Doença Cronica

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552 CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM DOENÇA CRÔNICA: CONVIVENDO CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM DOENÇA CRÔNICA: CONVIVENDO CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM DOENÇA CRÔNICA: CONVIVENDO CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM DOENÇA CRÔNICA: CONVIVENDO CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM DOENÇA CRÔNICA: CONVIVENDO COM MUD COM MUD COM MUD COM MUD COM MUDANÇAS ANÇAS ANÇAS ANÇAS ANÇAS 1 Maria Aparecida Vieira 2 Regina Aparecida Garcia de Lima 3 Vieira MA, Lima RAG. Crianças e adolescentes com doença crônica: convivendo com mudanças. Rev Latino-am Enfermagem 2002 julho-agosto; 10(4):552-60. Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, com o objetivo de apreender, por meio de entrevista, a experiência da criança e do adolescente com doença crônica, tal como ela é vivenciada por eles. Os resultados revelam que as crianças e os adolescentes têm seu cotidiano modificado pelas freqüentes hospitalizações, pelos limites ditados pela doença e tratamento, ocasionando mudanças, especialmente no processo de escolarização. Considerando que a criança e o adolescente vivenciam sentimentos e situações complexas, no cotidiano da doença crônica, é importante que os profissionais de saúde conheçam essas demandas e as incorporem ao plano de cuidados, visando a uma intervenção efetiva, para a promoção do crescimento e desenvolvimento. DESCRITORES enfermagem pediátrica, doença crônica, criança, adolescente CHILDREN CHILDREN CHILDREN CHILDREN CHILDREN AND AND AND AND AND ADOLESCENTS ADOLESCENTS ADOLESCENTS ADOLESCENTS ADOLESCENTS WITH WITH WITH WITH WITH A CHR A CHR A CHR A CHR A CHRONIC DISEASE: ONIC DISEASE: ONIC DISEASE: ONIC DISEASE: ONIC DISEASE: LIVING WITH CHANGES LIVING WITH CHANGES LIVING WITH CHANGES LIVING WITH CHANGES LIVING WITH CHANGES This descriptive and exploratory study aimed at apprehending, by means of interviews, the experiences of children and adolescents with a chronic disease as it is felt by them. The results showed that the lives of children and adolescents are changed by frequent hospitalizations and by the limitations imposed by the disease, which causes alterations particularly in their schooling process. Considering that children and adolescents experience complex feelings and situations in the everyday routine of living with a chronic disease, it is important that health care professionals learn about such needs and incorporate them to care planning, aiming at providing effective intervention in order to promote growth and development. DESCRIPTORS: pediatric nursing, chronic disease, child, adolescent NIÑOS NIÑOS NIÑOS NIÑOS NIÑOS Y Y Y Y Y ADOLESCENTES CON ENFERMED ADOLESCENTES CON ENFERMED ADOLESCENTES CON ENFERMED ADOLESCENTES CON ENFERMED ADOLESCENTES CON ENFERMEDAD CRÓNICA: AD CRÓNICA: AD CRÓNICA: AD CRÓNICA: AD CRÓNICA: CONVIVIENDO CONVIVIENDO CONVIVIENDO CONVIVIENDO CONVIVIENDO CON L CON L CON L CON L CON LOS CAMBIOS OS CAMBIOS OS CAMBIOS OS CAMBIOS OS CAMBIOS Estudio descriptivo exploratorio, con el objetivo aprehender, por medio de entrevista, la experiencia del niño y del adolescente con enfermedad crónica, tal como ella es vivida por ellos. Los resultados rebelan que los niños y los adolescentes, han modificado su día a día, por las frecuentes hospitalizaciones, por los límites dictados por la enfermedad y tratamiento, ocasionando cambios especialmente en el proceso de escolaridad. Considerando que el niño y el adolescente viven sentimientos y situaciones complejas en su cotidiano de la enfermedad crónica, es importante que los profesionales de salud conozcan estas demandas y las incorporen al plan de cuidados, llevando a una intervención efectiva, para la promoción del crecimiento y desarrollo. DESCRIPTORES: enfermería pediátrica, enfermedad crónica, niño, adolescente 1 O Presente estudo é parte da dissertação de mestrado “Doença crônica: vivências de crianças e adolescentes; 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, Professor Auxiliar do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil da Faculdade de Enfermagem e Nutrição da Universidade Federal de Mato Grosso; 3 Orientadora, Professor Doutor, e-mail: [email protected]. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem Rev Latino-am Enfermagem 2002 julho-agosto; 10(4):552-60 www.eerp.usp.br/rlaenf Artigo Original

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    CRIANAS E ADOLESCENTES COM DOENA CRNICA: CONVIVENDOCRIANAS E ADOLESCENTES COM DOENA CRNICA: CONVIVENDOCRIANAS E ADOLESCENTES COM DOENA CRNICA: CONVIVENDOCRIANAS E ADOLESCENTES COM DOENA CRNICA: CONVIVENDOCRIANAS E ADOLESCENTES COM DOENA CRNICA: CONVIVENDOCOM MUDCOM MUDCOM MUDCOM MUDCOM MUDANASANASANASANASANAS11111

    Maria Aparecida Vieira2

    Regina Aparecida Garcia de Lima3

    Vieira MA, Lima RAG. Crianas e adolescentes com doena crnica: convivendo com mudanas. Rev Latino-am Enfermagem2002 julho-agosto; 10(4):552-60.

