Do Patrimonio Cultural e Seus Significados_araripe

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 DO PATRIMÔNIO CULTURAL E SEUS SIGNIFICADOS Transinformação , Campinas,16(2):111-122,maio/ago.,2004 111 1 Docente, Departamento de Ciência da Informação, Universidade Federal do Ceará. Av. Universidade, 2768, Benfica, 60020- 180,Fortaleza,CE,Brasil. E-mail : fararipe@ufc. br Recebido em 8/7/2003 e aceito para publicação em 17/8/2 004. RT IG Do patrimônio cultural e seus significados Onculturalheritageanditsmeanings Fátima Maria Alencar ARARIPE 1 R E S U M O Reflexões acerca do patrimônio cultural tendo em mente o conjunto de tudo o que encontramos na formação da cultura: conhecimento, crenças, arte, moral, direitos, costumes, capacidade e hábitos adquiridos pelo homem, transmitidos de geração a geração e a dimensão da força simbólica do seu significado, como representação da expressão cultural do fazer social. Propõe (re)definir o patrimônio cultural, como memória social e, por conseguinte, parte da história, na possibilidade de pensar esse patrimônio parte de um grande acervo informacional, isto é, como fonte de informação, inserido nos processos de ensino e de pesquisa, de forma a possibilitar a construção de um ser socialmente ativo. Este ser, ao unir passado e presente, (re)cria imagens da cidade – espaço por excelência da formação do patrimônio, do povo e da cultura, observando as condições históricas, sociais e comunicacionais, bem como as exigências contemporâneas, que levam em consideração a produção humana como bem cultural e, portanto, da maior significação. Este ensaio apresenta o patrimônio cultural desde a perspectiva dos usos sociais, das apropriações que a sociedade faz da sua memória, da sua história, para que haja reconhecimento e legitimação desse patrimônio que, conseqüentemente, será elemento a permear o processo educacional e formação da cidadania. Palavras-chave : patrimônio cultural, memória social, cidade, fonte de informação.

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A Filosofia existe para que as pessoas possam viver melhor, sofrer menos, lidarmais serenamente com as adversidades, enfrentar com coragem o ”perpétuo vai-e-vemde elevações e quedas”, para citar uma frase do romano Sêneca (4 a.C.-65 d.C.), um dosgrandes filósofos da Antiguidade. A missão essencial da Filosofia é tornar viável a buscada felicidade. Todos os grandes pensadores sublinharam este ponto. A filosofia que não éútil na vida prática pode ser jogada no lixo. Alguém definiu os filósofos como os amigoseternos da humanidade. Nas noites frias e escuras que enfrentamos no correr dos longosdias, eles podem iluminar e aquecer. A Filosofia apóia e consola. ”O ofício da Filosofia éserenar as tempestades da alma", escreveu o sábio francês Montaigne (1533-1592).Numa definição magistral, Montaigne definiu a Filosofia como a ”ciência de viver bem”.

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    1 Docente, Departamento de Cincia da Informao, Universidade Federal do Cear. Av. Universidade, 2768, Benfica, 60020-180, Fortaleza, CE, Brasil. E-mail: [email protected] em 8/7/2003 e aceito para publicao em 17/8/2004.

    ARTIGO

    Do patrimnio cultural e seus significados

    On cultural heritage and its meanings

    Ftima Maria Alencar ARARIPE1

    R E S U M O

    Reflexes acerca do patrimnio cultural tendo em mente o conjunto de tudo oque encontramos na formao da cultura: conhecimento, crenas, arte, moral,direitos, costumes, capacidade e hbitos adquiridos pelo homem, transmitidosde gerao a gerao e a dimenso da fora simblica do seu significado,como representao da expresso cultural do fazer social. Prope (re)definir opatrimnio cultural, como memria social e, por conseguinte, parte da histria,na possibilidade de pensar esse patrimnio parte de um grande acervoinformacional, isto , como fonte de informao, inserido nos processos deensino e de pesquisa, de forma a possibilitar a construo de um ser socialmenteativo. Este ser, ao unir passado e presente, (re)cria imagens da cidade espaopor excelncia da formao do patrimnio, do povo e da cultura, observando ascondies histricas, sociais e comunicacionais, bem como as exignciascontemporneas, que levam em considerao a produo humana como bemcultural e, portanto, da maior significao. Este ensaio apresenta o patrimniocultural desde a perspectiva dos usos sociais, das apropriaes que asociedade faz da sua memria, da sua histria, para que haja reconhecimentoe legitimao desse patrimnio que, conseqentemente, ser elemento apermear o processo educacional e formao da cidadania.

    Palavras-chave: patrimnio cultural, memria social, cidade, fonte deinformao.

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    A B S T R A C T

    The author reflects upon the cultural heritage, considering everything thatcontribute to the culture formation knowledge, beliefs, art, morals, rights, customs,capacities and habits acquired by the human being and transmitted fromgeneration to generation, and the dimension of the symbolic forces of theirmeaning, as representation of the cultural expression of social making. Theauthor intends to (re)define cultural heritage as social memory and, therefore,part of the history, arguing that this will make it possible to approach such heritageas part of a great information collection: as a source of information, within theeducational and research processes, aiming at the construction of a sociallyactive being, who, joining past and present, would (re)create images of thecity par excellence, the formation space of heritage, as well as images of thepeople and the culture, observing the historical, social and communicationconditions. Such socially active being would accomplish all that, by taking intoaccount, also, the contemporary requirements, which consider human productionas a cultural good, therefore, one of the utmost significance. The author intendsto approach the cultural heritage from the perspective of the social uses, theappropriation of its own history by society, which, thus, recognizing and legitimatingsuch heritage, consequently turning its elements into facilitators of the educationaland citizenship processes.

    Key words: cultural heritage, social memory, city, information source.

    [...]Que tristeza que ns sentia.Cada tauba que caaDoa no corao.[...]

    Adoniran Barbosa

    As escolas de Biblioteconomia trazem noseu currculo disciplinas de cunho histrico esocial, bem como o estudo das fontes deinformao nos seus mais variados suportesdocumentais. Todavia, no podemos afirmar quefaz parte desse acervo os elementos quepermeiam o fazer social e se representam naquiloque denominamos patrimnio cultural e podemcontribuir para a construo de uma sociedadeque se (re)conhea naquilo que apresenta erepresenta como parte da sua cultura. Portanto,se exige uma reviso da base que rege opatrimnio, haja vista o aspecto simblico nele

    implcito. Este texto pretende desenvolveralgumas reflexes sobre patrimnio cultural,memria e cidade, como possibilidade derepensar o ensino e a pesquisa no que se referequilo que denominamos fontes de informaoe a necessidade, que acreditamos seja possvele necessria, da insero desse aparato culturalou informacional, no contedo programtico dasdisciplinas que trabalham com histria e socieda-de brasileiras.

    Consideramos da maior riqueza o que seapresenta no patrimnio cultural, como memriasocial, no espao da cidade, e sua utilizao

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    como fonte de (in)formao e, conseqente-mente, coadjuvante na promoo de tudo o quepossibilita ao sujeito um crescimento pessoal ecoletivo para a construo da sociedade.

    Na interseo de reflexes acadmicase experincias pessoais, no pretendemos nestemomento aprofundar as reflexes tericas, nemtampouco proferir um receiturio de procedimen-tos que viabilizem diminuir a distncia do usodesse aparato na prtica docente. Pretendemos,sim, alertar para a necessidade de pensar oensino atravs de novas ferramentas de aprendi-zagem, de sair dos equipamentos tradicionais enavegar em outros textos, observando em cadaum deles as diferentes dimenses da existnciahumana: poltica, econmica, religiosa, dentreoutras.

    No Brasil, quando se criou o Servio dePatrimnio Histrico e Artstico Nacional(SPHAN), em 1937, as discusses sobre ocampo patrimonial foi ocupada por arquitetos ealguns poucos tericos da cultura. Isto , os benspatrimoniais institudos eram designados com oolhar voltado para um patrimnio edificado: paraprdios e monumentos visveis e de certa formaestticos. No entanto, mister que se veja opatrimnio como parte integrante da comunidadeonde est inserido, numa representao dasmanifestaes sociais que marcam ou marcaramsuas vidas, conquistas, sonhos, realizaes eque constroem a histria, e a possibilidade deolhar esse patrimnio como memria social.

    Sem perder de vista a relevncia daesfera edificada, preciso incluir no patrimniocultural outros campos artsticos e objetos docotidiano pintura, msica, escultura, cinema,vestimentas, utenslios domsticos, instrumen-tos de trabalho, dentre outros, bem comomateriais de diferentes arquivos e acervos.

    Diante desse conjunto de bens patrimo-niais vemos, no ltimo quartel do sculo vinte,emergirem discusses que falam de um patrim-nio material e imaterial. Essa uma discussoda qual ainda no podemos compartilhar, na

    medida em que consideramos que um contmo outro, isto , um se firma na relao com ooutro e a materializao do outro. Enfim,quando falamos de patrimnio cultural estamosnos referindo ao conjunto de tudo que temsignificao, aquilo que tem sentido social, noimportando se esse patrimnio algo materiali-zado (visvel) ou simplesmente manifestaesda cultura que se apresentam atravs do cidadocomum.

    Se levarmos em considerao essasduas dimenses ou essas duas possibilidadesde classificar o patrimnio, preciso queestejamos atentos para alm de um patrimniomaterial que tambm esttico, e pensarmosem um patrimnio imaterial, que dinmico,que pode caminhar, um patrimnio que tem levezae movimento. No podemos esquecer quevivemos em um mundo marcado pela tecnologia,e que nesse mundo tecnolgico o patrimnio tema possibilidade de estar, tambm, no virtual, numadinmica que lhe d presena na ausncia,desenraizado e com uma mobilidade caracters-tica da contemporaneidade.

