principalmente no direito falimentar. A pesquisa documental conta com a consulta às leis que

trataram da falência e da Fazenda Pública, desde o Brasil Império até os dias atuais.

O método histórico comparativo, a interpretação sistemática e teleológica, e também

a análise econômica do direito, são as principais ferramentas utilizadas neste discurso.

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2 A TEORIA DA EMPRESA E O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA

EMPRESA

2.1 Do direito comercial ao direito de empresa

A história do direito comercial pode ser dividia em três períodos.

O primeiro período tem início no século XII e fim no século XVIII. O direito

comercial surge como um conjunto de normas consuetudinárias, aplicáveis apenas aos

comerciantes matriculados nas corporações de artes e ofícios - as guildas.

Neste primeiro período, o direito comercial é o direito de uma classe profissional.

Criado pelos comerciantes e para reger apenas as suas relações nos mercados e nas feiras7,

esta primeira fase é chamada pela doutrina de direito comercial subjetivo8. O interesse dos

comerciantes em criá-lo foi essencialmente econômico, para afastar do mercado a aplicação

do direito romano pela jurisdição comum. Para tanto, foi necessário forjar um conjunto de

regras especiais ao comércio, aplicadas por uma jurisdição também especial - o cônsul.

A matéria comercial é definida em razão da pessoa do comerciante, e só compreende

os atos praticados pelos mercadores matriculados nas corporações de ofícios. Com isso,

controla-se (ou evita-se) a concorrência, pois a matrícula nas corporações dependia da

existência de uma relação de aprendizagem duradoura, estabelecida entre mestres e

aprendizes9.

Esse direito de classe vigorou até a eclosão do ideal de liberdade profissional da

7 Esta é a origem da dicotomia entre a atividade de produção e a circulação de mercadorias. A atividade ligada

a terra, propriedade da nobreza feudal, continuava regida pelo direito romano e pelo sistema de vassalagem. Os comerciantes, egressos do regime feudal e fundadores das comunas, precisavam de um novo estatuto, mais ágil e eficiente. Nele, incluíram apenas as atividades de circulação de mercadorias. Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001. v. 1.

8 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 27. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 1, p. 11. 9 Cf. SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas,

2004. p. 26: “É que artífices ou artesãos que não tivessem passado pelo processo de aprendizado, o que significa ligação com algum mestre e alguma corporação, teriam dificuldades para oferecer os produtos em mercados”. Veja também em SOUTO MAIOR, A. História Geral. 15ª ed. Companhia Editora Nacional: São Paulo, 1974. o seguinte registro: “As corporações exerceram um verdadeiro monopólio em favor de seus membros. [...] Em geral, ninguém podia dedicar-se a um profissão se não pertencesse à corporação”.

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Revolução Francesa, que teve início em junho de 1.791, com a promulgação da Lei Le

Chapelier. Esta lei extinguiu as corporações de ofício e proibiu a formação de qualquer

associação profissional. Este foi, sem dúvida, o marco do surgimento da livre iniciativa

privada, que mais tarde se tornaria o pilar do capitalismo moderno.

O segundo período tem início em 1807, com a promulgação do Code de Commerce

francês, de Napoleão Bonaparte, e se estende até 1942, ano em que foi promulgado o Codice

Civile italiano. Nesse segundo período, o direito comercial é o código aplicável aos atos de

comércio. O direito comercial deixa de ser o direito da classe dos comerciantes matriculados

nas corporações de ofícios e passa a reger todas as relações daqueles que fazem da prática dos

atos de comércio a sua profissão habitual. Por ter deslocado o eixo da regulação da pessoa do

comerciante para os atos de comércio, esta segunda fase é chamada pela doutrina de direito

comercial objetivo10.

A matéria comercial é definida por um rol de atos de comércio, disposto no art. 632

do Code de Commerce, e reproduzido no Brasil pelo art. 19 do Regulamento 737 de 185011.

Desde a sua adoção no Brasil, a teoria dos atos de comércio foi considerada artificial,

desprovida de cunho científico, por manter uma dicotomia que não mais existia no mercado

àquela época, entre ato de comércio e ato civil. João Eunápio Borges comenta que, já na

redação do Código de 1850, os comerciantes convidados pelo Imperador preferiram não

reproduzir o rol dos atos de comércio no seu texto, relegando-o para o Regulamento 737 de

1850. Assim, o direito material ficaria imutável no Código, segundo a aspiração do

movimento de codificação oitocentista12. Não obstante, doutrina e jurisprudência filiaram-se à

teoria francesa. Por conta disso, os negócios imobiliários, a prestação de serviços e o produtor

rural, considerados civis, sempre ficaram à margem do direito comercial objetivo.

Nesse sistema objetivo, as sociedades que tinham por objeto social a compra e venda

e/ou locação de imóveis, a construção civil ou a incorporação imobiliária, bem como a

prestação de quaisquer serviços, ficavam à margem do direito comercial. Seu registro era

10 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, v. 1, p. 12. 11 É interessante observar que, tanto na França quanto no Brasil, foram comerciantes convidados pelo

Imperador que redigiram o rol de atos de comércio dos Códigos. Por óbvio, este rol só poderia conter os atos por eles já praticados no mercado. Daí a razão para a exclusão da produção, das atividades ligadas à terra e da prestação de serviços do rol de atos de comércio. Cf. BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p. 32 e 36.

12 “Nosso Código, afastando deliberadamente a própria expressão atos de comércio, timbrou em ser exclusivamente um código dos comerciantes, ou melhor, o código da profissão mercantil” (BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre, p. 97).

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civil, sua escrituração informal, e sua condição não lhe atribuía direitos como o nome

comercial, a ação renovatória da locação, a falência ou a concordata.

Neste sentido, a teoria dos atos de comércio ampliou o âmbito de incidência do

direito comercial, pois passou a admitir o acesso de qualquer pessoa ao mercado,

independentemente de matrícula em qualquer corporação. Contudo, já nasceu divorciada da

realidade econômica do século XIX, devido ao grande impacto causado pela Revolução

Industrial no mercado13. O modo de produção artesanal cedeu lugar às organizações.

A Revolução Industrial deu origem, do século XIX em diante, à sociedade de massa,

urbana e consumista, que demandava uma produção em escala, cada vez mais organizada, ao

estilo do fordismo. Esta organização precisava ser apreendida e regulada pelo direito

comercial, pois o modelo varejista dos atos de comércio14 não atendia mais.

Nesse ambiente econômico é que se desenvolve a teoria da empresa, positivada na

Itália pelo Codice Civile de 1942. Daí em diante, o comerciante foi substituído pelo

empresário, e a sociedade comercial pela sociedade empresária.

No Código italiano, o empresário é definido no art. 2.082 e a atividade empresarial

no art. 2.195. O primeiro artigo traça o conceito geral de empresário, o segundo prevê um rol

de atividades consideradas empresariais15. Vê-se que o Código italiano rompeu com a teoria

dos atos de comércio, porém, manteve a sistemática das codificações oitocentistas, prevendo a

matéria empresarial no rol do citado art. 2.195.

Sob forte influência do diploma italiano, a teoria da empresa foi consolidada no

Brasil, com o advento do Código Civil de 2002, não obstante já ter sido bastante difundida na

legislação e na doutrina antes mesmo desta última codificação.

13 Alguns fatos importantes, como a abolição da escravatura (1806) e a invenção da máquina a vapor (1807) na

Inglaterra, a invenção do navio a vapor (1819) e do motor elétrico (1821) nos EUA, sem dúvida alguma influenciaram o surgimento do novo modo de produção - empresa.

14 BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre, p. 34, comentando sobre o Code de Commerce: “Direito do passado, codificado no limiar da grande revolução econômica e industrial do século XIX, aquêle código já nasceu velho, incapaz de reger as relações do grande comércio, que iria assinalar-se pelo desenvolvimento da navegação a vapor, das estradas de ferro, da mobilização da riqueza através dos títulos de crédito, das sociedades anônimas, dos bancos, etc.” Em nota de rodapé desta página remata que “Assim, pôde-se dizer que, em sua redação de 1807, o Código de Comércio era um code de boutiquiers [...], expressão que poderíamos traduzir por um código de vendeiros, uma vez que ‘código de varejistas’, que seria a tradução mais adequada, não tem, em nossa língua, o caráter pejorativo que se encontra no francês code de boutiquiers”.

15 Cf. PACIELLO, Gaetano. A evolução do conceito de empresa no direito italiano. Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 17, n. 29, p. 39-56, jan./mar. 1978.

14

O direito de empresa foi inserido no Código Civil de 2002 de forma bastante

abrangente. A matéria empresarial abarcou toda a atividade econômica, com exceção expressa

à profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, mas, desde que ela não

constitua elemento de empresa. O âmbito de incidência do direito de empresa é

substancialmente mais amplo do que aquele já observado nos sistemas anteriores.

Isto porque o legislador brasileiro não impôs balizas à caracterização da atividade

econômica como empresária. Com efeito, respeitou-se o critério econômico da organização

dos fatores de produção, como unidade técnica, constituída com a finalidade de fornecer bens

e serviços no mercado. Ficou excluída apenas a atividade intelectual desenvolvida de forma

artesanal (não organizada), já regulada por lei específica e subordinada a órgão de classe16,

não afeita à lógica do mercado e à ética empresarial17.

A propósito, nosso Código Civil não previu nenhum rol de atividades empresariais,

sequer de cunho exemplificativo, como fez o legislador italiano no art. 2.195 do Codice Civile, o

que reforça a abrangência de toda atividade econômica no âmbito do direito de empresa.

Em conclusão, demonstra-se que a matéria empresarial abrange toda a atividade

econômica, com exceção da profissão intelectual que não constitua elemento de empresa, na

forma do parágrafo único do art. 966 do Código Civil brasileiro.

2.2 Teoria da empresa: em direito e economia

Segundo o Vocabulário Jurídico de De Plácido e Silva, empresa é vocábulo:

Derivado do Latim prehensus, de prehendere (empreender, pratricar), possui o sentido de empreendimento ou cometimento intentado para a realização de um objetivo. No sentido do Direito Civil e do Direito Comercial, significa empresa toda organização econômica, civil ou comercial, instituída para a exploração de um determinado ramo de negócio.18

16 Do que são exemplo os profissionais liberais: advogado, médico, dentista, músico, escritor etc., desde que a

profissão seja desenvolvida como atividade-fim, pois, se for desenvolvida como atividade-meio, ou seja, se for absorvida como um dos meios de produção, caracterizará o empresário ou a sociedade empresária.

17 Para uma melhor compreensão das atividades excluídas do conceito de empresário, remete-se o leitor ao artigo: GONTIJO, Vinícius José Marques. O empresário no código civil brasileiro. Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, ano XLIII, n. 135, p. 76-87, jul./set. 2004.

18 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 26. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 522.

15

A sua origem é geralmente identificada com a época das grandes navegações -

mercantilismo - em que era corrente a idéia do lucro como prêmio pelos riscos enfrentados

naquelas empresas.

A primeira apreensão do termo pelo direito se deu com a introdução das empresas de

manufaturas, de comissão, de transporte por terra e água, de fornecimento e outras, no rol dos

atos de comércio enunciado no art. 632 do Code de Commerce.

Por influência do Código napoleônico, o Regulamento 737 de 1850 previu que:

“Considera-se mercancia: [...] §3º as empresas de fábricas, de comissões, de depósito, de

expedição, consignação e transporte de mercadorias, de espetáculos públicos;” (Grifo nosso).

Na teoria dos atos de comércio, a doutrina entendia que empresa era a prática de atos

de comércio coordenados em massa. Esta concepção ainda pode ser encontrada na doutrina

francesa, do que é exemplo Jean Escarra, citado por Rubens Requião19, visto que na França

ainda encontra-se em vigor o Code de Commerce de 1808.

No entanto, o uso da palavra empresa tornou-se corrente a partir do século XIX, após

a Revolução Industrial, com o desenvolvimento do capitalismo.20

As alterações na realidade econômica ocasionaram a evolução do direito comercial

para o direito de empresa. Essa evolução culminou com a adoção da teoria da empresa na

Itália, pelo Codice Civile de 1942.

Rubens Requião dá a notícia de que a exposição de motivos (Relazione) do Código

Civil italiano explicava que “o Código não dá a definição de empresa, mas a sua noção resulta

da definição do empresário”.

Assim, coube à doutrina desenvolver a noção de empresa, buscando-a sempre a partir

do conceito de empresário lançado no Código, o que representa um equívoco, pois a noção de

empresa sempre foi mais ampla e abrangente do que o conceito de empresário.

Rubens Requião cita que Giuseppe Valeri decompôs a empresa em quatro elementos:

organização, atividade econômica, fim lucrativo e profissionalidade, para lançar o seguinte 19 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 27. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 1. p. 52. 20 Em 1909, ou seja, antes mesmo do Codice Civile de 1942, escrevendo sobre os atos objetivos de comércio,

Vivante anunciava uma noção de empresa bastante atualizada: “Negócios sobre o trabalho. - Estes negócios assumem um caráter mercantil quando são exercidos por empresas, que coordenam sistematicamente as forças de produção humanas, mecânicas e animais a fim de transformarem as matérias primas, ou as já elaboradas, em novos produtos, assumindo o risco de que a própria atividade e as despesas não encontrem uma compensação adequada [...]”. (VIVANTE, Cesare. Instituições do direito comercial. 2. ed. Sorocaba: Minelli, 2007. p. 43, grifo nosso).

16

conceito: “[...] empresa é a organização da atividade econômica destinada à produção de bens

ou de serviços, realizada profissionalmente”21.

Neste sentido é a lição de José Xavier Carvalho de Mendonça, para quem:

Empresa é a organização técnico-econômica que se propõe a produzir, mediante a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens e serviços destinados à troca (venda), com esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob a sua responsabilidade.22

Ocorre que estas noções não foram bem compreendidas pela doutrina, que busca

definir a organização como a atividade exercida pelo empresário ou sociedade empresária.

Em verdade, a organização não é só a atividade, é mais do que isso. Aqui, a

organização deve ser entendida como unidade técnica de produção, conceito que sempre foi

utilizado pelos economistas. A organização se refere à reunião e manutenção dos fatores de

produção de forma coesa, em uma unidade de produção. A organização, ou unidade

técnica de produção, contrapõe-se à busca dos insumos de forma dispersa no mercado,

própria do modelo individual, artesanal ou manufatureiro do antigo comerciante - feirante ou

mercador.

Organização não pode significar “arrumação”, nem pode ser explicada com base no

porte ou na complexidade do estabelecimento empresarial. Deve ser entendida como a

unidade dos fatores ou meios de produção (insumos), reunidos e mantidos de forma coesa

pelo empresário ou sociedade empresária, para o abastecimento do mercado com bens ou

serviços, não importando a natureza ou qualidade destes últimos.

Também não importa para a organização a presença de mão de obra alheia.

Utilizar o critério da (im)pessoalidade para caracterizar a organização importaria

na exclusão do pequeno empresário ou da empresa familiar do direito de empresa,

opção incoerente com a evolução do direito comercial acima demonstrada, que provocou

uma ampliação no âmbito de incidência do direito de empresa, não a redução com

discriminação.

21 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, v. 1, p. 54. 22 Cf. MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro:

Freitas Bastos, 1957. v. VII, p. 482.

17

Assim, o critério da (im)pessoalidade deve ser rejeitado no estudo da caracterização

do empresário ou sociedade empresária. Esta é a posição de Euler da Cunha Peixoto:

Na verdade, a nosso ver, a organização expressa no art. 966 do CC é, simplesmente, aquela necessária a atender o mercado - de serviços ou de produtos - a que se propõe o empresário ou, em outras palavras, a reunião, pelo mesmo, dos meios de produção - capital e mão de obra (de terceiros ou dele próprio) - capazes de permitir-lhe cumprir seus objetivos profissionais.23

A dificuldade na conceituação da organização, como elemento caracterizador do

empresário ou da sociedade empresária, levou autores como Galgano e Spada a considerarem-

na um “pseudo elemento” ou um “pseudo-requisito”.24

Isto porque, apesar de ser um elemento caracterizador do empresário ou da sociedade

empresária, a organização também se faz presente na atividade do não empresário e da

sociedade não empresária (simples).

Por isso, é necessária a presença de outros dois elementos citados pela doutrina25, que

vêm em caráter complementar na caracterização do empresário ou da sociedade empresária.

Trata-se do profissionalismo e do exercício de atividade econômica.

O profissionalismo refere-se à habitualidade, e indica que a atividade empresarial

não é eventual ou ocasional, nem é aquela praticada por esporte ou por mero lazer ou amor.

A atividade econômica, ou economicidade, é comumente identificada com o intuito

de lucro pela doutrina clássica, como se observa em Ascarelli e Messineo. Porém, autores

italianos contemporâneos, como Oppo e Galgano, identificam a economicidade com a aptidão

para a geração de riquezas, seja para cobrir os custos de produção, seja para gerar um proveito

econômico, e ainda que estas riquezas não sejam apropriadas como lucro, diretamente pelo

empresário ou por meio da partilha entre os sócios da sociedade empresária.26 Esta concepção

mostra-se mais ajustada à caracterização da empresa, na medida em que é capaz de abranger

situações limite, como a holding, que nada produz nem presta ao mercado, mas, que gera

riquezas por meio da sua participação em outras sociedades; a empresa pública, que não 23 PEIXOTO, Euler da Cunha. Empresário individual e sociedade empresária. Revista da Faculdade de

Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 46, p. 95-109, 2005. p. 105. 24 Cf. PEIXOTO, Euler da Cunha. Empresário individual e sociedade empresária. Revista da Faculdade de

Direito da UFMG, p. 104. e também DUARTE, Ronnie Preuss. Teoria da empresa: à luz do novo código civil brasileiro. São Paulo: Método, 2004. p. 104.

25 Cf. WALD, Arnoldo. Comentários ao novo código civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005. v. XIV: livro II. 26 DUARTE, Ronnie Preuss. Teoria da empresa: à luz do novo código civil brasileiro, p. 99.

18

partilha lucros, mas gera riquezas no segmento de atuação; e até a cooperativa27, que também

não partilha lucros entre os cooperados, mas gera proveito econômico e serviços para todos.

Assim, caracteriza-se como empresário ou sociedade empresária, a pessoa, natural ou

jurídica, que exerce profissionalmente qualquer atividade econômica de produção ou

circulação de bens ou serviços. O conceito é amplo e deriva da noção de empresa como

organização dos fatores ou meios de produção, para a produção ou circulação de bens ou de

serviços, ou ainda, como unidade de produção destinada à geração de riquezas.28

O economista Ronald Harry Coase, no artigo intitulado The nature of the firm, de

1937, explica como surgiu a empresa. Em síntese, Ronald Harry Coase lança a tese de que o

agente econômico primitivo (comerciante) atuava de forma direta e individual no mercado.

Agindo assim, o comerciante precisava buscar todos os elementos (insumos) que se

encontravam dispersos no mercado, para desempenhar sua profissão de intermediação, em

busca do lucro. Para tanto, enfrentava vários custos, denominados custos de transação.29 Com

o desenvolvimento da atividade econômica, principalmente após a Revolução Industrial, o

mesmo agente econômico percebeu que poderia organizar todos aqueles elementos

(insumos), dentro de uma unidade técnica de produção, reduzindo os custos de transação e

maximizando o lucro. Ao congregar os fatores de produção em uma empresa - o termo firm

deve ser traduzido para empresa, pois, firma é espécie de nome empresarial - seja por meio

dos direitos de propriedade ou dos contratos empresariais, o mesmo agente econômico 27 A cooperativa é considerada empresária na Alemanha e na Itália. No Brasil, por força do art. 982, parágrafo

único, tem natureza não empresária (simples), não obstante seu tratamento esteja previsto dentro do Livro II - Do Direito de Empresa, Subtítulo II, Capítulo VII, do Código Civil, logo após as sociedades por ações. E mesmo sendo não empresária (simples), a cooperativa continua vinculada ao Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comerciais, de acordo com o art. 32, inc. II, ‘a’, da Lei no 8.934/94, não sendo aplicável a regra geral contida no art. 1.150 do Código Civil, segundo o Parecer DNRC/COJUR/nº 17/03 (BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secretaria do Desenvolvimento da Produção. Departamento Nacional de Registro do Comércio. Parecer jurídico DNRC/COJUR/nº 17/03. Brasília, 06 fev. 2003. Disponível em: <http://www.dnrc.gov.br/facil/pareceres/arquivos/Pa017.pdf>. Acesso em: 24 out. 2010).

28 No mesmo sentido do texto, colhe-se a seguinte lição: “O termo empresário substitui o vocábulo comerciante, mas, como deflui do conceito legal - art. 966 do CC -, é mais abrangente que este. [...] No sistema empresarial, toda e qualquer produção ou circulação de serviços está submetida ao conceito de empresa, desde que não exercida pessoalmente por profissional intelectual, ou de natureza científica, literária ou artística” (NEGRÃO, Ricardo. Direito empresarial: estudo unificado. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 5).

29 “Custos de transação são os custos de realização e cumprimento de transações ou trocas de titularidade. Ou seja, na realização de qualquer negócio jurídico, os agentes considerarão os custos embutidos naquele negócio para parametrizar suas ações em busca de um melhor e mais eficiente resultado econômico” (CATEB, Alexandre Bueno. Análise econômica da lei de sociedades anônimas. In: TIMM, Luciano Benetti. Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008. p. 265. Nas palavras do próprio Ronald Harry Coase “search and information costs, bargaining and decision costs, policing and enforcement costs” (COASE, Ronald Harry. The firm, the market, and the law. Chicago: University Chicago Press, 1992. p. 6).

19

consegue eliminar ou controlar os custos de transação e, desta forma, maximizar os lucros.

Ronald Harry Coase sustenta que a empresa surgiu dentro da economia de mercado

para reduzir os custos de transação inerentes à atividade econômica desenvolvida pelo agente

e, consequentemente, maximizar os lucros. Essa, portanto, é a função social da empresa.

É nesse sentido que Ronald Harry Coase defende que a empresa - firm - é um modo

de produção mais eficiente que o mercado, considerando o modo individual, artesanal e

manufatureiro do comerciante. A busca dos fatores de produção (natureza, capital, trabalho e

tecnologia), de forma dispersa no mercado, envolve riscos e insegurança. A organização dos

mesmos fatores ou meios de produção (insumos) dentro de uma unidade técnica coesa elimina

esses riscos e essa insegurança. Como resultado, a atividade se torna mais eficiente, segundo

uma análise de custos e benefícios, na medida em que reduz os custos e eleva os benefícios.

Nesta perspectiva coloca-se a ética empresarial, sempre em busca da melhor

organização dos fatores ou meios de produção (insumos), aquela que minimiza os custos e

maximiza os lucros30. Com essa técnica, o empresário cria outra ordem de custos, para

substituir os custos de transação mencionados - trata-se dos custos de produção31.

Na doutrina jurídica, Alberto Asquini foi quem melhor conceituou e explicou a

empresa, no artigo intitulado Profili dell’impresa, publicado na Itália em 1943.

Neste artigo, Asquini explica que a empresa é um fenômeno econômico poliédrico,

apreendido pelo direito sob diversos perfis. No campo econômico, este fenômeno é

conceituado como “[...] toda organização de trabalho e de capital tendo como fim a produção

de bens ou serviços para troca”32. No campo do direito, este fenômeno econômico pode

assumir quatro perfis: subjetivo, funcional, objetivo e corporativo. No perfil subjetivo, a

empresa identifica-se com o empresário. No perfil funcional, a empresa é vista como a

atividade exercida pelo empresário. No perfil objetivo, a empresa identifica-se com o

estabelecimento. E no perfil corporativo, a empresa é vista como uma instituição, conceituada

como a organização especial de pessoas com um fim comum. 30 GONTIJO, Vinícius José Marques. O empresário no código civil brasileiro. Revista de Direito Mercantil

Industrial, Econômico e Financeiro, p. 76-87. 31 Sob a expressão “custos de produção” encaixam-se o “Custo total: quantia que a empresa paga para comprar

os insumos usados na produção.”, p. 270, e “[...] o custo de oportunidade de alguma coisa é tudo aquilo de que se abre mão para adquiri-la.”, p. 271. Enfim: “A empresa incorre em custos quando compra insumos para produzir os bens e serviços que planeja vender.” p. 273, ambas em MANKIW, Nicholas Gregory. Introdução à economia: princípios de micro e macroeconomia. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2001.

32 COMPARATO, Fábio Konder. Perfis da Empresa. Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 104, p. 109-126, out./dez. 1996. p. 110.

20

Os perfis de Asquini foram inspirados na observação da legislação italiana, que

menciona a palavra empresa em várias leis, ora num perfil, ora em outro, de acordo com o

interesse tutelado (o empresário, a atividade, o estabelecimento ou a corporação).

A observação de Asquini é plenamente válida e aplicável no Brasil.

É o que se observa no art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ao dispor

que “[...] empregador é a empresa, individual e coletiva [...]”, na intenção de possibilitar a

responsabilização direta de qualquer pessoa, física ou jurídica, que venha a exercer, como

titular, a empresa.

O perfil subjetivo foi apreendido de forma deliberada pela CLT, nos seus arts. 10o e

448, que tratam da sucessão trabalhista, pois a interpretação sistemática da CLT sempre quis

atrelar as relações de trabalho à organização, independentemente de quem seja o seu titular,

tudo para preservar os direitos dos trabalhadores.33

E para não limitá-lo ao direito do trabalho, é importante observar que o perfil

subjetivo também é apreendido pela Constituição da República de 1988, ao tratar, no art. 173,

do regime jurídico da empresa pública. O perfil subjetivo também é apreendido pela Lei de

Proteção da Concorrência, a Lei no 8.884/94, que trata, nos arts. 17 e 23, da responsabilidade

solidária e da cominação de penas à empresa, respectivamente.

O perfil funcional é visto no art. 974 do Código Civil, que trata da possibilidade de

um incapaz “[...] continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou

pelo autor da herança”. O artigo tem por fim a proteção da empresa enquanto atividade do

empresário, que por fato superveniente da vida se tornou incapaz, ou faleceu deixando

herdeiros que possam dar continuidade à organização.

O perfil objetivo - ou patrimonial - aparece no art. 677 e seguintes do Código de

Processo Civil (CPC), na figura “Da Penhora, do depósito e da administração de empresa e de

outros estabelecimentos”, que tem por fim o recebimento de um crédito por meio da

administração judicial do estabelecimento empresarial ou não empresarial, conforme o

33 “Na verdade, empregador não é a empresa - ente que não configura, obviamente, sujeito de direitos na ordem

jurídica brasileira. Empregador será a pessoa física, jurídica ou ente despersonificado titular da empresa ou estabelecimento. A eleição do termo empresa, pela CLT, para designar a figura do empregador apenas denuncia, mais uma vez, a forte influência institucionalista e da teoria da relação de trabalho que se fez presente no contexto histórico de elaboração desse diploma justrabalhista. [...] De fato, a eleição do termo empresa tem o sentido funcional, prático, de acentuar a importância do fenômeno da despersonalização da figura do empregador. Ao enfatizar a empresa como empregador, a lei já indica que a alteração do titular da empresa não terá grande relevância na continuidade do contrato [...]” (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 379-380).

21

executado seja empresário ou não empresário, sem cessar a sua atividade econômica.34

O perfil corporativo, que pode ser entendido na atualidade como institucional, parece

previsto no art. 7º, inc. XI, que trata da participação dos empregados nos lucros e na gestão da

empresa, bem como no art. 11, que trata da eleição de representante para promover o

entendimento direto dos empregados com os empregadores, ambos da Constituição da

República de 1988. Neste perfil, a empresa se mostra como a organização especial de pessoas,

que trabalham em prol de um fim comum, capaz de gerar riquezas para todos - tanto para o

empresário ou para os sócios da sociedade empresária, quanto para os seus colaboradores.

O ponto fulcral da exposição de Asquini está no reconhecimento da verdadeira noção

de empresa, como fenômeno econômico, não como instituto jurídico criado pelo direito35.

Com estas considerações, é possível entender a empresa sob dois aspectos principais.

O aspecto estático, isto é, o conjunto dos fatores ou meios de produção (insumos). E o aspecto

dinâmico, isto é, o conjunto das relações jurídicas destinadas à organização dos fatores ou

meios de produção (insumos). No aspecto dinâmico, a empresa é vista como um feixe de

transações, isto é, de relações jurídicas contratuais celebradas para viabilizar a organização

dos insumos, para a produção ou circulação de bens ou serviços, e sua oferta no mercado.36

É no aspecto dinâmico da empresa que o princípio da preservação da empresa pode

ser estudado e aplicado. Ao perceber que além do lucro, que é o interesse direto do

empresário ou dos sócios da sociedade empresária, existem outros interesses em torno da

empresa, o legislador e o judiciário apreendem exatamente o aspecto dinâmico aqui

mencionado. Trata-se do interesse dos consumidores dos produtos e serviços, dos

34 “A preocupação do legislador aqui é com a continuidade da exploração econômica, que não deve ser tolhida

pela penhora, em face da função social que desempenham as empresas comerciais, industriais e agropastoris. [...] O sistema depositário-administrador visa a impedir a ruína total e a paralisação da empresa, evitando prejuízos desnecessários e resguardando o interesse coletivo de preservar quanto possível as fontes de produção e comércio e de manter a regularidade do abastecimento” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. v. 2, p. 193).