    Trata-se de um estudo descritivo e exploratrio, com o objetivo de apreender, por meio de entrevista, a experincia dacriana e do adolescente com doena crnica, tal como ela vivenciada por eles. Os resultados revelam que as crianas e osadolescentes tm seu cotidiano modificado pelas freqentes hospitalizaes, pelos limites ditados pela doena e tratamento,ocasionando mudanas, especialmente no processo de escolarizao. Considerando que a criana e o adolescente vivenciamsentimentos e situaes complexas, no cotidiano da doena crnica, importante que os profissionais de sade conheamessas demandas e as incorporem ao plano de cuidados, visando a uma interveno efetiva, para a promoo do crescimento edesenvolvimento.

    DESCRITORES enfermagem peditrica, doena crnica, criana, adolescente

    CHILDREN CHILDREN CHILDREN CHILDREN CHILDREN AND AND AND AND AND ADOLESCENTS ADOLESCENTS ADOLESCENTS ADOLESCENTS ADOLESCENTS WITH WITH WITH WITH WITH A CHRA CHRA CHRA CHRA CHRONIC DISEASE:ONIC DISEASE:ONIC DISEASE:ONIC DISEASE:ONIC DISEASE:LIVING WITH CHANGESLIVING WITH CHANGESLIVING WITH CHANGESLIVING WITH CHANGESLIVING WITH CHANGES

    This descriptive and exploratory study aimed at apprehending, by means of interviews, the experiences of children andadolescents with a chronic disease as it is felt by them. The results showed that the lives of children and adolescents are changedby frequent hospitalizations and by the limitations imposed by the disease, which causes alterations particularly in their schoolingprocess. Considering that children and adolescents experience complex feelings and situations in the everyday routine of livingwith a chronic disease, it is important that health care professionals learn about such needs and incorporate them to care planning,aiming at providing effective intervention in order to promote growth and development.

    DESCRIPTORS: pediatric nursing, chronic disease, child, adolescent

    NIOS NIOS NIOS NIOS NIOS Y Y Y Y Y ADOLESCENTES CON ENFERMEDADOLESCENTES CON ENFERMEDADOLESCENTES CON ENFERMEDADOLESCENTES CON ENFERMEDADOLESCENTES CON ENFERMEDAD CRNICA:AD CRNICA:AD CRNICA:AD CRNICA:AD CRNICA: CONVIVIENDO CONVIVIENDO CONVIVIENDO CONVIVIENDO CONVIVIENDOCON LCON LCON LCON LCON LOS CAMBIOSOS CAMBIOSOS CAMBIOSOS CAMBIOSOS CAMBIOS

    Estudio descriptivo exploratorio, con el objetivo aprehender, por medio de entrevista, la experiencia del nio y deladolescente con enfermedad crnica, tal como ella es vivida por ellos. Los resultados rebelan que los nios y los adolescentes,han modificado su da a da, por las frecuentes hospitalizaciones, por los lmites dictados por la enfermedad y tratamiento,ocasionando cambios especialmente en el proceso de escolaridad. Considerando que el nio y el adolescente viven sentimientosy situaciones complejas en su cotidiano de la enfermedad crnica, es importante que los profesionales de salud conozcan estasdemandas y las incorporen al plan de cuidados, llevando a una intervencin efectiva, para la promocin del crecimiento y desarrollo.

    DESCRIPTORES: enfermera peditrica, enfermedad crnica, nio, adolescente

    1 O Presente estudo parte da dissertao de mestrado Doena crnica: vivncias de crianas e adolescentes; 2 Mestranda do Programa dePs-Graduao em Sade Pblica, Professor Auxiliar do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil da Faculdade de Enfermagem e Nutrioda Universidade Federal de Mato Grosso; 3 Orientadora, Professor Doutor, e-mail: [email protected]. Escola de Enfermagem de RibeiroPreto, da Universidade de So Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem

    Rev Latino-am Enfermagem 2002 julho-agosto; 10(4):552-60www.eerp.usp.br/rlaenfArtigo Original

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    INTRODUO

    O desenvolvimento cientfico e tecnolgico tempossibilitado o diagnstico precoce das doenas, e ateraputica adequada permite, muitas vezes, o controlede sua evoluo e cura. Mesmo com esses avanos,algumas doenas, especialmente as crnicas, promovemalteraes orgnicas, emocionais e sociais, que exigemconstantes cuidados e adaptao.

    Identificamos, na literatura pesquisada, vriasdefinies para doena crnica. Dentre essas, considera-se doena crnica aquela que tem um curso longo,podendo ser incurvel, deixando seqelas e impondolimitaes s funes do indivduo, requerendoadaptao(1). A principal caracterstica da doena crnica a durao(2). Eles a definem como de longa durao,ou seja, uma condio que dura mais de trs meses emum ano ou que necessite de um perodo de hospitalizaopor mais de um ms. Neste estudo, adotaremos essadefinio.