    Essa ampliao do que contempla opatrimnio cultural no diz respeito apenas adiversidade de objetos, ou novos objetos e temas,mas sim, que estamos diante de uma dimensomaior, da dimenso humana de fazeres sociais,isto , das prticas cotidianas. A epgrafe citadano incio deste texto, o pequeno trecho damsica de Adoniran Barbosa, Saudosa Maloca,simbolicamente vem nos mostrar o quanto importante olhar as experincias sociais queacompanham os objetos, os lugares, as msi-cas, pois dizem respeito a inmeras trajetriasde vidas em diferentes momentos somemrias, em nuances que vo do poltico e doreligioso ao social, por meio dos diferentessegmentos sociais, englobando o homemcomum e, portanto, no supondo que opatrimnio tenha significado igual para todos.

    Como afirma Silva: procurar profundasrazes ou tenras e novas folhas daquilo que os

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    seres humanos andaram (e continuam) fazendo. interpretar pacientemente o social [...] (SILVA,1995, p.24).

    Pensando assim, algumas questesemergem, so inquietantes e pedem respostas:patrimnio cultural e memria de quem? O querepresenta socialmente? uma memria quese diz coletiva ou instituda pela instnciagovernamental ou empresarial? O que patrimnio cultural? Passado ou presente?

    Costumamos pensar que o patrimnio passado, memria daquilo que ficou comoherana. Mas o patrimnio, tambm, presente, memria do tempo presente. Isso porque nopodemos entender o presente, nem tampoucopensar o futuro, sem olhar para a memria panode fundo para se pensar as mudanas sociais.Em se tratando de passado temos um patrimnioque agrupa pessoas e acontecimentos quetestemunham perodos vividos. So memriasque profissionais e instituies credenciam comopatrimnio: preservando-os, recuperando-os econservando-os.

    Primeiramente apontamos a preservao,atravs de um registro oficial e/ou social que osresguarde do esquecimento ou de possveisdanos, pois mister que ao pensar em preser-vao no nos fixemos nos feitos histricos. necessrio lembrar que existe um patrimnio quese encontra nas prticas cotidianas e precisoque tambm seja preservado, isto ; apresentadocomo tal e com valor social.

    Em segundo lugar, e na mesma importn-cia, recuperando-os, tanto em suas estruturasfsicas como nas realizaes do homem em seufazer cotidiano, quer seja nos festejos religiosos,nos costumes folclricos, nos ritos depassagem, nas manifestaes polticas, dentreoutros.

    E em terceiro, conservando-os, naperspectiva de manter a memria como fontepara a reflexo histrica e a construo doespao urbano, bem como na possibilidade e

    necessidade de uso social desse patrimnio,numa relao mais prxima com o processoeducacional, j que acreditamos que o patrim-nio pedaggico. Se no dermos uma utilidadesocial ao que julgamos ou que se apresentacomo patrimnio, ele com certeza morre ou, nomnimo, passa desapercebido.

    H, tambm, na memria contida nopatrimnio um veio para se obter uma identidadee os laos de pertencimento com a comunidadeonde se insere. Com todas as implicaes queacompanham as discusses sobre identidadecultural no presente momento, ainda assimacreditamos dever existir uma relao dereconhecimento e pertencimento de identidade,daquilo que se constitui como patrimnio com ahistria do seu povo e as suas prticascotidianas.

    No que diz respeito contemporaneidadeo patrimnio agrupa pessoas, acontecimentose coisas de quem fala e ouve, assim como seencontra presente nos projetos diferenciados ealternativos na sociedade, nas mltiplas identida-des das classes sociais, nos grupos de idade,nas etnias, gneros, correntes partidrias, etc. passado e presente se conjugando na forma-o de um patrimnio memria representativodo fazer social.

    Pensar na formao de um profissionalque tem na informao a sua matria prima e,ainda, numa multiplicidade de fontes de (in)forma-o, pressupe a possibilidade da incorporaodesse aparato informacional no seu universoprofissional e, portanto, a necessidade de trazeressa problemtica para o ensino e a pesquisa,como forma de viabilizar a legitimao dos valorespatrimoniais existentes.

    Queremos na verdade afirmar que a reabiblioteconmica precisa ampliar o raio dasconhecidas e tradicionais fontes de informao,desse conceito linear que olha apenas paraaquilo que conseguimos juntar ou agrupar deforma ordenada e organizada. H que se pensarem um acervo informacional que se encontra em

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    qualquer lugar, de diferentes formas e semnenhum ordenamento planejado, mas que dizmuito da cultura e da histria das pessoas edos lugares. um acervo dinmico, pois construdo pelo movimento da vida.

    Acreditamos, dessa forma, seja necess-rio um olhar mais acurado para as questesculturais, haja vista que os estudos antropol-gicos acerca de cultura apresentam umavariedade de conceitos que abrangem desde omodo de pensar, o modo de viver, e aocomportamento do homem, englobando umconjunto formado pelo conhecimento, crenas,arte, moral, direito, costumes, capacidade ehbitos adquiridos pelo homem como ser social,e a sua transmisso de gerao a gerao peloprocesso da aprendizagem, compondo apaisagem social.

