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    Flavia Bahia Martins

    O Direito Fundamental Sade

    no Brasil sob a Perspectiva do

    Pensamento Constitucional

    Contemporneo

    Dissertao de Mestrado

    Dissertao apresentada como requisitoparcial para obteno do ttulo de Mestre peloPrograma de Ps-Graduao em Direito daPUC-Rio.

    Orientadora: Maria Celina B. de Moraes

    Rio de Janeiro,

    Junho de 2008

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    Flavia Bahia Martins

    O Direito Fundamental Sade noBrasil sob a Perspectiva doPensamento ConstitucionalContemporneo

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Direito do Departamento deDireito da PUC-Rio como parte dos requisitosparciais para a obteno do ttulo de Mestreem Direito.

    Prof. Maria Celina B. de Moraes

    OrientadorDepartamento de Direito PUC-Rio

    Prof. Eduardo Ribeiro MoreiraCo-orientador

    UERJ

    Prof. Caitlin Sampaio Mulhol landUERJ

    Prof. Antonio Cavalcanti MaiaDepartamento de Direito PUC-Rio

    Prof. Nizar MessariVice-Decano de Ps-Graduao do Centro de

    Cincias Sociais PUC-Rio

    Rio de Janeiro, 25 de junho de 2008.

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    Todos os direitos reservados. proibida areproduo total ou parcial do trabalho semautorizao da universidade, do autor e doorientador.

    Flvia Bahia Martins

    Graduou-se em Direito na UniversidadeCatlica do Salvador em 2001. Professora deDireito Constitucional da Academia doConcurso Publico e Professora de DireitoConstitucional do Curso Iuris

    Ficha catalogrfica

    CDD: 340

    Martins, Flavia Bahia

    O Direito Fundamental Sade noBrasil sob a Perspectiva do PensamentoConstitucional Contemporneo / FlaviaBahia Martins; orientadora: Maria CelinaBodin de Moraes. Co-orientador: EduardoRibeiro Moreira Rio de Janeiro: PUC,Departamento de Direito, 2008.

    150f..: 29,7 cm

    1. Dissertao (mestrado) Pontifcia Universidade Catlica do Rio deJaneiro, Departamento de Direito.

    Inclui referncias bibliogrficas.

    1. Direito Teses. 2. DireitosSociais. 3. Direito Sade; 4. Direito

    Constitucional. 5. princpiosconstitucionais. 6. Filosofia do Direito. 7.Neoconstitucionalismo I. Moraes, MariaCelina Bodin de. II. Pontifcia UniversidadeCatlica do Rio de Janeiro. Departamentode Direito. III. Ttulo.

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    minha querida av Margarida,

    Que ilumina a minha vida,

    Ainda que me olhando das estrelas...

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    Agradecimentos

    Tenho tanto a agradecer, que difcil at comear...

    s duas razes de minha vida: minha me Maria Lcia, pelo amor incondicional e minha irm Andrea, pela presena de luz em minha existncia.

    minha tia Anglica, pelo exemplo de luta e pela inspirao desse projeto. Dalva e a Tita, pelo carinho com que sempre aqueceram o meu caminho. Carole a Renatinha, famlia querida, por toda a torcida. Glaucinha, meu anjo daguarda, sem a qual, minha vida acadmica no teria sequer iniciado.

    A todos os professores do curso de Ps-Graduao em Teoria do Estado e DireitoConstitucional da PUC-Rio, pelo incentivo pesquisa e por toda a dedicao.Meus especiais agradecimentos ao professor Antnio Cavalcanti Maia, por teraberto os meus horizontes, possibilitando a escolha do tema ora apresentado. Aosqueridos professores Anna Lcia de Lyra Tavares e a Carlos Plastino, pelas aulasinspiradoras que influenciaram na elaborao do presente trabalho e se encontram,de uma maneira ou de outra, aqui presentes.

    minha orientadora, Maria Celina Bodin, pela confiana, pelas aulas instigadorase pelo apoio, minha admirao e carinhoso agradecimento.

    Ao meu amigo e co-orientador, Eduardo Moreira, pelo exemplo de perseverana,pelo carinho e por toda a dedicao na concretizao deste trabalho.

    Aos funcionrios da secretaria do departamento da PUC-Rio, Anderson eCarmem, pelo afeto e ateno inesgotveis.

    Aos meus queridos colegas de mestrado, pelos debates engrandecedores e, emespecial, Teresa e Vivian, pela presena e pela amizade.

    CAPES e PUC-Rio, pelos auxlios concedidos, essenciais para a realizao

    dessa dissertao.

    Aos meus amados familiares e amigos, pelo colorido que emprestam minhavida.

    Bel e Juju, pelas colaboraes valiosas que tornam mais fceis os meus dias.

    Aos meus alunos, fonte inesgotvel de inspirao, alegria da minha vida, serei aeles eternamente grata!

    A Deus, por todos os motivos.

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    Resumo

    Martins, Flavia Bahia. Moraes, Maria Celina Bodin de. O DireitoFundamental Sade no Brasil sob a perspectiva do pensamento

    constitucional contemporneo. Rio de Janeiro, 2008. ???p Dissertao deMestrado Departamento de Direito, Pontifcia Universidade Catlica doRio de Janeiro.

    A sociedade brasileira assiste com perplexidade e indignao o descuido

    do Poder Pblico com o direito mais precioso que o da sade. A vida humana,

    razo de ser do Estado, enfrenta desrespeitos dirios com as filas nos hospitais, a

    falta de medicamentos, de leitos, de mdicos e enfermeiros, enquanto o direito

    descansa, em seus cmodos preceitos tericos clssicos que no atendem aosreclamos de uma sociedade que precisa de solues urgentes. Levando em

    considerao este cenrio de sofrimento, cada vez mais vital a anlise do Direito

    com base em pressupostos filosficos e crticos. Decerto, no se pode mais

    compreender o conhecimento jurdico pautado em critrios unidimensionais, que

    vislumbrem apenas as contribuies tericas e/ou prticas desta rea de saber. A

    abertura das Constituies aos princpios, a realidade da ponderao, a pretenso

    de correo, a argumentao jurdica, alinhados constitucionalizao do Direitoe ao reforo da jurisdio constitucional, apresentam um ordenamento jurdico

    mais arrojado e preparado para concretizar a vontade da Constituio e da

    sociedade brasileira. Com isso, o objetivo deste trabalho pretende trazer inovaes

    para a efetivao do direito sade por meio dos postulados defendidos pelo

    pensamento constitucional contemporneo que entendemos ser mais progressista

    e, para tanto, adotamos como referncia terica o neoconstitucionalismo proposto

    por Alfonso Figueroa, bem como as demais contribuies valiosas dos principais

    tericos crticos atuais.

    Palavras-chave

    Direitos Sociais, Direito Sade, Direito Constitucional, princpios

    constitucionais, Filosofia do Direito, Neoconstitucionalismo.

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    Abstract

    Martins, Flavia Bahia. Moraes, Maria Celina Bodin de The fundamentalright to health in Brazil in light of the contemporary constitutional

    line of thought. Rio de Janeiro, junho de 2008. ???p. Dissertao deMestrado Departamento de Direito, Pontifcia Universidade Catlica doRio de Janeiro.

    The Brazilian society observes with perplexity and indignation the

    recklessness of the government with societys most precious right public health.

    Human life the governments main concern is disrespected on a daily basis by

    the long cues in public hospitals, lack of medication, beds, doctors and nurses.

    Meanwhile, the right to public health lies still on one of its founding principles

    and does not meet the urgent needs of the people. Taking into consideration this

    suffering scenario, it is increasingly vital to analyze the Law with basis on the

    philosophical and critical premises. Surely, one cannot understand legal

    knowledge as set in a single dimensional criterion that only takes into

    consideration the theoretical and/or practical contributions of this area of

    knowledge. The inclusion of principles, pondering, intention of correction, legal

    argumentation in the Constitution aligned to the constitutionalization of the Law

    and of the strengthening of the constitutional jurisdiction, present a bolder legal

    system duly prepared to materialize the will of the Constitution and that of

    Brazilian society. All in all, the main goal of this study is to bring innovative ideas

    to the concretion of the right to health through the postulates which are defined as

    contemporary constitutional thinking. These thoughts are known to be more

    progressive and for this reason we end up using Alfonsos Figueroas

    neoconstitutionalism proposal as a theoretical reference, as well as further

    valuable contributions of main and most recent theoretical critics.

    Keywords

    Social rights, Right to health, constitutional right,constitutional principles,

    legal philosophy, Neoconstitutionalism.

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    Sumrio

    1. Introduo 10

    2. O Pensamento Constitucional Contemporneo 13

    2.1. A crise do positivismo o rito de passagem ps-positivista

    a chegada ao neoconstitucionalismo? 13

    2.2. A Teoria dos Princpios, a ponderao e a necessria

    releitura da teoria das fontes. 21

    2.3. A constitucionalizao do ordenamento jurdico e o

    neoconstitucionalismo. 33

    2.3.1. A rigidez constitucional 36

    2.3.2. A garantia jurisdicional da Constituio 36

    2.3.3. A fora vinculante do texto constitucional 38

    2.3.4. A sobreinterpretao 39

    2.3.5. A interpretao conforme a Constituio 40

    2.3.6. Influncia da constituio sobre as relaes polticas 41

    2.4. A Crtica ao neoconstitucionalismo: governo de juzes? 45

    2.4.1. Social 47

    2.4.2. Tcnica 50

    2.4.3. Administrativa 51

    2.4.4. Poltica 53

    3. O Direito Fundamental Sade 55

    3.1. Direitos Humanos, Dignidade da Pessoa Humana e

    Cidadania. 55

    3.2. As geraes de direitos fundamentais, seu desservio aos

    direitos sociais e o equilbrio existencial 64

    3.3. Informaes sobre a sade no Brasil: amparo legal,

    princpios informadores do Sistema nico de Sade e dados

    estatsticos. 72

    3.3.1. Definies e escoro histrico sobre a sade 72

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    3.3.2. Natureza jurdica do direito sade e avano legislativo

    no Brasil 75

    3.3.3. Dos princpios norteadores do SUS 82

    3.3.4. Dados estatsticos: o Brasil de muitos Brasis uma

    triste realidade 85

    3.4. O controle judicial das polticas pblicas luz dos

    postulados neoconstitucionalistas. 89

    4. O direito fundamental sade no Brasil sob a perspectiva

    do pensamento constitucional contemporneo 101

    4.1. O Neoconstitucionalismo est comprometido com a fora

    vinculante das normas constitucionais. Eficcia Direta do direito

    sade. 101

    4.2. Densidade normativa de todas as normas constitucionais.

    Fim das normas programticas. Carter jurdico do direito

    sade. 104

    4.3. Princpios da nova interpretao constitucional que tutelam

    o direito sade. 106

    4.4. Vinculao de todos os poderes na implementao da sade.

    O reforo jurisdio constitucional associada teoria da

    argumentao. Controle Judicial do Oramento. 109

    5. Concluso 117

    6. Referncias bibliogrficas 120

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    Introduo

    O pensamento constitucional contemporneo que d ttulo ao nosso

    trabalho no algo j definido e sentenciado. Pelo contrrio, est em processo de

    construo e de reconstruo. Representa, na realidade, um momento de

    redefinies positivas dentro de Estados Constitucionais, impulsionado pela

    globalizao, pela internacionalizao dos direitos humanos e pela fora irradiante

    que passa a ter a Constituio nesse novo contexto. Como referencial desse

    momento de efervescncia acadmica, escolhemos o neoconstitucionalismo como

    o pensamento constitucional contemporneo para ser a linha terica mestra de

    nossas singelas pretenses de lastrear uma maior efetividade ao direito sade no

    Brasil.

