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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO, EMPREENDEDORISMO E TRABALHO
AUTÔNOMO
Raquel Oliveira Lindôso1
Resumo: Este artigo busca discutir as recentes mudanças no mundo do trabalho decorrentes do
processo de flexibilização, articulados com a divisão sexual do trabalho. O ponto central do
presente trabalho consiste em compreender de que maneira a retórica do empreendedorismo ou
empreendedor/a de si (self empreendedor) apresenta-se como uma nova cultura do trabalho, no
contexto de desenvolvimento do capitalismo sob o regime da “acumulação flexível”. De modo que,
a narrativa do empreendedorismo representa, a nosso ver, uma matriz ideológica que possibilita o
fortalecimento e aprofundamento dos valores baseados no mérito e no ganho individual, deslocados
dos questionamentos acerca das desigualdades (conflitos) e hierarquias (poder). Nesse processo, as
mulheres são impactadas de maneira desigual considerando sua inserção em atividades na
modalidade de trabalhadora autônoma, caracterizadas como sendo mais inseguras e desprotegidas, e
da precariedade das mulheres no mundo do trabalho (jornada, adoecimento laboral, rendimentos).
Palavras-chave: Flexibilização. Divisão Sexual do Trabalho. Empreendedorismo. Cultura do
Trabalho. Trabalho Autônomo.
Introdução
Neste artigo proponho discutir uma tendência do mercado de trabalho brasileiro. O ponto central do
presente trabalho consiste em refletir acerca das formas contemporâneas de auto-assalariamento ou
assalariamento disfarçado. E é nesse contexto que localizo o debate em torno da retórica do
empreendedorismo ou empreendedor/a de si (self empreendedor). Busca-se pensar de que maneira o
empreendedorismo, sob o regime da “acumulação flexível”2, representa uma matriz ideológica que
favorece o fortalecimento e aprofundamento dos valores baseados no mérito e no ganho individual,
deslocados dos questionamentos acerca das desigualdades (conflito) e hierarquias (poder). Outro
aspecto importante trata do ethos do trabalho associado a um tipo ideal de trabalhador/a, qual seja
aquele/a disponível para as demandas do empregador/a.
1 Raquel Oliveira Lindôso, Mestra em Serviço Social (UFPE) e Doutoranda em Ciências Sociais pela (Unicamp). E-
mail: [email protected] 2 Aqui faço uso do conceito de acumulação flexível desenvolvido por HARVEY (1993), que caracteriza esse momento
do capital mundial pelo “surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de
serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e
organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre
setores como entre regiões geográficas” (HARVEY, 1993, p. 140)
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Destaco que pensar o Empreendedorismo – lido como estratégia contemporânea de
mistificação das relações de trabalho – articulado a Divisão Sexual do Trabalho é um caminho de
pesquisa relevante quando se busca olhar o fenômeno de externalização e terceirização como parte
do processo de centralização de capital, via descentralização da produção. Nesse sentido, a retórica
do empreendedorismo insere-se no âmbito da reorganização das relações de poder no mundo do
trabalho contemporâneo, que articulado a divisão sexual do trabalho, impacta de maneira desigual a
vida das mulheres.
Este trabalho está organizado em quatro seções. A primeira consiste nesta introdução, seguida
da apresentação do debate contemporâneo acerca do empreendedorismo e, na sequência, trata-se da
participação das mulheres no mundo do trabalho na modalidade de trabalhadora autônoma. Por fim,
breves considerações.
Expresso aqui minha intenção de que esta primeira aproximação com a temática do
empreendedorismo, no âmbito da Sociologia do Trabalho na perspectiva crítica, possa ser refletida
coletivamente, de modo que o diálogo contribua na elaboração de novas reflexões mais
substanciada e aprofundada.
“Donas de Si e Proletárias de Si”: Empreendedorismo, Mulheres e Trabalho Autônomo.