35 Neste sentido: “Sem nos deter no exame dos pressupostos metodológicos, qualquer que seja a posição adotada, verifica-se que o conteúdo ou substrato do Direito Mercantil é essencialmente econômico” (BARRETO FILHO, Oscar. A dignidade do direito mercantil. Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, ano XII, v. 11, p. 11-21, 1973. p. 12).

36 “Pode-se tomar a empresa tanto como um complexo organizado de recursos economicamente relevantes (os fatores de produção ou insumos) quanto como o conjunto de transações ou relações jurídicas contratuais destinadas ao constante agrupamento e organização destes mesmos fatores de produção. Na primeira apreensão, têm-se uma visão estática da empresa. Sob a segunda perspectiva, a empresa é vista em funcionamento, em atividade, sendo, por isso, uma visão dinâmica” (PIMENTA, Eduardo Goulart. Recuperação de empresas: um estudo sistematizado da nova lei de falências. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 41).

22

trabalhadores, dos fornecedores, e do próprio Estado, na arrecadação de tributos e na

promoção do desenvolvimento nacional, objetivo declarado no art. 3o, inc. III, da Constituição

da República de 1988.37

Nesta perspectiva, a LRE estabelece o princípio da preservação da empresa

observando o aspecto dinâmico desta, ou seja, como um feixe de transações ou contratos, que

congrega interesses diversos, que merecem a tutela jurídica no momento da crise empresarial.

2.3 O princípio da preservação da empresa

O princípio da preservação da empresa se desenvolveu na doutrina e na

jurisprudência para aplicação ao direito societário, nos casos em que a sociedade se resolve

em relação a um sócio, seja por morte, por falência, por exclusão ou pelo exercício do direito

de retirada ou de recesso.

Fábio Ulhoa Coelho leciona que a preservação da empresa nasceu como princípio

orientador da dissolução parcial da sociedade limitada, nos seguintes termos:

O princípio da preservação da empresa, esculpido na doutrina e na jurisprudência principalmente a partir dos anos 1960, recomenda a dissolução parcial da sociedade limitada, como forma de resolver conflitos entre os sócios, sem comprometer o desenvolvimento da atividade econômica nem sacrificar empregos, reduzir o abastecimento do mercado de consumo ou prejudicar pessoas direta ou indiretamente beneficiadas pela empresa.38

Enfrentando a interpretação e aplicação do art. 335 do Código Comercial de 185039,

37 “Em seus fundamentos valorativos, encontra-se a percepção de que, em torno da exploração de atividade

econômica, gravitam muitos interesses, não apenas os dos capitalistas (empreendedores e investidores) (Estrella, 1973: 545/548). Enquanto a empresa é ativa, os trabalhadores mantêm seus empregos, o fisco arrecada e os consumidores têm acesso aos bens e serviços de que necessitam. [...] A preservação da empresa, enquanto organização produtiva, é do interesse dos empreendedores, investidores, trabalhadores, governantes, consumidores, vizinhos etc.” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 2, p. 462-463).

38 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2, p. 463. 39 Art. 335. As sociedades reputam-se dissolvidas: 1 - expirando o prazo ajustado de sua duração; 2 - por quebra da sociedade ou de qualquer dos sócios; 3 - por mútuo consenso de todos os sócios; 4 - pela morte de um dos sócios, salvo convenção em contrário a respeito dos que sobreviverem; 5 - por vontade de um dos sócios sendo a sociedade celebrada por tempo indeterminado” (Grifo nosso).

23

que previa a dissolução total da sociedade em casos de quebra, morte ou simples manifestação

da vontade de um dos sócios, a doutrina e a jurisprudência perceberam exatamente o aspecto

dinâmico da empresa, exposto no capítulo anterior, para tutelar todos aqueles interesses que

gravitam entorno desta.

Em Rubens Requião, o princípio da preservação da empresa é explicado a partir da

teoria do abuso do direito, especificamente do direito à liberdade de associação. Para o autor,

a liberdade de associação constitui um direito inalienável e incontestável. “Mas, o uso desse

direito deve ser exercido, regularmente, sem afetar os interesses dos demais, muito menos os

da própria coletividade em que vive e prospera”40. Nessa ótica, o autor aplaude a aplicação do

princípio da preservação da empresa pela jurisprudência:

Aplaudimos os juízes e Tribunais que, em face de irrelevante pedido de dissolução social, da reação dos demais sócios, defendem a permanência da sociedade, transformando o pedido em exclusão ou retirada compulsória do sócio. Decidem louvavelmente em benefício da preservação da empresa, fonte de produção, fonte de trabalho, essenciais para a prosperidade coletiva.41

Assim, é nítida a percepção da empresa no seu aspecto dinâmico, como pólo atrativo

de interesses diversos, além daqueles próprios do empresário ou dos sócios da sociedade

empresária - o lucro.

Marcelo Marco Bertoldi também admite esta noção da empresa, ao comentar o art.

335 do Código Comercial de 1850, nos seguintes termos:

Essa estipulação legal ao longo do tempo foi sofrendo certo temperamento por parte da doutrina e também de nossos tribunais, que passaram a prestigiar cada vez mais o princípio da preservação da empresa como ente gerador de riquezas e necessário para o desenvolvimento econômico e social da comunidade onde está inserido, pelo qual a sociedade não poderia se extinguir em havendo qualquer dos sócios que não concordasse com a sua dissolução.42

Com efeito, para resolver os conflitos de interesses entre a sociedade e os sócios,

doutrina e jurisprudência têm invocado o princípio da preservação da empresa, visando a

continuidade da sociedade e da empresa e, por conseqüência, tutelando os interesses que

gravitam entorno desta - o mercado consumidor, os trabalhadores, fornecedores e o Estado. 40 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2, p. 347. 41 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, v. 2, p. 347. 42 BERTOLDI, Marcelo Marco. Noções gerais do direito societário. In: BERTOLDI, Marcelo Marco;

RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 154.

24

Isso já é bastante comum nos casos de morte, falência, exclusão, retirada ou recesso

de sócio, em que há redução no quadro societário e a sociedade se torna unipessoal. Neste

último caso, de unipessoalidade, antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, aplicava-

se o prazo de um ano previsto no art. 206, inc. I, alínea ‘d’, da Lei das Sociedades por Ações

(Lei de S/A), a Lei no 6.404/76, por força da norma supletiva prevista no art. 19 do Decreto no

3.708/1919. Com a entrada em vigor do Código Civil, a regra ficou expressamente prevista no

art. 1.033, inc. IV, e o prazo para a reconstituição da pluralidade de sócios foi reduzido para

180 (cento e oitenta) dias. Mesmo com a redução no prazo de recomposição da pluralidade de

sócios, ainda se verifica a preocupação do legislador com a preservação da empresa.

No direito concursal, a preocupação com a preservação da empresa é recente. A

falência surgiu com o fim de punir o comerciante e liquidar o seu patrimônio para pagar os

credores. A concordata surgiu como meio de recuperação do comerciante, não da empresa.

Em verdade, a preservação da empresa só foi admitida no direito concursal com a

entrada em vigor da LRE. Antes disso, a preocupação era direcionada à preservação do

comerciante ou sociedade comercial, por meio da moratória, da concordata preventiva e

suspensiva.43

A moratória, instituto previsto no Código Comercial de 1850 (arts. 898 a 906) para

evitar a falência, só poderia ser impetrada pelo comerciante que provasse, cumulativamente,

que: 1) a impontualidade procedia de caso fortuito ou de força maior; e 2) poderia pagar

integralmente os credores, mediante a simples concessão de prazo.

A concordata, instituto também previsto no Código Comercial de 1850 (arts. 842 a

854) para suspender o processo de falência e evitar alguns de seus efeitos, principalmente o

afastamento do devedor de suas atividades, só poderia ser pleiteada pelo falido de boa fé, ou

seja, aquele que comprovasse a ausência de fraude ou culpa na decretação de sua falência.

Desta forma, tanto a moratória quanto a concordata se dirigiam à pessoa do

comerciante, baseadas no elemento subjetivo de sua conduta - a boa fé subjetiva.

A concordata preventiva, instituto desconhecido do Código Comercial de 1850 e

introduzido no Brasil pelo Decreto no 917/1890, evitava a falência e mantinha o devedor na 43 “De há muito tempo vem se tentando, através da limitação de responsabilidade, dissociar ruína da empresa da

ruína do empresário, permitindo que o último sobreviva à primeira. A nova Lei procura fazer exatamente o inverso, i.e, dissociar ruína da empresa da ruína do empresário, permitindo que a primeira sobreviva ao último” (SALOMÃO FILHO, Calixto. Recuperação de empresas e interesse social. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 54).

25

direção da empresa. Contudo, o Decreto no 917/1890 também exigia a boa fé subjetiva do

devedor. Com o advento do Decreto-Lei no 7.661/1945, a exigência da boa fé subjetiva cedeu

lugar à pesquisa da presença de elementos objetivos, arrolados nos arts. 140 (impedimentos) e

158 (condições).

Duas hipóteses remotas de preservação da empresa estavam previstas no regime

anterior: a formação de sociedade de credores, com o aporte dos próprios créditos habilitados

na falência, e a cessão dos ativos da massa falida a terceiro, na forma do art. 123 do Decreto-

Lei no 7.661/1945. A implementação de qualquer dessas hipóteses dependia de deliberação

dos credores reunidos em assembléia.

Em resumo, a legislação anterior previa meios para o comerciante evitar (moratória e

concordata preventiva) e suspender (concordata suspensiva) a falência. Esses meios

promoviam a preservação do comerciante ou da sociedade comercial, barrando alguns efeitos

da falência, principalmente o afastamento do devedor da empresa.

Contudo, não buscavam a preservação da empresa, no sentido dinâmico aqui

defendido.

A LRE inovou neste aspecto, pois previu a preservação da empresa como princípio

aplicável na recuperação judicial e também na falência, como será defendido a seguir.

26

3 A FALÊNCIA E O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA

3.1 Formação histórica da falência

A falência encontra sua origem no direito romano, ligada ao próprio conceito de

obrigação e de execução pessoal do devedor insolvente. Mais tarde, foi concebida como

execução patrimonial e evoluiu para o concurso de credores, instaurado perante o magistrado,

denominado bonorum venditio e orientado pelo princípio da par conditio creditorum.

Em uma fase mais primitiva do direito romano, denominada direito quiritário,

anterior à Lei das XII Tábuas, a obrigação (nexum) admitia a adjudicação (addicere) do

próprio devedor insolvente que, por sessenta dias, permanecia em estado de servidão para

com o credor, até o pagamento integral da dívida. Após esse prazo, se o débito não fosse

solvido integralmente pelo trabalho do devedor, este poderia ser vendido como escravo, ou

poderia ser morto e dividido em partes iguais, entregues aos seus credores em concurso.

Ficava, assim, o devedor addictus aos credor, isto é, era ele adjudicado ao credor que podia tê-lo preso e agrilhoado em casa durante sessenta dias. Decorridos os sessenta dias sem que houvessem as partes pactuado algo a respeito da dívida, era o devedor levado à feira e após a terceira feira (24), caso não houvesse surgido um vindex, um parente, um patrono, era o devedor condenado a morte ou, então, vendido ao estrangeiro (trans Tiberim). (25) Se houvesse mais de um credor, dividia-se o corpo do devedor.44

Esse trágico concurso de credores, baseado na responsabilidade pessoal do devedor,

perdurou até a entrada em vigor do sistema de responsabilidade patrimonial, inaugurado pela

Lex Poetelia Papiria, de 428 antes de Cristo (a.C).

Diante, pois, dos escândalos, passou a vigorar em 428 a lei Poetelia Papiria, que suprimiu o direito de morte ou de venda e deu como garantia os bens do devedor, estabelecendo, desse modo, a transição da execução pessoal para a execução patrimonial.45

44 LACERDA, José Cândido Sampaio de. Manual de direito falimentar. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959.

p. 28-29. 45 LACERDA, José Cândido Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 31.

27

A partir daí, o concurso de credores evoluiu para a bonorum venditio, já como

processo judicial, conduzido perante o magistrado. Após a Lex Julia Bonorum, de 737 a.C., a

bonorum venditio passou a adotar alguns princípios fundamentais ainda vigentes na falência

contemporânea, com destaque para a par conditio creditorum. Nas lições de José Xavier

Carvalho de Mendonça e Waldemar Ferreira, este citado por Amador Paes de Almeida:

A abertura do concurso, que devia ser requerida pelos credores, ordenada por decreto do magistrado, iniciada pela missio in bona, e publicada por editos para conhecimentos dos interessados, trazia importantes efeitos, além dos já mencionados, quer quanto à pessoa do devedor, quer quanto aos credores; organizava o sindicato de todos estes e impunha-lhes como regra fundamental a mais completa igualdade, post bona possessa [...] PAR CONDITIO omnium creditorum (7); formava dos bens arrecadados a massa, cuja administração cabia ao curator bonorum, nomeado pelos credores por maioria de votos e confirmado pelo juiz; estabelecia a classificação dos credores em diversas categorias: credores reivindicantes, credores separatistas, credores da massa e credores quirografários; autorizava a anulação dos atos fraudulentos do devedor por meio da actio pauliana e do interdictum fraudatorium.46

Não poucos romanistas divisam na Lex Julia o assento do moderno Direito Falimentar, por ter editado os dois princípios fundamentais - o direito dos credores de disporem de todos os bens do devedor e o da par condictio creditorum.47

O concurso de credores do direito romano nunca adotou a distinção entre devedor

civil e comerciante, aplicava-se a qualquer pessoa, bastando, para tanto, a prova da

insolvência. “Os romanos não tinham em sua legislação normas especiais para regularem a

atividade comercial (2). O conceito da missio in bona era amplo, abrangia os devedores de

qualquer classe ou categoria”48.

Após a queda do Império Romano, durante a formação das comunas italianas, surgiu

o direito comercial subjetivo. Dentro desse direito subjetivo é que foi construída a falência, a

partir da bonorum venditio do direito romano. Como o direito comercial subjetivo era

classista, profissional, os seus institutos, incluindo a falência, se aplicavam apenas a

comerciantes.

A falência penetrou, porém, no direito moderno com uma feição essencialmente comercial por motivos simplesmente históricos.

46 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro, v. VII, p. 14. 47 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa. 25. ed. rev. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2009. p. 5-6. 48 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro, v. VII, p. 15.

28

Aproveitando a missio in bona do direito romano, os jurisconsultos e legisladores daqueles Estados italianos aperfeiçoaram-na, preparando-a de modo a regular a insolvência dos que se entregassem ao tráfico mercantil.49

Surgiu assim, historicamente, a dicotomia dos sistemas de falência.

Sob a influência do direito comercial medieval, a França promulgou o seu primeiro

código, conhecido como Ordenanças de Luis XIV, de 1673, também chamado de Código

Savary e de Código Colbert. Fato é que este Código de 1673 incorporou a dicotomia do

direito privado criada na idade média e serviu de substrato para a elaboração do Código

Comercial francês de 1807. Por sua vez, o Código Comercial de 1807 inspirou a codificação

de todos os países da família romanista, nos quais a falência ainda permanece reservada ao

comerciante, como ocorre no Brasil, desde o Código Comercial de 1850 até hoje, com a LRE.

Floresceu no direito estatutário das cidades da Itália, da Idade Média, onde o tráfico mercantil era a occupação habitual da quase totalidade dos seus cidadãos. Não podia fugir á influencia dos usos e costumes vigorantes na época, que reflectiam as necessidades do commercio. Com esse caracter entrou o instituto na legislação francesa, atravéz da ordenança de 1673, integrando-se no Código Commercial de 1807, cujos dispositivos reguladores da fallencia serviram de modelo aos corpos legislativos da maioria das nações de raça latina.50

Estas ordenanças, primeira codificação do direito francês, grandes elementos forneceram ao Cód. Comercial de 1807, onde foi consagrada a falência como instituição exclusivamente comercial (1). As nações, que se inspiraram na escola italiana e francesa, adotaram a instituição só relativamente aos comerciantes e incorporaram as suas disposições reguladoras nos respectivos códigos de comércio.51

Por esta razão histórica, o estudo do direito comparado revela a existência de dois

sistemas legislativos bem definidos52. O sistema chamado de restritivo, no qual a falência é

um instituto reservado para o comerciante, hoje empresário. Adotam o sistema restritivo a

Itália, França, Portugal, Bélgica, Grécia e Brasil. E o sistema chamado de ampliativo, no qual

a falência se aplica ao comerciante e ao não comerciante. No sistema ampliativo se verifica

uma subdivisão, formando dois subsistemas. O da regulamentação idêntica, em que há regras

uniformes tanto para o comerciante quanto para o não comerciante, adotado na Alemanha, 49 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro, v. VII, p. 16-17. 50 VALVERDE, Trajano de Miranda. A falência no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1931. v.

I, p. 13. 51 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro, v. VII, p. 17-18. 52 LACERDA, José Cândido Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 25-26.

29

Áustria, Holanda, Suíça, Inglaterra, EUA, Japão e Chile. E o da regulamentação paralela, em

que há regras para a falência do comerciante e outras para a falência do não comerciante,

adotado na Espanha, Suécia, Noruega e Dinamarca.

Verifica-se que a dicotomia existente no sistema de insolvência tem razões

históricas, contudo, não encontra nenhuma explicação científica.

Contra a dicotomia do sistema falimentar, argumenta José Cândido Sampaio de

Lacerda que o crédito não constitui privilégio do comerciante. E na atualidade, também não

constitui privilégio do empresário ou da sociedade empresária. É claro que o profissional

liberal e a sociedade simples também usufruem do crédito. O ruralista que não opta pelo

Registro de Empresas, a cargo das Juntas Comerciais, também usufrui do crédito. Por estas

razões, o sistema restritivo da falência deveria ser ampliado para abarcar também a falência

civil. Em suas próprias palavras:

Há, desse modo, razão plausível para estender-se a falência ao devedor não comerciante. O sistema adotado, entre nós, do concurso de credores oferece falhas que merecem ser apontadas e que importam, conseqüentemente, em melhor justificar a tese da falência civil.53

Trajano de Miranda Valverde manifesta a mesma opinião, e elege declaradamente o

sistema ampliativo adotado na Alemanha como a melhor teoria:

Se tivéssemos de exclusivamente julgar do valor jurídico de uma theoria, estaríamos na contingência de seguir a opinião dos que sustentam ser o processo germânico o melhor. A fallencia, em seu significado amplo, abrangendo civis e commerciantes, e uma só via de execução collectiva.54

Entretanto, na opinião dos dois mestres, José Cândido Sampaio de Lacerda e Trajano

de Miranda Valverde, a unificação do sistema falimentar pressupõe a unificação do próprio

direito privado e o abandono da dicotomia entre ato civil e ato de comércio. Só assim seria

recomendável a adoção de um amplo concurso de credores, nos seguintes termos: “Ora, a

unificação da insolvência civil e da comercial não se pode operar no direito brasileiro sem

radicais transformações na legislação civil”55.

53 LACERDA, José Cândido Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 19-20. 54 VALVERDE, Trajano de Miranda. A falência no direito brasileiro, v. I, p. 13. 55 LACERDA, José Cândido Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 24-25.

30

A unicidade, por isso, do processo de concurso, ou há de pressupor, senão já um Código Geral das Obrigações, pelo menos a supressão das differenças accentuadíssimas que assignalam os limites da actividade civil e da actividade commercial, individual ou associativa, a instituição de regras mais amplas, de ligação ou passagem de um a outro direito.56

A pretendida unificação do direito privado já aconteceu na Itália e no Brasil. O

regime geral das obrigações veio com o Código Civil de 2002. As “diferenças

acentuadíssimas” entre a atividade civil e comercial não mais subsistem. O direito de empresa

instituiu as “regras mais amplas” aplicáveis a toda atividade econômica; não só à atividade

econômica organizada profissionalmente para a produção ou circulação de bens e serviços,

própria do empresário e da sociedade empresária, mas, também à atividade econômica

desenvolvida pela sociedade simples que está, topograficamente, dentro do direito de

empresa.

Contudo, mesmo após o advento do Código Civil de 2002, a LRE manteve o Brasil

filiado ao sistema legislativo restritivo, fato ocorrido também na Itália, após o Código Civil de

1942.

3.2 A falência punitiva e liquidatória

Desde a sua criação pelo direito romano, a falência apresentou um nítido caráter

punitivo e liquidatório, que até bem pouco tempo era mantido nos ordenamentos da família

romanista, recheados de incapacidades e de castigos excessivos para o devedor, usualmente

considerados fraudadores e criminosos. Em algumas cidades da Europa eram privados dos

direitos de cidadania, em outras eram banidos da comunidade, com a extensão dos efeitos

infamantes aos seus filhos e herdeiros. “Em França, o falido era, em algumas cidades,

obrigado a usar o boné verde dos forçados”57. Os castigos eram públicos, para que a condição

de falido fosse conhecida no mercado. “Eram, pois rigorosas as penas para os falidos,

derivadas, aliás, do fato de ser a falência considerada um delito”58.

56 VALVERDE, Trajano de Miranda. A falência no direito brasileiro, v. I, p. 16. 57 LACERDA, José Cândido Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 34. 58 LACERDA, José Cândido Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 34.

31

Assim, identificada com a fraude e o delito, a falência entrou para o Código Colbert

de 1673 e posteriormente para o Código Comercial francês de 1807. Neste último, o direito da

falência permaneceu punitivo por influência direta de Napoleão Bonaparte, que em célebre

discussão com o seu Conselho de Estado, asseverou:

Não compreendo distinções entre falidos. Quem mata um homem ainda que acidentalmente, por exemplo, numa caçada, é detido como acusado de um crime; depois é que se examina se é ele culpado ou inocente. Atualmente a severidade é uma necessidade. A falência serve para criar uma fortuna, sem fazer perder a honra: isto é que é preciso impedir. É preciso impedir que o falido ostente ares de triunfo ou de indiferença, que ele se apresente, pelo menos, em público com o aspecto abatido de um homem que foi vítima da desventura. A detenção do falido produzirá efeitos de correição.59

Não obstante a influência da codificação francesa sobre todos os países da família

romanista, logo surgiram meios de moderar o rigor excessivo das punições aplicadas ao falido

de boa-fé ou desventurado.

Márcia Carla Pereira Ribeiro noticia que em Portugal surgiu o primeiro esforço

para distinguir a falência da fraude e do delito, em razão de um terremoto que assolou o

país durante a vigência das Ordenações Filipinas e culminou na quebra de várias

empresas. Neste episódio, sentiu-se a necessidade da criação de regras para a falência

casual ou sem culpa, com o intuito de evitar ou suspender os efeitos negativos sobre a

pessoa do falido.60

O instituto da moratória, dilação de prazos para o devedor solver suas dívidas, é um

exemplo do abrandamento da antiga falência. A concordata suspensiva e preventiva, cabíveis

apenas ao falido de boa-fé, também configuravam meios de evitar ou suspender os efeitos

negativos da falência sobre a pessoa do devedor.

A partir das legislações dos fins do século XIX, a falência abrandou o caráter

punitivo e continuou com intuito liquidatório. Um resquício da falência punitiva ainda

continua em vigor no Brasil, previsto no art. 21, alínea ‘b’, da Lei no 6.024, de 13 de março de

1974. Pelo dispositivo citado, o Banco Central do Brasil pode autorizar o liquidante a pedir a

falência da instituição financeira, quando houver fundados indícios de crimes falimentares. A

previsão remanesce simplesmente porque a decretação da falência é uma das condições de

59 LACERDA, José Cândido Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 35. 60 RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Teoria geral da falência. In: BERTOLDI, Marcelo Marco; RIBEIRO,

Márcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 536.

32

procedibilidade da denúncia por crime falimentar. Assim, se houver fundados indícios da

prática de crime falimentar, ainda que o ativo seja suficiente para honrar o passivo, poderá ser

decretada a falência da instituição financeira.

No entanto, a partir do século XX, o mercado evoluiu para um ambiente global, no

qual uma crise econômica oriunda de determinada região pode desencadear outras crises em

regiões distantes. Esse ambiente clama por uma legislação que privilegie a preservação da

empresa, entendida esta no seu aspecto dinâmico.

A LRE veio para completar o ciclo de evolução do direito concursal brasileiro.

3.3 A falência preservação

A falência como concurso de credores era direcionada contra a pessoa do falido

visando dois claros objetivos: sua punição e a liquidação de seu patrimônio61.

A evolução desta concepção punitiva e liquidatória para uma concepção de

preservação da empresa só tornou-se possível a partir da separação dos conceitos de falido e

de empresa, capitaneada pela obra de Adolf Berle e Gardiner Means, que lançou a idéia de

que a propriedade dos meios de produção não se confunde com a gestão da empresa.62 A partir

desta noção, falido e empresa passaram a atrair um tratamento distinto, de forma que as

restrições e punições aplicadas àquele não criem obstáculos à preservação desta última. Esta

separação entre a quebra do empresário e a sorte da empresa permitiu a evolução do direito

falimentar aqui defendida.63

A LRE incorporou esta noção ao direito concursal brasileiro, com seu foco principal

voltado para a preservação da empresa. De fato, a LRE rompeu com o regime anterior do

Decreto-Lei no 7.661/1945, de acentuado perfil liquidatório, e adotou um novo regime de

61 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2005. p.

17 e também ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa, p. 5. 62 BERLE, Adolf; MEANS, Gardiner. A moderna sociedade anônima e a propriedade privada. São Paulo:

Abril Cultural, 1984. 63 Na lição de Calixto Salomão Filho “De há muito tempo vem se tentando, através da limitação de

responsabilidade, dissociar ruína da empresa da ruína do empresário, permitindo que o último sobreviva à primeira. A nova Lei procura fazer exatamente o inverso, i.e, dissociar ruína da empresa da ruína do empresário, permitindo que a primeira sobreviva ao último” (SALOMÃO FILHO, Calixto. Recuperação de empresas e interesse social, p. 54).

33

claro perfil preservador.64

Com esse espírito, a falência deixou de ser um fim em si mesma e passou a ser

concebida como mais um mecanismo de preservação da empresa.65 A preservação da

empresa, por sua vez, atende melhor aos interesses dos credores, na medida em que a

alienação da empresa em funcionamento alcança valor maior para o pagamento dos créditos,

além de manter a fonte produtora, o emprego dos trabalhadores, e o recolhimento de tributos.

3.3.1 A preservação da empresa na recuperação judicial

A recuperação judicial, introduzida pela LRE, tem natureza jurídica complexa,

contratual e processual. Contratual porque se consubstancia num acordo entre o devedor e

seus credores, formalizado no plano de recuperação, aprovado de forma tácita ou expressa.

Processual porque se desenvolve num procedimento em contraditório, com impulso e solução

por provimentos jurisdicionais.

Apesar da doutrina ainda não ser pacífica neste tópico66, certo é que a recuperação

judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do

devedor, empresário ou sociedade empresária, a fim de promover a preservação da empresa,

sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Este objetivo vem enunciado logo no art. 47 da LRE, o primeiro dispositivo sobre o

novo instituto. De acordo com sua própria posição topográfica na lei, a preservação da

64 “A falência, para nós, sob este prisma de fundo, é a medida judicialmente realizável para resolver a situação

jurídica do devedor insolvente. Essa solução não implica, necessariamente, a liquidação judicial do patrimônio do empresário insolvente – falência-liquidação –, revelando-se, outrossim, como promotora da recuperação da empresa por ele desenvolvida – falência-recuperação” (CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência empresarial, p. 4).

65 “O novo paradigma é o da preservação da empresa, com ou sem o empresário. É necessário compreender a falência não mais como um fim a ser alcançado, mas como um meio juridicamente eficaz à estabilidade de uma economia de mercado” (BERTOLDI, Marcelo Marco; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 534).

66 Pelo caráter contratual: PENTEADO, Mauro Rodrigues. Disposições preliminares. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 84-85, e CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência empresarial, p. 123-125. Pelo caráter processual: BERTOLDI, Marcelo Marco; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial, p. 478-479. Para uma compreensão completa das teorias sobre a natureza jurídica da concordata, aplicáveis a esta noção, remete-se o leitor à obra de LACERDA, José Cândido Sampaio de. Manual de direito falimentar, 1959.

34

empresa foi erigida à categoria de princípio fundamental da recuperação judicial, a conduzir a

interpretação e aplicação de todas as regras dispostas na LRE, de sorte que, qualquer leitura

da lei deve partir do princípio da preservação da empresa.

O instituto promove a preservação da empresa no sentido dinâmico já exposto,

englobando todos os interesses que gravitam entorno dela - manutenção da fonte produtora,

do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores. A LRE prevê mecanismos -

regras - importantes para a concretização do princípio da preservação da empresa.

O primeiro mecanismo é denominado stay period67 ou automatic stay68 e é essencial à

efetividade do processo, na medida em que proporciona ao devedor um prazo razoável para a

elaboração e apresentação do plano de recuperação aos credores. Está previsto nos arts. 6º e

52, inc. III, da LRE, que conjuntamente determinam a suspensão do curso da prescrição e de

todas as ações e execuções ajuizadas contra o devedor, pelo prazo improrrogável de 180

(cento e oitenta) dias, contados do deferimento do processamento da recuperação judicial.