    A proposta desse trabalho no que tange ao neoconstitucionalismo

    apresentar algumas de suas premissas informadoras que nascem da

    constitucionalizao do ordenamento jurdico, sem pretenso de esgotar o assunto,

    que ainda est em processo de construo. Posicionamo-nos peloneoconstitucionalismo como teoria de direito, tese defendida, entre outros

    renomados doutrinadores, por Alfonso Figueroa. Separamos alguns dos

    postulados mais importantes da teoria neoconstitucionalista em subsees

    diferenciadas para evitar o excesso de informaes em um nico eixo do trabalho.

    Para finalidade de desenvolvimento da seo 2, intitulada de

    Pensamento constitucional contemporneo, iniciamos na subseo 2.1 breve

    anlise sobre o positivismo (e suas vertentes exclusivo e inclusivo), o mundo ps-guerra e o reencontro do direito com a dignidade da pessoa humana. O enfoque

    crtico centralizar suas atenes no positivismo exclusivo defendido, entre

    outros, por Hans Kelsen. Abordaremos sinteticamente o que chamamos de rito

    de passagem ps-positivista e apresentaremos o pensamento terico

    contemporneo neoconstitucionalista adotado neste trabalho, que desenvolvido

    com mais detalhes nas subsees posteriores.

    Em seguida, realizamos um estudo sobre a importncia da releitura daclssica teoria das fontes, que com a sua diferenciao de graus entre a aplicao

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    dos preceitos precisa ser analisada luz do Estado Constitucional de Direito,

    que essencialmente principiolgico. Para tanto, apresentamos a abertura das

    normas constitucionais aos princpios, trazida por Ronald Dworkin, bem como o

    mtodo de ponderao dos conflitos, que tratado juntamente com os princpios

    da proporcionalidade e da razoabilidade. Tambm reforamos a importncia do

    papel da doutrina nesse novo momento do Estado Constitucional de Direito, pois,

    sem a sua valiosa colaborao, a evoluo no poder ocorrer.

    Na subseo 2.3 tratamos do processo de constitucionalizao do

    ordenamento jurdico ps Segunda Grande Guerra, pressuposto terico principal

    para o advento do neoconstitucionalismo. Nessa vertente, destacamos que o

    Estado Constitucional de Direito chegou tardiamente ao Brasil em razo dos anosde ditadura, mas que luz das caractersticas do constitucionalismo apresentadas

    por Riccardo Guastini, conseguimos inserir o pas nesse novo momento do direito.

    A partir da, focalizamos a posio do neoconstitucionalismo como nova teoria do

    direito, com as colaboraes de Alfonso Figueroa e demais filsofos crticos

    contemporneos.

    Em subseo seguinte, apresentamos uma tentativa de soluo para

    minimizar a principal crtica dispensada ao neoconstitucionalismo pelosacadmicos sobre o suposto decisionismo judicial trazido pelo reforo jurisdio

    constitucional, que inegavelmente forte postulado defendido pela nova linha

    terica. Reunimos a anunciada proposta em quatro categorias distintas: social,

    tcnica, administrativa e poltica.

    Para efeito de desenvolvimento na seo 3, acerca do direito

    fundamental sade pblica no Brasil, realizamos, na primeira subseo que o

    acompanha, simplificada abordagem histrica sobre os direitos humanos, adignidade da pessoa humana e a sua relao com a cidadania. Traamos um

    paralelo entre o cidado de J. J. Rousseau e o cidado brasileiro, apresentando o

    quadro da inconclusa cidadania brasileira.

    Na subseo 3.2 analisamos o desservio que a diviso dos direitos

    fundamentais em geraes propiciou aos direitos sociais, resultando, entre outras

    conseqncias, na sua estigmatizao como norma de eficcia programtica.

    luz, mais uma vez, da dignidade da pessoa humana, tambm tratamos do princpio

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    do mnimo existencial, que recebe aqui a sugesto de ser denominado de

    equilbrio existencial.

    Na subseo seguinte trouxemos informaes sobre a sade no Brasil

    e demais destaques sobre o seu amparo legal na Constituio e nas normasinfraconstitucionais. So analisados os princpios informadores do Sistema nico

    de Sade (SUS) e apresentados demais dados estatsticos relacionados

    complexidade do tema.

    As polticas pblicas so analisadas na subseo 3.4 sob olhar crtico

    do neoconstitucionalismo. Para tanto, sero desenvolvidos alguns dos postulados

    defendidos por essa teoria/ideologia progressista, tais como o reforo jurisdio

    constitucional e a argumentao jurdica, que, alinhadas tcnica da ponderao,so ferramentas importantes de defesa do controle judicial das polticas pblicas

    no que tange ao direito sade.

    Ao final, numa perspectiva talvez ousada, mas, sobretudo, otimista,

    defendemos que o direito sade pode ser mais bem tutelado e efetivado no

    Brasil sob o signo do neoconstitucionalismo. Ressaltamos algumas das valiosas

    ferramentas presentes nesse pensamento constitucional contemporneo que

    poderiam auxiliar aos juzes constitucionais (doravante citados como os membrosda corte constitucional brasileira e demais participantes da organizao judiciria

    do pas) e ao poder pblico em geral, na tarefa complexa, porm possvel, de

    oferecer uma vida mais digna ao povo brasileiro, com uma sade de qualidade.

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    O Pensamento Consti tucional Contemporneo

    2.1

    A cr ise do positiv ismo o ri to de passagem ps-positivista a

    chegada do neoconstitucionalismo?

    Nesta subseo, faremos uma breve anlise sobre o positivismo (e

    suas vertentes exclusivo e inclusivo), o mundo ps-guerra e o reencontro do

    direito com a dignidade da pessoa humana. O enfoque crtico centralizar suas

    atenes no positivismo exclusivo defendido, entre outros, por Hans Kelsen.

    Abordaremos o que chamamos de rito de passagem ps-positivista e

    apresentaremos o pensamento terico contemporneo neoconstitucionalista

    adotado neste trabalho, que ser desenvolvido tambm nas subsees seguintes.

    Da mesma maneira que Immanuel Kant tratou de estabelecer de forma

    racional as condies de possibilidades das cincias fsicas, Hans Kelsen se

    empenhou em fixar por meio da chamada norma fundamental as condies

    formais e necessrias do conhecimento jurdico, dirigido ao pensamento dentico

    das normas positivas. No incio do sculo XX, o jurista austraco relata em sua

    famosa obra Teoria Pura do Direito,1uma concepo de cincia jurdica com a

    qual se pretendia finalmente ter alcanado, no direito, os ideais de toda a cincia:

    objetividade e exatido.

    Visando esse objetivo, Kelsen props como regra metodolgica

    principal a extrao de qualquer contedo valorativo da norma, com a finalidade

    de garantir autonomia cientfica para a disciplina jurdica, que, segundo ele, vinha

    sendo, ao longo dos anos, deturpada pelos estudos sociolgicos, filosficos e

    polticos. Ao propor a reduo do direito ao que est positivado (normatizado),

    seu limite ao que est ordenado e tendo a lei como principal elemento vlido, o

    jurista apregoava que dentro da ordem normativa fechada no existiria espao

    para se discutir a injustia das normas, pois, como podemos deduzir dos seus

    princpios, o problema da injustia no seria nem jurdico.

    1. KELSEN, 1996.

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    A preocupao de Kelsen estava voltada para o objeto da cincia

    jurdica. Por intermdio da norma fundamental seriam proporcionadas as

    propriedades definidoras desse objeto. Com isso, o seu campo temtico estaria

    separado e bem definido em relao s demais cincias naturais e normativas. No

    se detecta claramente em sua obra grande interesse pelo conceito de direito, mas

    percebe-se a especificao de um campo temtico homogneo e especfico para a

    cincia do direito. De acordo com o pensador, uma cincia jurdica em sentido

    estrito proporcionaria um ponto de vista exclusivamente jurdico sobre o direito,

    ou seja, deveria ser tratada como uma cincia normativa do direito.

    Em sua obra clssica,2afirma a diferena que entende ser cartesiana

    entre direito e cincia jurdica, defendendo que a distino revela-se no fato deque as proposies normativas formuladas pela cincia jurdica, que descrevem o

    Direito e que no atribuem a ningum quaisquer deveres ou direitos, podem ser

    verdicas ou inverdicas, ao passo que as normas de dever-ser, estabelecidas pela

    autoridade jurdica e que atribuem deveres e direitos aos sujeitos jurdicos no

    so verdicas ou inverdicas, mas vlidas ou invlidas. E ainda complementa

    dizendo que tal como tambm os fatos da ordem do ser no so quer verdicos,

    quer inverdicos, mas apenas existem ou no existem, somente as afirmaes

    sobre esses fatos podem ser verdicas ou inverdicas.

    Sendo o direito positivo, pode este ser moral ou imoral,

    independentemente do que se considere mais justo ou socialmente adequado.

    Assim, ainda que determinada norma contrarie um preceito de justia, esta

    permanece repleta de validade jurdica. O direito positivo , pois, o direito

    inserido pelo ente legiferante, dotado de validade e legitimidade, por obedecer a

    formalismos pertencentes a um determinado sistema jurdico.

