Documento de trabalho - 2ª versão

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DOCUMENTO DE TRABALHO / versão 2 / novembro 2016

Documento de trabalho «O sonho missionário de chegar a todos»

1. AIgrejaqueperegrinaemLisboaquersertestemunhadaalegriadoEvangelhoe

rosto da misericórdia de Deus. Animada pelo convite sempre novo do SenhorJesus–«faz-teaolargo»(Lc5,4)1–,elasabequeaissosempreaimpeleoBomDeus,pelasuaPalavra,noseuEspírito.Omandatopereneaser«saldaterraeluzdomundo»(cf.Mt5,13-14)eavontadecrentedeseraífermentoevangélico(cf.Lc13,20-21)chamam-naaumanovaestaçãodavidaeclesial.Astransformaçõesdomundoondeestáreforçamaurgênciadeacolhercomesperançaeousadiaossinais dos tempos. Em caminhada sinodal, ela abraça com entusiasmo ochamamentosemprerenovadoadeixar-seevangelizareaserevangelizadora.

2. Impelida pelo Espírito Santo «que infunde a força para anunciar a novidade doEvangelho com ousadia» (EG 259), a Igreja acolhe o desafio de uma«transformação missionária» na certeza de que o Espírito é o autênticoprotagonistadamissão(cf.EG19-20;RM21.30;EN75).Aoolharacomplexidadedomundo contemporâneo, a Igreja reconhece a atualidade e universalidade domandatomissionárioquelhefoiconfiadoporJesus:«Ide,pois,fazeidiscípulosdetodos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado» (Mt 28, 19-20). Poroutro lado, face aos atuais desafios evangelizadores, atesta que o Senhor nãocessadelheconferiraforçaeosmeiosnecessáriosparaavançarcomconfiança.Cristo ressuscitadoprometeuumaassistênciaefetivaà sua IgrejagarantidapelapresençaativaefecundadoseuEspíritoqueemtodasascircunstânciascooperacomamissão(cf.Mt28,21;Mc16,20).Notempopresente,emquesealargam«oshorizontesepossibilidadesdamissão»(RM30),oEspíritorecordaà Igrejaaíndoledasuavocaçãomissionária (cf.EN14)eenvia-aa lançar-senumanovaeprimeiraevangelização tãonecessárianonosso contexto social e cultural (cf. EE46).

3. O presente Documento de trabalho é um fruto da dinâmica sinodal querida eimplementadanoPatriarcadode Lisboae comaqual seprocuradar resposta àexortação do Papa Francisco, dirigida à Igreja universal, a «uma nova etapa

1NMI,1:«Ducinaltum!Estaspalavrasressoamhojeaosnossosouvidos,convidando-nosalembrar

comgratidãoopassado,avivercompaixãoopresente,abrir-secomconfiançaaofuturo:“JesusCristoéomesmo,ontem,hojeesempre”(Hb13,8)».

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evangelizadora»(EG1).ComaconvocaçãodoSínododiocesanoquis-sedarcorpoàindicaçãodoRomanoPontíficeparasepromoveremosdiversos«organismosdeparticipaçãopropostospeloCódigodeDireitoCanónico»eaodesejode«ouviratodos» para o incremento eclesial de uma «comunhão dinâmica, aberta emissionária»(EG31).Acomemoraçãodos300anosdaqualificaçãodadiocesedeLisboa como Patriarcado ofereceu a ocasião para esta procura comum decaminhosnovosparaumapresençaeclesialevangelizadoraecapazderesponderaosdesafiosdestetempo.

Desde setembro de 2014, muitos cristãos, em vários contextos eclesiais(paróquias, serviços diocesanos, movimentos, famílias, grupos especialmenteconstituídos para o efeito, entre outros), vêm lendo a Exortação ApostólicaEvangeliiGaudium–AalegriadoEvangelho,assumidacomoinspiraçãoeguiãodoSínododiocesano,erefletindoàsualuzsobreoscaminhosqueaIgrejadeLisboaéhoje chamada a percorrer. O presente Documento de trabalho recolhe estescontributoseprocura sistematizaro frutodesta reflexãodiocesanaemordemaservir de base aos trabalhos da Assembleia do Sínodo (27 de novembro a 4 dedezembrode2016).Nocontextodasuahistóriarecente,estaempresaeclesialsintoniza-sequercomareflexãoeaçãodesenvolvidasemtornodoPlanodeAçãoPastoraldoPatriarcadodeLisboa(1976)2,quercomaexperiênciadoCongressoInternacionalparaaNovaEvangelização (ICNE – 2003-2007), particularmente no que se refere à suamobilizaçãoparaumestiloeclesialmaisassumidamenteevangelizadorepresentenosespaçosquotidianosdanossasociedade.

I. «[Uma] mudança de época» (EG 52): escutar o mundo e olhar a Igreja 4. «Deus viu que era bom» (cf. Gn 1, 1-36). Ecoam ainda hoje estas palavras

primordiaisdacriação.ParaquemcrêemCristo,elasnãocaducaramcomotemponemperderamasuaverdadeprofunda.Pelocontrário,elas interpretamoolharcom que Deus sempre olha omundo em cada tempo e, portanto, também nonosso.AssimsereconhecemoscristãoscatólicosdeLisboaeassimreconhecemomundo ao qual pertencem e no qual vivem a sua fé: sempre sob o olhar

2Já então se procurava estimular uma renovação missionária da Igreja: «Um plano pastoral não

pode limitar-se a reformas tímidas, apenas conservando e transformando o que já existe. Não bastareproduzir coisas velhas, mais ou menos inteligentemente reformadas; é preciso criar coisasinteiramentenovas,segundoaPalavradoSenhor:“vinhonovoemodresnovos”(Mc2,22).UmaIgrejaque se renova tem de ser sensível à mudança, aceitando realizar as transformações necessárias»(«PlanodeAcçãoPastoralparaoPatriarcadodeLisboa»,inBoletimDiocesanodePastoral–separata).

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misericordiosoepaternodeDeus.Acertezacrentedequeestemundoumavez«criado e conservado pelo amor do Criador» foi liberto do pecado pela Cruz eRessurreiçãodeCristo(cf.GS2)constituio fundamentodocompromissocristãonomundoeégeradordeumaesperançafirmequenenhumaadversidadepoderájamaisabafar3.ConscientedesteprimadodapresençadeDeusnaobservaçãodomundo, a Igreja de Lisboa olha para si e para o seu contexto como lugar derevelaçãodoEvangelhoeacolhe comoapelosdoaltoosdesafios comqueestáhojeconfrontada.

5. O presente processo sinodal é também momento para a Igreja de Lisboa

reconheceremsiapresençaatuantedeDeus.Contemplandoolongocaminhoporsi percorrido, declara-se herdeira de um notável património de compromisso etestemunho cristão. Olha com particular gratidão para as muitas sementes desantidadequeagraçadivinasemeounasuahistóriaeparaosfrutosdecaridadeede autêntica cultura humana que ela gerou entre nós. Agradece ao Senhor adedicação ao Evangelho e ao serviço do próximode inúmeros dos seus filhos efilhas,tantoemtemposremotoscomonopresente.Nesteexercíciodememória,reconheceigualmentenemsempreterestadoedenemsempreestaràalturadasua sublime vocação. Por isso, neste caminhar conjunto para uma conversãoeclesial,elapedetambémperdãopelosseuserroseomissõesnotestemunhodoEvangelho.

6. Enviada ao mundo, a Igreja participa das suas alegrias e esperanças, das suas

tristezas e angústias (cf. GS 1). Ela quer estar nomeio domundo «como quemserve»(Lc22,27).Semseconfundircomomundo,aIgrejatambémdelenãosesepara.Pelo contrário, verifica comoasdinâmicasda sociedadedeste tempo semanifestamefazemsentirnoseuseio.Nestemesmosentido indicouD.ManuelClemente,PatriarcadeLisboa:«OsereoacontecerdaIgrejanomundoeparaomundoconstituemopontoessencialdereflexãoecelebração[…]dacaminhadasinodal»4. Por tudo isto, a Igreja de Lisboa não se posiciona como observadoraexternaecríticadoseumundo,mascomocomunidadequesabepartilharcomelemuitasdassuasluzesesombras,propondo-lheavivênciadosvaloresevangélicoscomocaminhoparaaconstruçãodeumasociedademaisjustaefraterna.

ESCUTAROMUNDO

3EsperançaqueoPapaJoãoPauloII,naesteiraaIIAssembleiaEspecialdoSínododosBisposparaa

Europa (1999), considerou a «urgência maior» que atravessa o continente europeu e uma condiçãoessencialparaquesetornepossíveldar«sentidoàvida»e«caminhardemãosdadas»(cf.EE4).

4D.MANUELCLEMENTE,«“Osonhomissionáriodechegaratodos”(EG31).IniciandoocaminhosinodaldoPatriarcadodeLisboa»,inVidaCatólica4ªsérie–II/3(maio/agosto2014),128-129.

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7. Com o mencionado espírito de positiva cooperação com o contexto social ecultural da diocese de Lisboa, procura-se aqui fundamentar a reflexão sinodal eação eclesial numa atenta escuta da realidade que nos envolve e de que oscristãosfazemparte.Comhumildade,aIgrejaquerfazê-loematitudedediálogosincero.Comolharde fé, elaquer ser sentineladosecosdeDeusneste tempo.Com espírito profético, ela quer ainda levantar a sua voz diante daquelascircunstânciasemqueoplanosalvíficodeDeuseadignidadehumanasãopostosemcausa.

8. O mundo de hoje mostra-se crescentemente heterogéneo e complexo. Aconfluência de gentes de proveniências diversas, com a consequentetransformaçãonaformacomosegeramosvínculossociaiseanoçãodepertença;a dispersão dos espaços onde a vida acontece (casa, família, trabalho, escola,comércio, lazer),comenormes impactosnoritmodiáriodetantosresidentesnaárea desta diocese; as desigualdades sociais, económicas e culturais, com asdiversas formas de pobreza e solidão que elas fomentam; a pluralização dosgrandes referenciaisquemoldamaexistênciaedeterminamoseuhorizonte;asintensas transformações no mundo laboral ou no âmbito familiar são apenasalguns dados observáveis na presente realidade sociocultural e que tornamevidente como esta se vai tornando progressivamente mais heterogénea5. Estacrescenteheterogeneidadesocialamplificaacomplexidadedomundoatual.Hoje,mais do que nunca, aumenta o número de variáveis necessárias para descrevercomrigorumadeterminadasituaçãoe,nãopoucasvezes,essasvariáveisapontammesmo em sentidos contrários. Daí que as análises se tornem cada vez maisexigenteseassoluçõesparaosproblemasdifíceisdeencontrar.

