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Congreso Iberoamericano de Ciencia, Tecnología, Innovación y Educación 1 ISBN: 978-84-7666-210-6 – Artículo 1338 Divulgação científica em sala de aula: relato de duas experiências com a revista Pré-UNIVESP MORALES, AP; AZEVEDO, M; MARIUZZO, P.

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ISBN: 978-84-7666-210-6 – Artículo 1338

Divulgação científica em sala de aula: relato de duas experiências com a revista Pré-UNIVESP

MORALES, AP; AZEVEDO, M; MARIUZZO, P.

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Divulgação científica em sala de aula: relato de duas experiências com a revista Pré-UNIVESP

Ana Paula Morales, Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), [email protected] Márcia Azevedo Coelho, Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de campinas (Labjor/Unicamp), [email protected] RESUMO No Brasil, instrumentos normativos relativos à educação básica recomendam a utilização de textos de divulgação científica como recurso didático de grande potencial para a contextualização da ciência em sala de aula. Nesse sentido, este artigo descreve experiências de uso de conjuntos de conteúdos de revista eletrônica de divulgação científica em atividades escolares. A partir de materiais e de plano de atividades publicados pela revista Pré-UNIVESP, realizaram-se projeto e oficina interdisciplinares com alunos do ensino médio de escola na cidade de São Paulo. Entre os resultados obtidos, percebeu-se que o texto de divulgação científica tem um grande potencial para ser trabalhado de forma multidisciplinar e cumpre sua função de elemento disparador, promovendo o interesse do aluno pelo assunto e instigando-o a opinar e a trazer elementos que complementassem o tema abordado.

1. INTRODUÇÃO

O trabalho com revistas de divulgação científica (RDC) na escola atende a dois requisitos essenciais para a educação do século XXI. O primeiro concerne à competência relacionada à alfabetização midiática e informacional; e o segundo, à alfabetização científica como um dos pré-requisitos para a formação cidadã. Ambos os enfoques visam desenvolver habilidades que tornem os estudantes capazes de refletirem criticamente sobre o investimento na ciência e na tecnologia da sociedade em que se encontram inseridos, contribuindo com a educação voltada para a prática social, capaz de formar cidadãos aptos “a participar de forma crítica e reflexiva em discussões, debates e processos decisórios da sociedade, sobre assuntos de natureza sociocientíficas” (REIS, 2006, p.160).

Essa concepção de formação científica para a cidadania é relativamente nova na prática educacional brasileira, pois se já na década de 1950, no Brasil, houve investimentos na formação de jovens para a carreira científica (KRASILCHICK, 2000), foi somente a partir de 1996, quase meio século depois, com a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB, 1996), que a educação científica passou a ser compreendida em documento oficial como necessária não somente para uma elite de notáveis, ou como formação específica para o mundo do trabalho, mas também como desenvolvimento para a cidadania e, consequentemente, como direito de todos.

Desta forma, a ciência no ensino básico amplia-se como conhecimento de formação geral e, para essa finalidade, os textos de DC constituem-se como estratégia para o desenvolvimento de habilidades de diferentes níveis, assim como para as atividades inter e multidisciplinares.

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Vale ressaltar que, ainda que as RDC sejam objetos privilegiados de trabalho no âmbito escolar, e não obstante o seu caráter híbrido entre o texto didático, o jornalístico e o científico, as RDC são estruturadas prioritariamente como veículos de comunicação, elaboradas para cumprirem a função informativa (ROCHA, 2010). Por isso, espera-se que o trabalho na escola com esse tipo de gênero promova não somente a abordagem do conteúdo relacionado à ciência, mas também a reflexão e o aprofundamento sobre os temas tratados, considerando as peculiaridades da RDC também como mídia.