    Quando nos referimos criana, o esperado que ela viva situaes de sade para crescer edesenvolver-se dentro dos limites da normalidade, pormquando, nos defrontamos com ela, na condio dedoente, como todo ser humano, tem seu comportamentomodificado. Sua reao diante dessa experinciadesconhecida, que a doena, pode lhe trazersentimentos de culpa, medo, angstia, depresso eapatia, e ameaar a rotina do seu dia-a-dia(3).

    Nos casos crnicos, especialmente, a criana eo adolescente tm seu cotidiano modificado, muitasvezes, com limitaes, principalmente fsicas, devido aossinais e sintomas da doena e podem ser freqentementesubmetidos a hospitalizaes para exames e tratamento medida que a doena progride. Assim, a hospitalizaopermeia seus processos de crescimento edesenvolvimento, modificando, em maior ou menor grau,o cotidiano, separando-os do convvio de seus familiarese ambiente.

    A complexidade da doena, o seu tratamento, ouso e o acesso s tecnologias influenciam a trajetria dadoena crnica. Assim, algumas fases da doena podemser previsveis, e outras, incertas, porm todas causamimpacto e danos criana e famlia(4). Cada fase temtarefas prprias, requerendo delas fora, mudanas decomportamento, de atitude e readaptaes.

    Existem trs fases na histria da doena crnica:a fase de crise, caracterizada pelo perodo sintomticoat o incio do tratamento, ocorrendo umadesestruturao na vida da criana/adolescente e famlia;a fase crnica, marcada pela constncia, progresso eremisso do quadro de sinais e sintomas, quando acriana/adolescente e famlia procuram dar autonomia ereestruturao s suas vidas, e a fase terminal,abrangendo desde o momento em que a morte pareceinevitvel, at a morte propriamente dita(4).

    H uma analogia entre as fases da doena e odesenvolvimento humano, de acordo com o autor, poiscada perodo do desenvolvimento, assim como as fasesda doena tm certas tarefas bsicas. A fase de crise semelhante ao perodo da infncia, caracterizado pelaaprendizagem. Fazendo um paralelo, o perodo inicial dadoena serve para as pessoas conhecerem eaprenderem a utilizar estratgias de como conviver coma doena crnica. Semelhante transio da infnciapara a adolescncia, que abrange perodos de crise emaior responsabilidade, a transio para a fase crnicada doena envolve ... autonomia e a criao de umaestrutura de vida vivel, adaptada s realidades dadoena(4).

    Assim, a doena crnica impe modificaes navida da criana/adolescente e sua famlia, exigindoreadaptaes frente nova situao e estratgias para oenfrentamento. Esse processo depende da complexidadee gravidade da doena, da fase em que eles se encontrame das estruturas disponveis para satisfazer suasnecessidades e readquirir o equilbrio.

    Em um estudo realizado com pacientes crnicos,os autores(5) observaram que os pacientes passaram ater novas incumbncias, modificando hbitos,aprendendo como fazer o regime de tratamento,conhecendo a doena e aprendendo a lidar com seusincmodos fsicos. Alm disso, precisaram lidar, tambm,com as perdas nas relaes sociais e financeiras e coma perda da capacidade fsica para as atividades,principalmente as de lazer, por se sentirem ameaadostanto em sua aparncia fsica como em sua vida.

    Assim, este estudo tem como objetivo apreendera experincia da criana/adolescente com doenacrnica, tal como vivenciada por eles, e, assim, entenderesse momento singular de suas vidas. A partir dessaexperincia, poderemos planejar uma assistncia queatenda s suas reais necessidades, promovendo,

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    inclusive, a oportunidade de continuar integrado suafamlia, amigos e escola, estando mais prximo de seucotidiano. Esse estudo justifica-se, tambm, pelapossibilidade de identificar, a partir dos relatos devivncias de crianas e adolescentes com doenacrnica, aspectos que necessitem de interveno,procurando minimizar o impacto de conviverem com acondio crnica.

    METODOLOGIA

    Trata-se de um estudo descritivo-exploratrio, luz da abordagem qualitativa, pois ela responde aquestes particulares, num espao mais profundo dasrelaes, considerando como sujeito do estudo, pessoaspertencentes a determinada condio social, com suascrenas, valores e significados prprios(6). A descriodo cotidiano e das experincias do sujeito, uma dascaractersticas da pesquisa qualitativa, permite que osdados coletados sejam narrados, minuciosamente, comtoda a sua riqueza(7).

    O estudo foi realizado na Clnica de Pediatria doHospital Universitrio Jlio Mller (HUJM), Cuiab-MT.Participaram seis crianas/adolescentes na faixa etriade 7 a 14 anos, com diagnstico de doena crnica hpelo menos um ano, em acompanhamento no HUJM,com internao no perodo de abril a julho de 2000.

    A escolha dessa faixa etria baseou-se no fatode as crianas com mais de 7 anos e os adolescentes,encontrarem-se na fase de pensamento lgico e coerentee conseguirem, assim, comunicar verbalmente suasidias, dando significado s experincias(8).

    O critrio de incluso-tempo de diagnstico hpelo menos um ano-foi importante, pois a criana/adolescente j convivia com a doena, sendo possvelsaber suas possveis limitaes, mudanas no cotidianoe nas relaes.