9. Não escasseiam no presente deste mundo notáveis sinais de esperança.

Observam-sehoje,mesmosede formaalgoparadoxal,bastantesexpressõesdeumaefetivaprocuradefraternidade,tantasvezestraduzidaemváriasformasdevoluntariado ou em gestos discretos de solidariedade. Também ao nível dasorganizações,verifica-seumacrescenteconsciênciadaresponsabilidadesocialdeempresaseinstituições.Apróprianoçãodehabitarmosumacasacomum,tantasvezessoba formadeconsciênciaecológica,vaiconhecendoprogressosquenãodevemserignorados.

10. SinaldegrandeesperançaparaaIgrejaétambémasededevidaespiritualquese

pode constatar. É certo que os hodiernos itinerários de busca espiritual nemsemprepassampelaIgreja.Todavia,apersistênciadestainquietaçãoassegura-lhequepermanecevivanocoraçãohumanoafomedesentidoedetranscendência.

5Dinâmicas,porventura,commaiorrelevâncianasáreasdadiocesemaisintensamenteurbanizadas.

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As artes têm sido, por vezes, um domínio onde estas procuras se revelam e,enquantotal,elastornam-setambémsinaldeesperançanomundo.Profundamente interpeladora é a forma pela qual muitos, mesmo quandoafastadosdeumaregularpráticacristãounemseconsiderandosequercristãos,sevoltamparaaIgrejaembuscadeumapalavradeDeus,deumaluzdoalto,deuma voz profética, de um gesto magnânimo, de um tempo de escuta ou,simplesmente, de um espaço de silêncio. Tambémnesta boa vontade e atitudedialogante se reconhece um sinal dos tempos que provoca e responsabiliza otestemunhoeclesial.

11. Aoperscrutaromundo,aIgrejatambémreconhecenelesinaisdealerta.Assiste-seaumcrescente individualismo,queestendeosseusefeitosaosmaisdiversosdomíniosdavida:erosãodanoçãodebemcomumedeumapráticaconsequentecomasuasalvaguardaepromoção;desconfiançafacea instituiçõese indivíduosque corrói os laços sociais e enfraquece o empenho político dos cidadãos;desequilibrada procura de bem-estar, associada a uma cultura do consumoquetende a tornar tudo descartável; competitividade social e económica que fazdependerovalordepessoase realizaçõesdoseusucessoeprodutividade;umavisãohedonistadaexistênciahumanaquetendenãosóadesconstruirumavisãointegral da pessoa humanadesde a conceção àmorte natural, como coloca emriscoapreservaçãodanaturezaeoequilíbrioecológico.Emsimultâneo,constata-se uma aceleração desumanizadora dos ritmos da vida que multiplica tensões,esgotamentosedepressões,tantoanívelsocialcomopessoal.Verifica-setambémuma negação generalizada da transcendência, manifesta numa crescentedeformaçãoética,nasuperficialidadecomqueseabordamasquestõesmorais,noenfraquecimentodosentidodepecadoenoaumentoprogressivodorelativismo(cf.EG64).Nestecontextoadquireparticularrelevoaprofundacriseculturalqueatravessa a família cujos traços semanifestam, entre outros, na fragilidade dosvínculos relacionaisenumavisãoutilitaristadomatrimónio (cf. EG66).Aonívelinternacional destaca-se também a emergência dos novos fundamentalismos eformas de terrorismo, a fragilidade das relações internacionais que ameaçam aestabilidadedapazeasdesigualdadeseconómicasqueoriginaminúmerasformasde pobreza. Estes fenómenos patentes nomundo que somos e habitamos são,para a comunidade cristã, motivos de preocupação, na medida em que sãoexpressão do drama que constitui a rutura do Evangelho com a cultura, mastambémapelosaumacríticaconstrutivaeempenhadanaaberturadecaminhospara umamaior humanização da sociedade. Amagnitude e abrangência destesdesafiosexigemacooperaçãodetodos.Conscientedisto,a Igrejaquertrabalharlado-a-ladocomtodosos«homensdeboavontade»(cf.GS43)naconstruçãodeummundomelhor.

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12. Neste ambiente, a par de sinais de autêntica inquietação espiritual, verifica-se

também uma dispersão do universo religioso e um distanciamento do espaçocristão que interpelam a Igreja. Observa-se, por exemplo, um progressivodesconhecimentodasreferênciascristãsqueestruturamanossahistóriaecultura.Este desconhecimento é, por vezes, alimentado por uma atitude de indiferençaperante a questão de Deus e da fé. Estas transformações dão nota de queatravessamos, efetivamente, uma «mudança de época» e uma «viragemhistórica»(EG52)queaIgrejaemsínodoquerescutarparamelhoragirnomundoaquepertenceeaquesempreéenviadapeloseuSenhor(cf.Mt28,19-20).

OLHARAIGREJA13. AIgrejadeLisboa,motivadaporestecaminhosinodal,olhatambémparasiepara

a sua realidade com humildade e fá-lo em vista da sua «conversão pastoral emissionária» (EG 25). Iluminada pelo Evangelho, fonte da sua alegria, ela querestar à altura das necessidades deste tempo e do mandato de Jesus: «sereisminhastestemunhas»(Act1,8).Porisso,oSínododiocesanoolhatambémparaaIgreja, para as suas práticas e estruturas, para as suas formas de presença elinguagens, para os seus limites e potencialidades. Só encontrando-se com averdadedoqueé,etemsidoasuaação,poderáesta«porçãodoPovodeDeus»encetaroscaminhosnovosqueosdesafiosatuaislhepedemeaqueoEspíritodeDeusaquerconduzir.

14. A Igreja reconhece-se como «comunidade de discípulos» (EG 21.24) de Jesus enissoencontraohorizontefundamentaldasuaidentidadeemissão.Napresentecaminhada sinodal do Patriarcado de Lisboa foi possível identificar expressõesconcretasdeautênticacomunhãoeclesialevidafraterna,taiscomoexperiênciasderepartiçãodebensederesponsabilidades;decomunhãonaoraçãoenaação;dedomdesiemfamíliaeemoutrasvocaçõesdeespecialconsagração;degestosconcretos de proximidade pastoral e de atenção aos mais necessitados; deaudáciamissionária e de ousadia na procura de «novo ardor, novosmétodos enovas linguagens» eclesiais6. Tambéma experiência doSínodo tem sido ocasiãoparaumreforçodasdinâmicascomunitáriasnaDiocesedeLisboa.A Igreja sente-se particularmente interpelada pela diversificação de referênciaseclesiais e de pertenças comunitárias de muitos dos seus filhos. Esta realidadeconvocaoseudiscernimentoecriatividade,paraqueestadiversificaçãoconcorrasempreparaa«edificaçãodoCorpodeCristo»(Ef4,12).

6Cf. PAPA JOÃO PAULO II, Insegnamenti, VI/1, 698; D. JOSÉ POLICARPO, «Carta pastoral: “Nova

evangelização”,umdesafiopastoral»,inVidaCatólica3ªsérie–XII/36(setembro/dezembro)2010.

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15. «Não deixemos que nos roubem a comunidade!» (EG 92). A Igreja de Lisboaverificatambémemsiváriasexpressõesde«crisedecompromissocomunitário»(cf.EG50-109).AsdificuldadesaumavidaemIgrejamaiscomunionaldecorrem,porum lado,deumamentalidademundanaepessimista,moralistaeburocrataque acaba por fazer sentir os seus efeitos negativos na comunhão eclesial. Poroutro lado, essas dificuldades são multiplicadas por problemas na própriaorganização e ação eclesiais: descoordenação pastoral e multiplicação depropostas,quetendemadispersaresforçoserecursos;tendênciaparaprivilegiaro particular e o imediato em detrimento de uma pastoral de conjunto e decontinuidade, pensada a longo prazo e não tão dependente da mudança deagentespastorais;resistênciaemsairderotinasestabelecidaseempreenderumapresençaassumidamentemaisevangelizadora;excessode improvisoedéficedeplanificação em certas ações eclesiais; várias lacunas de formação entre osagentes pastorais (teológica, bíblica, litúrgica, catequética, social); consciênciacomunitária e vocacional da vida e da proposta cristã não devidamenteconsolidadas.Olhandoparasicomaverdadeexigentedesercomunhão,aIgrejadeLisboaquerassumir estas manifestações como lugares incontornáveis para crescer no seu«compromisso comunitário» e exercitar a sua desejada «conversão pastoral»,passando de enunciados que há muito se repetem para opções efetivas eprioritárias.

16. Corpoformadopormuitosmembroseenriquecidopeladiversidadedecarismasque o Espírito nela suscita (cf. 1Cor 12), a Igreja de Lisboa reconhece ocompromissoevangélicodaquelesqueaconstituem.

17. AIgrejaolhacomalegriaparaaentregaevitalidadedetantosdosseusministrosordenados (bispos, presbíteros e diáconos) e reconhece a fecundidade dasrelaçõesdeproximidadequeestabelecemcomascomunidadesaquemservem.Aomesmotempo,elapreocupa-secomaformaçãopessoaleespiritualdosseuspastores e verifica que subsistem sinais de uma escassa confiança nos leigos. Acomunidade diocesana preocupa-se, ainda, ao verificar que os pastores estão,muitasvezes,sobrecarregadoscomváriosencargos.Paraalémdadispersãoquegera, este facto não promove o acompanhamento espiritual e pessoal dos fiéis,algosentido,porestes,comodegrandeimportância.A Igrejade Lisboamostra-se igualmente reconhecidapelo testemunhodoReinodado por religiosos e religiosas. Na multiforme riqueza dos seus carismas, elestornampresenteodefinitivodeDeusnoprovisóriodanossacondição.Se,porumlado, a sua presença e ação se mostram essenciais no acompanhamento de

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pessoas e comunidades7, por outro, parece haver ainda necessidade deaprofundaraarticulaçãodoseuserviçopastoralcomoutrasrealidadeseclesiais.

18. Entre os cristãos leigos observam-se também testemunhos do Evangelhoinspiradores e interpeladores, assentes na profundidade da vida espiritual, nocompromissoeclesial e na vivênciada caridade.Reconhece-se anecessidadededesenvolverdinâmicasqueacentuemaespecificidadedoseulugarnomundoaoserviçodoReinodeDeus.Poroutro lado,oseuenvolvimentonaIgrejadeveserfavorecido acentuando as dimensões de comum responsabilidade edesenvolvimentodeumaconsciênciacríticaediscernidaàluzdoEvangelho.Aospastores e comunidades cristãs cabe a tarefa de proporcionar ambientessanadores da intensa atividade dos leigos no mundo, promovendo o seuacompanhamento espiritual, gerando ambientes acolhedores e fraternos,fomentandoiniciativasqueosauxiliemnobomdesempenhodassuasfunçõeseostornemalegresanunciadoresdamensagemcristã.