Os/as estudiosos/as das transformações contemporâneas do mundo do trabalho brasileiro
(ALVES (2011); CASTRO (2016) DRUCK (2011); HIRATA (2015)) têm dedicado grande atenção
às estratégias de ampliação de extração de mais trabalho (intensificação da flexibilização,
externalização da produção e terceirização, sobretudo) e as implicações disto nas condições de
trabalho e vida da classe-que- vive-do-trabalho (ANTUNES, 1999).
O debate atual, na perspectiva crítica, acerca das metamorfoses do mundo do trabalho apóia-
se, de certa maneira, na ideia consensual de que há em curso um processo histórico de
complexificação das formas de valorização do capital. Nesse sentido, torna-se fundamentalmente
relevante pensar os aspectos da fragmentação, ampliação e heterogeneidade da classe trabalhadora.
Com esse propósito, a complexificação das formas de valorização do capital é discutida no contexto
da ampliação da relação capital-trabalho. Busca-se, assim, enfrentar as teses equivocadas que
questionam a validade da relação capital-trabalho na contemporaneidade.
Em diálogo com a ideia acima descrita, busca-se problematizar o tema do
Empreendedorismo a partir da análise que envolve os elementos referentes à (1) jornada de trabalho
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intermitente e (2) a gestão do contrato de trabalho. De modo que, o falseamento do assalariamento
funciona como mecanismo de adequação ao padrão flexível de acumulação.
Sabe-se que a precariedade das condições de vida e trabalho da classe trabalhadora é condição
intrínseca do modo de existência do capitalismo. A novidade consiste, portanto, de entender como
o capitalismo vem utilizando-se de transformações tecnológicas e organizacionais na busca pela
apropriação de espaços antes considerados improváveis. Bem como da reedição de formas antigas
de trabalho (aqui localizo o trabalho domiciliar e o salário por peça).
No “O Capital” pode-se encontrar pistas preciosas para entender tanto a dialética do trabalho
– lançando luz para a interpretação da dimensão contraditória da categoria autonomia – quanto da
problematização do salário por peça, ponto chave para pensar a modalidade de pequeno/a
proprietário/a (empreendedor/a de si).
Para pensar a categoria de exploração olhando a modalidade de salário por peça, Marx afirma
que a "exploração dos trabalhadores pelo capital se realiza aqui mediada pela exploração do
trabalhador pelo trabalhador" (MARX, 1984, p.136). A atualidade das elaborações de Marx ilumina
à problemática do auto-emprego e auto-assalariamento. Desse modo, a tendência de generalização
do auto-emprego precário e desprotegido deve ser compreendida a partir da reflexão da categoria
autonomia, uma vez que o pequeno empresário é, ao mesmo tempo, “dono de si e proletário de si”
(MARX, 1984).
O Empreendedorismo é um tema freqüentemente estudado pelas áreas da Ciência Econômica
e Administração de Empresas, uma vez que a temática pretende lidar com os assuntos que
envolvem as estratégias empresarias frente à competição por novos mercados, através de formas
inovadoras de gestão e gerenciamento de carreiras, qualificação profissional, planejamento
operacional (objetivos, visão e plano de metas) e gestão de riscos e incertezas, bem como acesso ao
crédito. Outro aspecto do Empreendedorismo diz respeito ao desenvolvimento de competências e
habilidades, que falam acerca do comportamento humano do/da empresariado/a (empreendedor/a
ou self empreendedor/a), tais como liderança, autonomia, criatividade, motivação, autoconfiança,
persuasão e resiliência3.
3 Esta síntese tem como fonte empírica o conteúdo apresentado em palestras e apresentações orais, ministrada por
técnicos e consultores do SEBRAE, voltadas para os cursos de graduação em Administração de Empresas e Ciências
Contábeis, entre os anos de 2014-2015-2016, e presenciadas por esta pesquisadora na condição de professora. Vale
destacar, como elemento de reflexão, que a temática do empreendedorismo, na maneira como é abordada pelos
consultores, tem grande adesão dos/das alunos/as – especialmente entre os mais jovens e beneficiários de programas de
crédito educacional – que concebem o empreendedorismo como uma oportunidade de ter um pequeno negócio e/ou
oferta de serviços de consultoria. Dito de outra maneira: o empreendedorismo aparece como outra interpretação para a
problemática da informalidade. Explico que, para os/as jovens alunos/as seus anseios profissionais não estão
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Merece destaque a relevância das instituições que compõem o sistema S, mais
especificamente o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), o Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial (SENAC) e, sobretudo, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (SEBRAE) na difusão do empreendedorismo enquanto estratégia empresarial
voltada para a criação, gestão e inserção de micro e pequenas empresas na economia de mercado, e,
também, como uma reunião de princípios e valores que orientam a prática profissional dos/as
sujeitos/as.