    A entrevista livre foi a tcnica utilizada para aobteno dos dados, pois ela permite um aprofundamentoda comunicao, valorizando as idias, crenas,sentimentos e opinies sobre as experincias dossujeitos(6).

    Vale ressaltar que os dados foram recortados apartir de um processo de investigao maior (9), que temcomo questes norteadoras: Fale sobre sua doena eComo a sua vida depois que ficou doente?

    Segundo orientao das normas queregulamentam pesquisas em seres humanos(10),encaminhamos ao comit de tica em Pesquisa do HUJMsolicitao para se poder realizar a investigao. Aps aaprovao do Comit e autorizao do responsvel e daprpria criana/adolescente, por meio do termo deconsentimento, iniciamos a coleta dos dados com agravao das entrevistas. Entrevistamos seis sujeitos,porm obtivemos um total de onze entrevistas, porquealguns foram entrevistados mais de uma vez, poissentimos necessidade de aprofundar as informaes medida que organizvamos os dados. O tempo mdiode cada entrevista foi de 40 minutos.

    As crianas/adolescentes participantes soprocedentes de Cuiab e cidades do interior do estadode Mato Grosso, com idade de 7 a 14 anos, com asseguintes patologias:Hipertenso Porta e VarizesEsofgicas; Insuficincia Tricspide e HipertensoPulmonar; Leucemia Mielide Aguda; Sndrome Nefrtica;Retocolite Ulcerativa Aguda e Insuficincia Mitral, Articae Tricspide. O tempo de internao dos participantesvariou de 7 a 84 dias, sendo que alguns tiveram vriasreinternaes no perodo da coleta dos dados. A maioriaestava cursando a 1 srie do ensino fundamental, ealguns tiveram seu rendimento escolar comprometido,devido aos sinais e sintomas da doena e pelasfreqentes hospitalizaes.

    As entrevistas foram digitadas em formulrioprprio, elaborado com duas colunas; na da esquerda,transcrevemos a entrevista, e a da direita, reservamospara uma primeira classificao dos dados, a partir decdigos, ou seja, frases ou palavras que do uma noodo sentido acerca das informaes contidas nos dadosempricos(7). Aps esse procedimento, obtivemos vrioscdigos, que foram aglutinados a outros por suasemelhana, sofrendo um processo de reduo. Assim,esse processo permitiu-nos agrupar os cdigos por suasemelhana, constituindo-se em sub-temas e, por fim, adefinio de temas mais abrangentes, que englobaramos cdigos menores complementando-os. Um dos temasfoi convivendo com mudanas, objeto destainvestigao.

    Em respeito s questes ticas e ao anonimatodas crianas/adolescentes envolvidos, decidimosidentific-los com um nome fictcio, o qual foi escolhidopor ns, respeitando a inicial do nome de cada um.

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    RESULTADOS E DISCUSSO

    A partir das falas das crianas e adolescentes,percebemos que eles convivem com mudanas,decorrentes, por exemplo, da necessidade dehospitalizaes freqentes, dos limites ditados peladoena, pelo tratamento e da mudana em seu ritmo devida.

    O impacto da doena

    A doena para a criana/adolescente constitui-se num caminho, por vezes longo, difcil e imprevisvel.Sua vida passa, ento, a ser regida pela doena, comexames, internaes e viagens, pois muitos deles residemem outros municpios. O primeiro impacto surge quandorecebem o diagnstico, e constatam que, realmente, tmuma doena. A lembrana dessa poca provoca nelessentimentos de tristeza e angstia, expressos assim:

    Fiquei assim agoniada, quando uma pessoa t doente fica

    (Laura).

    (...) difcil ficar doente, assim numa cama. Ah! ficar doente

    no bom n, sente fraqueza, tontura (Isabel).Mas at que obtenham o diagnstico definitivo

    da doena, a criana e o adolescente j vivenciaramvrias hospitalizaes com muitos exames, a ida de umhospital a outro, em vrias cidades e estados diferentes,ou seja, uma verdadeira peregrinao, em busca demelhores centros que expliquem ou resolvam seuproblema.

    Fui pra Rondonpolis fazer exame, no deu nada, fui pra

    Cuiab, fiz um exame, a deu colite (...) no melhorou, a fui pra

    Guiratinga, fiquei l seis dias, no melhorou, a vim pra Cuiab (Isabel).Desde o incio dos sintomas at a definio do

    diagnstico e tratamento, eles vivenciam uma fase decrise(4), caracterizada como um perodo dedesestruturao e incertezas, precisando aprender a lidarcom os sintomas, procedimentos diagnsticos eteraputicos, para, assim, reorganizarem suas vidas.

    Frente necessidade de conviverem com adoena crnica, que exige retornos e hospitalizaesfreqentes, a criana e o adolescente passam, ento, ase familiarizar com os procedimentos, nomes dosmedicamentos, apropriando-se de um vocabulriotcnico. Todos os participantes nomearam a sua doena,sabiam por que estavam internados e em tratamento, equal o risco que a doena trazia para suas vidas.