19. Nestepercursosinodal, foi tambémpossívelperceberumarenovadadescobertada vocação da família na Igreja e na sociedade8. A complexidade das situaçõesfamiliares constitui, todavia, um desafio incontornável para a ação eclesial.Constata-se que há, ainda, um longo caminho a percorrer para que as famíliascristãs se descubram como verdadeiras igrejas domésticas e para que acomunidadeeclesialseconfigurecomoautêntica«famíliadefamílias»(AL87).

20. A Igreja de Lisboa procura também encarnar o Evangelho de Jesus em gestosconcretos de amor ao próximo. A ação social, sobretudo quando desenvolvidajunto dos mais pobres, é um fator que torna mais credível a sua presençaevangelizadora.Contudo, seemalgunscasosessaaçãoéumaefetivaexpressãodacaridadedascomunidadescristãs,noutroselapareceter-sedistanciadodasuavida e celebraçãoda fé, assumindo, nãopoucas vezes, a feiçãodeuma simplesprestaçãoorganizadadeserviçossociais.Para além destas formas de exercício da caridade, verifica-se uma escassaparticipaçãodoscristãoscatólicosnoutrosdomíniosdavidasocialepolítica. Istopodeserverificadonaprevalênciadeumacertaatitudedefensivafaceaomundo,natraduçãoimperfeitadasuamundividênciamoralecultural,nadificuldadeeminterpretarashodiernasmutaçõessociais,sobretudoemcontextourbano,ouna

7Paróquias,escolas,hospitais,obrassociais,universidades,paramencionarapenasalgunsespaços

ondeessapresençaeaçãopodemserobservadas.8Processo, seguramente, estimulado pelos Sínodos dos Bispos sobre a família (2014; 2015) –

contemporâneosdestacaminhadasinodaldiocesana–epelaExortaçãoApostólicaPós-SinodalAmorisLaetitia–Aalegriadoamor.

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escassa capacidade de acompanhar os cristãos e outros nos seus ambienteslaborais.

II. «Discernir […] com critérios evangélicos sobre a própria existência e experiência» (EG 77): critérios para a ação eclesial

21. Aoolharopresentecomverdadeeesperança,aIgrejadeLisboaquerserlugarde

autêntico«discernimentoevangélico»,talcomopreconizadopeloPapaFrancisco(cf. EG 50). Ela reconhece que os exigentes desafios com que está confrontadarequerem que entre «decididamente num processo de discernimento» (EG 30)acercadesiprópriaedasociedadedaqualfazparte.Atuando,pois,asuavocaçãoprofética,elaqueridentificaremultiplicaraquelasrealidadesemquereconheceafrescura do Evangelho e «as sendas do Espírito» (EG 45). Mas, também porcompromissoprofético,elaquerdenunciareagirsobreaquelasoutrasrealidadesondeabelezadoencontrocomCristoeadignidadedapessoahumanasãopostasemcausa.

ApósumprimeiromomentodesteDocumentode trabalho,emqueseprocurouobservar a realidade social e eclesial, e antes deummomento final, emque seprocurarãoperspetivasdeaçãopastoral,parececonvenienteapontarcritériosdediscernimento e de ação inspirados no Evangelho, para que nem se dilua aespecificidadedodiscernimentoeclesial nemdeixede se considerar a realidadedocontextoatual.

CRITÉRIOSFUNDAMENTAIS22. Aenquadraroscritériosdediscernimentoexplicitamentepropostosnaexortação

EvangeliiGaudium estánão sóo seuapeloauma«reformadasestruturas»eauma «conversão pastoral» (EG 25.27), mas sobretudo a sua proposta de ummodelo de «Igreja “em saída”»9. Neste modelo, todo o batizado éconstitutivamente «discípulo missionário» (EG 119) e a missão é vista como

9D.MANUELCLEMENTE,«“Osonhomissionáriodechegaratodos”(EG31).Iniciandoocaminhosinodal

do Patriarcado de Lisboa», inVida Católica4ª série – II/3 (maio/agosto 2014), 130: «Julgo que estasduaspalavras–saídaeperiferias–podemedevemcaracterizartodoonossocaminhosinodal.AsaídaemrelaçãoaDeus,naoração,easaídaemrelaçãoaosoutros,naação,estimulam-semutuamente,poisquemseaproximadeDeusdescobreeaprofundaoamordivinoportodasassuascriaturas,issomesmoqueéacaridade.Nãocaminharemosemsínodosenãoligarmosoraçãoeação,maisemais,comoemJesusaconteciatotalmente,semprecomoPaiesempreparaosoutros».

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propósito da vida eclesial10. Trata-se da adoção de um estilo cristão: proativo eque assume ousadia da iniciativa («primeirear»); comprometido e próximo darealidadeemqueseencontra («envolver-se»);acolhedoredisponívelpara fazercaminhocomtodos(«acompanhar»);pacientepararecolherosfrutosdasuaaçãono tempo oportuno («frutificar»); capaz de celebrar os pequenos e os grandespassosdavida(«festejar»)(cf.EG24).Nestaperspetivaevangelizadora,oanúnciocristão (querigma) é pensado dinamicamente e proposto, sobretudo, comodiscipulado de Cristo, como condução aos mistérios da fé (mistagogia), comoiniciaçãoàvidacristãemIgrejaeaotestemunhonomundo.Hojecomosempre,aIgrejaéchamadaaanunciarocoraçãotrinitáriodafécristã:«ÉofogodoEspíritoquesedásoba formade línguasenos fazcreremJesusCristo,quecomasuamorte e ressurreição, nos revela e comunica amisericórdia infinita do Pai» (EG164).Estemododeseredeestarconstituiainspiraçãofundamentaldodiscernimentoque a Igreja é chamada a realizar e o horizonte que há de conduzir a sua açãopastoral.

23. Os cristãos do Patriarcado de Lisboa têm sido convidados pelo seu bispo, D.

ManuelClemente, a adotarema«sinodalidade comométodo»11de vidaeação.Nisto reconhece-se também um fator estruturante do discernimento e dotestemunho que a Igreja é chamada a assumir, tarefas a levar a cabo comocaminhoconjuntoedasquaistodososbatizados,deacordocomavariedadedosseus carismas, são corresponsáveis. Como método fundamental, o princípiosinodalhádesuportareestarrefletidonoolhareclesialsobrearealidadeenoscritériosevangélicosquehãodeorientaresseolhar.Nestesentido,asinodalidadeou a eclesialidadepode ser igualmente consideradaumcritério fundamental dodiscernimentoeaçãoeclesiais.

CRITÉRIOSDEDISCERNIMENTOEAÇÃO24. CombasenaexortaçãoEvangeliiGaudium,nasindicaçõesdoCardealPatriarcaD.

ManuelClementeenosdiversoscontributosqueprepararamoSínododiocesano,podemelencar-seoitocritériosdediscernimentoeaçãoeclesiais:

10Cf.D.MANUELCLEMENTE,«Amissãocomopropósitoeasinodalidadecomométodo.Introduçãoao

programadiocesano2015/16»,inVidaCatólica4ªsérie–III/6(maio/agosto2015),13-15.11D.MANUEL CLEMENTE, «Amissão como propósito e a sinodalidade comométodo. Introdução ao

programadiocesano2015/16»,inVidaCatólica4ªsérie–III/6(maio/agosto2015),14:«Asinodalidade[…] significa congregação de pessoas e ideias, num caminho comum em que todos cabem e sãoigualmente reconhecidos: famílias, paróquias, institutos religiosos e seculares […], movimentos einiciativas,norespectivocontributoemutuamenteindispensáveis».

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25. Critério do tempo: os desafios da hodierna realidade social e eclesial requeremuma especial disponibilidade para acompanhar pessoas e situações. Estadisponibilidadebrotadaconsciênciacrentedesesersemprepovoemcaminhonoseguimentode Jesus. Istopermite«trabalhara longoprazo», sema«obsessão»nem a «ansiedade» de obter «resultados imediatos» (EG 223). Respeitando ocritério do tempo, torna-se possível abrir horizontes maiores e olhar todas assituaçõescomoestandopotencialmenteorientadasparaavidaevangélica.Assim,agir-se-ádetalformaquenãosefaçacoincidiropontodepartidacomametadocaminho.Osdesafiosdaevangelizaçãomostramcomonãoestáaoalcancedoagireclesial determinar os passos da conversão ao Evangelho, mas sim assistir eanimaratodosnesseprocesso.Noconcreto,istosupõeumapresençacristãmaisocupadaem«iniciarprocessosdoque[em]possuirespaços»(EG223).

26. Critério da unidade: a consciência de que partilhamos uma mesma condição e

dignidadeedequepertencemosaumamesmacomunidade–humanaeeclesial,nocasodosbatizados–leva-nosareconhecerquea«unidadeprevalecesobreoconflito» (EG 226). Esta convicção deverá traduzir-se em critério concreto dediscernimentoeação,levandoaqueseanteponhaedêprioridadeaoquegeraacomunhãosemanularadiversidadeeaoqueaumentaasolidariedadesemcederao sincretismo. Não se trata de ignorar o conflito ou as polaridades queatravessama Igrejaeasociedade.Trata-sesimdeashierarquizaremfunçãodacomunhão e do bem comum e de as situar num contexto em que essaspolaridadessetornemforçasregeneradorasdarealidade.

27. Critérioda realidade:partirda realidade, tal comoelaée senosmostra,define

umoutrocritérioquehádeestruturarodiscernimentoeaaçãodascomunidadescristãs.Procedendoassim,estasagemà imagemesemelhançadoSenhor Jesus,ElepróprioPalavraeternaencarnadananossarealidadehumanaequeanunciouoReinodosCéusapartirdarealidadedoseumundoedaquelesqueencontrou.Um saudável realismo aberto à esperança emerge, portanto, como outro eixoestruturante da presença eclesial. O discernimento evangelicamente inspiradoimpeleaagir considerandoa«realidadesuperiorà ideia» (EG231).Novamente,nãosetratadeabdicardosgrandesideaiscristãosnemdasuaforçamotivadora.Trata-sesimdereconhecerqueaideiapodeinterpretararealidade,masnuncaapode substituir. Um discernimento e ação pastoral realistas parecem serexigências tanto do estilo evangélico de Jesus como das necessidades daevangelizaçãononossotempo.