    O patrimnio, pelo seu teor simblico esua significao, funciona como chave de entradapara a compreenso de uma poca, de umasociedade, ou de um momento da vida social. que quanto mais mergulhamos nos movimentosdo passado e nos debruamos sobre os fatosparticulares da vida cotidiana, mais podemosdesvendar e compreender a estrutura e aregularidade desse passado e verificar que emum mesmo contexto esto reunidos diferentesfatos que, na verdade, formam a unidade social. que a dinmica do entrelaamento social estna juno desses fatos, que se integram eformam unidades cada vez maiores, conduzindoas mudanas sociais, e, dessa forma, mostramque est na interdependncia dos homens e dasinstituies a configurao global da sociedade.

    As nossas reflexes direcionam o olharpara o espao urbano da cidade, na perspectivado que nela podemos encontrar de memria ede histria dos seus moradores e, por conse-guinte, como representao social. Tornou-se,

    na verdade, uma paixo olhar o que faz umacidade, isto , o que d o movimento da vida,atravs da sua gente, de suas memrias econstrem a sua histria.

    Barthes (1987) afirma que:A cidade um discurso, e esse discur-so verdadeiramente uma linguagem:a cidade fala aos seus habitantes, nsfalamos a nossa cidade, a cidade ondens nos encontramos simplesmentequando a habitamos, a percorremos,a olhamos.

    Porque da cidade emana uma polifonia2discursiva de grandes dimenses. necessrio,portanto, que ao olhar a cidade se perceba queesse um espao de construo do homem e,portanto, cada pedra, cada parede levantada,cada instituio criada, assim como a forma comque se apresentam, ocupam lugar na organizaoda cidade e determinam a sua funo, construin-do inmeros significados. Dessa forma, aindaseguindo o pensamento de Barthes (1987,p.189), devemos admitir que

    Qualquer cidade um pouco cons-truda, feita por ns imagem do navioArgos, em que cada pea j no erauma pea de origem, mas continuavaa ser sempre o navio Argos, isto , umconjunto de significaes facilmentelegveis e identificveis. Neste esforode semntica da cidade, devemostentar compreender o jogo dos signos,compreender que qualquer cidade uma estrutura [...].

    a cidade deixando de ser apenas umconceito geogrfico para tornar-se um smboloirrefutvel da existncia do homem, onde possvel descobrir o que ela contm e o que elaesconde. A cidade , portanto, lugar de memria,que abrange desde o seu traado at a suanomenclatura, bem como todos os textos

    2 Polifonia: conceito da autoria de Bakthin, elaborado a partir dos estudos que esse autor fez nas obras de Rabelais (romance).Diz respeito s diferentes vozes que entram na composio dos textos de qualquer espcie, mas, neste caso, nos textosculturais, nas vozes que se expressam nos palcos, espaos e textos da cidade. Estas vozes disputam sentidos, entre si, epropem sentido para os sujeitos.

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    escritos sobre ela: so as obras arquitetnicase urbansticas, assim como tudo o que fala dasua cultura, da literatura, das artes plsticas,da msica, e tantos outros aspectos que revelemuma cidade.

    Portanto, procurar no espao da cidadea visibilidade da sua histria buscar a memria,e a memria encontra-se nessa paisagem,conjunto de tudo que descortina pessoas,instituies, arte, literatura e que possa falar econstruir a histria desta cidade. Por conse-guinte, observamos a cidade, o lugar de produode sentidos, com um olhar plural e verificandoque o seu verdadeiro significado encontra-se narelao homem/lugar.

    Quando Rossi (1995, p.1) nos diz que Aarquitetura a cena fixa das vicissitudes dohomem, carregada de sentimentos de geraes,de acontecimentos pblicos, de tragdias, defatos novos e antigos, est nos dizendo que acidade um texto com vozes que falam dossinais da vida cotidiana, das necessidades e dossonhos de cada um dos indivduos e do conjuntode todos eles. Essas vozes, que falam da cidade, que, aos poucos, vo construindo a suamemria, uma memria que social.

    Parece-nos que a cidade oferece umacervo cultural uma memria que poderepresentar um importante papel de construosocial que minimize as desigualdades ediferenas apreendidas na escola e, assim,contribuir para uma educao transformadora.Observamos, por conseguinte, que o conheci-mento e o reconhecimento do que esconde acidade por demais significativo como fonte de(in)formao no processo educacional e aconstruo de um indivduo cidado.

    Olhar o espao da cidade tem merecido,da nossa parte, uma ateno especial. Aocaminharmos por diferentes lugares, e aquielegemos o estado do Cear, mais especifica-mente a cidade de Fortaleza, uma inquietaonos acompanha, proveniente de observaes ereflexes cotidianas quanto ao que se apresenta

    e representa como patrimnio e, portanto, comomemria social, e que parece no fazer parte doolhar e do reconhecimento social. So reflexesque ultrapassam o limite do visvel para pensar eentender um patrimnio que se encontra,tambm, no cotidiano do homem ordinrio,como diz Michel de Certeau (1994), e que, comcerteza, so de extrema relevncia para o ensinoe a pesquisa.

