Dissertação de Von Martius - Como Se Deve Escrever a História Do Brasil

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"Como se deve escrever a histria do Brasil

Carl F. P. von Martius A monografia de von Martius "Como se deve escrever a histria do Brasil" , estabelecida no ano de 1845, aparece inserida numa preocupao com uma histria que tomasse a idia de um passado nacional, comum a todos os "brasileiros", que teve incio com o surgimento poltico do Brasil independente. Sua contribuio foi to importante para o conhecimento da flora brasileira, que von Martius foi homenageado como um nome de rua, no bairro do Jardim Botnico, na cidade do Rio de Janeiro. O autor deste notvel trabalho Carl Friedrich Philipp von Martius , que nasceu em Erlangen no dia 17 de abril de 1794 e faleceu no dia 13 de dezembro de 1868 na cidade de Munique. Von Martius teve muitas profisses em sua vida, nas quais foi mdico, botnico, antroplogo, cientista (formado em 1817) e um dos mais importantes pesquisadores alemes que estudaram o Brasil, mais especificamente a regio da Amaznia, no qual sua pesquisa foi to intensa sobre essa regio que seus estudos sobre Botnica acabou por se tornar um grande legado cultuado at os dias atuais, com a publicao de sua notria obra Flora Brasiliensis, do ano de 1821, na qual no adentraremos nesta discusso. Sua produo no se restringiu botnica, servindo suas obras de material para ser consultado hoje quando se realiza uma pesquisa sobre metodologia histrica corrente no sculo XIX, a exemplificar nas reas sobre folclore brasileiro e etnografia. Von Martius veio ao Brasil no ano de 1817, fazendo parte de uma comitiva da Gr-duquesa austraca Leopoldina, que viajava para o Brasil com o fim de se casar com D. Pedro I. Nessa mesma expedio veio outro personagem importante, o Cientista Johann Baptiste von Spix, com quem Martius escreve importantes obras em conjunto. Ambos faziam parte da Academia de Cincias da Baviera e tinham a misso de pesquisar as provncias mais importantes do Brasil e formar colees botnicas, zoolgicas e mineralgicas. Durante sua viagem, enfrentou com profundidade diversos problemas referentes histria do planeta, distribuio geogrfica dos organismos, aos indgenas da Amrica. Uma de suas principais preocupaes foi justamente busca de produtos medicinais eficazes que pudessem ser difundidos na Europa e mesmo na Amrica. Sua contribuio para o Brasil viria justamente de sua formao de especialista, no qual submeteu os conhecimentos dos indgenas e dos colonos brasileiros a seu mtodo cientfico, baseado, segundo ele, na induo e na verificao. Com certeza, foi um dos viajantes que mais contribuiu para inverter e contradizer o mito do bom selvagem ao analisar os indgenas brasileiros, von Martius acreditava que os ndios eram os remanescentes degenerados de povos "superiores" que teriam construdo cidades, monumentos e teriam tido cdigos de conduta muito mais "evoludos". Durante todo o perodo colonial, a Europa conhecera o Brasil por intermdio de Portugal ou daqueles que ocuparam seu territrio como Frana e Holanda, uma vez que a metrpole lusitana proibia a entrada de estrangeiros em sua colnia. A situao comeou a modificar-se a partir de 1808, quando D.Joo VI (1767-1826), que estava no Brasil por conta das invases napolenicas, decretou a abertura dos portos s naes amigas, possibilitando ao Brasil receber cientistas e viajantes que estudaram aspectos naturais e sociais do pas. As opinies de Von Martius e os preconceitos nelas encontrados so fruto do sculo XIX, uma poca na qual idias de eugenia predominavam no mundo civilizado. Este estudo de von Martius foi desenvolvido em um perodo em que o Brasil ainda era colnia, no qual possvel encontrar escritos que foram chamados de histrias do Brasil, tais como relatos de administradores, missionrios e viajantes que registraram os fatos ocorridos e observaes sobre a vida e os costumes dos habitantes do Brasil entre os sculos XVI ao XVIII. Todavia, a preocupao com uma histria que tomasse a idia de um passado nacional engendrada de maneira pontual com o surgimento poltico do Brasil independente. A partir da criao do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (1838), que se percebe mais claramente a preocupao por parte da elite letrada e poltica com o projeto de