28. Critériodatotalidade:háumatotalidadenoEvangelhoqueaIgrejaéchamadaa

guardar e a assumir na forma como olha o mundo e age no seu seio. Essa

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totalidadedoEvangelhoéplenitudee,porisso,nãoémerosomatóriodepartes.Anecessáriaatençãoaoparticularnãodeve,portanto,fazê-laperderdevistaque«o todo é superior à parte» (EG 234). A ação eclesial, tendo sempre em vista«todososhomens»eo«homemtodo»(cf.EG181),encontraránestecritériodatotalidadeoudauniversalidadeoudaplenitudeumhorizontequeadeveguiar.Àsua luz, tanto aobradaevangelização comoaproféticadefesadobemcomumtornam-seserviçoà«plenitudedaexistênciahumana»(EG224)enelaencontramasuamedidaeoseucritério.

29. Critériodaautenticidade:vive-sehojeoquealgunsdescreveramcomo«umaera

da autenticidade»12. Num tempo em que o despertar da fé conhece profundastransformações, o testemunho da autenticidade cristã mostra, pelo contrário,uma crescente capacidade interpeladora13. Constatando este facto, a Igreja emLisboa há de reconhecer a autenticidade das buscas de tantos seuscontemporâneos e fazer da autenticidade evangélica um critério central da suaaçãopastoral.Trata-sedeprivilegiaraquelasformasdepresençaeclesial«ligadasaonúcleodoEvangelho»,emdetrimentodeformasdemasiadoligadasa«normasepreceitoseclesiaisquepodemtersidomuitoeficazesnoutrasépocas,masjánãotêmamesmaforçaeducativacomocanaisdevida»(EG43).

30. Critérioda inclusão:a fidelidadeàmissãoque lhefoiconfiadaexigequea Igreja

assumacomoautênticatarefaocumprimentodoprogramaenunciadoporJesusnasinagogadeNazaré:«OEspíritodoSenhorestásobremim,porquemeungiupara anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aoscativose,aoscegos,arecuperaçãodavista;amandaremliberdadeosoprimidos,aproclamarumanofavoráveldapartedoSenhor»(Lc4,18-19).EstaspalavrasdaEscritura constituem o fundamento do critério da inclusão. Na sua açãoevangelizadora,aIgrejaéchamadaafazer-sepobrecomospobres,comovendo-se diante dos dramas da humanidade, ouvindo o clamor dos que sofrem econcretizando uma verdadeira opção preferencial pelos mais vulneráveis emarginalizados. Como«mãede coração aberto», ela é tambémchamada cuidarespiritualmente de todos aqueles que vivem nas mais diversas periferiasexistenciaisegeográficas,procurandoquesintamacomunidadecristãcomoasuacasa (cf. EG 46.199). A vivência do valor da inclusão na Igreja constitui um dosfundamentosdasuacredibilidadeecontribuiparaaconstruçãodaverdadeirapazejustiçasociais.

12Cf.C.TAYLOR,ASecularAge,HarvardUniversityPress,Cambridge,MA–London2007,473-504.13Cf.EG100.

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31. Critériofamiliar:oNovoTestamentoapresenta-nosummodelodeevangelizaçãoligado à «casa» (cf. Rom 16, 3.5.10-11), evocando com este conceito a rede decomunidades domésticas que formavam a Igreja de uma cidade. O conceito defamília foi-se alargando da consanguinidade à fraternidade em Cristo, demodoque numa mesma comunidade coabitavam pessoas de diferentes condiçõessociais (cf. Fm 16). Nas cartas de Paulo, a Igreja é também apresentada comofamíliadeDeus(cf.Gl6,10).Ocritériofamiliarofereceumachavedeleituraparao desenvolvimento de modelos evangelizadores que estabeleçam correlaçõesentreasnoçõesde«casa»ede«família»easpráticaseclesiais.Oagrupamentodenovos «setores humanos» e a constituição de «novos territórios culturais»colocam a Igreja diante do desafio da construção do diálogo e do fomento dafraternidade(cf.EG74).Ocritériofamiliarapontaaindaparaarelevânciaqueasfamílias têmpara a Igreja, quer enquanto sujeitos de evangelização, quer comolaboratóriosdesociabilidade.

32. Critériodaqualidadeedabeleza:«nãoqueremosofereceraosoutrosalgodemá

qualidade» (EG 156). Esta indicação do Papa Francisco impõe-se hoje como umcritério regulador da ação eclesial. Se o encanto do Evangelho brota de umimpulsodagraça,a formapelaqualelepodeser suscitadoealimentadorequerumaqualidadenaaçãoqueameraboavontadenãopodegarantir.Estecritériodaqualidadeestender-se-áatodososdomíniosdavastapresençaeclesialeterádeser suportado por propostas sólidas de formação dos cristãos. A Igreja tambémnãoquerofereceralgoquedesfigureabelezadoEvangelho.Cientedeque«todasasexpressõesdeverdadeirabelezapodemserreconhecidascomoumasendaqueajudaaencontrar-secomoSenhor Jesus»,elaassumetambémabuscadobelocomo«via»(EG167)ecritérioorientadordasuapresençaeatividade14.

33. Elencados estes oito critérios inspiradores do discernimento em Igreja e

reguladores da sua ação, reconhece-se ainda a pertinência do anticritérioapontadopeloPapaFrancisco:«fez-se sempreassim» (EG33).Comefeito,nemsempreoscristãostêmsabidovencerainérciaeaacédiapastoral(cf.EG82)queos fecha aos apelos de Deus e às necessidades do mundo. Animada por esteprocessosinodalde«conversãopastoralemissionária»,aIgrejaemLisboaassumea carência de fundamento de tudo quando se faz apenas e só porque sempreassimsefezeabraçacomousadiaoconvitea«nãodeixartudonamesma»(EG25).

14Qualidade e beleza eram já características propostas pelo Patriarca D. José Policarpo para as

iniciativaseclesiais(cf.D.JOSÉPOLICARPO,«Cartapastoral:“MissãonaCidade”»,inVidaCatólica3ªsérie–V/15(setembro/dezembro)2003,148).

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III. «Não deixar tudo na mesma» (EG 25): para uma conversão pastoral e missionária

34. O olhar evangélico sobre omundo e a Igreja e os critérios para a ação eclesial

anteriormente sistematizados constituem os fundamentos a partir dos quais seprocuraapontarperspetivasdeaçãopastoral.Ocaminhosinodalempreendidonadiocesede Lisboa seguiuumametodologiapastoral articuladaem tornodedoismomentosfundamentais.Oprimeiromomentocentrou-senaleituraereflexãodaExortaçãoApostólicaEvangeliiGaudium.Osegundoprocuroudesafiarosdiversosgrupos e comunidades a «ensaiar» concretizações missionárias das intuiçõeslançadaspelotexto.Deummodogeral,evidencia-seumdinamismoevangelizadornaspreocupaçõesenasformasdeaçãodeumgrandenúmerodecristãosabertosa «opção missionária capaz de transformar tudo» (EG 27) e mais apta àevangelizaçãodomundoatual.

35. A conversão pastoral e missionária da Igreja implica uma maior dedicação e

competência dos seus agentes pastorais. No âmbito de uma compreensão daIgrejacomo«sacramentouniversaldasalvação»(LG48)enaconsciênciadeque«evangelizaré tornaroReinodeDeuspresentenomundo» (EG176), todossãochamadosaexercerasuamissãoemcomunhãocomuma«visãoglobal»daaçãoevangelizadorada Igreja (cf.EN26).Estavisão integraldoagireclesialderivadaprópria missão de Cristo compreendida na sua tríplice dimensão sacerdotal,profética e real (cf. CIC cân. 204). Como ação orgânica, a ação pastoral procurapromover a comunhão (cf. NMI 43). É com base nestes princípios que seformularãoosdesafioslançadosàIgrejadeLisboaduranteoitineráriosinodal.

DIMENSÃOSACERDOTAL:CELEBRAÇÃODAFÉEVIDAESPIRITUAL36. Acelebraçãodaféconstituiumdoselementoscentraisdaevangelizaçãoedavida

cristã. Nela se celebram os mistérios da fé, se festejam os progressos naevangelização e se colocam sob o olhar damisericórdia de Deus o pecado e ofracasso experimentados na vida e na ação pastoral (cf. EG 24). É também nacelebração litúrgica que se renova para cada cristão o encontro pessoal ecomunitário com o Senhor, para o qual concorrem todas as outras formas decultivo da vida espiritual (cf. EG 3; CIgC 1112). Neste âmbito, destacaram-se osseguintesaspetosnocaminhosinodal:

37. Viveraliturgiacomolugardeencontro.AliturgiaélugardeencontrocomDeus.

Alémdabelezadosespaçosedosritos,damúsicaedocanto,acelebraçãodaféé

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chamadaaeducarparaa interioridadeeparaosilêncio,criandomomentosquedisponham à escuta de Deus. Neste sentido, chama-se a atenção para anecessidade de formação litúrgica das comunidades, para que tanto os queexercemministérios,comotodaaassembleiaentreemdiálogocomoSenhor.É,por isso, de grande utilidade uma permanente catequese mistagógica queintroduzatodaacomunidadenavivênciadostemposlitúrgicosenacompreensãodosseussímboloseritos(cf.EG166;DD1).

38. DespertarodesejodeDeuseproporoseguimentodeCristonapreparaçãoparaos

sacramentos. Pela liturgia a Igreja contacta com muitas pessoas que procuramDeusmas que, por motivos vários, se distanciaram da Sua presença eclesial. Apreparação para os sacramentos, sobretudo os de iniciação e o Matrimónio,reveste-sedeparticular importânciaevangelizadora.Oacolhimentopastoraldosquepedemossacramentoseaspedagogiasadotadasnapreparaçãodosmesmosdevemproporcionarumaexperiênciafelizquersobopontodevistahumanoquereclesial. Os contactos ocasionais com a Igreja aquando da celebração dossacramentos são oportunidades para se voltar a falar de Deus e a despertar odesejo de um encontro com Ele. Nesta perspetiva, proponham-se formasconcretasdeprosseguirnoseguimentodeCristoenafidelidadeàprópriavocaçãoassentesnumapedagogiadaféedoamorquefaçaentenderavidacristãcomocaminhoapercorreremvistadamaturidadecristã(cf.AL211).