    Partindo desse ponto de vista, o jurista chega concluso de que o

    direito uma ordem da conduta humana, um sistema fechado de normas. Como

    ordem normativa, o direito procura dar lugar a um determinado comportamento

    humano, associando a ausncia desse comportamento a um ato de fora

    socialmente organizado. A temos a diferena, para Kelsen, entre o direito e outros

    sistemas de normas: a reao violao do dever-ser mediante um ato de fora

    2. KELSEN, 1996.

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    socialmente organizado, de uma maneira centralizada como nos Estados

    modernos, ou descentralizada como sucedia nas ordens jurdicas primitivas. A

    realidade, para o doutrinador, reveste-se de um aspecto puramente jurdico quando

    uma norma empresta significado jurdico a essa realidade, de modo que esta possa

    ser interpretada de acordo com aquela. O direito , ento, a norma, e s a norma,

    pois esta a nica capaz de emprestar um significado que possa ser qualificado de

    jurdico aos atos humanos. Desse modo afirma Kelsen:

    Assim como a lei natural uma afirmao ou enunciado descritivo danatureza, e no o objeto a descrever, assim tambm a lei jurdica umenunciado ou afirmao descritiva do Direito, a saber, da proposio jurdicaformulada pela cincia do Direito, e no o objeto a descrever, isto o Direito,a norma jurdica. Esta - se bem que quando tem carter geral seja designada

    como lei - no uma lei, no algo que, por qualquer espcie de analogiacom a lei natural, possa ser designado como lei. Ela no , com efeito, umenunciado pelo qual se descreve uma ligao de fatos, uma conexofuncional. No sequer um enunciado, mas o sentido de um ato com o qualse prescreve algo e, assim, se cria a ligao entre fatos, a conexo funcionalque descrita pela proposio jurdica, como lei jurdica (Kelsen, 1996, p. 9).

    O princpio vertebral da teoria kelseniana utiliza a regra metodolgica

    denominada por Luis Alberto Warat3de imanncia significativa, ou seja, ficaria

    excludo do mbito das significaes jurdicas qualquer dado que no pudesse ser

    derivado diretamente das normas positivas vlidas, extraindo-se delas qualquer

    contaminao axiolgica.

    A teoria waratiana4destaca que nas idias de Kelsen est presente uma

    clausura do sistema, ficando excludo do mbito das significaes jurdicas

    qualquer dado que no pudesse ser diretamente derivado das normas positivas

    vlidas e especialmente, os sentidos evocados a partir das prticas polticas e

    ideolgicas, as concepes sobre a justia e as doutrinas do direito natural.

    O eminente jurista Castanheira A. Neves5 tambm se insurge contra

    alguns critrios da opo metodolgica defendida por Kelsen. Para Castanheira, o

    jurista se desinteressou do normativo jurdico material para se ocupar apenas da

    formal analtica de uma pura teoria sobre o direito, pois para o jurista austraco

    tudo o que no fosse essa teortica analtica estaria inquinado de um ideolgico

    3

    . WARAT, 1995.4.WARAT, 1983.5.NEVES, 1995.

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    interesse poltico, j legitimante, j combatendo o poder, mas sempre em vista do

    poder.

    Por sua vez, numa crtica ao positivismo kelseniano, Roberto Lyra6

    defende que a cincia jurdica, com o apoio da sociologia e da filosofia jurdica,precisa voltar-se tambm para a anlise histrica dos processos sociais em busca

    daqueles critrios de atualizao dos padres de justia (finalidades ticas) e de

    legitimidade (mecanismos razoveis de deciso e de aplicao do direito).

    Com linha parecida de raciocnio, em sua obra La Institucionalizacin

    de la Justicia,7Robert Alexy enfatiza que com a tese da separabilidade defendida

    por Kelsen, nega-se que exista uma conexo necessria entre o que manda o

    direito e o que exige a moral e a justia e isso gera uma srie de conseqnciassociais.

    O renomado jurista positivista, cujos postulados so trazidos para

    anlise, sustentaria o modelo denominado de positivismo exclusivo (duro,

    tradicional), tambm presente nos escritos de Norberto Bobbio8e de Joseph Raz,9

    um dos principais expoentes dessa linha de pensamento.

    Herbert Hart,10em seupostscriptno qual rebateu as crticas recebidas

    por Ronald Dworkin sobre a sua clssica obra O Conceito de Direito se

    posicionou no sentido de que mesmo se as leis fossem redigidas de modo a

    resolverem antecipadamente todas as questes possveis, a adoo de tais leis

    entraria em coliso com outros objetivos que o direito deve acarinhar.Nesse breve

    relato, segundo a teoria e prtica contemporneas, o direito no se resume lei,

    pois inclui a presena de princpios e valores morais, ticos. Com a abertura a

    fatos sociais, possvel da perceber o nascimento de um positivismo moderado

    ou inclusivo (soft).

    cio Otto Duarte11 observa que se para os positivistas jurdicos

    exclusivos os critrios morais de legalidade no pertencem ao sistema jurdico

    6.Paradigma jurdico e senso comum: para uma crtica da dogmtica jurdica, ver LYRA, 1986.7.ALEXY, 2005.8.BOBBIO, 2008.9.RAZ, 2001. Segundo o autor, o direito surge das fontes jurdicas e a sua existncia e contedo

    podem identificar-se por referncia unicamente a fatos sociais, sem recurso avaliativo algum.10. HART, 2005, p. 313.11. DUARTE, 2007 p. 48-49.

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    16

    porque a regra de conhecimento determinada exclusivamente por fontes sociais

    de modo distinto, os positivistas inclusivos sustentam que se a moralidade

    ou no uma condio de legalidade em um sistema jurdico particular, depende de

    uma regra social ou convencional, isto , da regra de reconhecimento.12

    Poderamos concluir, sem esgotar o tema, por no ser a proposta

    principal desse trabalho, que a diferena mais importante entre o clssico

    positivismo (ou exclusivo, forte) e o positivismo moderado (inclusivo, soft)seria

    que o primeiro apregoa a separao cartesiana entre o direito e a moral e o

    segundo, mais brando, reconhece a existncia contingente da moral, dos

    princpios, mas no os vincula validez da norma, alm do que, a subsuno

    continua sendo a regra principal da lgica jurdica, como no positivismo clssico.No se pode deixar de lado no processo de produo da significao

    jurdica o papel do saber jurdico, dos valores sociais e econmicos predominantes

    na sociedade de sua poca. No podemos mais fazer um corte sem piedade nas

    significaes jurdicas produzidas pelo cientista jurdico e pelo operador do

    direito, haja vista o carter cada vez mais mutvel do ordenamento jurdico. O

    juiz, na funo de aplicador da lei, no se limita a aplic-la, ele d norma uma

    significao jurdica. Da mesma forma que os acadmicos nas diversas escolas dedireito do pas no se limitam a ler o enunciado da norma, mas tambm constroem

    novas e importantes significaes.

    O truculento desrespeito aos direitos fundamentais e a descartabilidade

    da pessoa humana verificada durante as grandes guerras mundiais precisou ganhar

    uma nova pgina na histria e com isso, no processo de reconstruo da dignidade

    esquecida, os direitos humanos surgiram como paradigma e referencial tico a

    orientar a ordem internacional contempornea. Nos dizeres de Flvia Piovesan,13

    se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o ps-guerra

    deveria significar sua reconstruo.

    Aps os tristes episdios das grandes guerras, os ordenamentos

    jurdicos mundiais precisaram passar por um importante processo de

    constitucionalizao e de resgate de valores esquecidos durante os perodos

    12

    . Nessa parte final, DUARTE (2007) faz referncia a Coleman, The Practice of Principle, 2001p. 108.13.PIOVESAN, 2006, p. 28.

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    tirnicos. Em razo disso, o debate sobre os direitos fundamentais na modernidade

    vem merecendo cada vez maior destaque. So vrios os estudos, bem como a

    intensa discusso, no meio jurdico e social, nacional e internacional, sobre esse

    assunto to importante e crucial para a sociedade contempornea.

    De acordo com Lus. M. Cruz,14 com o fim da Segunda Guerra

    Mundial se abriu na Europa Ocidental um modelo de Estado Constitucional que

    concebe a Constituio como uma norma que incorpora um denso contedo

    normativo, composto de valores, princpios, direitos fundamentais e diretrizes aos

    poderes pblicos.

    Consagrado como valor jurdico universal, principalmente aps a

    Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948, a dignidade da pessoahumana15 entendida como o atributo imanente ao ser humano para exerccio da

    liberdade e de direitos como garantia de uma existncia plena e saudvel passou

    a ter amparo como um objetivo e uma necessidade de toda humanidade,

    vinculando governos, instituies e, principalmente, indivduos. Unidade mais

    fundamental de valor do sistema jurdico, esse princpio universal funciona como

    paradigma, fundamento, limite e desiderato de um ordenamento jurdico, de um

    Estado e de uma sociedade, aos quais confere legitimidade.No h dvidas de que quando o ncleo do sistema jurdico passa a

    ser: a dignidade da pessoa humana, a solidariedade, a prevalncia dos direitos

    humanos, a funo social da propriedade e do contrato, imperioso que se

    abandone o mito racionalista de que tudo pode ser explicado pela lei.

    O critrio de validez e o discurso de conhecimento organizado a partir

    do princpio de imputao no domnio do dever-ser propiciam um conhecimento

    do direito positivo, porm no solucionam os problemas centrais do conhecimento

    operativo, da interpretao e aplicao da lei. Por isso, a anlise crtica do direito

    vai tomando forma em grande parte devido sua necessidade de surgir como uma

    proposta inovadora dos valores epistemolgicos que regulam o processo de

    constituio das verdades jurdicas consagradas.

    14. CRUZ, 200515.O tema ser discutido em seo especfica.

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    E nesse momento que nasce o que chamamos de rito de passagem,

    o ps-positivismo, amparado pelas valiosas colaboraes de Ronald Dworkin e

    Robert Alexy sobre a abertura das Constituies aos princpios, que recebero

    uma ateno especial nesse trabalho em subseo especfica.

    Denominamos rito de passagem porque entendemos que o ps-

    positivismo nunca se solidificou como uma nova teoria ou ideologia. Foi um

    momento de redefinio de valores, necessrio e exigido pelo mundo ps-guerra.

    Na opinio de Antnio Cavalcanti Maia,16Albert Calsamiglia desenvolveu aguda

    anlise utilizando o termo ps-positivismo, trazendo referncias ao assunto em

    diversos artigos, que poderia ser concluda (no encerrando o debate sobre o

    assunto) da seguinte maneira: ps-positivismo = superao do positivismo porprincpios + constitucionalizao do direito.