    A doena minha, essa do bao (...) eu no quero ficar mais

    com esse barrigo, a tem que botar sangue outra vez, se esse bao

    no funciona mais (...) ele t grande (o bao) e ele pode estourar

    (Laura).Cada indivduo atribui significados diferentes ao

    processo de adoecer. Para Laura e Ana, a doena advmdo fato de ser congnita, e esse modelo de explicaodenomina-se endgeno(11), ou seja, a doena tem origemdentro do organismo, fazendo parte do prprio interiordo sujeito.

    (...) no sei do que peguei n, s vezes acho que nasci com

    ela, s pode ser (Laura).

    A minha me acha que desde que eu nasci, porque, quando

    eu chorava, arroxeava a boca... (Ana).Para alguns, ainda, a doena vivenciada como

    benfica e vantajosa(11), pois tm a possibilidade deganhar presentes em momentos de sua hospitalizao,de participar de festas que acontecem nesse espao, issoporque nem todos tm a oportunidade de vivenciar essesacontecimentos no seu cotidiano, devido s condiessocioeconmicas.

    Os mdicos traz presente pra gente (...) Os presente, ganhar

    presente e tudo que eu quiser (Elton).

    No Natal ganhei brinquedo aqui no hospital... (Carlos).

    As hospitalizaes e o tratamento

    A criana e o adolescente compreendem anecessidade do tratamento e as hospitalizaes, masgostariam de estar em casa, realizando atividadescotidianas e brincando:

    porque eu no fico mais em casa ... (onde voc fica mais

    tempo?) No hospital (Elton).

    Eu fico dormindo (na sesso de qumio), me d vontade de

    estar l em casa, assistindo televiso, brincando ... (Carlos).Quando falam do tratamento, demonstram

    conhecimento da teraputica e de suas conseqncias,das drogas que recebem e dos efeitos colaterais, s vezesinsuportveis.

    Ah! mudou n, mudou, sabe, porque a radioterapia muda a

    cabea da gente, o crebro da gente, d tontura, nsia de vmito, no

    d pra andar de nibus, eu vomito (Carlos).Sob o olhar da criana e do adolescente, o

    hospital tem uma caracterstica de dualidade, pois, aomesmo tempo que traz sofrimento, tambm representaum espao de cura, aonde vo para fazer o tratamento,os exames, buscando no s salvar suas vidas, mastambm trazer a sua sade de volta.

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    Ah, pra melhorar n, tem remdio na hora certa (...) E pra

    salvar a vida da gente (Carlos).

    responsabilidade do hospital cuidar, a gente sair bem, sem

    doena nenhuma, sair curada (Isabel).O hospital , tambm, um espao de dor e

    sofrimento para a criana/adolescente, pelosprocedimentos ali realizados, especialmente as punesvenosas:

    No bom ficar no hospital, com tantos remdios, injeo

    ... (Isabel).Apesar de as punes venosas causarem dor e

    sofrimento, eles se mostram divididos entre o ruim e onecessrio e acabam se rendendo a elas. O mesmoocorre com relao necessidade do isolamento protetor;sabem que devem se submeter a esse sacrifcio, poisa recompensa reverte em benefcio da sua prpria sade.

    Estando hospitalizados, precisam se ajustar srotinas do hospital (rgidas e nem sempre necessrias),causadoras de desconforto, como: medicaes,verificao de sinais vitais, observaes, luzes acesas ecrianas que choram nas enfermarias.

    Eu estava dormindo bem tranqilo, a ele chegou (o mdico)

    e falou acorda. A eu fiquei assim com sono, me deu raiva, passa

    muito cedo, fica acordando a gente (Carlos).

    (...) a gente no pode nem dormir noite, vem um e mede a

    presso, quando est quase dormindo, vem o remdio, a no durmo

    direito, n ... (Isabel).O sono e o repouso, como necessidades bsicas,

    especialmente para a criana/adolescente hospitalizado,no so respeitados pelos profissionais de sade, comoexpressaram Carlos e Isabel. O sono o momento dereorganizao funcional do sistema nervoso, necessriopara garantir o equilbrio fsico e mental da criana/adolescente(12). Portanto, para eles que so submetidosa exames, procedimentos e estresse emocional, ao longodo dia, o sono e o repouso so indispensveis para suarecuperao.

    Questionamos a rigidez das normas e rotinas dohospital, porque percebemos que h uma grandepreocupao da equipe com o cumprimento de tarefas,no se respeitando os hbitos e as necessidades dacriana. No seria possvel flexibilizar tais procedimentosno perodo noturno, de modo que o sono no sofressetantas interrupes? H a necessidade, por exemplo, deserem acordados, rotineiramente, durante a noite, paraa verificao de sinais vitais?

    Na assistncia criana/adolescente, o cuidado

    deve prever estratgias que minimizem o estressecausado durante as intervenes, seja ela fsica ouemocional. Esse cuidado caracteriza-se como cuidadoatraumtico(13).

    Quanto ao perodo de internao, observamosque variou para cada criana e adolescente. Algunspermaneceram meses no hospital, como Isabel queesteve internada durante trs meses, e Carlos que, noperodo de coleta de dados, esteve internado por trsvezes.

    Nesse processo que esto vivenciando, adimenso do tempo um fator importante em suas vidas,pois aps o diagnstico, no perodo entre uma internaoe outra, o tempo passa a ser contabilizado em dias:

    Ah, faz um tempo n, nem lembro direito (Lus).