39. Celebrara liturgianaatençãoaospercursospessoais.A Igrejaéchamadaaumaatitudedeacolhimentoedevalorizaçãodopercursohumanodecadapessoa.Osmomentos sacramentais são, por excelência, lugares onde a pessoa se envolveexistencialmente e a sua vida pode vibrar de sentido novo, pela celebraçãolitúrgicaepelahospitalidadedacomunidade.NocasodoBatismodascrianças,ospaissãoconvidadosaaprofundarosignificadolitúrgicoeespiritualdobatismoeacelebrá-lonacomunidadecristã.Acelebraçãodasexéquiasconstituitambémumaocasião para se fazer sentir a solicitude de mãe da Igreja. As iniciativasrelacionadas com a descoberta e celebração do sacramento da Reconciliaçãoconstituem,emmuitoscasos,momentosfelizesdedescobertadosentidodavida.

40. Cultivaravidainterior.Avidaespiritualcarateriza-seporumaaberturaconstante

à ação do Espírito Santo fazendo florescer a riqueza da graça e da vocaçãobatismal.Neste sentido,as comunidadescristãs sãochamadasa serverdadeirasescolas de oração (cf. NMI 33) providenciando oportunidades de cultivo dainterioridade e regeneração da fé, guardando especial atenção aos agentespastorais (cf. EG 77). Além das propostas concretas a nível paroquial,interparoquial ou diocesano, adquire particular relevo o acompanhamento

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espiritualporpartedossacerdotes.Noentanto,ocultivodavidaespiritualéumprocesso que diz respeito a cada cristão. Valorizam-se, neste contexto, adescobertadavocaçãoàsantidade,nohorizontedaprópria fécomovocação;ainiciaçãoàoraçãopessoalecomunitária;oenvolvimentoemgruposdeoração;avivência dos sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação quer pelameditaçãoorantedaPalavradeDeusedaadoraçãoeucarística,queratravésdoexamedeconsciência; a participação em retiros, exercícios espirituais e peregrinações eoutrasdimensõesepráticasdecultivodavidainterior.

41. ValorizarasexpressõesdereligiosidadepopularcomoaberturaaoEvangelho.Asformasdereligiosidadepopulartradicionaisencontramnaatualidadedinamismosde continuidade intergeracional e até de refundação. Através delas é possível«captaramodalidadeemqueaférecebidaseencarnounumaculturaecontinuaa transmitir-se» (EG 123). Neste sentido, a piedade popularmantém uma forçaevangelizadora que não pode ser subestimada. Constituída como «lugarteológico»,elatransportaagrandehistóriadasalvaçãoparaahistóriaquotidianaeconcretadecadapessoa,nasvicissitudesconcretasdoseuexistir (cf.EG126).Poroutro lado,asmanifestaçõesreligiosasencarnadasnaculturadonossopovopodem ser sinais de abertura ao Evangelho e constituir-se como autênticospreâmbulos para a fé cristã. Face às ambiguidades presentes em muitasmanifestaçõesdereligiosidadepopulartambéméevidentequeelaprecisadeserevangelizada.Esteprocessoevangelizadoralcança-senamedidaemqueasformaspopularesdevivera féestiveremintimamenteunidasaoacontecimentocristão,sendo para isso fundamental apresentá-las em consonância com a fé revelada.Tambéménecessárioquetantonosentidodafesta,nadevoçãomariana,nocultodos santos, na peregrinação ou na comemoração dos fiéis defuntos, todas asrespostas existenciais que se procuram encontrem acolhimento e realização nagraçadeDeus.

DIMENSÃOPROFÉTICA:ANÚNCIOETESTEMUNHODOEVANGELHO42. O anúncio e o testemunho do Evangelho constituem um dos âmbitos onde se

senteaurgênciaeanecessidadedatransformaçãomissionáriadaIgreja,umavezqueoanúncioexplícitodoEvangelho constitui a suaprioridadeabsoluta (cf. EG110). O sinal profético engloba todos os dinamismos de encontro entre amensagem evangélica e a situação de vida de cada pessoa. No centro desteencontroestáoanúncio fundamentaleprimordialqueexprimeoamorsalvíficodeDeus,prévioaqualquerobrigaçãomoralereligiosa,quenãoimpõeaverdademasfazapeloàliberdadeeémarcadopelaalegria,ânimoevitalidade.Poroutrolado, as disposições requeridas às comunidades e aos evangelizadores sãoproximidadeeaberturaaodiálogo,bemcomopaciênciaeacolhimentocordial(cf.

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EG 165). Neste contexto, apresentam-se os seguintes desafios apontados pelacaminhadasinodal:

43. Aceitara surpresadeDeus.Umadas regras supremasdaevangelizaçãoconsiste

emaceitaraliberdadesurpreendentedaaçãodeDeus,«queéeficazaseumodoe sob formas tão variadas quemuitas vezes nos escapam, superando as nossasprevisões e quebrando os nossos esquemas» (EG 22). Assim, um dos desafioscolocados pelo caminho sinodal de Lisboa consiste em reconhecer que Deuscontinua a amar o mundo de forma única e a fazer-se presente nosacontecimentos e na história de cada pessoa de forma inesperada. As diversasmodalidadesde regressodo religiosonanossa sociedadeeas formaspluraisdeprocurarDeusapontam,comoparteintegrantedaaçãoevangelizadoradaIgreja,paraadescobertadeformasdeacompanhamentodos«buscadoresdeDeus»noseuitinerárioespiritual.

44. Promoverodiálogointerculturalereligioso.Odiálogocomasdiferentesculturase

religiões presentes na sociedade atual constitui um dos grandes desafioscolocados ao anúncio da mensagem cristã. Antes de mais, a contemplação dadiversidade cultural e religiosa convidaao reconhecimentodequeDeus vivenomeiodaspessoasedasrealidadeshumanas.Aomesmotempo,compromete-nosatodosnapromoçãodeumaculturadoencontro,numaharmoniaentrediversasnacionalidades, sensibilidades e grupos. A abertura ao diálogo, à partilha e àreflexão deve fortalecer sempre mais a consciência da própria identidade, demodoafavorecerumacompreensãomútuaqueatodosenriqueça.Napromoçãodo diálogo intercultural e religioso deve constar todo um conjunto depreocupaçõesrelacionadascomasproblemáticasfundamentaisdaexistência,taiscomoasolidariedade,apazeajustiçasocial,aeducaçãoasaúdeeaprevenção,adefesa da vida e a promoção da dignidade da pessoa humana, bem como aproteção e defesa do ambiente. O diálogo intercultural tem de apostar nadefinição de opções conjuntas na prossecução do bem comum e na troca deexperiências de convivência (cf. EG 220). Assumem particular relevo ocompromisso ecuménico como busca conjunta da unidade e o diálogo inter-religioso como contributo essencial para a paz mundial (cf. EG 244.250).Reconhecendo as diferenças notórias face à cultura europeia, com profundasraízescristãs,adquireparticular relevo,nocontextoatual,odiálogocomo Islão(cf.EE57).

45. Tornar credível a comunicação e adotar novas linguagens. Um dos desafioscolocados à prática pastoral atual prende-se com a credibilidade da suacomunicação,tantonamaneiracomoelaserealizanointeriordaIgrejacomono

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diálogo com o exterior. Os esforços realizados nas últimas décadas têmdiversificadoasformaseasinstânciasqueorganizamacomunicaçãoeclesial,queseestendemdesdeasestruturasorganizadasinstitucionalmenteainiciativaslivresde grupos e indivíduos. No campo pastoral, o recurso às tecnologias decomunicação tem-se revelado fecundo em âmbitos como o ensino religioso, acatequese e a formação de adultos. Reconhece-se que podem ser mais bemexploradas noutras áreas, tais como a Liturgia e a administração paroquial. Atransmissãodecelebraçõeseoutrasiniciativasatravésdosmeiosdecomunicaçãocontémumfortedinamismoevangelizador.ApresençadaIgrejanasredessociaistorna possível a existência de debates públicos e de livre expressão de opinião.Estas aparecem hoje como novos areópagos onde os cristãos encontramoportunidadeparatestemunharemasuafé.Progressivamente,astecnologiasdeinformaçãoconstituemcadavezmaisouniversomental,culturalerelacionalemquevivemos.As linguagensdafétambémencontramexpressãonesseambientedigital15.Torna-seimperioso,nesteâmbito,desenvolvercompetênciaseclesiaisnacriaçãodenovossímbolos,sinaiseformasdebelezaconsonantescomosdiversosambientes culturaisque,podendonão serparticularmente significativosparaosevangelizadores,oserãoparaosseusdestinatários(cf.EG167).

46. Fazer da Palavra deDeus o lugar onde nasce a fé. A Palavra deDeus temuma

importância nuclear na vida da Igreja, no percurso de fé dos crentes e naconstruçãodasuaprópriapersonalidade.ElafaznasceraIgrejaedespertaaféemcadamomentodavida.ÉurgenterecolocaraPalavradeDeusnocentrodavidadas comunidades cristãs, mobilizando os recursos necessários para que sejaconhecida,escutada,meditada,rezada,celebrada,vividaetestemunhada(cf.EG174-175).Nestesentido,destaca-seaimportânciadaleituraorantedaEscrituraea formaçãobíblica.APalavradeDeusestápresenteem todososmomentosdaevangelização,desdeoprimeiroanúncioàs formasqueconduzemàmaturidadeda fé. Ela tem um papel fundamental nos processos de conversão e decrescimento na fé e de discernimento das motivações para seguir Jesus. Asdiferentes modalidades de evangelização devem ter a Palavra de Deus comoelemento estruturante. Merece especial destaque, neste contexto, a homilia.Sendo paramuitos cristãos omomento evangelizador por excelência, requer-sepreparaçãoenão improvisação;que tenhaumabasebíblica, interpeleavidadacomunidadecristãe introduzanomistérioquesecelebra.Finalmente,aPalavradeDeus constitui o itinerário fundante de uma catequese de acompanhamentodosadultosnafé.

15Comoexemplosdessapresença,podem-se indicaralgumas iniciativas: Ivangelho, Ibreviary,Click

toPray,Passoarezar,aplicação«MissasemLisboa».

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47. Fomentar uma pastoral de acolhimento. O acolhimento pastoral constitui umdesafio permanente da Igreja. De um bom acolhimento depende, em grandemedida,aconstituiçãodelaçosdepertençaàIgreja.Alémdeespaçosacolhedoresé necessária a formação dos agentes pastorais para o sentido do verdadeiroacolhimentodooutro,queimplicaaescutaeodiálogopacientes.Porisso,nãosepodereduziroacolhimentoparoquialaumameralógicaderepartiçãodeserviçosreligiosos. À semelhança do que fazia Jesus, é necessário um verdadeiroacolhimentohumanoonde«todospossamencontrarsempreumsimàpessoaquesão»16. O desenvolvimento de uma pastoral de acolhimento exige redobradaatençãoediscernimentopastoralquandosetratadequestõesrelacionadascomacelebraçãodossacramentoseodesempenhodedeterminadasfunçõeseclesiais.Oacolhimentoimplica,ainda,acapacidadedeuma«saída»aoencontrodosquesãodiferentes.