Ao trabalhar com a RDC em sala de aula, o professor tem a oportunidade de desenvolver habilidades necessárias ao leitor crítico dos meios midiáticos, que atualmente “desempenham um papel central nos processos de informação e comunicação” (WILSON, 2013, p. 61). Assim, além das questões relativas ao conteúdo dos textos e da forma como eles são estruturados, é possível refletir sobre questões como independência editorial, pluralidade e diversidade; o jornalismo como interesse público e seu papel na construção da democracia; grau de confiabilidade das fontes, qualidade da informação, ética etc., além das características específicas do gênero.

Na abordagem específica do gênero, parece importante salientar que os textos das RDC digitais devem ser compreendidos como um gênero complexo, multissemiótico, capazes de estabelecer relações muito produtivas com as novas formas sociais (LÉVY,1998) na medida em que transitam entre diferentes áreas da cultura científica, com mecanismos e práticas discursivas que constituem outra estrutura que não é mais científica, didática ou jornalística, mas própria da DC.

Por isso, também a utilização das RDC na escola torna-se potencialmente muito produtiva, inserindo-se na perspectiva da educação pela ciência “concebida para todos os alunos e preocupada com o desenvolvimento de conhecimentos, capacidades, atitudes considerados necessários ao exercício da cidadania” (REIS, 2006, p. 168).

Pela convergência de vozes e estratégias discursivas inerentes ao gênero, o trabalho com os textos de DC possibilita ao estudante a compreensão do processo de desenvolvimento científico que, tal como demonstra a espiral da cultura científica (VOGT, 2003), parte da produção e da difusão da ciência para a sua divulgação, num movimento que se “alarga de conhecimento e de participação da cidadania no processo dinâmico da ciência e de suas relações com a sociedade” (Ibidem), sem abster-se das especificidades de sua função primordial.

A compreensão desse processo contribui significativamente para a formação da cultura científica dos estudantes, responsável tanto pelo conhecimento científico quanto pela interação dos jovens no contexto em que se encontram inseridos. Espera-se que o trabalho com as RDC na escola proporcione o conhecimento do processo de elaboração do texto de DC, de modo que o jovem compreenda que:

[...] o desenvolvimento científico é um processo cultural, quer seja ele considerado do ponto de vista de sua produção, de sua difusão entre pares ou na dinâmica social do ensino e da educação, ou ainda do ponto de vista de sua divulgação na sociedade, como um todo, para o estabelecimento das relações críticas necessárias entre o cidadão e os valores culturais, de seu tempo e de sua história. (VOGT, 2003)

Por isso, é desejável que o trabalho com as RDC no ensino básico seja desenvolvido por professores de diferentes áreas do conhecimento, num procedimento que concomitantemente se restrinja, na especificidade da disciplina, e se alargue no

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diálogo que esta possa estabelecer com o contexto sociocultural em que se encontra inserida.

A leitura e a interpretação de artigos, reportagens, podcasts, infográficos, entrevistas, quadrinhos, poesias etc., sobre um mesmo assunto – relacionado à ciência –, pode ser trabalhada tanto por professores da área de ciências naturais, servindo como elemento disparador para a verticalização de um conteúdo específico, quanto por professores de qualquer outra área, possibilitando o tratamento horizontal dos temas e a ampliação da ciência como um fenômeno cultural. Entretanto, não obstante a eficácia de atividades desenvolvidas com as RDC em conteúdos específicos, acredita-se que o trabalho com esse tipo de material em sala de aula terá o grau de produtividade elevada na proporção em que transcender os limites disciplinares.

Em virtude da interseção entre o texto didático, o jornalístico e o científico, as RDC são objetos privilegiados para se desenvolver projetos multidisciplinares na escola, por introduzir na escolarização um gênero de grande circulação social, prática inscrita também nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio – que, ao tratar da aplicação e consolidação dos conhecimentos do aluno nesse nível de ensino, instrui que aos estudantes seja proporcionada a:

Ampliação e consolidação dos conhecimentos [...] para agir em práticas letradas de prestígio, o que inclui o trabalho sistemático com textos literários, jornalísticos, científicos, técnicos etc., considerando os diferentes meios que circulam: imprensa, rádio, televisão, internet etc. (OCEM, 2006, p. 33)