    Antes eu no sabia o que era o hospital, agora eu no saio

    do hospital. Sabe, faz 17 dias que eu estou aqui internada (Isabel).O tempo uma abstrao subjetiva e

    heterognea(14), ou seja, de acordo com as situaesvivenciadas, como alegria, tristeza, dor, choro, os sujeitosdeterminam intensidades diferentes para o tempo, tantoque o registro desses acontecimentos, nas suasmemrias, assume uma proporo diferenciada eindividual. O ser humano est inserido em umdeterminado tempo e espao e todo movimento queocorre nesse espao, tambm registrado no tempo. Adepender do movimento que ocorre no ambiente, o tempopode ter um carter qualitativo, no se reduzindo apenasa uma mensurao do que vivido.

    No processo de hospitalizao, o tempo e omovimento tm um curso mais dinmico. Dessa maneira,o ambiente hospitalar tem importncia fundamental paraeles, pois pode influenciar positivamente o movimento eo tempo vivido. As brincadeiras, o lazer, a alegria e orespeito singularidade de cada criana/adolescenteestabelecem condies favorveis para mudana desseambiente.

    Se, por um lado, identificamos situaes desofrimento, por outro, observamos momentos de prazere descontrao.

    (...) tem as festinhas , a comida (...) Ah, l fora, brincar com

    outras crianas, l com a tia na recreao, pintar, jogar baralho (Carlos).O brincar uma forma de expresso da criana,

    pois, por intermdio dele, ela comunica seupensamento(15). Mesmo estando doente e hospitalizada,a criana mantm essa necessidade e, por meio dobrincar, pode comunicar seus medos, angstia, afetos e

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    alegrias. As brincadeiras do criana/adolescente apossibilidade de se deslocar de uma posio passiva, acondio de paciente, para uma mais ativa, passando ao e desenvolvendo suas potencialidades.

    Paulatinamente, a assistncia crianahospitalizada vem sofrendo transformao, com aintroduo de intervenes que ampliam o processodiagnstico-teraputico(16). Ocorre, assim, a preocupaoquanto transformao do ambiente hospitalar, de dor esofrimento, em um mais alegre, onde as crianas/adolescentes possam vivenciar, tambm, o prazer e olazer.

    A doena impondo limitaes

    A doena altera o ritmo de vida da criana. Se,antes, a prioridade era brincar, pular e jogar futebol, agoraexistem restries; preciso redobrar os cuidados parano cair e se machucar, o que pode provocar umaexacerbao dos sintomas e piorar o quadro. A prioridade,agora, para essas crianas/adolescentes, a doena, eeles precisam se adaptar s suas limitaes, e estasesto relacionadas s condies fsicas, alimentares ede socializao.

    , mudou, o mdico falou que eu no posso ir no

    escorregador, no balano, porque eu caio, machuco, a no pode, eu

    gosto de brincar dessas coisas, agora no d (...) mas com o rgo

    assim eu no posso (Laura).

    Atrapalha quando eu corro, de andar, no pode andar de

    bicicleta, quando eu corro minha me fica braba, porque no pode

    correr (...) Meu pai no deixa subir nos p da fruta (...) Ah, se eu cair

    n, meu rim pode ficar mais doente (Lus).Muitas vezes precisam romper relaes, afastar-

    se dos amigos que esto saudveis, pelo fato de asbrincadeiras no se adequarem ao seu novo estilo devida.

    (...) Perto de casa tem o F., ele s quer brincar de luta, a eu

    no posso dessas brincadeiras a (Carlos).A doena, para essa criana, pode ser

    caracterizada como malfica(11), pois ele a compreendecom um sentido negativo, uma vez que se v privadodas atividades cotidianas e tem sua participao socialtambm limitada, o que interfere em sua auto-estima.

    Com tanta limitao, suas atividades fsicasrelacionadas aos jogos e brincadeiras, algumas vezes,precisam ser revistas, e as regras (prescries),quebradas, garantindo-lhes algum controle sobre suas

    vidas, apesar das limitaes. A manuteno da autonomiaminimiza a angstia criada com a doena e o medo dodesconhecido.

    Gosto tambm de brincar de esconde-esconde, pico no alto,

    todas essas coisas (quando questionado se a equipe mdica sabia

    dessas atividades, ele respondeu...) No, pra que contar? (Carlos).

    Fico brincando com meu irmo, brinco com carrinho, ando

    de bicicleta, fico brincando..Ih, agora j falei (...) Olha a doutora T. no

    pode saber no, t (Lus).Os sintomas da doena no esto presentes o

    tempo todo; h perodos de remisso e de exacerbaese, quando os ltimos esto presentes, necessrioredobrar os cuidados, pois a doena chegatraioeiramente, sem nenhum aviso, como expressa Ana:

    Um pouco ela atrapalha, ela vem a gente nem percebe, s

    que eu no posso facilitar muito, no posso andar muito, andar de

    bicicleta, no posso fazer nenhum esforo seno ela piora (Ana).Ocorre, tambm, a mudana nos hbitos

    alimentares, devido s condies do estado fsico e dotratamento das crianas/adolescentes. Eles precisamreprimir seus desejos entre a vontade de comer e poderfaz-lo, pois tm conscincia do mal que determinadotipo de comida pode acarretar sua sade, quandodesobedecem s orientaes.