48. Propor percursos de iniciação diferenciados. Um dos desafios colocados à atual

práticaeclesialprende-secomapreocupaçãoporgarantirpercursosdeiniciaçãoàfé. No caso das crianças e adolescentes este processo decorre, normalmente,seguindo o itinerário catequético. No caso dos adultos, as propostas são maisdiversificadas,masmenos estruturadas. Tantonum caso comonoutro, constituiumapreocupaçãopastoralofactodequemuitosnãopermaneçamnumcaminhode amadurecimento da fé depois da celebração dos sacramentos de iniciação.Neste sentido, considera-se prioridadepastoral a organizaçãodo catecumenadodosadultos.Poroutrolado,aorganizaçãodacatequesedascriançasdevecolocarcomo critério de passagem de uma etapa à seguinte o crescimento humano eespiritual.Senocontextodeumacatequesemassificadoraetotalizanteasformasde catequisar e os processos de iniciação eram formalmente igualitários, hojeassistimosaumamaiordiversidadenoquerespeitaàspráticascatequéticaseàsformasdegarantiroacessoaossacramentos.Aatualsituaçãoreclamaumsériodiscernimentodocaminhoaseguirnoquedizrespeitoaoscritériosdeacessoaossacramentos,embenefíciodacomunhãodiocesana.

49. Proporcionarexperiênciasdeinterioridadenacatequese.Oentendimentoatualdacatequese como uma «aprendizagem de toda a vida cristã» (AG 14) tende aenglobar de forma consistente, a par da aquisição de conhecimentos e dosexercícios morais, dimensões que valorizam a interioridade, dando assim àcatequese um cunho querigmático emistagógico. Sãomuitas as iniciativas queprocuramtornaracatequeseumespaçodereflexãoesilêncio,ondeascriançaseosadolescentessãoconvidadosacompreendereinteriorizarapresençadeJesus

16D.MANUELCLEMENTE,«HomilianamissadeentradacomoPatriarcadeLisboa:“Reedificarnapaza

cidadedetodos”»,inVidaCatólica4ªsérie–I/1(julho/dezembro)2013,38.

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nassuasvidaseadesenvolverumarelaçãocomEle.Acatequeseinicia,assim,àexperiênciadeDeuseàdescobertadosseussinaisnavidadecadaum,prestandoumauxílioímparnodiscernimentodaprópriavocação.Adquiremespecialrelevo,nestecontexto,eantesdetudoomais,umverdadeiroambientevocacionalqueleveaamaravontadedeDeuseadecidiravidasegundoamesma,bemcomoexperiências de âmbito social, cultural e desportivo, realizadas com crianças,adolescentesefamílias,nosentidodetornaraexperiênciacristãmaisencarnada.A crítica à escolarização da catequese exige modelos que se situem numadinâmica catecumenal que a libertem das estruturas tradicionais e a abram àdimensãoexperiencialecomunitáriadavidacristã(cf.EG166).

50. Velar pelos recomeços da fé. A situação daqueles que por algum motivo

redescobremafécristãconstituiumdesafioparaaevangelização.Nestescasos,trata-sede reavivara fédaquelesqueavivemcomoumsimplescostumeouseafastaram dela. A Igreja deve estar atenta aos sinais da procura espiritual eestimularodesejodeDeusondeseverificaumasededevidacomsentido.Elaéchamada a interpretar esta presença de «buscadores de Deus» como umaoportunidadeúnica,nãosóparaosajudarnoseucaminhopessoal,mastambémparasequestionarsobreasua identidadeemissão,ensaiandomodalidadesquefavoreçam a integração destes novos membros. Nestes casos, o anúncio da fécentra-se no querigma e assume a forma de um segundo primeiro anúncio, ouseja,aqueleanúnciofundamentalquetemdeseouvirmuitasvezes(cf.EG164;EE46).Paraosquerecomeçaménecessáriaumanovaapologéticaqueproponhaemlinguagem audível os elementos constitutivos da iniciação cristã: o Credo, ossacramentos,asbem-aventuranças,oPai-nosso.

DIMENSÃOREAL:SERVIÇOECUIDADODOPRÓXIMO51. O serviço e o cuidado do próximo estão intimamente ligados ao anúncio do

Evangelho (cf. EG 177). São inúmeras as manifestações evangelizadoras que sedesenvolvemnoâmbitodapastoralsocio-caritativa.Ocaminhosinodalapontou,nesteâmbito,algunsdesafios:

52. Sair com Cristo ao encontro de todas as periferias sociais e geográficas. Este

desafio constitui uma prioridade da ação evangelizadora da Igreja. Implica umaopção preferencial pelos pobres e uma proximidade aos excluídos em ordem àpromoçãodasuadignidade,nosseusdiversosníveis(saúde,educação,habitação,emprego). Exige, ainda, uma aposta no trabalho formativo com as famílias econtextos sociais mais vulneráveis, uma sensibilização da comunidade eclesialpara «ouvir o clamordopobre» (EG187; cf. EG200) e o fortalecimentoda suaresponsabilidadesocial.Finalmente,reclamaanecessidadedeseacompanharem

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as constantes formas de reorganização social, decorrentes de transformaçõesgeográficas e urbanas, e as rápidas mudanças ao nível das condições demobilidadedaspopulações.

53. Intensificar o caráter evangelizador das instituições sociais da Igreja. As

instituições sociais da Igreja têm como missão responder com prontidão ecompetência às necessidades das populações. No entanto, a urgência de umaresposta imediata sobrepõe-se, frequentemente, à dinamização de processoseducativos capazes de dar um rosto evangélico a essas instituições. Nesteprocesso é necessário cuidar, em primeiro lugar, da sua identidade cristã e daformação dos seus principais agentes. Neste âmbito, têm sido desenvolvidosprojetos educativos de formação que visam diretamente os colaboradores dasinstituições,dando-lhesaconhecerosprincípiosdafécristãedaDoutrinaSocialdaIgrejaetrabalhandosobreoperfilhumanoeespiritualprópriodocolaboradorde uma instituição social católica. Elas são, também, chamadas a desenvolverprocessos de evangelização adaptados aos diversos públicos com os quaiscontactam17.

54. Fomentaracooperaçãoentreasinstituiçõeseapostarnaformaçãodosgestores.

No atual contexto, sente-se a necessidade de fomentar umamaior cooperaçãoentreasinstituições,potenciando,quandopossível,asuaproximidadegeográfica.Assimcriar-se-áumaredemaiscapazderesponderaosdesafiosquesecolocamno diálogo com as entidades públicas e civis e de estimular a coerência deprincípios de gestão e de formação técnica especializada. A situação presentereclama dos gestores graus de competência e profissionalismo que nuncadescurem, entre outros, o sentido de responsabilidade da própria missão, oconhecimentodalegislaçãoeocumprimentodamesma,agestãoequilibradadosdiversos recursos, a consciência da situação económica da instituição e suasustentabilidadefinanceira.Exige-se,ainda,umavisãoglobaldosdiversosdesafioslançados a estas organizações, a procura de soluções antecipadas para osproblemaseaapostaeminiciativasinovadorasquefavoreçammodosdiversosdeexerceresteserviço.

55. Diversificar as formas de presença da Igreja nos diversos âmbitos da vida. A

pastoral social abrange uma diversidade de formas de presença da Igreja nasociedadeeumvastocampodeintervenção.AIgrejaéchamadaaestarpresenteemtodososâmbitosdavidasocialcontribuindoparaaedificaçãodacidadedos

17Destaca-se,nestecampo,oprojeto«Despertardafé»,direcionadoparaascriançasdopré-escolar

e respetivas famílias. Nesta linha, seria desejável que se desenvolvessem projetos semelhantesdirecionadosaoutrosgrupos.

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homens. Neste sentido, toda a comunidade eclesial e, nesta, muitoparticularmente os cristãos leigos, devemempenhar-se em todas as causas quepromovam e defendam a dignificação da pessoa humana, favorecendo, pelodiálogo sensato e cordial, uma apresentação positiva da sua proposta moral esocial18. É fundamental, ainda, acompanhar o trabalho dos profissionais,promovendo o seu associativismo e fomentar a formação de agentes pastoraiscapazesdeintervirnosdiversosâmbitosdavidasocial.

56. Anunciar os valores cristãos na escola e na universidade. A Igreja é chamada a

formarasnovasgeraçõesoferecendo-lhesotesourodosvalorescristãos,demodoa promover uma presença transformadora do Evangelho nomeio domundo. Aeducaçãoéumespaçoprivilegiadoparapromoverumaevangelizaçãodaculturaesemearo futuroda fé.Valorizam-seeacalentam-seosesforços realizadosnesteâmbito tanto a nível público como privado. A presença da Igreja nomundo daeducação deve oferecer uma visão cristã das realidades humanas e critérios deabordagemcrenteàsproblemáticasdaexistência, proporuma relação viva comJesus e o sentido de pertença à Igreja fomentando um compromisso pessoal esocialnaconstruçãodasociedade.

57. Abriratodosasportasdaesperança.Ascomunidadescristãssãochamadasaser

lugaresdeesperançae«oásisdemisericórdia»(MV12).Istosupõequeseaceitecada pessoa na situação em que se encontra. A criação de espaços deacolhimento,escutae reflexãopermitiráque todos, em Igreja, sepossamsentirem casa.Neste sentido, é urgente sair ao encontrodospobres e dos excluídos,dosmigrantesedosrefugiados,dosdoentesedospresos,dosabandonadosedosque vivem na solidão, partilhando com eles as suas dores e angústias econduzindo-os à alegria e à esperança, mediante uma presença e um cuidadoeficazes (cf. GS 1). É necessária, também, uma maior preocupação com asnecessidades espirituais das pessoas, atendendo aos seus múltiplos problemas,situações de violência (física e psicológica) e experiências de perda. Finalmente,tenha-se comogravepreocupaçãooacompanhamentode todososquepassamporexperiênciasdedesagregaçãofamiliar.A dinâmica evangelizadora da esperança reclama uma conversão mental dasprioridades da evangelização. Ao estilo evangélico de agir, concretizado emmúltiplossinais,gestoseatitudes,correspondeaconvicçãodequeoanúnciodoamordeDeusprecedea«obrigaçãomoralereligiosa»(EG165);aproximidade,a

18Na tessitura da «ordem temporal» indicam-se alguns campos onde os cristãos leigos são

chamadosaexerceroseuapostolado:científicoecultural(LG36;AA1;GS62;AG21);familiar(LG35;AA4.11;GS47);social,económico,político(GS77);éticoebioético;campoecológico(LS6.14.137).