A partir dos anos 1990 o mercado de trabalho brasileiro passa por transformações decorrentes
dos ajustes neoliberais, que se manifestam por meio da desregulamentação das relações de trabalho,
flexibilização, ampliação da informalidade e terceirização. É nesse contexto de institucionalização
da incerteza – que ganharão força de lei com a aprovação das “reformas” da Previdência e do
Trabalho – que a temática do Empreendedorismo chama atenção de pesquisadores e pesquisadoras
nas áreas da Sociologia e Antropologia, uma vez que este vem se apresentado como um caro
elemento para a compreensão das manifestações contemporâneas marcadas por estratégias que
privilegiam e enfatizam o mérito e o crescimento individual, descoladas das abordagens que
questionam as relações de desigualdades (conflito).
Compartilho dessa perspectiva mais analítica no tocante ao Empreendedorismo, entendendo-o
enquanto uma nova cultura do trabalho (ethos), historicamente determinada a partir de 1990 e
aprofundada nos anos 2000, e que se configura como um conjunto de normas e valores que
modificam a interpretação e percepção dos/as sujeitos/as sociais acerca dos conceitos da autonomia,
autocontrole, autogestão e informalidade.
Nesse sentido, as elaborações da pesquisadora COLBARI (2007; 2015) e do pesquisador
LIMA (2010) nos fornecem elementos relevantes para entender o lugar que a retórica do
Empreendedorismo assume na dinâmica atual. Ambos olham com desconfiança para a noção de
empreendedorismo traduzido apenas como uma alternativa de inserção no mundo do trabalho via
criação de micro e pequenas empresas. Desse modo, a dinâmica contemporânea nos desafia a
pensar a retórica do Empreendedorismo como uma matriz ideológica integrada à nova fase do
capitalismo mundial, na qual a figura do trabalhador/a formal (o dito “carteira assinada”) vai
cedendo lugar para o empreendedor/a (self empreendedor).
O argumento da pesquisadora COLBARI (2007; 2015), de maneira geral, está fundamentado
necessariamente associados ao ingresso no mundo do trabalho via atividades protegidas e com regulação pública, mas, sim, em atividades reconhecidas como pessoa jurídica (JP). A permanência no âmbito da informalidade, no imaginário
da classe trabalhadora jovem, é dada sob a condição de empreendedor/a de si.
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em dois pilares: 1) O Empreendedorismo como estratégia de socialização dos/as sujeitos/as sociais
(o que antes estava restrito aos muros empresariais, transborda e espalham-se no tecido social mais
amplo) e; 2) Em decorrência disto, o empreendedorismo pode ser compreendido como um conjunto
de ideias, valores, normas e significados que envolve tanto a gestão de um pequeno negócio
(dimensão objetiva) quanto a concepção da vida social (dimensão subjetiva).
Assim, o Empreendedorismo visto com um conjunto de valores que, ao atravessar a esfera do
trabalho e da empresa, moldam a ação dos/das sujeitos/as social para além da dimensão econômica.