    Sem sal de tudo no, como com pouco sal, sem sal muito

    ruim. Tem vez que me d vontade de comer churrasco, mas eu no

    como no porque pode fazer mal pra mim, eu comeo a inchar (Elton).

    Alterao da rotina escolar

    Devido s freqentes hospitalizaes, aos sinaise sintomas da doena, ao tratamento e s limitaesfsicas, as crianas/adolescentes necessitam se ausentarda escola, o que acarreta atraso e prejuzo ao seuaprendizado, levando-os a abandon-la.

    Ah, atrapalha, porque eu vou para a escola, e a eu no

    posso carregar peso, a eu no gosto (Laura).

    Atrapalha eu n, porque eu estou na 1 srie, j repeti uma

    vez, era pra eu estar na 2 srie ... (Carlos).As preocupaes com as questes orgnicas e

    com as hospitalizaes assumem tal importncia que ospais, muitas vezes, no encontram alternativas quepermitam que a criana/adolescente freqente as aulas,resultando no abandono da escola. fundamental queos pais compreendam a importncia dos estudos paraseus filhos e que o hospital faa parcerias comprofissionais especializados, de modo a promover acontinuidade da educao.

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    O acompanhamento escolar da criana/adolescente hospitalizado est previsto na PolticaNacional de Educao Especial, do Ministrio daEducao, de 1994, por meio das chamadas classeshospitalares(17). Os objetivos dessa prtica pedaggicavisam continuidade do ensino formal, ao retorno e reintegrao da criana sua escola de origem.

    As ausncias freqentes escola acabam pordesmotivar a criana/adolescente, criando uma barreirano relacionamento entre ele, os professores e as demaiscrianas, dificultando, assim, seu ajustamento escolar.No entanto, possvel identificarmos situaesfacilitadoras para o ajustamento e aprendizagem, quandoh compreenso dos professores, oportunidade de aulasde reforo, na tentativa de amenizarem as dificuldadesdessas crianas no retorno s aulas.

    Eu falo pra professora e a ela d aula pra mim (aula de

    reforo), quando eu tiro nota baixa, quando eu fico muito aqui no

    hospital (Elton).As crianas/adolescentes portadores de doena

    crnica, algumas vezes, sentem-se diferentes porquenecessitam de cuidados especiais, como medicao,acompanhamento mdico, seja hospitalar ouambulatorial, e tambm pela limitao de seusmovimentos. Tal sentimento pode ser agravado quandoos professores no participam do processo quevivenciam, desconsiderando suas necessidades elimitaes, colocando-os em posio diferenciada,diminuindo-os perante os colegas.

    (...) tinha que sair muito da sala pra ir no banheiro, quase

    toda hora, por causa da disenteria n, a professora no deixava sair

    toda hora (...) Uma vez fiquei pra fora da sala, fui no banheiro, a bateu

    o sino e no deu tempo, fui entrar na sala a professora no deixou (...)

    s acho que foi injustia dela, ela estava sabendo que eu estava doente

    (Isabel).A escola apontada, tambm, como fonte de

    discriminao(18), tendo uma influncia crucial nodesenvolvimento e socializao das crianas com doenacrnica, que so rotuladas como diferentes, precisando,freqentemente, dar explicaes sobre suas ausncias.

    Nessas situaes, os professores precisam serinformados das condies reais da criana/adolescente,suas limitaes, efeitos colaterais dos medicamentos,para servirem de apoio criana e sua famlia. A rede deapoio estende-se s pessoas de um sistema social, sejafamlia, comunidade ou escola, que podero servir comosuporte emocional, material e informacional ao indivduonecessitado(19).

    A criana/adolescente, ao ingressar na escola,comea a fazer parte de um grupo maior, seurelacionamento com crianas da mesma idade, e comprofessores, ajudar no desenvolvimento de seuautoconceito e sua auto-estima(13), o que representa umamudana profunda em suas relaes; porm, para seajustar a esse novo ambiente, precisa ser aceita pelosseus pares e professores.

    Tanto o escolar como o adolescente ampliam,cada vez mais, seu convvio social; precisam daaprovao do grupo para a construo e reafirmao deuma auto-imagem positiva. Essa relao importantepara seu desenvolvimento social e psicolgico, poispredispe ao ajustamento e competncia durante aadolescncia e a vida adulta(18). Nesse processo deconviver com a doena, eles comeam a revelarpreocupao por no serem aceitos pelo grupo:

    (...) ningum gosta de mim na escola (...) as meninas ...

    elas fica cochichando de mim, falando, eu odeio isso (...) Ah, senti

    que no tinha mais amiguinha. (Laura).Essa fase marcada pela realizao de

    atividades e competncia, aquisies imprescindveis nasrelaes sociais com seus pares(13). Devido a algumasrestries em suas atividades e sua aparncia fsica,eles podem nutrir sentimentos de inferioridade, queinterferiro em seus relacionamentos. Laura, assim comoCarlos, tambm sofre discriminao por sentir-sediferente dos colegas.

    (...) todo mundo fica falando que voc pequeninha, que

    no cresce (...) as meninas da escola, elas so grandes, a elas ficam

    falando (Laura).