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escutaeodiálogopreparamoanúncioexplícitodoEvangelhoeaalegriadodomrespeitaaliberdadederespostaeocompromisso(cf.EG129,165).

EDIFICAÇÃOCOMUNITÁRIAEVIVÊNCIADACOMUNHÃOPARAOSERVIÇODOMUNDO58. A transformação missionária da Igreja engloba uma preocupação pelo bem do

mundoedaspessoasquenelehabitam.Aconsciênciadasuaresponsabilidadena«construçãodanossacasacomum»(LS13)enapromoçãododiálogoemproldadignidade da pessoa humana levam-na a aceitar com ousadia e humildade odesafio de ser «casa e escola da comunhão» (NMI 43). Neste sentido, antes dequalquer programação, torna-se necessário «promover uma espiritualidade dacomunhão,elevando-aaoníveldeprincípioeducativoemtodosos lugaresondese plasma o homem e o cristão, onde se educam os ministros do altar, osconsagrados, os agentes pastorais, onde se constroem as famílias e ascomunidades»(NMI43).Ésoboprismadeumaespiritualidadedecomunhãoquese lançamdesafios relativosàedificaçãocomunitáriaeà composição sinodaldavidaeclesial.

59. Viver amisericórdia, rosto da comunhão e alma damissão. Existe uma relação

intrínsecaentremissão,comunhãoemisericórdia.Amisericórdiaestánonúcleodoquerigmacristão:«JesusCristoama-te,deuasuavidaparatesalvar,eagoravive contigo todos os dias para te iluminar, fortalecer, libertar» (EG 164). Avivência da misericórdia, como atributo do Pai «rico em misericórdia», comoexpressãodorostodoFilhoecomocoraçãopulsantedoEspírito(cf.MV1.11-12),manifesta-senacomunhãoda Igrejaesustentaasuamissão.Comefeito,semamisericórdiaoanúnciodoEvangelhocorreo riscodenãosercompreendido (cf.NMI 50). Nesta perspetiva, a misericórdia é rosto da comunhão num duplosentido.Emprimeirolugar,refere-seàcomunhãocomDeuseàcontemplaçãodoseumistériodeamor gratuito. Em segundo lugar, é rostoda comunhão comosirmãos,porquelevaadescobrirooutrocomo«próximo»,criandoespaçoparaele,partilhandoas suas alegrias e sofrimentos, intuindoos seus anseios, curandoassuasferidaseoferecendo-lheuma«verdadeiraeprofundaamizade»(NMI43;cf.EG270).Atransformaçãomissionáriada Igrejarequer,por isso,queemtudosemanifesteamisericórdiacomoarquitravequesuportaasuavida(cf.MV10).

60. FazerdaIgrejaumaredederelaçõesfraternas.ASantíssimaTrindadeéafonteeomodelo da comunhão humana e, por isso, também origem e sustento dacomunhãoeclesial.Aestaluzumdospontosessenciaisnaedificaçãocomunitáriaprende-se com a atenção à vida fraterna nas paróquias e comunidades. Deladepende,emgrandeparte,a suacapacidadeevangelizadora.Torna-se,por isso,necessário formargruposdecrentesque releiamavidapessoalecomunitáriaà

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luz do Evangelho, fomentar a comunhão entre grupos da mesma paróquia,transformar os espaços eclesiais habituais tornando-os mais fraternos eacolhedores,partilharosrecursospastoraiscomparóquiaspróximasedinamizarumapastoraldeconjunto,evitandodispersãoderecursosedeenergias.Tambémé urgente velar pela colaboração entre os diversos ministérios e instânciaseclesiais,motivandoe incrementandoo trabalho emequipa. Conscientedequenem tudo pode ser determinado por si, a Igreja diocesana é chamada aacompanhar,agradecida,agestaçãodedinamismosdecooperaçãoentrediversosorganismos e grupos eclesiais19. Finalmente, no contexto cultural hodierno, éurgente criar novos modos de presença junto dos nossos contemporâneos,propondo-lhesdenovooEvangelhoeasociabilidadeemqueelenosintroduz.

61. Promover a atualidade evangelizadora da paróquia. A paróquia constitui umaimprescindívelrealidadeevangelizadora.Mesmonecessitandodeumarenovaçãoconstante(cf.CFL26)edeumarevisãodosseuspressupostosevangelizadoresemordemaumapastoralemchavemissionária,aparóquiacontinuaaser«presençaeclesial no território, âmbito para a escuta da Palavra, o crescimento da vidacristã,odiálogo,oanúncio,acaridadegenerosa,aadoraçãoeacelebração»(EG25). A reflexão sinodal apontou como uma das principais prioridades nareformulação da função evangelizadora da paróquia a passagemde ummodeloterritorialeruralaumparadigmapastoralqueenglobeosdesafioslançadospelassociedadesurbanasequeváaoencontrodamobilidadeediversidadedosritmosde vida das pessoas. Continuando a ser lugar de irradiação do Evangelho, aparóquiaéchamadaacolocartodososseusmeiosepotencialidadesaoserviçodo«sonho missionário de chegar a todos», assumindo um estado permanente demissão tanto para os batizados, como para os que ignoram Cristo ou dele seafastaram,orecusamouprescindemd’Elenassuasvidas.

62. Apreciarocontributoevangelizadordosdiversoscarismas.Asassociações,grupos,

comunidades, movimentos, institutos religiosos e demais realidades eclesiaiscontribuemaseumodoesegundooseucarismapróprioparaa riquezadavidadiocesana.Édevalorizaroseutrabalhoemproldarevitalizaçãodascomunidadescristãs,daanimaçãoespiritualdosfiéis,doserviçoaosmaispobreseexcluídosede um forte empenhamento cultural.No entanto, estas realidades eclesiais nãopodemservistasapenascomorecursoscolocadosaoserviçodaevangelizaçãoemâmbitosondenãochegaapastoraltradicional,masserapreciadascomodonsdoEspíritoemordemàedificaçãodacomunidadeeclesial.

19Citam-se,atítulodeexemplo,asseguintesexperiências:MissãoPaís,RededeCamposdeFérias

Católicos,Núcleosdepastoraluniversitária.

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63. Suscitar uma cultura missionária e vocacional. O testemunho dos jovens queparticiparamnainiciativasinodalmanifestaariquezadeexperiênciasmissionáriaspor eles realizadas. Amissão é lugar de crescimento humano e espiritual, querpelo encontro com realidades humanas marcadas pela fragilidade, quer pelaleitura orante da Palavra de Deus que sustenta a vida e dá sentido à missão.Reconhece-seumadificuldadegeneralizadaemsuscitarumadinâmicavocacionalque provoque uma resposta ao Deus que fala e chama, tanto no âmbitocomunitário e familiar, como no acompanhamento dos mais jovens. Porque aIgrejadeLisboa«precisadejovenscapazesdedarrespostaaDeusqueoschama,para voltar a haver famílias cristãs estáveis e fecundas, para voltar a haverconsagradoseconsagradasquetrocamtudopelotesourodoReinodeDeus,paravoltar a haver sacerdotes imolados com Cristo pelos seus irmãos e irmãs»20, énecessárionãosóconferirdimensãovocacionalaospercursoscatequéticos,mastambémousarproporconcretamenteavocaçãomatrimonial,sacerdotal,religiosaemissionáriacomoopçãodevida.

64. Formar sacerdotes em ordem à comunhão e à missão. A transformaçãomissionária da Igreja implica de forma direta os sacerdotes, servidores dacomunhãonaIgrejaedasuamissãoevangelizadora(cf.PDV16).Nestesentido,énecessáriocuidardaessencialdimensãomissionáriadosfuturoseatuaisministrosordenadoseestimularotestemunhodecomunhãonavidaempresbitério.Alémdisso, torna-se tambémurgente favorecer a integraçãodos sacerdotesoriundosdeoutroscontextosculturaiseeclesiais,promovendoumconhecimentomútuoeiniciativasquepromovamafraternidadesacerdotal.ApresentesituaçãodaIgrejaexige uma particular atenção à coordenação da ação pastoral e missionária. OEspíritonãocessadecriarnovaspossibilidadesnoquedizrespeitoàdiversidadeeestabilidade da união de paróquias geográfica e socialmente próximas, àdistribuiçãomaisadequadadosrecursoshumanosemateriaiseàparticipaçãoecolaboraçãodetodosnumadinâmicadepastoraldeconjunto.

65. Promovera recomposição familiardavidacomunitária.A importânciada família

para a vida de toda a sociedade é também um benefício para a Igreja, comoescreve o Papa Francisco: «A Igreja é família de famílias, constantementeenriquecida pela vida de todas as igrejas domésticas. Assim, em virtude dosacramentodomatrimónio,cadafamíliatorna-se,paratodososefeitos,umbemparaa Igreja»(AL87).Nestaperspetiva,aatençãoacadapessoatemdeteremcontaasuarealidadefamiliar.Exige-se,portanto,quecadaparóquiasequestione

20PAPA FRANCISCO, «Discurso do Papa Francisco aos Bispos Portugueses em visita “ad Limina

Apostolorum”»,inLumensérieIII–76/5(Setembro/outubro)2015,6.

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acerca das redes que a constitueme suportam, descubra a riqueza e valorize ocontributodasfamílias21.Sãomuitas as famílias que não tendo uma prática religiosa regular procuram aIgrejaparacelebrarumsacramentoouparasolicitaracatequeseparaascrianças.Numcontextodemaiordistânciaculturalfaceaomundodafé,estefactoconstituiuma oportunidade para que se proponham aos adultos formas concretas dedescobertadaféedeprimeiroanúncioquefavoreçamasuaintegraçãoeclesial.Aformação e acompanhamento das famílias, nas suas complexas problemáticas,favorecemonascimentodedinamismosfecundosdecolaboraçãoentreelaseascomunidades cristãs. Neste sentido, incentivem-se iniciativas pastorais quedevolvamàfamíliaadignidadedasuafunçãoeducativa.Omedodearriscartendeaadiaratãodesejadatransformaçãomissionáriada Igrejanasuarelaçãocomafamília.