Desse modo, é importante questionar, considerando a experiência brasileira, na qual o mercado de
trabalho é fundamentalmente heterogêneo e desigual, o que a defesa do empreendedorismo nos
revela enquanto novidade?4
O atual desenvolvimento do capitalismo coloca questões que nos ajudam a pensar a forma
como vem se dando as transformações no cenário das relações socais de produção. Permite-nos
compreender os movimentos realizados pela globalização a partir da reestruturação produtiva como
um novo momento do desenvolvimento capitalista. A reestruturação produtiva inaugurou uma série
de transformações responsáveis por mudanças profundas na forma de organização da sociedade, em
outras palavras, que afetaram a maneira como as pessoas pensam, sentem e agem. Sob o regime da
acumulação flexível, os processos de trabalho, os mercados de produtos e os padrões de consumo
vêm reestruturando-se para atender à nova demanda do capital mundial. Nesse sentido, a autora
destaca que:
A descentralização e desverticalização produziram efeitos negativos no mercado de
trabalho, trazendo implicações nos suportes públicos e normativos. (...) O
autodesenvolvimento, empregabilidade e empreendedorismo aparecem como faces da
construção social do modelo profissional em voga. Têm como suporte o indivíduo e o credo
liberal que exalta a vontade como propulsora do êxito pessoal, da vitalidade e do
dinamismo dos mercados e da sociedade como um todo” (COLBARI, p. 90, 2007).
Esse novo momento do desenvolvimento do capitalismo, onde situo a retórica do
Empreendedorismo, é marcado pela criação de novas e sofisticadas maneiras de mistificação da
relação capital-trabalho, articulada a divisão sexual do trabalho, que atuam na descaracterização das
4 Para uma análise mais substanciada sobre o empreendedorismo no Brasil, farei uso das informações fornecidas pelos
relatórios anuais da ONG americana – Global Entrepreneurship Monitor (GEM). As informações contidas nos
referidos relatórios indicam que o Brasil ocupa 10º lugar do ranking mundial no tocante ao registro de
empreendedores/as (GEM, 2013). Outro aspecto expressivo, tratado pelo relatório supracitado, refere-se a existência de
semelhanças entre os países com alta taxa de empreendedorismo. São mais pobres e com índices econômicos mais
instáveis e vulneráveis. “Nesse contexto, é comum a motivação para empreender não estar associada a uma vocação
para o mundo dos negócios que facilite a percepção tanto de promissoras oportunidades de geração e aumento de renda
quanto de perspectivas de autonomia e liberdade no trabalho” (COLBARI, 172-173, 2015).
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relações de trabalho e emprego, individualização do trabalho, fragmentação e enfraquecimento de
ações coletivas (LIMA (2010); CASTRO E KREIN (2015); COLBARI (2007; 2015).
Nesse processo de reafirmação da insegurança e incertezas, o imaginário de inserção no
mundo do trabalho, via ocupações protegidas e reguladas, vai dando espaço para o projeto de
sociedade moldada pela cultura da informalidade. Nesse processo de reorganização das relações de
poder no mundo do trabalho, as mulheres são impactadas de maneira diferenciada e desigual, uma
vez que a maioria delas ocupa os piores lugares no mercado de trabalho, especialmente na
modalidade de trabalho autônomo. Sendo este o ponto central de discussão apresentado no item a
seguir.
Mulheres no Mundo do Trabalho: apontamentos sobre a modalidade de ocupação
trabalhadora autônoma5.
O trabalho, para as mulheres, assume duplo significado. Por um lado, resultada da luta
histórica pelo ingresso no mundo do trabalho e, sobretudo, pela conquista da autonomia financeira.
Por outro lado, a inserção delas é dada, prioritariamente, por meio de ocupação precárias,
caracterizadas pela instabilidade, baixos salários, negação de direitos e violações (assédio moral e
sexual, inclusive).
As transformações no mundo do trabalho (flexibilização, privatização, externalização e
terceirização), articuladas a divisão sexual do trabalho, constitui uma das principais características
do processo de precariedade do trabalho e das condições de vida das mulheres. Nesse sentido, a
problemática da participação das mulheres no mundo do trabalho, insere-se no cenário de aparente
maior autonomia, responsáveis por um número elevado de crescimento de pequenas e
microempresas e da inserção na modalidade de trabalho autônomo. Entretanto, a autonomia,
dialeticamente, vem acompanhada da descaracterização das relações de trabalho, consequentes de
práticas de enxugamento das empresas que buscam maior flexibilidade, seja na produção, seja nas
5 A tendência do auto-emprego precário articulado à divisão sexual do trabalho, pode ser verificada nos resultados da
pesquisa intitulada “O Trabalho Autônomo e a Política de Inclusão Previdenciária dos Microempreendedores
Individuais – MEI” (2015), publicada pelo SOS CORPO: Instituto Feminista para a Democracia. A pesquisa supracitada
integra a elaboração de três estudos sobre a políticas públicas de qualificação profissional, de creches e de promoção de
formalização e proteção social, e também uma pesquisa qualitativa com mulheres inseridas em trabalho precário nos
pólos de desenvolvimento da região metropolitana de São Paulo (no seguimento da construção civil), Barcarena - Pará
(beneficiamento e exportação de caulim, alumina e alumínio) e Toritama-PE (seguimento de confecções e vestuário).