Dentro desse prazo de suspensão, não é permitida a venda ou a retirada do

estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais à sua atividade empresarial,

pelos credores titulares da posição de proprietário fiduciário, de arrendador mercantil,

de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujo contrato contenha cláusula

de irrevogabilidade ou irretratabilidade, ou ainda, cláusula de reserva de domínio, de

acordo com o art. 49, §3º, da LRE. Com isso, a lei possibilita a continuação da atividade

empresarial, ou em outras palavras, a preservação da empresa no seu sentido dinâmico,

durante o processo.

Outro mecanismo importante emerge da interpretação conjunta dos arts. 50 e 60 da

LRE, que tratam da alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas e afastam

expressamente qualquer sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de

natureza tributária.

Um último destaque pode se referir ao art. 67 da LRE, que classifica como

extraconcursais os créditos dos fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo

constituídos durante a recuperação judicial. Esta regra fomenta a continuação da atividade

empresarial, na medida em que privilegia o crédito concedido à empresa em recuperação.

67 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Disposições preliminares, p. 138. 68 PIMENTA, Eduardo Goulart. Recuperação de empresas: um estudo sistematizado da nova lei de falências,

p. 127.

35

Noutro passo, é forçoso admitir que a preservação da empresa não pode ser imposta

pela lei. Muito pelo contrário, deve decorrer da aceitação dos titulares dos interesses ligados à

empresa, principalmente numa situação de crise econômico-financeira.

Com base nisso, é possível compreender que a LRE resgatou a feição contratual da

antiga concordata preventiva, introduzida no Brasil pelo Decreto no 917/1890, mantida pela

Lei no 2.024/1908 e depois suplantada pelo Decreto-Lei no 7.661/1945.

Nas lições de Sérgio Campinho:

Na recuperação judicial prevalece a autonomia privada da vontade das partes interessadas para alcançar a finalidade recuperatória. A perspectiva do acordo vem resgatada pela Lei no 11.101/2005, restabelecendo a tradição do Direito brasileiro, consentânea, de resto, com todo o Direito contemporâneo, mas sob a nova denominação de recuperação judicial.69

Em breve síntese, o devedor apresenta uma proposta de recuperação a seus credores -

o plano. Os credores podem aderir ao plano de forma tácita, se não apresentarem objeção, ou

de forma expressa, por deliberação em assembléia. Isto se a superação da situação de crise

econômico-financeira da empresa atender a seus interesses. Se não atender, podem rejeitar ou

modificar o plano. A alteração funciona como nova proposta e sempre depende da expressa

concordância do devedor, de acordo com o art. 56, §3º, da LRE.70

Portanto, promover a preservação da empresa é o objetivo declarado pela LRE.

Porém, esse objetivo não decorre da decisão judicial, mas, poderá ser perseguido após a

deliberação dos credores, no exercício da autonomia privada reconhecida pela LRE. Poder-se-

ia pensar que, no caso do art. 58, §1º, da LRE, a decisão é do juiz e não dos credores. Em

verdade, a decisão sobre a recuperação é sempre dos credores, só que em quóruns distintos. O

primeiro quórum está definido no art. 45 e o segundo no art. 58, §1º, ambos da LRE. Assim,

não há na LRE nenhuma hipótese de concessão da recuperação pelo juiz sem a aprovação do

plano pelos credores, obtida de forma tácita ou expressa.

Neste passo, cumpre diferenciar objetivo de princípio. O objetivo da LRE é

direcionado à autonomia privada dos credores. O princípio é direcionado ao intérprete. Se a

decisão dos credores é pela recuperação, o intérprete (advogado ou juiz) deve caminhar em

69 CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência empresarial, p. 11

e 125. 70 O disposto no art. 56, §3º, da LRE coincide com o disposto no art. 431 do Código Civil, o que reforça o

caráter contratual da recuperação judicial.

36

busca da preservação da empresa. Logo, a vontade dos credores tem importância capital na

recuperação judicial.

Ocorre que o processo de recuperação judicial, ao contrário do que soa a leitura

isolada do art. 49, caput, da LRE, não compreende todos os créditos existentes na data do

pedido. São consideráveis as exceções trazidas no art. 49, §3º, da LRE, a ponto de sugerir a

conclusão de que foram retirados do processo de recuperação judicial os principais credores

de uma empresa em situação de crise econômico-financeira.

É o que ocorre com os créditos tributários. O art. 6º, §7º, combinado com o art. 68,

ambos da LRE, autoriza a conclusão de que os créditos tributários não estão sujeitos ao

processo de recuperação judicial. Esta conclusão vem corroborar o que já estava disposto no

art. 187 do Código Tributário Nacional (CTN) e nos arts. 5º e 29 da Lei no 6.830/1980, a Lei

de Execuções Fiscais (LEF), no sentido de que a cobrança judicial da Dívida Ativa da

Fazenda Pública não se sujeita a nenhum concurso de credores.

Porém, uma interpretação teleológica do novo sistema concursal permite ao

intérprete sustentar que, muito embora os créditos tributários não estejam sujeitos ao processo

de recuperação judicial, dele não foram excluídos.

É claro que a Fazenda Pública (nos três níveis de governo e também o Instituto

Nacional do Seguro Social - INSS) não deve participar do plano de recuperação em paridade

de condições com os demais credores a ele sujeitos. A Fazenda Pública e o INSS não podem

se aderir livremente ao plano como os demais credores, em decorrência do princípio da

supremacia e da indisponibilidade do interesse público.

Desta feita, nem a LRE pode sujeitar os créditos tributários à recuperação judicial,

nem a Fazenda Pública pode deles dispor. Desta forma, não é possível o contrato, ou a adesão

ao plano.

Neste ponto, merece destaque a posição da doutrina e da jurisprudência, no sentido

de não reconhecerem a legitimidade ou o interesse de agir do Estado no pedido de falência do

devedor empresário ou sociedade empresária, dentre outras razões, por não poder dispor das

multas e juros cominados aos créditos tributários, que não podem ser exigidos na falência.71

É interessante ressaltar que a concessão de parcelamento dos créditos tributários, pela

Fazenda Pública e pelo INSS, não importa em disposição de multas e juros, além de incluir juros

71 Cf. CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência empresarial, p.

284-286.

37

remuneratórios, nos termos da Lei no 10.522/2002, a lei federal geral de parcelamento.

Assim, deferido o processamento da recuperação judicial ao empresário ou sociedade

empresária, apenas duas hipóteses são admitidas para a Fazenda Pública: a 1ª é prosseguir nas

execuções individuais de natureza fiscal; a 2ª é conceder o parcelamento dos créditos tributários,

em sede de recuperação judicial ou fora dela, na forma já autorizada pelo art. 68 da LRE.

Qual dessas opções aplica o princípio da preservação da empresa?

Vale destacar que o objeto de alienação prevista no plano de recuperação judicial está

livre de qualquer ônus e não implica em sucessão tributária para o adquirente, na forma do art.

60, parágrafo único, da LRE, e também do art. 133, §1º, do CTN, acrescentado pela Lei

Complementar no 118/2005. Isto limita bastante as possibilidades de excussão de bens nas

execuções fiscais por ventura ajuizadas ou em prosseguimento contra o devedor em recuperação.

Diante da sucessão tributária afastada pela lei pergunta-se: qual daquelas opções

atende ao princípio da supremacia e da indisponibilidade do interesse público?

A fim de evitar a verdadeira anulação dos créditos tributários, diante do deferimento

da recuperação judicial, a LRE prevê, no art. 57, que após a juntada do plano aprovado (ou

que não sofreu objeção), o devedor ‘apresentará’ certidões negativas de débitos tributários.

A regra é de técnica questionável, pois o vocábulo ‘apresentará’ sugere um fato

futuro certo, e sabe-se que a norma jurídica não é de natureza ontológica (ser), mas,

deontológica (dever-ser). Além disso, a regra não prevê prazo ou sanção, o que foi fruto da

opção política consciente e deliberada do legislador. A omissão do prazo e da sanção foi

deliberada pela Câmara dos Deputados, pois a redação original do art. 57, acrescentada e

aprovada pelo Senado Federal, prescrevia um prazo de 5 (cinco) dias para a apresentação das

certidões negativas, contado da juntada aos autos do plano de recuperação aprovado. Além

disso, previa a decretação da falência como sanção pelo descumprimento da exigência fiscal.

A omissão deliberada pela Câmara dos Deputados permite concluir que não será

decretada a falência do devedor.72 Outrossim, imagina-se o devedor que obteve aprovação do

plano de recuperação, seja por falta de objeção ou por deliberação da assembléia-geral de

credores, porém, ainda não obteve o parcelamento dos créditos tributários. A decretação da

sua falência como sanção destoa do direito concursal em vigor, que já abandonou a noção

72 Ao contrário do que advoga FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p.

172: “Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia, o devedor deverá apresentar, sob pena de falência, certidões negativas de débitos tributários”.

38

primitiva de sanção aplicada à fraude ou má-administração73 e absorveu a noção de separação

entre devedor e empresa, em prol da preservação desta última.74

O art. 57 da LRE ainda não mereceu a análise detida da doutrina. Contudo, os casos

concretos já enfrentados pelo Poder Judiciário, à luz da LRE, demonstram que o artigo em

comento sofrerá uma interpretação restritiva, a fim de privilegiar a efetividade do processo de

recuperação judicial e, por conseqüência, do princípio da preservação da empresa.

A experiência comum revela que empresas em situação de crise econômico-

financeira sempre apresentam débitos tributários. É fato notório que o empresário ou

sociedade empresária utiliza uma escala de preferências numa situação de crise econômico-

financeira, atrasando primeiro o pagamento dos tributos, em seguida os quirógrafos e, por

último, os direitos trabalhistas, de sorte que, na prática, não haverá devedor em recuperação

que não apresente débitos fiscais.

Esta constatação demonstra que o descumprimento do art. 57 da LRE é provável, pra

não dizer certo, em todos os casos de recuperação judicial, o que atribui maior relevância à

sua correta interpretação - a teleológica.

Não obstante o disposto sobre o art. 57 da LRE, cumpre averiguar a incidência do

art. 191-A do CTN, acrescentado pela Lei Complementar no 118/2005.

O art. 191-A do CTN enuncia que “A concessão da recuperação judicial depende da

apresentação da prova de quitação de todos os tributos [...]”.

Em princípio, são válidas as considerações feitas acima sobre o art. 57 da LRE, pois

o art. 191-A do CTN não trata da convolação da recuperação judicial em falência, apenas

determina que a concessão desta depende da prova de quitação dos tributos. Em outras

palavras, o devedor em débito com a Fazenda Pública não teria direito à recuperação judicial.

Nesta hipótese, a única decisão possível para o juiz seria a extinção do processo sem

resolução do mérito, por ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e

regular, com base no art. 267, inc. IV, do CPC, aqui aplicável por força do art. 189 da LRE.

Contudo, o dispositivo do CTN em comento padece de clara inconstitucionalidade,

primeiro porque fere o princípio do devido processo legal, em sua acepção substancial,

73 A única hipótese de falência sanção remanescente no nosso sistema jurídico está prevista no art. 21, alínea

‘b’, da Lei no 6.024/74. Esta hipótese remanesce por ser a decretação da falência do banco uma condição objetiva de punibilidade pelas infrações penais, nos termos do art. 180 da LRE.

74 ABRÃO, Nelson. Curso de direito falimentar. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 11.

39

segundo porque fere o princípio da proporcionalidade. O devido processo legal substancial

está bem sedimentado no princípio da preservação da empresa, que abre o capítulo da

recuperação judicial na LRE. O princípio da proporcionalidade informa que os meios

colocados em prática devem se adequar aos fins pretendidos pelo legislador. Considerando

que os créditos fiscais não estão sujeitos a nenhum concurso de credores, têm foro

privilegiado para sua cobrança, além de não estarem abrangidos pelo período de suspensão

determinado no art. 6º da LRE, soa desproporcional utilizar o processo de recuperação

judicial para a sua exigência. Estes princípios foram citados no conhecido Parecer do

Ministério Público do Estado de São Paulo, apresentado no processo nº 05.068.090-1, que

concluiu pela inaplicabilidade tanto do art. 57 da LRE quanto do art. 191-A do CTN.75

Esta solução já foi adotada pelo Poder Judiciário nos processos de recuperação

judicial da Vasp, da Varig e da Parmalat.76

Neste sentido vem se formando o entendimento dos Tribunais de Justiça de São

Paulo e de Minas Gerais, conforme os trechos dos acórdãos abaixo transcritos:

Recuperação Judicial. Aprovação do plano de recuperação judicial. Decisão que

concede a recuperação judicial, com dispensa da apresentação das certidões negativas

de débitos tributários exigidas pelo artigo 47 da Lei 11.101/2005 e artigo 191-A, do

CTN. Recurso interposto pelo INSS. Reconhecimento da legitimidade e interesse em

recorrer, como ‘terceiro prejudicado’, mesmo não estando os créditos tributários

sujeitos à habilitação em recuperação judicial. Exigência do artigo 57 da LRF que

configura antinomia jurídica com outras normas que integram a Lei n° 11.101/2005, em

especial o artigo 47. Abusividade da exigência, enquanto não for cumprido o artigo 68

da nova Lei que prevê a edição de lei específica sobre o parcelamento do crédito

tributário para devedores em recuperação judicial. Dispensa da juntada das certidões

negativas ou das positivas com efeito de negativas mantida. Agravo desprovido.77

Recuperação judicial - Certidões negativas de débitos tributários (Art. 57 da Lei 11.101/05) - Inadmissibilidade - Exigência abusiva e inócua - Meio coercitivo de cobrança - Necessidade de se aguardar, para o cumprimento do disposto no art. 57, a legislação especifica a que faz referência o art. 68 da Nova Lei, a respeito de parcelamento de crédito da Fazenda Pública e do INSS - Dispensa da juntada de tais certidões - Agravo de instrumento provido.78

75 “A regra de exigência estabelecida no art. 57 não se afeiçoa ao princípio constitucional do devido processo

legal substancial, consagrado na cláusula do art. 5º, LIV, da Constituição Federal. Ou ao princípio da proporcionalidade - relação de adequação entre meio e fim - também agasalhado no mesmo dispositivo”.

76 As decisões estão disponíveis em <http://www.conjur.com.br>. Acesso em: 04 dez. 2009. 77 SÃO PAULO. Tribunais de Justiça. Agravo de Instrumento nº 5169824200. Rel. Des. Pereira Calças, j.

30/01/2008. DJ, São Paulo, 31 jan. 2008. Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do>. Acesso em: 24 out. 2010.

78 SÃO PAULO. Tribunais de Justiça. Agravo de Instrumento nº 4563934800. Rel. Des. Romeu Ricupero, j. 21/11/2006. DJ, São Paulo, 22 nov. 2006. Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do>. Acesso em: 24 out. 2010.

40

Cinge-se a controvérsia recursal ao deferimento do pleito de recuperação judicial, conquanto não tenha a empresa Requerente apresentado certidões fiscais negativas. [...] O digno Juiz de origem fundamentou a desnecessidade da apresentação das certidões fiscais negativas, sob o fundamento de que ‘os artigos 57 e 68 da Lei 11.101/05 devem ser interpretados de forma sistemática, seguindo os princípios norteadores do art. 47 da lei em foco. Sendo assim, a exigência das certidões negativas fiscais somente será possível quando editada a lei específica sobre parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial’ (litteris, fls. 20-TJ). A recente Lei nº 11.101/2005, que passou a regular o também novel instituto da recuperação judicial, ainda traz diversas polêmicas práticas quanto à sua aplicação, as quais tendem a ser solucionadas pelas lúcidas doutrinas empresariais e pelos nossos Tribunais Pátrios, razão pela qual realizei detido estudo acerca do tema trazido neste Instrumental, inferindo, portanto, que a sentença combatida mostra-se incensurável. [...] É de todo conveniente que se registre, todavia, que não há sequer "leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial", conquanto tramite pelo Senado Federal o projeto de Lei Complementar PLS nº 245, de 2004, dispondo ‘sobre o parcelamento de débitos de devedores em recuperação judicial, perante a União, suas autarquias, fundações públicas e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço’. [...] Neste contexto, tenho por incensurável a concessão da recuperação judicial, a despeito da ausência de certidões fiscais negativas, até que seja elaborada Lei Complementar que regule o parcelamento do débito tributário em recuperação judicial, sob risco de sepultar a aplicação do novel instituto e, por conseqüência, negar vigência ao princípio que lhe é norteador.79

Na esteira do lúcido entendimento jurisprudencial que já vem se formando com

robustez, é de se sustentar que os arts. 57 da LRE e 191-A do CTN não terão aplicação em

nosso sistema jurídico, a exemplo do que já ocorria com a concordata prevista no Decreto-lei

no 7.661/1945.80 Neste sentido, decidiu recentemente o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no

acórdão proferido no REsp nº 723082, relatado pelo Ministro João Otávio de Noronha, no

julgamento ocorrido no dia 20/10/2009 e publicado no dia 02/02/2010, assim ementado:

79 MINAS GERAIS. Tribunais de Justiça. Agravo n° 1.0079.06.288873-4/001. Rel. Des. Dorival Guimarães

Pereira, j. 29/05/2008. DJ, Belo Horizonte, 06 jun. 2008. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_ /inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=79&ano=6&txt_processo=288873&complemento=1&sequencial=0&palavrasConsulta=&todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical>. Acesso em: 24 out. 2010.

80 No regime anterior, era comum o pedido de desistência da concordata, formulado pelo devedor que cumpria os pagamentos prometidos aos credores, mas, não obtinha as certidões negativas exigidas pelo art. 174, inc. I, do Decreto-lei no 7.661/1945. Cf. ABRÃO, Nelson. Curso de direito falimentar, p. 209: “Neste sentido estão as mais recentes decisões de nossos Tribunais: “É lícita a desistência de concordata preventiva desde que não tenha havido objeção de qualquer credor” (4ª. Câmara Civil do TJRJ, in RT, 498:196). “Para a desistência da ação de concordata, assim como para se renunciar ao direito de ação, não é necessária a apresentação de certidões que atestem a regularidade do empresário para com os fiscos federal, estadual e municipal, como também não o é em relação ao Instituto Nacional do Seguro Social e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço”. Estudo científico e completo do tema pode ser encontrado em: GONTIJO, Vinícius José Marques. Da desistência e da renúncia à ação de concordata. 2004. 168 f. Tese (Doutorado em Direito) - Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

41

PROCESSUAL CIVIL. CONCORDATA SUSPENSIVA. CONCESSÃO. ARTIGO 191 DO CTN. AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DE TRIBUTOS RELATIVOS À ATIVIDADE MERCANTIL. POSSIBILIDADE. RECUPERAÇÃO VIÁVEL. 1. O artigo 191 do CTN tem aplicabilidade tanto nos casos de concordata preventiva quanto nos de concordata suspensiva. Entretanto, deve-se levar em consideração a incidência desse artigo no caso concreto. 2. É possível a concessão de concordata suspensiva a empresa que, embora não satisfaça a exigência contida no artigo 191 do CTN - pagamento de tributos - apresente viabilidade de recuperação, a qual, consiste, na espécie, em uma situação patrimonial promissora (débitos trabalhistas quitados e bom fluxo de caixa). 3. Havendo concessão de concordata, a empresa continua a funcionar regularmente, sendo assim, a Fazenda Nacional poderá vir a cobrar os créditos fiscais na via executiva, tornando-se prescindível, in casu, prova de quitação dos tributos relativos à sua atividade mercantil. Acrescente-se que o fisco não se submete a eventual concurso de credores ou habilitação em falência, concordata ou liqüidação (artigo 29, da Lei n. 6.830/80). 4. Recurso especial não-conhecido.81

Em face de todas essas particularidades, fica claro que o parcelamento dos créditos

tributários, em sede de recuperação judicial, constitui a única hipótese possível de estabelecer

um diálogo entre os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público e o

princípio da preservação da empresa.

Tudo isso vale quando há possibilidade de recuperação da empresa.

Para as hipóteses em que não há possibilidade de recuperação, a LRE prevê a

falência.82

Neste passo, é preciso distinguir recuperação de preservação, pois, não se trata de

expressões sinônimas. Recuperar significa restaurar ou restituir e se refere à pessoa do

devedor83. Preservar significa resguardar e se refere à empresa, no seu aspecto dinâmico.

A falência não visa a recuperação da empresa, com sua restituição ao devedor, mas

admite a preservação da empresa, como se passa a sustentar no capítulo seguinte.

81 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 723082. Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 20/10/2009.

DJ, Brasília, 02 fev. 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sS eq=922224&sReg=200500183096&sData=20100202&formato=PDF>. Acesso em: 24 out. 2010.

82 “Por isso, a lei nova estabelece a possibilidade de procedimentos de recuperação da empresa, na forma de recuperação judicial e extrajudicial, reservando-se o procedimento falimentar para as hipóteses de impossibilidade de recuperação” (BERTOLDI, Marcelo Marco; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial, p. 530).

83 “RECUPERAÇÃO. Segundo o próprio sentido do recuperatio latino, de que se deriva, recuperação exprime a restituição judicial” (SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 1.170).

42

3.3.2 A preservação da empresa na falência

É preciso compreender que o princípio da preservação da empresa não está presente

apenas no instituto da recuperação judicial, mas, sobretudo na falência (art. 75 da LRE).

Isso só é possível a partir da interpretação da seção destinada à realização do ativo

(arts. 139 a 148 da LRE), que foi totalmente reformada com base no princípio da eficiência.

Eficiência84 aqui significa maximização dos bens, ativos e recursos produtivos,

inclusive os intangíveis, da empresa, conforme declarado no art. 75 da LRE.

Várias fontes de externalidades negativas85, antes verificadas no Decreto-Lei no

7.661/1945, foram devidamente internalizadas pela LRE. Para tanto, faz-se necessária uma breve

digressão sobre o sistema anterior, para o correto entendimento da evolução operada pela LRE.

O Decreto-Lei no 7.661/1945 dividia o processo de falência em três fases bem

delimitadas e organizadas em uma sequência bastante ineficiente.

A primeira fase, denominada pré-falimentar ou pré-falencial, tinha natureza cognitiva

e se estendia do pedido de falência até a sua decretação ou denegação por sentença. A

segunda fase, denominada de sindicância ou de período de informação e apuração, se

destinava à formação da massa falida, objetiva e subjetiva. E a terceira fase, chamada de fase

de liquidação ou de realização do ativo86.

A fase pré-falimentar se destinava ao conhecimento do pedido e decretação do estado

de falência do devedor. De instrução sumária, essa primeira fase não caracterizava a execução

coletiva propriamente dita, que se iniciava após a decretação da falência por sentença.

84 Eficiência é um termo polissêmico, que será utilizado ao longo desta dissertação, a par das noções de Pareto e

de Kaldor-Hicks, sempre como maximização da riqueza, tal como é exposta em POSNER, Richard A. Economic analysis of law. 6. ed. New York: Aspen Publishers, 2003. p. 11, e também por Bruno Meyerhof Salama, para quem “[...] eficiência diz respeito à maximização de ganhos e minimização de custos” (SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é “direito e economia”?. In: TIMM, Luciano Benetti. Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008. p. 55).

85 “As externalidades correspondem, pois, a custos ou benefícios circulando externamente ao mercado, vale dizer, que se quedam incompensados, pois, para eles, o mercado, por limitações institucionais, não consegue imputar um preço. [...] Assim, quando as externalidades redundam em algum custo para alguém são chamadas negativas; quando beneficiam alguém são chamadas positivas. Outro nome utilizado é economias ou deseconomias externas, conforme se trate de benefício ou de custo incidindo sobre terceiros” (NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 153-155).

86 FUHRER, Maximilianus Américo Cláudio. Roteiro das falências e concordatas. 17. ed. rev. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2001. p. 45.

43

A fase de sindicância se iniciava pela formação da massa ativa, por meio da

arrecadação e guarda de todos os bens e direitos do falido87. Seguia-se com a formação da

massa passiva, por meio do julgamento dos pedidos de restituição e da verificação e

habilitação dos créditos. Esta fase se concluía com a apresentação do Quadro Geral de

Credores (QGC). A fase de sindicância se destinava à formação simultânea das massas

objetiva e subjetiva.

Nesta mesma fase de sindicância, também se instaurava o inquérito judicial, para a

investigação da prática de crime falimentar pelo comerciante ou pelos administradores da

sociedade comercial. O inquérito judicial concluía-se com o apensamento do inquérito aos

autos principais do processo de falência, pelo recebimento ou rejeição da denúncia oferecida

pelo Ministério Público, por qualquer credor ou pelo síndico, em caso de omissão daquele.

Publicado o QGC e decidido o inquérito judicial, deveria o síndico apresentar um

relatório, ato que exauria esta segunda fase do processo falimentar.

Somente após a conclusão da fase de sindicância, e desde que não fosse impetrada a

concordata suspensiva pelo falido, teria início a fase de liquidação ou realização do ativo,

arrecadado logo no início do processo e mantido sob a guarda e conservação do síndico, ou de

prepostos por este nomeados.

No sistema anterior, a fase de liquidação estava condicionada à apresentação de relatório pelo síndico da massa falida, sujeitando-se a três ocorrências: publicação do quadro geral de credores, solução do inquérito judicial falimentar e à não postulação, pelo devedor, de pedido de concordata suspensiva:88

Assim, o processo concentrava-se na pessoa do falido, visando sua punição e a

liquidação de seu patrimônio. A única possibilidade de preservação da empresa era

disponibilizada ao próprio falido, por meio da concordata suspensiva, que era admitida apenas

se a denúncia por crime falimentar não fosse recebida, ou fosse rejeitada, pelo juízo criminal.

Contata-se que, no sistema anterior, a sorte da empresa acompanhava a do falido,

certamente porque não havia uma nítida separação entre a propriedade e a gestão dos meios

de produção organizados.

87 “Compete, pois, ao síndico, tão logo seja nomeado e empossado na função, promover a arrecadação dos bens

do falido, dos direitos e das ações, mantendo-os sob a sua guarda e administração” (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 224).

88 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 3, p. 548.

44

Havia duas hipóteses remotas de preservação da empresa: pela formação de

sociedade de credores, com o aporte dos próprios créditos habilitados na falência, e pela

cessão dos ativos da massa falida a terceiro. Estas hipóteses emergiam da interpretação do art.

123 do Decreto-Lei no 7.661/1945, que trazia a possibilidade de deliberação de “Qualquer

outra forma [...]” de realização do ativo.

Contudo, várias fontes de externalidades negativas anulavam a ocorrência daquelas

duas hipóteses na prática: o quórum de deliberação em assembléia de credores era de 2/3 (dois

terços); a assembléia deveria se antecipar à alienação dos bens singulares, que poderia ser

promovida pelo síndico na terceira fase do processo, a fase de liquidação; a arrematação não

poderia ocorrer por preço inferior ao da avaliação dos ativos; não havia nenhuma regra sobre

a sub-rogação nos créditos e contratos do falido; ocorria a sucessão do terceiro nas obrigações

do falido, principalmente nas obrigações trabalhistas e tributárias. Tudo isso desestimulava a

preservação da empresa, ou diminuía o valor de sua alienação, com prejuízo para os credores.

A sucessão nos débitos do falido constituía, sem dúvida alguma, a maior

externalidade negativa produzida no regime anterior, conforme a lição de Nelson Abrão:

Na cessão do ativo a terceiros também temos a alienação em bloco do estabelecimento, sucedendo aqueles nos créditos da massa, não respondendo, porém, pelos débitos, salvo os trabalhistas e fiscais, pelos fundamentos retro expostos.89

Rubens Requião repudiava a sucessão na venda do estabelecimento comercial na

falência, nos seguintes termos:

Em face desses princípios, a alienação do estabelecimento comercial, seja por leilão público ou por propostas, seja pela constituição de nova sociedade pelos credores, ou cessão, não importa a transferência de seus ônus para o adquirente. Surgirá, sempre, novo empresário que encetará, pela sua atividade, nova empresa. Apesar de tão lógicas e precisas conclusões, os tribunais trabalhistas passaram a considerar existente a sucessão entre a empresa falida e o adquirente do estabelecimento, que assim responderia pelos encargos sociais dos antigos empregados. Essa jurisprudência espúria ignora a rescisão dos contratos de trabalho dos empregados da empresa falida e a sua habilitação no processo respectivo.90

Por conta de todas as externalidades negativas acima mencionadas, a realização do

ativo se dava pela alienação dos bens individualmente considerados, o que acarretava na

perda dos ativos intangíveis (p. e., ponto comercial, marca, clientela, aviamento, know how).

89 ABRÃO, Nelson. Curso de direito falimentar, p. 160. 90 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 319.

45

Além disso, a longa duração do processo acarretava na depreciação da massa ativa.