66. Formardiscípulosmissionários.Aimportânciadotestemunhoecoerênciadevida

dos agentes pastorais, fruto do seu encontro pessoal com Cristo, é umapreocupação para a Igreja. Neste sentido, é necessário criar espaços onde osagentes pastorais alimentem a sua relação com Jesus que os chama e envia;espaços onde possam partilhar as suas questões mais profundas e aspreocupações quotidianas, onde tenham oportunidade de discernir emprofundidadeecomcritériosevangélicossobreaprópriaexistênciaeexperiência(cf.EG77).Oentusiasmomissionário,aalegrianaevangelização,a irradiaçãodaesperança, a opção pela ternura, a fraternidade e comunhão, a vivência doEvangelho, a oração e o perdão mútuo, constituem traços essenciais daespiritualidadeprópriadoagentepastoral(cf.EG108-171).Asuaformaçãodeveenglobar, também, competências de ordem teológica, cultural e pastoral quefavoreçam um discernimento evangélico de todas as questões e uma leituracrentedaatualidade,emvistadeumapresença«dosvalorescristãosnomundosocial,políticoeeconómico»(EG102).

67. Promover a consciência missionária dos batizados. Todo o povo de Deus, emvirtudedoseubatismo,échamadoaanunciaroEvangelho.Estaéumadimensãodavidacristãnemsemprepresentenaconsciênciademuitosbatizados.Onovocontexto cultural,marcado por uma acentuada crise da transmissão da fé e deumaineficáciadasestruturastradicionaisdeveicularamensagemcristã,tambémnãopermitequemuitossintam«asuaveareconfortantealegriadeevangelizar»(EN80).Nestecontexto,amissãopropõe-sesobaformadecontágioeatração,deproximidadeecontactopessoal.EstaéumamaneiradeanunciaroEvangelhoque

21D. MANUEL CLEMENTE, «Comunicação sobre a Exortação Apostólica “Amoris Laetitia”»,

(http://www.patriarcado-lisboa.pt/site/index.php?id=6398).

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dizrespeitoatodososbatizados:«écadaumlevaroEvangelhoàspessoascomasquais se encontra» manifestando uma disponibilidade permanente de lhesofereceroamordeJesus(EG127).

68. Viverasinodalidadecomoestilodaaçãoeclesial.AexperiênciarecentedaIgrejade Lisboa garante-nos, na senda da renovação eclesiológica promovida peloConcílio Vaticano II, que a sua transformaçãomissionária acontece também namedida emque fizer da sinodalidadeométododa ação eclesial.Neste sentido,impõe-seponderararealvitalidadedassuasestruturasdeparticipaçãoevalorizaras expressões de sinodalidade existentes ou a implementar. Para que issoaconteça,fomente-seacriaçãodeespaçosdeencontroedepartilha,deestudoede reflexão; promova-se a comunhão e a coordenação entre os diversosorganismos diocesanos, nomeadamente os da Cúria; incrementem-se estruturasde sinodalidade, tais como equipas vicariais de coordenação pastoral e outrosorganismos previstos pelo direito (conselho económico, conselho pastoralparoquial)22.Nocontextoatual,espera-sedosministrosordenadosumestímuloàparticipação de todos, promovendo uma autêntica cultura da sinodalidade naIgreja.

69. Com Maria, Mãe e modelo da Igreja Evangelizadora. Estrela da Evangelização,Mariaé«exemplodaqueleamormaterno,doqualdevemestaranimados todosquantos,namissãoapostólica,cooperamnaregeneraçãodoshomens»(RM92).ComMaria, a Igreja descobre um estilomaterno de evangelizar, composto por«ternuraeafeto»,feitodeprontidãoealegria,capazde«reconhecerosvestígiosdoEspíritoSanto»ede«contemplaromistériodeDeusnomundo,nahistóriaenavidadiária»(cf.EG5.288).ComoaMãedocoraçãoaberto,aIgrejaéchamadaa«sairemdireçãoaosoutrosparachegaràsperiferiashumanas»ea«sersempreacasaabertadoPaiondehá lugarpara todos»,sobretudoparaoshumildes,ospobres,osfamintoseosfatigados(cf.EG46-48).ComMaria,aIgrejadeLisboaéchamada a festejar cada passo dado em frente na evangelização e a exultar noSenhorquenela«manifestaopoderdoseubraço»erealizamaravilhas(cf.EG24;Lc1,46-55).

AÇÃOEVANGELIZADORAEMORDEMAUMAIGREJAEM«SAÍDA»MISSIONÁRIA70. A caminhada sinodal parece apontar alguns caminhos de renovação eclesial que se

centram nas seguintes opções fundamentais, cujas ações de concretização apenas seapontamcomopistasdeulteriorreflexão.

22Cf.CICcân.536.537.

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a) Opçãomissionáriaeevangelizadora:Missãoa. FazerdamissãooparadigmadaaçãoevangelizadoradaIgreja,saindo

aoencontrodetodasasperiferias;b. Centraroconteúdodaevangelizaçãonoquerigma,fazendoressoarem

todasaspartesoprimeiroanúnciodafé;c. Propordenovoocaminhodaféaosindiferenteseafastados;d. Desenvolver uma autêntica missão ad gentes nos diversos âmbitos

sociaiseculturais;e. Explorar todas as dimensões sociais do querigma, nomeadamente na

edificaçãodacomunidadehumanaenocompromissocomosoutros;

b) Opçãocomunitária:Comunidadea. Efetivar a conversão pastoral das estruturas eclesiais e adotar,

efetivamente,umestilosinodaldeviveredecidiremIgreja;b. Dinamizaramissãoevangelizadoradaparóquiacomo«casa»abertaa

todos promovendo também uma pastoral de conjunto através dacriaçãodeunidadespastorais;

c. Favoreceroacolhimentodetodos,deixando-seacolherporeles;d. Valorizar o papel dosmovimentos e outras comunidades eclesiais na

pastoraldiocesana;e. Fomentaradinâmicafamiliarecomunitáriadavidacristã;

c) Opçãoiniciática:Iniciaçãocristã

a. Promoverumainiciaçãocristãbaseadanumapedagogiacatecumenalevocacionaldafé;

b. Acompanhar os batizados ao encontro com Jesus Cristo e anunciar oquerigmaaosafastadosenãocrentes;

c. Dinamizar a catequese e a formação de todos em ordem ao seuencontro com Deus, à sua integração na comunidade e ao seutestemunhoapostólico;

d. FavoreceronascimentodafécombasenarelaçãodiretacomostextosBíblicos;

e. Personalizar os itinerários de iniciação e de re(iniciação) emordemàvidacristãenãodossacramentosareceber;

d) Opçãofamiliar:Família

a. Caminhar com todas as famílias, valorizando o que têm de bom,apontandocaminhoseanunciandooEvangelhodavidaedafamília;

b. Propor aos jovens oMatrimónio como ideal de vida e de santidade,apostandonasuapreparaçãonajuventudeenotempodenamoro;

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c. Dinamizariniciativasquefavoreçamodesenvolvimentodasdimensõesprópriasdaespiritualidadeconjugal;

d. Apontaravidafamiliarcomosinalcredíveleeficazdeevangelização;e. Acompanhar,discernireintegrarasfragilidadesdavidafamiliar;

e) Opçãovocacional:VocaçãoeMinistériosa. Apontarparaumavivênciavocacionaldaexistênciaedavidadafé;b. Dinamizarapastoralvocacionaljuntodosjovensacompanhando-osno

seucaminho;c. Repensaravocaçãosacerdotaleaformaçãonosseminários;d. Valorizarosministérioslaicaisapontandoparaaespecificidadedasua

vocaçãoemissão;e. Redescobrir a especificidade própria dos leigos no mundo como

agentestransformadoresdasociedade;OSínododiocesanodeLisboaéumaocasiãopropíciaparaseassumiramissãocomopropósitodoserIgrejaeasinodalidadecomoestilodavidaemcomunidade.AIgrejaemLisboaqueriralémdosonhoqueamoveeencarnarnestetempoorostodabelezadoPai,osgestosdacaridadedoFilhoea forçasurpreendentedoEspírito,quea fazdizeraomundoemnomedoseuSenhor:«Eisquefaçonovastodasascoisas»(Ap21,5).

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ÍNDICEDESIGLAS

1Cor -PrimeiracartaaosCoríntios

AA -DecretoApostolicamActuositatem;

Act -ActosdosApóstolos;

AG -DecretoAdGentes;

AL -ExortaçãoApostólicaPós-SinodalAmorisLaetitia;

Ap -LivrodoApocalipse;

CIC -CódigodeDireitoCanónico;

CIgC -CatecismodaIgrejaCatólica;

DD -CartaApostólicaDiesDomini;

EE -ExortaçãoApostólicaPós-SinodalEcclesiainEuropa;

Ef -CartaaosEfésios;

EG -ExortaçãoApostólicaEvangeliiGaudium;

EN -ExortaçãoApostólicaPós-SinodalEvangeliiNuntiandi;

EV -CartaencíclicaEvangeliumVitae;

Gn -LivrodoGénesis;

GS -ConstituiçãoPastoralGaudiumetSpes;

Hb -CartaaosHebreus;

Lc -EvangelhosegundoS.Lucas;

LG -ConstituiçãoDogmáticaLumenGentium;

LS -CartaencíclicaLaudatoSi’;

Mc -EvangelhosegundoS.Marcos;

Mt -EvangelhosegundoS.Mateus;

MV -MisericordiaeVultus.Buladeproclamaçãodojubileuextraordináriodamisericórdia;

NMI -CartaApostólicaNovoMillenniumIneunte

PDV ExortaçãoApostólicaPós-SinodalPastoresDaboVobis

RM--CartaencíclicaRedemptorismissio

.

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Índice DOCUMENTODETRABALHO.................................................................................................1

I.«[UMA]MUDANÇADEÉPOCA»(EG52):ESCUTAROMUNDOEOLHARAIGREJA................2Escutaromundo.......................................................................................................................3OlharaIgreja............................................................................................................................6

II.«DISCERNIR[…]COMCRITÉRIOSEVANGÉLICOSSOBREAPRÓPRIAEXISTÊNCIAEEXPERIÊNCIA»(EG77):CRITÉRIOSPARAAAÇÃOECLESIAL....................................................9

Critériosfundamentais..............................................................................................................9Critériosdediscernimentoeação...........................................................................................10

III.«NÃODEIXARTUDONAMESMA»(EG25):PARAUMACONVERSÃOPASTORALEMISSIONÁRIA......................................................................................................................14

Dimensãosacerdotal:celebraçãodaféevidaespiritual........................................................14Dimensãoprofética:anúncioetestemunhodoEvangelho.....................................................16Dimensãoreal:serviçoecuidadodopróximo.........................................................................20Edificaçãocomunitáriaevivênciadacomunhãoparaoserviçodomundo............................23Açãoevangelizadorasemordemaumaigrejaem«saída»missionária................................27

ÍNDICEDESIGLAS.................................................................................................................30