    Paulo Bonavides, para quem a teoria dos princpios se converteu no

    corao das Constituies,17 um dos expoentes do rito de passagem ps-

    positivista no Brasil. Segundo o jurista, as Constituies promulgadas nas ltimas

    dcadas do sculo XX acentuaram a hegemonia axiolgica dos princpios, que

    foram convertidos em pedestal normativo sobre o qual se assenta todo o edifcio

    jurdico dos novos sistemas constitucionais.Lus Roberto Barroso,18tambm nessa linha de raciocnio, afirma que

    a marca do ps-positivismo seria a ascenso de valores, o reconhecimento da

    normatividade dos princpios e a essencialidade dos direitos fundamentais. A

    discusso sobre a tica analisada juntamente com o direito e os princpios, e o

    procedimento da ponderao utilizado com as novas tcnicas de interpretao

    constitucional. Segundo o autor, o ps-positivismo representaria a virada

    kantiana,19

    com a Constituio sendo encarada como um sistema aberto de regrase princpios, no qual as idias de justia e de realizao dos direitos fundamentais

    desempenham papel central.

    A abertura das Constituies a princpios e valores, como j

    acentuamos, assim captada por Canotilho: O direito do Estado de Direito do

    16.MAIA, 2006, p. 405.17.

    BONAVIDES, 2006.18. BARROSO, 2001, p. 5-37.19. Para Kant, o Estado tem como meio e fim o ser humano.

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    sculo XIX e da primeira metade do sculo XX o direito das regras e dos

    Cdigos: o direito do Estado Constitucional Democrtico e de Direito leva a srio

    os princpios, um direito de princpios.20

    Com o processo de constitucionalizao do ordenamento jurdico, odebate hodierno do direito proclama uma universalidade maior para a

    compreenso do fenmeno jurdico, mais preocupado com a moral e com a tica

    do que to-somente com a letra da lei. E o aparecimento desse verdadeiro Estado

    Constitucional de Direito fez nascer, no incio do sculo XXI, um dos

    pensamentos contemporneos que ganha fora diria como proposta de teoria de

    direito inovadora, o neoconstitucionalismo.

    Miguel Carbonnel, organizador do primeiro trabalho apresentado sob osigno do termo neoconstitucionalismo(s),21no prefcio da referida obra, apresenta

    que a realidade constitucional aps a Segunda Guerra Mundial, evidenciada

    principalmente pelas Constituies da Itlia (1947), Alemanha (1949), Portugal

    (1976) e Espanha (1978), tem evoludo em muitos sentidos.

    Numa posio poca ainda tmida sobre o assunto, o jurista mexicano

    apontava para a formao de um Estado (neo) constitucional, que permitiria o

    nascimento de mais de um (neo) constitucionalismo. Anunciava que as aplicaesprticas e tericas sobre o assunto ainda estariam por vir, mas que j se poderiam

    observar alguns aspectos comumente presentes nesse novo momento do

    constitucionalismo, como por exemplo: a tcnica de ponderao de bens

    constitucionais e a forte influncia judicial que estaria presente em todos os

    postulados neoconstitucionalistas.

    Em palestra recente no Rio de Janeiro,22 o pensador apresentou o

    neoconstitucionalismo como sendo o conjunto de trs postulados, organizados em

    um Estado Constitucional em perfeito funcionamento. Segundo o jurista

    mexicano, seriam essas as premissas: i) ideologia que tenta explicar o surgimento

    de novos textos constitucionais ps Segunda Guerra Mundial; ii) novas prticas

    20.CANOTILHO, 1999.21. Apresentada sob o signo plural, diante das vrias dimenses que o assunto agrega. VerCARBONNEL, 2003.22

    . II Congresso Internacional de Direitos Sociais da Procuradoria do Municpio do Rio de Janeiro,realizado no auditrio do Tribunal de Justia do Rio de Janeiro, entre os dias 12 a 14 de novembrode 2007.

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    jurisdicionais, com a utilizao da ponderao, proporcionalidade e maximizao

    dos efeitos normativos; e iii) teoria jurdica nova que influi nos julgamentos.

    As contribuies apresentadas por diversos juristas de renome23 no

    trabalho de estria do neoconstitucionalismo ganharam valiosas contribuies dospensadores crticos da atualidade, o que deu ensejo a um segundo trabalho,

    organizado sob o ttulo de Teora del neoconstitucionalismo, tambm sob a

    coordenao de Miguel Carbonnel.

    As obras citadas e algumas outras (estamos tratando de uma teoria

    nova, que no conta, portanto, com um vasto arcabouo literrio disposio) que

    colaboram para a solidificao do neoconstitucionalismo e sua afirmao como

    teoria do direito progressista servem de referncia para as prximas subseesdeste trabalho.

    2.2

    A teoria dos pr incp ios, a ponderao e a necessria releitura da

    teoria das fontes

    O principal objetivo desta subseo realizar uma sntese sobre aimportncia da releitura da clssica teoria das fontes, que com a sua

    diferenciao de graus entre a aplicao dos preceitos precisa ser analisada luz

    do Estado Constitucional de Direito, que essencialmente principiolgico. Para

    tanto, apresentamos a abertura das normas constitucionais aos princpios, bem

    como o mtodo de ponderao dos conflitos, que tratado juntamente com os

    princpios da proporcionalidade e da razoabilidade. Tambm reforamos a

    importncia da doutrina nesse novo momento do Estado Constitucional deDireito, pois, sem a sua valiosa colaborao, a evoluo no poderia ocorrer.

    Logo aps a Primeira Guerra Mundial, as Constituies comearam a

    adotar em seus textos os chamados direitos sociais, inspirados na idia de Estado

    Social, e os homens passaram a exigir determinadas prestaes, tais como:

    educao, sade, trabalho, assistncia e previdncia. Com o fim da Segunda

    Guerra Mundial, os textos das Constituies modernas (os mais relevantes para

    23. Luigi Ferrajoli, Robert Alexy, Ricardo Guastini, Luis Pietro Sanchs, dentre outros expoentesda rea jurdica e filosfica.

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    21

    esse trabalho) tambm defenderam a tutela aos chamados direitos difusos e o

    novo jogo de valores socioculturais apontaram, diante desse novo cenrio, os

    princpios frente s regras especficas, como se observa principalmente das

    Constituies da Itlia (1947), Alemanha (1949), Portugal (1976), Espanha (1978)

    e da brasileira de 1988.

    Expresses como dignidade da pessoa humana, prevalncia dos

    direitos humanos, funo social da propriedade, valores sociais do trabalho,

    boa-f, solidariedade e tantas outras, associadas ao carter compromissrio e

    diretivo das Constituies modernas, ficam sem sentido algum como j dissemos,

    se analisadas a partir das regras traadas pela racionalidade do positivismo

    jurdico. O mito cartesiano clssico de que tudo pode ser explicado pela lei perdeo seu valor diante da nova realidade constitucional.

    Ressaltemos que no mrito do neoconstitucionalismo a descoberta

    dos princpios, pois eles sempre desempenharam papel importante na orientao

    das decises judiciais, com seus fundamentos axiolgicos, valorativos, ticos e

    morais, funcionando como verdadeiros guias condutores do dia-a-dia do aplicador

    do direito. Tampouco aqui se pretende asseverar que o positivismo nega a

    existncia dos princpios. Mas imperioso salientar que foi sob a gide do EstadoConstitucional de Direito que os princpios deixaram o papel de coadjuvantes das

    regras para serem os protagonistas nesse novo momento da histria do direito.

    Hodiernamente, como nos ensina Canotilho,24embora tanto o princpio

    como a regra sejam espcies de norma o princpio se diferencia da regra porque,

    em livre resumo, o princpio tem um maior grau de abstrao, porque traz sempre

    um carter de fundamentalidade dentro do sistema e um compromisso maior com

    a idia de justia e, enfim, porque o princpio o prprio fundamento da regra,sendo esta um desdobramento casustico daquele. A abertura das Constituies

    aos princpios assim captada pelo jurista portugus O direito do Estado de

    Direito do sculo XIX e da primeira metade do sculo XX o direito das regras e

    dos Cdigos: o direito do Estado Constitucional Democrtico e de Direito leva a

    srio os princpios, um direito de princpios.25

    24. CANOTILHO, 1999, p. 1.085 e seguintes.25. CANOTILHO, 1999, p.1085 e seguintes..

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    22

    Tendo em vista que a condensao axiolgica dos princpios dificulta a

    sua traduo em regras que os esgotem, os princpios passaram a fulgurantes

    pilares no ordenamento jurdico, como preceitua Eduardo Slerca26 e nesse

    contexto que nasce tambm uma nova perspectiva sobre os direitos fundamentais,

    to alicerados e protegidos pelos princpios.

    Um dos expoentes dessa importante teoria de princpios Ronald

    Dworkin, que em sua obra Levando os Direitos Srio,27 contribuiu para essa

    abertura do ordenamento jurdico, colaborando para o nascimento do Estado

    Constitucional de Direito, bem marcado pela beleza dos princpios,

    proporcionando uma verdadeira revoluo na clssica teoria das normas de cunho

    positivista.O jurista anglo-saxo comea a sua anlise sobre o importante tema,

    definindo o esqueleto principal das proposies positivistas, catalogando-as, em

    sntese, da seguinte forma: i) o direito de uma comunidade um conjunto de

    regras especiais utilizado direta ou indiretamente pela comunidade com o

    propsito de determinar qual comportamento deve ser punido ou coagido pelo

    poder pblico; ii) o conjunto dessas regras jurdicas coextensivo com o

    direito, de modo que se o caso de alguma pessoa no estiver claramente cobertopor uma regra dessas, ento esse caso no pode ser decidido mediante a

    aplicao do direito; iii) dizer que algum tem uma obrigao jurdica dizer

    que seu caso se enquadra em uma regra jurdica vlida que exige que esse algum

    faa ou se abstenha de fazer alguma coisa.28

    Em seus escritos, Dworkin frisa que o soberano no pode antecipar

    todas as contingncias sociais por meio de um sistema de ordens, algumas de suas

    proposies sero inevitavelmente vagas ou pouco claras e o postulado i) resta,desta forma, fragilizado. Em contrapartida, se no h regra clara protegendo o

    direito do indivduo, abre-se passagem para uma ampla discricionariedade judicial

    para criar novas ordens e o primado ii) tambm fica prejudicado. No item final,

    significaria dizer que na ausncia de tal regra jurdica vlida no existiria

    obrigao jurdica, ento, ao decidir uma matria controversa, exercendo a sua

    26

    .SLERCA, 2002.27. DWORKIN, 2002.28. DWORKIN, 2002, p. 27-28.

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    23

    discrio, o juiz no estaria fazendo valer um direito jurdico correspondente a

    essa matria?

    Essas e outras crticas so lanadas por Dworkin para chegar ao que

    ele mesmo denominou de ataque geral contra o positivismo29

    e revela que a suaestratgia de combate se inicia em torno do fato de que, quando os juristas

    raciocinam ou debatem a respeito de obrigaes jurdicas, eles recorrem a

    ferramentas que no funcionam como regras, mas operam de maneira diferente,

    como princpios, polticas e outros tipos de padres, batizados em sentido

    genrico como princpios. Nesse sentido, reitera que uma das diferenas entre

    princpios e regras seria de natureza lgica. Os dois padres apontariam para

    decises particulares acerca da obrigao jurdica em circunstncias especficas,mas distinguem-se quanto natureza da orientao que oferecem. As regras

    seriam aplicadas maneira do tudo-ou-nada, pois, presentes os fatos que uma

    regra estipula, ento ou a regra vlida, e nesse caso a resposta que ela fornece

    deve ser aceita, ou no vlida, e neste caso em nada contribui para a deciso.

    Os princpios tambm possuem uma dimenso que as regras no

    retratam: a dimenso do peso e da importncia. Quando os princpios se

    intercruzam (como por exemplo, a liberdade de imprensa e a intimidade), ointrprete dever levar em considerao a fora relativa de cada um. Em

    contrapartida, nas palavras de Dworkin, funcionalmente:

    (...) uma regra jurdica pode ser mais importante do que outra porquedesempenha um papel maior ou mais importante na regulao docomportamento. Mas no podemos deixar de dizer que uma regra maisimportante que outra quando parte do mesmo sistema de regras, de tal modoque se duas regras esto em conflito, uma suplanta a outra em virtude de suaimportncia ser maior (Dworkin, 2002, p. 43).

    Acrescentaramos ainda que, embora os princpios e as regras devam

    atender igualmente aos ideais de justia, os princpios esto mais prximos dessa

    finalidade do que as regras, em razo de seu alto contedo axiolgico e moral e,

    ademais, constituem, em nossa opinio, a prpria ratio das normas jurdicas.

    29. DWORKIN, 2002, p. 35.

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    Essa distino entre regras e princpios, lembra-nos Lnio Streck,30

    no pode significar que as regras sejam uma espcie de renegao do passado e de

    seus fracassos, tampouco que os princpios traduzam o ideal da boa norma.

    Regras e princpios so textos de onde se extraem normas e as primeiras, que so

    produzidas democraticamente, podem e devem unidas aos princpios, traduzir a

    institucionalizao da moral no direito.

    No reencontro entre direito e moral, proclamado pela teoria

    neoconstitucionalista, os princpios ganham destaque na ponderao dos conflitos

    dos direitos fundamentais e ainda, segundo Alexy,31na pretenso de correo, que

    substitui a pretenso de verdade de cunho positivista.

    Quando h aparente coliso entre dois direitos constitucionaisigualmente valiosos, impe-se o mtodo da ponderao, ou balanceamento

    (balancing ad hoc), uma das mais augustas e elaboradas tcnicas do direito

    constitucional. Para Canotilho,32 a ponderao a forma caracterstica de

    alocao do direito sempre que estejam em causa normas que revistam a natureza

    de princpios.

    A ponderao um modelo de verificao e tipicizao da ordenao

    de bens em conflitos concretos. No de modo algum um modelo de aberturapara uma justia casustica, ou de sentimentos. Precisamente por isso que o

    mtodo de balancingno dispensa uma cuidadosa topografiado conflito e nem

    umajustificaoda soluo do conflito atravs da ponderao.

    Segundo o jurista portugus, quando que, afinal, se impe a

    ponderao para obter uma soluo dos conflitos de bens constitucionais? Os

    pressupostos bsicos so os seguintes: i) em primeiro lugar, a existncia de, pelo

    menos, dois bens ou direitos reentrantes no mbito de proteo de duas normas

    jurdicas que, tendo em conta as circunstncias do caso, no podem ser

    realizadas em todas as suas potencialidades; ii) a inexistncia de regras abstratas

    de prevalncia, pois neste caso o conflito deve ser resolvido segundo o

    balanceamento abstrato feito pela norma constitucional; e iii) finalmente,

    indispensvel que a justificao e motivao da regra de prevalncia parcial

    30

    . STRECK, 2008.31. ALEXY, 2005.32. CANOTILHO, 1999, p. 1.109 e seguintes.

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    assente na ponderao, devendo ter-se em conta, sobretudo, os princpios

    constitucionais da igualdade e da justia, da segurana jurdica.33

    Na ponderao entre conflitos de direitos fundamentais, os princpios

    da razoabilidade e da proporcionalidade tm sido muito utilizados por nossosjuzes constitucionais, no raro como expresses sinnimas, ou ainda como

    gnero e espcie. Despertam polmicas pela alta carga de subjetividade que, em

    nossa opinio, o neoconstitucionalismo pode ajudar a resolver tendo como critrio

    de destaque, uma argumentao jurdica mais acirrada.

    O princpio da razoabilidade encontra guarida no direito norte-

    americano, principalmente na 5 e na 14 Emendas. A 5 Emenda faz parte do Bill

    of Rights norte-americano, adicionado Constituio Federal em 1789, quedispunha (no tocante ao nosso estudo) que nenhuma pessoa poderia ser privada de

    sua vida, liberdade ou propriedade sem o due process of law. Enquanto que a 14

    Emenda foi inserida com o intuito de estender a garantia do due process of law

    aos ex-escravos, aps a Guerra Civil, e ao direito dos Estados federados;

    acrescentando, no entanto, o primado do tratamento igualitrio pela lei, tambm

    para o direito federal. importante destacar que a clusula do due process of law

    (que deve ser entendida nos seus contornos processual e substantivo) deve seraplicada como meio de interpretao jurisprudencial da Suprema Corte norte-

    americana e que passou de uma simples garantia processual, para o controle de

    mrito das decises estatais.

    Em suma, a noo de razoabilidade guarda afinidade com a idia de

    equilbrio, moderao e harmonia. Busca aquilo que atende ao senso comum, aos

    valores vigentes em dado momento. Em ltima anlise, pretende alcanar a

    justia, carregando, portanto, forte elemento subjetivo e abstrato.

    A proporcionalidade, por sua vez, posterior razoabilidade norte-

    americana e foi desenvolvida, a partir da dcada de 1950, pelo Tribunal

    Constitucional Alemo. A Corte a elaborou como um mtodo de interpretao e

    aplicao dos direitos fundamentais, empregada particularmente nos casos em que

    um ato estatal, destinado a promover a realizao de um direito fundamental ou de

    33. CANOTILHO, 1999, p. 1.109 e seguintes.

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    um interesse coletivo, implicasse a restrio de um direito fundamental. na

    Alemanha que o princpio da proporcionalidade ganha razes mais profundas.

    De acordo com a doutrina alem defendida por Alexy, ela seria

    composta por trs sub-regras: a adequao, a necessidadee aproporcionalidadeem sentido estrito. Adequada seria a medida capaz de fomentar, e no

    obrigatoriamente atingir determinado fim; necessria, aquela que, quando

    comparada a outras to eficazes quanto, restringisse em menor escala o direito

    fundamental violado; e proporcional em sentido estrito, a medida que promovesse

    a realizao de um direito fundamental mais importante do que o que com ele

    colide.

    Sob a influncia do direito germnico, a proporcionalidade passou aser utilizada por diversos pases, entre eles Portugal, onde foi incorporada ao

    conceito de razoabilidade, proveniente do direito anglo-saxo, atravs do qual se

    examina a compatibilidade entre os meios e os fins, No direito lusitano, o

    princpio da proporcionalidade em sentido amplo, tambm conhecido como

    princpio da proibio de excesso, foi erigido dignidade de princpio

    constitucional, consagrando-se, no art. 18, do Texto Magno de 1976, que dispe:

    a lei s pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casosexpressamente previstos na Constituio, devendo as restries limitar-se ao

    necessrio para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente

    protegidos.

    Na Frana, o princpio da proporcionalidade compreendido apenas

    no mbito da jurisdio administrativa, manifestando-se toda via a partir do

    denominado pouvoir descritionnaire (poder discricionrio), que limitado pelo

    dtournement du pouvoir (desvio de poder); na Sua, ele definidosumariamente apenas como a necessidade de se respeitar uma relao entre os

    meios empregados para tomar uma medida e atingir o fim procurado;34na Itlia,

    segundo Suzana de Toledo Barros,35a Corte Constitucional vem controlando de

    forma rigorosa se os limites aos direitos esculpidos na Constituio, estabelecidos

    pela lei, so razoveis em face dos princpios consagrados na Carta. Segundo a

    autora, os juristas italianos j falam em idoneit, necessit e proporzionalit del

    34. SLERCA, 2002.35. TOLEDO BARROS, 2003. p. 52-53.

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    27

    prouvedimento, sem contudo apresentarem um estudo sistemtico sobre o tema,

    que ainda se ressente da falta de unanimidade nas tcnicas e terminologias

    utilizadas.

    Atualmente, alguns doutrinadores, como Paulo Bonavides,36

    entendemque a razoabilidade ou proporcionalidade poderiam ser extradas implicitamente

    do art. 5, 2, da Carta Magna, que dispe: Os direitos e garantias expressos

    nesta Constituio no excluem outros decorrentes do regime e dos princpios por

    ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do

    Brasil seja parte.

    Entendemos, entretanto, que no atual artigo 5, LIV e LV, da

    Constituio Brasileira, a previso do princpio da razoabilidade do direito norte-americano disposta expressamente. Com a clusula do due process of law,

    entendida no seu duplo aspecto material e processual encontramos um

    decisivo obstculo edio de atos normativos revestidos de contedo arbitrrio

    ou irrazovel e um importante fundamento para a ponderao dos conflitos de

    interesses e controle de constitucionalidade.

    A utilizao dos dois princpios tambm desperta crticas na doutrina

    brasileira, como a que faz Lus Virglio Afonso da Silva:37

    A invocao da proporcionalidade , no raramente, um mero recurso a umtopos, com carter meramente retrico e no sistemtico. Em inmerasdecises, sempre que se queira afastar alguma conduta considerada abusiva,recorre-se frmula a luz do princpio da proporcionalidade ou darazoabilidade, o ato deve ser considerado inconstitucional. (...) No feitanenhuma referncia a algum processo racional e estruturado de controle daproporcionalidade do ato questionado, nem mesmo um real cotejo entre osfins almejados e os meios utilizados (Afonso da Silva, 2002).

    Como j expusemos, face insuficincia dos critrios tradicionais de

    soluo de antinomias, a ponderao de interesses emerge como importante

    ferramenta para a soluo de colises entre os vrios princpios existentes na

    ordem jurdica. Entretanto, entendemos que a falta de critrios tcnicos para a sua

    aplicao deve ser colocada na ordem do dia nas discusses dos tribunais

    brasileiros. A sua utilizao com prudncia, verificadas as hipteses

    36. BONAVIDES, 2006, p. 352-355.37. AFONSO DA SILVA, 2002, p. 23-50.

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    casuisticamente, pode representar importante ferramenta de controle no Brasil,

    funcionando como limite aos desmandos do Executivo e do Legislativo e garantia

    das liberdades individuais. Por outro lado, a utilizao fluida dos princpios pode

    resumir a justia razoabilidade (ou no!) da deciso do caso concreto, ferindo

    um princpio importante do Estado Constitucional de Direito: o da segurana das

    relaes jurdicas.

    Nesse cenrio, o neoconstitucionalismo pode colaborar para a

    diminuio dos desmandos das decises judiciais com a tese de uma

    argumentao jurdica mais organizada, oferecendo ao pas contornos mais

    tcnicos para a soluo dos conflitos, como analisado em seo especfica.

    Feitas essas consideraes, passamos anlise das fontes do direito.

    O problema das fontes jurdicas uma questo que pertence cincia

    do direito em geral e, por isso, so estudadas pela teoria geral do direito. A

    palavra fonte deriva do latim fons, fontis e esta de fundo dare, significando

    derramar. Da porque podemos considerar as fontes do direito como o lugar onde

    nasce ou brota a norma jurdica. Nesse sentido, Agustn A. Gordilho38distingue as

    fontes em formais e materiais. As primeiras seriam aquelas que diretamente

    passam a constituir o direito aplicado e as segundas as que promovem ouoriginam, em sentido sociopoltico, as primeiras. Em conseqncia, a

    Constituio, as leis, os regulamentos e a jurisprudncia seriam fontes em sentido

    formal e os fatos sociais, a doutrina e os costumes, em sentido material.

    Manuel Maria Diez39 complementa dizendo que embora as fontes

    sejam comuns a todo o ordenamento jurdico, assumem, em alguns ramos do

    direito, importncias distintas. O autor ainda apresenta a posio de outros

    doutrinadores, como Linares Quintana, para quem a fonte seria os modos ou as

    formas mediante os quais o Estado realiza o direito na funo da regra jurdica

    para aplic-la; Sayagus Laso, que defende que as fontes so os elementos

    formais ou no formais, dos quais surgem as normas de direito; e Garrido Falla,

    que entende que as fontes so os atos, fatos de produo normativa que produzem

    38. GORDILHO, 1974, v. I.39. DIEZ, 1990.

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    proposies que determinado ordenamento jurdico qualifica como norma

    jurdica.

    Na clssica teoria das fontes positivista, o direito seria um conjunto de

    regras especialmente elaboradas pelo Parlamento e selecionadas para a finalidadede regerem a ordem pblica. Seriam comandos objetivos aplicados mediante

    subsuno. E foi sob o primado da lei como regra que o positivismo

    influenciou no Brasil a criao do art. 4, da Lei de Introduo ao Cdigo Civil.40

    O dispositivo seleciona, como fonte primria do ordenamento jurdico, a lei e, em

    sua omisso, a analogia, os costumes e os princpios gerais do direito.

    Como o neoconstitucionalismo pretende defender o direito como uma

    cincia prtica, destinada a resolver problemas sociais e a transformar os direitos(e o direito) a partir da Constituio, indispensvel uma releitura dessas

    disposies, como bem leciona Pietro Sanchs:

    (...) o neoconstitucionalismo requer uma nova teoria das fontes afastada dolegalismo, uma nova teoria da norma que d entrada ao problema dosprincpios e uma reforada teoria da interpretao, nem puramentemecanicista, nem puramente descricional, em que os riscos que comporta ainterpretao constitucional possam ser conjugados por um sistema plausvelde argumentao jurdica (Sanchs, 2003, p. 158).

    O novo paradigma do direito neoconstitucional supera a clssica viso

    positivista do direito enquanto sistema de regras, a partir dos princpios que

    passam a representar uma efetiva possibilidade de resgate do mundo prtico.

    Nesse dilogo aberto, no h espao para a aplicao detalhada de fontes

    catalogadas por ordem de importncia como preleciona a Lei de Introduo ao

    Cdigo Civil (LICC). Com a fora irradiante, ou nas palavras de Guastin, com a

    fora invasora da Constituio, h uma necessria releitura das fontes jurdicas

    luz do prelecionado pelas prprias normas constitucionais que, como j

    analisamos, abriram-se para um sistema de regras e princpios.

    O costume, de acordo com Mauel Maria Diez,41 fonte no escrita

    que resulta no apenas de uma expressa manifestao de vontade da coletividade

    organizada, mas sim de um comportamento uniforme e constante praticado com a

    40

    . Art. 4, da LICC: Quando a lei for omissa, o juiz decidir o caso de acordo com a analogia, oscostumes e os princpios gerais do Direito.41. DIEZ, 1990.

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    convico com que se responde a uma obrigao jurdica. Deriva da repetio de

    fatos materiais em um determinado sentido, acompanhado daqueles elementos

    psicolgicos que consistem em considerar obrigatrio tal comportamento frente

    ao ordenamento jurdico.

    A fonte costumeira indubitavelmente influenciou a formao do

    direito nas sociedades primitivas e no Brasil teve grande importncia,

    principalmente como fonte do direito empresarial, que se formou mediante a

    realidade das trocas e escambos, por exemplo. Entretanto, com a complexidade da

    vida moderna, difcil observar o costume como fonte imediata de direito. claro

    que a repetio dos fatos elemento transformador do direito. Alis, bem

    pertinente a insero da conhecida observao de Konrad Hesse de que na vidada coletividade h realidades que se encontram em contradio com a

    Constituio, mas que essas realidades no devem ser consideradas como

    insignificantes pelo intrprete da Constituio. O importante, em face delas,

    fazer tudo aquilo que seja necessrio para impedir o nascimento da realidade

    inconstitucional ou para por essa realidade, novamente, em concordncia com a

    Constituio e tambm muito lcida, mas a influncia dos costumes ir justificar

    que, mediante os princpios constitucionais, decises judiciais sejam tomadas, ou,

    por fora da mutao constitucional, determinem uma nova posio

    jurisprudencial.

    A doutrina, no citada como fonte no referido dispositivo, ganha papel

    de muito destaque no Estado Constitucional de Direito. Sem as valiosas

    contribuies de juristas e acadmicos na construo desse novo momento da

    histria, esvaziaramos as decises judiciais, que cada vez mais buscam em seus

    fundamentos amparo nos estudos realizados por profissionais especializados nessa

    rea do saber (que por amor pesquisa, mesmo no recebendo muitas vezes a

    justa remunerao, no se desviam de seus propsitos). Na tarefa rdua e muitas

    vezes solitria do estudo acadmico, a contribuio da pesquisa fonte das mais

    aprimoradas para a transformao do direito e da sociedade. Inmeras teorias e

    conceitos que hoje esto presentes no ordenamento jurdico foram produto do

    estudo rigoroso dos transformadores do direito.

    imperioso destacar que o prprio positivismo jurdico teve umagrande importncia na evoluo do papel da doutrina como fonte do direito (ainda

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    que no formalmente citada na Lei de Introduo). Na ausncia da lei como

    soluo imediata para a aplicao da subsuno, os intrpretes sempre buscaram

    amparo nos livros, artigos jurdicos, dissertaes e teses, que, filhos da pesquisa,

    contriburam para a abertura dos horizontes jurdicos. Sem falar que a partir da

    crtica ao positivismo jurdico que nasce esse novo momento neoconstitucional,

    com a colaborao imprescindvel da doutrina nacional e estrangeira.

    No toa que aplicadores e operadores do direito retornam com

    cada vez mais freqncia s universidades com o objetivo de renovarem as suas

    certezas jurdicas, muitas vezes ultrapassadas e perdidas em um direito que no

    est mais na ordem do dia. Mestrados e doutorados refinam o conhecimento

    jurdico e, das salas de aula, debates e produes cientficas trazem importantescontribuies para o amadurecimento do saber. A Filosofia do direito e os

    postulados filosficos gerais so aliados tambm muito importantes nesse

    momento de transformao do raciocnio jurdico.

    A prpria Lei das Diretrizes e Bases da Educao42exige, desde 1996,

    que o corpo de profissionais nas universidades seja formado por pesquisadores e

    estudiosos, primando por maior excelncia no ensino e contribuindo,

    conseqentemente, para a evoluo da doutrina.Com o reforo da jurisdio constitucional, a uniformizao da

    jurisprudncia presente nas smulas vinculantes, o instituto da repercusso geral

    para admissibilidade do recurso extraordinrio e os efeitos vinculantes das

    decises nas aes do controle concentrado de constitucionalidade tambm

    apontaram para a importncia da jurisprudncia nesse novo contexto de reviso

    das fontes. So aparatos jurdicos modernos que inegavelmente possuem maior

    destaque do que os costumes e a analogia.

    Os princpios gerais do direito no foram de modo algum substitudos,

    mas devem conviver harmoniosamente com os princpios constitucionais,

    42.ALei 9.394/1996 assim dispe: (...)Art. 52. As universidades so instituies pluridisciplinares de formao dos quadros profissionaisde nvel superior, de pesquisa, de extenso e de domnio e cultivo do saber humano, que secaracterizam por:I - produo intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemtico dos temas e problemasmais relevantes, tanto do ponto de vista cientfico e cultural, quanto regional e nacional;

    II - um tero do corpo docente, pelo menos, com titulao acadmica de mestrado ou doutorado;III - um tero do corpo docente em regime de tempo integral.

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    explcitos e implcitos, e caso sejam colocados em conflito, a ponderao dever,

    com equilbrio, harmoniz-los.

    O neoconstitucionalismo no defende, por certo, a existncia de grau

    de importncia entre as fontes, ou mesmo que uma fonte deva ter prevalnciahierrquica sobre a outra. A Constituio, que a fonte primeira e o oxignio de

    todo o ordenamento jurdico, a preocupao principal dessa nova teoria do

    direito, que prima pelo destaque aos princpios, que no podem mais serem

    reduzidos a fontes tercirias do sistema normativo.

    2.3

    A constitucional izao do ordenamento jurd ico e o

    neoconstitucionalismo

    As mudanas acontecem em nossas vidas todos os dias, algumas por

    ns planejadas, a maioria nem tanto. A velocidade dos acontecimentos s vezes

    no nos permite refletir que o mundo energia, transformao. Aspolis, civitas e

    landers foram transformadas em grandes metrpoles, que em nada lembram os

    tempos de uma sociedade primitiva. Fomos lua, luta, vivemos no Brasil da

    monarquia e repblica, anos de ditadura e de pseudo-democracias. Essa foratransformadora toma conta tambm do direito e o obriga constantemente a rever

    as suas certezas, estimula-o a enfrentar novos desafios, acalora debates, sempre

    procurando se aprimorar, mas sem pretenso de verdade, e sim na busca de um

    ideal ainda mais caro, a justia.

    O pensamento constitucional contemporneo que d ttulo ao nosso

    trabalho, como j dissemos, no algo j definido, sentenciado, pelo contrrio,

    est em processo de construo e de reconstruo. Representa, na realidade, ummomento de completas redefinies positivas dentro de Estados Constitucionais,

    impulsionado pela globalizao, pela internacionalizao dos direitos humanos e

    pela fora irradiante que passa a ter a Constituio nesse novo contexto.

    Em verdade, so muitos os pensamentos constitucionais

    contemporneos; a efervescncia jurdica toma conta da comunidade acadmica e

    nos brinda com grandes debates e posies. E assim deve continuar por muito

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    tempo. A tese do garantismo de Ferrajoli43, o positivismo inclusivo de Hart, o ps-

    positivismo de Calsamiglia, so algumas das manifestaes contemporneas da

    maneira de pensar o direito. E justamente em considerao s diversas maneiras

    de interpretar o constitucionalismo contemporneo que optamos pelo ttulo

    Pensamento constitucional contemporneo, e no neoconstitucionalismo, em que

    pese a opo clara pela teoria neoconstitucionalista como melhor proposta da

    atualidade como defesa de efetivao do direito sade.

    A avalanche de transformaes vivenciadas pela sociedade aps a

    Segunda Guerra marcou para sempre o direito e, principalmente, o seu crebro

    mais atuante: o homem.

    Na Europa, a reorganizao do ordenamento jurdico, aconteceu maisrapidamente do que no Brasil. As Constituies italiana (1947), alem (1949),

    portuguesa (1976) e espanhola (1978) apresentaram modelos de Constituies

    abertas, destacadas pelo brilhantismo de seus princpios, permitindo uma

    verdadeira constitucionalizao do ordenamento jurdico, que segundo Riccardo

    Guastini44 significa um processo de transformao de um ordenamento jurdico

    que resultaria, ao final, com a sua impregnao de normas constitucionais, ou,

    como nas prprias palavras do jurista italiano: na prpria invaso da Constituio!Ainda com espeque na opinio de Guastini,45existiriam condies a

    ser preenchidas para que um ordenamento jurdico seja considerado

    constitucionalizado, quais sejam: i) a existncia de uma constituio rgida

    (altervel mediante procedimento legislativo especial); ii) a garantia jurisdicional

    da Constituio (um controle efetivo de constitucionalidade das leis); iii) a fora

    vinculante do texto constitucional (com a mxima efetividade de suas normas); iv)

    a sobreinterpretao (uma interpretao constitucional mais aprimorada); v) aaplicao direta de suas normas (derivada da combinao da fora vinculante e da

    sobreinterpretao); vi) a interpretao conforme a Constituio (tcnica de

    interpretao que possibilita a manuteno da norma infraconstitucional no

    ordenamento jurdico se interpretada de maneira harmoniosa com a Constituio);

    43que mereceria uma anlise terica mais apurada, quem sabe em outro trabalho44. GUASTINI, 2003, p.154.45. GUASTINI, 2003.

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    34

    e a vii) influncia da constituio sobre as relaes polticas (que ensejaria numa

    postura mais ativa do judicirio na concretizao da vontade da Constituio).

    Alessandro Pace46 acrescenta que o constitucionalismo implica uma

    organizao metodolgica necessria para evitar as possveis arbitrariedades dequalquer uma das manifestaes do poder. O professor italiano ressalta que

    preciso controlar as imunidades dos chefes de Estado e dos membros do

    Parlamento, as funes do Tribunal Constitucional, sem perder de vista a

    eficincia dos poderes pblicos, evitando sempre que a necessria

    discricionariedade (que deve estar limitada, ao menos numa pespectiva finalista)

    no redunde nunca em arbitrariedade.

    Salientamos, igualmente, que o processo de constitucionalizao doordenamento jurdico constri uma inegvel relao constitutiva entre a

    Constituio e os direitos fundamentais, que no se resolve apenas pela

    constatao de que os direitos esto protegidos materialmente na Constituio,

    mas sobretudo que a Constituio se configura como uma verdadeira tcnica de

    proteo dos direitos fundamentais, dando-lhes uma naturazamais normativa e

    concreta.47

    Antes de analisarmos o processo de constitucionalizao doordenamento jurdico brasileiro, importante asseverar que, por conta dos anos de

    retrocesso poltico, social e constitucional vivenciados pelo pas durante os 21

    anos de ditadura militar, ele se manifestou muito tempo depois do processo

    europeu. Como afirma Clmerson Merlin Clve,48quando a Constituio de 1988

    foi promulgada a experincia jurdica brasileira ainda era prisioneira do

    positivismo, no existindo no pas um arsenal terico, um corpo de categorias

    funcionais e operacionais que pudessem dar conta da nova realidadeconstitucional.

    46. PACE, Disponvel em: http://www.ugr.es/~redce/. ltimo acesso em: 15/5/2008.47. DATENA, Disponvel em: http://www.ugr.es/~redce/. ltimo acesso em: 15/5/2008.48. CLVE, Texto resultante da degravao de conferncia proferida no XVIII CongressoBrasileiro de Direito Tributrio, promovido pelo Instituto Geraldo Ataliba Idepe, sem data.

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    A seguir, identificamos em breves anotaes, as caractersticas que

    apresentam o processo de constitucionalizao do ordenamento jurdico brasileiro

    de 1988, luz das lies de Guastin.

    2.3.1

    A r ig idez const itucional

    O art. 60 da Constituio Federal conhecido por ser o ncleo da

    rigidez constitucional, pois l est o processo legislativo diferenciado que dever

    ser adotado pelo legislador para o processo formal de reforma constitucional. O

    referido dispositivo traz uma srie de limitaes de ordens materiais, formais e

    circunstanciais que devem ser observadas para a alterao do texto constitucional.A par do processo rigoroso de alterao, nosso jovem texto j foi

    aoitado com 5649(cinqenta e seis) emendas constitucionais e 6 (seis) emendas

    de reviso, e a foroso lembrar que rigidez no sinnimo de estabilidade. De

    qualquer sorte, a rigidez interfere na hierarquia das leis, apresentando a

    Constituio no topo formal da estrutura normativa do pas.

    2.3.2

    A garantia jur isdicional da Const itu io

    Ao ser o parmetro do controle de constitucionalidade, a Constituio

    rechaa de todo o ordenamento jurdico normas que no estejam em harmonia

    com seu contedo. Isso significa tambm expulsar normas que sejam contrrias

    aos direitos fundamentais, garantindo-lhes a primazia sobre as demais

    codificaes infraconstitucionais.

    Neste mister, o controle de constitucionalidade no Brasil ganhou

    inegvel reforo na Constituio de 1988. O sistema difuso, com base norte-

    americana, e presente no ordenamento jurdico brasileiro desde a Constituio de

    1891, hoje se associa a um sistema de controle concentrado de constitucionalidade

    que em 1988 recebeu mais trs importantes aes, a saber: ao direta de

    inconstitucionalidade por omisso (art.103, 2); ao declaratria de

    constitucionalidade (art. 102, I, a, introduzida por meio da EC 3/93) e a

    49. At 2/6/2008, data de entrega deste trabalho.

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    argio de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, 1), que, em

    conjunto com a ao direta de inconstitucionalidade (presente no ordenamento

    jurdico desde a EC 16/1965), formam o arcabouo principal de proteo

    constitucional no controle abstrato das leis e asseguram a supremacia da

    Constituio.

    Ressalte-se ainda que a Constituio de 1988 ampliou

    significativamente o rol dos legitimados ativos para a propositura das aes

    diretas, em que pese a auto-restrio do STF na exigncia de pertinncia temtica

    para os legitimados ativos que no so considerados universais (os do art. 103,

    IV, V e IX). Alm do que, a EC 45/2004 atribuiu efeitos vinculantes s decises

    de mrito de ao direta de inconstitucionalidade (art. 102, 2).Em sede de ao direta de inconstitucionalidade por omisso,

    recentemente, abandonando a posio no-concretista geral50 adotada

    praticamente por duas dcadas, o STF decidiu51 pela fixao de prazo de 18

    (dezoito) meses para que o Congresso Nacional elabore a lei complementar

    federal anunciada pelo art. 18, 4 para cuidar da regularizao da situao da

    criao dos municpios brasileiros.

    50. Que, em resumo, impedia o juiz de editar norma faltante decidindo a questo sobre a omissolegislativa e tambm de determinar prazo para o legislador elaborar a norma faltante, em nome daharmonia e separao entre os poderes (art. 2, CF).51. O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente pedido formulado em ao direta deinconstitucionalidade por omisso ajuizada pela Assemblia Legislativa do Estado de MatoGrosso, para reconhecer a mora do Congresso Nacional em elaborar a lei complementar federal aque se refere o 4 do art. 18 da CF, na redao dada pela EC 15/96, e, por maioria, estabeleceu oprazo de 18 meses para que este adote todas as providncias legislativas ao cumprimento da

    referida norma constitucional. Inicialmente, o Tribunal, por maioria, rejeitou a preliminar deilegitimidade ativa do Presidente da Assemblia Legislativa do Estado de Mato Grosso.Salientando-se a indefinio existente na Constituio quanto aos legitimados para propor a aodireta de inconstitucionalidade por omisso, considerou-se ser inevitvel, com base no princpio dehermenutica, que recomenda a adoo da interpretao que assegure maior eficcia possvel norma constitucional, que os entes e rgos legitimados a propor a ao direta contra atonormativo possam instaurar o controle abstrato da omisso. Acrescentou-se que as alegaes deirregularidade formal da representao da Assemblia, decorrente de no haver nos autosdeliberao da Mesa, dando-lhe poder para ajuizar a ao, entrariam em choque com a presunode legitimidade que acompanha a iniciativa, devendo, entre forma e substncia, preferir-se estasempre que, na dvida entre ambas, seja o meio adequado para atingir a finalidade do institutojurdico. Vencidos, no ponto, os Ministros Marco Aurlio e Seplveda Pertence que acolhiam apreliminar, ao fundamento de que apenas a Mesa da Assemblia Legislativa estaria legitimada a

    propor a ao, tendo em conta o disposto no art. 103, IV, da CF, e a inexistncia de comprovaonos autos de deliberao prvia da Mesa no sentido do ajuizamento da ao.ADI 3.682/MT, relatorMinistro Gilmar Mendes, 9/5/2007 (ADI 3.682).

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    2.3.3

    A fora v inculante do texto const itucional

    Esta caracterstica assegura que todas as normas constitucionais so

    plenamente aplicveis e obrigam os seus destinatrios e o poder pblico. a

    vinculao do Poder legislativo, Executivo e Judicirio misso de concretizar

    todas as normas constitucionais, mesmo as classicamente denominadas como

    programticas como sempre foi taxada proteo ao direito sade.