As RDC possibilitam também a integração das áreas, assim como dos objetos de conhecimento, já que o professor tem a possibilidade de utilizar todos os recursos das RDC sem prescindir de outros materiais fundamentalmente didáticos e, a partir da abordagem dada, promover conexões entre as diversas áreas do conhecimento, fortalecendo o trabalho integrado – indispensável tanto para a apreensão do conhecimento, quanto para a ampliação do universo cultural do estudante de ensino básico, como recomenda, também, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNEM) deste nível de ensino:

A intenção de completar a formação geral do estudante nessa fase implica, entretanto, uma ação articulada, no interior de cada área e no conjunto das áreas. Essa ação articulada não é compatível com um trabalho solitário, definido independentemente no interior de cada disciplina, como acontecia no antigo ensino de segundo grau – no qual se pressupunha outra etapa formativa na qual os saberes se interligariam e, eventualmente, ganhariam sentido. Agora, a articulação e o sentido dos conhecimentos devem ser garantidos já no ensino médio. (PCNEM, 2002, p.9).

De acordo com os PCNEM, o texto de divulgação científica deve ser abordado

na escola como um dos gêneros de referência básica, a partir dos terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, contemplando o objetivo da formação escolar que visa priorizar textos “cujo domínio é fundamental à efetiva participação social” (PCNEM, 2002, p. 25). Ainda, segundo as recomendações curriculares, deve-se desenvolver esse gênero de forma oral e escrita, a fim de que, por meios diferenciados, os textos de divulgação científica veiculados por revistas sejam introduzidos como recurso de grande potencial didático, na medida em que trazem a discussão atual e

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contextualizada da ciência para a sala de aula (MARTINS, 2001), apresentando pontos de vista diferentes sobre temas de relevância social (ROCHA, 2010).

Mas para que essas conexões sejam produtivas, é necessário que o professor promova, a partir das leituras da RDC, meios para que os estudantes aprofundem o conhecimento adquirido de modo a desenvolver posicionamentos bem fundamentados sobre questões científicas que, de alguma forma, venham a se relacionar com a sociedade da qual fazem parte.

1.1 A Pré-UNIVESP

A revista Pré-UNIVESP (<www.pre.univesp.br>) é uma publicação eletrônica

de divulgação científica da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP) que contribui com o objetivo da instituição de utilizar as novas tecnologias de informação e de comunicação (TICs) em prol da educação.

A proposta da publicação é a utilização da mídia para a motivação do conhecimento. Nesse sentido, os dossiês trazem materiais informativos de qualidade, gratuitos e com linguagem agradável, voltados ao público pré-vestibulando e para professores do Ensino Médio, lançando mão de diversas mídias cabíveis na internet. A revista aborda um tema central a cada mês, por meio de conteúdos novos publicados toda quarta-feira. São reportagens e entrevistas produzidas por jornalistas e artigos escritos por pesquisadores e especialistas, além de infográficos, vídeos e textos literários. Os materiais publicados na Pré-UNIVESP têm o objetivo de estimular e promover a inserção de professores e estudantes do Ensino Médio na cultura científica. Ou seja, ao entrar em contato com temas de ciência e tecnologia que compõem o conteúdo da revista, o público, além de tomar posse dos conhecimentos ali transmitidos, também é convidado a refletir sobre os diferentes aspectos e pontos de vista sobre os assuntos apresentados, bem como a prática de fazer ciência.

A partir da edição no. 38 (abril de 2014), a revista passou a publicar na última semana de cada mês um plano de atividades multidisciplinar, voltado para o uso pedagógico no Ensino Médio. Cada plano contempla conteúdos da edição na qual está contido, com o objetivo de incentivar utilização da revista nas atividades escolares da sala de aula. Ao final de cada plano é disponibilizada uma lista de exercícios que podem complementar as atividades realizadas.

Espera-se que os materiais da revista sejam utilizados como elemento disparador para o aprofundamento dos conteúdos que compõem a matriz curricular do Ensino Médio e que os planos de atividades possam incentivar a promoção do trabalho integrado nas escolas.

1.1.1 Plano de Atividades

O Plano de Atividades da Pré-UNIVESP objetiva sugerir ações que possam ser

aprofundadas por professores, de acordo com suas necessidades em sala de aula. As atividades visam à integração das disciplinas, de forma a evidenciar a complexidade de cada tema, tendo como premissa a ampliação do universo científico-cultural, que perpassa as diferentes áreas do conhecimento.

Espera-se também que o veículo se configure como objeto de análise, seja como TIC ou como mídia, e que com isso colabore para o desenvolvimento de habilidades midiáticas e informacionais (WILSON, 2009) docente e discente.

As atividades do plano transitam por diferentes disciplinas de forma multidisciplinar e culminam na prática da produção de texto argumentativo, oral ou escrito. Nessa redação, espera-se que o aluno que já participou das diferentes abordagens e discussões sobre o tema, consiga apresentar relativo domínio do

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vocabulário específico, capacidade de argumentar, de ler e de escrever sobre o tema contido no universo científico, ou seja, que consiga relacionar esse conhecimento com os fatos cotidianos e com a forma como ele é divulgado pela mídia.

Sobre o desenvolvimento dessas habilidades e competências na escola, Pedro Demo afirma ser

[...] fundamental que os alunos escrevam, redijam, coloquem no papel o que querem dizer e fazer, sobretudo alcancem capacidade de formular. Formular, elaborar são termos essenciais da formação do sujeito, porque significam propriamente a competência, à medida que se supera a recepção passiva do conhecimento, passando a participar como sujeito capaz de propor e contrapor. (DEMO, 1996, p. 28)

Acredita-se que esse tipo de prática pedagógica promovida pela inserção do texto de divulgação científica em sala de aula, aliado à abordagem multidisciplinar, além de instigar a participação ativa e o desenvolvimento de senso crítico do aluno, trabalhe com a noção de complexidade de forma colaborativa, promovendo tanto a investigação como as sinapses geradas pelas diferentes abordagens sobre uma mesma unidade de conhecimento.

2. METODOLOGIA

Este trabalho relata a experiência de uso de conteúdos da Pré-UNIVESP em dois

projetos escolares desenvolvidos em colégio privado da cidade de São Paulo. No primeiro deles, materiais sobre “cinema” publicados na revista foram utilizados como elementos disparadores para a produção de documentários pelos alunos sobre os temas abordados. O projeto culminou em uma mostra realizada na escola. A segunda atividade aqui relatada trata de oficina multidisciplinar realizada no mesmo colégio, desta vez fazendo uso da edição da Pré-UNIVESP sobre “tempo”.

2.1 Projeto interdisciplinar – Cinema

O projeto interdisciplinar realizado a partir de edição da revista Pré-UNIVESP sobre “cinema” (No. 31, maio/2013) aconteceu em colégio da cidade de São Paulo, no segundo semestre de 2013. Participaram da atividade, que teve duração de quatro meses, alunos de três turmas da primeira série do Ensino Médio e professores das disciplinas de História, Inglês, Português e Matemática, como orientadores.

As atividades foram divididas nas seguintes em etapas: (i) escolha do material de apoio no qual se assentariam as discussões; (ii) escolha do tema do projeto, fundamentada nos centros de interesse; (iii) levantamento das situações-problema (iv); elaboração das questões norteadoras, especificamente em propostas transdisciplinares; (v) pesquisa sobre o gênero documentário; (vi) produção de roteiro; (vii) produção dos documentários sobre os assuntos tratados pela revista; (viii) conclusão dos trabalhos; (ix) divulgação/ apresentação dos resultados.

Foi a partir de uma pesquisa de interesse realizada com os alunos que se percebeu a importância que destinavam a assuntos relacionados a cinema e tecnologias. Por isso, estruturou-se um trabalho que contemplasse esse “centro de interesse”, aliando-o aos conteúdos de diferentes disciplinas a serem trabalhados de maneira integrada.

Numa primeira fase, buscou-se desenvolver uma metodologia de trabalho centrada nos processos de investigação de alunos e professores, nos quais as tecnologias de

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informação e comunicação (TIC) pudessem se constituir como ferramentas de grande potencial, permitido a construção do trabalho interdisciplinar e colaborativo.

Inicialmente foi proposta uma questão-problema, delimitando o assunto que alunos e professores desejavam conhecer e/ou aprofundar, seguida do levantamento de hipóteses e da busca do conhecimento de forma retroalimentada entre docentes e discentes (OLIVEIRA, 2006). Objetivou-se, com isso, promover o desenvolvimento de habilidades globais como a de levantar hipóteses, decidir, julgar e fazer prognósticos, assim como reforçar o sentido de pertencimento dos envolvidos na proposta.

Para que os estudantes se aproximassem do processo de produção científica, ainda que por meio de textos de divulgação, foi proposta uma webgrafia que partiu da revista Pré-UNIVESP, utilizada também como fonte inicial da pesquisa e como fundamentação teórica, prioritariamente em virtude de disponibilizar textos em diferentes gêneros e formatos (textos jornalísticos e literários, artigos, entrevistas, infográficos).

Depois da leitura e apropriação da base teórica presente nos textos da revista, chegou-se à conclusão de que a melhor forma de resolver o problema: “Como apresentar o resultado da pesquisa, aplicando os conhecimentos utilizados?”, seria a produção de um documentário.

Após estudarem sobre o gênero, os alunos produziram documentários, partindo dos textos da revista, com câmeras de celulares, tablets e computadores pessoais, apresentando-os, posteriormente, por meio de programas como Movie Maker, Sony Vega, iMovie ou semelhante.

O gênero documentário pareceu, aos envolvidos, mais adequado à proposta que partiria de um estudo e teria finalidade de mostrar o resultado de uma pesquisa para um público. Embora qualquer filme de ficção passe pelo mesmo processo de estudo, pesquisa e desenvolvimento, os participantes entenderam que a pesquisa realizada ficaria mais evidente em um documentário.

Os alunos se dividiram em grupos, sob orientação das professoras, e cada grupo ficou responsável pela pesquisa e produção de um documentário sobre um dos temas relacionados a seguir:

• Fases do cinema no Brasil; • Indústria cinematográfica brasileira; • A linguagem cinematográfica; • A ciência e o cinema; • História e ficção científica no cinema; • Música e cinema.

2.2 Oficina temática – Tempo

A oficina temática realizada a partir do plano de atividades da edição sobre

“tempo” da revista Pré-UNIVESP (No. 38, abril/2014) teve como objetivo geral trabalhar alguns textos da revista de forma multidisciplinar, a fim de promover a ampliação do universo cultural dos estudantes e professores e de proporcionar a esses últimos a possibilidade de um trabalho integrado, permitindo que as diferentes áreas do conhecimento estabelecessem relações a partir do enfoque que dariam sobre um mesmo assunto.

A proposta inicial da oficina era explorar pedagogicamente alguns textos verbais, não verbais e mistos da Pré-UNIVESP, desde a estrutura do gênero, veículo e suporte, passando pela análise das estratégias discursivas até o conteúdo específico, sob a perspectiva das áreas das Ciências da Natureza e Matemática (Biologia, Física e Matemática), Humanas (História e Filosofia) e Linguagens e Códigos (Arte e Língua Portuguesa).

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Para o desenvolvimento da oficina, foram convidados sete professores de Ensino Médio e alunos das três séries desse segmento, e selecionados três textos-base, que fundamentariam as discussões e deles partiriam os problemas e análises propostas.

Inicialmente, o professor de Língua Portuguesa propôs a leitura da imagem que ilustrava o texto “Os efeitos do tempo no corpo humano”, da jornalista Christiane Bueno.

Figura 1: Os efeitos do tempo no corpo humano. Créditos: ilustração de Matheus Vigliar. Fonte: Disponível em: <http://pre.univesp.br/nao-somos-mais-os-mesmos>. Acesso em: set. 2014.

A partir das interpretações da imagem, dois estudantes fizeram a leitura oral da

reportagem e os ouvintes elencaram o vocabulário desconhecido. Após a leitura, o professor propôs uma dinâmica denominada “bazar das palavras”: um participante falava uma palavra desconhecida para ele e outro poderia explicar o significado dessa palavra no contexto. Se o significado estivesse correto, a palavra seria anotada na lousa e integraria o glossário do texto. Caso nenhum estudante soubesse o significado da palavra, um aluno pesquisava no dicionário virtual (do celular) e apresentava o significado.

Após o levantamento do vocabulário, o professor solicitou que fosse identificado oralmente o tema, as estratégias argumentativas, o ponto de vista defendido pela autora. Depois, identificaram alguns mecanismos de textualização e caraterísticas da reportagem de DC.

Ao abordarem as características do texto de DC, os participantes comentaram uma série de estratégias que a autora utilizou ao tratar da teoria do “uso e desgaste”, a fim de aproximar o tema de leitores não especialistas.

A identificação do tema que tratava da teoria em questão (conclusão da autora de que os hábitos saudáveis são os fatores decisivos para minimizar os efeitos do tempo sobre o organismo) foi o elemento disparador para o professor de Biologia, que instigou a discussão sobre o tempo no processo da mitose, suas etapas e seu papel biológico. Foi então solicitado que, em duplas, os participantes elaborassem um esquema das fases da divisão celular, no qual fosse possível mostrar a transmissão do código genético de uma célula a outra. Também foi questionada a relação do tempo com o papel dos telômeros e a mitose, e, após um curto debate, cada dupla elaborou um parágrafo conclusivo sobre o assunto.

Fazendo a releitura do parágrafo em que o texto trata do processo de divisão celular, o professor de Matemática propôs a análise do tempo e do envelhecimento abordados no texto, por meio do cálculo que possibilitava relacionar mitose e

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progressão geométrica (PG). A ênfase dada foi a de que, em Matemática, a percepção do tempo é de exatidão, ainda que por períodos determinados. A fim de ampliar a compreensão do conceito, os alunos desenvolveram alguns exercícios calculando o processo de mitose em determinada célula e diferenciaram os significados em Matemática e em Biologia, conforme o quadro abaixo.

Quadro 1: Comparação de significados de termos em Matemática e Biologia

Sigla Significado matemático Significado em Biologia na Enésimo termo Quantidade final a1 Primeiro termo Quantidade inicial Q Razão Razão sempre 2 N Número de termos Número de gerações +1

A proposta de Física foi elaborada a partir do infográfico “A medida do tempo”,

no qual são apresentados diferentes tipos de relógios, desde os de sol aos smartwatches:

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Figura 2: A medida do tempo. Créditos: arte de Charles Rubin e texto de Márcio Derbli. Fonte: disponível em: <http://pre.univesp.br/medida-do-tempo>. Acesso em: set. 2014.

Depois de observarem as informações verbais, não verbais e paratextuais do

infográfico, o professor propôs que focassem no relógio analógico, para discutirem o tipo de trajetória realizada pelos ponteiros e conceituarem o movimento circular uniforme (MCU). A partir disso, abriu-se uma discussão sobre os ponteiros de horas, minutos e segundos; e questionou-se se eles teriam a mesma velocidade e se o tamanho do relógio influenciaria na velocidade angular e linear dos ponteiros. A proposta seguinte foi de calcular o período, a frequência e as velocidades angular e linear dos relógios. Finalizou-se com os relatos dos resultados obtidos, aliando as conclusões com a teoria.

Após as abordagens sobre o tempo das áreas das Ciências Naturais e Matemática, fazia parte da proposta da oficina promover o diálogo com as Ciências Humanas e Linguagens. Desta forma, a professora de História retomou os diversos tipos de relógios e os contextos histórico, político, social e econômico que motivaram as mudanças da forma de se medir o tempo. Tratou da diferença entre o tempo do relógio e o tempo do calendário e as dimensões do tempo do trabalho.