Os bens do falido arrecadados e guardados no início da fase de sindicância, não conservavam

o seu valor quando se iniciava a realização do ativo, não só porque o complexo de bens

organizado pelo falido se tornava obsoleto, mas, principalmente, porque sua conservação

impingia despesas que eram classificadas como encargos da massa, e que deveriam ser pagas

com o produto da alienação, com preferência sobre todos os créditos concursais.

O processo era de uma ineficiência gritante, mas, perdurou por 60 anos.

Por fim, cabia ao síndico a discricionariedade na escolha da forma e da modalidade

de alienação dos bens da massa: se em bloco ou a retalho; pelo modo ordinário (leilão/

propostas fechadas) ou extraordinário (por meio de deliberação em assembléia; para uma

sociedade constituída pelos credores ou para um terceiro eventualmente interessado).

A discricionariedade na alienação do ativo supunha a detenção pelo síndico de

conhecimentos de mercado que, na prática, nunca existiram, já que o múnus de síndico

sempre recaiu sobre um advogado, nomeado pelo juízo falimentar após a terceira negativa

daqueles nomeados dentre os maiores credores da massa. Por tal razão, essa

discricionariedade na escolha da forma e do modo constituía mais uma fonte de externalidade

negativa do regime anterior, além de todas aquelas anteriormente mencionadas e estudadas.

A LRE rompeu com o sistema do Decreto-Lei no 7.661/1945, adotou um perfil

claramente preservador, dispondo sobre o instituto da falência não como um fim em si

mesmo, mas, como mais um mecanismo voltado para a preservação da empresa - princípio.

Esta assertiva é confirmada pelo estudo do novo procedimento de realização do

ativo, que internalizou todas as externalidades negativas destacadas no regime anterior.

De início, convém lembrar que a elaboração da LRE foi orientada por dois princípios

importantes para a confirmação desta assertiva: o da separação dos conceitos de empresa e de

empresário; e o da eficiência ou maximização do valor dos ativos do falido.

Amador Paes Almeida e Ricardo Bernardi citam que o relatório da Comissão de

Assuntos Econômicos do Senado Federal, redigido sob a direção do Senador Ramez Tebet,

enunciou os 12 princípios fundamentais da nova lei de falências, incluindo os seguintes:

2. Separação dos conceitos de empresa e de empresário: a empresa é o conjunto organizado de capital e trabalho para a produção e circulação de bens ou serviços. Não se deve confundir a empresa com a pessoa natural ou jurídica que a controla. Assim, é possível preservar uma empresa, ainda que haja a falência, desde que se logre aliená-la a outro empresário ou sociedade que continue sua atividade em bases eficientes.

46

[...] 10. Maximização do valor dos ativos do falido: a lei deve estabelecer normas e mecanismos que assegurem a obtenção do máximo valor possível pelos ativos do falido, evitando a deterioração provocada pela demora excessiva do processo e priorizando a venda da empresa em bloco, para evitar a perda dos intangíveis. Desse modo, não só se protegem os interesses dos credores de sociedades e empresários insolventes, que têm por isso sua garantia aumentada, mas também diminui-se o risco das transações econômicas, o que gera eficiência e aumento da riqueza geral.91

O Capítulo V da LRE, art. 75, que inaugura a disciplina da falência, enuncia o

objetivo de preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos,

inclusive os intangíveis, da empresa. Em outras palavras, tem-se que o objetivo da falência é

preservar a empresa e otimizar a utilização produtiva dos seus bens, ativos e recursos

produtivos, inclusive os intangíveis.

Ao dispor sobre o afastamento do devedor de suas atividades, o legislador absorve a

noção da separação entre a pessoa do falido e a sorte da empresa, com o claro objetivo de

preservação desta última.

Como leciona Ricardo Negrão:

A lei pressupõe que, com o afastamento dos antigos administradores, a empresa possa prosseguir suas atividades em mãos dos novos adquirentes, fazendo uso de todas ou de algumas unidades que compõem o complexo de bens, incluindo bens corpóreos e incorpóreos e contratos firmados com terceiros, preservados pelo administrador judicial (arts. 117 e 118) conforme necessário à operacionalidade com esperado rendimento.92

Com esse desiderato, a LRE extinguiu o inquérito judicial perante o juízo falimentar

e declinou a competência para a apuração e punição de crime falimentar às varas criminais.93

A sindicância também foi totalmente reformada. A formação da massa ativa agora

independe da formação da massa passiva, ou seja, constituem procedimentos distintos, mas,

91 Cf. ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa, p. 9-10 e BERNARDI,

Ricardo. Da realização do ativo. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 484, grifo nosso.

92 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa, v. 3, p. 550. 93 “O processamento do devedor, portanto, desloca-se do juízo universal da falência e da recuperação judicial e

extrajudicial (homologação) para o juiz criminal” (ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa, p. 374).

47

ordenados de forma bastante simples e eficiente.94 A realização do ativo foi deslocada para o

início do processo, de acordo com o art. 139 da LRE - “Logo após a arrecadação dos bens,

[...] será iniciada a realização do ativo”. Assim, a LRE elimina custos de transação com a

guarda e conservação do ativo, aumentando as chances de alienação da empresa em

funcionamento e maximizando seus ativos intangíveis.95

Nesse mesmo sentido, a lei prevê que o produto da realização do ativo deve ser

“imediatamente” depositado em conta remunerada em uma instituição financeira, evitando a

sua desvalorização monetária e até provocando o seu rendimento.

Na sequência, o art. 140 da LRE estabelece uma ordem de preferência para a

alienação do ativo, eliminando a discricionariedade do administrador judicial na escolha da

modalidade e da forma de venda. Cumpre lembrar que o art. 21 da LRE determina que o

administrador judicial seja, preferencialmente, um advogado. É óbvio que o advogado não

tem aptidões comerciais para definir se a venda dos bens em bloco é mais vantajosa do que a

venda individual. Desta forma, a LRE elimina a possibilidade de que a atuação do

administrador judicial seja discricionária e represente uma externalidade negativa. Por certo,

também elimina a necessidade de deliberação da modalidade de alienação em assembléia de

credores, reduzindo os custos de transação inerentes à sua convocação, instalação e

deliberação.

A ordem de preferência disposta no art. 140 segue a orientação do princípio da

preservação da empresa enunciado no art. 75 da LRE, pois, prevê primeiro a alienação da

empresa, pela venda de seus estabelecimentos em bloco. Não sendo possível a venda em

bloco dos estabelecimentos, a lei prevê a alienação da empresa, pela venda de suas filiais ou

unidades produtivas isoladamente consideradas. As duas hipóteses consideram a empresa no

94 “Vale, ainda, acrescentar que a realização do ativo não está vinculada necessariamente a que esteja

aperfeiçoado o quadro geral de credores, posto que nada obsta seja vendido o ativo, aplicando-se o produto em instituição financeira, até que se perfaça a constituição do quadro de credores” (FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 352).

95 “Esse dispositivo permite o início dos procedimentos relativos à realização do ativo lodo após a arrecadação dos bens, independentemente do andamento do procedimento de verificação de créditos. A título de comparação, vale mencionar que a lei revogada apenas permitia a realização do ativo depois de concluída a etapa cognitiva, e portanto, após o término do procedimento de verificação de créditos e do inquérito judicial, quando se verificava o momento processual oportuno para o pedido de concordata suspensiva. Todos esses procedimentos, que necessariamente antecediam a realização do ativo, demandavam muito tempo e isso fazia com que a realização do ativo fosse diferida no tempo por vários anos após a declaração da falência do devedor. [...]

Esse sistema, além de dificultar a administração da massa, causava prejuízos a todos os interessados em razão da evidente desvalorização causada ao ativo arrecadado, que permanecia inutilizado durante todo esse período” (BERNARDI, Ricardo. Da realização do ativo, p. 485).

48

aspecto dinâmico, como um feixe de contratos, que alcança um valor maior se estiver em

pleno funcionamento.96

Segundo a doutrina:

A disposição do caput do art. 140 da lei é central na questão relativa à eficiência porque se relaciona, diretamente, com o montante de recursos que podem ser obtidos na alienação dos ativos. Preferir a venda da empresa, isto é, todos os estabelecimentos, entenda-se, representa dar prioridade à sua preservação como unidade de produção, diferente do que ocorre na venda de estabelecimentos ou ativos isolados. Quem adquire o todo, como se explicou antes, considera que é mais valioso receber a organização.97

Somente quando frustradas as tentativas de alienação da empresa é que será lícito ao

administrador realizar: primeiro a alienação em bloco dos bens que integram cada um dos

estabelecimentos; em última hipótese, dos bens individualmente considerados.

É claro que o estabelecimento empresarial alcança um valor maior de alienação se

estiver em pleno funcionamento, porque carrega consigo os ativos intangíveis não

contabilizáveis, que só existem enquanto a empresa está em atividade, dos quais são exemplos

o ponto comercial, a marca, a clientela, a rede de fornecedores, o know how e o aviamento.

Neste particular, é importante observar a possibilidade da continuação provisória das

atividades do falido pelo administrador judicial, expressamente prevista no art. 99, inc. XI, da

LRE, como mais um mecanismo para maximizar (otimizar) o valor dos ativos do falido.98

A fim de remover a assimetria de informações e criar incentivos à aquisição da

empresa, a LRE prevê que a alienação da empresa poderá compreender a transferência de

contratos específicos de exploração, e não acarretará a sucessão empresarial, trabalhista ou

tributária. Neste ponto, importa considerar que a vedação à sucessão não retira garantia

alguma dos credores na falência, uma vez que o estado é de insolvência, ou seja, o patrimônio

líquido é presumidamente negativo, porque o passivo supera o ativo. Em verdade, a vedação à 96 “A lei estabelece como forma preferencial para realização do ativo a venda em bloco de todos os

estabelecimentos (arts. 1.142 a 1.149 do Código Civil), objetivando garantir maior valor de venda e também propiciar condições de eventual continuação do negócio pelo adquirente, preservando-se, assim, o valor social da atividade” (BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência: comentada. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 289).

97 TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique (Coord.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 375-376.

98 “Nesse ponto se justifica, fundamentalmente, a continuação provisória das atividades do devedor, evitando a estagnação da atividade econômica. Acredita-se que a venda, nessas condições, alcançará valores mais elevados, revertendo maiores recursos para a massa” (CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência empresarial, p. 427).

49

sucessão maximiza o valor da empresa, aumentando as chances dos credores de receber, pois,

todos se subrogam no produto da realização do ativo, na forma do art. 141, inc. I, da LRE.

Ricardo Bernardi cita novamente um importante trecho do já mencionado relatório

da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, nos seguintes termos:

Ao estabelecer a oferta para a compra da empresa, os interessados evidentemente levam em consideração todos os fatores que possam diminuir o valor do negócio. Se a empresa oferecida leva consigo a carga das obrigações tributárias anteriores à venda, não pode haver dúvidas de que o mercado não negligenciará essa informação e o valor oferecido naturalmente sofrerá a redução correspondente às obrigações transferidas ao arrematante. No entanto, como essas obrigações estão cercadas de incertezas quanto ao seu valor, é bastante comum que a estimativa dessa dívida potencial seja superestimada. Com isso os valores de venda podem ser sistematicamente rebaixados. Como é a venda dos ativos, em conjunto ou em separado, que garante os créditos trabalhistas e tributários, é do interesse do fisco e dos trabalhadores que o valor da venda seja maximizado. Assim, embora pareça contraditório à instituição, a sucessão não traz vantagens aos cofres públicos ou aos trabalhadores. 99

A doutrina já é uníssona em não admitir nenhuma sucessão, de qualquer natureza, na

alienação da empresa em processo de falência, seja por dívida empresarial, trabalhista ou

tributária, valendo citar, para ilustração, as seguintes lições:

Consigne-se que o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus. Por outro lado, o arrematante dos bens não é sucessor nas obrigações do devedor, mesmo as de natureza tributária, trabalhista e acidentária. A razão de ser dessa regra no art. 141, inciso II, é facilitar a alienação de ativos de empresários ou sociedades empresárias falidos, na medida em que a sucessão desestimula a arrematação.100

No tocante às obrigações trabalhistas a lei insiste redundantemente em que a admissão de antigos empregados realiza-se mediante novos contratos, não respondendo o arrematante por obrigações decorrentes do contrato anterior (art. 141, III). O Código Tributário Nacional, em expressão harmônica com esse dispositivo, recepcionou nova redação ao art. 133, fazendo constar a inaplicabilidade dos efeitos da sucessão por aquisição de fundo de comércio ou estabelecimento empresarial na hipótese de a alienação judicial ocorrer em processo de falência (art. 133, I).101

Como o interesse dos credores é receber os créditos habilitados, devem lutar pela

maximização dos ativos do falido, o que passa, inexoravelmente, pela eliminação dos custos

de transação, principalmente aqueles criados com a aplicação do instituto da sucessão.

99 BERNARDI, Ricardo. Da realização do ativo, p. 492. 100 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 354. 101 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa, v. 3, p. 550-551.

50

Por outro lado, considerando a experiência acumulada no regime anterior, a LRE

permite que a alienação se dê por valor inferior ao da avaliação dos ativos. E aqui se aplica

perfeitamente a vedação da arrematação por preço vil, prevista no art. 692 do CPC, aplicável

por força do art. 189 da LRE. Assim, o juiz e o administrador judicial não ficam atrelados ao

valor de avaliação dos ativos. Devem procurar a melhor proposta, observada a vedação de

alienação por valor insignificante, conforme o entendimento jurisprudencial a esse respeito.

Para rematar, a LRE procura eliminar outros custos de transação inerentes à

transferência dos ativos a terceiros adquirentes, dispensando o título aquisitivo para os bens

sujeitos ao registro público (art. 140, § 4º) bem como a apresentação de certidões negativas

pela massa falida (art. 146).

Nesta perspectiva, a falência deve ser tratada como mais um mecanismo de

preservação da empresa, o que só é possível por meio da correta interpretação da seção

destinada à realização do ativo.

51

4 A FALÊNCIA COMO PROCESSO DE EXECUÇÃO

4.1 O conceito de falência e sua natureza complexa

Conceituar a falência não é tarefa fácil. Antes, é preciso definir o fato jurídico sobre

o qual incide o instituto. Trata-se de fato econômico102 de grande relevância jurídica: a crise

empresarial.

A crise empresarial pode ser classificada como crise econômica, financeira ou

patrimonial103. Crise econômica é retração dos negócios ou queda no faturamento. Essa crise

pode ocorrer, por exemplo, em função da concorrência ou de alterações no mercado

consumidor, quando o produto ou serviço fornecido perde utilidade, é ultrapassado ou se torna

obsoleto. Crise financeira é indisponibilidade de caixa, falta de capital de giro para honrar

todas as obrigações nas datas estipuladas, que gera atrasos nos pagamentos, razão pela qual é

comumente chamada de impontualidade. Crise patrimonial é a insolvência do devedor, ocorre

quando o seu patrimônio líquido se torna negativo, ou seja, quando o passivo supera o ativo.

A recuperação judicial adota a crise econômico-financeira como seu suporte fático,

na forma expressa no art. 47 da LRE. Por isso a doutrina advoga que a empresa deve ser

viável para a recuperação, isto é, pode estar em crise econômica e/ou financeira, mas, não

pode estar em crise patrimonial104. A falência adota a crise patrimonial como seu suporte

fático. Porém, não exige do credor a prova do patrimônio líquido negativo do devedor. A LRE 102 “A falência é por isso um estado de desequilíbrio entre os valores realizáveis e as prestações exigidas. Por

isso disse, com razão, SHEGGI que antes de ser um fato jurídico, é a falência um fato econômico” (LACERDA, José Cândido Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 13). José Xavier Carvalho de Mendonça inicia o livro da falência lecionando que “Apreciada sob o ponto de vista rigorosamente econômico, a falência é o efeito da função anormal do crédito” (MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro, v. VII, p. 8).

103 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 3, p. 211-212. No mesmo sentido leciona BERTOLDI, Marcelo Marco; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial, p. 531.

104 Cf. SZTAJN, Rachel. Disposições gerais. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 219-220. Veja também a seguinte lição: “Importante ressaltar que a recuperação de empresas não é um instituto destinado a todos os empresários em crise econômico-financeira. É uma solução legal aplicável apenas àqueles cujas empresas se mostrem temporariamente em dificuldades e, além disso, que se revelem economicamente viáveis” (PIMENTA, Eduardo Goulart. Recuperação de empresas: um estudo sistematizado da nova lei de falências, p. 68).

52

adota o mesmo sistema de presunções já previsto no antigo Decreto-Lei no 7.661/1945 (arts.

1º e 2º, hoje englobados pelo art. 94). O sistema é composto por dois critérios: o da

impontualidade (art. 94, I e II) e o da prática de atos ruinosos ou de falência (art. 94, III).

Noutro passo, é importante definir o destinatário da LRE, para completar a noção do

instituto, pela delimitação do seu âmbito de incidência. A epígrafe da LRE já anuncia que ela

“Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade

empresária”. O art. 1º já define o destinatário da LRE: o empresário e a sociedade empresária.

A recuperação aplica-se apenas ao empresário e à sociedade empresária regulares. A falência

aplica-se a qualquer empresário ou sociedade empresária, estejam regulares ou irregulares.

Na forma do art. 1º da LRE, foram afastados o não empresário e a sociedade não

empresária (simples).105 Na forma do art. 2º da LRE, também foram afastadas a empresa

pública e a sociedade de economia mista, a instituição financeira pública ou privada,

cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade

operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e

outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.106

Por fim, é preciso identificar o objetivo da falência, já sustentado nesta dissertação.

Com efeito, a LRE visa - objetiva - a preservação da empresa (art. 75).

105 O Projeto originário da LRE, de no

4.376/93, oriundo da Câmara dos Deputados, estendia a incidência da

recuperação e da falência à sociedade simples. A epígrafe do projeto anunciava que esta lei “Regula a

recuperação judicial, a extrajudicial e a falência de devedores pessoas físicas e jurídicas que exerçam atividade

econômica regida pelas leis comerciais, e dá outras providências”. O art. 1º do Projeto dispunha: “Art. 1.º. Esta

Lei institui e regula a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência da sociedade empresária, da

sociedade simples e do empresário que exerça profissionalmente atividade econômica organizada para a

produção ou a circulação de bens ou de serviços, que doravante serão denominados simplesmente devedor”. Vê-se que o Projeto originário filiava o Brasil ao sistema ampliativo já exposto nesta dissertação. Porém, aquele

Projeto recebeu 180 (cento e oitenta) emendas no Senado Federal, a primeira delas ao art. 1º, que levou a redação

atual da LRE, que manteve o Brasil filiado ao sistema restritivo da falência. 106 A exclusão da empresa pública e da sociedade de economia mista decorre do fato de ambas terem seu capital

social subscrito pelo Poder Público, seja integral ou majoritariamente. Assim, a responsabilidade subsidiária e a

presunção de solvência do Estado afastam a hipótese de crise econômico-financeira ou patrimonial das empresas

estatais, por isso a falência a elas não se aplica. Na ocorrência de prejuízo continuado, podem ser liquidadas ou

incorporadas a outra entidade, por ato do Poder Executivo, conforme o art. 178 do Decreto-lei no 200/67. A

instituição financeira tem sua insolvência regulada pela Lei no 6.024/74. Pode sim sofrer falência, mas, na forma

do art. 21, alínea ‘b’. A cooperativa de crédito é afastada da falência pelo art. 4º da Lei no 5.764/71. O consórcio é

afastado da falência pelo art. 39 da Lei no 11.795/08, que manda aplicar a Lei no

6.024/74, portanto, também pode

sofrer falência, mas, na forma do seu art. 21, alínea ‘b’. A entidade de previdência complementar é afastada da

falência pelo art. 47 da Lei Complementar no 109/01. A sociedade operadora de plano de assistência à saúde é

afastada da falência pelo art. 23 da Lei no 9.656/98. A sociedade seguradora tem sua insolvência regulada pelo art.

26 do Decreto-lei no 73/66, e também pode vir à falência, da mesma forma que a instituição financeira e o

consórcio, ou seja, se após o procedimento de liquidação extrajudicial, o ativo não for suficiente para o

pagamento de pelo menos metade dos credores quirografários. A sociedade de capitalização tem a insolvência

regulada também pela Lei no 6.024/74, valendo para ela as mesmas considerações formuladas para a instituição

financeira, para o consórcio e para a sociedade seguradora.

53

Após estas considerações, é possível formular um conceito de falência:

A falência é o instituto jurídico complexo, formado por normas materiais e

processuais, aplicável à situação de insolvência (crise patrimonial) do devedor, empresário ou

sociedade empresária, visando à preservação da empresa.

De acordo com esse conceito, a falência pode ser focalizada sob dois aspectos

jurídicos. No aspecto material, a falência é um estado de direito. No aspecto processual, a

falência é um processo de execução coletiva e extraordinária. A idéia da prevalência do

aspecto processual da falência é primordial para o desenvolvimento desta dissertação.

4.2 A falência como execução coletiva e extraordinária

A noção de que a falência é um processo de execução pressupõe a distinção entre

execução singular (ordinária) e execução coletiva (extraordinária). Execução singular é aquela

promovida individualmente pelo credor contra o devedor solvente. Execução coletiva é aquela

promovida coletivamente, por todos os credores contra um devedor comum e insolvente.

Na execução singular (ordinária) “O credor singular faz, então, valer seu direito de

crédito, através de ação judicial, sobre determinado bem ou bens do patrimônio do

devedor”107. O princípio aplicável na execução singular é o prior in tempore, portior in iure,

já que, como o devedor é solvente, o primeiro no tempo torna-se o melhor no direito. O credor

que primeiro executa e penhora um bem no patrimônio do devedor, tem preferência sobre os

demais, na forma do art. 711 do Código de Processo Civil:

Art. 711. Concorrendo vários credores, o dinheiro ser-lhes-á distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas prelações; não havendo título legal à preferência, receberá em primeiro lugar o credor que promoveu a execução, cabendo aos demais concorrentes direito sobre a importância restante, observada a anterioridade de cada penhora.

Diante da insolvência (crise patrimonial) do devedor comum, o princípio prior in

tempore, portior in iure pode levar à situação de pagamento integral do primeiro credor e

inadimplemento total dos demais, situação que não atende ao fim social do direito e não

107 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 1.

54

promove o bem comum108. Por isso, criou-se uma execução coletiva, apta a promover certa

igualdade entre os credores, pelo princípio denominado par conditio creditorum. “O direito

exige, então, que todos os credores sejam tratados nas mesmas condições de igualdade, tendo

em vista a categoria de seus créditos, princípio que se traduz na antiga fórmula romana par

condicio creditorum”109.

José Xavier Carvalho de Mendonça elucida bem esta explicação:

Em verdade, a falência é uma execução extraordinária ou coletiva. Na execução ordinária, singular ou exclusiva, um ou mais bens determinados, móveis ou imóveis, parte do ativo do devedor, são penhorados em proveito de um ou outro credor, que age individualmente. Na falência, arrecada-se o patrimônio disponível do devedor, garantia comum dos credores, e congregam-se todos êstes, para a defesa coletiva dos seus direitos e interêsses.110

A execução coletiva é o único meio eficiente de organização dos credores contra o

devedor comum insolvente, não só porque promove a justiça social, na medida em que busca

realizar os pagamentos através de rateio entre todos os credores, pautado no princípio da par

conditio creditorum, observando a ordem legal de preferências, sobretudo, porque possibilita

a preservação da empresa, pela realização do ativo na forma já defendida nesta dissertação111.

Se o ativo de um patrimônio excede o passivo, o legislador pode deixar que todos os credores exerçam separadamente o próprio direito, ensina VIVANTE. Mas quando aquele patrimônio não basta para todos, a liberdade da execução individual constitui prêmio aos credores mais rápidos, mais próximos, menos escrupulosos, em prejuízo dos mais benévolos, dos mais longínquos, que agem depois que o patrimônio do devedor está esgotado. Um dever de justiça social impõe ao legislador a obrigação de constituir uma massa de todos os bens do devedor para reparti-los entre todos os credores e na mesma medida.112

108 A Lei de Introdução ao Código Civil dispõe que: “Art. 5o. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais

a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. 109 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 2, grifo nosso. 110 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro:

Freitas Bastos, 1960. v. V, p. 19. O insigne autor volta a conceituá-la no mesmo sentido, mais adiante: “A falência é uma execução coletiva (n. 12, supra); ela tem por fim assegurar aos credores a realização dos seus direitos sobre o patrimônio do devedor” (MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro, v. V, p. 362).

111 “Quando uma empresa está em comprovada dificuldade financeira, a ponto de inviabilizar-se a sua manutenção, o Estado chama para si a condução do processo, com a finalidade de minimizar os efeitos nefastos do encerramento da atividade empresarial e o não pagamento das obrigações inadimplidas pela empresa” (BERTOLDI, Marcelo Marco; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial, p. 530-531, grifo nosso).

112 LACERDA, José Cândido Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 21, grifo nosso.

55

Aqui cumpre lembrar que a justiça social, ao lado da livre iniciativa, constitui um dos

pilares fundamentais da ordem econômica brasileira, na forma do art. 170 da Constituição da

República de 1988.

Por essas razões, prevalece na doutrina a conceituação da falência como processo de

execução coletiva ou extraordinária, valendo citar, para esta conclusão, as seguintes lições:

Sob o ponto de vista formal, é a fallencia uma variante do processo de execuções. Execução collectiva, abrangendo todos os bens do devedor, que já constituíam a garantia eventual dos credores, e attraindo para o juízo da fallencia a totalidade dos credores, salvo pouquíssimas excepções.113

Assim, a falência se caracteriza como um processo de execução coletiva, decretado judicialmente, dos bens do devedor comerciante ao qual concorrem todos os credores para o fim de arrecadar o patrimônio disponível, verificar os créditos, liquidar o ativo, saldar o passivo, em rateio, observadas as preferências legais.114

Na Alemanha, França, Suíça, Inglaterra e Estados Unidos, a falência é tratada como

execução coletiva115. Na Itália, a falência consta de um capítulo do Código de Processo.

Neste passo, é forçoso compreender que a organização do concurso de credores da

falência foi idealizada para a defesa coletiva dos credores, em benefício de todos eles116.

Todos os princípios e regras aplicáveis ao processo de falência apontam para a realização

eficiente do ativo, organização e pagamento dos credores, conforme a ordem legal de

preferências117.

Um olhar global ou panorâmico revela que a LRE dispõe sobre a falência como um

processo. Nos arts. 1º e 2º, a LRE trata da legitimidade passiva para o processo de falência.

113 VALVERDE, Trajano de Miranda. A falência no direito brasileiro, v. I, p. 24. 114 LACERDA, José Cândido Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 14, grifo nosso. 115 “Na França, escritores modernos também o consagram (4). Na Suíça (5), na Inglaterra (6) e nos Estados

Unidos (7), é considerada a falência meio de execução” (MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro, v. V, p. 23).

116 Neste sentido, são as seguintes lições: “A falência vem a ser, portanto, como a define BONELLI, a organização legal e processual de defesa coletiva dos credores, em face da insolvência do comerciante” (LACERDA, José Cândido Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 13-14). “É a falência simplesmente um processo de execução coletiva instituído por força da lei em benefício dos credores” (LACERDA, José Cândido Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 15).

117 Neste sentido colhe-se a seguinte lição: “A falência, no seu aspecto predominante, é um processo de execução coletiva, em que todos os bens do falido são arrecadados para uma venda judicial forçada, com a distribuição proporcional do ativo entre os credores” (FUHRER, Maximilianus Américo Cláudio. Roteiro das falências e concordatas, p. 27).

56

No art. 3º, define a competência jurisdicional. No art. 5º, trata dos limites objetivos do

processo, das causas juridicamente impossíveis na falência. No art. 6º, define alguns efeitos

da sentença que decreta a falência do devedor. Do art. 7º ao 20, a LRE trata da verificação e

habilitação de créditos. Do art. 21 ao 34, disciplina a nomeação do administrador judicial pelo

juiz e a atuação daquele no processo principal e nos demais processos de interesse da massa

falida. Do art. 35 ao 46, disciplina a assembléia de credores, sua atuação no processo, por

convocação do juiz, e as deliberações admitidas.

Prosseguindo, no Capítulo V, que trata especificamente da falência, a LRE inicia

traçando o objetivo - preservar a empresa - e enunciando que o processo de falência atenderá

aos princípios da celeridade e da economia processual - leituras do princípio da

eficiência. Nos arts. 83 e 84, a LRE trata da classificação dos créditos na falência, da

ordem legal de preferências. A LRE segue traçando o procedimento judicial para a decretação

da falência (art. 94), elencando os diversos efeitos da sentença que decreta a falência (arts.

102, 108, 115, 129), disciplinando a realização judicial do ativo (arts. 139 a 148), o

pagamento dos credores (arts. 149 a 153), até o encerramento da falência por sentença judicial

(arts. 154 a 156) e a declaração da extinção das obrigações do falido, também por sentença

(arts. 159 e 160).

Nota-se que o instituto da falência é regulado pela LRE como um grande

processo, no qual incidem várias regras de direito material. Daí a prevalência do aspecto

processual, até porque não existe falência sem processo118, de modo que a incidência de

qualquer regra substancial prevista na LRE pressupõe um ato processual ou uma

decisão judicial.

