Doenças exóticas e a nossa pecuária DBO: A Revista de ... · A aftosa surgiu no Brasil em 1895...

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Universidade de São Paulo 2014-02 Doenças exóticas e a nossa pecuária DBO: A Revista de Negócio da Pecuária, São Paulo, v.32, n.400, p.66, 2014 http://www.producao.usp.br/handle/BDPI/45004 Downloaded from: Biblioteca Digital da Produção Intelectual - BDPI, Universidade de São Paulo Biblioteca Digital da Produção Intelectual - BDPI Departamento de Clínica Médica - FMVZ/VCM Artigos e Materiais de Revistas Científicas - FMVZ/VCM

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Universidade de São Paulo

2014-02

Doenças exóticas e a nossa pecuária DBO: A Revista de Negócio da Pecuária, São Paulo, v.32, n.400, p.66, 2014http://www.producao.usp.br/handle/BDPI/45004

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Departamento de Clínica Médica - FMVZ/VCM Artigos e Materiais de Revistas Científicas - FMVZ/VCM

Ano 32· n0400 . Fevereiro de 2014· R$ 12,00

ENRICO ORTOLANIProfessor titular de Clínica de Ruminantes da FMVZ-USP e pesquisador do CNPq. [email protected]

Doenças exóticas e a nossa pecuária

Por definição, considera-se uma doen-ça como exótica se ela nunca atacou

continuamente os rebanhos de um país.Há mais de 50 doenças exóticas aindanão detectadas no Brasil, boa parte pre-sentes no gado da África e da Ásia.

Antes da chegada dos portuguesesnão existiam bovinos nas Américas.Reza a história que chegaram em 1536,na Bahia, com uma expedição coloni-zadora. Embora não tivesse nenhum"veterinário" nessa ocasião, não preci-sa ser sabichão para afirmar que algunsanimais ou estavam doentes ou traziamem seu interior bactérias, vírus, vermese outros agentes que a partir daí ataca-ram as gerações futuras de bovinos aquicriados.

Um desses agentes deve ter sido abactéria causadora da leptospirose, queprovoca aborto. Essa doença é transmi-tida para os bovinos pela urina de ratos.Documentos históricos revelaram que ascaravelas eram muito infestadas com es-ses roedores que comiam e urinavam nosalimentos dos bovinos aqui trazidos.

No decorrer dos séculos, foramchegando outras doenças, como a tu-berculose. No século XVI ela era co-mum nos bovinos e na população dePortugal, mas não nestas bandas. OPadre José de Anchieta escreveu quemuitos índios morreram da doença,após serem catequizados, apresentandoperda de peso, febre, tosse e elimina-ção de escarro com sangue. A dúvidaque fica é se pegaram a doença dos je-suítas tísicos (portadores da doença) oudo leite de vacas tuberculosas.

A aftosa surgiu no Brasil em 1895com importação de gado infectado doUruguai e da Argentina, que tinha sidorecém-trazido da Espanha, que na épo-ca tinha a doença. A história se repetiunos últimos surtos de aftosa, de 2001 noRio Grande do Sul e em 2005 no MatoGrosso do Sul. A doença chegou ao Paíspelo contrabando feito por pequenosfazendeiros, de gado oriundo da Ar-gentina e do Paraguai, respectivamente.Desde então, esses surtos provocaram

IEnfermidade transmitida pormosquito-pólvora corre o riscode chegar ao Brasil.

quedas em nossas exportações de carnebovina e suína de pelo menos US$ 30bilhões de dólares. A brincadeira saiucara demais!A pergunta que fica é se hoje a aftosa setornou, para nós, exótica. De certa for-ma, diria que sim. Segundo relatos, numdos surtos recentes de af-tosa, chamaram dois jo-vens veterinários paradiagnosticar o problema.Por falta de experiência"comeram bola" e o casosó foi solucionado quandoum experiente veterinário foi acionado.Nos Estados Unidos é disponibilizadoaos estudantes de veterinária um deta-lhado treinamento, via internet, para co-nhecer melhor as doenças exóticas. É umexemplo a ser seguido por aqui!

Junto com o gado zebu importadotambém vieram novas doenças, emespecial a dermatofilose, causada poruma bactéria que ataca a pele, princi-palmente de zebuínos criados em climaquente e úmido, presente em muitasáreas da Índia.

OBRAS DO DESCASO - Nos últimos 50anos, o mesmo descaso no controle rígi-do do gado importado permitiu que en-trassem no Brasil várias doenças de di-ficil controle (leu cose, micoplasmose,doença das mucosas, etc.). E agora, qualé a nova doença da vez que nos amea-ça? Eu arriscaria dizer que é a doença deSchmallenberg.

Ela surgiu "do nada" nos rebanhosda cidadezinha de Schmallenberg, naAlemanha, em agosto de 20 lI. No fimdo ano passado, foi confirmado que a do-ença era causada por um novo vírus dogênero Orthobunyavirus (ortho= similar;bunya= pinheiro australiano), assim de-nominados porque o vírus se assemelha aum espinho deste pinheiro. Verificou-seque a enfermidade era transmitida aosbovinos pela picada de um mosquitinho--pólvora, o maruim (Culicoides spp.),durante a primavera e o verão.

O vírus provoca no gado adulto um

febrão inicial, perda de apetite, diarreiae abatimento, com recuperação dentrode uma ou duas semanas. Mas nas vacasprenhes o estrago é maior. Como o ví-rus atravessa a placenta e atinge o feto,pode ocorrer aborto, geração de fetosmumificados e má-formação fetal com-

nascimento de bezerros cegos e com aspernas repuxadas (artrogripose).

A doença não ficou restrita a Sch-mallenberg e se espalhou rapidamentepor toda a Europa, acometendo milha-res de bovinos até agora. Como foramencontrados vírus no sêmen de tourose carneiros doentes, ligou-se um sinalvermelho, acreditando-se que essa do-ença também é venérea.

Existe risco para nós, que estamosa mais de 8.000 km do problema? Diriateoricamente sim, pois, se for importadoum bovino europeu com o vírus, apóseste ser picado por um mosquitinho pól-vora, muito presente de Norte a Sul doPaís, a doença se espraiaria rapidamente.

Há um ano os países do Mercosul jáproibiram a importação de ruminantesvivos, assim como sêmen e embriões debovinos, ovinos e caprinos europeus, sópermitindo caso os animais doadores se-jam comprovadamente livres da doença.Mesmo assim, muita prudência e caldode galinha não fazem mal a ninguém!

Como nós, simples mortais, pode-mos evitar o surgimento de doençasexóticas? Nunca contrabandeie gadode países vizinhos e "hermanos". Nãocompre bovinos em leilões clandesti-nos, que não têm inspeção veterináriarigorosa. O gado novo que entrar na suafazenda deve passar por uma quarente-na, para valer. Relate, sem medo, os sur-tos de doenças diferentes às autoridadesveterinárias. Além disso, é rogar aosdeuses que nos protejam e cuidem! •

66 DBO fevereiro 2014