O infográfico elaborado a partir da tela Persistência da memória, de Salvador Dalí, introduziu as discussões promovidas pela disciplina de Arte, que abordou prioritariamente a subjetividade do tempo.

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Figura 3: A Persistência da Memória. Créditos: arte de Matheus Vigliar e texto de Patrícia Mariuzzo. Fonte: disponível em: <http://pre.univesp.br/a-persistencia-da-memoria>. Acesso em: set. 2014.

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Foram consideradas as formas, as cores e a plasticidade, a percepção das

representações dos relógios, culminando em uma discussão oral que tratou da obra da pintura sob a ótica da temporalidade.

Após a análise, a professora pediu que visualizassem no infográfico o local onde a obra original se encontra exposta. Ao observarem que está no MoMA (Museu de Arte Moderna, Nova Iorque, Estados Unidos), os alunos acessaram acervo disponibilizado pelo museu para visitação na internet (<http://www.moma.org/>). Ao encontrarem a tela que aparece no infográfico no site da instituição, a professora de Inglês assumiu a oficina. A partir daí, esta solicitou que os alunos encontrassem o vídeo sobre a tela, os orientou a ouvirem o áudio e depois pediu que fizesse oralmente a tradução do texto.

Finalmente, os professores de Língua Portuguesa apresentaram trechos dos textos da Pré-UNIVESP que compunham a coletânea da proposta de redação. A produção deveria ser do gênero dissertativo-argumentativo e esperava-se que fossem discutidas as diferentes concepções de tempo, de modo a demonstrar um amplo repertório cultural.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise das atividades desenvolvidas em sala de aula a partir de conteúdos da revista eletrônica de divulgação científica Pré-UNIVESP – a saber, projeto multidisciplinar sobre o tema “cinema” e oficina pedagógica sobre o “tempo” – mostrou que o texto de divulgação científica cumpriu sua função de elemento disparador, promovendo o interesse do aluno pelo assunto, instigando-o a opinar e a trazer elementos que complementem o tema abordado.

Foram levantadas duas hipóteses como justificativas para o interesse demonstrado pelos estudantes em discutir os textos, a saber: i) no texto de DC não há, via de regra, o apagamento do sujeito; e ii) o texto de DC apresenta o assunto de forma atual e contextualizada, possibilitando ao jovem associar o saber escolar a sua vida cotidiana.

A percepção da potencial vinculação de conteúdos curriculares ao cotidiano faz com que o conhecimento passe a ser visto como passível de aplicabilidade, e o aluno, por sua vez, conceba esse aprendizado de forma mais significativa.

Notou-se também que a atualidade do texto jornalístico de divulgação científica evidencia a dinamicidade do fazer científico, diferente dos livros didáticos, que não raro, passam a ideia da ciência como algo pronto e acabado, como uma verdade absoluta, neutra e imutável, o que pelo próprio status adquirido de verdade inquestionável impele a passividade.

Na prática do professor, percebeu-se que o trabalho com os textos de DC convida-o à pesquisa, já que o docente sente a necessidade de complementar o tratamento dado ao tema, de forma a verticalizá-lo ou a expandi-lo transversal e multidisciplinarmente, como se deu nas atividades aqui relatadas.

Constatou-se também que o texto de grande circulação, por não ter como interlocutor prévio somente o jovem escolar, promove nesses a necessidade de ampliação do universo lexical e, por ter uma estrutura mais articulada, exige-lhes o desenvolvimento da competência discursiva. Percebeu-se que as matérias conseguiram despertar o interesse pela leitura de textos relacionados à ciência, ainda que movido pela necessidade de obter informações.

Conclui-se, portanto, que materiais de divulgação científica, desde que bem trabalhados em sala de aula, têm grande potencial para atuarem como elemento disparador dos conteúdos desenvolvidos pelas disciplinas escolares, de modo a

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ampliar tanto o conhecimento acerca das unidades curriculares quanto o repertório cultural do aluno.

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