Disponível em http://soscorpo.org/areas-de-trabalho/pesquisa/autonomiamulheres/Desenvolvimento-Trabalho-e-
Autonomia%20Economica.pdf
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relações de trabalho.
Na compreensão das dinâmicas resultantes da radicalização da agenda neoliberal, em nível
global, “o gênero é um organizador-chave” (HIRATA, 2015) desse processo. Assim, na análise dos
impactos desiguais na vida das mulheres, considero fundamentalmente relevante problematizar de
que maneira a divisão sexual do trabalho vem sendo operacionalizada.
Na perspectiva do feminismo crítico francês6, mais especificamente as reflexões de KERGOAT
(2009), a divisão sexual do trabalho assume dois princípios: (1) separação (a própria distinção entre
trabalhos femininos e masculinos); (2) hierarquização (a valorização do trabalho). Assim, o
conceito analítico da divisão sexual do trabalho busca explicar as desigualdades vivenciadas pelas
mulheres nos espaços públicos e privados e que se estende para todas as dimensões da vida social.
Os indicadores do mercado de trabalho brasileiro apontam para a persistência de distorções
presentes na participação de homens e mulheres no mundo do trabalho, especialmente entre os anos
de 2001-2009, período de maiores investimentos na política de geração de emprego formal e
valorização do salário mínimo.
A movimentação do mundo do trabalho informa também que o movimento de crescimento
das atividades formais não surtiu o mesmo efeito para homens e mulheres, uma vez que mesmo
havendo um aumento da criação de postos de trabalho formais, as mulheres, mais do que os
homens, ingressam em ocupações mais desprotegidas e vulneráveis, especialmente na modalidade
de trabalhadora por conta própria e/ou autônoma (ARAÚJO E LOMBARDI (2013); CASTRO E
KREIN (2015)).
A movimentação desigual da absorção da força trabalho feminina parece ser revelador da
dinâmica contemporânea do mundo do trabalho, na qual a participação das mulheres nas
modalidades de trabalhadoras sem carteira assinada, conta própria e do aumento da participação das
mulheres no trabalho autônomo ampliam-se rapidamente.
A reflexão acerca da expansão das modalidades de trabalhadoras sem carteira assinada e
trabalho autônomo, em minha análise, dialoga com as discussões em torno das estratégias de
descaracterização das relações de trabalho, através do auto-assalariamento ou assalariamento
disfarçado tão fortemente presentes na retórica do empreendedorismo ou empreendedor de si (self
empreendedor/a).
6 O Dicionário Crítico do Feminismo (2009) oferece uma síntese dos grandes temas do feminismo na perspectiva
francesa.
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Entende-se, assim, que a crescente inserção das mulheres em atividades vulneráveis e
inseguras, são expressões da complexificação da relação capital-trabalho, na qual verifica-se a
permanência da vulnerabilidade e insegurança, das jornadas de trabalho intermitentes, dos baixos
rendimentos, da desproteção social e a acentuação da responsabilidade delas com a reprodução da
força de trabalho.
Buscando mais concretude para minha análise, focarei na modalidade de inserção trabalho
autônomo e/ou conta própria, articulado a divisão sexual do trabalho, uma vez que compreendo que
esse enfoque possibilita entender de que maneira a retórica do empreendedorismo se materializa na
dinâmica do mundo do trabalho. Para tal, nos itens a seguir, tendo como base os dados estatísticos
da pesquisa intitulada “O Trabalho Autônomo e a Política de Inclusão Previdenciária dos
Microempreendedores Individuais – MEI” (2015), publicada pelo SOS CORPO, Instituto Feminista
para a Democracia7.
Rendimentos e Escolaridade:
O panorama do perfil populacional, segundo dados do censo nacional (IBGE, 2010), revela que
51,03% da população brasileira é feminina e que elas apresentam maiores níveis de instrução formal.
Um pouco mais de 12% da população feminina possui o ensino superior completo enquanto os
homens experimentam taxas inferiores a 10%. Entretanto, os níveis de maior escolarização,
comparado aos dos homens, não é traduzido em maiores níveis de remuneração. Ainda segundo
indicadores do censo (IBGE, 2010), as mulheres recebem o equivalente a 67,6% dos rendimentos
masculinos e o hiato salarial entre homens e mulheres é ainda maior do caso do Nordeste, com taxa
de 63,3% (IBGE, 2010).
Essa tendência pode ser verificada nos resultados da pesquisa realizada e publicada pelo SOS
Corpo (2015), onde é possível notar que há distorção entre os homens e as mulheres, inseridos/as na
modalidade de trabalhadores autônomos, no tocante a escolaridade formal. Nas regiões
metropolitanas estudadas, de acordo com a pesquisa referenciada, a maioria das mulheres
7 Disponível em http: //soscorpo.org/wp-content/uploads/O-Trabalho-Aut%C3%B4nomo-e-a-Pol%C3%ADtica-de-
Inclus%C3%A3o-Previdenci%C3%A1ria-dos-Microempreendedores-Individuais-%E2%80%93-MEI.pdf . Esta
pesquisa integra a elaboração de três estudos sobre as políticas públicas de qualificação profissional, de creches e de
promoção de formalização e proteção social, e também uma pesquisa qualitativa com mulheres inseridas em trabalho
precário nos pólos de desenvolvimento da região metropolitana de São Paulo (no seguimento da construção civil),
Barcarena - Pará (beneficiamento e exportação de caulim, alumina e alumínio), Toritama-PE (seguimento de
confecções e vestuário). Disponível em http://soscorpo.org/areas-de-
trabalho/pesquisa/autonomiamulheres/Desenvolvimento-Trabalho-e-Autonomia%20Economica.pdf
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trabalhadoras autônomas (41,3%) tem ensino médio completo ou superior, enquanto que a maior
parte dos homens (39%) possuem o ensino fundamental incompleto.
Olhando as diferenciações de rendimento, ainda considerando os dados da pesquisa
supracitada, o rendimento médio das mulheres, para o ano de 2013, correspondia a (R$ 844).
Enquanto o rendimento dos homens ficou no patamar de (R$1.550). A variação de percentual de
rendimento, comparando homens e mulheres, aponta que para elas houve o aumento real equivalente
a 16, 3%, já para os homens o aumento foi de 20%.
Assim, é possível constatar que a discriminação por gênero no mundo do trabalho revela a
persistência das relações desiguais de poder, uma vez que a expansão do ingresso das mulheres no
mundo do trabalho, especialmente na última década, foi dado com a reprodução de hierarquias
salariais.
Novas configurações familiares:
As novas configurações familiares representam uma das mudanças mais expressivas da
sociedade contemporânea. Para BRUSCHINI (2007) a queda da taxa de fecundidade e a redução no
tamanho das famílias são transformações demográficas, culturais e sociais que repercutem
diretamente no trabalho das mulheres. A pesquisadora chama atenção para mudanças no perfil das
trabalhadoras, uma vez que, diferentemente das décadas de 1970 e 1980, onde havia maior
participação das mulheres jovens, solteiras e sem filhos, as mulheres hoje são mais velhas, casadas e
mães.
No entanto, a sobrecarga de trabalho não foi alterada, pois as mulheres permanecem
responsáveis pelas atividades domésticas e de cuidados com os/as filhos/as. Na verdade, os dados
censitários (IBGE, 2010) falam da intensificação da responsabilização das mulheres com o trabalho
doméstico, considerando que a proporção de famílias chefiadas pelas mulheres vem crescendo
rapidamente nos últimos anos. O percentual de famílias chefiadas por mulheres é de 37,3% (IBGE,
2010).
