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Diversidade Linguística como Patrimônio Cultural do...
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Diversidade Linguística como Patrimônio Cultural do Brasil Marcus Vinícius Carvalho Garcia
A diversidade linguística encontra-se ameaçada. Estima-se que entre um terço e metade das línguas ainda faladas no mundo estarão extintas até o ano de 2050. As consequências da extinção das línguas são diver-sas e irreparáveis, tanto para as comunidades locais de falantes, quanto para a humanidade. Essa percep-ção se encontra na “Declaração Universal dos Direitos Linguísticos”, elaborada na cidade de Barcelona, Espanha, em 1996, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas Para Educação e Cultura (UNESCO) e com a participação de representantes de comunidades linguísticas de diversas regiões do planeta. Segun-do este documento, a situação de cada língua é o resultado da confluência e da interação de múltiplos fatores político-jurídicos, ideológicos e históricos, demográficos e territoriais; econômicos e sociais. Salienta que, nesse sentido, existe uma tendência unificadora por parte da maioria dos Estados em reduzir a diversidade e, assim, favorecer atitudes adversas à pluralidade cultural e ao pluralismo linguístico.
O Brasil figura entre os países de maior diversidade linguística. Estima-se que, atualmente, são faladas mais de 200 línguas. A partir dos dados levantados pelo Censo IBGE de 2010, especialistas calculam a exis-tência de pelo menos 170 línguas ainda faladas por populações indígenas. Embora não contabilizadas pelo Censo, pesquisas linguísticas também apontam para outras línguas historicamente “situadas” e amplamen-te utilizadas no Brasil, além das indígenas: línguas de imigração, de sinais, de comunidades afro-brasileiras e línguas crioulas. Esse patrimônio cultural é desconhecido ou mesmo ignorado por grande parte da popu-lação brasileira.
Na última década tem havido grande mobilização de grupos, de organizações de falantes e de pesquisado-res no sentido de associar a diversidade linguística como temática inerente a políticas de cultura, mais especificamente à esfera do patrimônio imaterial. Essa mobilização motivou a elaboração do Decreto Presidencial 7.387/2010, que instituiu o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL). O INDL nasce como política interministerial envolvendo MCTI, MEC, MPOG, MJ. Encontra-se atualmente sob coor-denação atual do IPHAN, enquanto representante do Ministério da Cultura. Tem como princípios reconhe-cer as línguas como referência cultural brasileira, valorizando o plurilingüismo; apoiar os processos sociais
e políticos que visem à promoção das línguas e de suas comunidades de falantes; pesquisa e documenta-ção, bem como gerir um banco de conhecimentos sobre a diversidade linguística.
Um dos principais desafios para o reconhecimento das línguas minoritárias é constituir, com isso, direitos linguísticos, bem como a elaboração de estratégias que visem instrumentalizar as populações de falantes na preservação e na transmissão de seu patrimônio linguístico. Outro desafio é fazer do Inventário Nacio-nal da Diversidade Linguística um instrumento includente, de modo que seja possível se inscrever no INDL todas as línguas faladas no Brasil, em sua plenitude e diversidade. Importa salientar que a abordagem que o Iphan está desenvolvendo para lidar com a complexidade desse tema é pautada na auto-declaração e na anuência dos grupos e comunidades de falantes, de modo que se aborde as línguas enquanto elementos de interesse cultural e de afirmação de identidades. Trata-se de uma estratégia voltada para a percepção do fenômeno linguístico enquanto produto de diversos fatores de ordem sócio-política e não necessariamente como objeto de estudo de uma área acadêmica -- a linguística --, que possui cânones e metodologias específicas de catalogação e classificação e cujos conteúdos nem sempre são inteligíveis ou acessíveis para os próprios falantes.
Nesse sentido, o Iphan tem apoiado o desenvolvimento de vários projetos de inventários linguísticos atra-vés de editais e parcerias. Em 2014, foram reconhecidas três línguas como referência cultural brasileira: o Talian, falado por comunidades descendentes de migrantes italianos que vivem em municípios da região sul do Brasil; e as línguas indígenas Guarani-Mbyá (falada nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catariana, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro) e Asurini do Tocantins (Tucuruí/PA).
Acredita-se que o advento da política patrimonial da diversidade linguística chame a atenção para a necessidade de se ampliar os estudos de corte sociolinguísticos, de modo que seja possível levantar com mais exatidão quantas e quais são as línguas faladas no Brasil, bem como qual o tamanho do contingente populacional e quais as necessidades dos grupos de falantes que faz do Brasil um dos principais celeiros do plurilinguísmo na contemporaneidade.
Marcus Vinícius Carvalho Garcia é antropólogo, atua no Departamento de Patrimônio Imaterial e coorde-na as ações do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL).