    So praas, monumentos, prdios e ruasque contam a histria da cidade de Fortaleza,que se encontram sem preservao, sem recupe-rao e sem conservao. A apropriao quedeles se faz das mais variadas: so pichados,depredados, utilizados para moradia ou paraesconderijo, sem nenhum sentimento dereconhecimento do que aquilo representa nahistria da construo dessa cidade.

    Ainda nas mesmas propores podemosver o pouco valor atribudo aos cnticos e danascaractersticas da regio, bem como ao seu ricoartesanato, dentre outros encantos que podemmostrar a feio e a identidade da cidade.

    Esses comportamentos que destroem osespaos, os objetos e anulam as manifestaesculturais so provenientes, muitas das vezes,das injustias sociais. Mas, por outra, podemdenotar desconhecimento, indiferena ou senti-mento de posse, oriundos da inexistncia de umaeducao que contemple o espao de vidacotidiana, uma educao patrimonial.

    So grandes questes que envolvem opatrimnio cultural e do significado a suaexistncia e nos inquietam: de quem, para quem,para o que servem, dentre outras indagaes, eque ainda no podemos dar respostas, pois soo motivo da pesquisa em andamento para a nossatese de doutoramento.

    Dessas consideraes surgiram muitosquestionamentos frente necessidade de semostrar um patrimnio cultural, que memriae, por conseguinte, histria, que apresente oslaos de pertencimento de uma sociedade, numa

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    retomada de valores que possa garantir alcanara construo de um futuro alicerado numaeducao que busque o passado e detenha oseu olhar no presente, nesse presente de umasociedade caracterizada pela chamada moderni-dade, e notadamente marcada pela tecnologia epela globalizao.

    Pensar a questo do patrimnio culturalolhando esse conjunto, observando a dimensoda fora simblica do seu significado, e a suarepresentao enquanto expresso cultural dofazer social, marcada pelos fatos, contextos,interpretaes, significaes e sentidos dessasprticas , no mnimo, interessante.

    Portanto, (re)definir o patrimnio cultural,como memria social e, por conseguinte, comofonte de (in)formao, levando em consideraoas condies histricas, sociais e comunica-cionais na contemporaneidade, que exalta aproduo humana como bem cultural da maiorsignificao para a construo de um sersocialmente ativo, unindo passado e presente e(re)criando imagens da cidade, do povo, dacultura, fundamental para que se possa terperspectivas de falar de uma educao cidadque reconhea as diferenas culturais doindivduo e suas necessidades informacionais.

    pelo patrimnio, como memria social,que podem se projetar as significaes quedelinearo e formaro as representaes sociais. o patrimnio, enquanto fonte de (in)formao,como testemunha das mudanas e no dapermanncia das sociedades, se apresentandode forma dinmica e ao qual se atribuem valores,no s materiais mas, principalmente, culturais,com uma valiosa carga de representaosimblica. o patrimnio cultural pensado naperspectiva dos usos sociais e das apropriaesque a sociedade faz da sua memria, da suahistria.

    verdade que todos esses aspectospermeiam o que denominamos cultura, mas nopodemos deixar de observar que tudo isso seconstitui atravs da racionalidade e da sensibi-

    lidade do ser humano ao utilizar a sua capacidadeimaginativa na construo do social. Construoessa que se d na e pela experincia vivenciadae que essencialmente no se realiza sem ela,haja vista a necessidade do conhecimento e doreconhecimento dos equipamentos sociais paraa compreenso daquilo que se instaura comocultura, observando os aspectos espao(construo da memria) e o tempo, enquantotempo universal que os homens partilham.

    Portanto, pensar [...] o modo como emdiferentes lugares e momentos uma determinadarealidade social construda, pensada, dada aler(CHARTIER, 1988, p.16); observar acapacidade imaginativa do homem comopossibilitadora da construo do social, medianteuma diversidade de significados relacionados amomentos e pocas vividos. Dessa forma,podemos trabalhar a cultura tomando como baseas prticas e representaes sociais, observando

    [...] uma histria cultural do social quetome por objeto a compreenso dasformas e dos motivos ou por outraspalavras, das representaes domundo social que revelia dos atoressociais, traduzem as suas posies einteresses objetivamente confrontadose que, paralelamente, descrevem asociedade tal como pensam que ela, ou como gostariam que fosse(CHARTIER, 1988 p.19)

    A cultura, dessa forma, aqui apresen-tada como resultante das prticas sociais que,atravs das aes dos homens, tem umarepresentao enquanto expresso cultural noseio da sociedade. Observamos, portanto, queos homens no passeiam desnudos naconstruo do social. Eles, homens, precisamde signos, de imagens, de gestos, dentre outrosaspectos, carregados de sentido, atravs dosquais possam se comunicar e ainda se reconhe-cerem a si prprios no seu caminhar como sersocial e, por conseguinte, como ser eminente-mente simblico.

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    H uma fora social que congrega e uneos homens quando elaboram uma determinadarepresentao de si; quando estabelecem papise posies sociais; quando exprimem e impemcrenas comuns e constrem uma memria.

    que esses homens vivem em meio aum grande acmulo de mecanismos passadose, nada mais natural, do que buscar nessesmecanismos aquilo que melhor se adeqe aosseus prprios fins. Quando pensamos a memriacomo social no podemos esquecer que ohomem um ser nico, singular, e, portanto,com identidade prpria, sentimentos e umacompreenso prpria de tudo que o rodeia.

    Entretanto, necessrio observar,tambm, que esse mesmo homem faz parte deum determinado grupo e, dessa maneira, existeum sentimento de pertencimento desse homemcom o tempo e o lugar, e as pessoas que formamesse grupo, fazendo com que adquiramsignificados coletivos.

    Geertz (1978, p.15) acredita[...] que o homem um animal amarra-do a teias de significados que elemesmo teceu, [...] [e] a cultura comosendo essas teias e a sua anlise;portanto, no como uma cinciaexperimental em busca de leis, mascomo uma cincia interpretativa, aprocura de significados.

    Assim, podemos ento afirmar que ocomportamento do homem pode ser visto comouma ao simblica que somente pode seconstituir pela e na interpretao, possibilitadapelo contexto, atravs do procedimentoessencial do situar-se, que permite umacompreenso mais prxima da realidade dosfatos. Portanto,

    Olhar as dimenses simblicas da aosocial arte, religio, ideologia, cincia,lei, moralidade, senso comum no afastar-se dos dilemas existnciais davida [...] mergulhar no meio delas. Avocao essencial da antropologia

    interpretativa no esconder asnossas questes mais profundas,mas colocar nossa disposio outroscarneiros em outros vales e assiminclu-las no registro de consultassobre o que o homem falou (GEERTZ,1978, p.40).

    Em meio a essa teia simblica oshomens, enquanto cidados do mundo, comsuas memrias, tornam-se fonte de legitimaoda representao do passado e da histria dotempo presente, j que existe uma coerncia euma relao entre passado e presente quepodem ser percebidas nas prticas cotidianas.

    Refletir sobre o patrimnio cultural, comoexpresso da cultura do homem, olhando adimenso simblica, a fora do poder simblico,nos fatos e aes que se fazem presentes naconstruo do social tem importncia significa-tiva, na medida em que envolve a memria como recurso de reconstruo histrica, e aidentidade, com toda a complexidade que oconceito envolve como forma de legitimao ereconhecimento do que se apresenta comopatrimnio, possibilitando ao homem seencontrar, se identificar e acreditar que o queele v faz parte da sua memria, da memria doseu grupo.

    A questo que propomos (re)definir opatrimnio cultural, levando em considerao ascondies histricas, sociais e comunicacionaisda contemporaneidade, mas um patrimnio que memria do seu povo, e que pode ser utilizadocomo fonte de (in)formao para a pesquisa e oensino.

    Existe uma preocupao advinda deinstituies, sejam pblicas ou privadas, deorganizaes governamentais e nogovernamentais, grupos sociais e algumaspoucas figuras pblicas, no que diz respeito aopatrimnio cultural, atravs da criao e/oumanuteno de museus, memoriais, centros dedocumentao e de memria, dentre outros.Percebemos, no entanto, a partir de leituras e

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    do nosso conhecimento emprico sobre essaquesto, a necessidade de uma pesquisacientfica, o que estamos a realizar durante odoutorado, que realce o uso dos bens patri-moniais como fonte de (in)formao para o ensinoe a pesquisa com vistas formao de indivduoscidados.

    Essa, no entanto, no tem sido umapreocupao apresentada. Parece-nos que opatrimnio ficou entregue nas mos dos pro-fissionais da rea arquitetnica que privilegiam,por conseguinte, as edificaes, ou melhorexpressando o patrimnio edificado. De acordocom a primeira legislao patrimonial do pas, oDecreto-lei n 25/37 diz que:

    Constitui o patrimnio histrico e arts-tico nacional o conjunto de bens mveise imveis existentes no pas e cujaconservao seja de interesse pblico,quer por sua vinculao a fatos memo-rveis da Histria do Brasil, quer porseu excepcional valor arqueolgico ouetnogrfico, bibliogrfico ou artstico(BRASIL, 1937).

    A poltica que norteou a preservao dosbens patrimoniais, sob o comando do SPHAN,desde o ano de sua criao, privilegiou, comosalienta Ori (1997, p.131), [...] igrejas barrocas,os fortes militares, as casas-grandes e ossobrados coloniais. Esqueceram as senzalas,os quilombos, as vilas operrias e os cortios.

    A idia era passar ao pas a imagem deum passado uno, homogneo, onde no sereservava espao para as diferenas tnicas eculturais da formao histrica nacional. Ficou,dessa forma, o patrimnio como um dos camposinstituidores da memria, num vis particular deatuao do poder pblico, deixando de lado aparticipao da sociedade na legitimao dessesbens.

    As exigncias contemporneas fizeramcom que se ampliasse a designao patrimniohistrico e artstico para patrimnio cultural,

    levando-se em considerao toda a produohumana como bem cultural.

    A atual Constituio Brasileira vemreforar essa tendncia quando adota, no artigo216, Seo II Da Cultura, para patrimniocultural a seguinte conceituao:

    Constituem patrimnio cultural brasi-leiro os bens de natureza material eimaterial, tomados individualmente ouem conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dosdiferentes grupos formadores da so-ciedade brasileira, nos quais seincluem:

    I as formas de expresso;

    II os modos de criar, fazer e viver;

    III as criaes cientficas, artsticas etecnolgicas;IV as obras, objetos, documentos,edificaes e demais espaosdestinados s manifestaes artstico-culturais;

    V os conjuntos urbanos e stios devalor histrico, paisagstico, artstico,arqueolgico, ecolgico e cientfico(BRASIL, 1988).

    o patrimnio agora tomado como impor-tante elemento na construo de uma identidadenacional. o passado como referncia para aconstituio da nacionalidade e fonte deconhecimento para a histria. Podemos, ento,olhar o patrimnio como suporte de evocao ede memria. Como fenmeno social que unepassado e presente (re)criando imagens dacidade, do povo, da cultura. Devemos, portanto,olhar o patrimnio, enquanto memria social,como lugar onde se projetam as significaesque delinearo e formaro as representaessociais e tem na cidade seu lugar privilegiado.

    De acordo com Canclini (1994, p.95) ascincias sociais esto reconceitualizandopatrimnio cultural tomando alguns pontos comofundamentais.

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    Primeiramente a afirmao de que opatrimnio no se restringe mais somente sexpresses mortas da cultura situando-senesse meio antigos objetos, stios arqueolgicosetc. mas, tambm, a outras formas de bensculturais visveis e invisveis como lngua,conhecimento, documentao, comunicao,dentre outros.

    Em segundo, a questo das apropriaese dos usos sociais que se fazem desse patri-mnio frente s necessidades contempornease a exigncia de uma poltica de preservao eadministrao desses bens patrimoniais, quepossa fazer valer a existncia dos mesmos.

    E em terceiro, o reconhecimento de umpatrimnio que se faz presente nos produtos dacultura popular msica, textos de camponesese operrios, bens materiais e simblicos,originrios de todos os grupos sociais.

    Destaca ento o autor, seis questestericas e polticas a serem trabalhadas:

    1) o patrimnio cultural e a desigual-dade social; 2) a construo imaginriado patrimnio nacional; 3) os usos dopatrimnio; 4) os propsitos da pre-servao; 5) o patrimnio na era daindstria cultural; 6) os critriosestticos e filosficos [que o avaliam,preservam e difundem] (CANCLINI,1994, p.96).

    Sem descartar a relevncia do conjuntodas seis questes levantadas, gostaramos aquide destacar trs aspectos que consideramos damaior importncia: a construo imaginria dopatrimnio cultural; os usos do patrimnio; e ospropsitos da preservao, observando queesses trs aspectos esto imbricados de umamaneira tal que falar em um deles requer umarelao com os outros dois, sem perder de vistaa paisagem contempornea que mostra, a todomomento, uma quebra de fronteiras, umadesterritorializao, ou ainda uma invaso dosnossos espaos com uma enxurrada de novas

    maneiras de dizer, de fazer e de pensar, isto ,com novas formas de sociabilidade.

    interessante, portanto, alm de pensarnuma memria que mantenha conexo com osbens patrimoniais tais como monumentos efatos histricos, que se considere o indivduocomo um cidado e, por conseguinte, merecedorde memria individual e coletiva que lhepermita uma conscincia histrica capaz depossibilitar a esse cidado o (re)conhecimentodesses bens como parte da sua memria e dasua histria.

    O patrimnio cultural precisa ser pensadono s nos princpios polticos que norteiam asestruturas jurdicas e sociais, mas pautado,especialmente, numa cultura formada pelasaes e invenes do cotidiano.

    [...] preciso interessar-se no pelosprodutos culturais oferecidos no mer-cado de bens, mas pelas operaesdos seus usurios; mister ocupar-se com as maneiras diferentes,demarcar socialmente o desviooperado num dado por uma prtica(CERTEAU, 1994, p.13).

    Nesta perspectiva nos deparamos com osegundo aspecto aqui destacado: os usos dopatrimnio. As contradies no uso do patri-mnio como espao de disputa poltica,econmica e simblica ficam a cargo do setorprivado, do Estado e dos movimentos sociais. Ainiciativa privada trata o patrimnio enquantoinstncia possibilitadora de ganhos econmicos,ficando o aspecto cultural, na maioria das vezes, margem dos interesses empresariais: emespecial o setor imobilirio e o setor turstico. OEstado, ao mesmo tempo em que valoriza opatrimnio como elemento integrador denacionalidade, por outra vem se utilizando apenasdos fatos e aes histricas que se ligam aosbens patrimoniais para construir um imaginriosocial.

    No podemos esquecer que nessecaminho a ao do Estado tem, tambm, alm

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    de identificar, reabilitado bens patrimoniais degrande valor artstico e cultural. Mas, por outra,esquecendo-se de identificar em outros fatos eaes, provenientes das prticas sociais comodiz Chartier uma representao da memriaque contemple o cidado do mundo, o cidadocomum.

    Os movimentos sociais em torno dopatrimnio despontam com preocupaes quevo desde as questes ecolgicas, a urbanizaodescontrolada, com vistas a preservao de umambiente urbano em condies saudveis de vida,alm de trabalharem na construo de centrosde memria que possibilitem um registro de suasidentidades culturais.

    Temos ento aqui, o terceiro aspectodestacado. E uma interrogao emerge: por quepreservar o patrimnio?

    Difcil se torna para uma sociedade aconstituio e, principalmente, a preservao dosbens patrimoniais, se essa sociedade noconsegue se ver nos cones, nos smbolos emonumentos institudos por concepes queenvolvem, em maiores propores, questeseconmicas e polticas. preciso que sepreserve um bem cultural no s pelo valoresttico, arquitetnico ou histrico, mas sim seesse bem tem significao para a comunidadeonde est inserido, possibilitando uma melhoriana qualidade de vida de seus moradores econtribua para a construo e o exerccio dacidadania.

    Faz-se necessrio que os bens patrimo-niais sejam identificados atravs das coisas quefalem das memrias do seu povo, do seu viver.Nessa perspectiva, temos que pensar numpatrimnio que se faz na memria individual ecoletiva que possa representar o passado, atradio e a histria de um pas, estado, cidadeou comunidade. na memria acumulada queos indivduos se reconhecem enquanto ser sociale sujeitos partcipes na construo de umaidentidade local, que apresente passado e

    presente numa sucesso de interligaes. Semmemria impossvel ao homem situar-se notempo da histria e, portanto, sentir-se sujeitodessa histria.

    Precisamos olhar a memria atravs do[...] homem ordinrio. Heri comum. Persona-gem disseminada. Caminhante inumervel.Invocando, [...] o ausente que lhes d princpio enecessidade [...] A este orculo que se confundecom o rumor da histria [...] (CERTEAU, 1994,p.57).

    No sujeito simples, ordinrio, no dizer deCerteau, se d tambm, e principalmente, amanifestao de identidade e nacionalidade, poissob a tica do autor, Os projetores abandonaramos atores donos de nomes prprios e de brasessociais para voltar-se para o coro dos figurantesamontoados dos lados, e depois fixar-se enfimna multido do pblico (CERTEAU, 1994, p.57).

    Mais do que nunca urge que se atente aoprocesso de desenvolvimento social, onde aglobalizao, e por que no dizer a massificaodas sociedades contemporneas, interferem nofazer cotidiano, com novos valores e significados,novas prticas e novas formas de sociabilidade,intervindo na construo e legitimao damemria social representada pelo patrimniocultural.

    Qualquer poltica cultural sobre os benspatrimoniais no pode deixar de tomar asprticas sociais, suas representaes e interpre-taes como fora motriz para o assentamentode um patrimnio pautado numa memria quepossibilite um sentimento de pertencimento noque se refere ao seu ambiente social. Umpatrimnio cultural pensado e considerado nosusos sociais, nas apropriaes que a sociedadefaz da sua memria, da sua histria. Precisamosdesses patrimnios que so memrias e dessasmemrias que so patrimnios para quepossamos utiliz-los como fontes informacionaispara a pesquisa e adot-las como uma forma de

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    fortalecer o processo de ensino como um espaode construo e exerccio da cidadania.

    Partindo dessa problemtica precisamosanalisar o carter educacional do patrimniocultural do espao urbano atravs dos trabalhosrealizados nas escolas e na comunidade;identificar se o que institudo objetivamentecomo patrimnio cultural reconhecido elegitimado pela comunidade como histrico ecoletivo, isto , faa parte da sua memria social;verificar at que ponto o que existe de memriasocial pode se constituir como bem patrimonial;e identificar quais os fatores histricos, sociais,polticos e culturais que possam levar acomunidade a pensar enquanto memriacoletiva um bem patrimonial.

    Acreditamos que refletir sobre estasquestes se mostre oportuno, haja visto o impulsoe a importncia que o estudo da memria socialvem apresentando atualmente. H tambm, nonosso entender, um dado considerado novo que importante realar: a possibilidade de ver nopatrimnio cultural, enquanto memria coletiva,uma valiosa fonte de informao para a pesquisae para o ensino, capaz de promover a construode um indivduo atento ao processo de formaosocial. Implica, portanto, em encontrar um papelsocial e educacional para o patrimnio que venhaa contribuir para que tenhamos cidados maisconscientes dos seus valores e, dessa forma,preservadores e construtores do seu espao devivncia cotidiana.

    R E F E R N C I A S

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