As tendências aqui discutidas nos convidam para pensar a respeito das conexões possíveis
entre a articulação do trabalho produtivo e trabalho reprodutivo (trabalho autônomo e
responsabilização com o sustento familiar) com a retórica empreendedora (nova cultura do
trabalho/cultura da informalidade), na medida em que o trabalho autônomo representa uma
importante forma de inserção ocupacional no mundo do trabalho.
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O local de trabalho é um aspecto revelador da divisão sexual do trabalho, na medida em
que repõe a dicotomia público-privado, destinando o espaço privado para as mulheres, ao mesmo
tempo em que confunde redes de relações profissionais e familiares.
Grande parte das mulheres ocupadas na modalidade de trabalhadoras autônomas
desenvolve suas atividades nos domicílios (38,3%). Sendo a revitalização do trabalho domiciliar
uma tendência mundial, que ao entrelaçar-se com a divisão sexual do trabalho, representa, para as
mulheres, uma possibilidade de execução tanto do trabalho produtivo quanto do trabalho
doméstico, ambos desenvolvidos no espaço domiciliar.
Previdência Social:
Estabelecer relação entre a modalidade de trabalhadora autônoma e a previdência social é
uma estratégia relevante na busca pelo enquadramento do impacto da precariedade social na vida
das mulheres. As trabalhadoras autônomas, majoritariamente, não contribuem para a previdência
social, seja pela impossibilidade de destinar parte dos rendimentos para este fim dado os baixos
níveis salariais, seja pelo acesso a informações e procedimentos para a efetivação da contribuição
(educação previdenciária).
Dados da pesquisa que nos referenciamos (SOS CORPO, 2015) constatou que 76,7% das
trabalhadoras autônomas não possuem qualquer tipo de contribuição previdenciária. E a região
Nordeste apresenta os maiores percentuais de desproteção social, representas por Fortaleza (89,4%)
e Recife (84,1%).
Trata-se de um quantitativo enorme de trabalhadores e trabalhadoras (2,4 milhões de pessoas,
segundo dados do SOS Corpo (2015)) que estão localizados fora do status de assegurados/as. Dito
de outra maneira: são homens e mulheres sem qualquer tipo de proteção previdenciária, tendo como
desdobramento nocivo o aprofundamento da vulnerabilidade.
Breves Considerações:
As reflexões apresentadas neste artigo não pretenderam ser conclusivas. Consiste em uma
primeira aproximação que deverá ser substanciada a partir novas problematizações. A proposta buscou
pensar de que maneira as transformações do mundo do trabalho, articulada a divisão sexual do trabalho,
relaciona-se com a retórica do empreendedorismo no âmbito das estratégias de falseamento do
assalariamento. Como conclusão inicial nota-se que o que está em disputa inclui tanto a dimensão
econômica (as condições materiais de vida) quanto a reprodução da vida cotidiana (incluindo os
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elementos da interpretação e percepção dos/as sujeitos/as sociais). O desafio posto consiste em construir
análises e caminhos metodológicos que dêem conta da articulação entre essas demissões buscando
compreender os seus desdobramentos e manifestações.
Referências
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Sexual Division of Labor, Entrepreneurship and Autonomous Work
Abstract: This article seeks to debate the recent change in labor due to the flexibility process
articulated alongside the sexual division of labor. The text core consists of understanding in which
way the entrepreneurship rhetoric (the self-made) presents itself as a new work culture in the
capitalist developmental context under the “flexible accumulation” regime. In such way, the
entrepreneurship narrative represents an ideological matrix that enables the strengthening and
deepening of values based on merit and individual gain, distant from questionings about inequality
(conflicts) and hierarchy (power). Throughout the process, women are impacted in an unequal way,
considering their insertion in autonomous activities, characterized as more unreliable and unprotect,
and their situation precariousness in the labor world (work journey, unhealthy work environment,
work intensity).
Keywords: Flexibility, Sexual division of labor, entrepreneurship, work culture, autonomous work.