    Ah, eu no queria ficar assim, muito magro, pequeno,

    parecendo doente (Carlos).Na adolescncia, h a preocupao com o corpo

    em transformao, que exige do adolescente a aceitaode uma imagem corporal alterada, levando-o a se sentirdiferente. No toleram os desvios do corpo idealizado,conseqentes da teraputica, nem as limitaes dadoena, que alteram sua aparncia e restringem suaindependncia e habilidades(20).

    Em nossa sociedade, a representao do corpoperfeito valorizada, sendo considerado saudvel quemtem o corpo funcionando perfeitamente, no sendoadmitido nenhum deslize. Diante disso, as crianas/adolescentes precisam aprender a viver em um mundocentrado em pessoas saudveis, fato que reforadodiariamente pela mdia.

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    No agradam criana e ao adolescentecomentrios sobre sua aparncia fsica e problemas desade; desejam ser vistos como pessoas normais, nocom o estigma de doente. O estar doente negativo ecompreende ser nocivo, indesejvel e socialmentedesvalorizado(21). Nessa situao surgem, usualmente,comparaes, que provocam diminuio da auto-estimae sentimento de discriminao.

    CONSIDERAES GERAIS

    Ao dar voz s crianas/adolescentes,percebemos a dimenso que a doena tem em suasvidas, a qual vivenciada de forma singular, ou seja,como uma experincia pessoal.

    Devido ao tratamento, retornos ambulatoriais,exames e freqentes hospitalizaes, a criana/adolescente tem suas rotinas modificadas, e o hospitalassume uma dimenso importante em suas vidas, nodecorrer desse processo.

    A criana/adolescente percebe a gravidade desua doena, conhece o tratamento e os efeitos colateraisde alguns medicamentos, procura entender e justificaros procedimentos realizados, assim como o desconfortodas rotinas, muitas vezes rgido, a que so submetidos,em funo de sua recuperao e cura.

    Consideramos fundamental que, na assistncia criana/adolescente, o cuidado contemple no somenteos aspectos tcnicos, mas tambm suas necessidadesfsicas, emocionais e sociais e que, atravs deestratgias, minimize o estresse ocasionado pelasintervenes, tanto fsicas quanto emocionais. Comoestratgias, podemos citar o brinquedo teraputico,utilizado em algumas das unidades peditricas, nopreparo das crianas, diante de alguns procedimentos,permitindo o alvio de ansiedades e medos causados porexperincias ameaadoras; brinquedos e espaos paraas crianas brincarem, sendo incentivadas atividadesldicas; presena de pais, irmos e colegas durante ainternao hospitalar, para que o convvio familiar e socialno seja profundamente modificado nesse processo.

    O hospital no visto, pelas crianas eadolescentes, apenas como espao de cura e dor, mastambm como lugar de alegria e prazer, pelasbrincadeiras que ocorrem durante as atividades derecreao e comemoraes festivas. Identificamos,

    nessa situao, uma oportunidade para a promoo doseu desenvolvimento, pois, nesses momentos, a criana/adolescente passa de uma condio passiva, que adoena e o ambiente, muitas vezes, impem, para umaposio ativa, que desenvolve suas potencialidades,recuperando, assim, sua normalidade.

    Eles sabem que precisam se ajustar a limitaesfsicas, alimentares e de socializao, nesse processoda doena e tratamento, e os pais e os profissionais dasade devem estimul-los a manter a autonomia e aindependncia, prprias da fase de desenvolvimento emque se encontram.

    A escolarizao e os relacionamentos sociais sotambm fatores importantes na etapa de desenvolvimentoem que se encontram as crianas e os adolescentes donosso estudo. A doena, a teraputica e os efeitoscolaterais dos medicamentos interferem na freqncias aulas, desmotivando-os e dificultando sua adaptaoescolar. Eles sofrem discriminao dos colegas, seja pelasuperproteo dos professores, seja pela dificuldade dedesenvolverem determinada atividade coletiva, sendoexcludos de algumas delas, pelos prprios colegas.Sentem-se diferentes, seu convvio social limitado, tudoisso interferindo em sua auto-estima.

    Nesse sentido, famlia, escola e hospital devemestabelecer dilogos e dar condies para que acontinuidade da escolarizao seja preservada. Algumasintervenes tm sido desenvolvidas, como as classeshospitalares, favorecendo a aceitao e reintegrao doaluno, facilitando seu retorno escola, sem prejuzo nasatividades curriculares.

    Assim, a interao que as crianas e osadolescentes estabelecem com o meio e as pessoas, e,especialmente, com a equipe de sade, pode modificarsuas respostas e auxili-los frente situao da doena,minimizando conseqncias negativas e tornando-osresilientes, ou seja, capacitando-os a se adaptar amudanas no seu cotidiano e a reagir com flexibilidadediante das limitaes e tratamento que a doena imps.

    Considerando que a criana e o adolescentevivenciam sentimentos e situaes complexas nocotidiano da doena crnica, importante que osprofissionais de sade conheam essas demandas e asincorporem ao plano de cuidados, visando a umainterveno efetiva para a promoo do crescimento edesenvolvimento.

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    Recebido em: 12.7.2001Aprovado em: 22.4.2002

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