Por fim, é importante alertar que a natureza das normas não vem identificada e

separada na LRE. Muito pelo contrário, as normas materiais e processuais encontram-se

disseminadas na lei, em estreito contato119. É tarefa do intérprete identificar e compreender o

sentido de todas essas normas.

118 Aqui pode ser adotada a noção clássica de Bülow, de processo como relação jurídica triangular, ou a noção

recente de Elio Fazzalari, de processo como procedimento realizado em contraditório, em busca de um provimento jurisprudencial. A opção não interfere no estudo da falência como instituto jurídico, nem na definição dos seus efeitos sobre os créditos tributários. Para aprofundamento dessas noções, remete-se o leitor à CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 23. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 298-303.

119 “Geralmente as leis de fallencia não traçam uma perfeita separação entre a parte material e a parte formal do instituto. As regras de fundo andam disseminadas no corpo da legislação” (VALVERDE, Trajano de Miranda. A falência no direito brasileiro, v. I, p. 23).

57

Para uma correta compreensão, são necessárias noções claras sobre os princípios da

unidade e da universalidade do juízo falimentar, bem como sobre o conceito, natureza jurídica

e formação da massa falida, como se passa a expor a seguir.

4.3 Unidade e universalidade do juízo falimentar

A aplicação do princípio par conditio creditorum pressupõe a existência de um único

processo de falência, no qual deve ser arrecadado todo o patrimônio do devedor e para o qual

devem afluir todos os credores. Esta exigência de ordem pragmática é revelada pelos

princípios da unidade e da universalidade do juízo falimentar. O princípio da unidade impõe

que haja um só juízo falimentar, indivisível e competente para conhecer e julgar todas as

ações sobre bens, interesses e negócios do falido. O princípio da universalidade impõe que os

interesses de todos os credores sejam organizados perante o mesmo juízo falimentar. Os

princípios são explicados com base na vis attractiva da falência, exposta pela doutrina nos

seguintes termos: “Tendo a falência por escopo a liquidação do patrimônio integral do

devedor e o pagamento de todos os credores, forçoso é que o juízo, onde ela se processa,

possua essa vis attractiva, tornando-se único e universal”120.

“Unidade, no sentido de que nele devem ser decididas todas as questões que

interessem à massa falida. Universalidade significa que todos os credores ficam sujeitos a vis

attractiva do juízo falimentar, a ele devendo acorrer”121.

José Xavier Carvalho de Mendonça utiliza uma metáfora perfeita e que dispensa

maiores explicações sobre a unidade e universalidade do juízo falimentar: “O juízo da falência

é um mar onde se precipitam todos os rios”122.

Os princípios da unidade e da universalidade do juízo falimentar são extremamente

caros à análise econômica do processo de falência. Se a falência puder ser decretada por mais

de um juízo, haverá mais de um processo de falência, com prejuízo para o concurso de

credores. Se o juízo falimentar não for universal, isto é, se não for competente para todas as

causas que envolvam os bens, interesses e negócios do falido, ou em outras palavras, se forem

120 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro, v. V, p. 259. 121 ABRÃO, Nelson. Curso de direito falimentar, p. 39. 122 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro, v. V, p. 259.

58

afastadas de sua competência causas relativas a bens, interesses e negócios do falido, também

haverá prejuízo para o concurso de credores. Nestes dois casos, é possível observar que o

processo de falência não contará com todos os credores do falido, nem compreenderá todo o

patrimônio deste último.

Por isso a falência deve congregar todos os credores e todo o patrimônio do devedor,

para reafirmar, verdadeiramente, o princípio geral de que o patrimônio do devedor é a

garantia comum dos credores123.

Com isso é possível afirmar que a eficiência do processo de falência é diretamente

proporcional à aplicação dos princípios da unidade e da universalidade do juízo falimentar,

previstos no art. 76 e 115 da LRE124.

Para tanto, foi criado o mecanismo da suspensão do curso da prescrição e de todas as

ações e execuções em face do falido, para que todos os bens e credores venham para o juízo

único e universal da falência. Na forma do art. 6º da LRE125, a decretação da falência suspende

o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do falido. Nas palavras de

Fábio Ulhoa Coelho:

Seria de fato despropositado que os credores pudessem continuar exercendo individualmente seu direito à cobrança judicial, concomitante à tramitação do concurso. Estariam, nesse caso, sendo desenvolvidas duas medidas judiciais de idênticas finalidades, a execução individual e a concursal. Por essa razão, suspendem-se as execuções em que seja executado o falido (aquelas em que ele é exeqüente prosseguem).126

A partir da suspensão, os credores têm duas opções muito claras: 1ª) habilitar seu

crédito na falência; ou 2ª) aguardar o encerramento da falência, para prosseguir na ação ou 123 Neste sentido: “Essas regras technicas ou constructivas são uma creação da lei positiva (12) e têm na norma

geral de que o patrimônio do devedor é a garantia commum dos credores o seu fundamento” (VALVERDE, Trajano de Miranda. A falência no direito brasileiro, v. I, p. 21) e “Tem-se a reafirmação do princípio basilar do direito obrigacional de que o patrimônio do devedor constitui-se na garantia geral dos credores, ressalvadas as preferências legítimas” (CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência empresarial, p. 7).

124 “Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo”. “Art. 115. A decretação da falência sujeita todos os credores, que somente poderão exercer os seus direitos sobre os bens do falido e do sócio ilimitadamente responsável na forma que esta Lei prescrever”.

125 “Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário”.

126 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 37.

59

execução contra o falido.

Num ambiente livre e bem informado, é claro que a opção dos credores será a de

participar do concurso. A decisão de não participar só poderá ocorrer num ambiente de

restrição da liberdade ou de assimetria de informações, como será exposto mais adiante.

Esta decisão será influenciada pela análise econômica, dos custos e benefícios da

habilitação no concurso da falência. Participar do concurso implicará na possibilidade de

receber o crédito a menor, mas, dentro do processo de falência. Não participar do concurso

implicará na possibilidade de receber o crédito total, mas, somente após o encerramento da

falência, executando o patrimônio remanescente ou futuro do falido127, isto porque o

patrimônio presente já terá sido arrecadado na falência, e cumpre lembrar que o objeto da

alienação estará livre de qualquer ônus, não ocorrendo sucessão empresarial, trabalhista ou

tributária, na forma do art. 141, inc. II, da LRE.

É preciso relembrar também que a situação é de insolvência (crise patrimonial) do

devedor. Logo, o patrimônio é presumidamente deficitário, ou seja, o ativo não suporta

integralmente o passivo. Por isso a única forma eficiente de realizar o concurso será através

da arrecadação de todos os bens para o seu rateio entre todos os credores. Não há outra forma

eficiente para a realização do concurso de credores, ou em outras palavras, não há outra forma

eficiente para que estes recebam os seus créditos.

Nas sábias lições de José Xavier Carvalho de Mendonça:

A razão de ser da falência consiste em substituírem-se as execuções exclusivas ou singulares por uma execução geral ou coletiva, onde se proceda a liquidação integral do ativo e passivo do devedor. O exercício da ação individual dos credores é manifestamente incompatível com a falência. Daí o aforismo: concursus sistit processus. O princípio fundamental da falência é, como temos dito, a igualdade entre os credores, a par conditio creditorum.128

No entanto, a aplicação dos princípios da unidade e da universalidade do juízo

127 De acordo com o “Art. 157. O prazo prescricional relativo às obrigações do falido recomeça a correr a partir

do dia em que transitar em julgado a sentença do encerramento da falência”. Assim entende Sérgio Campinho: “Restabelecendo-se a fluência do prazo de prescrição é possível ao credor, que não houver sido integralmente pago na falência, dirigir sua pretensão de recebimento do saldo devido, durante o prazo prescricional relativo a seu título, em face do falido, enquanto não extintas, na forma da lei, as suas obrigações. O sucesso, entretanto, ficará condicionado à aquisição de bens pelo devedor supervenientemente ao encerramento da falência” (CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência empresarial, p. 345).

128 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro, v. V, p. 378.

60

falimentar foi excepcionada nos arts. 6º, §§1º, 2º e 7º, e no art. 76, todos da LRE129.

A exceção prevista para a ação que demandar quantia ilíquida, para as causas

trabalhistas e para aquelas em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo, encontra

um só fundamento: o princípio da eficiência. A eficiência aqui pode ser traduzida para o

princípio da economia processual e respeito à justiça especial do trabalho.

A ação que demandar quantia ilíquida, proposta antes da decretação da falência, deve

prosseguir perante o juízo competente, como ação individual, até o julgamento e a liquidação

da sentença. As causas trabalhistas ajuizadas antes da decretação da falência também devem

prosseguir perante a justiça especializada do trabalho, até o julgamento e a liquidação da

sentença130. Nestes casos, a exceção ao juízo falimentar só vigora na fase de conhecimento,

pois, a fase de execução/cumprimento de sentença ocorrerá necessariamente no juízo

falimentar, único e universal.

As ações em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo devem prosseguir

perante os respectivos juízos em que foram propostas. O crédito recebido deve ser arrecadado

no processo de falência, para compor a massa ativa ou objetiva.

4.4 Massa falida: conceito, natureza jurídica e constituição

A decretação da falência promove o afastamento do devedor de suas atividades e

implica a perda da posse do seu patrimônio para a formação da massa falida. Antes da

129 “Art. 6º [...] § 1º Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida. § 2º É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos

derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8º desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.

§ 7º As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica”.

130 É interessante observar que a LRE criou um mecanismo pautado no princípio da eficiência para as causas trabalhistas. As causas ajuizadas antes da decretação da falência devem prosseguir perante a Justiça do Trabalho. Porém, a LRE permite ao empregado pleitear diretamente no processo de falência, perante o administrador judicial, por meio da habilitação ou da impugnação. Se não houver litígio quanto ao valor pleiteado, a falência segue o curso normal. Se houver litígio, a apuração do respectivo crédito fica relegada à Justiça do Trabalho. Esta ação é chamada pela doutrina de reclamatória trabalhista atípica. Cf. PENTEADO, Mauro Rodrigues. Disposições preliminares, p. 138-139.

61

falência, o patrimônio131 constitui o conjunto dos bens e direitos, das dívidas e obrigações do

empresário ou da sociedade empresária. Após a decretação da falência, o patrimônio do falido

passa a constituir um bem coletivo, uma universalidade de direito132. Essa universalidade de

direito é denominada de massa falida.

Segundo José Cândido Sampaio de Lacerda: “É a massa falida uma universalidade

de direito (universitas iuris), isto é, um complexo de coisas destinadas a um fim pela vontade

da lei”133.

No processo de falência, a massa falida é vista sob dois aspectos. A massa objetiva

ou ativa, que é o conjunto de bens e direitos do devedor, e a massa subjetiva ou passiva, que é

o conjunto de credores do devedor. Essa divisão não tem simples mérito didático, mas, é

imprescindível para a eficiência do processo de falência, na medida em que permite a

separação de dois procedimentos: primeiro o da arrecadação e realização do ativo; segundo o

da verificação e habilitação de créditos.

É tarefa árdua dispor e organizar, em uma ordem inteligível, os atos processuais da

falência. No caso específico da formação da massa falida, e para os fins desta dissertação, é

preciso compreender que a formação da massa objetiva precede a da massa subjetiva. Este é o

sentido da interpretação sistemática e teleológica dos arts. 108, 139 e 140, § 2o, da LRE, veja:

Art. 108. Ato contínuo à assinatura do termo de compromisso, o administrador judicial efetuará a arrecadação dos bens e documentos e a avaliação dos bens, separadamente ou em bloco, no local em que se encontrem, requerendo ao juiz, para esses fins, as medidas necessárias. Art. 139. Logo após a arrecadação dos bens, com a juntada do respectivo auto ao processo de falência, será iniciada a realização do ativo. Art. 140. A alienação dos bens será realizada de uma das seguintes formas, observada a seguinte ordem de preferência: [...] § 2º A realização do ativo terá início independentemente da formação do quadro-geral de credores. (Grifo nosso).

As expressões “ato contínuo” e “logo após” exprimem a idéia de imediatismo entre

os atos de nomeação do administrador, assinatura do termo de compromisso, arrecadação e 131 Para Caio Mário da Silva Pereira “[...] patrimônio seria o complexo das relações jurídicas de uma pessoa,

apreciáveis economicamente” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. I, p. 245). O autor ainda explica que “Noutros termos, o patrimônio se compõe de um lado positivo e de outro lado negativo” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. I, p. 246).

132 O Código Civil dispõe: “Art. 91. Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico”.

133 LACERDA, José Cândido Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 16.

62

realização do ativo. A leitura da LRE como sistema permite concluir que cada ato será

sucedido pelo outro, de forma imediata, visando a formação da massa objetiva

independentemente da formação da massa subjetiva.

Com efeito, esta é a única interpretação capaz de atender ao princípio da

maximização do valor dos ativos do falido e, nesta ótica, ao princípio da eficiência.134

Considerando a ineficiência do processo previsto no Decreto-Lei no 7.661/1945, fica

patente e inegável o avanço promovido pela LRE. No sistema anterior, a fase de sindicância

se destinava à formação das massas objetiva e subjetiva, concomitantemente. Além disso,

havia a previsão da instauração do inquérito judicial, para apuração de eventual crime

falimentar. Só após a conclusão da fase sindicância é que tinha início a fase de liquidação do

ativo. O resultado era a depreciação da massa objetiva, com prejuízo para todos os credores,

fato notório e de conhecimento comum.

Por estas razões, não há dúvida de que a formação da massa objetiva precede a

formação da massa subjetiva, numa interpretação sistemática e teleológica. Neste sentido:

Tão logo arrecadados, os bens devem ser vendidos. A experiência demonstrou que a demora na realização do ativo representa um desastre para a comunidade dos credores. É extremamente difícil e cara a adequada fiscalização e conservação dos bens da sociedade falida. Quando não são roubados, os bens se deterioram pela falta de manutenção. Além disso, a maioria dos bens móveis costuma sofrer acentuada desvalorização com o passar do tempo. (...) Por isso, a alienação dos ativos da sociedade falida deve iniciar-se independentemente da conclusão da verificação dos créditos e consolidação do quadro geral de credores.135

Após esta definição de ordem, é possível o estudo da formação da massa falida

objetiva e subjetiva.

A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações,

produzirá os seguintes efeitos, para a formação da massa falida objetiva (art. 99 da LRE):

VI - proibirá a prática de qualquer ato de disposição ou oneração de bens do falido, submetendo-os preliminarmente à autorização judicial e do Comitê, se houver, ressalvados os bens cuja venda faça parte das atividades normais do devedor se autorizada a continuação provisória nos termos do inciso XI do caput deste artigo;

134 Relembre-se do relatório da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, que enunciou os 12

princípios fundamentais da nova legislação falimentar, incluindo entre eles, o seguinte: “10. Maximização do valor dos ativos do falido: a lei deve estabelecer normas e mecanismos que assegurem a obtenção do máximo valor possível pelos ativos do falido, evitando a deterioração provocada pela demora excessiva do processo e priorizando a venda da empresa em bloco, para evitar a perda dos intangíveis. Desse modo, não só se protegem os interesses dos credores de sociedades e empresários insolventes, que têm por isso sua garantia aumentada, mas também diminui-se o risco das transações econômicas, o que gera eficiência e aumento da riqueza geral”. Estes princípios são citados por Amador Paes de Almeida (Curso de falência e recuperação de empresa, p. 9-10) e por (BERNARDI, Ricardo. Da realização do ativo, p. 484).

135 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 3, p. 345.

63

IX - nomeará o administrador judicial, que desempenhará suas funções na forma do inciso III do caput do art. 22 desta Lei sem prejuízo do disposto na alínea a do inciso II do caput do art. 35 desta Lei; X - determinará a expedição de ofícios aos órgãos e repartições públicas e outras entidades para que informem a existência de bens e direitos do falido; XI - pronunciar-se-á a respeito da continuação provisória das atividades do falido com o administrador judicial ou da lacração dos estabelecimentos, observado o disposto no art. 109 desta Lei; (Grifo nosso).

Decretada a falência, o falido perde a posse e a disposição de seus bens, é nomeado o

administrador judicial (art. 21 da LRE), e é pronunciada a continuação provisória da empresa

(aspecto dinâmico) ou determinada a lacração do estabelecimento empresarial, conforme haja

risco ou não para a arrecadação dos bens. Em seguida o administrador judicial é intimado para

assinar o termo de compromisso (art. 33 da LRE). Ato contínuo à assinatura do termo de

compromisso, o administrador judicial dá à arrecadação e avaliação dos bens (art. 108 da

LRE). Logo após a arrecadação e avaliação, tem início a realização do ativo (art. 139 da

LRE), na ordem de preferência legal já sustentada nesta dissertação (art. 140 da LRE).

A arrecadação se fará no local onde se encontrarem os bens e pelas medidas

necessárias. Para o presente trabalho, importa considerar que também serão arrecadados os

bens eventualmente penhorados em execuções individuais já ajuizadas, se ainda não foram

alienados. Se já foram alienados, é arrecado o produto da alienação, na forma determinada

pelo art. 108, §3º, da LRE:

Art. 108. [...] § 3º O produto dos bens penhorados ou por outra forma apreendidos entrará para a massa, cumprindo ao juiz deprecar, a requerimento do administrador judicial, às autoridades competentes, determinando sua entrega.

É importante observar que a determinação do art. 108, §3º, da LRE, se aplica

também às execuções fiscais, por força da Súmula nº 44 do extinto Tribunal Federal de

Recursos (TFR), que dispões o seguinte:

Ajuizada a execução fiscal anteriormente à falência, com penhora realizada antes desta, não ficam os bens penhorados sujeitos à arrecadação no juízo falimentar; proposta a execução fiscal contra a massa falida, a penhora far-se-á no rosto dos autos do processo da quebra, citando-se o síndico.

A interpretação e aplicação da Súmula nº 44 do extinto TFR é pacífica nos tribunais

pátrios. Se a execução fiscal é anterior à decretação da falência e já está garantida pela

penhora, o bem penhorado não é arrecadado pela massa falida e a execução fiscal prosseguirá

64

até a alienação dele, sendo que o produto desta alienação é que reverterá para a massa falida.

Se a execução fiscal é ajuizada contra a massa falida, portanto, posteriormente à decretação da

quebra, a Fazenda Pública deve promover a penhora no rosto dos autos do processo de

falência e aguardar o pagamento aos credores na ordem legal de preferência.

Este é o entendimento adotado pelo STJ no julgamento do EREsp no 444964/RS,

relatado pelo Ministro João Otávio de Noronha, ocorrido no dia 06/10/2003 e publicado no

dia 09/12/2003, assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. MASSA FALIDA. PREFERÊNCIA DO CRÉDITO TRABALHISTA. 1. O art. 186 do CTN, ao prescrever que o crédito tributário prefere a qualquer outro, ressalva a preferência do crédito trabalhista, situando-o em patamar superior ao crédito fiscal. 2. A preferência do crédito trabalhista há de subsistir quer a execução fiscal tenha sido aparelhada antes ou depois da decretação da falência. 3. Mesmo já aparelhada a execução fiscal com penhora, uma vez decretada a falência da empresa executada, sem embargo do prosseguimento da execução singular, o produto da alienação deve ser remetido ao juízo falimentar, para que ali seja entregue aos credores, observada a ordem de preferência legal. Precedente da Corte Especial (REsp n. 118.148/RS). 4. Embargos de divergência conhecidos e rejeitados.136

Este também é o entendimento da doutrina de Manoel Álvares, citado por Maria

Helena Rau de Souza abaixo transcrito:

Predomina o entendimento no sentido de que será ineficaz a arrecadação de bem já arrestado ou penhorado em execução fiscal, como não poderá ser efetivada constrição judicial, para garantia de dívida ativa, de bem já arrecadado no processo de falência. Assim, a teor do disposto na Súmula 44 do extinto Tribunal Federal de Recursos, se a execução fiscal e a penhora preexistem à falência, o bem não está sujeito à arrecadação; mas, se a execução fiscal for proposta contra a massa falida, a citação será na pessoa do síndico, com penhora no rosto dos autos do processo de quebra.137

Ocorre que esta interpretação da Súmula nº 44 do TFR não está de acordo com o

sistema falimentar da LRE, porque não aplica os princípios da preservação da empresa e da

eficiência, ou da maximização dos bens do falido. De acordo com as idéias já expostas nesta

dissertação, a LRE visa a preservação da empresa e a eficiência, por meio da realização do

136 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EREsp nº 444964/RS. Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 06/10/2003.

DJ, Brasília, 09 dez. 2003. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq =431988&sReg=200300121230&sData=20031209&formato=PDF>. Acesso em: 24 out. 2010.

137 SOUZA, Maria Helena Rau de. Garantias e privilégios do crédito tributário. In: FREITAS, Vladimir Passos de. Código tributário nacional comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 719.

65

ativo na ordem de preferência disposta no art. 140 da LRE.

Permitir o aparelhamento da execução fiscal pela penhora, até a alienação individual

do bem, é negar vigência aos arts. 75 e 140 da LRE. Por tal razão, defende-se que a Súmula

44 do TFR não foi recepcionada pelo sistema positivo da falência, não sendo lícita a penhora

em execução fiscal de bens individualmente considerados, ou mesmo a sua manutenção, após

a decretação da falência de devedor.

Portanto, a arrecadação deve compreender todo o patrimônio do falido, ainda que

algum bem esteja sob constrição judicial em execução singular de qualquer natureza,

inclusive fiscal.

A avaliação dos bens deve ser feita separadamente e em bloco, em razão da ordem

legal de preferência na alienação do ativo, disposta no art. 140 da LRE, e da necessidade de

limitação dos créditos com garantia real, ao valor do bem gravado. Desta forma, o art. 108

deve ser interpretado em consonância com os arts. 140 e 83, II, todos da LRE.

A realização do ativo já foi abordada nesta dissertação, valendo lembrar que o

procedimento previsto na LRE visa a preservação da empresa e a eficiência.

Pelo exposto, todos os atos de arrecadação e realização do ativo devem ser praticados

com preferência sobre os atos de verificação e habilitação dos créditos. Em suma, a formação

da massa objetiva deve preceder à formação da massa subjetiva.

Em tese, estas fases podem ocorrer concomitantemente, principalmente em função da

contagem dos prazos para habilitação e impugnação de créditos, que não aguardam a

conclusão dos atos de arrecadação e realização praticados pelo administrador. Porém, tanto o

administrador judicial quanto o juízo falimentar devem observar os princípios já expostos, eis

que, a prática simultânea dos atos de arrecadação e realização, verificação e formação do

quadro geral de credores, traria prejuízos para o processo, partindo da premissa básica de que

os recursos envolvidos são escassos (dinheiro e disponibilidade de tempo), e não de que está-

se diante do Juiz Hércules138.

Respeitada a precedência na formação da massa objetiva, a sentença que decretar a

falência do devedor, dentre outras determinações, produzirá os seguintes efeitos para a

formação da massa falida subjetiva (art. 99 da LRE):

138 A referência é feita ao Juiz Hércules de Dworkin: “um juiz imaginário, de capacidade e paciência sobre-

humanas, que aceita o direito como integridade” (DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 287).

66

III - ordenará ao falido que apresente, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, relação nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e classificação dos respectivos créditos, se esta já não se encontrar nos autos, sob pena de desobediência; IV - explicitará o prazo para as habilitações de crédito, observado o disposto no § 1º do art. 7º desta Lei; V - ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o falido, ressalvadas as hipóteses previstas nos §§ 1º e 2º do art. 6º desta Lei; VIII - ordenará ao Registro Público de Empresas que proceda à anotação da falência no registro do devedor, para que conste a expressão "Falido", a data da decretação da falência e a inabilitação de que trata o art. 102 desta Lei; XIII - ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento, para que tomem conhecimento da falência. Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo a íntegra da decisão que decreta a falência e a relação de credores. (Grifo nosso).

A relação nominal dos credores, apresentada pelo falido, comporá o edital

mencionado no art. 99, parágrafo único, da LRE. A partir da publicação deste edital, para

ciência erga ominis, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentarem suas

habilitações ou divergências, por meio de advogado. E para viabilizar os princípios da

unidade e da universalidade do juízo falimentar, a sentença ordenará a suspensão de todas as

ações e execuções contra o falido, exceto aquelas ressalvadas no art. 6º, §§ 1º e 2º, e no art. 76

da LRE, na forma exposta no capítulo anterior. Ordenará, ainda, a anotação da falência no

registro do devedor perante a Junta Comercial; intimará o Ministério Público e comunicará as

Fazendas Públicas Federal, Estadual e Municipal, onde o devedor tiver estabelecimento, para

ciência e participação no processo de falência.

A formação da massa subjetiva é concluída com a apresentação do Quadro Geral de

Credores (QGC). O QGC deve incluir todos os credores concorrentes, mencionando o valor e

a classificação de seus respectivos créditos, na forma do art. 84 da LRE.

67

5 A FAZENDA PÚBLICA E A FALÊNCIA

5.1 A universalidade constitucional do juízo falimentar

O objetivo central desta dissertação é demonstrar que as causas fiscais não

constituem exceção válida ao princípio da universalidade do juízo falimentar, de acordo com

o disposto no art. 109, I, da Constituição da República de 1988, in verbis:

Art. 109 - Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; (Grifo nosso).

A interpretação desse dispositivo deve partir de uma perspectiva histórico

comparativa, com breves incursões nos sistemas anteriores, que possam contribuir para a

definição do alcance da exceção das causas de falência do âmbito da Justiça Federal.

Antes da Constituição de 1934, a competência para as causas de falência não era

atribuída de forma exclusiva à justiça estadual. Tratando-se de pedido de falência formulado

pela Fazenda Nacional, admitido àquela época, a competência deslocava-se para a Justiça

Federal, foro privativo para conhecer e julgar os interesses da União. Neste sentido são as

lições de Trajano de Miranda Valverde:

Nenhuma dúvida hoje subsiste, depois da reforma constitucional, que supprimiu a segunda parte da letra d do art. 60 da Constituição Federal, quanto à competência das justiças dos Estados para processar as fallencias promovidas por pessoas domiciliadas em Estados differentes. Essa competência não é, porém, exclusiva. Em se tratando de fallencia requerida pela Fazenda Nacional, ou de fallencia de pessoas que exploram o commercio de navegação, ‘assim no oceano, como nos lagos e rios do paiz’, tem o Supremo Tribunal decidido ser a justiça federal a única competente para o processo.

68

Não há fugir, diante dos textos constitucionaes, a essa interpretação.139

Importante observar que, mesmo nas falências promovidas perante a justiça estadual,

admitia-se a reclamação administrativa apresentada pela Fazenda Nacional. Já nesse sistema,

a União comparecia perante o juízo falimentar estadual para reclamar seus créditos. Esta

reclamação divergia da habilitação, posto que eventual controvérsia submeteria a questão à

competência da Justiça Federal.

O autor apresenta, nesse sentido, a seguinte conclusão:

A’s justiças estaduaes falta-lhes competência para conhecer de qualquer relação jurídica que affecte os interesses da Fazenda Nacional. E porque assim realmente é, não está a Fazenda Nacional obrigada a declarar o seu credito nas fallencias processadas perante as justiças locaes - o que seria submetê-la ao processo contencioso da verificação de créditos -, mas tão somente a fazer uma simples reclamação administrativa, pedindo providencias para o pagamento do seu credito. Não sendo attendida, que deverá mesmo intentar no juízo seccional, antes de produzir reclamação.

A Constituição de 1934 foi a primeira a excepcionar os processos de falência da

competência da Justiça Federal, no art. 81, parágrafo único, nestes termos: 139 O accordam de 5 de Novembro de 1929, do Supremo Tribunal, da lavra do illsutrado Ministro Muniz

Barreto, mostra, de modo irrespondivel, a fraqueza desses argumentos. “ ‘Em nosso direito processual’, diz o julgado, ‘a palavra ‘causa’ tem um sentido amplo, compreensivo não

só das acções propriamente ditas, como de quaesquer processos ou feitos que não tenham a forma regular das acções’.

‘A causa de fallencia, continúa o aresto, ‘é uma execução geral sobre os bens do devedor fallido: um processo collectivo ou de concurso de credôres, cujos direitos são acautelados, e satisfeitos com relativa igualdade pelo producto dos bens postos em custodia para esse fim’.

‘Nessa ‘causa’, o juiz entra logo no exame do credito do promovente, que fulminará de ‘falso’, ou de ‘nullo de pleno direito’, ou de ‘prescripto’, se o devedor der a esse respeito a necessária prova. Mais tarde, na verificação dos créditos, o credor póde ser excluído ou classificado em classe differente, á vista do parecer dos syndicos e das impugnações apresentadas [...]’

‘Em todas essas disputas’, precisa o accordam, ‘promovente, ou simples credora, a União Federal terá o seu credito julgado por uma justiça differente daquela que a Constituição da Republica lhe assegura sempre’.

Entretanto, notemos que a disposição do art. 7 da lei actual de fallencias, cuja modificação, aliás, outros motivos determinaram, em nada collide com a Constituição Federal, e não é o caso, pois, de, verificada a hypothese em apreço, considerá-la como não escripta - ‘para assim manter o império da lei fundamental, lei das leis, que a todas sobrepuja’.