formular uma histria do Brasil. Mas somente na dcada seguinte que se acentuam as questes referentes formulao de uma histria ptria. Em um momento que a elite dirigente buscava consolidar o Estado imperial, todas as questes relativas histria do Brasil seriam cruciais para traar a forma de se cont-la e a forma como os brasileiros se veriam a si prprios. Para buscar as respostas a essas inmeras questes, o secretrio do referido Instituto, Janurio da Cunha Barbosa, props uma premiao para quem respondesse sobre qual o melhor sistema para escrever a Histria do Brasil. O ganhador do concurso foi von Martius, em contato com a voga da disciplina histrica na Europa, particularmente na Alemanha e props uma histria do Brasil que fosse ao mesmo tempo "filosfica" e "pragmtica", tendo como eixo formao de seu povo, incluindo nesta formao a "mescla das raas", delimitando o objetivo pelo qual se desenvolveu sua monografia. No ensaio de 1844, Martius postula a necessidade do historiador explicar a participao de cada uma das trs raas a de cr de cobre ou americana, a branca ou Caucasiana, e enfim a preta ou ethiopica que contriburam para formao do pas, recm independente, em outras palavras, pode-se dizer que a cada uma das raas humanas compete, segundo a sua ndole innata, segundo as circunstncias debaixo das quais ela vive e se desenvolve, um movimento histrico caracterstico e particular. Portanto, vendo ns um povo nascer e desenvolver-se da reunio e contacto de to diferentes raas humanas, podemos avanar que a sua histria se dever desenvolver segundo uma lei particular das foras diagonais. Conseqentemente, era preciso estudar os povos autctones, particularmente a lngua geral, considerada por von Martius o documento mais geral e mais significativo para a reconstruo da histria do Brasil em perodo pr-colonial. Adentrando nas prprias divises e contedos do texto de von Martius, temos uma diviso em quatro partes, sendo elas: idas geraes sobre a Historia do Brazil, Os Indios (a raa cor de cobre) e sua historia como parte da Historia do Brazil, Os portuguezes e a sua parte na Historia do Brazil, A raa Africana em suas relaes para com a historia do Brazil, ao qual se analisar de formas descontinuas seu contedo nesta resenha, apenas iniciando pelo seu primeiro argumento e mostrando as possveis reflexes sobre o tema. O texto de Von Martius inicia-se traando os detalhes do que se seguir s idas geraes sobre a Histria do Brasil. Esta primeira parte do texto de Martius estabelecer de onde devem partir todos aqueles interessados em escrever a histria do Brasil: Pas que tanto promete, como em sua concepo, dizendo ainda que jamais dever perder de vista quais os elementos que aqui concorrero para o desenvolvimento do homem. Destacamos esta questo em funo da caracterstica mais ampla a que remete, ou seja, a referncia ao homem. Caracterstica da episteme moderna tal referncia associa promessas de um futuro prdigo, pois trata-se da histria de um pas que tanto promete, e o descortino dos aspectos da indole innata das trs raas que contriburam para a formao do homem e da histria brasileira: do encontro, da mescla, das relaes mutuas e mudanas dessas trs raas, formou-se a atual populao, cuja histria por isso mesmo tem um cunho muito particular. Temos ento, nestas primeiras linhas do texto de von Martius, a vinculao entre a histria e as condies inatas, ou seja, naturais das raas que formaram o Brasil com uma ligao importantssima principalmente em relao ao mtodo, porque condiciona as possibilidades da histria passada e da histria futura do pas histria subjacente aos perfis biolgicos das diferentes raas aqui presentes, indgenas, brancos e negros. Acompanhando uma tendncia em voga na Europa e Amrica do Norte de se explicar s sociedades a partir de teses racialistas, von Martius utiliza tais proposies para explorar as possibilidades e caractersticas da historicidade brasileira. Nesse sentido, ordenar as raas aqui presentes em uma hierarquia que obedecia aos cnones do conhecimento cientfico europeu o faz proceder em seu texto descrevendo as particularidades physicas e moraes de cada uma das raas que, oferecendo a este respeito um motor especial para o desenvolvimento comum, quanto maior for a energia, nmero e dignidade de cada uma delas. Necessariamente, segundo ele, o portugus apresenta-se como o motor fundamental desse processo , garantindo as condies e garantias morais e physicas para um reino independente, no qual o portugus se apresenta como a mais poderoso e essencial figura para este fato. Alertando para a eficcia de uma historiographia-pragmatica mas tambm uma espcie de condescendncia metodolgica, von Martius ressalta a importncia de se investigar indgenas e negros, pois eles reagiram sobre a raa predominante. Alm disso, o cruzamento das raas caracterstica tambm de grandes pases como da nao inglesa, uma das justificativas que von Martius usa para a investigao das raas inferiores, pois brancos haver, diz ele que a uma tal ou qual concorrncia dessas raas inferiores taxem de menoscabo sua prospia. Tal prospia referia-se s elites certamente, pois causaria, a princpio, certa suspeio incluir negros e indgenas na construo do passado ideal para a nao, posteriormente veremos que somente os indgenas sobreviveram a esta idealizao historiogrfica. Esse processo de forja de naes e nacionalidades irrompeu no final do sculo XVIII e se efetivou durante o sculo XIX como um todo. Pela primeira vez, a idia de nao tomou forma e espalhou-se como principio ativo de formulas tanto revolucionrias como conservadoras. Mas haveria ingredientes a incorporar a esta noo que a transformariam e dariam a ela contornos bem especficos. Porque, concomitantemente idia de nao, temos a afirmao dos Estados nacionais no sculo XIX que no somente a incorporaro, mas sero os promotores desta, a partir de uma srie de mecanismos polticos e ideolgicos. Dentre estes mecanismos ressalta-se a construo de uma historiografia marcadamente elitista e voltada para a edificao intelectual das naes. Mas a questo que agora nos interessa que von Martius talvez seja um dos primeiros a mencionar a nao brasileira relacionada ao potencial moral e fsico que, por serem condies inatas, do nao a possibilidade de tornar-se to grandiosa como a inglesa, por exemplo. Para quem quisesse escrever a histria do Brasil uma questo premente seria organizar em uma classificao hierrquica tais condies, historiando as particularidades biolgicas e sociais de cada raa, isto , segundo von Martius a coisa semelhante, e talvez ainda mais importante se prope o gnio da histria, confundindo no somente povos da mesma raa, mas de raas inteiramente diversas por suas individualidades, e ndole moral e physica particular, para delas formar uma nao nova e maravilhosamente organizada. Assim, o sucesso da histria da nao brasileira e da susceptibilidade dos brasileiros depender, no entender de von Martius, da capacidade do verdadeiro historiador em apreciar o homem segundo seu verdadeiro valor, como a mais sublime obra do Criador, e abstraindo da sua cor ou seu desenvolvimento anterior. O texto de von Martius discorre, ento, sobre a melhor forma de proceder histria do Brasil. Ele expe seu mtodo, seus objetivos e suas justificativas apelando ao que chama de christianismo esclarecido enquanto caracterstica do autor filosfico, penetrado das doutrinas da verdadeira humanidade no intuito de demonstrar as condies para o aperfeioamento das trs raas que, colocadas umas ao lado das outras tem tudo para desempenhar cada qual seu papel na conformao de uma nao civilizada e em franco progresso, tudo isso sob a ateno meticulosa do Estado Imperial. Indubitavelmente, temos o delineamento, nessa primeira parte do texto, das outras subseqentes, pois cada uma discorrer sobre as particularidades de cada uma das raas, os ndios, os portugueses e os negros. No Brasil o momento em que os eruditos brasileiros perceberam que os documentos necessrios a esta empreitada intelectual no poderiam prescindir de algo mais visvel, mais palpvel, com o fim de que no ficasse aprisionado no estreito limite temporal, tendo algo que levasse a imaginao a um tempo de larga antiguidade, e que pudesse situar a tradio em patamares mais dignos. Cresce a importncia dos vestgios materiais como smbolos probatrios de um passado civilizado transformado em elemento ideolgico da representao do Estado Imperial brasileiro. A questo da nao surge ento enredada em princpios biolgicos que iro dar o tom da historiografia que ser desenvolvida pelo IHGB nos anos subseqentes. O texto de Von Martius inaugurou uma tendncia que exaltar a hierarquia entre as trs raas e que progressivamente, ao longo do sculo XIX, os autores do romantismo optaro pelos indgenas como a imagem perfeita de um passado relacionado seres exticos membros de uma natureza harmoniosa e um presente em que a catequese os redimiria e os faria parte da civilizao. Aos negros restar o esteretipo de pessoas racialmente inadaptveis, que com o tempo sero absorvidas geneticamente pelos genes superiores dos brancos, segundo as teorias da segunda metade do sculo XIX e autores que as sustentaram como Varnhagen. Que povos eram aqueles? se perguntava von Martius em seu texto, que os portugueses acharam na terra de Santa Cruz, quando estes aproveitaram e estenderam a descoberta de Cabral? Da onde vieram eles? Quais as causas que os reduziram a esta dissoluo moral e civil, que neles no reconhecemos seno runas de povos? . Tal era o grande questionamento de von Martius acerca dos povos indgenas, porque se por um lado no se pode, segundo ele, identificar mais esses povos como sendo os seres primitivos da humanidade e sim como runas de povos, por outro onde encontrar os dados necessrios para construir sua histria e mais, como integr-los histria da nao? Independente disso uma coisa era certa, os indgenas brasileiros no podiam ser considerados como o estado primitivo do homem, eles representam, segundo investigaes mais aprofundadas, o residuun de uma muito antiga, posto que perdido nahistoria . Von Martius revela aqui uma das teorias que ser um dos motes das posteriores pesquisas arqueolgicas brasileiras na segunda metade do sculo XIX: a degenerescncia dos povos indgenas. Tal teoria postulava entre outras coisas que os ndios brasileiros seriam resqucios de grandes civilizaes do passado, que teriam se degenerado em funo do cruzamento racial, e agora seriam nada mais do que fosseis vivos. A investigao sobre os indgenas dever, segundo nosso autor, proceder a uma comparao de suas manifestaes exteriores, ou seja, a recorrncia dos aspectos fenotpicos que por ventura fossem observveis em povos de mesma raa. Nesse momento, entretanto, comeavam a surgir orientaes de ordem pragmtica no estudo da Histria, onde a anlise documental aparecia como condio de verdade de Histria da nao, numa aproximao historiografia alem de cunho historicista, com uma enorme influncia de Leopold von Ranke. A necessidade de aprimorar essa funo da histria fez com que o IHGB promovesse como os seus congneres europeus, concursos de 14 monografias que explorassem as questes mais complexas que estavam em evidncia, ao qual o trabalho de von Martius foi selecionado, como foi dito anteriormente. O uso do conceito de nao que von Martius emprega ntida, pois o Brasil era uma monarquia em meio s repblicas latinas: nao, Estado e coroa esto fundidos no discurso historiogrfico, o que limitava abrangncia do conceito, restringido queles que carregavam as caractersticas histricas e fsicas para figurarem no proceder da civilizao brasileira. Partindo do texto que von Martius publicou em 1845 na revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, que o escreveu por ocasio do concurso que o IHGB promovera em 1844. Tal concurso visava estabelecer as bases metodolgicas para um futuro, porm indispensvel empreendimento de escrever a histria do Brasil, tarefa considerada de suma importncia levando em considerao os contornos que o imprio queria dar nao brasileira, ressaltando a contribuio das provncias para a unidade nacional, mas sem deixar de lado suas peculiaridades. Assim, cada particularidade das provncias refletiria sua colaborao na construo da imagem de um imprio que progredia em unssono, sob o auspcio de um imperador iluminado. De outro lado, para que esfera da alma e da inteligncia destes homens fosse apontado pelo caminho que seria pelos documentos histricos. Por tratar-se de povos grafos von Martius recomendava que as pesquisas se direcionassem para a lngua dos indgenas. Ao prprio IHGB essa recomendao aparece expressa em seu texto, pois seria na linguagem que se poderia entrever os vestgios de relaes sociais, o que abriria a possibilidade, segundo ele, de entender as cerimnias religiosas, tradies que explicassem manifestaes de canibalismo e sacrifcios humanos que s demonstravam o estado de dissoluo em que se encontravam atualmente os indgenas brasileiros. Eis a questo que nos direciona para o cerne do quadro que viemos tentando montar: os indgenas em no possuindo escrita, sua lngua e seus vestgios materiais seriam as fontes privilegiadas para quilo que o IHGB se proporia enquanto representante e instituio oficial da construo de uma imagem e uma histria ideal para a nao brasileira. Como construtor intelectual caracterstico da poca, no fugia aos parmetros de cientificidade que a disciplina histrica buscava, o que s foi possvel por uma nova noo de tempo surgida na modernidade, em grande medida baseada nas teorias newtonianas de causa e efeito. A partir dessas mudanas a expectativa passou a ser de que as aes humanas poderiam ser explicadas assim como Newton havia explicado as leis do movimento, a modernidade gerou a f no progresso ilimitado do gnero humano, separando os que haviam superado as etapas civilizatrias daqueles que, atravs das misses de f imperialistas seriam salvos do obscurantismo das supersties e tradies locais. A histria a partir de ento dependeria de fontes documentais que atestassem a autenticidade dos fatos. Esse historiador centrava a sua ateno no estudo da lngua, dos mitos e das lendas assim como na organizao social e poltica desses povos e indicava a necessidade de transferncia e a aplicao de alguns modelos europeus de organizao no Brasil e, principalmente, a aplicao de alguns modelos de instituies portuguesas. Em seu ensaio von Martius destacou o trabalho de catequese da Companhia de Jesus junto s comunidades indgenas como tambm a influncia da Igreja junto monarquia portuguesa na administrao do Brasil. Para von Martius tais fontes seriam a lngua, como j mencionado, e as runas que a exemplo dos demais povos americanos pudessem ser encontradas pelos sertes brasileiros. Isso demonstraria, atravs de fontes materiais, que os indgenas teriam sido capazes no passado de grandes realizaes, mas que agora se encontrariam neste estado de degenerescncia, ou seja, a circunstncia, porm de no se terem achado ainda semelhantes construes no Brasil certamente no basta para duvidar que tambm neste pas reinava em tempos muito remotos uma civilizao superior. Para Martius, portanto, arqueologia e etnografia estavam implicadas no trabalho de quem estivesse interessado em escrever a histria do Brasil, o que ele chamou de historiador philosophico e ethnographo, principalmente os membros do IHGB, que segundo ele deveriam concordar que lhes fossem propiciados todos os meios e sacrifcios em favor de investigaes arqueolgicas, configurando assim os aspectos fundamentais do mtodo historiogrfico desenvolvido pelo IHGB nos seus anos subseqentes. Importante ressaltar como a arqueologia, apesar de diletante e prematura, teve um papel importantssimo no projeto historiogrfico de construo de um arcabouo intelectual elitista proponente de uma imagem para o Brasil, a questo que este conjunto de representaes que se pretendia nacional, foi ao mesmo tempo um dos fatores principais da prpria fundao da nao brasileira. No cabe aqui discutir se passamos a existir como uma nao a partir disto ou no, o que discutimos que houve projetos, intenes levadas a cabo por grupos dentro da sociedade brasileira durante o sculo XIX que investiram na construo destes mitos de fundao. No estatuto primeiro do IHGB percebia-se as pretenses de se expandir para as provncias s luzes da civilizao e fazer com que cada uma, atravs de suas lideranas provinciais, contribusse demonstrando as potencialidades e particularidades da regio, ajudando assim a configurar a identidade da nao e tambm espalhando o sentimento de unidade to importante nesse momento. A referncia s luzes no retrica, mas indica de forma efetiva a herana de certa tradio iluminista, no sentido de transmitir a todo territrio as linhas mestras da civilizao, mesmo que aqui seja sob o auspcio de uma monarquia de poder centralizador crescente. bem conhecida a ambigidade acerca da imagem do indgena brasileiro construda ao longo do sculo XIX. Para alm daquela literria criada pelo romantismo, entre eles se destacando O Guarani (1857), de Jos de Alencar e A confederao dos Tamoios (1856), de Gonalves de Magalhes, importa aqui aquela imagem que foi edificada pelos estudos de natureza cientfica, aqueles etnogrficos e antropolgicos que conferiam s pesquisas arqueolgicas e histricas o grau de cientificidade que tanto se orgulhavam os pesquisadores do IHGB e Museu Nacional na segunda metade do sculo XIX. Mas para que exista um heri preciso que haja um contraponto, um vilo: De um lado, o Tupi como sustentador dos valores ticos e civilizatrios do caldeamento racial, a natureza e o selvagem domesticados. Guerreiro pico cuja pureza moral foi a sua principal virtude, mas que somente encontra os valores verdadeiros da nao no momento em que torna-se cristo. Assim com os negros, estes ltimos foram concebidos como enquanto culpados do atraso rumo civilizao e ao progresso da nao. Sua extino encontrou motivos de ordem poltica, econmica e ideolgica. De qualquer forma, o indgena torna-se o foco principal para onde se dirigem as atenes dos que pensaram uma identidade para a nao brasileira. Em nosso entendimento a pouca ateno dada aos negros nessa poca surge em funo do reflexo de uma tendncia que se solidificaria neste modelo de produo nacional, isto , a viso do elemento negro como fator de impedimento ao processo de civilizao. Como vimos, essa tendncia de considerar o indgena como fonte para a construo dos mitos de nacionalidade foi inaugurada por Von Martius a partir de seu texto vencedor do concurso de como se deveria escrever a histria do Brasil, em que para o negro algumas poucas pginas so dedicadas e de forma fugidia. O modelo de histria que ento se consolidar na segunda metade do sculo XIX ter suas bases metodolgicas fincadas neste modelo desenvolvido por Von Martius. Outra questo abordada por von Martius foi regionalizao do Brasil. Destacava a importncia de se agrupar regies com caractersticas semelhantes e histrias convergentes procurando ao mesmo tempo integr-las a um todo, evitando a fragmentao da Histria do Brasil em diversas histrias, de cada provncia ou de cada regio. H muita pesquisa feita sobre a histria da disciplina de Histria no Brasil, mas, em nenhuma delas consegue observar e sistematizar os elementos que indicam o modo pelo qual ela se institucionalizou. A Histria como disciplina no Brasil, surge no sculo XIX com a histria acadmica iniciada pelo IHGB (Instituto Histrico Geogrfico Brasileiro) que serviu de inspirao para a organizao da disciplina de Histria no nvel escolar, posta em prtica, primeiramente, no Colgio Pedro II, no Rio de Janeiro, dedicado especialmente naquela poca elite carioca. A Histria acadmica produzida no IHGB estava destinada a produzir um ensino cuja questo central era construir uma identidade nacional no momento em que o principal tema em debate era a nao. Isso fez com que a histria estivesse incorporada ao projeto nacional do romantismo e que Joaquim Manuel Macedo se tornasse professor do Colgio Pedro II. O destaque desta histria estava na relao entre natureza e cultura que procurava identificar as cores do pas.A histria se configurava como histria ptria. Nesse perodo h uma aproximao muito grande entre as duas instituies, o Colgio Pedro II e o IHGB, e alguns professores atuavam em ambas, na mobilizao do gosto pelas coisas brasileiras. Em suma, os estudos do Brasil, segundo Von Martius, devem contemplar a histria local e regional, levando em consideraes a sua formao tnica e respeitando esta, articulada nacional sem deixar de perceber o seu papel no mundo, isto , papel no contexto internacional. A questo que permanece e a que mais nos interessa saber o papel que Histria, especialmente a Histria do Brasil deve ter na formao das novas geraes, sobretudo considerando que o ensino desta matria que se fixou como oficial tornou-se um espao mais democrtico, no sendo mais s freqentado pela elite e evidentemente no se identifica com uma Histria restrita a um passado construdo sob critrios de valorizao de uma elite conservadora movida por interesses e valores europeus, mas preciso que se tenha um outro olhar para a Histria. A produo acadmica e a produo didtica fornecem elementos para uma reflexo sobre os desafios para formulao de um novo conhecimento histrico mais significativo capaz de atender a diferentes pblicos. Portanto, o que ensinar e como ensinar a Histria so questes que permanecem nos dias atuais a serem discutidas em todos as esferas de ensino.

Danylo de Almeita Ferrenha, estudante de Histria, UNIFESP.