    A ductilidade constitucional, na expresso de Zabrebelsky,52

    representada pela abertura constitucional aos princpios e valores, que formam a

    base essencial da Constituio moderna, influenciada pelas teorias de Dworkin,

    Alexy, Canotilho, Paulo Bonavides e de tantos outros doutrinadores, reestruturou

    o olhar de todos sobre a Constituio. Neste contexto, ela deixa de ser analisada

    sob o prisma estritamente formal, como norma que reuniria apenas os preceitos

    caracterizadores do Estado (normas de organizao do Estado, separao de

    poderes, repartio de competncias etc), para se expandir para todo o

    ordenamento jurdico.

    Essa fora vinculante da Constituio se irradia para os demais ramos

    do direito e a constitucionalizao marca presena importante na ordem jurdica

    privada. Nesse sentido, Maria Celina Bodin53contextualiza que os princpios da

    igualdade, da integridade fsica e moral, da liberdade e da solidariedade social ou

    familiar, que se encontram previstos na Constituio Federal, servem para

    redimensionar o conceito de dano moral.

    Em que pese a nova proposta interpretativa constitucional no

    pretender diminuir o espao do direito privado, fato que o altera

    qualitativamente, potencializando-o mediante a funcionalizao de seus

    postulados luz dos princpios fundamentais,54entre eles, a dignidade da pessoa

    humana, valor axiolgico que ao ser alado expressamente ao ambiente

    constitucional de 1988 props uma verdadeira reviravolta no ordenamento

    jurdico.

    52

    . ZABREBESLKY, 1995, p.14.53. BODIN DE MORAES, 2007.54. TEPEDINO, 2007.

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    2.3.4

    A sobreinterpretao

    Ao lado dos clssicos mtodos de interpretao constitucional da

    escola de Savigny do sculo XIX (gramatical, lgico, sistemtico e, histrico,

    principalmente), a nova interpretao constitucional assenta-se num modelo de

    princpios que, mediante o mtodo da ponderao (analisado em subseo

    especfica) visa assegurar uma efetividade maior e realizao do texto

    constitucional.

    Por meio de uma interpretao constitucional mais qualificada, os

    juzes constitucionais permitem que se extraiam da Constituio solues

    jurdicas idneas para resolver os inmeros conflitos apresentados pela sociedade.

    Os princpios da unidade constitucional, da concordncia prtica, da correo

    funcional, da razoabilidade e da proporcionalidade so expoentes importantes no

    constitucionalismo brasileiro e presentes em vrias decises do STF55 sobre o

    prprio direito sade.

    Com os postulados da nova argumentao jurdica, os direitos

    fundamentais recebem destaque quando, ao lado da perspectiva tridimensional

    norma, fato social e valor surge a discusso axiolgica e crtica para solucionar

    os conflitos por meio da argumentao.

    Como j explicitado, entendemos que a caracterstica da aplicao

    direta de suas normas derivada da combinao da fora vinculante e da

    sobreinterpretao constitucional, alm da necessria difuso da cultura jurdica

    constitucional pelo pas, modificando o padro clssico que sempre associou a

    funo da Constituio como fonte de limitao de poder poltico estatal, por isso

    a deciso de no abrir tpico especfico para tratar do assunto.

    55Que sero analisadas em subseo especfica

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    2.3.5

    A interpretao conforme a Constituio

    Em nome do princpio da presuno de constitucionalidade das leis, a

    favor da legitimidade do trabalho conjunto (em regra) realizado pelo Legislativo e

    o Executivo, a Lei 9.868/1999 agasalhou em seu art. 28, o princpio da

    interpretao conforme a Constituio em sede de julgamento de ao direta de

    inconstitucionalidade e tambm na ao declaratria de constitucionalidade.

    Impe o postulado que haja por parte do intrprete uma postura de preservao do

    sistema normativo, tendo em vista o impacto que causa a todos a invalidao de

    uma norma jurdica.

    Como bem assevera Guastini56, no existe um texto normativo que

    possua apenas um significado (ou pelo menos, dificilmente no h, ponderamos),

    ou seja, possvel que uma norma seja susceptvel de duas interpretaes, uma

    que contradiz a norma constitucional e a outra, por sua vez, completamente

    compatvel com a Constituio. Em sua tarefa diria de eleger a interpretao

    correta da norma em nome da supremacia constitucional, o juiz poder optar pela

    preservao da lei no ordenamento jurdico, desde que seja interpretada em

    harmonia ao texto constitucional.

    2.3.6

    Influncia da constituio sobre as relaes polticas

    Esse sem dvidas o aspecto mais desafiador da constitucionalizao

    do ordenamento jurdico, principalmente em face de uma Constituio dirigente

    como a nossa. Estabelecer os limites de atuao do Judicirio, os parmetros deconteno de excessos, o que verdadeiramente ambiente de discricionariedade

    administrativa e legislativa, tarefa das mais desafiadoras trazidas pelo Estado

    Constitucional de Direito.

    Como leciona Eduardo Moreira,57o controle das polticas pblicas a

    materializao da invaso da Constituio na implementao e execuo das

    56. GUASTINI, 2003.57. MOREIRA, 2008, p. 135-136.

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    polticas pblicas; direito e foras do Estado precisam andar mais juntos no Brasil.

    Diante da relevncia do tema, no toa, reservamos duas subsees para

    tratarmos do assunto.58

    Com a exposio anterior, apresentamos o primeiro passo na anlisedo tema, qual seja: a constitucionalizao, ainda que tardiamente, chegou ao

    ordenamento jurdico brasileiro. Poderamos defender que a constitucionalizao

    foi pressuposto determinante para o nascimento e desenvolvimento da

    configurao terica do neoconstitucionalismo, ou seja, sem as suas premissas no

    se pode sustentar a existncia dos novos desafios trazidos pelo

    neoconstitucionalismo. Em resumo, o novo constitucionalismo impulsionou de

    maneira determinante o neoconstitucionalismo, mas com ele no se confunde.Poderamos asseverar ainda que o neoconstitucionalismo, por no ser

    modelo terico genrico, no poderia estar presente em todos os pases de

    organizao constitucional, mas apenas naqueles que esto com os seus Estados

    Constitucionais em perfeito (ou quase isso) funcionamento, em regra, pases

    democrticos do Ocidente.

    Como falamos de um modelo terico novo, sabemos que no h

    tambm um significado unvoco ao termo neoconstitucionalismo. Podemos dizerque os estudos desenvolvidos no sentido de categorizar ou determinar aspectos

    que permitiriam a diviso do neoconstitucionalismo em linhas terico-filosficas

    distintas ainda esto em processo de construo. De qualquer sorte, a ttulo de

    exemplificao, mencionamos algumas dessas tentativas de categorizaes.

    Susana Pozzolo, citando T. Mazzarese,59 apresenta o

    neoconstitucionalismo sob dois ngulos: primeiramente, em seu sentido terico, o

    neoconstitucionalismo seria um modelo descritivo do direito do Estado

    Constitucional que se caracteriza pela negativa da tese juspositivista de separao

    entre direito e moral. Numa segunda anlise, o neoconstitucionalismo, no sentido

    axiolgico-normativo, teria preocupao com o direito real, o ideal jurdico

    concreto a ser perseguido por meio de uma proteo evolutiva dentro do modelo

    de Estado Constitucional de Direito.

    58

    . O controle judicial das polticas pblicas luz dos postulados neoconstitucionalistas. e ACrtica ao neoconstitucionalismo: governo de juzes?59. MAZZARESE, 2001 p. 188 e 189.

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    Tambm seria possvel distinguir o neoconstitucionalismo em terico

    e total. Nesse sentido, Eduardo Moreira60 (neoconstitucionalista total, por certo)

    afirma que para os defensores da linha terica, entre os quais cita Lus Pietro

    Sanchs e Lus Roberto Barroso, o neoconstitucionalismo estabelece o Direito

    Constitucional como o centro de ordenamento jurdico e da teoria do direito,

    afirmando-se como antipositivista e antijusnaturalista. Os adeptos ao

    neoconstitucionalismo total entre os quais Eduardo indica Alfonso Figueroa,

    Sastre Ariza e Antnio Cavalcanti Maia aceitam as premissas do

    neoconstitucionalismo terico, mas inovam na defesa pela conexo entre o direito

    constitucional e a filosofia do direito, apresentando a moral de maneira sofisticada

    pela pretenso de correo.

    Paolo Comanducci,61 numa tentativa de instituir uma classificao

    entre o que denomina de formas do neoconstitucionalismo, distinguiu-o sob

    uma concepo tripartida, a saber: neoconstitucionalismo ideolgico,

    metodolgico e terico, em seguida explicados.

    Apresentado como uma ideologia (o que no discordamos

    completamente), o neoconstitucionalismo avanaria quanto ao novo

    constitucionalismo porque teria como primeiro objetivo o de garantir aconcretizao dos direitos fundamentais. Ademais, no se limitaria a descrever

    apenas o processo de constitucionalizao, mas tambm a propugnar para a sua

    defesa e ampliao. Como elemento frgil desse modelo neoconstitucional,

    destacamos que no oferece premissas tericas para a sua consolidao. No plano

    das idias, o neoconstitucionalismo no passaria de um projeto audacioso, sem

    ferramentas para a concretizao, o que no o caso.

    O neoconstitucionalismo metodolgico considera que os princpiosconstitucionais fazem uma ponte entre o direito e a moral62 e seria estruturado

    pela premissa de que qualquer deciso jurdica estaria justificada se derivasse em

    ltima instncia de uma norma moral. Nesse sentido, Comanducci apresenta

    crticas coerentes sobre que tipos de normas morais poderiam justificar

    validamente uma deciso judicial: moral objetiva verdadeira (presente no

    60

    . MOREIRA, 2008, p. 48-51.61. COMMANDUCCI, 2003.62. COMMANDUCCI, 2003.

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    ordenamento jurdico); moral objetiva racional (aceita por todos); moral

    subjetivamente escolhida (pelo juiz, numa posio interna e individual); e, ainda,

    moral intersubjetivamente aceita (o juiz seria, neste caso, socilogo da moral

    positiva). Em rebate ao neoconstitucionalismo que chama de metodolgico, o

    renomado jurista ressalta que no h homogeneidade moral na sociedade e

    tambm que as normas morais compartilhadas por todos j seriam incorporadas ao

    ordenamento jurdico como regras ou princpios e no dependeriam dessa ponte

    de ligao para serem aplicadas.

    Para configurar o neoconstitucionalismo sob a perspectiva d