Atribue, com effeito, o citado artigo 7º ‘ao juz em cuja jurisdição o devedor tem o seu principal estabelecimento, ou casa filial de outra situada fora do Brasil’, compentencia para lhe decretar a fallencia.

Ora, se a justiça federal se estende por todo o território nacional, e é até vedado ao Congresso commetter qualquer jurisdição federal ás justiças dos Estados, perante o juiz federal, em cuja jurisdição tiver o devedor o seu domicilio legal, será declarada a sua fallencia, se promovida pela União.

Affirmava Pedro Lessa, e reaffirma o julgado que ‘não há conveniência de ordem processual, nem commodidade de ordem pratica, em a execução de lei ordinária, reguladora de determinado instituto jurídico, capaz de deslembrar a preeminência da Constituição da Republica’ ” (VALVERDE, Trajano de Miranda. A falência no direito brasileiro, v. I, p. 76-78).

69

Art. 81 - Aos Juízes federais compete processar e julgar, em primeira instância: a) as causas em que a União for interessada como autora ou ré, assistente ou oponente; Parágrafo único: O disposto no presente artigo, letra a, não exclui a competência da justiça local nos processos de falência e outros em que a Fazenda Nacional, embora interessada, não intervenha como autora, ré, assistente ou opoente. (Grifo nosso).

Comentando o art. 81, parágrafo único, da Constituição de 1934, Araújo Castro

expõe a evolução do pensamento sobre a universalidade do juízo falimentar. Segundo o autor,

antes da Constituição de 1934, a União não era obrigada a concorrer com outros credores na

falência, por ter seu foro privativo na Justiça Federal. Após a Constituição de 1934, em

virtude da exceção expressa feita no parágrafo único do art. 81, ficou evidente a competência

da Justiça Estadual para os processos de falência, mesmo se houver interesse da União, que

não fica impedida de demandar perante a Justiça Federal, desde que haja controvérsia. Essa é

a principal idéia que emerge dos seguintes trechos da obra em comento:

No que diz respeito às causas sobre fallencia, a Corte Suprema decidiu em vários acórdãos, que essas causas pertenciam à jurisdição da justiça dos Estados, ainda que nellas fosse interessada a União. De certo tempo a esta parte, a Corte Suprema vem sustentando doutrina contraria, isto é, que a ‘União tem na justiça federal o seu juiz constitucional, não estando obrigada a concorrer com os outros credores que se apresentem na execução collectiva contra o devedor’. No acórdão n. 5.082, de 25 de julho de 1930, se declara o seguinte: ‘A sentença agravada consagra a doutrina pacificamente acceita por este tribunal, quanto a não ser aplicável o princípio da universalidade da fallencia às dívidas activas da Fazenda Nacional, que somente pode demandar ou ser demandada no juízo privativo, instituído pela Constituição da República’. A actual Constituição declara no parágrafo único do art. 81: ‘O disposto no presente artigo, letra a, não exclui a competência da justiça local nos processos de falencia e outros em que a Fazenda Nacional, embora interessada, não intervenha como autora, ré, assistente ou opoente’. Em virtude deste dispositivo, afigura-se evidente que o simples fato de ser a União credora não justifica, por si só, a deslocação da competência para a justiça federal, não estando, entretanto, a União impedida de promover perante esta a cobrança de sua dívida, não obstante a abertura da falência na justiça local, desde que haja qualquer controvérsia sobre os interesses da Fazenda Nacional.140

Sobre o mesmo dispositivo da Constituição de 1934, Francisco Cavalcanti Pontes de

Miranda comenta que o fato de ser a União credora do falido, não desloca a competência do

juízo falimentar para a Justiça Federal. Em seus comentários fica muito clara a idéia de que a

140 CASTRO, Araújo. A nova constituição brasileira. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1936. p.

285-286, grifo nosso).

70

União deve afluir ao processo de falência para receber seus créditos. Somente se houver

alguma impugnação é que a União poderá prosseguir na ação que tenha perante a Justiça

Federal. É o que se colhe nos seguintes trechos:

A respeito da falência já a jurisprudência assentara que o facto de ser a União credora do falido não determinava a competência da Justiça federal para o processo da falência, quer se tratasse de dívidas de direito público (impostos, multas, etc.), quer de direito privado (Supremo Tribunal Federal, 10 de abril de 1920). 2. Na própria falência, se lhe impugnam o crédito, prossegue a União na acção que tenha a-respeito dele na Justiça federal (Decreto n. 10.902, de 20 de maio de 1914, arts. 139, 140) ou a inicia. O Acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 25 de junho de 1928, aplicou os arts. 139 e 140 do Decreto n. 10.902. O Decreto n. 22.866, de 28 de junho de 1933, é explícito.141

Prosseguindo na perspectiva histórica, a Constituição de 1937 suprimiu a Justiça

Federal, nada dispondo a respeito da exceção aos processos de falência, por óbvio. A

Constituição de 1946 criou o Tribunal Federal de Recursos, porém, não tratou dos juízes

federais, nem de sua competência ou da exceção aos processos de falência.

A Lei no 5.010, de 30 de maio de 1966, reorganizou a Justiça Federal e tratou da sua

competência e da exceção das causas de falência, com uma nova redação:

Art. 10. Estão sujeitos à Jurisdição da Justiça Federal: I - as causas em que a União ou entidade autárquica federal fôr interessada como autora, ré, assistente ou opoente, exceto as de falência e de acidentes de trabalho; (Grifo nosso).

A Constituição de 1967 reintroduziu a Justiça Federal no sistema constitucional

positivo e reproduziu a exceção aos processos de falência, adotando a mesma redação da Lei

no 5.010, de 30 de maio de 1966, nos seguintes termos:

Art. 119 - Aos Juízes Federais compete processar e julgar, em primeira instância: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal for interessada na condição de autora, ré, assistente ou opoente, exceto, as de falência e as sujeitas à Justiça Eleitoral, à Militar ou a do Trabalho, conforme determinação legal; (Grifo nosso).

Comentando o art. 119, inc. I, da Constituição de 1967, Francisco Cavalcanti Pontes

de Miranda acrescenta argumentos importantes àquela posição já demonstrada nos

comentários à Constituição de 1934. Explicando que os processos de falência nem sempre 141 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à constituição da república dos Estados

Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1936. t. I, p. 727-728.

71

caracterizam as figuras do autor, do réu, do assistente ou do opoente, Francisco Cavalcanti

Pontes de Miranda conclui que a União, como mera interessada no recebimento de créditos

constituídos contra o falido, deverá afluir à falência, assim como sempre fez a Fazenda

Imperial nos tempos de monarquia. Uma vez contestado o pedido da Fazenda, ficava

autorizada a cobrança via execução perante o juízo privativo da Justiça Federal. O autor alerta

que, na prática, o Juízo da Fazenda nunca processou falência, confirmando a competência

exclusiva da Justiça Estadual e a universalidade do juízo falimentar, inclusive quanto aos

créditos da Fazenda Nacional. Neste sentido são os seguintes trechos de seus comentários, in

verbis:

O art. 119, I, cogita das ‘causas’, em que existem as figuras subjetivas do autor, do réu, do assistente, ou do opoente, para dizer que, assumindo a União, nelas, qualquer dessas figuras, a competência é inelidível. Processos há, como os processos de falência, em que tais figuras nem sempre se caracterizam, e deles cogitara a Constituição de 1934, art. 81, parágrafo único, para afirmar a competência da Justiça local, regra jurídica que não reapareceu na Constituição de 1937, mas volveu em 1946 e em 1967. A intervenção da União nos processos de falência toma caráter que não é superponível ao da assistência ou ao da oposição. Já no regime monárquico, embora a Fazenda imperial tivesse o seu Juízo privativo, os seus procuradores compareciam perante o Juízo do Comércio, para reclamação do pagamento que lhe fosse devido pelo falido. Se ocorria contestação do seu pedido, promovia-se a cobrança executiva no Juízo dos Feitos da Fazenda, furtando-se, assim, ao foro comercial. O Juízo dos Feitos da Fazenda nunca processou falência. A tradição republicana foi no mesmo sentido. Na antiga Corte Suprema, a 5 de junho de 1935 (Conflito de jurisdição n. 1.087), os dois critérios tiveram o ensejo de se enfrentar, e venceu o primeiro, declarando-se competente a Justiça local para quaisquer processos de falência. Somente dois Ministros pugnaram pelo segundo. Na Constituição de 1934, além de se ressalvarem os processos de falência, dizia-se (art. 81, parágrafo único): ‘[...] e outros (processos) em que a Fazenda Nacional, embora interessada, não intervenha como autora, ré, assistente e ou opoente’. Não era preciso dizê-lo. Nem é preciso dizer-se que o interesse da União nos concursos de credores não-falencial é insuficiente para se estabelecer foro privativo, originário ou recursal. ‘Falência’ está, no art. 119, I, 2ª parte, da Constituição de 1967, por ‘falência ou outro concurso de credores’.142

É importante observar que a própria Constituição de 1967 relativizou a competência

da Justiça Federal no mesmo art. 119, §3º, dispondo que a lei poderá permitir que a ação fiscal

seja proposta perante outro foro, o das justiças estaduais, vide:

Art. 119. [...] §3 º - A lei poderá permitir que a ação fiscal seja proposta noutro foro, e atribuir ao Ministério Público estadual a representação judicial da União.

142 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à constituição de 1967. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1967. v. IV, p. 195-196.

72

Assim dispondo, a Constituição de 1967 deu abertura para a lei ordinária, como é a

lei de falências, tratar da ação fiscal proposta diretamente perante o juízo falimentar estadual.

A Emenda Constitucional no 1, de 17 de outubro de 1969, manteve a competência da Justiça

Federal, com a exceção dos processos de falência, e ainda reproduziu, no art. 126, a

possibilidade de a lei ordinária permitir a ação fiscal perante as justiças estaduais, nos

seguintes termos:

Art. 126. A lei poderá permitir que a ação fiscal e outras sejam promovidas, nas comarcas do interior, onde tiver domicílio a outra parte, perante a Justiça do Estado ou do Território, e com recurso para o Tribunal Federal de Recursos, bem como atribuir ao Ministério Público local a representação judicial da União.

Neste ponto, vislumbra-se que a competência para conhecer e julgar as ações fiscais

não era exclusiva da Justiça Federal, havendo pontos de contato com as justiças estaduais no

sistema. Um desses pontos de contato era exatamente o juízo falimentar.

A exclusão da falência da competência da Justiça Federal também constou da

Súmula nº 244 do TFR, julgada em 22-09-1987 e publicada em 28-09-87, com a seguinte

redação:

Intervenção de Ente Federal em Concurso de Credores ou Preferência - Deslocamento da Competência A intervenção da União, suas Autarquias e Empresas Públicas em concurso de credores ou de preferência não desloca a competência para a Justiça Federal. (Grifo nosso).

A Constituição da República de 1988 reproduziu a competência da Justiça Federal,

com a exceção dos processos de falência, no art. 109, inc. I, com a mesma redação da

Constituição de 1967, anterior à Emenda Constitucional no 1, de 17 de outubro de 1969.

A doutrina contemporânea não enfrenta esse tema, apenas repete a letra do artigo

109, valendo citar, a título de exemplo, os seguintes comentaristas:

Compete aos Juízes Federais processar e julgar: as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;143

143 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros,

1999. p. 565.

73

Excepcionam-se da competência da Justiça Federal as causas falimentares, as causas de acidentes de trabalho e as causas sujeitas à Justiça do Trabalho e à Justiça Eleitoral.144

Theotonio Negrão faz um breve comentário à exceção das causas de falência na

Constituição da República de 1988, na sua 30ª edição, não repetido nas edições posteriores.145

Nesse breve comentário, o autor colaciona acórdão do STJ, prolatado no Conflito de

Competência no 1.440, assim ementado:

EMENTA: Competência - Empresa Pública Federal - Não se tratando de causa de falência, assim entendida aquela em que se pede a decretação da quebra ou é regulada na lei respectiva, a competência para as ações em que figure como autora, ré, assistente ou opoente a União, autarquia ou empresa pública federal é da Justiça Federal, ainda que movimentada contra massa falida. (STJ - 2ª Seção, CC 1.440-MS, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 10.4.91, v.u., DJU 6.5.91, p. 5.640). 146

A leitura isolada da ementa não demonstra de forma clara a interpretação dada pelo

STJ ao art. 109, I, da Constituição da República de 1988. Do relatório do acórdão, colhe-se

que a “CAIXA ECONÔMICA FEDERAL ajuizou ação, pleiteando a condenação de SANTA

CLARA - Imobiliária e Incorporadora Ltda. ao pagamento de indenização [...]”. Portanto,

tratava-se de ação de indenização, de natureza cognitiva e que demandava quantia ilíquida,

proposta pela CAIXA antes da decretação da falência da requerida. Decretada a falência, o

Juiz Federal declinou da competência para o Juízo falimentar, que suscitou a dúvida ao STJ,

em razão da presença de empresa pública federal como autora. O Relator, Ministro Eduardo

Ribeiro, entendeu que, por se tratar de ação em que empresa pública federal é autora, a

competência é da Justiça Federal. Nesse acórdão, dois argumentos utilizados pelo Relator

merecem destaque para a interpretação e aplicação do art. 109, inc. I, da Constituição da

República de 1988, abaixo transcritos:

Como tal se entendem aquelas em que se pleiteia a falência ou digam com a quebra, como ocorre com as ações reguladas na lei específica. [...] O mesmo sucede, aliás, com as reclamações trabalhistas, para que é competente a justiça especializada.

144 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São

Paulo: Saraiva, 1997. v. 4, t. III, p. 334. 145 NEGRÃO, Theotonio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 30. ed. São Paulo:

Saraiva, 1999. p. 61. 146 NEGRÃO, Theotonio. Código de processo civil e legislação processual em vigor, p. 61.

74

O primeiro argumento trata do conceito de “causas”, que abrange tanto o pedido de

falência, denominado fase pré-falimentar ou pré-falencial, quanto as causas que digam com a

quebra e sejam reguladas pela lei de falências, como a habilitação de crédito, o pedido de

restituição e a ação revocatória.

O segundo argumento considera que o tratamento das ações fiscais deve ser análogo

ao das reclamações trabalhistas, quanto à justiça especial ou foro privativo.

A interpretação dada pelo STJ ao art. 109, I, da Constituição da República de 1988,

condiz com a evolução histórica do princípio da universalidade do juízo falimentar, no sentido

de admitir que a Fazenda Pública reclame seus créditos diretamente no processo de falência,

relegando apenas a fase de conhecimento ao juízo privativo da Justiça Federal, a exemplo do

que ocorre com os créditos derivados da legislação do trabalho.

O mesmo raciocínio vale para as fazendas estaduais e municipais, cujo juízo privativo,

organizado pelas leis estaduais de organização judiciária, integra a justiça comum estadual.

Pelo exposto, conclui-se que o princípio da universalidade do juízo falimentar alçou

foros de princípio constitucional. De acordo com o método histórico, a interpretação

sistemática e teleológica do art. 109, inc. I, da Constituição da República de 1988, ficou

demonstrado que os processos ou causas de falência foram excluídos da competência da

Justiça Federal e, por conseqüência, do juízo fazendário. Assim sendo, remata-se que a

Fazenda Pública deve participar dos processos ou causas de falência perante o juízo

falimentar único e universal, desde a habilitação dos créditos tributários, passando pela sua

inclusão no quadro geral de credores, até a espera pelos pagamentos. A eventual impugnação

aos créditos tributários desloca apenas a fase de conhecimento para a Justiça Federal, ou foro

privativo da fazenda, a exemplo do que ocorre com os créditos trabalhistas e até mesmo com

os créditos tributários constituídos contra a massa falida, ou seja, após a decretação da

falência, classificados como extraconcursais. Contudo, a fase de execução é da competência

do juízo falimentar, único e universal.

5.2 A Fazenda Pública e a falência no Brasil - escorço histórico

O Código Comercial de 1850 não contemplou os créditos tributários na ordem de

classificação de créditos, enunciada nos arts. 873 a 879.

75

O Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, visando regular a competência da

Justiça Federal e o Processo de Execução Fiscal, tratou de um concurso de credores especial

para a Fazenda Pública Nacional. Em suma, o procedimento era instaurado por simples

petição do credor preferente, provando o título e as razões da preferência, no mesmo processo

da execução fiscal, perante o juízo seccional (federal).

Vale destacar os seguintes artigos do Decreto nº 848/1890, in verbis:

Art. 318. A preferencia deve ser disputada no mesmo processo da execução, e versará ou sobre o preço da arrematação, ou sobre os proprios bens, si não foram arrematados, não sendo licito disputal-a sinão depois do acto da arrematação. Art. 326. O concurso de preferencia com a Fazenda Nacional será promovido por meio de petição ao juiz, na qual o credor preferente legitime a sua qualidade, produzindo logo todos os titulos e razões. Art. 327. Autoada a petição, terá vista o procurador da Fazenda, e depois da sua resposta seguir-se-ha o julgamento. Art. 330. São titulos de preferencia contra a Fazenda Nacional, provando-se serem anteriores á divida fiscal: a) as hypothecas legaes ou convencionaes especialisadas e inscriptas na fórma da lei; b) o direito sobre o valor das bemfeitorias, quanto ao credor que emprestou dinheiro ou concorreu com os materiaes ou a mão de obra para a edificação, reparação ou reedificação do predio; bem como para se abrirem ou arrotearem terras incultas. Art. 331. A Fazenda Nacional no juízo fiscal não chama credores, nem se apresenta como articulante; só tem que disputar os artigos do preferente.

Com base no art. 330 do Decreto nº 848/1890, a Fazenda Pública Nacional era

preterida pelos créditos hipotecários (hoje incluídos na classe dos créditos com garantia real -

art. 83, II, da LRE) e pelos créditos por benfeitorias (hoje incluídos na classe dos créditos com

privilégio especial - art. 83, IV, da LRE), desde que regularmente registrados e anteriores à

constituição da dívida fiscal.

Logo em seguida, veio o Decreto nº 917, de 24 de outubro de 1890, o primeiro

diploma de falência a contemplar os créditos tributários, com a inclusão da Fazenda Pública

na classe dos credores separatistas (art. 69, ‘a’), nos seguintes termos:

Art. 69. São credores separatistas (ex jure crediti): a) a fazenda publica, para ser paga dos impostos sobre immoveis, pelo producto delles;

A ordem de classificação do referido decreto ficou enunciada nos arts. 67 a 71: em 1º

lugar os credores da massa (art. 67); em 2º os credores reivindicantes (art. 68); em 3º os

credores separatistas (art. 69); em último os credores da falência (art. 70).

Com isso, a fazenda pública passou a ocupar a 3º posição na ordem de classificação

76

de créditos enunciada pelo Decreto nº 917, de 24 de outubro de 1890. Pela interpretação

conjunta dos Decretos nº 848 e 917 de 1890, a fazenda pública ficava preterida pelos credores

da massa (hoje denominados extraconcursais - art. 84 da LRE), pelos credores reivindicantes

(hoje denominados restituições - art. 85 da LRE), e pelos credores hipotecários e por

benfeitorias, registrados antes da constituição da dívida fiscal.

Os credores separatistas, denominados ex jure crediti, eram pagos pela separação dos

bens ligados aos seus créditos, no caso da Fazenda Pública, pela separação dos imóveis que

geraram os impostos devidos pelo falido. Por isso, a Fazenda Pública não concorria sobre os

bens da falência, ainda que os bens separados não alcançassem o integral pagamento dos

créditos tributários, exceto se, pagos todos os credores da falência, fossem apuradas sobras,

hipótese remota, mas prevista no Decreto.

A leitura crítica desse sistema revela uma ineficiência gritante, na medida em que,

para receber seus créditos, a Fazenda Pública deveria atuar em dois processos, isto é, na

falência147 e no concurso especial formado no juízo seccional. Mais simples e menos custoso

seria formar um só concurso de credores, único e universal - a falência.

Como solução, veio a lume o Decreto nº 3.084, de 5 de Novembro de 1898,

promulgando a Consolidação das Leis referentes à Justiça Federal, dispondo que:

Art. 640. Só tem logar o concurso de preferencia: [...] b) quando o devedor não é commerciante; Art. 676. No caso de insolvabilidade do devedor commerciante, observar-se-hão as leis sobre a fallencia.

A própria Consolidação das Leis da Justiça Federal afastou o concurso de credores

do devedor comerciante da sua competência, mandando aplicar as leis sobre a falência148.

147 A Lei nº 221, de 20 de novembro de 1894, que regulou a procuradoria da fazenda, dispôs sobre a

competência do procurador, nos seguintes termos: “Art. 32. Perante as justiças locaes compete-lhes: [...] III. Officiar no juizo das fallencias, quando a Fazenda Nacional for nellas interessada como credora de dividas de impostos ou de letras e titulos mercantis”.

148 A Consolidação das Leis referentes à Justiça Federal, a que se refere o Decreto nº 3.084, de 5 de novembro de 1898, também manteve a mesma competência da procuradoria da Fazenda, nestes termos: “Art. 127. Perante as justiças locaes compete-lhes: [...] 3º, officiar no Juizo das fallencias, quando a Fazenda Nacional for nellas interessada, como credora de dividas de impostos ou de letras e titulos mercantis;” Posteriormente, o Decreto nº 9.957, de 21 de Dezembro de 1912, reproduziu essa disposição: “Art. 65. Compete aos mesmos perante a Justiça local: [...] § 4º Officiar nas fallencias ou liquidações forçadas, quando a Fazenda Nacional fôr nellas interessada como credora por qualquer titulo ou motivo”.

77

Doze anos mais tarde, a Lei nº 859, de 16 de agosto de 1902, reformou a falência e

ampliou a participação da Fazenda Pública, prevendo que todos os impostos devidos à

Fazenda Nacional, aos Estados e Municípios, seriam nela reclamados, in verbis:

Art. 77. São credores separatistas (ex jure credito): a) a Fazenda Pública, os Estados e os Municípios, pelos impostos devidos;

Desta forma, a Fazenda Pública, incluindo os Estados e Municípios, permaneceu na

classe dos credores separatistas (art. 77, ‘a’), por todos os impostos tipificados à época. A

ordem de classificação permaneceu idêntica: em 1º lugar os credores da massa (art. 75); em 2º

lugar os credores reivindicantes (art. 76); em 3º lugar os credores separatistas (art. 77); e em

4º e último lugar os credores da falência (art. 78).

Assim, a Fazenda Pública permaneceu com o 3º lugar na ordem de classificação de

créditos enunciada pela Lei nº 859, de 16 de agosto de 1902, ressalvados os títulos de

preferência previstos no art. 330 do Decreto nº 848/1890 (créditos hipotecários e créditos por

benfeitorias), ressalva esta reproduzida no art. 85 do Titulo 2º, Capitulo 2º, no IV, da Parte

Quinta da Consolidação das Leis da Justiça Federal149.

Com o fim de regulamentar a Lei nº 859/1902, foi editado o Decreto nº 4.855, de 2

de junho de 1903. Esta regulamentação rebaixou a Fazenda Pública para a classe dos credores

com privilégio geral, o 4º lugar na ordem de classificação enunciada pelo art. 289, e manteve

a preferência dos créditos hipotecários e por benfeitorias, in verbis:

Art. 289. Julgada definitivamente a classificação dos créditos (art. 276), os syndicos organisarão a folha dos dividendos, distribuindo os credores pelas classes seguintes: 1ª Credores da massa; 2ª Credores reivindicantes; 3ª Credores separatistas; 4ª Credores privilegiados; 5ª Credores hypothecarios; 6ª Credores simples ou chirographarios. Art. 303. Entre os credores com privilegio geral, incluem-se a Fazenda Nacional, os Estados e os Municipios pelas dividas de impostos (Lei n. 221 de 1894, art. 86); sendo, porem, titulos de preferencia, quando anteriores á divida fiscal (dec. n. 848 de 1890, art. 330; dec. n. 3084 de 1898, part. V, art. 85):

149 “Art. 85. São titulos de preferencia contra a Fazenda, provando-se serem anteriores á divida fiscal: a) as hypothecas legaes ou convencionaes especialisadas e inscriptas na fórma da lei; b) o direito sobre o valor das bemfeitorias, quanto ao credor que emprestou dinheiro ou concorreu com os

materiaes ou mão de obra para a edificação, reparação ou reedificação do predio, bem como para se abrirem ou arrotearem terras incultas”.

78

I, as hypothecas convencionaes ou legaes especialisadas e inscriptas na fórma da lei; II, o direito sobre o valor das bemfeitorias, quanto ao credor que emprestou dinheiro, ou concorreu com os materiaes ou a mão de obra para a edificação, reparação ou reedificação do predio, bem como para se abrirem ou arrotearem terras incultas.

Inovando o sistema positivo, a Lei nº 2.024, de 17 de dezembro de 1908, previu uma

nova ordem de classificação dos créditos na falência. No seu art. 85, alçou a Fazenda Pública

à classe dos credores com privilégio sobre todo o ativo do falido. Por outro lado, estendeu a

preferência dos créditos hipotecários e por benfeitorias para os créditos garantidos por

anticrese e por penhor agrícola, desde que anteriores à constituição da dívida fiscal, na forma

abaixo transcrita:

Art. 85. Na conformidade das decisões do juiz, os syndicos immediatamente organizarão o quadro geral dos credores admittidos á fallencia e sua classificação, formando as seguintes listas: 1ª, credores com privilegio sobre todo o activo; 2ª, credores com privilegio sobre immoveis (hypothecarios e antichresistas); 3ª, credores com privilegio sobre moveis; 4ª, credores separatistas na conformidade do art. 98; 5ª, credores chirographarios; 6ª, credores particulares de cada um dos socios solidarios com as suas respectivas classificações. Art. 91. São credores privilegiados sobre todo o activo da fallencia, salvo o direito dos credores garantidos por hypotheca, antichrese, penhor agricola, anterior e regularmente inscriptos: 1. A Fazenda Nacional e a Estadual e as municipalidades por divida fiscal, observando-se a disposição do art. 330 do decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890.

No sistema da Lei nº 2.024, de 17 de dezembro de 1908, os créditos tributários

ficavam ao lado dos créditos dos prepostos, empregados e operários do falido, pelos salários

vencidos150 (hoje derivados da legislação do trabalho - art. 83, I, da LRE), porém, abaixo dos

créditos com garantia real e dos créditos por benfeitorias.

Em seguida, foi editado o Decreto nº 9.957, de 21 de Dezembro de 1912, que tratou

da reorganização da Procuradoria da República no Distrito Federal, e determinou que fosse

150 “Art. 91. São credores privilegiados sobre todo o activo da fallencia, salvo o direito dos credores garantidos

por hypotheca, antichrese, penhor agricola, anterior e regularmente inscriptos: 1. A Fazenda Nacional e a Estadual e as municipalidades por divida fiscal, observando-se a disposição do art.

330 do decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890. [...] 3. Os prepostos ou empregados e domesticos do fallido pelos salarios vencidos no anno anterior á declaração

da fallencia, embora não tenham registrados os seus titulos de nomeação. 4. Os operarios a serviço do fallido pelos salarios vencidos nos dous mezes anteriores á declaração da

fallencia”.

79

aberta vista à Fazenda Pública de todos os processos de falência, para a reclamação

administrativa dos créditos tributários perante o juízo falimentar, nos seguintes termos:

Art. 149. De todos os processos de fallencia ou liquidações judiciaes, os juizes competentes mandarão dar vista aos procuradores da Republica, afim de que estes examinem si os fallidos ou liquidante estão quites com a Fazenda Nacional. Art. 150. Quando fallido fôr o devedor contra o qual se promover a cobrança de divida de origem fiscal, o procurador da Fazenda reclamará administrativamente no juizo da fallencia o seu pagamento, intentando préviamente o processo executivo pelo juizo seccional, bem como o sequestro, si for necessario. Caso não produza effeito a reclamação, proseguirá no juizo seccional o executivo até real embolso da Fazenda. (Grifo nosso).

Posteriormente, o Decreto nº 10.902, de 20 de maio de 1914, republicou o Decreto no

9.957/1912, com algumas alterações, mas, repetindo a determinação de vista à Fazenda

Pública de todos os processos de falência, para reclamação administrativa dos créditos fiscais

perante o juízo da falência, nos mesmos termos, sic:

Art. 139. De todos os processos de fallencia ou liquidações judiciaes, os juizes competentes darão sciencia aos procuradores da Republica, afim de que estes examinem si os fallidos ou liquidantes estão quites com a Fazenda Nacional. Art. 140. Quando o fallido fôr o devedor contra o qual se promover a cobrança de divida de origem fiscal, o procurador da Fazenda reclamará administrativamente no juizo da fallencia o seu pagamento, intentando préviamente o processo executivo pelo juizo seccional, bem como o sequestro, si fôr necessario. Caso não produza effeito a reclamação, proseguirá no juizo seccional o executivo até real embolso da Fazenda. (Grifo nosso).

Observando a natureza da preferência dos créditos da Fazenda, como privilégio geral

sobre todo o patrimônio do devedor, o Código Civil de 1916 enunciou:

Art. 1.569. Gozam de privilégio geral, na ordem seguinte, sobre os bens do devedor: [...] VI - o crédito pelos impostos devidos à Fazenda Pública, no ano corrente e no anterior;

Nova reforma da lei de falências veio em 9 de dezembro de 1929, pelo Decreto nº

5.746, que reproduziu fielmente a mesma ordem de classificação prevista na Lei nº

2.024/1908. Entretanto, o Decreto nº 5.746/1929 inovou ao instituir, pela primeira vez, uma

ordem interna de preferências entre as fazendas, a União em primeiro lugar, os Estados em

segundo, e por último os Municípios. Conforme o art. 91 do Decreto nº 5.746/1929:

Art. 91. São privilegiados sobre todo o activo da fallencia, salvo o direito dos credores garantidos por hypotheca, antichrese, penhor agricola, anterior e regularmente inscriptos. [...]

80

b) os creditos pelos impostos devidos á Fazenda Publica no anno corrente e no anterior, preferindo a Federal á Estadual, e esta á Municipal; (Grifo nosso).

Alterando todo o sistema positivo, o Governo Provisório de Getúlio Vargas editou o

Decreto nº 22.866, de 28 de Junho de 1933. Este decreto ampliou a possibilidade de cobrança

dos créditos tributários devidos à Fazenda Pública. Antes a previsão legal se referia apenas

aos impostos constituídos no ano corrente e anterior. Desta forma, o Decreto nº 22.866, de 28

de junho de 1933, procurou abranger os impostos e taxas constituídos em qualquer tempo.

Além disso, o decreto atribuiu aos créditos tributários a preferência sobre quaisquer

outros créditos, “seja qual for a sua natureza”, inclusive sobre os créditos com garantia real,

que até então sempre preferiram aos tributários, como visto acima. O art. 1º do Decreto

apresentou a seguinte redação:

Art. 1º Os impostos e taxas devidos á Fazenda Pública, em qualquer tempo, são pagos preferencialmente a quaisquer outros créditos, seja qual fôr a sua natureza. Paragrafo unico. Pelo pagamento respondem todos os bens do devedor, do seu espolio ou massa falida, ainda quando gravados por onus reais, que não poderão obstar o processo executivo para respectiva cobrança.

Logo depois de outorgar a Constituição de 1937, Getúlio Vargas editou o Decreto-

Lei nº 960, de 17 de dezembro de 1938, que tratou da cobrança judicial da dívida ativa da

Fazenda Pública e criou o dogma do superprivilégio ou da imunidade concursal do crédito

tributário, nos seguintes termos:

Art. 60. A Fazenda, na cobrança da sua dívida ativa, não está sujeita a concurso de credores, nem a habilitação de crédito em falência, concordata, ou inventário. Parágrafo único. A dívida da União prefere qualquer outra, em todo o território nacional, e a dos Estados prefere a dos Municípios. Somente entre a União, Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderá versar o concurso de preferência.

Foi no ambiente ditatorial implantado por Getúlio Vargas que a Fazenda Pública

incorporou o superprevilégio ou a imunidade concursal. Como leciona José da Silva Pacheco:

A jurisprudência sempre entendeu, com base no art. 60 do Decreto-lei n. 960/38, que o Poder Público federal, estadual ou municipal não se submetia à falência, como, aliás, salientamos desde a primeira edição de nosso estudo sobre a execução fiscal.151

151 PACHECO, José da Silva. Comentários à lei de execução fiscal (lei n. 6.830, de 22-9-1980), p. 102.

81

Logo depois veio a CLT, pelo Decreto-lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943, com a

atribuição de privilégio geral também para os créditos trabalhistas, nos termos do art. 449,

cuja redação original era a seguinte:

Art. 449 - Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa. § 1º Na falência e na concordata, constituirão crédito privilegiado a totalidade dos salários devidos ao empregado e um terço das indenizações a que tiver direito, e crédito quirografário os restantes dois terços.152

Com o fim da Era Vargas, a lei de falências foi novamente reformada, pelo Decreto-

Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, com alterações substanciais na ordem de classificação

dos créditos, enunciada no art. 102, cuja redação original era a seguinte:

Art. 102. Ressalvada a preferência dos credores por encargos ou dívidas da massa (art. 124), a classificação dos créditos, na falência, obedece à seguinte ordem: I - créditos com direitos reais de garantia; II - créditos com privilégio especial sôbre determinados bens; III - créditos com privilégio geral; IV - créditos quirografários. § 1º Preferem a todos os créditos admitidos à falência, a indenização por acidente do trabalho e os outros créditos que, por lei especial, gozarem essa prioridade. § 2° Têm privilégio especial: I - os créditos a que o atribuírem as leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta lei; II - os créditos por aluguer do prédio locado ao falido para seu estabelecimento comercial ou industrial, sôbre o mobiliário respetivo; III - os créditos a cujos titulares a lei confere o direito de retenção, sôbre a coisa retida; o credor goza, ainda, do direito de retenção sôbre os bens móveis que se acharem em seu poder por consentimento do devedor, embora não esteja vencida a dívida, sempre que haja conexidade entre esta e a coisa retida, presumindo-se que tal conexidade, entre comerciantes, resulta de suas relações de negócios. 3º Têm privilégio geral: I - os créditos a que o atribuírem as leis civis e comerciais, salvo disposição contrárias desta lei; II - os créditos dos Institutos ou Caixas de Aposentadoria e Pensões, pelas contribuições que o falido dever; III - os créditos dos empregados, em conformidade com a decisão que fôr proferida na Justiça do Trabalho; 4º São quirografários os créditos que, por esta lei, ou por lei especial não entram nas classes I, II e III dêste artigo, os saldos dos créditos não cobertos pelo produto dos bens vinculados ao seu pagamento e o restante de indenização devida aos empregados.

152 A redação do § 1º do art. 449 da CLT sofreu alteração significativa, por força da Lei nº 6.449, de 14.10.1977,

passando a apresentar-se nos seguintes termos: § 1º - Na falência constituirão créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a que tiver direito.

82

A Lei no 3.726, de 11 de fevereiro de 1960, alterou o caput do art. 102, para prever

expressamente a preferência dos créditos trabalhistas, pela seguinte redação:

Art. 102. Ressalvada, a partir de 2 de janeiro de 1958, a preferência dos créditos dos empregados, por salários e indenizações trabalhistas, sobre cuja legitimidade não haja dúvida, ou quando houver, em conformidade com a decisão que for proferida na Justiça do Trabalho, e, depois deles a preferência dos credores por encargos ou dívidas da massa (art. 124), a classificação dos créditos, na falência, obedece à seguinte ordem: (Redação da Lei nº 3.726, de 11 de fevereiro de 1960).

Em 25 de outubro de 1966 foi promulgada a Lei no 5.172, o Código Tributário

Nacional, que tratou das preferências do crédito tributário na falência, principalmente nos

dispositivos a seguir transcritos:

Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual fôr a natureza ou o tempo da constituição dêste, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho. Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, inventário ou arrolamento. Parágrafo único. O concurso de preferência sòmente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem: I - União; II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pro rata; III - Municípios, conjuntamente e pro rata.

O CTN reproduziu o superprevilégio criado na Era Vargas pelo Decreto-Lei nº 960,

de 17 de Dezembro de 1938. Por isso, fica evidente que o superprevilégio ou a imunidade

concursal do crédito tributário é fruto de uma concepção autocrática do Estado, própria dos

períodos ditatoriais, vividos no Brasil de 1930 a 1945 e de 1964 a 1985, assim como já anotou

José da Silva Pacheco, nos seguintes trechos:

Partindo do princípio de que o crédito da Fazenda preferia a todos os outros, não podia haver concurso de preferência entre a Fazenda e particulares. O regime autoritário e discricionário quebrou nossa tradição secular com o Decreto n. 22.866, de 28 de julho de 1933, que foi a pedra de toque, a que se seguiram o Decreto n. 23.055, de 9 de agosto de 1933, e o Decreto-lei n. 960, de 17 de Dezembro de 1938. Posteriormente, surgiu o art. 187, parágrafo único, do CTN, e apareceu, por fim, o art. 29 da Lei n. 6.830/80. De conformidade com eles, só poderá haver concurso de preferência, na execução fiscal, entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem: a) União e suas autarquias; b) Estados, Distrito Federal, Territórios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata; c) Municípios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata.153

153 PACHECO, José da Silva. Comentários à lei de execução fiscal (lei n. 6.830, de 22-9-1980), p. 249, grifo

nosso.

83

Tal concepção não encontra respaldo no Estado Democrático de Direito, alicerçado

na Constituição da República de 1988.

O CTN também repetiu a mesma ordem de preferências entre os entes federativos,

despertando profundas dúvidas na doutrina154 a respeito da sua constitucionalidade, ainda sob

a égide da Constituição de 1969.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou sobre a constitucionalidade da

ordem interna de preferências, em sessão plenária realizada no dia 15/12/1976 e publicada nos

dias 3, 4 e 5/01/1977, com a edição da Súmula nº 563: “O concurso de preferência a que se

refere o parágrafo único do art. 187 do Código Tributário Nacional é compatível com o

disposto no art. 9º, I, da Constituição Federal”.

A remissão feita ao art. 9º, I, se refere à Constituição de 1969, e deve hoje ser

direcionada ao art. 151, I, da Constituição da República de 1988.

Seguindo-se ao CTN, foi promulgada a Lei no 6.830, de 22 de setembro de 1980, a

Lei de Execução Fiscal (LEF), com a repetição do superprivilégio previsto no art. 187 do

CTN155, nos seguintes termos:

Art. 5º A competência para processar e julgar a execução da Dívida Ativa da Fazenda Pública exclui a de qualquer outro Juízo, inclusive o da falência, da concordata, da liquidação, da insolvência ou do inventário. Art. 29. A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento.

A partir do CTN e da LEF, instalou-se definitivamente um verdadeiro dogma, que é

repetido de forma acrítica pela doutrina e jurisprudência, no sentido de que o juízo universal

da falência é excepcionado pelo juízo privativo da fazenda, que não está sujeita a qualquer

concurso de credores, à habilitação em falência ou à concordata.

154 “A constitucionalidade do art. 187, na parte em que institui a preferência do crédito da União, é duvidosa,

porque o art. 9º, I, da CF de 1969 veda a qualquer Pessoa de Direito Público Interno a criação de preferências em favor de qualquer delas contra outra” (BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, p. 973).

155 A Lei de Execuções Fiscais reproduz o art. 187 do CTN, na disposição do art. 29, in verbis: “Art. 29 - A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou

habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento. Parágrafo Único - O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na

seguinte ordem: I - União e suas autarquias; II - Estados, Distrito Federal e Territórios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata; III - Municípios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata”.

84

Por causa desse emaranhado de leis, definir a ordem de classificação dos créditos no

sistema do Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, se tornou uma tarefa difícil156.

Porém, vale citar a ordem aceita pela doutrina abaixo transcrita:

a) credor por acidente do trabalho (art. 102, § 1º); b) trabalhistas, compreendendo todos os pagamentos devidos pela sociedade empresária a seus empregados (CLT, art. 449, § 1º); nessa mesma classificação estão os créditos dos representantes comerciais (Lei n. 4.886/65, art. 44, incluído pela Lei n. 8.420/92) e os da Caixa Econômica Federal, pelo FGTS (Lei n. 8.844/94, art. 2º, § 3º, com a redação dada pela Lei n. (9.467/97); c) dívida ativa de natureza tributária ou não tributária (arts. 186 do CTN e 4º, § 4º, da Lei n. 6.830/80); d) crédito da Fazenda Nacional decorrente de multas e penas pecuniárias devidas pela falida (Dec.-Lei n. 1.893/81, art. 9º, LF, art. 124); e) credores com garantia real (art. 102, I); f) com privilégio especial (art. 102, II); g) com privilégio geral ( art. 102, III); h) quirografários (art. 102, IV); i) subquirografários (LSA, art. 58, § 4º).157

Assim, no sistema do Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, a ordem era a

seguinte: em 1º lugar os créditos derivados de acidentes e da legislação do trabalho; em 2º

lugar os créditos tributários; em 3º lugar os créditos com garantia real; em 4º lugar os créditos

com privilégio especial; em 5º lugar os créditos com privilégio geral; em 6º lugar os créditos

quirografários.

Finalmente, foi promulgada a Lei no 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, com

importantes inovações no sistema positivo, cabendo, neste tópico, tratar da ordem de

classificação dos créditos disposta nos arts. 83 e 84, in verbis:

Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: I - os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho; II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado; III - créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias; IV - créditos com privilégio especial, a saber: a) os previstos no art. 964 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002; b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei; c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia; V - créditos com privilégio geral, a saber: a) os previstos no art. 965 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;

156 “Essa ordem é, hoje, resultado da convergência de um conjunto variado de dispositivos legais, fonte

constante de conflitos e incertezas” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 3, p. 303). 157 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 3, p. 303-304. Nesta dissertação, discorda-se da

classificação de crédito da Fazenda Nacional decorrente de multas e penas pecuniárias, tanto pela aplicação das súmulas 192 e 565 do STF, quanto pela interpretação do art. 5º, inc. XLV, da Constituição da República, na forma sustentada acima.

85

b) os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei; c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei; VI - créditos quirografários, a saber: a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo; b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento; c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo; VII - as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias; VIII - créditos subordinados, a saber: a) os assim previstos em lei ou em contrato; b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício. § 1º Para os fins do inciso II do caput deste artigo, será considerado como valor do bem objeto de garantia real a importância efetivamente arrecadada com sua venda, ou, no caso de alienação em bloco, o valor de avaliação do bem individualmente considerado. § 2º Não são oponíveis à massa os valores decorrentes de direito de sócio ao recebimento de sua parcela do capital social na liquidação da sociedade. § 3º As cláusulas penais dos contratos unilaterais não serão atendidas se as obrigações neles estipuladas se vencerem em virtude da falência. § 4º Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários. Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a: I - remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência; II - quantias fornecidas à massa pelos credores; III - despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência; IV - custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida; V - obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.

A LRE apresenta uma ordem de classificação mais clara que todas as leis anteriores,

trazendo no art. 83 os créditos concursais e no art. 84 os extraconcursais. Além disso, é

importante observar os pedidos de restituição previstos no art. 85, e os créditos trabalhistas de

natureza estritamente salarial previstos no art. 151 da LRE.

Dito isto, pode-se formular a seguinte ordem de classificação: em 1º lugar estão os

pedidos de restituição (art. 85); em 2º lugar os créditos trabalhistas de natureza estritamente

salarial (art. 151); em 3º lugar os créditos extraconcursais (art. 84); em 4º lugar estão os

créditos concursais (art. 83). Dentre os créditos concursais: em 1º lugar estão os derivados da

legislação e de acidentes de trabalho, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários mínimos;

86

em 2º lugar os créditos com garantia real, limitados ao valor do bem gravado; em 3º lugar os

créditos tributários, independentemente de sua natureza e tempo de constituição, excetuadas

as multas tributárias; em 4º lugar os créditos com privilégio especial; em 5º lugar os créditos

com privilégio geral; em 6º lugar os créditos quirografários; em 7º lugar as multas contratuais

e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas

tributárias; e em 8º lugar os créditos subordinados.

Sabe-se que o CTN foi recepcionado como lei complementar pela Constituição da

República de 1988. Por isso, suas normas se sobrepõem à lei ordinária.

Para a implementação da ordem de classificação disposta na LRE, foi promulgada a

Lei Complementar no 118, de 09 de fevereiro de 2005, dando nova redação aos arts. 186 e 187

do CTN, nos seguintes termos:

Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005) Parágrafo único. Na falência: (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) I - o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garantia real, no limite do valor do bem gravado; (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) II - a lei poderá estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos decorrentes da legislação do trabalho; e (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) III - a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005) Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem: I - União; II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pró rata; III - Municípios, conjuntamente e pró rata. (Grifo nosso).

Por meio da Lei Complementar no 118, de 09 de fevereiro de 2005, o CTN

incorporou a ordem de classificação dos créditos disposta na LRE. Ficaram ressalvados no art.

186 do CTN os privilégios dos pedidos de restituição, dos créditos extraconcursais, dos

créditos derivados da legislação e de acidentes de trabalho, até o limite de 150 salários

mínimos, e dos créditos com garantia real, até o valor do bem gravado.

Primeiramente, importa ressaltar a limitação do privilégio dos créditos dos

trabalhadores, imposta pelo art. 83, I, da LRE e pelo art. 186, parágrafo único, I, do CTN. A

constitucionalidade dessa limitação já foi declarada pelo STF, no acórdão que julgou a ADIN

87

no 3.934-2, relatado pelo Ministro Ricardo Lewandowski, do qual se extraem os seguintes

trechos, importantes para o objetivo desta dissertação, in verbis:

Observo, a propósito, que o estabelecimento de um limite quantitativo para a inserção dos créditos trabalhistas na categoria de preferenciais, do ponto de vista histórico, significou um rompimento com a concepção doutrinária que dava suporte ao modelo abrigado no Decreto-lei 7.661/1945, cujo principal enfoque girava em torno da proteção do credor e não da preservação da empresa como fonte geradora de bens econômicos e sociais. [...] Nesse aspecto, as disposições da Lei 11.101/2005 abrigam uma preocupação de caráter

distributivo, estabelecendo um critério o mais possível equitativo no que concerne ao

concurso de credores. Em outras palavras, ao fixar um limite máximo - bastante

razoável, diga-se - para que os créditos trabalhistas tenham um tratamento preferencial, a Lei 11.101/2005 busca assegurar que essa proteção alcance o maior número de

trabalhadores, ou seja, justamente aqueles que auferem os menores salários. Procurou-se, assim, preservar, em uma situação de adversidade econômica por que passa a empresa, o caráter isonômico do princípio da par condicio creditorum, segundo o qual todos os credores que concorrem no processo de falência devem ser tratados com igualdade, respeitada a categoria que integram.158

Em segundo plano, importa destacar que a Fazenda voltou a ocupar o lugar tradicional

na ordem de classificação dos créditos, logo atrás dos créditos com garantia real, malgrado a

reforma neste tópico ter sido imputada à influência dos bancos sobre o processo legislativo159.

No entanto, cumpre alertar que o crédito com garantia real goza de preferência em

relação ao crédito tributário apenas na falência, e no limite do valor do bem gravado. Fora do

processo de falência, prevalece o crédito tributário sobre aquele.

Quanto ao inc. III do parágrafo único do art. 186, que inclui a multa tributária na

ordem de classificação de créditos, com preferência em relação ao crédito subordinado,

cumpre questionar sua legalidade, diante do entendimento jurisprudencial hodierno,

cristalizado nas súmulas 192 e 565 do STF, bem como sua constitucionalidade, diante do

princípio garantia de que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, insculpida no art.

5º, inc. XLV, da Constituição da República de 1988.

158 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIN no 3.934-2. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 27/05/2009. DJ,

Brasília, 06 nov. 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base =ADIN&s1=partido%20democr%E1tico%20trabalhista&processo=3934>. Acesso em: 24 out. 2010.

159 “Andou bem o legislador quando reconheceu a importância da garantia real, assegurando-lhe prioridade sobre os créditos fiscais, não obstante as críticas de que o dispositivo foi incorporado à Lei em razão da pressão imposta pelas instituições financeiras. A valorização da garantia real beneficia não só os bancos, mas os provedores de crédito em geral. A importância do crédito na atividade empresarial é inegável” (SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de. Da classificação dos créditos. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 364).

88

Este escorço histórico demonstra que a legislação pretérita sempre sujeitou a Fazenda

Pública ao concurso de credores da falência. Mais do que isso, demonstrou que o

superprivilégio ou a imunidade concursal da Fazenda Pública é fruto dos períodos ditatoriais

vividos no Brasil, na Era Vargas e no regime militar.

Com efeito, o mencionado superprivilégio não encontra nenhum respaldo no Estado

Democrático de Direito, inaugurado pela Constituição da República de 1988.

5.3 Das garantias, privilégios e preferências do crédito tributário

O Código Tributário Nacional dispõe, em seus arts. 183 a 193, das garantias,

privilégios e preferências do crédito tributário. De início, vale ressaltar que estas expressões

não foram utilizadas pelo CTN com o devido rigor técnico que a ciência do direito demanda,

gerando conceituações distintas na doutrina.

As garantias e privilégios foram reunidos como disposições gerais (arts. 183 a 185-A

do CTN), em seus conceitos genéricos, como dispositivos que visam dar eficácia e efetividade

ao direito do Estado de exigir o cumprimento da obrigação tributária principal160. Contudo,

nenhuma dessas disposições gerais faz referência a concurso de credores ou à falência, razão

pela qual não se aplicam à hipótese em estudo.

As preferências estão em seção própria (arts. 186 a 193 do CTN), como prerrogativas

ligadas aos concursos de credores (falência, concordata, recuperação judicial, inventário e

arrolamento), como o direito de um credor receber seu crédito antes dos concorrentes161.

160 O Professor Sacha Calmon Navarro Coelho apresenta os seguintes conceitos: “Garantia, em acepção ampla, é tudo o que garante o crédito tributário, como por exemplo o dever de

informar o Fisco e o dever de documentar as operações tributáveis (todas as chamadas obrigações acessórias são garantias em prol do cumprimento da obrigação principal.)

Privilégio é étimo que deriva da locução latina privata lex. É lei s[o para um ou uns, com exclusão dos demais, significando vantagem que a lei concede a determinada pessoa, ou classe de pessoas, com exclusão da generalidade. [...] Em matéria tributária, v.g., a exclusão dos créditos fiscais dos juízos universais e concentracionários (desnecessidade de habilitação em falência, concordata, concurso de credores, inventário e arrolamento).

Preferência é, de certo modo, modalidade de privilégio. Processualmente, a preferência dá à Fazenda Pública o direito de receber seus créditos antes de outros credores em concurso” (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 745-746).

161 A Professora Misabel Abreu Machado Derzi anota o seguinte: “Mas o CTN não guarda essa distinção de forma rígida, denominando de preferência o que é singela garantia (arts. 191, 192 e 193)” (BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, p. 960, grifo nosso).

89

Esta matéria foi tratada com o devido rigor técnico pelo Código Civil, nos arts. 955 a

965162, valendo transcrever os arts. 957 e 958 para o seu entendimento:

Art. 957. Não havendo título legal à preferência, terão os credores igual direito sobre os bens do devedor comum. Art. 958. Os títulos legais de preferência são os privilégios e os direitos reais.

A leitura atenta dos artigos acima transcritos revela que a preferência é um gênero

que comporta duas espécies, a dos privilégios e a dos direitos reais de garantia. A regra geral é

a de que o patrimônio do devedor constitui a garantia geral dos credores. A preferência é uma

exceção a esta regra geral, e constitui o direito de um credor receber seu crédito antes dos

demais concorrentes. A preferência pode constituir-se em um privilégio ou uma garantia real.

O privilégio é uma ordem de vocação processual, exercida somente no concurso de credores,

nunca fora dele. A garantia real é um direito material, o direito de seqüela, aquele direito que

tem o credor sobre um bem destacado do patrimônio do devedor.

Esta diferenciação é bem compreendida na doutrina, valendo citar:

Torna-se necessário estabelecer uma distinção entre privilégio e garantia real. Em primeiro lugar, a observância do privilégio só ocorre em relação ao devedor insolvente, enquanto que a instituição de garantia real pode tanto dar-se em relação ao devedor solvente, como ao insolvente. O privilégio sempre decorre da lei, enquanto que a garantia real nasce da convenção entre as partes, salvo excepcionalmente, como na hipoteca legal, quando resulta da lei.163

Cumpre lembrar que o próprio CTN invoca os princípios gerais de direito privado, no

art. 109, e define que a lei tributária não altera a definição, o conteúdo e o alcance de institutos,

conceitos e formas de direito privado, no art. 110. Portanto, na falência, devem ser aplicados os

conceitos gerais de preferência, privilégio e garantia, previstos no Código Civil. As regras

especiais de preferência, privilégio e garantia do crédito tributário é devem ser dispostas em lei

complementar, por força do art. 146, III, da Constituição da República de 1988.

162 Correspondentes aos arts. 1.556 e 1.557 do Código Civil de 1916. O Professor Ricardo Lobo Torres admite

expressamente a aplicação do Código Civil, nos seguintes trechos: “A preferência decorre de dois títulos legais: os privilégios e os direitos reais (art. 1.557 do C.C.)” e arremata que “O crédito tributário, que goza de privilégios [...]” (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, p. 274).

163 ABRÃO, Nelson. Curso de direito falimentar, p. 133. “Entretanto, a matéria de preferência no procedimento falimentar não se cinge aos privilégios e direitos reais do Código, havendo um emaranhado de leis dispondo a respeito, nem sempre de modo harmônico e coerente, o que torna sobremaneira difícil o trabalho do intérprete. [...] A unificação dos privilégios falimentares, regulados pela lei específica, como o realizou a lei argentina, seria a solução ideal para esse cipoal de normas com que nos debatemos em matéria de hierarquia dos créditos falimentares” (ABRÃO, Nelson. Curso de direito falimentar, p. 134).

90

Com efeito, o art. 186 do CTN foi alterado pela Lei Complementar 118, de 9 de

fevereiro de 2005, justamente para prever que, no processo de falência, os créditos tributários

estão abaixo das importâncias passíveis de restituição, dos créditos extraconcursais, dos

créditos decorrentes da legislação e do acidente de trabalho, até o limite de 150 salários

mínimos, e dos créditos com garantia real, até o valor do bem gravado.

Neste passo, é de se admitir que os créditos tributários estão sujeitos ao concurso material

da falência, simplesmente porque concorrem com outros créditos que, inclusive, ocupam uma

posição superior na escala de privilégios, no QGC e na vocação para o pagamento aos credores.

Por outro lado, é preciso compreender que o privilégio dos créditos tributários só pode se

realizar no processo de falência, nunca na execução fiscal individual ou exclusiva regulada pela

LEF. Esta interpretação é fundamentada no princípio constitucional da universalidade do juízo

falimentar, inferido a partir do art. 109, I, da Constituição da República de 1988.

A interpretação histórica, sistemática e teleológica do dispositivo constitucional, já

demonstrada nesta dissertação, atribui a competência exclusiva ao juízo falimentar

para processar a execução dos créditos tributários em caso de falência do devedor, a exemplo

do que ocorre com os créditos trabalhistas, com os credores por quantia ilíquida, e até com os

créditos tributários constituídos contra a massa falida e classificados como extraconcursais.

Sobre a competência do Poder Legislativo, o art. 146, III, da Constituição164 exige lei

complementar apenas para estabelecer normas gerais sobre obrigação e crédito tributário.

Como os privilégios se incorporam à obrigação ou ao crédito, devem constar do CTN, ou em

lei complementar esparsa. Entretanto, a execução do crédito tributário não demanda legislação

complementar nenhuma. Por isso, as normas processuais da LRE se aplicam plenamente aos

créditos tributários, na medida em que execução coletiva e extraordinária afasta a execução

singular prevista na LEF.

Desta feita, é claro que os efeitos materiais da falência, principalmente aqueles que

dizem respeito aos privilégios do crédito tributário, demandam lei complementar, na forma do

art. 146, III, ‘b’, da Constituição. Porém, os efeitos processuais não demandam lei

complementar, até porque a própria LEF é lei ordinária.

A aplicação das normas processuais da falência à Fazenda Pública não prejudica os

164 “Art. 146 - Cabe à lei complementar: [...] III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: [...] b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;”.

91

privilégios do crédito tributário, pelo contrário, possibilita sua correta aplicação.

Isto porque a lei de falências não modifica o direito material dos credores, apenas

restringe o seu exercício, em razão da situação de insolvência (crise patrimonial) do devedor

comum, pela aplicação do princípio da par conditio creditorum e das preferências legais. Nas

lições dos grandes mestres:

A falência é uma execução coletiva; ela tem por fim assegurar aos credores a realização dos seus direitos sobre o patrimônio do devedor. A sua declaração judicial não muda nem modifica a condição jurídica dos credores; não confere proteção nova ou especial aos direitos destes, assim como não retira, não altera, nem anula as garantias legais e convencionais legitimamente fundadas. A lei de falência produz tão-sòmente modificações no exercício dos direitos dos credores, como teremos ocasião de expor neste capítulo.165

Em princípio, como acentua LINCOLN PRATES, os direitos dos credores não se alteram com a sentença declaratória, não desaparecem, com ela, as garantias de que porventura sejam dotados e nem se lhes acrescentam garantias novas. O que se modifica é apenas, o exercício desses direitos.166

Por fim, é interessante observar que, tratando-se de devedor insolvente (crise

patrimonial), um credor só estará livre de rateios se for o único, ou seja, se não houver

nenhum outro capaz de lhe sobrepor privilégios, nas lições da melhor doutrina:

‘Entendemos que somente não estão sujeitos a rateio aqueles títulos que por si mesmos excluem toda e qualquer outra pessoa do direito de participar das vantagens que os mesmos conferem ao seu titular. No dispositivo legal, com efeito, só devem caber aquelas ações ou execuções fundadas em direito que, por sua natureza jurídica, ou por ser único, afaste qualquer idéia de outro idêntico, a ensejar um possível concurso. O autor ou exeqüente, individualmente, é que há de ser o único beneficiado’. Portanto, para que o credor não se sujeite a rateio é preciso que não exista qualquer outro com preferência, ou em identidade de condições, suscetível de entrar em concurso com ele. E como essa circunstância só é passível de comprovação nunca antes, pelo menos, das declarações dos créditos na falência (a rigor, só depois de julgadas), só os trabalhistas, dada a absoluta preferência de seus créditos, poderão considerar-se livres de rateio e, destarte, prosseguir nas ações já iniciadas.167

E como os créditos da Fazenda Pública não são os únicos privilegiados, tampouco

são os primeiros na ordem de classificação dos privilégios, conclui-se que estão sujeitos a

165 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro, v. V, p. 362. 166 LACERDA, José Cândido Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 195. 167 ABRÃO, Nelson. Curso de direito falimentar, p. 62.

92

rateio, isto é, ao concurso de credores material e processual da falência.

O STJ já decidiu que é admissível a habilitação de crédito tributário pela Fazenda

Pública, no julgamento do REsp no 1.103.405, Rel. Ministro Castro Meira, ocorrido em 2 de

abril de 2009 e publicado em 27 de abril de 2009.

A decisão comentada levou a seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. APRESENTAÇÃO DE CRÉDITOS NA FALÊNCIA. PRESTAÇÃO DE CONTAS APRESENTADA PELO SÍNDICO. CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS DE PEQUENO VALOR. HABILITAÇÃO. CASO CONCRETO. POSSIBILIDADE. 1. Não viola o art. 535 do CPC o acórdão que soluciona a controvérsia com base em fundamento prejudicial ao ponto sobre o qual não houve enfrentamento no âmbito do Tribunal de origem. 2. Os arts. 187 e 29 da Lei 6.830/80 não representam um óbice à habilitação de créditos tributários no concurso de credores da falência; tratam, na verdade, de uma prerrogativa da entidade pública em poder optar entre o pagamento do crédito pelo rito da execução fiscal ou mediante habilitação do crédito. 3. Escolhendo um rito, ocorre a renúncia da utilização do outro, não se admitindo uma garantia dúplice. Precedentes. 4. O fato de permitir-se a habilitação do crédito tributário em processo de falência não significa admitir o requerimento de quebra por parte da Fazenda Pública. 5. No caso, busca-se o pagamento de créditos da União, representados por 11 (onze) inscrições em dívida ativa, que, todavia, em sua maioria, não foram objeto de execução fiscal em razão de seu valor. Diante dessa circunstância, seria desarrazoado exigir que a Fazenda Nacional extraísse as competentes CDA's e promovesse as respectivas execuções fiscais para cobrar valores que, por razões de política fiscal, não são ajuizáveis (Lei 10.522/02, art. 20), ainda mais quando o processo já se encontra na fase de prestação de contas pelo síndico. 6. Determinação de retorno dos autos ao Tribunal de origem para verificação da suficiência e validade da documentação acostada pela Procuradoria da Fazenda Nacional para fazer prova de seu pretenso crédito. 7. Recurso especial provido.168

O Relator do acórdão em comento entendeu que os arts. 187 do CTN e 29 da LEF

representam prerrogativas da Fazenda Pública, mas, não constituem óbice à habilitação na

falência. Contudo, entendeu o Relator que eleita a via da habilitação na falência, a Fazenda

Pública perde a faculdade de ajuizar a execução fiscal. Este entendimento consta do seguinte

trecho do acórdão em comento:

Entendo que as referidas regras representam uma prerrogativa da Fazenda Pública, a qual está inserida no campo das garantias e privilégios do crédito tributário previstos no Capítulo IV do Código Tributário Nacional. Não constituem um óbice

168 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp no 1.103.405. Rel. Min. Castro Meira, j. 02/04/2009. DJ,

Brasília, 27 abr. 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao =null&data=%40DTDE+%3E%3D+20090402+e+%40DTDE+%3C%3D+20090402&livre=REsp+1103405+%2F+MG&b=ACOR>. Acesso em: 24 out. 2010.

93

intransponível para que o Fisco habilite seus créditos no juízo universal e receba o que lhe é devido na ordem de pagamento prevista na Lei de Falências. Por ser uma prerrogativa, o juízo de conveniência e oportunidade para que não seja utilizada deve ser feito pelo credor, e não pelo Judiciário. Certo é que, optando por uma forma de cobrança do crédito tributário, o ente público perde a faculdade de utilizar a outra possível. O que não se admite é uma dupla garantia, que permitia ao Fisco ajuizar a execução fiscal e, ao mesmo tempo, pedir a habilitação de seu crédito no processo de falência.

O Relator esclareceu que a faculdade de habilitar o crédito tributário na falência não

importa em admissão do pedido de falência pela Fazenda Pública, hipótese esta já afastada

pela jurisprudência pacífica. Vide o seguinte trecho:

No juízo de ponderação acerca da habilitação ou não do crédito no concurso universal, a Fazenda deverá sopesar as circunstâncias do caso concreto, mas só a ela cabe fazer esse juízo; os arts. 187 do CTN e 29 da LEF não representam um óbice a ser imposto pelo Poder Judiciário. Cabe aqui citar a anotação ao art. 82 do Decreto-Lei 7.661/45, cuja regra também está presente na atual Lei de Falências (§ 1º do art. 7º e art. 10), constante do Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor do Professor Theotônio Negrão (36ª ed., Editora Saraiva: São Paulo, pág. 1.495): ‘Do art. 187 do CTN decorre que a Fazenda Pública tem à sua escolha, dois caminhos:

propor execução fiscal contra a massa ou ingressar no juízo falencial; mas, neste caso, não basta a simples comunicação de seu crédito: deve promover a habilitação, para que

os interessados possam impugná-lo (RT 606/79, RJTJESP 94/278, 94/281, maioria, 95/266, 97/302, 102/53, 102/239, 102/240, 103/287, 106/106, RTJE 154/2050.

Entendendo dispensável a habilitação: RT 604/35, maioria’. Frise-se que a possibilidade de o Fisco vir a habilitar um crédito seu em processo de

falência que já se encontra em curso não significa que também poderia ele vir a requerer

a quebra do devedor. O pedido de falência por parte do Fisco não é de ser admitido, já

que serviria de instrumento de coação moral para satisfação de dívida tributária. Por outro lado, quando já se encontra em curso o processo falimentar, a habilitação do crédito tributário apenas representaria uma renúncia ao procedimento previsto na Lei 6.830/80, não significando esse ato qualquer coação sobre o devedor, contra o qual já fora decretada a falência.

Assim, defende-se que Fazenda deve sim habilitar o crédito tributário na falência, a

fim de receber na ordem legal de preferências disposta nos arts. 83 e 84 da LRE. Caso haja

alguma impugnação ao crédito tributário habilitado, o juízo falimentar deve remeter as partes

ao juízo fazendário, para o acertamento do direito, em fase de conhecimento, promovendo a

reserva do valor suficiente para o pagamento da Fazenda Pública.169

169 “A prática judicial tem admitido, entretanto, quando não há impugnação, que no próprio processo de falência

ou inventário se faça a reserva do numerário para o pagamento do crédito tributário. [...] Os créditos tributários exigíveis no decurso dos processos de falência, concordata, inventário ou arrolamento, que se caracterizam como encargos da massa ou do espólio - e não como dívida do falido ou do de cujus - têm preferência sobre quaisquer outros e são pagos no próprio juízo universal. Porém, se forem contestados, o juiz remeterá as partes ao processo competente, reservando bens suficientes à extinção dos créditos (arts. 188 e 189 do CTN)” (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, p. 274-275).

94

Neste sentido também milita a doutrina, nos seguintes termos:

Embora a cobrança judicial do crédito tributário não esteja sujeita à habilitação em falência ou concordata, nada impede que a Fazenda Pública interessada promova a habilitação de seu crédito, como credora privilegiada e preferencial, no próprio processo de falência e concordata, sem renunciar ao seu privilégio geral sobre todos os bens do falido, ao seu privilégio especial sobre determinados bens e ao direito ao pagamento preferencial de seu crédito como encargo da massa falida. Não sendo o crédito tributário contestado, por nenhum dos outros credores, ocorrerá, opportuno tempore, o pagamento do crédito da Fazenda, logo após o pagamento do crédito trabalhista. Havendo contestação do crédito, o juiz remeterá as partes ao processo competente.170

Há que se admitir, ainda, que, embora não esteja a cobrança do crédito tributário adstrita ao juízo da falência, a Fazenda Pública poderá optar por habilitar-se, com o seu crédito, no processo falencial. Ocorrendo, todavia, qualquer impugnação ao crédito fazendário as partes serão remetidas às vias próprias (execução fiscal ou vias ordinárias), devendo ser feita a reserva do numerário suficiente junto ao juízo universal.171

Por fim, o pagamento dos credores na falência deve seguir a ordem de classificação

disposta nos arts. 83 e 84 da LRE, em consonância com os arts. 186 e 187 do CTN.

Desta feita, sustenta-se que a sujeição da Fazenda Pública ao processo de falência é o

único meio eficiente de promover um diálogo entre o princípio da preservação da empresa e a

universalidade constitucional do juízo falimentar.

5.4 Dos efeitos da falência sobre os créditos tributários

A sentença que decreta a falência, produz os seguintes efeitos sobre os direitos dos

credores: a) suspensão do curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do

falido (art. 6º e 76 da LRE); b) vencimento antecipado dos créditos, com abatimento

proporcional dos juros (art. 77 da LRE); e c) cessação da fluência dos juros, até o pagamento

de todos os credores, inclusive os subordinados (art. 124).

Os dois primeiros efeitos se completam e têm a clara função de garantir a unidade e

universalidade do juízo falimentar, na forma já exposta nesta dissertação.

170 MACHADO, Celso Cordeiro. Garantias, preferências e privilégios do crédito tributário. Rio de Janeiro:

Forense, 1984. p. 95. 171 SOUZA, Maria Helena Rau de. Garantias e privilégios do crédito tributário, p. 720.

95

A suspensão do curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do

falido é o mecanismo que impede que as execuções individuais já propostas tramitem, ou que

novas sejam ajuizadas, à margem da execução coletiva. A única exceção válida é aquela feita

às ações de quantia ilíquida, também válida para as ações trabalhistas e para as impugnações

às execuções fiscais.

O vencimento antecipado dos créditos permite que todos os credores se habilitem na

falência no prazo legal (art. 7º da LRE), mesmo aqueles titulares de créditos ainda não

vencidos, que não estão obrigados a aguardar o prazo de vencimento de seus créditos para

promoverem suas habilitações.

O terceiro efeito é produzido para a garantia da par conditio creditorum, para que todos

os credores recebam o valor principal de seus créditos, devidamente corrigido172 e acrescido de

juros computados somente até a data da publicação da sentença que decreta a falência. Os juros

posteriores são pagos apenas se ocorrer a hipótese remota de pagamento de todos os créditos, até a

classe dos subordinados, pagamento excetuado apenas para os juros das debêntures e dos créditos

com garantia real, já que estes recebem apenas até o limite da garantia constituída.

Estes são os efeitos comuns a todos os credores.

Neste passo, é preciso compreender que a decretação da falência produz notáveis

efeitos sobre os créditos tributários, a saber: a) arrecadação do produto da alienação dos bens

penhorados nas execuções fiscais, na forma do art. 108, §3º, da LRE, da Súmula 44 do TFR e

do entendimento do STJ; b) cessação da fluência dos juros, até o pagamento de todos os

credores, inclusive os subordinados (art. 124); c) exclusão das multas tributárias; e d)

afastamento da sucessão tributária na alienação da empresa, pela interpretação conjunta dos

arts. 141, II, da LRE e 133 do CTN.

Como já assentado na jurisprudência do STJ, a execução fiscal está sujeita ao rateio

promovido pelo concurso de credores da falência, na medida em que há privilégios superiores

ao dos créditos tributários, quais sejam, as quantias passíveis de restituições, os créditos

extraconcursais, o crédito trabalhista e decorrente do acidente de trabalho, limitado a 150

(cento e cinqüenta) salários mínimos, e o crédito com garantia real, limitado ao valor do bem

gravado. Por esta razão, o entendimento pacífico é no sentido de arrecadar o produto da

alienação do bem penhorado em execução fiscal. 172 Cf. (EREsp nº 631658/RS. Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 27/08/2008.

DJe 09/09/2008) e (REsp nº 798.136/RS. Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 06/12/2005, DJ 19/12/2005).

96

Esse não é o meio eficiente de preservar e otimizar os bens, ativos e recursos

produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa, na forma do art. 75 da LRE. Uma vez que há

uma ordem legal de preferência para a realização do ativo, descrita no art. 140 da LRE, a

observância dessa ordem só será possível se o bem penhorado em execução fiscal, ajuizada

antes ou depois da falência, for arrecadado para a massa pelo administrador judicial. Permitir

ao juízo da execução fiscal alienar bem singular afeto à empresa importa em negativa de

vigência à ordem legal de preferência para a realização do ativo, determinada no art. 140 da

LRE, e, em última análise, ao objetivo da falência, expressamente declarado no art. 75 da

LRE - o princípio da preservação da empresa.

A cessação da fluência dos juros, até o pagamento de todos os credores, inclusive os

subordinados (art. 124), também atinge os créditos tributários, da mesma forma que os demais

credores, para garantia da par conditio creditorum, exposta acima.

A exclusão de multas fiscais é efeito que decorre diretamente da sentença que decreta

a falência, mas, irradia para fora do processo de execução concursal. A exclusão de multas

fiscais foi prevista originalmente para aplicação aos créditos tributários incluídos no quadro

geral de credores, na forma do art. 83, inc. VII, da LRE. Porém, a decretação da falência tem

produzido este efeito também perante o juízo fazendário, nas execuções fiscais singulares que

insistem em tramitar paralelamente.

Misabel Abreu Machado Derzi sintetizou com maestria a evolução do entendimento

jurisprudencial sobre a exclusão das multas fiscais no direito concursal, nestes termos:

A evolução jurisprudencial sobre se as multas fiscais são exigíveis na falência e na concordata, depois do CTN, fez-se por etapas. Primeiramente, deixou o STF de distinguir entre multas moratórias e punitivas. Nenhuma multa é exigível na falência, em particular a chamada moratória. Em segundo lugar, estenderam os tribunais a extirpação das multas - quando o sujeito passivo entrava em falência - nos casos de execução fiscal do crédito tributário, ainda que a cobrança se efetivasse, como é a regra, fora do processo falimentar. Finalmente, equipararam os tribunais, o STF à frente, com acórdão pragmático, a concordata à falência, para o fim de excluir as multas, mormente a moratória, tida por pena administrativa.173

Primeiramente, o STF consolidou o entendimento de que toda multa fiscal tem

natureza punitiva, ou de pena administrativa. Assim, tanto a multa fiscal moratória, aquela

cominada ao descumprimento de obrigação principal (de pagar tributo), quanto a multa fiscal

173 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário aplicado. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p. 146, grifo

nosso.

97

formal, aquela cominada ao descumprimento de obrigação acessória (de fazer ou não fazer

alguma coisa), estão excluídas da falência. É o que resulta da interpretação conjunta das

súmulas no 192 e 565 do STF, in verbis:

Súmula 192: Não se inclui no crédito habilitado em falência a multa fiscal com efeito de pena administrativa. Súmula 565: A multa fiscal moratória constitui pena administrativa, não se incluindo no crédito habilitado em falência.

Apesar da Súmula nº 565 ter sido aprovada em 15/12/1976 e publicada em

03/01/1977, o STF tem entendido que ela é compatível e, por isso, foi integralmente

recepcionada pela Constituição da República de 1988174, conforme acórdão abaixo transcrito:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MULTA MORATÓRIA - HABILITAÇÃO EM FALÊNCIA - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - A multa fiscal moratória, por qualificar-se como sanção de caráter administrativo, não se inclui no crédito habilitado em falência. A Súmula 565/STF, por revelar-se compatível com a Constituição de 1988, foi por esta integralmente recepcionada. Precedentes.

A aplicação conjunta das súmulas nº 192 e 565 do STF mostra-se perfeitamente

compatível com a ordem jurídica após a Constituição da República de 1988, principalmente

diante do princípio garantia enunciado no seu art. 5º, inc. XLV, vide:

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; (Grifo nosso).

Considerando que a multa fiscal tem natureza de sanção, ou pena administrativa

aplicada à infração fiscal cometida pelo falido, não se pode estendê-la à massa falida

subjetiva, que constitui o conjunto dos credores em concurso, incluindo nele a Fazenda

Pública, sob pena de negativa de vigência ao princípio garantia constitucional acima citado.

Por isso, a exclusão da multa fiscal foi corretamente estendida às execuções fiscais

em trâmite perante o juízo fazendário, valendo citar alguns julgados do STJ que demonstram

o entendimento já ventilado pela doutrina supra transcrita, sic:

174 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE no 371.753. Rel. Min. Celso de Mello, j. 14/03/2006. DJ, Brasília,

16 jun. 2006. p. 26. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1= %28RE$.SCLA.%20E%20371753.NUME.%29%20OU%20%28RE.ACMS.%20ADJ2%20371753.ACMS.%29&base=baseAcordaos>. Acesso em: 24 out. 2010.

98

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. FALÊNCIA. MULTA E JUROS DE MORA. SÚMULA N.º 565/STF. PRECEDENTES. 1. A multa moratória, por constituir pena administrativa, não incide contra a massa falida. Aplicabilidade das Súmulas 192 e 565/STF. 2. Após a data da decretação da falência, os juros moratórios apenas serão devidos se houver sobra do ativo apurado para o pagamento do principal. Precedentes. 3. Recurso especial provido.175

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. MASSA FALIDA. JUROS. SELIC. PREVISÃO LEGAL. INCIDÊNCIA. 1. São devidos os juros moratórios até a decretação da quebra. O pagamento dos juros posteriores fica condicionado à comprovação da suficiência do ativo para o pagamento do principal. 2. A jurisprudência deste Tribunal Superior consolidou, quanto à Execução Fiscal de empresas submetidas ao processo falimentar, a orientação de que a taxa SELIC pode ser utilizada na cobrança dos créditos da Fazenda Pública, desde que haja previsão legal. 3. Agravo Regimental não provido.176

Por fim, a exclusão da multa fiscal foi estendida também à concordata, ao simples

argumento de que a interpretação do CTN deve ser mais favorável ao contribuinte, por força

do seu art. 112, II, valendo como exemplo o acórdão abaixo transcrito:

EXECUÇÃO FISCAL CONTRA CONCORDATARIA. COBRANÇA DE MULTA FISCAL. APLICAÇÃO DO ARTIGO 112-II DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. Na concordata, não e aplicável a regra do inciso III do parágrafo único do artigo 23 da Lei de Falências. É que a exigência fiscal não afeta, diretamente, o interesse dos credores, uma vez que é assegurada a continuidade dos negócios do devedor. Afasta-se, porém, a exigibilidade da multa fiscal, tendo em vista o preceito do inciso II do Artigo 112 do Código Tributário Nacional, que determina seja dada à lei interpretação mais favorável ao contribuinte, evitando-se a extensão dos efeitos da cobrança sobre sua solvabilidade. Recurso Extraordinário não conhecido.177

O mesmo entendimento deve ser adotado para a recuperação judicial, na medida em

que o objetivo de preservar a empresa é mais claro na LRE do que no sistema anterior.

175 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp no 1.029.150. Rel. Min. Castro Meira, j. 06/05/2010. DJe,

Brasília, 25 maio 2010. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizaca o=null&data=%40DTDE+%3E%3D+20100506+e+%40DTDE+%3C%3D+20100506&processo=1029150&b=ACOR>. Acesso em: 24 out. 2010.

176 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp nº 1.087.628/PR. Rel. Min. Herman Benjamin, j. 17/03/2009. DJe, Brasília, 25 abr. 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp? tipo_visualizacao=null&processo=1087628&b=ACOR>. Acesso em: 24 out. 2010.

177 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE no 110.399/SP. Rel. Min. Carlos Madeira, j. 06/02/1987. DJ, Brasília, 27 fev. 1987. p. 2.958, grifo nosso. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/lis tarJurisprudencia.asp?s1=%28110399.NUME.%20OU%20110399.ACMS.%29%28@JULG%20=%2019870206%29&base=baseAcordaos>. Acesso em: 24 out. 2010.

99

Importa observar que o STF decidiu o caso em comento utilizando um único e

singelo argumento, o da interpretação mais favorável ao contribuinte, na forma do art. 112, II,

do CTN. Com efeito, este argumento pode ser invocado para a solução de qualquer outro

problema enfrentado nesta dissertação, como exposto na conclusão.

Ainda sobre as multas fiscais, é importante pontuar que, apenas as multas aplicadas à

massa falida se incluem na classe prevista no art. 83, inc. VII, da LRE, em obediência ao

disposto no art. 5º, inc. XLV, da Constituição da República de 1988. Assim, apenas as

sanções aplicadas à massa falida, em outras palavras, por fato gerador in concreto posterior à

decretação da falência, se incluem na classe subquirografária mencionada.

Nas lições do Professor Vinícius José Marques Gontijo:

Portanto, as multas tributárias exigíveis em caso de falência são apenas aquelas imputáveis à própria massa falida e, reitere-se à exaustão, nunca aquelas imputáveis ao falido, na medida em que a pena não pode passar do agente infrator da norma (art. 5º, XLV, da Carta de 1988).178

Outro efeito importante da falência sobre as causas fiscais é o afastamento da

sucessão tributária na alienação da empresa, conforme a interpretação sistemática do art. 141,

II, da LRE com o art. 133 do CTN. Não há dúvida de que o CTN, neste particular, renuncia à

garantia do crédito tributário para favorecer o concurso de credores. A renúncia legal produz

um efeito em cascata: a inocorrência de sucessão tributária facilita a alienação da empresa,

alcançando maior valor do que a alienação de bens singulares, maximizando a chance de

recebimento de todos os credores e atingindo o objetivo enunciado no art. 75 da LRE -

preservação da empresa.

Por todos os efeitos da falência sobre os créditos tributários acima demonstrados, é

de se negar a interpretação literal dos arts. 186 e 187 do CTN, e concluir que a Fazenda

Pública está sim sujeita ao concurso de credores da falência.

178 GONTIJO, Vinicius Jose Marques. Inexigibilidade de multas tributárias do contribuinte na sua falência.

Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, v. 15, n. 73, p. 200-214, mar./abr. 2007. p. 213.

100

6 CONCLUSÃO

Nesta dissertação, foram apresentados importantes fundamentos para a desconstrução

dos dogmas do superprivilégio dos créditos tributários e da imunidade concursal da Fazenda

Pública, e foram expostos argumentos que conduzem o Estado a sujeitar-se ao processo de

falência, ou seja, aos efeitos materiais e processuais da LRE, para receber os créditos

tributários dentro do concurso material e processual, ao lado de todos os demais credores.

Em princípio, foi necessária a definição de empresa como organização dinâmica,

como pólo atrativo de diversos interesses tutelados pelo direito, além do interesse pelo lucro,

próprio do empresário ou dos sócios da sociedade empresária. Aqui vale destacar o interesse

dos trabalhadores na manutenção do emprego, do mercado consumidor, dos fornecedores, e

do próprio Estado, não só enquanto ente arrecadador de tributos, mas, principalmente como

instrumento para a consecução do objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, o

de “garantir o desenvolvimento nacional”, na forma disposta no art. 3º, II, da Constituição.

Ficou demonstrado que o alcance desse objetivo perpassa, necessariamente, pela

preservação da empresa, uma vez que:

A crise fatal de uma grande empresa significa o fim de postos de trabalho, desabastecimento de produtos ou serviços, diminuição na arrecadação de impostos e, dependendo das circunstâncias, paralisação de atividades satélites e problemas sérios para a economia local, regional ou, até mesmo, nacional.179

O princípio da preservação da empresa constitui o objetivo declarado no art. 75 da

LRE, que deve orientar a interpretação e aplicação da lei, em todos os demais dispositivos.

Para tanto, foi preciso compreender a evolução da falência, o abandono do objetivo

punitivo ou meramente liquidatário das legislações anteriores, a adoção de um perfil

preservador, que só pode ser concretizado por meio do novo procedimento de realização do

ativo previsto na LRE, que privilegia a alienação da empresa completa e em funcionamento, a

fim de auferir o maior valor possível na alienação, corrigindo as externalidades negativas dos

regimes pretéritos, pelo afastamento da sucessão tributária e de outros custos de transação.

Partindo da concepção processual da falência, da interpretação sistemática e 179 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 3, p. 233.

101

teleológica do princípio da universalidade do juízo falimentar, e compreendendo a formação

da massa falida objetiva e subjetiva, ficaram esclarecidos os limites das normas materiais e

processuais da falência.

Foi fundamental o entendimento do princípio constitucional da universalidade do

juízo falimentar. Utilizando o método histórico, foi possível demonstrar que os processos ou

causas de falência sempre estiveram excluídos da competência do juízo fazendário, desde a

Constituição de 1934 até a Carta de 1988. Em verdade, o juízo da fazenda nunca processou

falência. Com efeito, o art. 109, I, da Constituição da República de 1988, não se refere apenas

ao pedido de falência, mas, a todos os processos ou causas que digam com a falência ou sejam

regulados pela lei de falências, como a habilitação de crédito, a restituitória e a revocatória.

Utilizando o mesmo método histórico, ficou comprovado que a legislação referente à

Justiça Federal e também à falência sempre tratou dos créditos tributários dentro do concurso

material e processual. Desde a Fazenda Imperial, nos tempos da monarquia, os créditos

públicos são cobrados dentro do processo de falência. O Decreto nº 3.084, de 5 de Novembro

de 1898, que promulgou a Consolidação das Leis referentes à Justiça Federal, mandava

aplicar, de forma expressa e sem sombra de dúvidas, as leis de falências, no seu art. 676.

Tradicionalmente, a Fazenda Pública sempre foi preterida pelos créditos com

garantia real. Posteriormente, também foi preterida pelos créditos derivados da legislação do

trabalho e dos acidentes do trabalho. Assim sendo, não há nenhuma razão científica para que a

Fazenda Pública seja excluída do rateio, considerando a existência de credores com privilégio

superior àquele conferido aos créditos tributários.

Contudo, o ponto crucial de todo o esforço histórico realizado nesta dissertação pode

ser considerado alcançado pela demonstração de que o superprivilégio dos créditos tributários

ou a imunidade concursal da Fazenda Pública é fruto de uma legislação autocrática,

inaugurada com o Decreto no 22.866, de 28 de julho de 1933, seguido do Decreto no 23.055,

de 9 de agosto de 1933, e do Decreto-lei no 960, de 17 de Dezembro de 1938. Todos esses

diplomas foram outorgados na Era Vargas, e seus dogmas foram reproduzidos,

posteriormente, nos arts. 186 e 187 do CTN, diploma que também foi fruto da ditadura

militar, ou seja, de uma época marcada pela concepção autoritária de Estado e de privilégios.

Definitivamente, nenhum desses dispositivos encontra respaldo no Estado

Democrático de Direito. Muito pelo contrário, são infirmados pelos princípios da preservação

da empresa e da universalidade do juízo falimentar.

102

A conclusão que emerge do estudo desenvolvido é que a Fazenda Pública deve se

sujeitar ao concurso de credores da falência, uma vez que as normas materiais e processuais

da LRE se aplicam aos créditos tributários, desde a arrecadação dos bens, passando pela

realização do ativo, pela verificação e habilitação dos créditos, até o pagamento dos credores.

Para o fechamento desta dissertação, fica a proposta de não aplicação dos arts. 186 e

187 do CTN, bem como dos arts. 5º e 29 da LEF, pelo simples argumento de não terem sido

recepcionados no Estado Democrático de Direito, pela Constituição da República de 1988.

A fim de afastar qualquer dúvida sobre a seriedade da proposta, cita-se o trecho do

acórdão prolatado no julgamento do REsp nº 723.082, da relatoria do Ministro João Otávio de

Noronha, ocorrido no dia 20/10/2009 e publicado no dia 02/02/2010, no qual o STJ decidiu

que o art. 191 do CTN não merece aplicação na concordata, com base na simples

interpretação favorável ao contribuinte, conforme o art. 112 do mesmo CTN. Neste trecho, o

STJ considerou que o verdadeiro interesse público que norteou a LRE não está no

atendimento aos créditos da Fazenda, mas, na preservação da empresa, nos seguintes termos:

Em terceiro, quando se fala em interesse público, este não é o fazendário apenas. O interesse público, hoje, e cada vez mais - e isso é o que norteou a nova legislação, que tem sido aplicada, inclusive retroativamente, no que favorece à empresa - é no sentido de se evitar a perda de empregos e a paralisação da atividade econômica. Porque há uma repercussão social extraordinária com a quebra. Na medida em que é facultada a execução fiscal com toda a força que ela tem, e que está havendo a regularidade dessa concordata, o interesse público, com a máxima vênia, é o funcionamento da empresa, para continuar a sua atividade econômica. (Grifo nosso).

Esta é a proposta de diálogo entre os princípios da supremacia do interesse público,

da preservação da empresa e da eficiência.

103

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