Diversidade Linguística como Patrimônio Cultural do Brasil Marcus Vinícius Carvalho Garcia
A diversidade linguística encontra-se ameaçada. Estima-se que entre um terço e metade das línguas ainda faladas no mundo estarão extintas até o ano de 2050. As consequências da extinção das línguas são diver-sas e irreparáveis, tanto para as comunidades locais de falantes, quanto para a humanidade. Essa percep-ção se encontra na “Declaração Universal dos Direitos Linguísticos”, elaborada na cidade de Barcelona, Espanha, em 1996, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas Para Educação e Cultura (UNESCO) e com a participação de representantes de comunidades linguísticas de diversas regiões do planeta. Segun-do este documento, a situação de cada língua é o resultado da confluência e da interação de múltiplos fatores político-jurídicos, ideológicos e históricos, demográficos e territoriais; econômicos e sociais. Salienta que, nesse sentido, existe uma tendência unificadora por parte da maioria dos Estados em reduzir a diversidade e, assim, favorecer atitudes adversas à pluralidade cultural e ao pluralismo linguístico.
O Brasil figura entre os países de maior diversidade linguística. Estima-se que, atualmente, são faladas mais de 200 línguas. A partir dos dados levantados pelo Censo IBGE de 2010, especialistas calculam a exis-tência de pelo menos 170 línguas ainda faladas por populações indígenas. Embora não contabilizadas pelo Censo, pesquisas linguísticas também apontam para outras línguas historicamente “situadas” e amplamen-te utilizadas no Brasil, além das indígenas: línguas de imigração, de sinais, de comunidades afro-brasileiras e línguas crioulas. Esse patrimônio cultural é desconhecido ou mesmo ignorado por grande parte da popu-lação brasileira.
Na última década tem havido grande mobilização de grupos, de organizações de falantes e de pesquisado-res no sentido de associar a diversidade linguística como temática inerente a políticas de cultura, mais especificamente à esfera do patrimônio imaterial. Essa mobilização motivou a elaboração do Decreto Presidencial 7.387/2010, que instituiu o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL). O INDL nasce como política interministerial envolvendo MCTI, MEC, MPOG, MJ. Encontra-se atualmente sob coor-denação atual do IPHAN, enquanto representante do Ministério da Cultura. Tem como princípios reconhe-cer as línguas como referência cultural brasileira, valorizando o plurilingüismo; apoiar os processos sociais
e políticos que visem à promoção das línguas e de suas comunidades de falantes; pesquisa e documenta-ção, bem como gerir um banco de conhecimentos sobre a diversidade linguística.
Um dos principais desafios para o reconhecimento das línguas minoritárias é constituir, com isso, direitos linguísticos, bem como a elaboração de estratégias que visem instrumentalizar as populações de falantes na preservação e na transmissão de seu patrimônio linguístico. Outro desafio é fazer do Inventário Nacio-nal da Diversidade Linguística um instrumento includente, de modo que seja possível se inscrever no INDL todas as línguas faladas no Brasil, em sua plenitude e diversidade. Importa salientar que a abordagem que o Iphan está desenvolvendo para lidar com a complexidade desse tema é pautada na auto-declaração e na anuência dos grupos e comunidades de falantes, de modo que se aborde as línguas enquanto elementos de interesse cultural e de afirmação de identidades. Trata-se de uma estratégia voltada para a percepção do fenômeno linguístico enquanto produto de diversos fatores de ordem sócio-política e não necessariamente como objeto de estudo de uma área acadêmica -- a linguística --, que possui cânones e metodologias específicas de catalogação e classificação e cujos conteúdos nem sempre são inteligíveis ou acessíveis para os próprios falantes.
Nesse sentido, o Iphan tem apoiado o desenvolvimento de vários projetos de inventários linguísticos atra-vés de editais e parcerias. Em 2014, foram reconhecidas três línguas como referência cultural brasileira: o Talian, falado por comunidades descendentes de migrantes italianos que vivem em municípios da região sul do Brasil; e as línguas indígenas Guarani-Mbyá (falada nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catariana, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro) e Asurini do Tocantins (Tucuruí/PA).
Acredita-se que o advento da política patrimonial da diversidade linguística chame a atenção para a necessidade de se ampliar os estudos de corte sociolinguísticos, de modo que seja possível levantar com mais exatidão quantas e quais são as línguas faladas no Brasil, bem como qual o tamanho do contingente populacional e quais as necessidades dos grupos de falantes que faz do Brasil um dos principais celeiros do plurilinguísmo na contemporaneidade.
Marcus Vinícius Carvalho Garcia é antropólogo, atua no Departamento de Patrimônio Imaterial e coorde-na as ações do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL).