Recherches sur les Ossements Fossiles de …...confiança de Martius, este o confio-lhe a tarefa de...
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No ano de 1824, o jovem Jean Louis Rodolphe Agassiz deixava a cidade onde
nasceu, junto ao lago Morat na Suiça. A partida do jovem era, no entanto, motivo de
alegria para os seus pais, um pastor protestante e Rose Mayor. O jovem tinha por
destino a cidade de Zurich, para iniciar a faculdade de medicina, profissão de seu avô e
tio materno.
Nos dois anos que permaneceu na Faculdade de Medicina em Zurich, entretanto,
Agassiz veio a ter contato com a cadeira de História Natural e Fisiologia que lhe
despertou grande interesse. Sua dedicação foi tanta que o professor responsável pela
disciplina confiou ao aluno a chave de sua biblioteca pessoal e de sua coleção de aves.
Agassiz passava muitas horas copiando obras daquela biblioteca, o que desgostava seus
pais,já que o interesse do rapaz pela história natural e fazia com que ele negligenciasse o
estudo da medicina.
Por desejar aprofundar seus estudos na cadeira que mais lhe interessava, Agassiz
deixou Zurich e transferiu-se para a universidade de Heidelberg e finalmente para
Munich. Nesta última universidade, tornou-se aluno do botânico von Martius1, com o
qual desenvolve uma relação de amizade. Provavelmente, foi por meio de von Martius
que Agassiz veio a ter contato com a flora e a fauna brasileiras pela primeira vez, visto
que, segundo a sua correspondência, os momentos que mais lhe davam prazer em
Munich eram as visitas a Martius, nas quais este contava detalhes de suas viagem pelo
Brasil e mostrava-lhe as magníficas coleções coletadas naquela terra tão distante
(AGASSIZ, E., 1887:43).
Para cumprir a promessa feita ao pai Agassiz chegou a concluir a faculdade de
medicina, sem, no entanto, apartar-se dos estudos de história natural. Ao conquistar a
confiança de Martius, este o confio-lhe a tarefa de concluir o trabalho de seu
companheiro de viagens ao Brasil, von Spix. A especialidade deste último era a
ictiologia, ou seja, o estudo de peixes e, após recolher várias espécimes em suas viagens
ao Brasil, veio a falecer de uma doença tropical, deixando inconcluso seu esforço para
publicar uma obra sobre o tema.
1 Carl Friedrich Philippe von Martius (1794 – 1868), médico, antropólogo e botânico, estivera no Brasil em 1817 com Johan Batist von Spix em expedição científica que acompanhava a grã-duquesa austríaca Leopoldina que vinha consumar seu casamento com o príncipe D. Pedro, filho do Rei de Portugal. 25 Carta de M. Agassiz ao filho em 25 de outubro de 1828. In: Agassiz, E., 1887
Agassiz concluiu o trabalho no ano de 1929 e dedicou-o a o naturalista de maior
destaque de sua época Georges Cuvier. O jovem naturalista tinha profunda admiração
pelo naturalista francês desde os tempos de Heidelberg quando teve contato com os
quatro volumes do Recherches sur les Ossements Fossiles de Quadrupède, où l'on
Rétablit le Caractères de Plusieurs Espèces d'Animaux que le Révolutions du Globe
Paroissent avoir Détuites (1812). A admiração de Agassiz chega a tomar proporções de
uma verdadeira obcessão. Após sua formatura o suíço decidiu morar na França, onde
encontrou trabalho como médico e procurou entrar em contato com o naturalista
francês.
Cuvier era um naturalista de gabinete, jamais viajara o mundo recolhendo
espécimes como fizera Martius, Humboldt e o próprio Darwin. Em 1798, Cuvier fora
convidado por Napoleão Bonaparte para acompanhá-lo em expedição ao Egito, o
naturalista, porém, declinou do honroso convite. Preferia ficar no conforto de seu
gabinete estudando as espécimes que lhes chegavam às trazidas de diversas partes do
globo por coletores. Tal atitude frente às viagens era comum e não tornava o naturalista
de gabinete menor do que o viajante (KURY, 2001).
Charles Lyell, reconhecidamente um dos mais eminentes geólogos do século
XIX, atestava o valor de Cuvier como naturalista e tratava o gabinete daquele homem
de ciências como um verdadeiro templo sagrado.
"Entrei ontem no sanctum sanctorum de Cuvier e é verdadeiramente
característico do homem. Por toda parte exibe a extraordinária capacidade de
metodização, que é o grande segredo dos feitos prodigiosos que ele realiza anualmente,
sem aparentar qualquer dificuldade" (LYELL, apud, GOULD, 1992:14).
Por fim, Agassiz também conseguiu o desejado acesso ao sanctum sanctorum e
foi na convivência com Georges Cuvier e com Alexander Humboldt, outro naturalista
respeitado que gozava da amizade de Cuvier, que o jovem suíço solidificou suas
posições acerca da evolução das espécies.
Segundo Ernest Mayr ninguém produziu tanto conhecimentos novos quanto
Georges Cuvier em seu tempo. Seus estudos sobre os invertebrados com base em sua
anatomia interna ou ainda seus estudos fundadores da paleontologia e anatomia
comparada tinham muita repercussão e respeitabilidade nos meios científicos. Cuvier,
contudo, não tinha qualquer inclinação às ideias evolucionistas. Mesmo tendo Jean
Baptiste de Lamarck (1744 - 1829) proposto com todas as letras a possibilidade de
evolução de espécies, sua fala foi eclipsada pela argumentação convincente e ancorada
numa tradição científica já estabelecida de Cuvier (MAYR,1998: 407).
Na verdade, os estudos paleontológicos do próprio Cuvier davam pistas de um
processo evolutivo, visto ter esse percebido em escavações em estratos terciários de
Paris, que cada um dos estratos correspondentes a eras anteriores exibia sua fauna
particular de mamíferos. Mais do que isso, demonstrou que quanto mais baixo o extrato,
tanto mais os vestígios da fauna encontrados diferiam da atual (Ibidem, 406).
Acontece que Cuvier vinculava-se ao essencialismo, o qual em última instância
remete-se ao conceito platônico de eidos e que posteriormente foi incorporado pelo
cristianismo e a perspectiva criacionista (Ibidem,238).
Contudo, tanto o essencialismo que pressupunha a fixidez das espécies, bem
como o criacionismo eram colocados em cheque frente às descobertas de fósseis como o
de mamutes congelados na Sibéria ou o de répteis jurássicos de Caen, no norte da
França em 1820. Teriam tais animais sido extintos, teriam sofrido transformações
devido à ação de um meio ambiente extremamente poderoso, conforme postulavam
Lamarck e Geoffroy Saint- Hilaire? (Ibidem, 405).
Opondo-se à percepção de que pudesse haver um processo evolutivo, o
naturalista chamava a atenção para o fato de que a múmia de animais encontrados nas
tumbas egípcias, velhos de milhares de anos, eram perfeitamente indistinguíveis dos
representantes atuais da mesma espécie. Embora admitisse que a ação do meio pudesse
causar modificações periféricas, tais como tamanho e cor, em essência tais animais
permaneciam vinculados à mesma espécie (ibidem, 408).
Contudo, se animais fossilizados como preguiças gigantes ou mamutes não
teriam passado por um processo evolutivo que os vinculasse aos animais
contemporâneos, o que teria se dado com aquela fauna desconhecida. Estariam tais
animais habitando alguma região do planeta que não fora explorada, ou, talvez,
tivessem simplesmente sido extintas? a primeira opção mencionada, diante do
conhecimento de navegação que se dispunha no século XIX, seria muito pouco provável
que tais animais estivessem ocultos ao europeu que circulava então pelos sete mares,
por outro lado, a segunda opção colocava em cheque a própria figura de Deus. Visto
que, como ser perfeito teria, conforme o relato bíblico classificado como bom cada
etapa da criação. Se, na sua perfeição o próprio Deus classificou as espécies criadas com
o adjetivo, "bom", tais espécies não estariam sujeitas a evolução, já que não é possível
melhorar a perfeição e nem tampouco alguma espécie poderia desaparecer, pois caso
isso ocorresse, tornaria imperfeita a criação divina.
O catastrofismo elaborado por Cuvier dava uma resposta aceitável nos padrões
científicos da época para o dilema criado. Supondo que cada extrato geológico marcava
eventos catastróficos e traumáticos como o avanço do mar por sobre terrenos ora secos.
O que destruía um número significativo de espécies. Contudo, ainda ficava a questão:
teriam novas espécies sido criadas para substituir as anteriores, mantendo assim de
forma divina a harmonia do criador? Tal opção não era aceita por Cuvier, deixando
assim a questão em aberto. Mas o fato é que novas espécies encontradas em extratos
superiores, muitas vezes guardavam semelhanças com as de extratos inferiores, o que
levava muitos criacionistas a efetivamente acreditarem que após cada evento
catastrófico a providência substituiria as espécies extintas por outras novas e assim a
harmonia universal permaneceria. Alguns deístas, adeptos da geração espontânea,
achavam que da própria matéria orgânica tais novas espécies surgiam a medida em que
uma anterior desaparecia.
Agassiz dedicou seu trabalho acerca dos peixes brasileiros a Cuvier e este
escreveu uma carta ao então estudante de Munich agradecendo-o a deferência.
"Vós haveis me honrado muito, e da mesma forma o fez M. Martius, ao colocar
meu nome diante de uma obra de reconhecido valor a qual publicam; a importância e a
raridade das espécies que são descritas e a beleza das figuras tornam esta obra de suma
importância para a ictiologia. Nada poderá ser-lhe adicionada quanto à exatidão das
descrições que haveis feito"2
Com seu trabalho acerca dos peixes do Brasil como cartão de visita, Agassiz
acabou por ter acesso ao gabinete de Cuvier, onde desfrutava da convivência do mestre
naturalista e ainda da de Alexander von Humboldt. Em pouco tempo Cuvier permitiu ao
jovem, acesso à sua coleção de peixes fósseis para que o naturalista desenvolvesse o
trabalho Recerches sur les poissons fossiles. Além disso, pouco antes de sua morte,
Cuvier confiou a Agassiz suas anotações, tesouro certamente ambicionado por muitos
naturalistas da época.
Alexander von Humboldt, por sua vez tornou-se amigo próximo a Agassiz. Foi
por meio do naturalista alemão que Agassiz veio a tornar-se professor da Universidade
de Neuchatel.
Embora a ictiologia, especialmente o estudo dos peixes fósseis demandassem
bastante atenção de Agassiz, como um homem de ciências típico da sua época, o
naturalista se aventurava por outras áreas de conhecimento sem que isso se constituísse
grande problema. Embora Humboldt aconselhasse Agassiz a não dispersar seu
conhecimento por um número demasiado de áreas.
Ao empreender algumas excursões aos Alpes, Agassiz desenvolve a teoria da
glaciação, algo que estaria em consonância com o catastrofismo de Cuvier. Isurgindo-se
por estudos geológicos Agassiz afirmava que a aparição daquela cadeia montanhosa era
resultado do maior cataclisma que o planeta conheceu, o qual mudou drasticamente a
superfície do planeta. Tal foi o impacto que o próprio clima planetário foi drasticamente
alterado promovendo uma idade glacial que durou por bastante tempo, fazendo com que
a calota polar do norte se estendesse até as bordas do Mediterrâneo.
Assim, o fenômeno da glaciação e um novo aquecimento marcariam fechamento
de um ciclo ou época geológica que ao seu fim provocava o desaparecimento de um
grande número de seres vivos e, a época nascente seria marcada pela criação de novas
espécies em substituição às antigas (AGASSIZ, E., 1887:200).
2 Carta de Georges Cuvier a Agassiz. Paris, 3 de agosto de 1829 (AGASSiZ, Elizabeth, 1887, p. 86).
Um dos indícios de que a hipótese de Agassiz poderia ser verdadeira eram as
"morenas", grandes sulcos cavados na terra por pedras imensas que, segundo Agassiz
teriam sido arrastadas pela enorme massa de água desprendida das geleiras nos
momentos em que a temperatura voltava a subir. Várias dessas marcas foram
encontradas por Agassiz, e sua explicação era bastante plausível.
Em 1834 a reputação de Agassiz como cientista já era grande e naquele ano
recebeu uma carta de Charles Lyell informando-o que a Sociedade Geológica de
Londres o havia escolhido para receber um prêmio de mil libras esterlinas como forma
de encorajá-lo nos estudos geológicos que empreendia.
Paralelamente aos estudos geológicos, Agassiz continuava a fazer sua pesquisa
sobre os peixes fossilizados, Recherches sur le poissons fossiles, o trabalho terminou
em 1843. No seu modelo classificatório dos peixes, o naturalista suíço deixava claro sua
vinculação ao separacionismo. Enquanto taxonomistas "aglutinadores" tendiam a
agrupar seres que apresentam pequenas diferenças como sendo de uma mesma espécie,
os separacionistas, como Agassiz, consideravam a mínima diferença como o suficiente
para classificar uma nova espécie. Segundo Stephan J. Gould (2003) Agassiz chegou a
distiguir três diferentes espécies de peixes fósseis a partir simplesmente de variações na
dentição, o que posteriormente um paleontólogo reconheceria como dentição variável
de um mesmo indivíduo.
Novamente veio do amigo Humboldt a notícia de uma oportunidade que mudou
radicalmente a vida de Agassiz: Sua Majestade Frederico IV da Prússia financiaria a
viagem do naturalista suíço para os Estados Unidos da América, local onde poderia
ampliar seus estudos acerca das glaciações e, enfim comprovar que sua tese sobre
períodos glaciais cíclicos tinha deixado indícios, as "morenas", também em solo
americano.
No ano de 1845, Agassiz partiu para a América e, embora, supostamente
pretendesse voltar para Neuchatel, jamais retornou. A essa altura já era casado, mas a
esposa, de saúde delicada, e as três crianças permaneceram na Europa. Algum tempo
depois, sua esposa faleceu e Agassiz mandou buscar os filhos, contraindo novo
matrimônio com a estadunidense Elizabeth Cary.
No Novo Mundo, Agassiz passou a ocupar a cadeira de História Natural na
Universidade de Cambridge em Massachusetts. Assim, sua vida se estabelece nos
Estados Unidos, local onde era muito respeitado como naturalista. Sua visão
separacionista quanto à classificação das espécies acabou por transbordar para a
classificação das raças humanas, o que deu bastante lenha para os senhores
escravocratas nos Estados Unidos argumentarem haver uma separação intrínseca entre
brancos, negros e ameríndios.
A primeira vez que Agassiz teve contato mais aproximado com um ser humano
negro foi na Filadélfia e a carta em que descreve as suas impressões é no mínimo
chocante. Ao ser servido no café da manhã por pessoas de cor preta, Agassiz foi tomado
por sentimento de repugnância.
"Não obstante sentir compaixão por seu destino ao pensar que se tratava
realmente de homens. Contudo, é-me impossível reprimir a impressão de que eles não
são feitos do mesmo sangue que nós. Ao ver suas faces negra com lábios grossos e
dentes disformes, a carapinha de suas cabeças, seus joelhos torcidos, suas mãos
alongadas, suas grandes unhas curvas, e principalmente a cor lívida da palma de suas
mãos, não pude deixar de cravar meus lhos em seus rostos para mandá-los se
conservarem à distância. E, quando estendiam aquelas mãos horrendas em direção ao
meu prato a fim de me servir, desejei ter a coragem de me levantar e sair à procura de
um pedaço de pão em qualquer lugar, em vez de ser servido por gente como essa. Que
desgraça para a raça branca ter ligado sua existência tão intimamente à dos negros em
certos países! Que Deus nos livre desse contato! (AGASSIZ. L., apud, GOULD,
2003:31).
Agassiz se tornou nos Estados Unidos um grande propagador do poligenismo,
ou seja, defensor da hipótese de que o homem não seria oriundo de uma ascendência
comum, mas teria surgido em diferentes lugares no globo. Dessa forma, a mistura de
raças produzia seres degenerados, pouco férteis e física e moralmente débeis.
Quanto à classificação das espécies de animais, Agassiz tomou de empréstimo o
conceito de "províncias geológicas" de seu amigo e benfeitor Alexander von Humboldt
e o adaptou para "províncias zoológicas".
Para Humboldt era necessário que o viajante ao descrever alguma espécime de
planta, o faça inserindo tal exemplar numa paisagem local. Para o estudo das plantas era
necessário uma descrição detalhada da sua localização, da altitude do clima, inclusive a
representação iconográfica do lugar de coleta (KNIGHT, 1981: 16-17;
KURY,2001:879).
Tal procedimento foi de grande importância, pois evitou alguns equívocos
comuns, como tomar uma amostra advinda da planície e classificá-la como de uma
região montanhosa ou vice-versa. Nas "províncias zoológicas" de Agassiz, supunha-se
que tal como as plantas, os animais tivessem sido criados para ocupar um determinado
nicho, com clima, incidência de chuvas, altitude, etc. e que tal espécie dificilmente se
adaptaria a um ambiente diverso daquele para o qual foi criado. A diferença, no entanto,
no que se refere aos animais, é que Agassiz não levava em conta o quanto a mobilidade
poderia mudar radicalmente esse quadro.
Percebe-se por parte do naturalista suíço uma característica da modernidade,
qual seja a necessidade de classificar para dar ao mundo uma estrutura, controlar o fluxo
da vida, impor uma ordem de maneira a recuperar o controle e eliminar a casualidade.
Nas palavras de Bauman,
"Classificar significa separa, segregar. Significa primeiro postular que o mundo
consiste em entidades discretas e distintas; depois, que cada entidade tem um grupo de
entidades similares ou próximas ao qual pertence e com as quais conjuntamente se opõe
a algumas outras entidades; [...] Classificar, em outras palavras, é dar ao mundo uma
estrutura: manipular suas probabilidades, tornar alguns eventos mais prováveis que
outros, comportar-se com se os eventos não fossem casuais ou eliminar sua
casualidade"(BAUMAN, 1999: 9).
Agassiz chegou a tal nível na sua necessidade de ordenar o mundo relegando a
cada espécie o seu lugar determinado, que sua proposta para resolver o problema racial
nos Estados Unidos era que se relegasse aos negros as regiões de clima mais quente e
que a raça branca se fixasse nos Estados do Norte. Quanto aos mulatos, estes tinham
uma existência transitória, portanto, poderia-se, de forma humanitária, acolhe-los onde
bem quisessem até que naturalmente viessem a desaparecer (AGASSIZ, E. 1887: 463-
467).
Diante de tudo o que foi dito, não é de se espantar a reação do naturalista,
quando no ano de 1859, já conhecido e respeitado nos Estados Unidos e no mundo,
recebeu em sua correspondência o livo Origem das Espécies de Charles Darwin,
acompanhado de um envelope com uma carta do autor da obra.
"Eu tenho a ventura de enviar-lhe a cópia de meu livro.. . sobre a origem das
espécies. Quanto às conclusões que cheguei em muitos pontos são bastante divergentes
das suas, então pensei ( você em algum tempo deve ler o meu volume) que possa
imaginar que o tenha enviado... Movido por um espírito totalmente diferente. Espero
que, pelo menos, dê-me crédito pelo fato de ter cuidadosamente me esforçado ao
máximo para chegar à verdade, ainda que possa considerar minhas conclusões
equivocadas (DARWIN, apud, LURIE, 1960: 253) .
Charles Darwin, não parecia convencido de que conseguiria por meio de seu
livro demover Agassiz de suas crenças científicas mais arraigadas. E realmente não o
fez. As impressões de Agassiz foram as piores possíveis acerca da obra de o inglês
titubeou tanto em lançar. "Isso é realmente monstruoso" é a expressão anotada na
margem do pequeno livro verde.
Várias são as razões para que Agassiz tomasse por monstruoso o trabalho do
naturalista inglês. Tudo naquela obra ia de encontro à formação científica de Agassiz e
sua filiação com Georges Cuvier. Basta atermo-nos ao cerne da teoria Darwinista, a
seleção natural para entender que seria necessária uma mudança paradigmática profunda
no naturalista suíço para que pudesse cogitar a possibilidade daquela proposição ser
verdadeira. Era, em verdade, algo que aniquilaria toda a obra de uma vida.
Charles Darwin nasceu em 1809 em Shrewsbury, Shropshire na Inglaterrra, filho
de Robert Darwin, um médico eminente e muito bem sucedido. Seu avô paterno era
Erasmus Darwin, autor de Zoonomia. Sua mãe morreu quando o pequeno Charles tinha
apenas oito anos de idade.
Todos os biógrafos concordam que a viagem do Beagle de 1831 a 1836 foi o
evento que marcou definitivamente a vida de Darwin e o rumo que tomou desde então
as suas pesquisas como naturalista. Um dos comentários que anotou em seu diário na
ilha de Galápagos dava conta de que os pássaros daquele ponto isolado do continente
diferiam apenas ligeiramente na sua estrutura, fato que o levava a "suspeitar que sejam
variedades" (MAYR, 1998:457).
Outra observação que o intrigava era a descoberta de grandes animais fósseis e
como tais animais pareciam estreitamente aparentados com animais atuais como o caso
dos tatus (id).
Naquele momento, contudo, Charles Darwin não tinha uma resposta clara para
as suas questões. Na verdade, durante os vinte anos seguintes, Darwin não toucou do
assunto da evolução da espécie, embora em carta a amigos mencionasse estar
preparando o livro das espécies. Poderiam elas alterar-se a ponto de transformarem-se
em outra? Embora desenvolvesse trabalhos como naturalista e fizesse parte do círculo
mais erudito de cientistas como Charles Lyell, somente quando recebeu em 1858 uma
carta de um colega naturalista Wallace em que enviava um artigo pedindo que Darwin o
encaminhasse a Lyell. Qual não foi a surpresa ao perceber que suas conclusões
convergiam. Assim, no ano seguinte fora publicado conjuntamente os trabalhos de
Darwin e Wallace.
Bastava a proposição de que as espécies evoluem para que Agassiz tomasse por
"monstruoso" o livro de Darwin. Já que tal afirmativa ia de encontro à sua crença na
fixidez das espécies. Não bastasse isso, a seleção natural postulada por Darwin partia do
princípio que todo indivíduo busca naturalmente crescer e reproduzir-se de tal forma a
perpetuar-se como espécie. Porém, se todos forem bem sucedidos os recursos limitados
do meio ambiente não serão suficientes para sustentar toda a população de indivíduos.
Logo é preciso que haja uma seleção.
Tal seleção se dá na medida que um indivíduo da mesma espécie se mostra mais
apto do que o outro para crescer e reproduzir-se. Fato que levaria o indivíduo menos
apto diminuir sua possibilidade de multiplicar-se em indivíduos semelhantes a si e, por
fim à prevalência do melhor adaptado ao meio.
Tudo isso aconteceria numa longuíssima duração e, a especiação seria facilitada
por barreiras geológicas naturais que se colocassem entre indivíduos da mesma espécie
inserido-os em meios diversos. Como toda espécie sofre casualmente pequenas
mudanças, quando tais transformações facilitam a capacidade de um indivíduo de
alimentar-se e reproduzir-se, este tenderá a deixar um número maior de descendentes.
O mundo de Agassiz não poderia suportar uma teoria que bania a providência e
deixava ao acaso a decisão de quem deveria morrer ou viver.
A princípio tudo aquilo deve ter soado como algo nada ameaçador. No entanto, a
posição hegemônica de Agassiz na América já começava a ser minada. Já no ano de
1858 um dos mais importantes botânicos do século XIX, Asa Gray, professor em
Harvard começara a discordar publicamente das posições de Agassiz sobre a flora do
Nordeste Americano e do Japão. O Professor Gray que se correspondia frequentemente
com Darwin e com Hooker, passara a cogitar a hipótese de haver alguma conexão entre
espécies de plantas separadas pelo Oceano Pacífico. Não somente isso, mas tanto Gray
quanto outros homens de ciência pareciam dispostos a minar a autoridade de Agassiz
com base nas proposições darwinistas (LURIE, E., 1960: 292).
A disputa entre Agassiz e Gray tendeu a acirrar-se nos anos subsequentes e,
embora Agassiz contasse com alguns bastiões, não era raro que pouco a pouco estes
fossem mudando de lado e passassem a professar o darwinismo.
No ano de 1865 surgiu uma possibilidade que poderia trazer de volta o prestígio
que Agassiz via escapar-lhe das mãos. Um filantropo americano, mecenas das ciências
ofereceu voluntariamente a Agassiz os meios para que esse empreendesse uma viagem
científica.
Como desde a sua formação, Agassiz tinha entrado em contato com espécimes
da fauna brasileira com a coleção de von Spix e, além disso mantinha correspondência
frequente com o imperador do Brasil, inclusive recebendo deste novas espécies.
Aproveitou a oportunidade para empreender a expedição Thayer, cujo nome
homenageava o benfeitor Nathaniel Thayer.
Rapidamente o naturalista formou com sua esposa, Elizabeth Cary Agassiz uma
tripulação formada por geólogos, um ornitologista, um preparadores, além de
voluntários e seu próprio cunhado e um casal de amigos que aproveitava o paquete para
descansar na capital do império dos Trópicos, Rio de Janeiro.
Durante a viagem Agassiz ministrava palestras à sua tripulação, nas quais tratava
das questões essenciais para a empreitada,
"A origem da vida é o grande problema do dia. Como o mundo orgânico chegou
a ser o que é? Eus uma questão sobre a qual devemos desejar que nossa viagem traga
algum esclarecimento. Como o Brasil se tornou habitado pelos animais e as plantas que
nele vivem atualmente? Quais os seres que o povoaram nas eras passadas? Que razões
temos nós para acreditar que o atual estado de coisas nesse país derive por uma forma
qualquer de um estado de coisas anterior?..." (AGASSIZ, E. & L., 2000:29).
Com tal propósito, Agassiz e sua tripulação partiram para o Brasil. Estava
decretada luta aberta contra o darwinismo e para tal o naturalista suíço não economizava
esforços. Chegando ao Brasil ficou algum tempo no Rio de Janeiro, partindo,
posteriormente a comissão partiu para a região amazônica, local pelo qual circulou
recolhendo espécimes da flora e da fauna, em tamanha quantidade que após a sua volta
aos Estados Unidos o trabalho de organização e catalogação de todas as amostras
tornou-se impraticável.
Uma questão de suma importância para o naturalista em sua jornada anti-Darwin
era comprovar a hipótese de que catástrofes periódicas tendiam a extinguir espécies de
animais e plantas encontrados em extratos geológicos antigos, o que seria indício do
catastrofismo como forma explicativa das diferenças entre os seres de outras eras e os
atuais, sem recorrer a qualquer hipótese evolucionista.
Agassiz estava convencido de que a bacia amazônica abaixo da Cordilheira dos
Andes teria sofrido um processo de glaciação em tempos remotos e para isso procurava
vestígios de marcas nos solos, as "morenas". Na verdade o suíço retornou aos Estados
Unidos convencido de que tinha encontrado tais indícios, embora, geólogos de nome
como Lyell não lhe tenham poupado críticas acerca de suas conclusões (LURIE,
1960:354).
Dentre os de sua própria equipe, Agassiz acabou por ser contestado. O geógrafo
que posteriormente veio viver e trabalhar no Brasil, Charles Hartt discordou das
conclusões do lider da expedição no que se refere aos indícios de que a Amazônia
brasileira teria passado por um período glacial. Da mesma forma o engenheiro brasileiro
Guilherme Capanema, tomava por precipitadas as conclusões de Agassiz (SOUSA,
2008: 89).
Quanto à classificação das espécies, Agassiz procedia da mesma forma. Sua
ideia fixa em combater o Darwinismo o conduzia por caminhos que corroboravam suas
crenças apriorísticas.
O fato é que, embora tivesse um fôlego de trabalho imenso e uma disposição
invejável de defender suas ideias. Agassiz tornou-se cada vez mais isolado. Muitos de
seus companheiros próximos acabaram por abandonar a ciência com base na fixidez das
espécies, do criacionismo e no catastrofismo e abraçaram o evolucionismo nos moldes
darwinistas.
Posteriormente,em 1872, Agassiz empreendia nova viagem, na qual visitava
vários sítios em que Darwin na sua viagem do Beagle, tantos anos antes escreveu seus
diários. Como se pode supor, Agassiz não pretendia com tal empreitada render-se
finalmente ao darwinismo. Mas, curiosamente, enquanto se encontrava na expedição,
seu filho Alexander Agassiz escrevia a Darwin uma carta na qual se professava o mais
novo convertido ao evolucionismo (LURIE, 1960: 373).
Embora tenha morrido em 1873 no ostracismo, não se pode pensar em Agassiz
como um representante de algum tipo de pseudo ciência. O naturalista representa o
pensar científico de um período que muito legou aos que o sucederam. O próprio
Darwin, a quem poderia atribuir-se as mazelas dos últimos dias de Agassiz, tratou-o
com reverência e respeito até os seus últimos momentos.
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